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Sexta-feira, 28 de Maio de 2010 I Série — Número 62

XI LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2009-2010)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 27 DE MAIO DE 2010

Presidente: Ex.mo Sr. Jaime José Matos da Gama

Secretários: Ex.mos Srs. Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Abel Lima Baptista
Pedro Filipe Gomes Soares

SUMÁRIO O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 7 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa dos projectos de lei n.os 285 e 287/XI (1.ª) e dos projectos de resolução n.os 147 a 152/XI (1.ª).
Ao abrigo do artigo 72.º do Regimento da Assembleia da República, procedeu-se a um debate de actualidade, requerido pelo PCP, sobre o aumento dos preços dos transportes públicos, tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Jorge Lacão), os Srs. Deputados Bruno Dias (PCP), Adriano Rafael Moreira (PSD), Hélder Amaral (CDS-PP), José Luís Ferreira (Os Verdes), João Paulo Correia (PS) e Heitor Sousa (BE).
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia (Os Verdes), face à derrocada de arribas que tem acontecido no litoral, insurgiu-se contra as medidas de austeridade, propostas pelo Governo, sobre o investimento programado para a consolidação do litoral e respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Jamila Madeira (PS), Cecília Honório (BE), Miguel Tiago (PCP) e Artur Rêgo (CDS-PP).
Também em declaração política, o Sr. Deputado Agostinho Lopes (PCP) deu conta de uma entrevista do Professor do Instituto Superior de Economia e Gestão João Ferreira do Amaral em que refere as consequências da entrada no euro na actual situação económica do País, com elevada taxa de desemprego e estagnação económica, e defende a alteração de políticas para saída da crise. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados José Gusmão (BE) e Hortense Martins (PS).
Igualmente em declaração política, a Sr.ª Deputada Rita Calvário (BE) criticou as reduções nas medidas anticrise aprovadas pelo Governo em Conselho de Ministros, nomeadamente o corte nos apoios sociais, após o que respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Matos Rosa (PSD), Jamila Madeira (PS) e Jorge Machado (PCP).
Ainda em declaração política, a Sr.ª Deputada Cecília Meireles (CDS-PP) teceu críticas ao Governo pelo modo

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como alguns membros do Governo têm anunciado diversas medidas de combate à crise e respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Sérgio Sousa Pinto (PS), João Oliveira (PCP) e Pedro Duarte (PSD).
Em declaração política, o Sr. Deputado Jorge Costa (PSD) acusou o Governo de não respeitar princípios de equidade, justiça e transparência ao introduzir portagens em algumas auto-estradas SCUT. No final, deu resposta a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Jorge Machado (PCP), Rui Pereira (PS), Hélder Amaral (CDS-PP) e Heitor Sousa (BE), tendo ainda respondido à Sr.ª Deputada Ana Paula Vitorino (PS), que usou da palavra em interpelação à Mesa.
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado Lúcio Ferreira (PS), assinalou a passagem, no passado dia 20, do Dia Europeu do Mar e, no próximo dia 31, do Dia Nacional do Pescador, homenageou os pescadores portugueses e salientou a importância da actividade da pesca no nosso país. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Ulisses Pereira (PSD), Altino Bessa (CDSPP), Agostinho Lopes (PCP) e Pedro Soares (BE).
A Câmara apreciou, na generalidade, em conjunto, os projectos de lei n.os 225/XI (1.ª) — Primeira alteração à Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, que adopta medidas de protecção das uniões de facto (BE), 280/XI (1.ª) — Primeira alteração à Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, que adopta medidas de protecção das uniões de facto (PS) e 253/XI (1.ª) — Reforça o regime de protecção das uniões de facto (PCP), tendo usado da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Helena Pinto (BE), Ana Catarina Mendonça (PS), Francisca Almeida (PSD), João Oliveira (PCP), Luís Marques Guedes (PSD), José Manuel Pureza (BE), Filipe Lobo d’Ávila (CDS-PP) e José Luís Ferreira (Os Verdes).
Foram discutidos conjuntamente, na generalidade, os projectos de lei n.os 212/XI (1.ª) — Altera o Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade (Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro) (CDS-PP), 251/XI (1.ª) — Alteração ao Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro (BE) e 268/XI (1.ª) — Primeira alteração ao Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (Aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro) (PCP), bem como a petição n.º 62/XI (1.ª) — Apresentada por Nuno Miguel Miranda de Magalhães e outros, solicitando à Assembleia da República a alteração dos artigos do Código de Execução de Penas que permitem a saída das prisões de condenados por crimes violentos.
Usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Nuno Magalhães (CDS-PP), Manuel Seabra (PS), Hugo Velosa (PSD), António Filipe (PCP), Helena Pinto (BE) e Filipe Neto Brandão (PS).
Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 22/XI (1.ª) — Regula a utilização de meios técnicos de controlo à distância (vigilância electrónica) e revoga a Lei n.º 122/99, de 20 de Agosto, que regula a vigilância electrónica prevista no artigo 201.º do Código de Processo Penal e dos projectos de lei n.os 275/XI (1.ª) — Alterações ao Código de Processo Penal (PSD) e 277/XI (1.ª) — Altera o Código Penal, em matéria de crime continuado e liberdade condicional, e o Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, em matéria de regime aberto no exterior e licenças de saída jurisdicionais (PSD). Proferiram intervenções, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado da Justiça (João Correia), os Srs. Deputados Carlos Peixoto (PSD), Nuno Magalhães (CDS-PP), Helena Pinto (BE), Isabel Oneto (PS) e João Oliveira (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 47 minutos.

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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 7 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Socialista (PS)
Acácio Santos da Fonseca Pinto
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Paula Mendes Vitorino
Anabela Gaspar de Freitas
António Alves Marques Júnior
António José Martins Seguro
António Ramos Preto
António Ribeiro Gameiro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Aurélio Paulo da Costa Henriques Barradas
Carlos Filipe de Andrade Neto Brandão
Catarina Marcelino Rosa da Silva
Defensor Oliveira Moura
Deolinda Isabel da Costa Coutinho
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Eurídice Maria de Sousa Pereira
Fernando Manuel de Jesus
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Frederico de Oliveira Castro
Glória Maria da Silva Araújo
Horácio André Antunes
Inês de Saint-Maurice de Esteves de Medeiros Vitorino de Almeida
Jaime José Matos da Gama
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
Jorge Filipe Teixeira Seguro Sanches
Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Manuel Rosendo Gonçalves
José Albano Pereira Marques
José Carlos Bravo Nico
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Duarte Piteira Rica Silvestre Cordeiro
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José João Pinhanços de Bianchi
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Pereira Ribeiro
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Rui Alves Duarte Cruz
João Barroso Soares
João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano
João Paulo Feteira Pedrosa
João Paulo Moreira Correia
João Pedro de Aleluia Gomes Sequeira
João Raul Henriques Sousa Moura Portugal

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João Saldanha de Azevedo Galamba
Júlio Francisco Miranda Calha
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís António Pita Ameixa
Luís Miguel Morgado Laranjeiro
Luís Miguel Soares de França
Luís Paulo Costa Maldonado Gonelha
Lúcio Maia Ferreira
Manuel António Gonçalves Mota da Silva
Manuel José de Faria Seabra Monteiro
Marcos Sá Rodrigues
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria Helena Figueiredo de Sousa Rebelo
Maria Hortense Nunes Martins
Maria Isabel Solnado Porto Oneto
Maria José Guerra Gamboa Campos
Maria Luísa de Jesus Silva Vilhena Roberto Santos
Maria Manuela de Almeida Costa Augusto
Maria Odete da Conceição João
Maria da Conceição Guerreiro Casa Nova
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria de Lurdes Ruivo
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Miguel João Pisoeiro de Freitas
Miguel de Matos Castanheira do Vale de Almeida
Mário Joaquim da Silva Mourão
Nuno André Araújo dos Santos Reis e Sá
Nuno Miguel da Costa Araújo
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Barros Teixeira Santos
Paulo Alexandre de Carvalho Pisco
Pedro Manuel Farmhouse Simões Alberto
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui José Prudêncio
Rui José da Costa Pereira
Sofia Isabel Diniz Pereira Conde Cabral
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Teresa do Rosário Carvalho de Almeida Damásio
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Brandão de Sousa Fontes

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Partido Social Democrata (PSD)
Adriano Rafael de Sousa Moreira
Adão José Fonseca Silva
Agostinho Correia Branquinho
Amadeu Albertino Marques Soares Albergaria
Antonieta Paulino Felizardo Guerreiro
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Carlos Sousa Gomes da Silva Peixoto
António Cândido Monteiro Cabeleira
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Egrejas Leitão Amaro
António Fernando Couto dos Santos
António Joaquim Almeida Henriques
Arménio dos Santos
Carina João Reis Oliveira
Carla Maria Gomes Barros
Carla Maria de Pinho Rodrigues
Carlos Alberto Silva Gonçalves
Carlos António Páscoa Gonçalves
Carlos Henrique da Costa Neves
Carlos Manuel Faia São Martinho Gomes
Celeste Maria Reis Gaspar dos Santos Amaro
Cristóvão da Conceição Ventura Crespo
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Emídio Guerreiro
Fernando Mimoso Negrão
Fernando Nuno Fernandes Ribeiro dos Reis
Fernando Ribeiro Marques
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Hugo José Teixeira Velosa
Isabel Maria Nogueira Sequeira
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Jorge Cláudio de Bacelar Gouveia
Jorge Fernando Magalhães da Costa
José Alberto Nunes Ferreira Gomes
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel Marques de Matos Rosa
José Manuel de Matos Correia
José Pedro Correia de Aguiar Branco
José Álvaro Machado Pacheco Pereira
João Bosco Soares Mota Amaral
João Carlos Figueiredo Antunes
João José Pina Prata
Luís António Damásio Capoulas
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Margarida Rosa Silva de Almeida
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Maria Francisca Fernandes Almeida

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Maria Helena Passos Rosa Lopes da Costa
Maria Manuela Dias Ferreira Leite
Maria Paula da Graça Cardoso
Maria Teresa Machado Fernandes
Maria Teresa da Silva Morais
Maria da Conceição Feliciano Antunes Bretts Jardim Pereira
Maria das Mercês Gomes Borges da Silva Soares
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Nuno Miguel Pestana Chaves e Castro da Encarnação
Paulo Cardoso Correia da Mota Pinto
Paulo César Lima Cavaleiro
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Pedro Augusto Lynce de Faria
Pedro Manuel Tavares Lopes de Andrade Saraiva
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Pedro Nuno Mazeda Pereira Neto Rodrigues
Raquel Maria Martins de Oliveira Gomes Coelho
Sérgio André da Costa Vieira
Teresa de Jesus Costa Santos
Ulisses Manuel Brandão Pereira
Vasco Manuel Henriques Cunha
Vânia Andrea de Castro Jesus

Partido Popular (CDS-PP)
Abel Lima Baptista
Altino Bernardo Lemos Bessa
Artur José Gomes Rêgo
Cecília Felgueiras de Meireles Graça
Filipe Tiago de Melo Sobral Lobo D' Ávila
Isabel Maria Mousinho de Almeida Galriça Neto
José Duarte de Almeida Ribeiro e Castro
José Helder do Amaral
José Manuel de Sousa Rodrigues
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Manuel de Serpa Oliva
João Rodrigo Pinho de Almeida
Luís Pedro Russo da Mota Soares
Maria de Assunção Oliveira Cristas Machado da Graça
Michael Lothar Mendes Seufert
Nuno Miguel Miranda de Magalhães
Paulo Sacadura Cabral Portas
Pedro Manuel Brandão Rodrigues
Raúl Mário Carvalho Camelo de Almeida
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
Teresa Margarida Figueiredo de Vasconcelos Caeiro

Bloco de Esquerda (BE)
Ana Isabel Drago Lobato
Catarina Soares Martins

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Fernando José Mendes Rosas
Francisco Anacleto Louçã
Heitor Nuno Patrício de Sousa e Castro
Helena Maria Moura Pinto
José Borges de Araújo de Moura Soeiro
José Guilherme Figueiredo Nobre de Gusmão
José Manuel Marques da Silva Pureza
João Pedro Furtado da Cunha Semedo
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Maria Cecília Vicente Duarte Honório
Mariana Rosa Aiveca Ferreira
Pedro Filipe Gomes Soares
Pedro Manuel Bastos Rodrigues Soares
Rita Maria Oliveira Calvário

Partido Comunista Português (PCP)
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
António Filipe Gaião Rodrigues
Artur Jorge da Silva Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Francisco José de Almeida Lopes
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Batista Mestre Soeiro
José Honório Faria Gonçalves Novo
João Guilherme Ramos Rosa de Oliveira
Miguel Tiago Crispim Rosado
Paula Alexandra Sobral Guerreiro Santos Barbosa
Rita Rato Araújo Fonseca

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV)
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
José Luís Teixeira Ferreira

O Sr. Presidente — Sr.as e Srs. Deputados, antes de mais, peço à Sr.ª Secretária que nos dê conta do expediente.

A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): — Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: projectos de lei n.os 285/XI (1.ª) — Clarifica o conceito de promotor, previsto no Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (BE), que baixou à 5.ª Comissão, e 287/XI (1.ª) — Cria a rede de teatros e cineteatros portugueses (BE), que baixou à 13.ª Comissão; e projectos de resolução n.os 147/XI (1.ª) — Acordos prévios sobre preços de transferência (CDSPP), que baixou à 5.ª Comissão, 148/XI (1.ª) — Recomenda ao Governo um programa de redução das estruturas de gestão das empresas públicas (CDS-PP), que baixou à 5.ª Comissão, 149/XI (1.ª) — Desincentivar o planeamento fiscal abusivo (CDS-PP), que baixou à 5.ª Comissão, 150/XI (1.ª) — Pela defesa da modernização da rede ferroviária nacional, incluindo a construção da linha de alta velocidade Lisboa/Madrid (BE), que baixou à 9.ª Comissão, 151/XI (1.ª) — Recomenda ao Governo que reafirme o seu compromisso no sentido do cumprimento dos 4.º e 5.º objectivos de desenvolvimento do milénio, relativos à redução da mortalidade infantil e à melhoria da saúde materna (PS, PSD, CDS-PP, BE, PCP e Os Verdes), que baixou à 10.ª Comissão, e 152/XI (1.ª) — Recomenda ao Governo a criação do Estatuto de Bailarino Profissional da Companhia Nacional de Bailado (PS), que baixou à 13.ª Comissão.

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O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, vamos dar início à ordem do dia de hoje, cujo primeiro ponto é a realização de um debate de actualidade, requerido pelo PCP, ao abrigo do artigo 72.º do Regimento da Assembleia da República, sobre o aumento dos preços dos transportes públicos.
Para apresentar o debate, em nome do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Já tinha ficado claro para todos que a opção do Governo face à crise, em termos económicos e sociais, foi a de «deitar gasolina para a fogueira».
Perante o assalto e o ataque especulativo que o capital financeiro dirigiu a Portugal e à sua dívida, o Governo tornou a passar a factura dos sacrifícios aos do costume: os trabalhadores, os reformados, a juventude. Enquanto isso, e por causa disso, o poder económico vai «amassando» fortunas, à custa da crise dos outros.
Agora, aí temos um novo desenvolvimento nessa política de direita: o aumento dos preços dos transportes.
O primeiro sinal foi dado pelo Secretário de Estado dos Transportes, ao anunciar o aumento dos tarifários, mas recusando-se a revelar, nas suas declarações iniciais, o valor desse aumento.
No meio da confusão de números esgrimidos, declarações cruzadas, um comunicado a desmentir declarações e outro a cancelar o desmentido, foi chegando mais uma suposta inevitabilidade: o aumento dos preços.
O Secretário de Estado dos Transportes lá foi afirmando que os preços dos títulos de transporte não são revistos há dois anos — o que não é mentira, mas já lá vamos — e a conclusão a que ele chegou foi a de que, e cito, «há uma perda clara de receitas por parte dos operadores».
Já o Sr. Presidente da ANTROP (Associação Nacional de Transportadores Rodoviários de Pesados de Passageiros), representante dos empresários do sector, afirmou que «o preço do gasóleo continua a aumentar», mais de 12% no último ano, razão pela qual, acrescentou, o aumento dos preços nos transportes «nunca poderia ser inferior a 3%, devendo ser fixado entre 3% a 4%.» Sr. Presidente, Srs. Deputados: Assim se constrói uma monumental mistificação, que, de tantas vezes repetida, esperariam alguns que se tornasse verdade. Mas a verdade é bem diferente! Em primeiro lugar, muitos utentes de vários operadores de transportes bem sabem que dos aumentos dos preços nem todos se livraram — que o digam, por exemplo, os utentes da Fertagus, em que o contrato de concessão dá «carta-branca» para a empresa aumentar os preços todos os anos. Mas, para além disso, ainda mais grave é o logro em que assenta a teoria do «gasóleo-que-está-mais-caro» e dos «passes-que-nãoaumentaram». Vamos por partes.
Os aumentos de preços que os sucessivos governos impuseram, ano após ano, penalizaram gravemente as populações e os utentes dos transportes. O anterior governo PS chegou a decretar aumentos duas vezes no mesmo ano, indexando o tarifário à inflação e aos preços dos combustíveis. Assim, entre 2003 e 2007, houve nove aumentos das tarifas, reflectindo um aumento acumulado, superior a 20% (e isto, enquanto a inflação registada foi de pouco mais que 11%).

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É verdade!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Já em 2008, os aumentos dos transportes foram de 3,91% e de 5,83%, em Janeiro e em Julho, respectivamente.
E, se não houve revisões nos tarifários nos últimos dois anos, é preciso compreender em que contexto, nomeadamente, no preço médio do gasóleo, se verificou essa situação.
Vejamos, então, a evolução dos preços dos combustíveis, nestes dois últimos anos, segundo os dados da Direcção-Geral de Energia e Geologia.
O gasóleo rodoviário corresponde à terceira linha do Gráfico , o início dessa linha remonta a Julho de 2008, momento em que foi aprovado o último aumento dos transportes.
Como está bem à vista, estávamos perante um valor recorde, quer das cotações do petróleo quer dos preços nos combustíveis, e era esse o argumento para justificar o aumento dos preços dos transportes.

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Ora, como também está bem à vista, os preços dos combustíveis baixaram a partir daí, mais concretamente, registou-se uma descida de 33,7% do preço médio do gasóleo, entre Julho de 2008 e Março de 2009.
É verdade que o preço do gasóleo aumentou, em média, mais de 12% no último ano, como diz a ANTROP.
Mas o que já ninguém disse, nem da ANTROP nem do Governo, foi que, mesmo com esse aumento, os valores se mantiveram sempre, até hoje, e ainda estão, abaixo dos níveis do Verão de 2008, sem que os preços dos transportes tivessem acompanhado essa descida.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Ou seja, a indexação dos tarifários do transporte público aos preços dos combustíveis e à inflação serviu para aumentar as tarifas, mas já não serviu para as baixar, quando foi caso disso.

O Sr. António Filipe (PCP): — Ora, bem!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Os utentes dos transportes estão a pagar, há quase dois anos, um tarifário que se manteve convenientemente elevado, baseado em preços recorde do gasóleo do Verão de 2008, que nunca mais voltaram a ser atingidos.
Entretanto, importa não esquecer um facto incontornável que o Secretário de Estado dos Transportes não refere: é que a decisão anunciada agora pelo Governo de aumentar o IVA de 5% para 6% significa, só por si, um aumento dos preços dos transportes, o qual vem penalizar a população. E isto, quando o poder de compra dos trabalhadores, dos jovens e dos reformados sofre um duro golpe com o aumento do IRS! Sr. Presidente, Srs. Deputados: Regresso, assim, ao ponto de partida: o Governo, pela voz autorizada do Secretário de Estado dos Transportes, entendeu alertar o País para o angustiante drama das empresas de transportes. Diz ele que estas têm, há dois anos, «uma clara perda de receitas». Imaginem, se não tivessem, Srs. Deputados!»

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — O que queremos aqui dizer é que, há muito mais do que dois anos, há uma colossal perda de receitas, mas dos trabalhadores e do povo. E é essa perda que tem de ser urgentemente invertida!

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Perante toda a teia de mistificações, manipulações e meias verdades, que tem sido construída e perante a verdade dos factos que importa revelar, o anúncio da subida dos preços dos transportes é nada menos do que uma provocação que deve ser vivamente repudiada — e o repúdio dessa intenção, dessa orientação política e dessa opção de classe, de sacrificar sempre os mesmos, os do costume, será também afirmado já este sábado, dia 29, na jornada de luta convocada para Lisboa pela CGTP — Intersindical Nacional.
O que lá afirmaremos é o mesmo que aqui afirmamos: não estamos condenados a estas políticas e, mesmo que o Governo queira enganar toda a gente, o tempo todo, a verdade vem ao de cima e será com a luta que, mais uma vez, se construirá a mudança.

Aplausos do PCP.

As imagens projectadas durante a intervenção podem ser vistas no final do DAR.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Rafael Moreira.

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O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para o actual Governo, o anterior é sempre o maior dos incompetentes — estas palavras, escritas por Ramalho Ortigão, no século XIX, são da máxima actualidade.
Este episódio do aumento do preço dos transportes públicos é, apenas, mais um, de uma novela a que os portugueses têm vindo a assistir e cujo final desconhecem, mas já antecipam que não será feliz.
Do conjunto de declarações contraditórias e respectivos desmentidos dos vários membros do Governo, que se disponibilizaram para intervir neste lamentável episódio, há em comum a crítica ao anterior governo, crítica, essa, que consiste em não ter aumentado o preço dos transportes nos últimos dois anos. Isto é, a culpa, como dizia Ramalho Ortigão, é sempre do anterior governo! Acontece, Srs. Deputados, que o anterior governo já era do Partido Socialista e já era chefiado pelo actual Primeiro-Ministro.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — Infelizmente, já pouco nos surpreende no actual Governo, mas muito nos preocupa! Sr. Presidente, Srs. Deputados: O aumento do preço dos transportes, da responsabilidade do Governo, obedece a um enquadramento legal e administrativo que impõe critérios e calendários.
Remeto VV. Ex.as para as notícias que foram saindo esta semana sobre este tema, porque, ignorando tudo o que é dito pelos membros do Governo, VV. Ex.as, rapidamente, concluirão que não estão reunidos os critérios económicos e legais que têm servido de base aos aumentos dos últimos anos.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — Nas notícias, também VV. Ex.as encontrarão declarações dos anteriores titulares desta área a defenderem que, à semelhança, por exemplo, dos aumentos das portagens, os aumentos dos transportes públicos devem ocorrer no mês de Janeiro.
Srs. Deputados, entendemos que esta Câmara está em condições de responder ao Sr. Secretário de Estado dos Transportes, que afirmou, esta semana, que o aumento iria ocorrer, só não sabia era quando e quanto. A resposta é simples: será num mês de Janeiro, desde que, no ano anterior, os critérios económicos, legais e administrativos se tenham verificado.
Deve, pois, o Sr. Secretário de Estado dos Transportes aguardar pacientemente que o ano termine para, então, analisar se deve ou não existir aumento dos transportes no mês de Janeiro. Até lá, sugerimos que, nos seus afazeres, encontre tempo para ir a Madrid saber, junto do seu colega espanhol, qual o ano em que irão ser adjudicadas as obras dos 410 km da linha de alta velocidade Madrid/Badajoz, que ainda se encontram em fase de estudo ou projecto.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: No debate do Orçamento do Estado, chamámos a atenção do Governo para o crescente endividamento e défice operacional das empresas públicas de transportes.
O Sr. Primeiro-Ministro viu-se na obrigação de comentar essa intervenção e admitiu aqui, nesta Câmara, que existe, de facto, um problema de sustentabilidade nas empresas públicas de transportes.
O que é certo, Srs. Deputados, é que o Governo nada fez nem faz para combater este problema, bem pelo contrário!

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — O combate deve ser feito, antes de mais, pelo controlo da despesa, à semelhança do que está a ser feito noutros países, e nunca deve procurar esconder a realidade pelo aumento artificial da receita.

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Srs. Deputados, no pouco tempo em que faço esta intervenção, as empresas públicas de transportes darão ao País um prejuízo de mais de 5000 €.
O Governo — não tenham dúvidas! — deixou o sector público de transportes totalmente ao abandono.
Permitam-me, Srs. Deputados, que vos dê um exemplo da empresa do sector dos transportes que VV.
Ex.as melhor conhecem e que os portugueses mais utilizam: a CP.
Nos anos de 2003 a 2008, a CP cresceu todos os anos em passageiros, em mercadorias transportadas e em receitas. No campo laboral, o conhecido sindicato dos maquinistas não fez um único dia de greve durante cinco anos consecutivos. Não é o cenário actual, como VV. Ex.as conhecem.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — Em 2009, a CP perdeu passageiros, transportou menos mercadorias e aumentou o défice operacional. Em 2010, como VV. Ex.as muito bem conhecem, já se verificaram vários dias de greve.
Srs. Deputados, a causa é simples de identificar: foi o Governo que deixou esta empresa, como as outras, ao abandono.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — O Conselho de Administração da CP terminou o seu mandato.
Neste momento, dois administradores — o dos recursos humanos e o financeiro — já abandonaram a empresa. A empresa tem apenas três administradores.
É público que o actual Presidente da companhia irá, um dia que o Sr. Secretário de Estado também não sabe quando será, para presidente do metro, e por isso não estará muito «mobilizado» na empresa onde se encontra hoje em dia. E o que acontece? O desleixo, o abandono total por parte do Governo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Urge pôr fim a esta situação de abandono e de desgoverno das empresas públicas de transportes. É necessário elaborar um plano global de intervenção que não se compadece com intervenções avulsas, fruto da pressão do momento.

Aplausos do PSD.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — E sobre os aumentos?!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hélder Amaral.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Deputados: O Partido Comunista Português traznos aqui um assunto que, se não fosse sério, seria para rir, porque o País, num momento de crise, esperava da parte do Governo seriedade, serenidade, um rumo certo e uma ideia clara do que quer fazer.
E o que nos trouxe o Governo em matéria de aumento das tarifas dos transportes? O Sr. Secretário de Estado dos Transportes diz que tem de haver aumentos das tarifas; o Sr. Ministro da Economia, porventura, apanhado de surpresa — mas também estamos habituados a ver membros do Governo apanhados de surpresa! — , diz que é natural que haja, porque não há aumentos há dois anos. É um argumento perfeitamente entendível. Presumo que dirá qualquer dia que é natural que haja aumentos porque há duas semanas que não há ou até porque ontem não houve!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Não esteja a dar-lhes ideias!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — É este o «rigor», é este o critério para aumentar preços.
Entretanto, surgem nas redacções dos jornais desmentidos atrás de desmentidos e desmentidos de desmentidos. Ou seja, isto é a prova e o exemplo claro da maior das trapalhadas.
O Governo não sabe o que quer, não sabe já como comunicar, portanto, devemos concluir que este Governo já não sabe governar.

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O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Gostava de dizer o seguinte: é verdade que os aumentos dos preços estão definidos num acordo, embora não escrito, Sr. Ministro. Está definido que tem que haver um aumento dos combustíveis e a taxa de inflação acima de 1%. E diz mais: os preços podem subir, mas também podem descer. Ou seja, até aqui parece que está tudo bem.
O que acontece é que em 2008, fruto do grande aumento dos combustíveis, justificou-se o aumento das tarifas. Mas também é certo que, a partir de 2008, nem os combustíveis nem a taxa de inflação, segundo os dados oficiais, sofreram esses ditos aumentos. Mais: de 2003 a 2007, as tarifas tiveram um aumento acumulado de mais de 20% e a taxa de inflação subiu pouco mais de 11%.
Portanto, é justo dizer-se que o aumento das tarifas não faz nenhum sentido, nem nenhum dos argumentos dado pelo Governo colhe.
Poderão dizer: bom, entretanto houve perdas de receitas, porque fruto da crise há menos tráfego. É possível. Mas também cabia ao Governo preparar o País para a crise, encontrar as soluções, encontrar uma forma para que a tal crise, que é mundial e que segundo o Governo muda de 15 em 15 dias, pudesse ser menos sentida no País.
Poderão dizer, como aqui foi dito, que as empresas estão mal geridas. E estão, de facto. Lamento que o Partido Comunista, que nesta matéria tem razão, não tenha ido até aí. Também é importante saber por que razão continuamos a ter empresas mal geridas, embora com ordenados chorudos,»

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Quer dizer que é por serem públicas?!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — » por que razão continuamos a ter empresas que prestam um pçssimo serviço. Ou seja, a oferta e a qualidade do serviço ficam aquém daquilo que é exigível e que justifica um aumento de tarifas.
Portanto, ficamos à espera que o Governo diga, de forma clara, que não aumentou os preços antes porque havia eleições, que não aumentou os preços antes porque não encontrou explicações e que agora, fruto da sua incapacidade e da sua incompetência, vem a correr tirar aquilo que pode. E tira a quem? Aos mesmos de sempre: normalmente, ao «mexilhão».

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: Antes de mais, queria saudar o Partido Comunista Português pela discussão que trouxe hoje a debate, pois trata-se de um assunto com toda a oportunidade e, sobretudo, com toda a actualidade.
De facto, o aumento anunciado dos títulos dos transportes públicos para o próximo dia 1 de Julho é, na nossa perspectiva, uma decisão inaceitável e mais uma medida anti-social e antiambiental deste Governo, a somar a tantas outras.
Para o Partido Ecologista «Os Verdes», este aumento vai não só agravar a vida das famílias e dos trabalhadores como também penalizar aqueles que por opção e, sobretudo, por necessidade recorrem ao que representa uma boa prática ambiental ao preferirem a utilização do transporte público, em detrimento da utilização da viatura particular.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Muito bem!

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Trata-se de um aumento a todos os títulos socialmente injusto e que vai contribuir para criar novos entraves ao direito à mobilidade das pessoas economicamente mais debilitadas, nomeadamente a população idosa, os desempregados e todas aquelas pessoas que necessitam de fazer uso dos transportes públicos para se deslocarem no dia-a-dia até ao seu local de trabalho.

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Por outro lado, é bom não esquecer que esta decisão vai exactamente em sentido contrário às necessidades do País, tanto a nível económico como ao nível ambiental. O que nós precisamos, de facto, é de uma boa política de transportes públicos, que é, aliás, uma exigência dos nossos dias.
Mas uma boa política de transportes públicos pressupõe forçosamente preços atractivos e justos, porque o preço do título do transporte é inquestionavelmente a variante que tem mais peso na decisão dos cidadãos quando toca a decidir entre a utilização do transporte público e a utilização da viatura particular.
Assim, uma boa política de transportes públicos é fundamental não só pelo que representa para a estratégia, que se quer eficaz, de combate às alterações climáticas como também para a política energética, contribuindo para desincentivar a utilização do transporte individual e, assim, reduzir não só as emissões de gases com efeito de estufa mas também as importações de combustíveis fósseis, nomeadamente de petróleo.
Relembramos que Portugal dificilmente atingirá os objectivos de redução de gases com efeito de estufa assumidos no quadro dos compromissos de Quioto e pós-Quioto sem recorrer ao comércio de emissões, o que, para Os Verdes, constitui uma forma encapotada de pagamento da multa e um disfarce do aumento das emissões de gases com efeito de estufa.
Mas este aumento do preço dos transportes públicos torna mais uma vez visível o grau de hipocrisia no argumento evocado pelo Governo de reduzir as emissões de CO2 e a importação de energia, argumento que está na base da construção de mais 10 novas barragens, quando afinal o Governo acaba por contrariar a medida mais simples para atingir os objectivos anunciados, que é a promoção do transporte público como pilar fundamental da mobilidade.
Quando tudo aconselha a um esforço no sentido de criar incentivos para a utilização do transporte público, o Governo faz exactamente o contrário: empurra as pessoas para a utilização da sua viatura particular.
A concluir quero dizer apenas que este aumento que o Governo anunciou representa uma decisão inaceitável tanto do ponto de vista económico — repito, sobretudo quando somado ao aumento dos impostos que aí vêm — como do ponto de vista ambiental, pois significa mais emissões de gases com efeito de estufa, afastando-nos para um patamar ainda mais distante no cumprimento dos compromissos assumidos nesta matéria no plano internacional, sobretudo os de Quioto e os de pós-Quioto.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Paulo Correia.

O Sr. João Paulo Correia (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados. O PCP, Sr. Deputado Bruno Dias, trouxe-nos aqui, hoje, mais uma das suas recorrentes mistificações da realidade.

Vozes do PS: — É verdade!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Olha quem fala!

O Sr. João Paulo Correia (PS): — Para falarmos dos preços dos transportes temos que recordar os desenvolvimentos dos últimos anos e qual tem sido a prestação dos governos do Partido Socialista.
Contrariamente ao que o PCP diz, em Maio de 2008 o governo decidiu congelar os passes sociais até ao final desse ano. Foi, pois, uma medida de apoio às famílias mais carenciadas, na linha de um pacote de medidas de diminuição do impacto da crise internacional.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Agora, está melhor!»

O Sr. João Paulo Correia (PS): — Em Julho do mesmo ano, o governo veio ao Parlamento anunciar a criação do passe escolar 4— 18, uma medida de apoio às famílias nas suas despesas mais básicas e que representa 20 milhões de euros/ano.
Há cerca de 20 meses que centenas de milhares de estudantes dos 4 aos 18 anos vêm beneficiando de uma redução de 50% do valor do seu passe escolar.

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O Sr. Bruno Dias (PCP): — E então?!

O Sr. João Paulo Correia (PS): — Em 2009, e pela primeira vez em 30 anos — repito: em 2009, e pela primeira vez em 30 anos — , não houve subida dos preços dos títulos de transporte.

Aplausos do PS.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — O gasóleo baixou!

O Sr. João Paulo Correia (PS): — No 3.º trimestre do ano passado, o Governo tomou uma outra medida dirigida às famílias: criou o passe sub23, que atribui a todos os estudantes do ensino superior público ou privado, até aos 23 anos, uma redução de 50% no custo do uso regular do transporte urbano.
No final do ano de 2009, o Governo decidiu não aumentar novamente os preços dos títulos de transporte, decisão essa que se mantém até ao final do 1.º semestre deste ano.
Este balanço é perfeitamente demonstrativo da preocupação social do Governo e é, acima de tudo, um balanço revelador da consciência social do Governo num quadro orçamental favorável.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Então, e 2010?!

O Sr. João Paulo Correia (PS): — Mas hoje a realidade é diferente. Hoje, vivemos uma realidade difícil. É imperioso relançar a economia,»

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Com os aumentos dos transportes?! Sim, senhor!»

O Sr. João Paulo Correia (PS): — » consolidar as contas põblicas e reforçar a competitividade das nossas empresas.
E qual é a reacção do PCP? A mesma de sempre: a crítica pela crítica. O PCP tenta crescer com os problemas e nunca se coloca ao lado das soluções.

Aplausos do PS.

Protestos do PCP.

O PCP teima sempre em ignorar a realidade e teima muito mais em ignorar a actual conjuntura da economia nacional e internacional.
Sr. Deputado Bruno Dias, a pergunta do Partido Socialista em relação à sua intervenção é a seguinte: de que forma o PCP pretende financiar o sistema de transportes que não seja a de recorrer constantemente ao défice público?

Aplausos do PS.

Protestos do Deputado do PCP Bernardino Soares.

Neste momento, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Teresa Caeiro.

A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Heitor Sousa.

O Sr. Heitor Sousa (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas: O aumento do preço nos transportes já tem data, mas não se sabe quanto.
Segundo o Secretário de Estado dos Transportes, a «razão» para tais aumentos estaria no facto de «não se terem registado aumentos dos passes há dois anos» e de os preços estarem «desactualizados».

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Esqueceu-se o Secretário de Estado dos Transportes de acrescentar que, exactamente há dois anos, houve um aumento extraordinário de 5,83% no preço dos transportes alegadamente por causa do «aumento dos preços do petróleo no mercado internacional». Nessa altura, o preço do petróleo estava a cerca de 150 dólares/barril. No final do ano 2008, o preço do barril de brent tinha baixado para 75 dólares, isto é, para metade, mas os preços dos transportes mantiveram-se inalterados.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Cá está. Esqueceu-se!

O Sr. Heitor Sousa (BE): — O que significa que o argumento anterior era falso, porque, se, por hipótese, se invoca como uma razão substantiva para a revisão de preços variações altistas no preço internacional do petróleo, deveria aceitar-se a situação inversa, isto é, a redução dos preços dos transportes quando há reduções significativas nesse mesmo preço. E não é isso que acontece.
Esqueceu-se também o Secretário de Estado de acrescentar que quem faça as contas aos aumentos dos preços dos transportes nos últimos dois anos chega a uma realidade elucidativa: entre 2008 e 2010, em termos acumulados, a inflação aumentou 1,4% e os preços dos transportes aumentaram praticamente 10% — 9,95%, para ser mais exacto.

A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Aqui está!

O Sr. Heitor Sousa (BE): — Entretanto, a exemplo do que este Governo está a fazer com as medidas de ataque às condições de vida dos mais pobres e de quem trabalha, em que as medidas são anunciadas a conta-gotas, também neste caso o anúncio de aumento de preços segue-se a um outro anúncio que já preparava este: a redução das indemnizações compensatórias às empresas de transportes públicos, especialmente nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto.
Grande parte da cativação da verba de 300 milhões de euros das transferências para as empresas do sector empresarial do Estado está ligada à redução das indemnizações compensatórias nos transportes públicos.
Na lógica prosseguida pelos sucessivos governos do PS e do PSD, procurando eliminar os passes sociais e, em geral, as tarifas sociais nos transportes, a razão de fundo para este aumento é, simplesmente, a de, mais uma vez, fazer pagar aos utentes, de forma crescente, o custo dos transportes. Com uma agravante: é que, como quem utiliza maioritariamente os transportes públicos são os que têm salários mais baixos, são estes que sofrem mais com estes aumentos, ainda por cima num contexto de congelamento salarial, que o Governo anunciou para os próximos dois anos.

A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Muito bem!

O Sr. Heitor Sousa (BE): — O aumento dos preços dos transportes públicos pode, alegadamente, fazer aumentar as receitas dos transportes. É um facto! Mas o que se tem visto nos últimos anos é que, a prazo, há mais pessoas que abandonam os transportes públicos para dar resposta às necessidades crescentes na mobilidade nas nossas cidades. Com essas opções, vêm o congestionamento urbano, a poluição, os acidentes, e isso, no final, custa mais à sociedade do que ter, por exemplo, transportes baratos, acessíveis, limpos e frequentes.

A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Muito bem!

O Sr. Heitor Sousa (BE): — Em vez de se caminhar para uma maior transparência e regras claras na definição dos preços dos transportes e na atribuição de indemnizações compensatórias, definindo-se valores para uma compensação financeira aos operadores de transporte com a contrapartida da prestação de um serviço público, barato e acessível, o Governo prefere ir sempre pelo caminho mais fácil, que é o de ceder às exigências dos operadores privados. Fica por saber a quantas décimas de distância vai o Governo ficar do que reclamam os privados.

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O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Exactamente!

O Sr. Heitor Sousa (BE): — Pode o Secretário de Estado dos Transportes esforçar-se por «justificar» mais este aumento com a alegada necessidade de se «repensar em que medida é que os utentes, os operadores e o Estado devem contribuir para o preço final dos transportes». Mas este discurso, que já ouvimos há mais de duas décadas, sempre que é feito, tem um resultado prático: aumenta o preço dos transportes.
Para nós, Bloco de Esquerda, os transportes, especialmente os transportes urbanos, devem ser baratos e não cada vez mais caros. O preço deve ser um instrumento de «inclusão», de adesão reforçada aos transportes públicos por parte das populações e não um argumento de «exclusão», como acontece com o funcionamento dos ditos mercados. Isso não é bom para as pessoas móveis, para os utentes; é bom para as cidades, é bom para o País, reduzindo, por exemplo, as necessidades de importação de combustíveis.
Daí que aqueles que se enquadrarem nessa política de «inclusão», de preços baratos, devam ser compensados por uma indemnização que reponha o seu equilíbrio económico e de acordo com os passageiros que transportem.
O défice nos transportes, Sr. Deputado do Partido Socialista, não é uma «marca portuguesa», como alguns alegam demagogicamente. É antes, ou deveria ser, um instrumento de gestão de política de transportes e, em última análise, de uma política de mobilidade que dê prioridade aos transportes públicos, que os apoie, que os modernize, que os torne mais eficazes e eficientes, que os faça funcionar em rede, de forma integrada e não desarticulada, numa palavra, uma mobilidade sustentável.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Jorge Lacão): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Como se viu, neste debate e até ao momento, nenhum dos Srs. Deputados que usaram da palavra, a começar pelo partido que tomou a iniciativa de promover o debate, apresentou uma qualquer proposta construtiva que fosse relativamente à matéria dos transportes.

A Sr.ª Ana Paula Vitorino (PS): — Muito bem!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Por outro lado, embora procurassem sofismar a realidade, a verdade é que não puderam deixar de reconhecer que, nos dois últimos anos, as tarifas dos transportes não foram alteradas»

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Mas deviam ter sido!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — » e isso deveu-se à preocupação com que o governo anterior e já o actual Governo enfrentaram e encontraram soluções para fazer face às dificuldades com que as pessoas estavam confrontadas.
Mas o que é extraordinário é que, partindo desta evidência, o Sr. Deputado Bruno Dias tenha vindo à tribuna para fazer, mais uma vez, o apelo à próxima manifestação do dia 29, em nome do espírito da luta de classes,»

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Isso é que o transtorna!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — » dizendo, aliás, de forma completamente evidente, que aquilo que constrói a mudança é a continuação da luta.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Isso ç que ç perigoso!»

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O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Pois bem, Srs. Deputados do PCP, os senhores podem continuar a vossa luta — a vossa luta fora da realidade. Mas há uma coisa que todos sabemos: é que o vosso contributo é nenhum para, dessa maneira, resolver, efectivamente, os problemas do País!

Aplausos do PS.

Protestos do PCP.

Ouvimos também o Sr. Deputado Adriano Rafael, do PSD, dar conselhos ao Governo para resolver os problemas das empresas públicas de transportes, mas em nenhum caso promover o aumento das tarifas. Nós estaremos sempre disponíveis para ouvir bons conselhos, Sr. Deputado, mas seria mais interessante poderem vir bons conselhos da parte daqueles que, tendo tido responsabilidades, tenham executado para si próprios o conselho que dão aos outros!

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

Cito apenas o último ano da governação do PSD: em Fevereiro de 2004, o PSD aumentou o preço dos transportes em 3,9% e em Outubro desse mesmo ano em mais 2,9%.

Protestos do PSD.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — E o Governo?!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Este é o balanço das políticas tarifárias de transportes que o PSD e o seu governo deixaram como herança. E é o PSD que nos vem dar lições sobre a melhor maneira de definir as políticas tarifárias para os transportes públicos!

Aplausos do PS.

Também o Sr. Deputado Hélder Amaral nos disse aqui coisas extraordinárias. Disse que as tarifas não eram actualizadas há dois anos e que para o Governo tanto faria que fossem há dois anos, há duas semanas ou há dois dias. Sr. Deputado Hçlder Amaral, ç preciso ter sentido da responsabilidade,»

Vozes do CDS-PP: — É, ç!»

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — » ç preciso ter sentido da seriedade daquilo que dizemos!

Vozes do CDS-PP: — Com certeza!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — E esta é, obviamente, uma matéria em relação à qual não podemos deixar de ponderar o que, a seu tempo, tiver de ser ponderado. Os Srs. Deputados sabem ou, pelo menos, não podem ignorar que, em matéria de tarifas, há uma zona liberalizada. E, quando o Sr. Deputado do Bloco de Esquerda falou do aumento de 5,8% no sector liberalizado dos transportes, esqueceuse de dizer que a verdade é que, relativamente aos passes sociais, foram congelados quaisquer aumentos.
Essa foi a posição decisiva e muito relevante do governo da época.

Aplausos do PS.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — O Sr. Ministro só fala do passado! E, agora, não há crise?!

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O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Como, aliás, também o Sr. Deputado se esqueceu, em nome da justiça mais elementar, de referir a criação do passe social escolar 4— 18 e do passe sub23, incrementando — e de que maneira! — o estímulo à juventude e à juventude em idade escolar para utilizar o sistema público de transportes, o que constitui medidas positivas que vos ficaria muito bem poderem reconhecer.
Sr.as e Srs. Deputados, aquilo que o Sr. Secretário de Estado dos Transportes fez»

O Sr. Bruno Dias (PCP): — A que horas? Em que altura?!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — » foi admitir que haja a possibilidade de a matçria das tarifas de transportes poder ter que vir a ser equacionada.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Mas disse quando?!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Não disse nada que não seja absolutamente responsável no quadro de uma reflexão sobre esta matéria. E é isso que eu aqui reitero, Srs. Deputados!

Protestos do PCP.

A matéria está a ser estudada e, no tempo oportuno, tomaremos sobre ela a responsabilidade que tivermos de tomar.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hélder Amaral.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Por acaso, não tenho por hábito dizer coisas extraordinárias e por isso não tento, mas gostava de reafirmar que o CDS fez aqui propostas muito claras.
Falámos numa política rigorosa do uso dos passes sociais — e o rigor é, até ver, a melhor forma de justiça; falámos numa gestão rigorosa das empresas, transformando-as em empresas competitivas, empresas prestadoras de serviço de qualidade quer no serviço quer na oferta, e essa oferta é tanto mais importante por poder potenciar cada vez mais a utilização do serviço público e até é boa para aquilo que é a nossa eficiência energética.
Também dissemos que, nos últimos dois anos, os preços não aumentaram. Mas também não tinham de aumentar, porque com o acordo que o Governo tem com as operadoras, o aumento do preço dos transportes tem a ver com o aumento dos combustíveis e com a taxa da inflação, e ela não aumentou.
O que o Sr. Ministro aqui não foi capaz de dizer foi se os preços vão ou não aumentar, quanto e quando.
Se estamos perante a afirmação do Sr. Secretário de Estado, de manhã, aumentam; à tarde, o Sr. Ministro da Economia diz «nim» e, à noite, o Sr. Ministro dos Transportes diz «não»! Ora, isso eu gostava de saber e o Sr. Ministro não foi capaz de o dizer.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Nos últimos dois anos, a única coisa que existiu não foi nem critérios nem uma política legítima do Governo em actuar nessa matéria mas, sim, falta de clareza e de seriedade!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!

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O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — O que o Governo devia dizer, hoje, aqui era se os preços aumentam ou não aumentam e se está ou não disponível para introduzir, nessas empresas, critérios de gestão e de rigor e, na gestão das empresas, devia acompanhar a crise.

Aplausos do CDS-PP.

Sobre essa matéria, nada dizem e o que acontece é que, depois, consideram extraordinário que nós digamos aquilo que é apenas o óbvio!

Aplausos do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Até agora, ninguém conseguiu desmentir que os aumentos dos preços de transportes são uma medida não só socialmente inaceitável mas também legal e economicamente ilegítima!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Não há nenhum fundamento para esta decisão que não seja apenas o de levar ainda mais longe a penalização sobre as populações e entregar esse dinheiro — o dinheiro dos utentes dos transportes — às empresas, as quais têm, no último ano e meio, dois anos, recebido dinheiro a mais, porque os tarifários não tinham que se manter, Sr. Ministro, tinham que baixar, porque o gasóleo baixou logo a seguir a essa definição, em 2008. Esse é que é o problema! O Governo está a minar e a destruir a base financeira das empresas do sector, nomeadamente do sector público, e, Srs. Deputados, não há gestão racional que aguente o subfinaciamento crónico que tem sido imposto, há décadas, pelos sucessivos governos PS, PSD e CDS.
O Sr. Ministro, nesse aspecto, tem razão: não há grande diferença na estratégia de fundo entre o PS e o PSD nesta matéria!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Isso é verdade!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — O Governo, pela voz do Sr. Secretário de Estado dos Transportes, veio falar em perda de receitas e registámos que quer a bancada do PS quer o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares acusaram o PCP de não ter apresentado nenhuma proposta. O Sr. Ministro devia pensar duas vezes, antes de falar em estar distanciado da realidade. É que «pela boca, morre o peixe» e o PCP propôs, no debate do Orçamento do Estado, o reforço das indemnizações compensatórias ás empresas de transportes»

Vozes do PS: — Mal, mal!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — » e o PS votou contra!

Vozes do PS: — Ah, pois!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Inviabilizou aquilo que seria a sustentação financeira! E agora o Governo, na sua proposta de lei, quer apresentar uma medida de corte, de cativação de 300 milhões de euros, nada menos do que isto, na transferência financeira para as empresas do sector empresarial do Estado. É esta a medida que o Governo pretende cortar no financiamento público e «carregar nas tintas», levando ainda mais longe a factura para os mesmos do costume.
Isto é que é inaceitável, Sr. Ministro! De facto, as empresas, nomeadamente as empresas privadas, pedem, exigem aos utentes e ao País o que não querem para si próprias.

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Hoje, hoje mesmo, os trabalhadores das empresas estão em luta pelos salários e são as mesmas empresas que exigem que os utentes paguem mais que rejeitam e recusam-se a actualizar e a dar aos trabalhadores os salários minimamente condignos.
Por isso, os trabalhadores estão em luta, sim, senhor! E, por isso, o PCP está solidário, sim, senhor, com a luta dos trabalhadores e está ao lado das populações, dos utentes dos transportes e dos trabalhadores deste sector, que recusam esta política, que exigem uma alternativa e que não se conformam com estas supostas inevitabilidades.

Aplausos do PCP.

Continuamos na luta e compreendemos que o Sr. Ministro fique agastado, mas não é por isso que vamos desistir.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Bruno Dias, eu tinha razão. A tal medida que o PCP tinha para resolver o problema dos transportes era a de aumentar as indemnizações compensatórias no Orçamento do Estado. É assim o PCP em tudo. O PCP resolve um problema aumentando a despesa, agravando o défice e, depois, no final, fazendo o discurso empolgado contra o capitalismo internacional, que venha resolver a crise a todos nós.

Aplausos do PS.

Sr. Deputado, é exactamente isto que é estar fora da realidade; é exactamente isto que demonstra não ter nenhuma solução para os problemas do País! Portanto, os senhores, em cada momento, escolhem ou fazer parte da solução ou fazer parte do problema.
Os senhores escolhem sempre o vosso lado.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Os senhores escolhem sempre o problema!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — O vosso lado, sabemo-lo bem, não é fazer parte de nenhuma solução, é permanentemente fazer parte do problema. Mas o problema, Srs. Deputados, teremos de ser nós a resolvê-los, porque, infelizmente, como se vê mais uma vez, não podemos contar convosco.

Aplausos do PS.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Está à vista como os resolve! Está à vista!

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias para uma intervenção.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr.ª Presidente, quero reiterar a última frase que o Sr. Ministro Jorge Lacão acabou de proferir, ou seja, que o Governo não pode contar connosco.
De facto, não pode contar com o PCP para esta política de direita, a de penalizar sempre os trabalhadores e os utentes dos transportes, a de sacrificar as populações, a de pôr a factura sempre nos mesmos do costume. Não pode, de facto, contar com o PCP para «carregar nas tintas» e acrescentar crise à crise.
O Governo, o PS, o PSD e o CDS não podem contar com o PCP quando se trata de asfixiar financeiramente as empresas de transportes no sector empresarial do Estado e não podem contar com o PCP

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quando se trata de aumentar cada vez mais a factura e o custo de vida para as populações e os trabalhadores.
Também não podem contar com o PCP para desrespeitar de forma sistemática os pareceres e as conclusões que o Tribunal de Contas reiteradamente apresenta a este Parlamento, nomeadamente, sobre o subfinanciamento crónico, sobre os compromissos assumidos pelo Estado que os sucessivos governos insistem em não cumprir,»

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — » sobre as exigências que o Governo apresenta às empresas públicas no sector — à Metropolitano de Lisboa, à REFER, à CP — , em véspera de campanha eleitoral, para anunciar investimentos durante a pré-campanha. Depois de, nos distritos de Lisboa e de Setúbal, como por todo o País, essas parangonas invadirem a pré-campanha, na altura de pagar a factura, o investimento não é pago por quem deve, que é, de facto, aqueles que não ordenam esse investimento, e na altura do endividamento aparece o Governo a castigar as populações e a condenar as empresas a uma coisa muito simples, Sr.
Ministro: a serem compradas pelos grupos económicos.
No que se refere, nomeadamente, à Rodoviária Nacional, à Fertagus e a um conjunto muito vasto de empresas do sector, aquilo que verificamos é que estão a ser compradas pelos grupos económicos. E, maravilha das maravilhas, quem comprou agora estas empresas, por via da aquisição da Arriva, foi — veja bem, Sr. Ministro — o operador público da ferrovia alemã, a Deutsche Bahn.
De facto, como já denunciámos, temos um Governo que, ao longo dos anos, vai preparando operações de desmantelamento, de privatização e entrega aos grupos económicos dos sectores mais rentáveis da nossa economia, decisivos para o desenvolvimento económico, como é o sector dos transportes, vai, portanto, preparando esse caminho e, ao mesmo tempo, noutros países, como a Alemanha, uma empresa pública chega à situação de comprar empresas privadas de transportes em Portugal. Veja-se a que ponto chegou a política deste Governo.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Sr.ª Presidente, confesso que não resisto a fazer uma última intervenção.
O Sr. Deputado Bruno Dias aludiu aqui às políticas de privatização e colectivização no sector público dos transportes.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Colectivização foi o senhor que disse!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Sr. Deputado Bruno Dias, não sei se o senhor teve ocasião, como eu tive, de andar nos serviços públicos de transportes naqueles países cujo regime é aquele que o senhor defende. Não sei se o Sr. Deputado teve ocasião de ser utente dos serviços públicos de transportes desses países, mas eu tive ocasião de o ser.

Aplausos do PS.

Protestos do Deputado do PCP Bruno Dias.

Se o Sr. Deputado não percebe a diferença entre a qualidade do serviço oferecido no nosso País e aquele que oferecia o modelo que defende,»

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Seja sério!

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O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — » ç porque o senhor, mais uma vez, não só não está na realidade como não aprendeu nada, mas mesmo nada, com a História.

Aplausos do PS.

Protestos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, está encerrado o debate de actualidade, requerido pelo PCP, sobre o aumento dos preços dos transportes públicos.
Passamos às declarações políticas.
Tem a palavra, em primeiro lugar, a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Vamos, então, falar de qualidade, ou de falta de qualidade.
Ruiu mais uma falésia no Algarve, desta vez na praia do Vau, felizmente sem vítimas mortais, mas com uma criança vítima de escoriações.
Sintra, Peniche, Albufeira — foram todos casos que nos deixaram memória amarga de mortes em praias fruto de derrocada de arribas.
Demonstra a realidade que triplicou o número de queda de arribas em relação à média dos outros anos.
Demonstra, portanto, a realidade que o risco nas nossas praias e no nosso litoral está agravado.
Se pode haver aqui influência de um processo natural de vida das próprias falésias, é certo, não é possível passar por todos estes casos sem apontar consequências de políticas erradas cometidas e, pior, porque demonstra que pouco aprendemos com as lições do passado, de políticas erradas a prosseguir em torno do nosso litoral e que agravam substancialmente o problema.
Construções desordenadas, sobrecarregando arribas ou impermeabilizando solos com consequências de degradação de territórios adjacentes onde a sobrecarga de água é muito superior; construções em cordões dunares, pressionando um território que deveria estar livre para a própria protecção da nossa costa; redução de sedimentos a chegar à costa, fruto da sua retenção por barragens ou devido à extracção de inertes em leitos de rio, impedindo o abastecimento dos areais e tornando a nossa costa muito mais frágil, tudo isto contribui para um processo erosivo muito mais acelerado e muito mais perigoso.
Estudos não faltam, detecção das causas dos problemas não falta, mas, infelizmente, tem faltado uma vontade política que dê atenção e que valorize, na medida do necessário, a problemática da fragilização do nosso litoral.
Ainda na passada terça-feira, Os Verdes questionaram a Sr.a Ministra do Ambiente e do Ordenamento do Território, que esteve presente em audição na 12.ª Comissão Parlamentar, sobre a garantia de melhor segurança das nossas praias e do nosso litoral para a próxima época balnear. Quem ouvisse a resposta da Sr.a Ministra teria ficado mais descansado: foram feitas as intervenções programadas sobre as falésias; as situações de risco estão identificadas; a sinalética está a funcionar; o problema são as pessoas que não respeitam nada. No dia seguinte, ruiu uma arriba na praia do Vau! Não era falésia identificada para intervenção e não estava sinalizada. Segundo parece, esteve sinalizada, mas o mau tempo destruiu a sinalética. De quem é a responsabilidade, então? Para o Governo será, sem sombra de dúvida, responsabilidade do mau tempo. Para o mesmo Governo que decide sobre um programa nacional de barragens, para construir mais uma dezena de albufeiras em Portugal, sem estudar, sem avaliar, sem medir, num mínimo que seja, os efeitos da construção destes empreendimentos em relação ao transporte de inertes para o litoral. Repito, um dos parâmetros não avaliados no programa nacional de barragens é o efeito da retenção de inertes sobre o nosso litoral, ou seja, a sua responsabilidade no processo de erosão do litoral! O mesmo Governo que, em 2009, tinha totalmente executado, das 84 acções prioritárias do Plano de Acção para o Litoral 2007-2013, apenas sete intervenções; o mesmo Governo que, do início ao fim da sua primeira legislatura, detentor de uma maioria absoluta, reduziu em 77,7% as verbas orçamentadas para intervenção no nosso litoral.

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Agora digam-me, Sr.as e Srs. Deputados: tudo isto demonstra alguma prioridade de preocupação com a insegurança que se vive hoje nas nossas praias? Isto demonstra ou não irresponsabilidade política? E todos sabemos que quanto mais há desleixe na intervenção sobre o litoral mais cara essa intervenção depois acaba por ser no futuro e, pior, mais risco e perigo daí resulta para as pessoas.
Resta-nos saber, agora, que influência terá estas medidas de austeridade sobre o investimento programado para a consolidação do nosso litoral. 100 milhões de euros para este ano foi o compromisso que a Sr.a Ministra do Ambiente assumiu, entre financiamento nacional e financiamento comunitário. Não é muito, tendo em conta as nossas prementes necessidades. Só a intervenção na praia de S. João, na Costa de Caparica, história da qual todos nos lembramos bem por más razões, ultrapassou os 20 milhões de euros.
Ora, face ao número de intervenções necessárias no nosso litoral para repor efeitos de más decisões tomadas no passado, com implicações na destruição da nossa costa, aquele montante é manifestamente reduzido. Mas fixemos este número — 100 milhões de euros — , Sr.as e Srs. Deputados, para pedirmos contas no final do ano sobre o que foi gasto, onde foi gasto e o que ficou por fazer.
Nesta altura de crise económica, importa também avaliar os custos que a fragilização do litoral e o risco de derrocada de falésias têm sobre o turismo, sendo que pode ter graves consequências sobre a dinamização deste sector na nossa economia.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Nunca é de mais lembrar que, quando falamos de investimento ambiental, falamos também da segurança das populações. Se o ambiente continuar a ser um parente pobre do investimento, é a segurança das populações que perde com isso. É essa segurança que a obsessão do Governo com o défice não pode descurar. Os Verdes não se alhearão da atenção e da denúncia necessárias à preservação do nosso litoral e, naturalmente, à segurança das populações.

O Sr. António Filipe (PCP): — Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Inscreveram-se quatro Srs. Deputados para pedir esclarecimentos.
Tem a palavra, em primeiro lugar, a Sr.ª Deputada Jamila Madeira.

A Sr.ª Jamila Madeira (PS): — Sr.ª Presidente, Caros Colegas, gostaria de agradecer a oportunidade dada por Os Verdes para reflectirmos sobre esta matéria, embora, efectivamente, esta seja uma reflexão que vem sendo consolidada neste Governo, ao contrário do que a sua intervenção expressa.
Aproveitando para cumprimentar deste Plenário a família do jovem que ontem sofreu leves escoriações, quero dizer que a estabilidade das nossas arribas não é algo que esteja descontrolado, pelo contrário, é algo que está a ser controlado. Porém, no que respeita à monitorização da queda de pedras, não conseguimos, numa zona sísmica como a do Algarve, aferir todas as condições, tudo o que, em cada momento, em cada situação, está a acontecer.
Portanto, a situação ocorrida ontem é de lamentar. Ainda assim, é importante garantir uma coisa: todas as arribas foram inspeccionadas num plano de intervenção para o litoral; houve derrubes suplementares, para além daquilo que estava previsto, como, aliás, a Sr.ª Deputada ouviu a Sr.ª Ministra dizer em comissão ainda esta semana; houve um conjunto de intervenções, e outras estão a decorrer, concretamente nos Polis Litoral.
Falo, por exemplo, da estabilização de cordões dunares e da intervenção difícil, pelo equilíbrio entre os interesses das populações e os interesses ambientais, concretamente, por exemplo, no Polis da Ria Formosa, em que a ferocidade deste Inverno permitiu, claramente, perceber que não podemos adiar mais este tipo de intervenções, apesar da necessidade de se estabelecer este ponto de equilíbrio.
Agora, dizer que o Governo não tem estado alerta para estas questões é claramente enganar ou tentar enganar quem nos ouve.

Aplausos do PS.

Este Governo, como nenhum outro, trabalha agora no Polis Rios, porque todos sabemos que o efeito dos sedimentos que os nossos rios levam para a costa afecta as nossas zonas costeiras.
Temos, pela primeira vez em Portugal, também um Centro Unesco que se preocupa com essa realidade, que a Sr.ª Deputada, por acaso, não teve a oportunidade de receber na semana passada mas que a

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Comissão de Ambiente recebeu nesta Assembleia, que estuda, como exemplo, a eco-hidrologia das zonas costeiras, um Centro Unesco de excelência em Portugal e que, naturalmente, nos orgulha. Já agora aproveito para dizer que esse Centro está sediado na Universidade do Algarve e faz trabalhos para todos os pontos do País.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Sr.ª Deputada, queira concluir, por favor.

A Sr.ª Jamila Madeira (PS): — Esta é uma realidade de investimento. Esta é uma realidade de preocupação. Agora, é uma realidade que está sempre em movimento e é uma realidade que tem, acima de tudo, a agressividade dos invernos a aumentar, as alterações climáticas, que eu julgo que todos aqui nesta Câmara gostaríamos de conseguir controlar mas isso, infelizmente, não conseguimos.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Honório.

A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, quero cumprimentá-la pela pertinência do tema que aqui traz e questioná-la sobre esta evidência, relativamente à intervenção da Deputada Jamila Madeira. Não sabemos se a reflexão está consolidada mas consolidadas não estão, pelos vistos, as arribas e é disto que se trata, é esta a discussão que é necessário fazer para que as assunções de responsabilidade sejam feitas plenamente.
Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, a Estratégia Nacional para a Gestão Integrada da Zona Costeira, como sabe, vincula, nomeadamente na sua medida 7, a necessidade de identificação das zonas de risco e a salvaguarda dessas mesmas zonas.
Quero dizer-lhe que o Bloco de Esquerda já teve oportunidade de questionar o Governo, face às denúncias múltiplas que foram feitas ao longo do ano, nomeadamente por técnicos e estudiosos, solicitando quais são os estudos que estão a ser realizados no sentido da detecção dos riscos, no sentido de que o Governo defina claramente quais são os projectos de estabilização e também no sentido de saber quais são as medidas urgentes para evitar acidentes como aquele de que ainda ontem tivemos conhecimento.
Ainda hoje aguardamos pela resposta do Governo. Não temos resposta a estas questões elementares. No entanto, temos uma Sr.ª Ministra que diz «Bom, o problema parece que é das pessoas. Não é responsabilidade do Governo». Sr.ª Deputada, quero questioná-la sobre esta matéria, já que é necessário consolidar a intervenção e a responsabilidade deste Governo perante estas situações inadmissíveis.
Em relação a uma situação como a que aqui enunciou é preciso também ter em linha de conta que a região do Algarve é uma região assolada por uma profunda crise económica, por uma taxa de desemprego elevadíssima, que vive em excessiva dependência do turismo. Assim, quero perguntar-lhe se acha digno que numa região assolada por estes problemas, com esta crise e estas debilidades, ainda por cima, as suas praias não possam ser usufruídas pelas suas populações e, evidentemente, por todos os turistas.
Esta é uma questão fundamental num quadro de crise, que é um quadro de crise profunda e que nesta região tem um impacto extraordinário, quando, ainda por cima, continua a via verde para o «galope» da construção e do imobiliário no litoral. Isto é que não faz sentido! É disto que se trata quando queremos falar de consolidação. É consolidação de políticas de seriedade e responsabilidade para ultrapassar a crise e para resolver efectivamente os problemas.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Tiago.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, quero, antes de mais, saudar o Partido Ecologista Os Verdes por ter trazido este tema hoje, na sua declaração política.
É um tema pertinente e a intervenção da Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia demonstra bem — como, aliás, a própria realidade o demonstra igualmente — que a propaganda do Governo não tem correspondência com

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aquilo que podemos observar diariamente. Observamos um Estado cada vez mais aliado da conservação do território, cada vez mais distante, com cada vez menos meios humanos e técnicos para assegurar uma presença e uma vigilância capaz de prevenir.
Todos sabemos, Sr.ª Deputada Jamila Madeira e Srs. Deputados, que não é possível impedir a queda de blocos, não é possível impedir a regressão costeira, não é possível impedir a dinâmica da natureza. Mas todos sabemos também que se tivéssemos uma Administração Pública presente, se tivéssemos o ICNB (Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade) presente, se tivéssemos administrações das regiões hidrográficas presentes, com meios técnicos e humanos presentes no território, ao invés de andarmos a desmantelar esses serviços e a dizer que por cada 2 ou mais que saiam só entra 1, teríamos muito mais possibilidades de impedir que essa regressão costeira e essa queda de blocos e desabamento de arribas pudessem infligir problemas e acidentes junto das populações.
Embora não possamos controlar a natureza, podemos muito bem controlar os impactos que a regressão e os fenómenos da natureza impõem sobre as populações. Ora, isso não está a ser feito, pelo contrário, este Governo — e, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, aproveito também para lhe colocar esta questão — tem investido claramente no desmantelamento e na privatização dos serviços de conservação do território e da natureza. Aliás, é bem exemplo disso o facto de, inclusivamente em áreas protegidas, sob tutela directa do ICNB, entre as quais algumas praias, não haver sequer a cartografia necessária para conhecer o risco das zonas costeiras.
A Sr.ª Deputada Jamila Madeira abana a cabeça mas a Sr.ª Deputada sabe perfeitamente que estou a dizer a verdade, até porque o Sr. Secretário de Estado, na última reunião que tivemos na Comissão de Ambiente, na qual a Sr.ª Deputada também estava, até disse «Pois não, não temos a cartografia, mas tínhamos que fazer com a que havia».

A Sr.ª Jamila Madeira (PS): — Não é verdade!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Então, em vez de irem fazer a cartografia que nos falta, para conhecermos o risco objectivo das regiões, nomeadamente da região costeira do nosso País, não, fazemos com as cartas que temos, fazemos com a «prata da casa», e ainda por cima através de empresas privadas que fazem esse serviço, porque o Estado já nem tem meios para fazer o cadastro do seu próprio território.
Estas questões, Srs. Deputados, são as que determinam o impacto que a natureza tem na nossa vivência.
Não podemos controlá-la, é certo, mas podemos ter um Estado que garanta que ninguém é prejudicado pela dinâmica da natureza.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem a palavra o Sr. Deputado Artur Rêgo.

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, trouxe aqui um tema do maior interesse e da maior relevância e eu gostaria de abordá-lo sob duas ou três perspectivas diferentes.
Primeiro, no que respeita à costa portuguesa, temos de distinguir entre aquilo que é o fenómeno de erosão natural e aquilo que é a erosão provocada pela intervenção humana.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Segundo, temos de distinguir entre o que são responsabilidades do Governo, como órgão, e responsabilidades em geral do Estado ou das autarquias locais.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Portanto, partindo deste princípio, poderíamos dizer o seguinte, e é esta a posição do CDS: efectivamente, o Governo e o Estado têm a obrigação de fazer um levantamento da costa portuguesa, quanto mais não seja devido ao tipo de costa, devido à constituição dos solos, principalmente a

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sul, e devido ao aquecimento global, à subida das águas, à poluição dos rios e aos detritos, que, como foi referido, são trazidos para o litoral, pelo que há que fazer uma monitorização para preservação e evitar o aceleramento da degradação natural.
Pensamos que, até agora, isso não foi feito de forma eficaz e eficiente e poder-se-ia ter prevenido muitos dos acidentes que aconteceram, se isso tivesse sido feito.
Não é que o Governo tenha responsabilidade directa no cair das pedras, mas uma actividade preventiva e um bom e eficaz levantamento da costa portuguesa poderiam prevenir muitos destes acidentes.
Por outro lado, também temos — e ninguém aqui falou nisso — o problema da construção selvagem e desenfreada em cima da linha de costa, e não é só no Algarve, é ao longo de toda a costa portuguesa. Se calhar, há zonas da costa portuguesa, mais a norte, que têm esse problema de forma muito mais agravada do que no Algarve, porque no Algarve, desde há 10, 15, 20 anos para cá, começaram a implementar-se no terreno planos de ordenamento que, mais ou menos, têm sido respeitados.
Acontece que aqui há que efectivar responsabilidades pessoais, não só dos promotores, como também das autarquias, pois há promotores e há autarquias que «fecham os olhos», não respeitam sequer os planos de ordenamento em vigor, há promotores e autarquias que vestem simultaneamente a pele do político e do promotor privado, do administrador de empresa privada, há autarcas locais com interesse directo em que a construção se faça.
Todos nós sabemos que, quando se quis implementar um plano que impunha, por exemplo, 500 metros de distância para a primeira construção na zona de Vilamoura, houve políticos, que eram também gestores e administradores de empresas com interesses na zona, que fizeram lobby, fizeram pressão para que não fosse respeitada no plano essa distância.
Portanto, é esta responsabilização política, não só do Governo como de todas as partes envolvidas, que tem de ser aqui tida em consideração e tem de ser efectivada daqui para a frente — isto e uma política correcta de ordenamento do território.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Sr. Deputado, queira concluir.

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Irei concluir, Sr.ª Presidente.
Não tomamos uma posição de diabolização de a ou de b. Não tomamos uma posição demagógica de responsabilização exclusiva do Governo ou das entidades privadas, entendemos que há uma série de erros acumulados que têm de ser rectificados.
O Governo tem agora um plano de protecção do litoral. A execução está a ser extremamente»

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Sr. Deputado, queira concluir.

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Irei concluir, Sr.ª Presidente.
Portanto, não sendo radicais, entendemos que há que «chamar à pedra» todos os responsáveis envolvidos: Governo, autarcas e empresários.

Aplausos do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para responder aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, em primeiro lugar, quero agradecer aos Srs. Deputados as questões e os comentários colocados.
Sr.ª Deputada Jamila Madeira, não conseguiu disfarçar a inacção que o Governo tem tido. Quando digo o Governo, falo também do da anterior Legislatura, porque apesar de a maioria ser diferente, em termos de números de Deputados, as opções políticas são idênticas. Não é, Sr.ª Deputada? Ou melhor, penso eu, são do Partido Socialista, mas também não temos bem a certeza disso, julgo que sim.

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Então, o que acontece, Sr.ª Deputada? Revelou o que não dá para esconder. Até teve o cuidado de dizer: «Nós agora consideramos que não dá para adiar mais.». Pois é, porque tem sido tudo muito adiado. Mas, sabe, Sr.ª Deputada, os alertas têm aparecido permanentemente nesta Casa.
Acaso o Governo ouvisse as denúncias que aqui são feitas recorrentemente, em especial por parte de Os Verdes, e é provável que outras tivessem sido as opções políticas; se o Governo, neste caso, a maioria, até em sede de Orçamento do Estado, tivesse aceite algumas propostas de reforço de investimento que aqui apareceram, designadamente para o litoral, talvez as coisas fossem um pouco diferentes.
Mas não dá para adiar mais, não, Sr.ª Deputada. Não dá mesmo! E é importante percebermos que temos um programa de acção para o litoral até 2013 e que ele está muito pouco concretizado.
A Sr.ª Deputada diz que a Sr.ª Ministra veio cá dizer que estão a fazer. Pois eu também ouvi! Mas o que estão a fazer e em que medida? Quantifique, pois a Sr.ª Ministra não o fez, apesar de ter sido questionada sobre isso! A Sr.ª Deputada agora diz que há a máxima atenção, há máxima urgência de intervenção. Sr.ª Deputada, e então o Programa Nacional de Barragens? Independentemente de sermos contra ou a favor da construção daquelas barragens, não vamos falar aqui disso, a Sr.ª Deputada concebe, mais do que a elaboração, a aprovação de um programa daquela natureza sem que parâmetros tão importantes como avaliação do transporte de sedimentos até ao nosso litoral tenha sido feita? Concebe isto?! A Sr.ª Deputada não percebe que há aqui interesses que falam tão mais alto do que a nossa própria segurança territorial e, consequentemente, a segurança das populações?! Isto revolta, Sr.ª Deputada! Vou dizer-lhe uma coisa: diremos quantas vezes forem precisas, neste Plenário e fora dele, e apontaremos o dedo aos erros que os senhores cometem permanentemente, porque, mais para a frente, vamos andar todos a chorar as consequências da queda de mais arribas e de desastres nas nossas praias, e depois ninguém consegue identificar exactamente que aquilo se deveu à fragilização da concretização de um Programa Nacional de Barragens.
Mas toda a gente sabe — a Sr.ª Deputada sabe-o, focou uma universidade mas todas as universidades deste País já estudaram estes efeitos das barragens e da extracção de inertes sobre o nosso litoral — e toda agente quer colocar uma venda nos olhos. Quando se tomam as decisões, os estudos dessas universidades colocam-se todos para trás, não são tidos em conta. Isto não pode ser, Sr.ª Deputada! Há que encarar aquilo que sabemos, aquilo que está estudado, aquilo que é uma evidência e, depois, tomar decisões políticas em função disso mesmo.
Custava alguma coisa ter estudado esta componente do transporte de sedimentos?! Custava, Sr.ª Deputada! É que ia dar mau resultado no que diz respeito à decisão do Programa Nacional de Barragens. Por isso é que não o estudaram.
Srs. Deputados Cecília Honório, Miguel Tiago e Artur Rêgo, julgo que suscitaram aqui algumas questões importantes. A Sr.ª Deputada Cecília Honório referiu a questão da forma como estes fenómenos catastróficos podem afectar um sector económico fundamental e com uma sazonalidade extraordinariamente importante que é o turismo, designadamente numa zona que é o Algarve. Não vamos agora caracterizar aqui o turismo ou o grosso do turismo do Algarve, pois não é isso que está em causa. Mas há aqui uma dependência económica deste sector que é extraordinariamente importante. Portanto, por via desta segurança, que é necessária, no nosso litoral, estamos também a ajudar estes sectores económicos.
O Sr. Deputado Miguel Tiago foca aqui uma questão também extraordinariamente importante. Também ouvi, Sr. Deputado, o Sr. Secretário de Estado dizer «nós temos a cartografia que temos, paciência»«.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — É o que há!»

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Mas isto é assim?! Temos a que temos?! Não podemos fazer melhor? É com esta leviandade que as coisas se fazem?!» A Administração Pública não serve para estar sentada numa cadeira! Às vezes, os senhores querem transmitir essa ideia, mas não é assim. De facto, a Administração Pública faz falta ao País, o Estado faz falta ao País. É preciso vigilância, e nós temos vigilância em vários sectores, como nas estradas, mas deveríamos ter mais nas áreas protegidas»

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A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Sr.ª Deputada, queira concluir.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Vou concluir, Sr.ª Presidente.
Portanto, essa matéria, que tem a ver com a questão da vigilância nas praias e com o envolvimento do Estado na mesma, será, futuramente, discutida, por iniciativa de Os Verdes.
Sr. Deputado Artur Rêgo, a construção desenfreada é uma questão que deve merecer a nossa preocupação. O problema é que, às vezes, não aprendemos com os erros do passado — e esse é que é um problema bicudo. A nós, compete-nos estar atentos e denunciar permanentemente estas situações, para que elas não caiam no esquecimento e, fundamentalmente, para que elas não se transformem num erro.

Vozes de Os Verdes: — Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Lopes.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Na terça-feira, João Ferreira do Amaral, Professor no Instituto Superior de Economia e Gestão, teve, no Jornal de Negócios, uma importante entrevista sobre as consequências para o País da adesão ao euro e os problemas decorrentes da presença na União Económica e Monetária (UEM) no actual contexto de crise.
Não são propriamente uma novidade para quem, quase sempre isolado na sua área ideológica e partidária, ao longo dos anos, travou um combate persistente contra os erros da adesão à moeda única e de uma política monetária que transformaram, no seu dizer, Portugal numa grande junta de freguesia. E ainda não havia a perspectiva de a Comissão e a Sr.ª Merkel exigirem o visto prévio do Orçamento do Estado português, antes da sua entrega à Assembleia da República! É uma entrevista lúcida e corajosa, num País de onde o pensamento económico dominante, de matriz neoliberal, ocupa a 100% o espaço do artigo e do comentário na comunicação social (generalista e especializada), para lá de conduzir as práticas políticas de sucessivos governos do PS e do PSD.
O PCP, que, ao longo dos anos, foi sublinhando a coerência e a justeza das suas intervenções sobre a matéria, único grande partido nacional que se opôs, de forma substantiva e fundamentada, à integração de Portugal na UEM, não pode deixar de a saudar.
Não podemos deixar de apelar a uma leitura atenta e não preconceituosa do seu conteúdo, neste momento de grandes e graves dificuldades para milhões de portugueses. Gravidade engrossada pelas últimas medidas do Governo, com a preciosa colaboração do PSD, de forte penalização do poder de compra com cortes salariais, restrições nos apoios sociais e agravamento do IVA, inclusive sobre bens essenciais.
Srs. Deputados, João Ferreira do Amaral faz uma síntese, no curto texto da entrevista, das questões centrais colocadas pelo euro ao País. E, mais uma vez, corajosamente, não deixa de avançar possíveis respostas para a situação criada. Muitas das suas teses não poderão deixar de lembrar argumentação desenvolvida pelo PCP, antes e depois da integração monetária, fundamentando a sua posição.
Numa breve exposição, destaco: a adesão ao euro, feita como forma de impulsionar a integração política, é «um erro tremendo», em que a economia foi usada «como cobaia»; A brutal contradição entre um euro forte e a fragilidade da estrutura produtiva portuguesa, tendo-se traduzido a adesão do País na «principal razão da perda de competitividade»; De como uma taxa de câmbio desajustada para a economia portuguesa e a redução das taxas de juro travaram a aposta no sector dos bens transaccionáveis e fizeram crescer uma dívida externa insustentável.
Entre 1999 e 2009, como sabem, o endividamento externo líquido do País, em percentagem do PIB, saltou de 31,5% para os 111,6%! Comparação das promessas feitas com os resultados: prometeram mais crescimento e mais emprego, e não aconteceu; prometeram estabilidade monetária, e não houve; não aconteceriam problemas de financiamento ao País, e eles aí estão (e de que forma!).
E, em jeito de balanço, afirma: «Olhando para os factos, os resultados são desoladores! A nossa economia tem sido destruída de forma fortíssima devida à participação na zona euro».

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Depois, noutro registo, João Ferreira do Amaral aborda as questões da zona euro face à crise, explicando por que é que a baixa de salários (política que o Governo tem em curso, com o apoio do PSD) não é solução para a competitividade das exportações portuguesas; de como a crise apanhou a zona euro «descalça», sem instrumentos para lhe responder; e por que é que uma política orçamental restritiva pode conduzir a novas recessões, sacrificando o crescimento e o emprego. Destacamos as suas palavras: «o que é grave é o desemprego e a estagnação», e não a inflação.
E, questionado sobre as saídas, é muito claro: ou se permite (a nível dos órgãos da União Europeia) que o País tome medidas de protecção excepcional, nomeadamente subsídios à exportação ou condicionamentos às importações, ou se alteram as instituições, por forma a criar «um mecanismo de apoio a um país que precisa de sair temporariamente do euro».
Srs. Deputados, houve um primeiro-ministro que, após a decisão comunitária da entrada de Portugal no euro, exclamou (glosando, de forma estranha, a fórmula cristã de constituição da Igreja de Roma): «Este é o euro e sobre este euro construiremos a Europa». Enganou-se duas vezes. O euro está em vias de se tornar a dinamite da União Europeia e, depois, apesar das boas intenções, o euro, no centro das políticas neoliberais de sucessivos governos, conduziu o País ao triste estado em que se encontra: desemprego, dívidas, défices, dependências e desigualdades! Srs. Deputados, no momento muito difícil como o que o País vive, é absolutamente crucial o papel da soberania e independência nacional para a viabilidade económica de Portugal e o futuro colectivo desta comunidade humana, soberana e independente há mais de oito séculos.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — E colocam na ordem do dia a necessidade de uma política patriótica e de esquerda e um governo que a concretize. Um governo de ruptura e mudança que responda aos problemas do País, que respeite e cumpra a Constituição da República.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Inscreveram-se dois Srs. Deputados para pedir esclarecimentos, aos quais o Sr. Deputado Agostinho Lopes responderá em conjunto.
Em primeiro lugar, tem a palavra o Sr. Deputado José Gusmão.

O Sr. José Gusmão (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Agostinho Lopes, com efeito, a crise que a União Europeia actualmente atravessa mostra a falência da política do Pacto de Estabilidade e Crescimento, uma política que, querendo fazer do défice e do endividamento os aspectos centrais da condução da política económica europeia, mergulhou a Europa na maior crise de endividamento que alguma vez teve de enfrentar.
A falência dessa política é o que está à vista de toda a União Europeia e a entrevista dada pelo Dr. João Ferreira do Amaral aponta caminhos que são, sem dúvida, caminhos novos, não nas suas propostas mas no discurso de alguns dos nomes mais importantes da nossa economia.
É uma posição antiga a do Dr. João Ferreira do Amaral, mas é importante ouvi-lo, porque essa posição é rara no meio da cegueira e do autismo que marcam grande parte do discurso sobre a política económica, em Portugal, e das soluções que estão, neste momento, a ser patrocinadas pelos dois partidos do bloco central.
Mas não é uma voz única, isolada. O Prémio Nobel da Economia, Joseph Stiglitz, veio recentemente dizer que a política da austeridade leva ao desastre, é um círculo vicioso, que, a ser prosseguido, só poderá acabar com a ruína económica do espaço comunitário europeu.
Também um outro Prémio Nobel da Economia, Paul Krugman, veio dizer que, a não ser que se operem mudanças importantes nas instituições europeias e na política económica europeia, o projecto da união económica não é, pura e simplesmente, viável.
Estes avisos de economistas destacados, em Portugal e fora de Portugal, deveriam pôr-nos a pensar sobre os caminhos da política económica que está a ser seguida pelo Partido Socialista, com o apoio do Partido Social Democrata.

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A política de austeridade irá agravar o ciclo da recessão e essa é a política que, hoje em dia, tem de ser combatida, para que, em Portugal e nos espaços comunitários, sejam construídos outros caminhos, assentes no combate ao desemprego, em políticas de crescimento, que passem por um novo contrato europeu, um novo compromisso nas instituições comunitárias, através de um orçamento comunitário, de políticas sociais à escala europeia, de instrumentos de endividamento europeu, que apoiem os países em maiores dificuldades.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. José Gusmão (BE): — Pensamos que esse é o debate que importa fazer, aqui, em Portugal, e nas instituições europeias. Associamo-nos, desse ponto de vista, a algumas das opiniões muito sensatas que foram transmitidas na entrevista que referiu.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Hortense Martins.

A Sr.ª Hortense Martins (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Agostinho Lopes, ouvimos com atenção a sua intervenção e realmente não ficámos surpreendidos. É que a posição do PCP foi sempre contra a Europa, contra o projecto europeu, e mesmo o Bloco de Esquerda tem algumas dúvidas relativamente à construção do projecto europeu. Aliás, até hoje, aquilo a que assistimos da parte destes partidos foi sempre a bloqueios à construção do projecto europeu.

Aplausos do PS.

E, tendo sido eleita por um distrito do interior, não posso deixar de pensar que os portugueses que me estão a ouvir não são ingratos e sabem muito bem que os fundos que recebemos da União Europeia, durante cerca de 30 anos, ajudaram a construir o nosso País, ajudaram a construir Portugal, ajudaram a construir o interior. Portanto, estas posições dos partidos à nossa esquerda já são esperadas.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — E as empresas que fecharam?!

A Sr.ª Hortense Martins (PS): — Isto não obsta a que, na Europa, haja necessidade de políticas em comum, de se encontrar formas de reforçar a competitividade da Europa. Ora, é isso que tem de ser feito, e está a fazer-se, a diversos níveis.
Temos de reconhecer que a Europa respondeu tardiamente a esta crise, mas, quando o fez, os mercados, nesse próprio dia e no dia seguinte, reagiram imediatamente. Por isso, temos de pugnar por respostas coesas da União Europeia e só assim ajudaremos a construir o projecto europeu, que é também o futuro do nosso País.

Aplausos do PS.

Srs. Deputados, não podemos esquecer que, ainda assim, e falando da Europa, ainda esta semana, tivemos alguns resultados de indicadores económicos, como os da OCDE e do próprio FMI, que nos dão alguns sinais positivos relativamente à nossa economia.
Queria, no entanto, chamar à responsabilidade todos os partidos no ataque a esta crise internacional sem precedentes e perguntar se os partidos à nossa esquerda, nomeadamente o PCP, estão dispostos a construir a solução para a crise internacional, o que não nos parece.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Lopes.

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O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado José Gusmão, agradeço as questões que referiu, com as quais, certamente, estamos de acordo. No entanto, vou concentrar-me nas questões colocadas pela Deputada Hortense Martins.
Sr.ª Deputada, não estranho que fique surpreendida com as nossas posições. Elas são conhecidas, têm sido várias vezes afirmadas e debatidas nesta Assembleia.
Depois da intervenção que fiz, teria gostado que a Sr.ª Deputada reflectisse e dissesse alguma coisa sobre as palavras do Prof. João Ferreira do Amaral, que, por acaso, é membro do Partido Socialista.
A Sr.ª Deputada considera que a moeda única não colocou problemas, como o da competitividade e da perda de instrumentos orçamentais pelo País.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Não leu a entrevista!

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Vou dizer por que é que a Sr.ª Deputada não fica preocupada. Não fica preocupada, porque este Governo, como os anteriores, encontrou forma de responder ao espartilho criado pela moeda única, que foi passar as responsabilidades para as duas únicas variáveis que sobraram neste processo, e em primeiro lugar o factor trabalho, com as vossas medidas para facilitar o desemprego, para reduzir os apoios ao subsídio de desemprego, para pressionar a precariedade, no fundo, para que os salários baixem.
Não ficou surpreendida também porque os senhores aceitam com toda a facilidade a redução do investimento público, que está a cair desde a adesão ao euro, com consequências desastrosas no País, inclusive pelo facto notável de, em virtude desta política orçamental, o País não ter conseguido sequer, como é sabido, aproveitar devidamente fundos comunitários recebidos ao longo destes últimos anos, pressionado pela tentativa de restrição do próprio Orçamento do Estado.
A Sr.ª Deputada fala em interior. Sei que é de uma zona do interior, mas certamente que não está atenta aos dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística relativamente aos profundos e agravados desequilíbrios regionais que vão crescendo no nosso país entre o litoral e o interior.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Rita Calvário, do Bloco de Esquerda.

A Sr.ª Rita Calvário (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Foram ontem divulgadas as mais recentes previsões da OCDE sobre a economia nacional. De acordo com esta Organização, o produto crescerá um pouco mais do que era esperado, mas continuando, mesmo assim, a divergir da média europeia.
Este estudo confirma a absoluta incapacidade em criar emprego como o elemento mais preocupante da nossa economia.
Até ao final de 2011, o desemprego continuará sempre acima dos 10%, um valor superior à média europeia e muito, muito acima da média registada nos países da OCDE. Há 30 anos que Portugal não registava um desemprego tão persistente e enraizado. Um em cada dez portugueses não encontra posto de trabalho; oito em cada dez das pessoas que perderam o emprego em 2009 tinham um vínculo precário. São estes os números da economia real.
Perante a urgência da criação de emprego e do apoio social ao crescente número de desempregados, o que faz o Governo? Anuncia mais um corte radical no apoio aos desempregados, dificulta o acesso ao subsídio de desemprego e coloca um ponto final ao seu próprio plano anticrise. Não que a crise tenha chegado ao fim, pelo contrário, mas porque PS e PSD se juntaram e, depois de terem apertado a mão para aparecer na fotografia, elegeram os pobres e os desempregados como os principais responsáveis pelo estado da economia.
É este o resultado do encontro entre Sócrates, Primeiro-Ministro, e o seu «vice-primeiro-ministro», Pedro Passos Coelho: pedir a conta pela crise aos desempregados, não poupando mesmo os mais pobres dos mais pobres.

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A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Rita Calvário (BE): — É o reforço da violência social contra os mais afectados e desgastados pela crise. O subsídio de desemprego em Portugal vai voltar a ser um dos menos acessíveis da Europa. Dos 27 países da União, 20 exigem um prazo inferior ao português para ter acesso ao subsídio. Num País como o nosso, que apresenta a terceira economia com maior percentagem de trabalho precário, não é difícil adivinhar o que irá acontecer: dezenas e dezenas de milhar de pessoas, essencialmente jovens, deixarão de ter acesso ao subsídio de desemprego, aumentando, por esta via, a pobreza e a exclusão social.

A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Rita Calvário (BE): — Diz a Ministra Helena André que estes cortes pretendem que as pessoas se tornem activas. Ou seja, o que ela nos diz é que volta a atirar para as costas de todos quantos, procurando emprego, não o encontram a responsabilidade pela sua situação. Também aqui o encontro com Passos Coelho fez escola. Onde o PSD quer colocar os desempregados a trabalhar à borla, o PS quer fazer-nos acreditar que, acabando com os mecanismos de protecção social, nos levará ao pleno emprego.
O Governo encontra-se, portanto, em fase de negação. O problema do País não são os portugueses que não querem trabalhar, Sr.as e Srs. Deputados do Partido Socialista. É um modelo económico que não cria emprego e que diverge, todos os anos, dos outros países. Se retirar os apoios aos desempregados e dificultar ainda mais o acesso ao subsídio de desemprego estimula o mercado de trabalho, alguém no Governo tem de explicar como é que temos 200 000 desempregados sem qualquer subsídio e o desemprego não pára de aumentar todos os dias.
Manuel Pinho, que ficou famoso por proclamar o fim da crise com a pontualidade de um relógio suíço, já se foi embora, mas o Governo parece continuar em fase de negação. Ainda ontem, a Ministra do Trabalho garantia «que o mercado de trabalho está a dar sinais de recuperação». Estranha recuperação esta, quando todos os indicadores garantem que mais de 600 000 portugueses vão continuar sem emprego até ao final de 2011.

O Sr. Heitor Sousa (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Rita Calvário (BE): — Vale a pena lembrar que o plano anticrise, agora retalhado, tinha sido apresentado pelo próprio Primeiro-Ministro, com a pompa do costume, há menos de seis meses. De acordo com comunicado do Conselho de Ministros de então, este plano anticrise pretendia «assegurar a manutenção de postos de trabalho, incentivar a inserção de jovens no mercado de trabalho, criar emprego e combater o desemprego».
Deduz-se, portanto, que o Governo entende que a crise acabou e já não é necessário promover a qualificação do trabalho, reduzir o prazo de acesso ao subsídio de desemprego e reforçar as linhas de crédito.
O Governo, com o apoio do seu parceiro de coligação, o PSD, encontra-se em pleno processo de negação.
Estamos em crise e a resposta do Governo e do PSD é cortar nos apoios sociais e acentuar a grave crise que o País enfrenta com um crescimento anémico e com o aumento dos impostos do consumo e do trabalho.
Sr.as e Srs. Deputados: O País não precisa deste tango desastroso que só nos arrasta para o desastre e o abismo social. O País precisa, sim, de coragem política do Governo para criar emprego e resolver os graves problemas sociais com que os portugueses se confrontam todos os dias.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos à Sr.ª Deputada, três Srs. Deputados.
Tem a palavra o Sr. Deputado José de Matos Rosa, do PSD.

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O Sr. José de Matos Rosa (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Rita Calvário, os últimos anos traduziram-se, em Portugal, por um avolumar de problemas em matéria de crescimento: endividamento do País face ao exterior, queda de competitividade externa, desequilíbrio nas contas públicas, aumento do desemprego e da pobreza, entre outros.
Neste ponto, posso concordar consigo. A situação económica do País chegou a uma situação de tal gravidade, reconhecida e alertada por inúmeras instituições e pelo próprio PSD.
De há muito que o PSD chama a atenção para a falta de sustentabilidade e uma política económica que tem conduzido a níveis excessivos de despesa pública e privada do País e que tem minado as condições de competitividade das empresas, com implicações graves no emprego.
O País está sob observação permanente por parte de todas as organizações internacionais, das empresas de rating e dos investidores externos que são indispensáveis para o financiamento da nossa economia.
É neste quadro de grande preocupação que o PSD tem insistido numa redefinição de prioridades.
As consequências desta política vão tornar-se desastrosas no actual quadro da situação económicofinanceira internacional e nacional. Vamos chegar a 2013 sem os problemas estruturais resolvidos.
Sr.ª Deputada, este Governo só me faz lembrar uma avestruz, pois, ao primeiro sinal de problema, mete a cabeça na areia, depois sacode o pó das penas e segue como se nada fosse.
No entanto, por outro lado, o Governo parece aquele doente que vai ao médico, mostra as análises e o médico diz: «O senhor, com estas análises, está tecnicamente morto.» Então, o doente — refiro-me agora também à Sr.ª Deputada do Partido Socialista que acabou de falar — diz-lhe: «A partir de agora, Sr. Dr., é só melhorar.» Sr.ª Deputada, quero deixar-lhe uma pergunta muito simples. O Governo prevê grandes projectos de investimento. Não considera a Sr.ª Deputada que, com a presente situação económica, estes investimentos deveriam ser repensados e reavaliados e que a linha do TGV entre as «grandes» cidades do Poceirão e Caia deveria ser adiada?

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem a palavra, para responder, a Sr.ª Deputada Rita Calvário.

A Sr.ª Rita Calvário (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado José de Matos Rosa, disse-nos que o Governo socialista é como um doente que vai em busca das receitas. Ora, parte dessas receitas foram-lhes dadas precisamente pelo PSD,»

A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Rita Calvário (BE): — » que deu a mão ao PS e ao Governo socialista para aplicar medidas de austeridade social que pedem sacrifícios a quem menos tem e a quem mais é desgastado por esta crise.
Ainda agora, assistimos a mais um corte nas prestações sociais e a um ataque aos desempregados mais pobres. Certamente que o PSD também inclui nas suas receitas este tipo de medidas.
Sr. Deputado, relativamente ao investimento público, é conhecida a posição do Bloco de Esquerda.
Consideramos que o investimento público é fundamental para reanimar a economia e criar postos de trabalho e sem ele aquilo que temos são estes pacotes de medidas recessivas e de austeridade que empurram a economia para baixo e só adicionam crise à crise e desempregados aos desempregados.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para pedir esclarecimentos tem a palavra a Sr.ª Deputada Jamila Madeira.

A Sr.ª Jamila Madeira (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Rita Calvário, queria refutar algumas das afirmações que aqui foram feitas.

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Gostaria de perceber se a Sr.ª Deputada tem presente que o crescimento do PIB e o efeito no desemprego não é instantâneo. Essa é a primeira grande questão. Gostaríamos que fosse, mas não é, e essa é uma realidade que todos temos presente. O efeito também atinge de forma diferenciada os diferentes sectores de actividade, as diferentes áreas afectadas pela crise e, portanto, a capacidade de apoiar ou não apoiar os mais afectados em cada momento pela crise.
Todos sabíamos, quando o Governo criou medidas suplementares — permita-me que sublinhe «suplementares» — de apoio aos desempregados, que elas eram suplementares e, por isso, transitórias. Essa é uma mensagem absolutamente clara.
Sabemos que não podemos viver acima das nossas capacidades financeiras. Temos já um grande encargo para suportar e as medidas de apoio aos desempregados são agora reafectadas aos sectores que estão a viver, neste momento, uma maior crise. Veja-se, por exemplo, o sector automóvel, que agora começa a recuperar. Temos, por outro lado, outros sectores que agora sentem o período mais difícil da crise. Ou seja, se quiser comparar, e já que eu sou do Algarve, compare o turismo com o sector automóvel. O turismo está agora a viver o seu momento mais difícil; em comparação, o sector automóvel está já a viver momentos de crescimento.
Portanto, Sr.ª Deputada, temos de afectar os apoios que podemos, que devemos e que urge dar aos cidadãos que procuram utilizar os incentivos do Governo, à criação líquida de postos de trabalho, aos cidadãos que ainda assim procuram utilizar instrumentos para criar o seu próprio emprego, a todos aqueles que, de alguma forma, estão a ser apoiados no sentido de terem instrumentos de acesso ao crédito, de poderem dinamizar a economia.
Não podemos é continuar a apoiar numa banda larga, sabendo que, assim, nenhum sector da nossa economia ficará certamente apoiado.
É preciso direccionar, é preciso especializar, mas, como a nossa economia tem recursos limitados, temos de nos cingir a eles e temos de procurar alavancá-los da melhor maneira e, com isso, conseguir apoiar aqueles que mais precisam.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Rita Calvário.

A Sr.ª Rita Calvário (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Jamila Madeira, agradeço as palavras que proferiu, e bem. Realmente, o que temos são momentos de crescimento. Não temos um crescimento sustentado e não há indicadores nem estudos que nos digam que ele é sustentado.
Estes momentos de crescimento dizem-nos que continuamos a divergir da média da União Europeia e mesmo da média dos países da OCDE.
Esta incapacidade e divergência da economia tem como problema estrutural o da falta de criação de postos de emprego e de manutenção de recordes históricos de níveis de desemprego. Este é o problema estrutural da nossa economia. É esta realidade que torna o País vulnerável ao ataque dos especulares e dos mercados financeiros que tanto têm aumentado os níveis de endividamento.
Portanto, resolver as questões do desemprego e ter uma economia que seja reanimada e crie postos de trabalho deve ser o centro da acção governativa.
No entanto, perante isto, o que é que o Governo faz? Corta nos que menos têm e nos que são mais sacrificados pela crise e o resultado disto será aumentar o nível de desemprego e de pobreza em Portugal.
O Governo decidiu acabar um plano anticrise que funcionou apenas pela metade. Pergunto, Sr.ª Deputada: a crise já acabou?! Já não se justificam estas medidas suplementares?! O que é que vai dizer aos desempregados, a todos aqueles que, perante a falta de perspectivas de criação de emprego, se vão ver numa situação de desemprego? O que é que o Governo tem a responder a essas pessoas? As orientações do Governo são no sentido de penalizar quem está em maiores dificuldades. Os sacrifícios não são repartidos por todos de igual forma e a orientação é muito clara: penalizar quem menos tem e agudizar o carácter recessivo da economia e os níveis já históricos do desemprego no País.

Aplausos do BE.

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A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Machado.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Rita Calvário, numa altura em que o desemprego atinge mais de 729 000 pessoas e em que, pura e simplesmente, não pára de crescer, importa salientar que a solução do PS e do PSD é partilhada, é uma solução do bloco central, tendo o PS e PSD acordado estas medidas.
São medidas que penalizam os trabalhadores se se levar avante este autêntico roubo aos salários e às pensões do povo português, numa altura em que era preciso encontrar respostas diferentes para esta situação.
Não satisfeitos com este roubo aos salários, o PS e o PSD acordaram — e foi dado recentemente eco dessas medidas — cortar nos apoios sociais, precisamente numa altura em que eles mais falta fazem.
As medidas encontradas para responder ao cenário de crise que está instalado passa por menos seis meses de subsídio social de desemprego, passa por mais dias de trabalho para se ter acesso ao subsídio de desemprego (de 375 dias passamos para 450) e pela eliminação do pagamento adicional do abono de família, nomeadamente para os escalões mais baixos.
Por outro lado, mantêm-se todas as benesses para as empresas e para os grupos económicos, nomeadamente a redução de taxas significativas no pagamento de contribuições para a segurança social.
Portanto, consideramos ser absolutamente inaceitável estas medidas que o PS e o PSD acordaram e que nada resolvem.
Como é que as medidas que foram acordadas vão ajudar a resolver algum dos problemas que o nosso País hoje enfrenta? Qual é a solução? Em que medida é que este caminho ajuda a resolver qualquer um dos problemas que o País enfrenta? Antes pelo contrário, estas medidas vão ter como única e exclusiva consequência agravar os problemas sociais do nosso País.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Rita Calvário.

A Sr.ª Rita Calvário (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Jorge Machado, agradeço as questões colocadas. De facto, analisou bem a questão ao dizer que estas são as medidas de um bloco central que decide atacar os desempregados e penalizar quem trabalha. O objectivo é simples: reduzir salários, tornar mais vulnerável quem está em situação de pobreza e aumentar a precariedade no trabalho e na vida de todos os portugueses.
Este não era o caminho único, não era o caminho inevitável e há soluções e respostas alternativas.
O Bloco de Esquerda tem, desde o primeiro momento, apresentado um conjunto de propostas. Ainda ontem apresentámos três medidas essenciais para combater a crise e para responder com seriedade ao problema do País. São medidas da mais elementar justiça para todos os portugueses, colocando, de facto, o peso da factura da crise em quem mais tem e em que mais tem sido beneficiado por esta crise.
A proposta do Bloco de Esquerda é a de taxar o sistema bancário com a taxa de 25%, que é aplicada a qualquer actividade comercial, o que é da mais elementar justiça. Não se percebe como é que a banca, que tem tido tantos lucros, continuou a pagar, em 2009, uma taxa muito reduzida, na ordem dos 10%! Propusemos, também, taxar os bónus e os prémios milionários dos gestores. É inadmissível que, enquanto uns ganham milhões e não pagam qualquer imposto sobre isso, este Governo e o bloco central imponham medidas de austeridade sobre quem trabalha, sobre os desempregados e sobre o que são mais pobres entre os desempregados.
Propusemos, também, taxar as transferências para os paraísos fiscais, para os offshore e todas estas medidas permitiriam arrecadar um conjunto de receitas que mostram claramente que há alternativas ao caminho seguido, que ele não é inevitável e não podemos aceitar este discurso de austeridade social que só penaliza quem menos tem e quem mais tem sido penalizado por esta crise.

Aplausos do BE.

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A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Meireles.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Desde a apresentação do Programa de Estabilidade e Crescimento para 2010-2013, em 15 de Março deste ano, Portugal tem assistido, perplexo, a um verdadeiro desnorte governamental.
Já há muito sabíamos que o Governo facilmente recuava nas opções, que não cumpria as promessas eleitorais e que se contradizia nas declarações. Vimos isso no valor do défice, na idade da reforma, no estatuto do aluno, nas taxas moderadoras da saúde, nas férias judiciais, na avaliação dos professores e, por último, nesse verdadeiro mas lamentável clássico da medida permanentemente anunciada mas eternamente adiada que é a unidose.

Aplausos do CDS-PP.

É fácil perceber que, quando não se sabe para onde se vai, dificilmente se acerta naquilo que se faz. Mas nos últimos dois meses, com particular ênfase nos últimos 15 dias, o Governo conseguiu surpreender tudo e todos, numa atitude que só pode ser classificada como descontrolo perante uma crise há muito previsível.
Não foi o mundo que mudou nos últimos 15 dias, como não foi o mundo que mudou nos últimos 2 meses.
Foi o Governo que, primeiro, escondeu a realidade, depois, escondeu-se da realidade e, finalmente, foi obrigado a confrontar-se com a realidade.

Aplausos do CDS-PP.

Ainda o Orçamento de Estado para este ano estava longe de entrar em vigor e já, a 15 de Março, o Governo estava a avançar com o PEC, com um claro aumento de impostos através da diminuição de várias deduções fiscais.
Mas, nesta altura, o discurso oficial ainda não falava de aumento de impostos.
Aliás, dizia o Sr. Primeiro-Ministro, a 16 de Abril, há pouco mais de um mês: «Não haverá aumento de impostos», «(») pela simples razão de que isso teria um efeito recessivo na nossa economia«. Pois bem, teria de facto, e infelizmente terá, porque, menos de um mês depois, o Governo anunciava, oficialmente, aliás com a ajuda do PSD, um dos maiores aumentos de impostos de sempre.

Aplausos do CDS-PP.

O País perguntou: mas estes aumentos serão até quando? Também para esta pergunta houve todo o tipo de respostas. As primeiras notícias falavam em seis meses, depois, a 13 de Maio, o Primeiro-Ministro afirmou: «um ano e meio, até ao fim de 2011». Mas, apenas cinco dias depois destas declarações, disse o Sr. Ministro das Finanças que, afinal, as medidas são para durar «enquanto forem necessárias», posto o que o PrimeiroMinistro logo o seguiu dizendo «são para durar o tempo que for necessário». Não se sabe quanto, obviamente! Este episódio foi apenas o primeiro de uma verdadeira barafunda fiscal que ainda hoje não está esclarecida.
Vejamos: a 13 de Maio, o aumento de impostos começava, segundo o Primeiro-Ministro, a 1 de Julho. A 19 de Maio, seis dias depois, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais dizia que os rendimentos iam ser tributados desde o início do ano; apenas horas depois, o Sr. Primeiro-Ministro afirmava que, afinal, começavam a 1 de Junho. Entretanto, no meio de tudo isto, as taxas mudaram de 1 e 1,5% para 7/12 de 1 e 1,5%.
Mas o problema da retroactividade do imposto permanecia, permanece e permanecerá enquanto o Governo não perceber que não pode tributar a uma taxa nova e mais alta salários que já foram auferidos há meses.

Aplausos do CDS-PP.

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E mais: como se tudo isto não bastasse, ainda antes de sequer dar entrada a proposta de lei no Parlamento, o Governo faz o aumento de impostos na «secretaria», através de um despacho que entrou em vigor a 21 de Maio, para, logo depois, ser adiado para 1 de Junho, com uma «chuva» de declarações e contradeclarações pelo meio. Resta acrescentar que, mesmo no dia 1 de Junho, a lei habilitante — a tal lei que aumentará, se esta Câmara assim decidir, os impostos e as taxas de IRS — não terá sequer sido ainda discutida aqui nesta Câmara.

Aplausos do CDS-PP.

No que toca à suspensão de obras públicas, também os avanços e recuos são constantes, com o PEC a anunciar apenas a suspensão das linhas de alta velocidade de Porto-Lisboa e Porto-Vigo, para, depois, outras suspensões serem anunciadas, mas, pelo meio, com a assinatura apressada do contrato do troço Poceirão/Caia e sem que se perceba como fica, afinal, a terceira travessia do Tejo.
Também nas medidas anticrise se instalou um clima de completa incerteza. A 13 de Maio, foi anunciada a sua «eliminação antecipada», não se sabia para quando nem como.
Ontem soubemos exactamente o que cairá, pelo menos enquanto o Governo não mudar de ideias. Tudo isto, sem que o Governo se tenha incomodado sequer a informar o Parlamento.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Verdadeiramente emblemático deste ziguezague constante é o que aconteceu com a majoração do montante de subsídio de desemprego para casais desempregados com filhos a seu cargo, que certamente ficará para a história como uma das medidas mais breves jamais vistas.
Esta medida, que entrou em vigor no dia 29 de Abril deste ano, 29 dias depois, menos de um mês depois, é retirada, por anúncio do Governo, não se sabe exactamente como. Nunca chegou a ser aplicada a um único casal de desempregados. Mais: o Governo esquece que não pode simplesmente retirar as medidas que são aprovadas no Parlamento. Mas, muito mais grave: esquece a dramática situação social dos casais em que marido e mulher, muitas vezes trabalhadores da mesma fábrica (uma das poucas existentes nas suas pequenas cidades e que fechou) estão ambos desempregados, com filhos a cargo e com as mesmas contas para pagar no fim de cada mês.

Aplausos do CDS-PP.

Pergunto aos Srs. Deputados se vamos aceitar isso. Pergunto, em particular aos Srs. Deputados do PS, se vão aceitar a vergonha de retirar leis da Assembleia da República sem que elas tenham chegado sequer a ser postas em prática.

Aplausos do CDS-PP.

Sr.as e Srs. Deputados: Sabemos bem que a situação é séria, é mesmo muito séria. Precisamente por isso, esta é a altura em que os agentes económicos mais precisam de confiança e credibilidade. Quanto mais complicada é a conjuntura, mais importante é que se saiba aquilo com que se conta, que se saiba o que esperar do Governo e que se tenha pelo menos uma ideia, ainda que vaga, do rumo que Portugal pretende seguir. O Governo destruiu nos últimos dois meses o que ainda restava desta confiança e credibilidade, que, devo dizer — sejamos francos — , já não era muito.
Numa altura em que era preciso serenidade, o Governo ofereceu agitação; numa altura em que era preciso um rumo, tivemos o desnorte; numa altura em que é preciso um plano, o Governo apenas sabe dizer que o mundo mudou.

Aplausos do CDS-PP.

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A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, três Srs. Deputados.
Em primeiro lugar, para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Cecília Meireles, veio hoje aqui reeditar o habitual registo mitómano do CDS-PP.

Aplausos do PS.

O CDS-PP, seguindo os melhores exemplos, «não se engana e raramente tem dúvidas». Mas ainda faz melhor: tem capacidades antecipatórias invulgares. Na realidade, nada acontece ou aconteceu na evolução das contas públicas, na evolução da economia nacional ou na evolução da economia global que, de uma forma ou de outra, o CDS, nesta Câmara, não tenha previsto, antecipado ou adivinhado. É o novo dogma! Temos diante de nós o dogma da infalibilidade do CDS-PP! Eu reconheço que o Governo não dispõe das faculdades oraculares do CDS-PP.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — É pena!

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): — O Governo não pode, como ninguém pode — não pode a Comissão Europeia, não pode o FMI, não pode a OCDE, não podem os governos, não podem as empresas, não podem os sindicatos, não podem os bancos centrais, não podem eminentes economistas — , antecipar as guinadas irracionais dos mercados financeiros. Mas pode o CDS-PP» É um poder reservado ao CDS-PP» O Governo, privado dessas capacidades antecipatórias, é forçado a acompanhar, no dia-a-dia, a evolução dos mercados financeiros e a ofensiva que tem sido desencadeada contra o euro e contra a dívida soberana dos Estados.
O Governo tem de assumir e dar a cara por respostas nacionais e por respostas europeias que representam sacrifícios, que são dolorosas e que são impopulares, mas que correspondem às responsabilidades do exercício do poder, da governação e da defesa do interesse nacional, da economia nacional e dos portugueses.

Aplausos do PS.

Sabemos que o Partido Comunista Português defende um projecto globalmente alternativo, um modelo económico autárcico, uma concepção em que a crise é expressão de contradições do sistema capitalista, eventualmente de condução ao advento de uma sociedade sem classes, mas o CDS não é conhecido por defender um modelo económico alternativo! O CDS é um inimigo jurado da regulação, é inimigo da regulação económica e financeira e é suspeitoso da integração europeia! O CDS não acredita nas respostas colectivas europeias a problemas supranacionais que se põem ao nosso país como se põem aos nossos parceiros europeus!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Acreditamos que não é pela via dos impostos!

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Sr. Deputado, queira concluir, por favor.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): — Vou concluir, Sr.ª Presidente.
O CDS não é um partido que, historicamente, se tenha batido pela denúncia deste modelo económico, que agora se vira contra o nosso país e contra o funcionamento dos mercados financeiros. Então, o que pretende o CDS-PP? A resposta é muito simples, é prosaica: o CDS-PP quer votos! Votos é o que quer o CDS-PP!

Aplausos do PS.

O CDS-PP, à segunda-feira, detecta que as obras públicas são megalómanas,»

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A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Sr. Deputado, já ultrapassou em muito o seu tempo.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): — » mas, á terça-feira, lamenta o efeito recessivo da interrupção das obras públicas! À quarta feira, é contra o défice e a despesa, mas, à quinta-feira, chora a perda da confiança e o crescimento anémico!

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Sr. Deputado,»

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): — Sr.ª Presidente, tenha tolerância comigo, como tem para outros Deputados. Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Sr. Deputado, já utilizou o dobro de tempo de que dispunha.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): — À sexta-feira, é contra a despesa social, mas, ao sábado, lamenta a redução dos apoios ao desemprego! São os votos a linha de coerência do CDS-PP na vida pública portuguesa! Mas o vosso eleitorado está atento!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — E o vosso também!

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Sr. Deputado, acabou o seu tempo.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): — Vou concluir, Sr.ª Presidente.
Eu arrisco uma previsão, Srs. Deputados: o vosso eleitorado não compreende que os senhores façam tudo pelos votos, inclusivamente absterem-se na votação de uma moção de censura ao Governo apresentada pelo Partido Comunista Português.
Obrigado pela tolerância, Sr.ª Presidente.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Meireles.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto, classificou, aliás com elegància,»

Risos do CDS-PP.

» a minha intervenção de mitómana. Sr. Deputado, mitómano não será antes um partido fazer toda uma campanha a dizer que não vai aumentar impostos e, depois, vir aqui propor um dos maiores aumentos de impostos de sempre?!

Aplausos do CDS-PP.

Isso será mitómano ou será mesmo mentira, Sr. Deputado?! O CDS, ao contrário do que o Sr. Deputado diz, sempre disse que o valor real do défice — e disse-o durante a campanha eleitoral — não era aquele que os senhores diziam, mas, sim, de cerca de 8% a 9%.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): — 2,7%!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — É verdade que pecámos um pouco por defeito, mas um partido que passou uma campanha eleitoral inteira a dizer que não havia qualquer problema de finanças públicas e que nunca ninguém tinha feito tanto como o Sr. Primeiro-Ministro pelo valor do défice em Portugal, francamente!...

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Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): — 2,7%!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Gostava de lhe dizer mais uma coisa, Sr. Deputado: o problema que se coloca não é o de uma discussão do modelo económico, o problema é mesmo de governação errada.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — O problema não é de crise económica! O Sr. Deputado diz que há uma crise económica internacional. É verdade! Mas porque é que o que nos está a acontecer não acontece na Bélgica ou no Luxemburgo?!

Vozes do PS: — Acontece!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Pergunto-lhe: é um problema de modelo económico ou é um problema de governação?

Aplausos do CDS-PP.

Por último, gostava de lhe perguntar o seguinte: o Sr. Deputado votou a favor desta lei, não votou?! Estou a falar da Lei n.º 5/2010, que estabelece a majoração do montante do subsídio de desemprego para os desempregados com filhos. O Sr. Deputado aceita, acha normal, acha razoável a retirada de uma lei, sem que qualquer satisfação seja dada ao Parlamento?

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): — Os senhores não querem a compressão da despesa?!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — As leis, agora, são retiradas assim?! O Sr. Deputado, tendo votado a favor desta lei, vai aceitar isto?!

Aplausos do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Cecília Meireles, na declaração política que acabou de fazer, lembrou — e bem! — o incumprimento das promessas eleitorais por parte do Partido Socialista e também o acordo com o PSD, de que o Partido Socialista beneficiou, em relação às medidas que concretizam o chamado plano de austeridade que temos diante de nós e que teremos oportunidade de discutir nesta Assembleia.
A questão que se coloca, Sr.ª Deputada, é que o Governo do Partido Socialista e o PSD estão neste momento de acordo como sempre têm estado ao longo dos últimos 30 anos em relação às mesmas políticas e às quais também o CDS tem dado o seu contributo.
Sr.ª Deputada, particularmente neste momento, o acordo entre o PS e o PSD traduz-se em fazer passar a factura da crise para quem não é responsável por ela e na imposição aos trabalhadores, aos desempregados, aos pobres e aos reformados de sacrifícios para, ao mesmo tempo, poder continuar a garantir os mesmos benefícios de que os grandes grupos económicos e financeiros têm beneficiado, esses, sim, os verdadeiros responsáveis pela crise que vivemos.
Portanto, Sr. Deputada Cecília Meireles, a questão que se nos coloca é a de saber se, neste momento, em que o PS e o PSD insistem na manutenção das políticas que agora nos trouxeram esta crise e que,

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anteriormente, já tinham estado na origem de outras crises, o CDS está ou não disponível para garantir a alternativa que é preciso construir a este caminho que o PS e o PSD pretendem impor.
É preciso saber, Sr.ª Deputada, se o CDS está ou não disponível para reconhecer que o investimento público é uma alavanca fundamental para o crescimento económico de que o País necessita para resolver também o problema das contas públicas.
É preciso saber se o CDS está ou não disponível para garantir a tributação dos lucros dos grandes grupos económicos e financeiros, pelo menos ao nível daquilo que são hoje as exigências legais, que continuam a não ser aplicáveis por força dos benefícios fiscais de que são beneficiários.
É preciso saber se o CDS está ou não disponível para garantir a tributação das transacções em bolsa e das transferências financeiras, para, por essa via, garantir a arrecadação da receita pelo Estado.
É preciso saber se o CDS está o não disposto em contribuir para a defesa dos sectores produtivos e da produção nacional, como instrumento fundamental de crescimento económico.
Por último, Sr.ª Deputada, importa também saber se o CDS está ou não disposto a travar o ataque às prestações sociais e ao roubo nos salários que o Governo do Partido Socialista, com o apadrinhamento do PSD, pretende levar por diante.
Sr.ª Deputada Cecília Meireles, a questão final que temos de lhe colocar é esta: está ou não o CDS disponível para encontrar, com outras políticas sociais e económicas, um outro rumo para o País, ao contrário daquilo que tem acontecido nos últimos 30 anos?

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Meireles,

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado João Oliveira, o CDS defende, com certeza, um modelo alternativo, mas duvido que seja um modelo com o qual os nossos partidos possam concordar.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — O modelo alternativo que defende o CDS acredita que a grande alavanca para o crescimento económico ç a iniciativa privada, são as pequenas e mçdias empresas,»

Aplausos do CDS-PP.

» porque são elas que, verdadeiramente, criam emprego, e aquilo que o Sr. Deputado defende ç mais despesa pública, mais investimento público. Consequentemente, de duas, uma: ou há mais dívida ou há mais impostos,»

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Mais impostos sobre os ricos!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — » porque, para pagar tudo isso, ç preciso dinheiro e ele ou vem de impostos ou vem de dívida. Não há como fugir a esta equação! Nós não somos dogmáticos no sentido de que negamos a virtuosidade de qualquer investimento público, porque acreditamos que, em momentos de crise, investimento público de proximidade e uma grande quantidade de pequenos investimentos públicos podem ser muito úteis. No que não acreditamos é que o caminho do crescimento seja o das grandes obras públicas.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Qual é o tamanho que elas podem ter?!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Acho que está bem visto que esse modelo de crescimento, através do investimento público e das grandes obras públicas, não funciona. Mas vamos ter oportunidade de discutir isso quando apreciarmos a questão daquele fantástico troço para o qual há dinheiro... Sim, porque quando se

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fala em cortar na despesa» É verdade, ç preciso cortar na despesa, e o CDS tem proposto inúmeros cortes na despesa.
Mas o que, de facto, é extraordinário é que não haja dinheiro para majoração do montante do subsídio para casais desempregados com filhos» Ou seja, a verdade ç que um casal, em que ambos perderam o seu emprego, que têm a cargo os mesmos filhos e que têm exactamente as mesmas contas para pagar, por mais piruetas que consigam fazer com o seu orçamento familiar, sem uma ajuda suplementar dificilmente conseguirão manter um nível mínimo de vida.
Portanto, o que me faz muita confusão é que para isso não haja dinheiro, mas, por exemplo, para se fazer o TGV entre Poceirão e Caia — e sabe lá Deus como é que nós vamos até ao Poceirão e até Caia! — já haja dinheiro. Isso é que, de facto, não se percebe! E também não se percebem as escolhas deste Governo nem o que é que as motiva.

Aplausos do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Duarte.

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Cecília Meireles, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata, gostaria de começar por cumprimentá-la por trazer aqui um conjunto de temas tão relevantes e tão pertinentes no actual momento político.
Cumprimento-a não apenas pela substância do que aqui nos trouxe, mas também pelo facto de a sua intervenção ter significado a oportunidade de termos ouvido da parte do Partido Socialista uma intervenção que me parece bastante paradigmática do estado da arte em que se encontra a maioria socialista de apoio a este Governo.
Diria que aquilo que é mais preocupante nesta fase é, de facto, perante as adversidades e as dificuldades que estamos a viver, o estado de absoluto desnorte e de negação em que vive a nossa governação. Isso é hoje o mais importante.
Sabemos que a grave crise financeira, económica e social que o País está a atravessar tem responsáveis, e esses responsáveis estão, evidentemente, no Partido Socialista. Mas nós, PSD, também temos dito que, nesta fase de dificuldade, mais importante do que olharmos para o apuramento das responsabilidades é, em primeiro lugar, tentarmos salvar o País desta situação de emergência em que se encontra e, portanto, darmos a mão e tentarmos rapidamente sair do estado em que o Partido Socialista nos colocou.
Mas, para que isso aconteça é, de facto, importante que quem tem responsabilidades de governação tenha a serenidade, a humildade e o bom senso de perceber que tem, rapidamente, de inverter o rumo e a atitude perante os problemas. Mas aquilo que temos verificado, e que também verificámos aqui hoje, é que isso nem sempre tem acontecido e, manifestamente, não está a acontecer.
É, de facto, nas horas difíceis, perante as adversidades, que os governos são verdadeiramente postos à prova. E nós verificamos que, neste estado de negação e de absoluta desorientação em que o Partido Socialista insiste em permanecer, não estamos a ir pelo melhor caminho.
Pergunto-lhe, concretamente, Sr.ª Deputada, se lhe parece que o conjunto de episódios, de trapalhadas, de contradições e de ziguezagues a que temos assistido nas últimas semanas, e que, aliás, muitos deles a Sr.ª Deputada nos trouxe aqui, são, na sua opinião, próprios de uma governação que tem oito meses, que está no primeiro ano do seu mandato e que deveria ter uma energia, um impulso próprio para enfrentar as adversidades, ou se não serão mais próprios de uma governação em fim de ciclo, de uma governação esgotada, de uma governação ziguezagueante, sem ideias, sem consistência, sem rumo para o País. É isto que, de facto, nos preocupa.
Nós verificamos que estas contradições também têm muito a ver, precisamente, com o tal desnorte de que há pouco falava. As medidas que têm vindo a ser assumidas a vários níveis, em que aquilo que é bem paradigmático tem a ver, por exemplo, com a insistência em obras públicas absolutamente faraónicas, num momento em que se pedem sacrifícios de grande envergadura aos portugueses — aliás, amanhã, teremos um debate muito relevante a esse respeito — , não serão também, elas próprias, um sinal absolutamente contraditório para o rumo que o País deve seguir?!

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Já aqui foi dito, e bem, que estamos na iminência de, a propósito de uma obsessão, absolutamente sem fundamentação,»

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Vou concluir, Sr.ª Presidente.
Dizia eu, a propósito de uma obsessão, sem qualquer fundamentação técnica, política ou de qualquer outra ordem, estamos perante a insistência num troço de TGV que vai custar, evidentemente, milhões de euros ao bolso dos contribuintes, que vai ajudar a secar o crçdito ás nossas empresas»

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Sr. Deputado, já ultrapassou o tempo de que dispunha quase em dobro.

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Vou mesmo terminar, Sr.ª Presidente.
Como estava a dizer, a insistência nesta obra vai ajudar a secar o crédito às nossas empresas, secando também a dinamização económica, tão necessária. Pergunto-lhe, Sr.ª Deputada, se também essa não é uma atitude absolutamente contraditória, se não lhe parece que estamos num rumo errado e que hoje, mais do que nunca, todos temos de ter o sentido patriótico e de responsabilidade, designadamente os partidos que estão no arco da governação, para perceber que temos de olhar para o País, independentemente das querelas partidárias.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Meireles.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Pedro Duarte, perguntou-me se considero que estamos num rumo errado. Ó Sr. Deputado, achei que estávamos num rumo errado nos últimos cinco a seis anos,»

A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): — Os portugueses não entenderam!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — » mas, agora, acho que estamos completamente sem rumo.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Isso parece-me particularmente preocupante, porque o PS sempre disse que os grandes investimentos públicos são o motor do crescimento. Achava errado, parecia-me que o caminho não era por aí, mas se perguntar agora a algum responsável do Partido Socialista que ideia tem para Portugal, não daqui a seis anos mas daqui a seis meses, duvido que haja alguém que lhe possa, sequer, responder. Ninguém sabe! Tudo o que nos sabem dizer é que estamos numa grande crise, que são medidas de emergência. E depois? Depois não se sabe, depois logo se vê! Parece-me, francamente, que isto é perfeitamente insustentável.
Mas, Sr. Deputado, concordo consigo quando diz que, neste momento, não importa tanto perceber de quem é a culpa e que importa, sobretudo, encontrar soluções. Se a situação é difícil e de emergência, importa encontrar soluções. Mas acredito firmemente que a solução para este problema, que é tanto conjuntural como estrutural, está em controlar a despesa pública, em reformar a despesa do Estado. E digo-lhe o seguinte, Sr. Deputado: se não fizermos isto, nesta altura, que é uma altura de emergência e de crise, e continuarmos com a «muleta» dos impostos, adoptando a solução fácil de atirar dinheiro para cima da despesa e deixar para depois a tarefa de a reformar, acho que, muito francamente, não vamos lá. E isso entristece-me, porque se trata, claramente, de uma oportunidade perdida, e é isso que não entendo. Esta era uma oportunidade de ouro para, de uma vez, arranjarmos uma maneira de controlar a despesa pública, de mudar, de facto, o sistema, de

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mudar a trajectória de crescimento absurdo tanto dos impostos como da despesa, mas, de facto, não foi isso que aconteceu.

Aplausos do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem a palavra, para uma declaração política, o Sr. Deputado Jorge Costa.

O Sr. Jorge Costa (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos, de novo, perante um enorme embuste organizado pelo Governo sobre a questão das SCUT.
O Ministério das Obras Públicas tem sido palco, desde a anterior Legislatura, das maiores acrobacias políticas a que temos assistido nos últimos tempos. O Governo anunciou, em Outubro de 2006, a decisão de introduzir portagens em algumas auto-estradas SCUT por ter chegado à conclusão de que era impossível insistir no princípio do contribuinte pagador, que se revelou tão desastroso para o País e ruinoso para as contas públicas.
Em campanha eleitoral, o líder do Partido Socialista percorrera o País, garantindo que jamais seriam introduzidas portagens nas SCUT. Faltou à verdade! Sr.as e Srs. Deputados: Sejamos sérios! Entre os momentos eleitorais e hoje não se operou qualquer milagre que alterasse a situação socioeconómica das regiões beneficiárias das auto-estradas SCUT nem se vislumbra qualquer movimento tendente à construção de alternativas rodoviárias.
A verdade é só uma: o Primeiro-Ministro prometeu o que sabia não poder cumprir e agora vê-se obrigado a dar o dito por não dito. O mínimo que se exigia era que pedisse desculpa a quem, conscientemente, enganou.

Aplausos do PSD.

Sempre dissemos que, nos moldes em que foi lançado, o modelo SCUT é totalmente inaceitável, dado ser um modelo injusto, ineficiente, insustentável e inviável.
O PSD denuncia estes factos há muito e, com o tempo, todo o País tem vindo a concordar connosco. O Tribunal de Contas já por diversas vezes arrasou o modelo das SCUT, em má hora implementado por um Governo socialista.
O princípio do utilizador pagador, que defendemos, com mecanismos de discriminação positiva para os residentes e empresas estabelecidas na região, é o que mais respeita critérios de equidade, justiça e racionalidade.
Não era preciso ter mentido em campanha eleitoral. A verdade é que não há auto-estradas grátis; a verdade é que no modelo que o Governo defendia também se pagava, só que pagavam todos, mesmo aqueles que nem têm carro.

Aplausos do PSD.

Pois bem! Numa cambalhota, como vimos pouco ética, o Governo anunciou que ia corrigir o erro, mas, passados quatro anos sobre o anúncio, paira um ensurdecedor silêncio no Palácio.
Os autarcas desconhecem a verdadeira dimensão da decisão; as populações não sabem, ainda hoje, quanto vão pagar, sabem apenas que os prejudicados são sempre os mesmos — os portugueses, a quem o Governo criou expectativas e ilusões que sabia não poder cumprir e que, agora, se sentem defraudados.
O Governo é o único responsável pela situação que está criada.

Vozes do PSD: — É verdade!

O Sr. Jorge Costa (PSD): — Parece que o Governo pretende agora introduzir portagens em três SCUT, todas na mesma região, agravando seriamente a já difícil situação dos portugueses que aí residem ou trabalham e das empresas que têm de as utilizar na sua actividade, criando situações de desequilíbrio e de desigualdade em relação ao resto do País e prejudicando gravemente a justiça e a coesão nacionais.

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Não é assim que se constrói um país mais harmonioso, equilibrado e justo! Não é assim que se contribui para a diminuição das assimetrias regionais, para aproximar as regiões mais desfavorecidas das mais ricas! O Governo, que exige aos portugueses mais sacrifícios, não está a ser justo, equitativo e transparente na sua distribuição e, por isso, não pode admirar-se de que haja tanta contestação e de que esteja instalada a suspeição sobre o modelo que pretende seguir.
A decisão tomada pelo Governo é fundamentada por um conjunto de estudos, tornados públicos em 2006, desenvolvidos com base em indicadores referentes a 2003 e 2004, e que estão, hoje, naturalmente, fora de prazo. A par disto, o Governo navega entre sistemas tecnológicos que se desconhecem, refere isenções que não concretiza, e recusa esclarecer o critério de colocação de pórticos para controlo dos veículos a portajar.
O PSD não alinha no coro de protestos que se está a verificar, mas considera que o Governo, único responsável pela indignação gerada, deve ouvir bem os alertas efectuados pelos autarcas das regiões abrangidas.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): — Muito bem!

O Sr. Jorge Costa (PSD): — Há que atender ao impacto que uma eventual introdução de portagens vai ter no tráfego em vias alternativas e nas respectivas condições de circulação. Os itinerários alternativos são estradas nacionais e regionais, algumas já sob gestão camarária. Estas estradas têm características marcadamente urbanas, com ocupação de solo adjacente muito forte, atravessando áreas populacionais em que a conflitualidade é intensa.
As consequências, em termos de sinistralidade, em termos ambientais, em termos económicos e em termos de deterioração das condições de vivência urbana das populações serão muito pesadas e negativas.
Pesou o Governo estas questões no seu processo de decisão? Seguramente que não! O PSD exige que os critérios para introdução de portagens respeitem os princípios da equidade, da justiça e da transparência, e não é isto que se está a verificar!

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Jorge Costa (PSD): — Estamos, hoje, a fazer esta advertência, ainda antes de se conhecerem os diplomas do Governo que concretizarão a introdução de portagens nas SCUT.

Aplausos do PSD.

Repito: o Governo não se pode queixar da contestação, porque é o único responsável pela situação criada — antes, por vender ilusões de auto-estradas grátis; agora, por não ser justo, equitativo e transparente nas suas decisões.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Jorge Costa (PSD): — O Governo do Eng.º Sócrates, que aumenta a carga fiscal e que carrega nos impostos para as famílias, para os reformados e para as empresas, é o mesmo que quer enterrar milhões de euros em obras faraónicas, enganosamente anunciadas por um Primeiro-Ministro desorçamentado, que sabe de antemão que não as vai concretizar por manifesta falta de sustentabilidade financeira.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Jorge Costa (PSD): — É a política dos espalhafatosos anúncios, da propaganda sem vergonha no seu melhor.
A conta de tudo isto fica sempre para ser paga por quem vier a seguir.
Mais do que de festa e celebrações, precisa-se de rigor, de seriedade e de bom senso. Portugal precisa de outra atitude, de outra exigência e de outra seriedade na governação.

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Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Srs. Deputados, a Mesa regista a inscrição de quatro Srs. Deputados para pedidos de esclarecimento.
Tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado Jorge Machado.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Jorge Costa, efectivamente, vivemos tempos curiosos, de um Governo de bloco central, partilhado entre PS e PSD, que acorda num conjunto de medidas de ataque aos trabalhadores. Se Sócrates diz «mata», Coelho diz «esfola», no que se refere às medidas de ataque aos trabalhadores. É, pois, neste contexto que lhe quero deixar um conjunto de questões.
É verdade que os critérios que o próprio Governo aponta para a fixação de portagens não se cumprem. A região do norte, concretamente os distritos de Aveiro, do Porto, de Braga e de Viana do Castelo, vive uma crise gravíssima do ponto de vista social e económico. É verdade — já o provámos em anterior declaração política — que não existem alternativas àquelas SCUT e, portanto, o Governo, cumprindo os critérios que autoproclamou, não poderia aplicar portagens. Sabemos que dentro do PS há vozes discordantes em relação a esta matéria, e justamente discordantes, porque vai ter impactos sociais e económicos muito graves para aquela região: retiram dinheiro do bolso das famílias daqueles distritos e prejudicam o tecido produtivo, que vai enfrentar ainda mais problemas de que não precisa. Ou seja, com ajudas destas, mais valia estar quieto!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Exactamente!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Portanto, Sr. Deputado, aquilo que pretendo é chamar a sua atenção para o facto de que a batalha quanto à introdução de portagens nas SCUT não acabou: na rua, estão os protestos justos das populações, dos movimentos de utentes, mas, como disse, ainda estão para ser promulgados, pelo Presidente da República, os diplomas que sustentam a introdução de portagens.
É neste contexto que lhe quero deixar uma pergunta: qual vai ser o papel do PSD neste processo?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Excelente pergunta!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Não é só lá fora que está a luta contra as portagens, também aqui, na Assembleia da República, vamos ter oportunidade de lutar contra as portagens. E a pergunta que lhe deixo é esta: o PSD está disponível — diga «sim» ou «não», de forma objectiva — para aqui, na Assembleia da República, pôr termo àquilo que é um disparate pegado, uma injustiça que vai trazer consequências gravosas para os distritos que referi?

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Costa.

O Sr. Jorge Costa (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Jorge Machado, há uma coisa em que, de facto, estamos de acordo: a batalha não acabou! Aliás, amanhã, vamos ter uma nova batalha, aqui, no Parlamento, sobre o TGV, que se insere no modelo que o Governo tem vindo a seguir de apostar nos investimentos públicos, em detrimento da aposta nas pequenas e médias empresas. E vamos ver de que lado da «barricada» estará o PCP, amanhã de manhã, nesta outra batalha que aqui vamos travar a propósito do TGV.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Jorge Costa (PSD): — Vamos ver qual é o bloco central que se vai formar aqui, amanhã, a propósito do TGV,»

Vozes do PSD: — Essa é que é a verdade!

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O Sr. Jorge Costa (PSD): — » para que lado estará, onde se situará o seu centro de gravidade — amanhã, teremos oportunidade de o verificar.
Mas há outra coisa em que também estamos de acordo: de facto, a introdução de portagens vai acontecer em três SCUT, situadas, todas elas, numa região do País que vive uma crise gravíssima do ponto de vista social, do desemprego e da situação económica, questões para as quais temos vindo sistematicamente a chamar a atenção, nomeadamente para a necessidade de se implementarem medidas que vão no sentido de se recuperar essas regiões, apoiando as empresas, para que se possa criar aí mais emprego e ultrapassar as dificuldades. Daí, mais uma vez, a nossa posição relativamente ao TGV.
O que está aqui em causa — por isso é que hoje fizemos esta intervenção — é alertar o Governo para que tenha em conta a contestação que se tem vindo a verificar.
Como disse há pouco, o Governo é o único responsável por esta contestação, por isso queremos hoje deixar bem vincado que o PSD exige que os critérios para a introdução de portagens sejam transparentes, justos e equitativos. Se não se cumprirem estas condições, naturalmente que o PSD, em função disso, tomará as suas posições sobre esta matéria.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Pereira.

O Sr. Rui Pereira (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Jorge Costa, em matéria de portagens, o PSD tem conseguido surpreender o País com a incoerência e a indefinição das suas posições, pois tem um discurso nesta Câmara e um discurso totalmente oposto nos planos local e regional: é o PSD de Lisboa contra o PSD dos autarcas e ainda temos o PSD do Sr. Deputado Jorge Costa.
Neste ziguezaguear permanente, demagógico e eleitoralista, ouvimos o PSD, pela voz de vários dos seus presidentes, defender o princípio do utilizador pagador, ou seja, que todos os utilizadores devem pagar a portagem respectiva; ouvimos os autarcas do PSD, com grande ênfase, procurando mobilizar eleitoralmente as suas populações contra a aplicação de portagens nas SCUT; e, finalmente, ouvimos a posição do Sr. Deputado Jorge Costa, segundo a qual as portagens não deverão ser cobradas nos concelhos atravessados pelas vias em causa, apenas deve pagar portagem o tráfego de atravessamento.
Dizia o Sr. Deputado, em entrevista recente a um jornal do Porto, quando questionado sobre que modelo defende o PSD, o seguinte: «Um modelo com discriminação positiva, e é isso que nos leva a fazer o requerimento. Sempre dissemos que, introduzindo portagens, não pagariam portagem as empresas e as pessoas sedeadas nos concelhos atravessados».
Como vemos, o PSD, que está sempre a pedir que se parem as obras, que se pare o País, é um mau exemplo, porque, de facto, não consegue parar de mudar de posição, não consegue parar de trocar as posições que defende.

Aplausos do PS.

A orientação política adoptada no Programa do Governo quanto à introdução de portagens reais nas SCUT é, quanto aos critérios de aferição, bastante clara e objectiva.
É preciso recordar que, pela primeira vez em Portugal, esta decisão se baseou na aplicação de critérios objectivos e quantificados e não em entendimentos subjectivos casuísticos ou de mera sensibilidade.
Não pode ser também esquecido, até tendo em conta o quadro económico e financeiro que se vive após a maior crise financeira mundial desde a Grande Depressão, que as portagens constituem receita da EPEstradas de Portugal e que representam um contributo importante para a cobertura das suas necessidades de financiamento. Não podemos esquecer que a EP-Estradas de Portugal integra o perímetro de consolidação orçamental das administrações públicas.
A verdade é que o período de implementação das portagens é um processo longo e muito moroso por inultrapassáveis razões de ordem técnica e de ordem contratual.

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O Governo, ao contrário do PSD, sempre afirmou que não deixará de ter em conta a circulação viária e a natureza do tráfego local, com a criação de isenções, matéria essa que está em fase final de negociação e que será objecto de apreciação com os municípios abrangidos.
Acresce ainda que, no àmbito da implementação do sistema de identificação electrónica de veículos,»

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Rui Pereira (PS): — » e tendo em conta o carácter obrigatório da atribuição da matrícula electrónica, será possível não só realizar estas isenções mas também oferecer condições preferenciais para os utilizadores frequentes e para o tráfego nos dois sentidos.
Sr. Deputado Jorge Costa, afinal o que lhe peço é que nos possa esclarecer, de forma clara e inequívoca, sobre qual dos PSD ouvimos aqui hoje. A que PSD devemos creditar a posição que hoje defendeu?

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Costa.

O Sr. Jorge Costa (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Pereira, pensei que com a sua intervenção nos ia hoje esclarecer sobre aquilo que ninguém sabe, que é a forma como vão ser cobradas as portagens.
Ninguém sabe. Estamos a um mês, segundo diz o Governo, do início de funcionamento da cobrança de portagens e ninguém sabe quanto vai pagar, ninguém sabe quais são as tão faladas discriminações positivas, ninguém sabe quais são as isenções, ninguém sabe quais os lanços em que se vai pagar portagens.
Esperava que o Sr. Deputado, que teve aqui uma oportunidade perdida, pudesse esclarecer-nos quando a esta matéria, até porque as tais famosas reuniões de negociação com os municípios foram apenas bilaterais.
O Governo está tão seguro daquilo que quer fazer que por alguma razão não quis reunir com todos os autarcas ao mesmo tempo: reuniu um a um, numa tentativa clara de divisão entre os autarcas, e a voz do Secretário de Estado é uma, aquilo que o Ministro diz é uma coisa diferente. Isso também é sintomático da segurança,»

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Exactamente!

O Sr. Jorge Costa (PSD): — » e da certeza, e sobretudo da transparência, com que o Governo está a tratar este assunto.
Esperava que, não sendo o Sr. Deputado a prestar-nos esses esclarecimentos, pudesse esclarecer-nos o PS do Deputado Renato Sampaio ou o PS do Deputado Victor Baptista. Estranhamente, não os vejo aqui, mas teriam tido aqui uma boa oportunidade para nos esclarecerem sobre esta matéria.
Sr. Deputado, quanto às acusações de incoerência, não estivemos sempre contra o investimento público faraónico e que traz mais endividamento ao País?! Sempre nos ouviu dizer isto. Onde é que está a incoerência? Não estivemos sempre a favor da introdução das portagens?! Estivemos. Eu próprio, na anterior Legislatura, fiz aqui várias intervenções a incitar o governo para que procedesse à introdução de portagens.
Estivemos sempre a favor do princípio do utilizador pagador. Portanto, quanto a incoerências, ficamos por aqui, porque, de facto, nunca fomos incoerentes em relação a estas matérias.
O que lhe digo, Sr. Deputado, é que incoerência, isso sim, tiveram o Partido Socialista e o Primeiro-Ministro José Sócrates, que cometeram uma fraude eleitoral ao andarem pelo País a prometer que não haveria portagens e que, depois da caça ao voto, vão introduzir portagens.
Volto a dizer que este é o momento para ser transparente, rigoroso e equitativo. E destes princípios não abdicamos.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Sr. Deputado, por favor, tem de concluir.

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O Sr. Jorge Costa (PSD): — É apenas esta a solução que aceitamos que poderá servir para a introdução de portagens: rigor, transparência e equidade.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Ana Paula Vitorino (PS): — Sr.ª Presidente, peço a palavra.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para que efeito, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Ana Paula Vitorino (PS): — Para interpelar a Mesa, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem a palavra.

A Sr.ª Ana Paula Vitorino (PS): — Sr.ª Presidente, queria solicitar à Mesa que, assim que estivesse disponível a acta da reunião da Comissão de Obras Públicas, Transportes e Comunicações em que se procedeu à audição do Sr. Secretário de Estado Adjunto, das Obras Públicas e das Comunicações, a mesma fosse anexa à acta desta sessão.
O Sr. Deputado Jorge Costa disse que o Governo nunca tinha esclarecido a forma como iriam ser cobradas as portagens nem quais as discriminações positivas que seriam feitas. Ora, nessa audição foi prestado esclarecimento não só sobre como seriam cobradas as portagens mas também sobre as discriminações positivas, tendo sido referido que seriam as viabilizadas pela legislação dos chips das matrículas, que o PSD inviabilizou.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Sr.ª Deputada, não sei se essa acta poderá constar como anexo do Diário da Assembleia da República de hoje, mas com certeza faremos com que seja distribuída.

O Sr. Jorge Costa (PSD): — Sr.ª Presidente, peço a palavra.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Jorge Costa (PSD): — Sr.ª Presidente, é também para uma interpelação à Mesa no mesmo sentido.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Se é no mesmo sentido não vale a pena! A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Costa (PSD): — Sr.ª Presidente, pretendo apenas solicitar à Mesa que informe a Sr.ª Deputada que esta foi uma segunda oportunidade perdida na medida em que o Sr. Secretário de Estado, nessa reunião — e estão aqui várias testemunhas — , não esclareceu nada. Portanto, é tempo perdido distribuir qualquer elemento que não contribui minimamente para o esclarecimento desta questão.
Esperávamos que a Sr.ª Deputada aproveitasse a interpelação à Mesa para esclarecer esta questão, mas verificámos que foi uma segunda oportunidade perdida depois da intervenção do Sr. Deputado Rui Pereira.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — A Mesa toma nota, Sr. Deputado.
Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Hélder Amaral.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Jorge Costa, em boa hora a Sr.ª Deputada Ana Paula Vitorino interveio. Diria «por quem Deus nos manda avisar«» Lembrei-me da reunião da

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Comissão de Obras Públicas, Transportes e Comunicações em que o Sr. Secretário de Estado disse que havia três formas de pagar: pela via verde, pelo pós-pagamento e pelo pré-pagamento.
O pós-pagamento verificar-se-ia com base numa fotografia e numa carta enviada para a morada do condutor. Não sei se com a fotografia junta ou se, eventualmente, estabelecendo um prazo para pagamento, passando depois a contra-ordenação.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

A Sr.ª Ana Paula Vitorino (PS): — Não é verdade! Não é nada disso!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — O pré-pagamento será feito com um cartão: não sei se se põe no vidro, se se cola na mala do carro ou se se põe a mão de fora do carro.

Risos do CDS-PP.

A Sr.ª Ana Paula Vitorino (PS): — Sr. Deputado, tenha mais atenção nas reuniões da Comissão!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Até posso ir mais longe, Sr.ª Deputada: tenho comigo a resposta do Sr.
Ministro de Estado e das Finanças à pergunta de como é que se paga. Ele diz o seguinte: «A solução tecnológica adoptada assenta exclusivamente em sistemas de cobrança electrónica de portagens, baseada na classificação electrónica e automática de veículos em vias não canalizadas. Ou seja, em múltiplas faixas de rodagem em simultâneo, em sistema de multi lane free flow, dado que naquelas vias não há condições físicas para introdução de portagens». Se alguém percebeu com é que se paga que me explique. Até posso juntar esta resposta, mas enfim»

Aplausos do CDS-PP.

Sr. Deputado Jorge Costa, já agora quero dizer não tenho nenhum problema em subscrever a intervenção de V. Ex.ª. O grande problema, Sr. Deputado, é que o PSD, ao mesmo tempo que faz estas declarações no Plenário, faz acordos com o PS.
Sei que o seu líder não sabe «dançar o tango». E até sei que quando não se sabe dançar uma determinada música a tendência é seguir quem sabe dançar. Para que a dança não seja muito confusa seguese quem sabe dançar, portanto presumo que foram um pouco conduzidos no «tango». Esse «tango», que mais não é do que um «acordo da tanga», demonstra-se bem nesta questão das portagens.
O Sr. Deputado deveria dizer, nos acordos que o PSD fez com o PS, qual era o novo modelo que o PSD queria de financiamento das SCUT, qual era a verba a inscrever para as Estradas de Portugal, quer no Orçamento do Estado quer no PEC.
Deveria ainda referir como é que quer introduzir um pagamento que seja equitativo, transparente e justo.
E, já agora, deveria também dizer como é que neste modelo de pagamento de portagens, a iniciar a 1 de Julho, acontece essa tal discriminação positiva. Sabe V. Ex.ª se será por haver pórticos nalguns concelhos do PS e só há pórticos noutros concelhos»

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Sr. Deputado, queria concluir.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Será que só se paga onde existem pórticos? Estas portagens assentam em dados de 2003. Gostava de saber se o PSD alguma vez disse ao Partido Socialista que não é equitativo, não é justo nem transparente cobrar portagens com base em dados económicos de 2003. Aplausos do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Costa.

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O Sr. Jorge Costa (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Hélder Amaral, até ia no bom caminho quando disse que era capaz de subscrever a minha intervenção, mas depois trocou as «músicas», enganou-se no passo, e quase tropeçou no modelo que o Ministro de Estado e das Finanças pelos vistos defende.
Sr. Deputado, quero dizer-lhe que sempre defendemos o modelo de discriminação positiva — já tive oportunidade de o dizer várias vezes — para as empresas sedeadas e para as pessoas residentes nas regiões atravessadas pelas SCUT.
Contudo, não somos nós que temos que dizer hoje qual é o modelo de cobrança. Essa competência é do Governo. É o Governo que tem de dizer como é que vai cobrar portagens: se é através do sistema free flow, da Via Verde, de um chip, se é com ou sem pórtico.
Tive oportunidade de dizer na minha intervenção que este Governo navega entre sistemas tecnológicos que se desconhecem e isenções que não concretiza, não dizendo sequer qual é o critério para a colocação de pórticos para controlo dos veículos, porque já vimos pórticos que foram retirados, que são móveis. É preciso esclarecer tudo isto no momento em que o Governo apresentar os diplomas, o que aguardamos com alguma expectativa. É ao Governo que compete definir a estratégia e as condições e não nos vamos substituir ao mesmo nessa matéria.
Hoje, alertámos o Governo para a necessidade de ser claro, transparente e equitativo — volto a repetir — no modelo que é necessário para implementar portagens. Depois, não venham queixar-se da contestação; não venham queixar-se do insucesso das propostas que apresentarem, se não tiverem em conta, atempadamente, as questões para as quais estamos hoje, aqui, a alertar.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Heitor Sousa.

O Sr. Heitor Sousa (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Jorge Costa, estou perplexo com a atitude e o conteúdo do discurso do PSD neste Plenário, porque pensei que o Sr. Deputado Jorge Costa usasse as suas próprias palavras no sentido de exigir que o Primeiro-Ministro pedisse desculpa por ter mentido aos portugueses a respeito das SCUT.
Julguei que tinha tido a ocasião de se olhar um bocadinho ao espelho e de ver bem o que é que o seu novo líder, juntamente com o Primeiro-Ministro, José Sócrates, fez a propósito do novo PEC e do Orçamento do Estado para 2010, onde foi aprovada a introdução de portagens em SCUT! Isto, segundo critérios que não estão especificados na lei do Orçamento do Estado, mas que estão lá.

Vozes do BE: — Muito bem!

O Sr. Heitor Sousa (BE): — Sr. Deputado Jorge Costa, a minha perplexidade é a seguinte: o Sr. Deputado diz que o Governo é o único responsável por esta situação de descontentamento, de manifestações que as populações das regiões do norte, e justamente, têm feito contra as mentiras que lhes têm sido pregadas.
O que lhe pergunto, Sr. Deputado, é se, por acaso, ontem, não teve ocasião de receber os presidentes de câmara dos municípios do Vale do Sousa, cuja grande maioria é do PSD, que vieram reunir com os vários grupos parlamentares.

Vozes do PSD: — Teve, sim senhor!

O Sr. Heitor Sousa (BE): — Sinceramente, gostava de ter sido mosca para saber o que é que se teria passado nessa audiência com o PSD!

Vozes do BE: — Bem lembrado!

O Sr. Heitor Sousa (BE): — Não sei se foi o Sr. Deputado a receber a Associação de Municípios do Vale do Sousa»

O Sr. Jorge Costa (PSD): — Fui, fui!

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O Sr. Heitor Sousa (BE): — Sr. Deputado Jorge Costa, o que é que lhes terá dito? A mim disseram-me claramente: «Somos contra a introdução de portagens em SCUT». Mas o Sr. Deputado Jorge Costa, há pouco, acabou de afirmar que é a favor da introdução de portagens em SCUT! Portanto, gostava de saber, em primeiro lugar, se o Sr. Deputado disse isso claramente à Associação de Municípios do Vale do Sousa e, em segundo lugar, se não o disse, se ao menos lhes pediu desculpa. E, já agora, para esses pedidos de desculpa podia ter convidado o CDS, que também tem culpas nesta responsabilidade que o Sr. Deputado invocou!

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Heitor Sousa (BE): — Vou já concluir, Sr.ª Presidente.
É que o CDS, juntamente com o PSD, teve a oportunidade de, neste Plenário, na votação, em sede de especialidade, da lei que aprovou o Orçamento do Estado para 2010, relativamente ao artigo 151.º, ter votado contra a introdução de portagens nas SCUT, mas absteve-se, tal como o PSD! Pergunto-lhe, pois, Sr. Deputado Jorge Costa: de quem é a responsabilidade da introdução de portagens nas SCUT?

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Sr. Deputado, a responsabilidade de terminar é sua!

O Sr. Heitor Sousa (BE): — Essa responsabilidade é do Partido Socialista, sem dúvida, mas também do PSD e do CDS, que lhe «abriram as portas» e que «tocaram a música» que o PS gostou de ouvir.
Só para terminar, Sr.ª Presidente e Sr. Deputado Jorge Costa, quero dizer o seguinte: o critério do utilizador pagador é, na sua essência»

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Sr. Deputado, já ultrapassou largamente o tempo de que dispunha.
Queira concluir, por favor!

O Sr. Heitor Sousa (BE): — Vou já acabar, Sr.ª Presidente! Peço apenas um pouco de benevolência, nos mesmos termos que foram utilizados pelos outros Deputados, só para eu acabar esta ideia.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Mas contra a vontade da Mesa.

O Sr. Heitor Sousa (BE): — Sr.ª Presidente, quero apenas dizer o seguinte, que é importante: o princípio do utilizador pagador, que o PSD tanto reivindica, é, na sua essência, contrário à própria SCUT. Porquê? Porque não adianta isentar o tráfego local de portagens, pois quando se faz uma auto-estrada sem custos para o utilizador isso é, justamente, para facilitar o acesso, de quem vem de fora, a essas regiões! Portanto, se o Sr. Deputado obrigar os veículos a pagar, estará a hipotecar e a condenar o próprio princípio dessas auto-estradas e a função que elas deveriam preencher.
Muito obrigado pela tolerância, Sr.ª Presidente.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Costa.

O Sr. Jorge Costa (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Heitor Sousa, quanto a «abrir portas» e a «música» que o PS gosta de ouvir, vamos ver, amanhã, no debate que vamos aqui ter sobre o TGV, quem é que «abre portas» e quem é que «toca música» para o PS ouvir!

Aplausos do PSD.

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Protestos do BE.

Estamos, de facto, em tempo de trapalhadas por parte do Governo — já percebemos isso! E esta é mais uma trapalhada por parte do Governo e por parte do PS ao não clarificarem, ao não explicarem, ao não definirem atempadamente qual vai ser o modelo de cobrança de portagens.
Sempre fomos coerentes em relação a esta matéria: defendemos o princípio do utilizador pagador, não defendemos o princípio do contribuinte pagador.
Como eu já disse por várias vezes, segundo o princípio do contribuinte pagador pagam todos, mesmo aqueles que nem carro têm! Por isso, defendemos sempre o princípio do utilizador pagador e, mais uma vez, continuamos a defender esse princípio.
Por isso, insistimos na necessidade de os critérios serem justos, transparentes e equitativos, porque, como disse há pouco — e é aquilo que o Governo não está a fazer — , quando se introduzem portagens, há que atender ao impacto no tráfego, ao facto de haver ou não vias alternativas, utilizando os critérios do próprio Governo. Ou seja, há que saber se há ou não vias alternativas, qual o impacto nas condições de circulação, dado o facto de termos estradas com características marcadamente urbanas, qual o impacto na sinistralidade, qual o impacto em termos ambientais e económicos. É a isto que é preciso atender! A introdução de portagens não pode ser feita de uma forma cega! Ontem, todos os grupos parlamentares, inclusive o do Partido Socialista, ouviram os presidentes de câmara do Vale do Sousa dizerem que características existem, neste momento, em cada uma das vias alternativas.
Ouvimos até dizer que há concelhos que nem estradas nacionais têm para servir de modelo alternativo.
Mas quem definiu os critérios da introdução de portagens não fomos nós, foi o Governo. O Governo não se pode queixar da situação que está criada, de ter caminhado num determinado sentido fora de tempo, de se ter envolvido numa trapalhada sem transparência absolutamente nenhuma, querendo apenas, de alguma forma, criar uma discriminação negativa. Em vez de criar uma discriminação positiva na cobrança de portagens, o Governo cria uma situação negativa e injusta para uma determinada região do País! Não é assim que se cria um País mais harmonioso!

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para proferir a última declaração política de hoje, tem a palavra o Sr. Deputado Lúcio Ferreira.

O Sr. Lúcio Ferreira (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O dia 31 de Maio é o Dia Nacional do Pescador.
Instituído em 1997, por decreto governamental, o Dia Nacional do Pescador pretende contribuir para o despertar de um sector de fundamental importância para o País.
Lembrando essa efeméride, pretendemos, nesta intervenção, homenagear todos esses bravos — que, na boa tradição dos nossos antepassados, fizeram pelo mar o caminho para a descoberta de novos horizontes de expansão e que, com um espírito pioneiro e empreendedor, procuraram, através dos oceanos, aventurando-se no desconhecido, encontrar novas terras e novas gentes — , os pescadores de Portugal, que fazem do mar o seu local de trabalho, lutando num meio hostil, enfrentando tempestades, na busca, do dia-a-dia, do sustento para si e para os seus.
Embora, hoje, com meios de navegação e de captura mais sofisticados e seguros, no exercício de uma actividade profissional manifestamente perigosa e considerada, mesmo, a profissão de maior risco, os pescadores continuam a enfrentar uma natureza agressiva e, não raras vezes, traiçoeira, que faz deles os heróis dos mares, verdadeiros herdeiros dessas tradições marítimas, que orgulham os portugueses de todas as épocas.
Desde o Minho ao Algarve, são raras as comunidades piscatórias que não chorem os seus mortos, vítimas de naufrágios, e não narrem epopeias dos seus heróis pescadores, que se distinguiram em actos de bravura na luta contra esse mar amigo e generoso, que lhes dá o sustento e aos seus filhos, e ao mesmo tempo traiçoeiro, que ao mais pequeno descuido lhes rouba a vida e se transforma no seu mausoléu.

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Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Lúcio Ferreira (PS): — Desde Caminha a Olhão, comunidades piscatórias costeiras, como Vila do Conde, Caxinas, Matosinhos, Ílhavo, Figueira da Foz, Sesimbra, Peniche e muitas outras, de que estas são exemplos significativos, têm um secular historial de tradições ligado ao mar quer na pesca longínqua do bacalhau quer na pesca costeira artesanal. São comunidades marcadas pela presença constante do mar, ligado de modo estreito às suas vidas, pelas suas riquezas e pela sua abundância, mas também pelas suas desgraças e privações, pela alegria da sua conquista, pelo respeito da sua grandiosidade e dimensão, pela gratidão da sua generosidade, quando lhes enche a mesa de abundância, mas também, e não raras vezes, pelo medo dos seus perigos e, infelizmente, muitas vezes, duramente marcadas pela raiva da desgraça que esse mar lhes traz, com perda de muitas vidas.
A vida dos pescadores começa e termina no mar, nessa imensa seara, onde colhem o sustento das suas vidas e onde, hoje, começa a rarear o peixe, fruto da ganância e desrespeito de alguns, que destroem e põem em causa o esforço de preservação de muitos.
A abundância de peixe na nossa extensa costa e plataforma continental de outrora é hoje uma saudade para os pescadores. Por isso, são cada vez menos aqueles que se aventuram nesta nobre arte e maior o seu empobrecimento. Por este motivo, arriscam muito mais, enfrentando temerariamente mares tumultuosos, na ansiosa necessidade de dele retirarem o seu sustento e o das suas famílias, não raras vezes pagando esse arrojo com a vida, num ciclo de vida, trabalho, morte e luto, que vem marcando duramente, ao longo dos tempos, essas comunidades ribeirinhas.
A actividade da pesca é de fundamental importância para o nosso país, sendo Portugal o terceiro maior consumidor de peixe do mundo. Impõe-se, por isso, orientar políticas que, embora defendendo os ecossistemas marinhos, considerem que o mar é o maior e duradouro activo estratégico do País, em todas as suas potencialidades.

O Sr. Horácio Antunes (PS): — Muito bem!

O Sr. Lúcio Ferreira (PS): — Numa altura em que se discute e prepara a revisão da política comum de pescas, defendemos que, para salvaguarda dos interesses legítimos de Portugal e dos nossos pescadores, esta deverá ser levada a cabo num quadro de sustentabilidade dos recursos e do equilíbrio entre os aspectos ambientais, económicos e sociais, mantendo-se as actuais limitações de acesso à faixa de 12 milhas, com planos de gestão plurianuais das pescarias e vigorando o princípio da subsidiariedade na gestão de quotas, tendo presente as realidades regionais concretas de cada Estado-membro.

O Sr. Horácio Antunes (PS): — Muito bem!

O Sr. Lúcio Ferreira (PS): — No passado dia 20 de Maio, celebrou-se o Dia Europeu do Mar, uma outra data que visa assinalar as oportunidades oferecidas pelo sector marítimo em matéria de inovação, investigação, ambiente e biodiversidade no contexto europeu. Assinalámos aqui também este data e defendemos que Portugal deve estar na linha da frente da política marítima europeia integrada, uma política virada para o mar, tendo presente o papel crucial que o mar representa na vida quotidiana das comunidades costeiras — desde a riqueza dos seus ecossistemas, o seu potencial extractivo, à comunicação e transporte, ao desenvolvimento portuário, ao aproveitamento turístico e, até, à sua utilização como fonte geradora de energias renováveis.

A Sr.ª Paula Barros (PS): — Muito bem!

O Sr. Lúcio Ferreira (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Finalizo, deixando uma palavra de louvor e de estímulo a todos os pescadores, verdadeiros lobos-do-mar, pela tenacidade, persistência e bravura com que, no dia-a-dia, enfrentam as dificuldades do exercício de uma actividade profissional, num meio duro e hostil, para que todos possamos saborear tranquilamente esse alimento rico e maravilhoso, que é o peixe, cada vez mais raro!

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Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Lúcio Ferreira (PS): — Deixo, pois, uma homenagem a todos os que, nessa luta desigual, foram vencidos e nos deixaram para sempre, e uma mensagem de condolências às numerosas famílias que sofreram a sua perda!

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — A Mesa registou quatro pedidos de esclarecimentos, sendo o primeiro orador inscrito o Sr. Deputado Ulisses Pereira, a quem dou a palavra.

O Sr. Ulisses Pereira (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado e caro amigo Lúcio Ferreira, até que enfim que o Partido Socialista se preocupa com o mar!

Aplausos do PSD.

Vozes do PS: — Oh!

O Sr. Ulisses Pereira (PSD): — Foi bom ter atendido a esta recomendação do Sr. Presidente da República. Pena é que não tenham tido em devida nota outras recomendações do Sr. Presidente da República.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Ulisses Pereira (PSD): — Há muito que o PSD percebeu a prioridade que deve ser concedida aos oceanos que, hoje, não são só fonte de alimentos, de lazer e de sonhos, mas também de energia, de materiais, de biotecnologia.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Ulisses Pereira (PSD): — Isso é reafirmado, de forma clara, na moção de estratégia do Presidente do PSD, Pedro Passos Coelho, aprovada no último congresso do nosso partido.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Ulisses Pereira (PSD): — Entre esses recursos, temos de salientar as pescas, factor de identidade nacional e de coesão territorial e social, que foram abandonadas pelos governos do Partido Socialista. Por isso, gostava de colocar-lhe algumas perguntas.
Primeira: como classifica e explica o facto de o PROMAR (Programa Operacional para o Sector das Pescas) ter um grau de execução de 11%, até ao momento?

Vozes do PSD: — Uma desgraça!

O Sr. Ulisses Pereira (PSD): — Será que os governos do PS não são capazes de gerir os fundos comunitários colocados à nossa disposição?

Vozes do PSD: — É uma vergonha!

O Sr. Ulisses Pereira (PSD): — A União Europeia também tem culpa disto? Segunda: por que é que os governos do PS transformaram as políticas de formação em conteúdos que servem os formadores e esquecem a vocação profissionalizante que as mesmas devem ter, privilegiando o

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local de trabalho, a embarcação? Por que é que o FOR-MAR (Centro Formação Profissional das Pescas e do Mar) não consegue ter um curso de formação em segurança básica certificado pelo IPTM (Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos)? Explique-me, por favor, o que é que o Governo tem feito para compatibilizar todas estas valências e riquezas que podemos obter do mar. Em que ponto estamos na elaboração dos planos de ordenamento marítimo? Que apoio tem sido dado aos nossos cientistas, louvando o PSD os milagres que o IPIMAR (Instituto de Investigação das Pescas e do Mar) tem conseguido fazer com menos recursos, menos investigadores e com uma embarcação que tem 30 anos, e é única à sua disposição? Explique-me, por favor, como é que o Governo do PS permitiu que pescadores e armadores portugueses fossem espoliados em mais de 500 t de bacalhau, no ano passado, na zona de Svalbard.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Sr. Deputado, tem de concluir, pois já ultrapassou largamente o tempo de que dispunha.

O Sr. Ulisses Pereira (PSD): — Concluo já, Sr.ª Presidente.
Por último, apelo para que estejamos todos unidos em torno dos interesses nacionais na reforma da política comum de pescas, pois esta é uma questão que deve unir o País em torno de um recurso estratégico que foi deixado ao abandono pelos governos do PS.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — O Sr. Deputado Lúcio Ferreira informou a Mesa de que pretende responder já a esta pergunta.
Assim, tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Lúcio Ferreira (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Ulisses Ferreira, decidi responder já às questões que colocou, atendendo ao facto de ser o coordenador do grupo de trabalho sobre as pescas e de, por isso, ter responsabilidades acrescidas nesta área.
Sr. Deputado, quero rejeitar, desde já, a forma como entrou no debate, dizendo «até que enfim, o Partido Socialista se preocupa». O PS foi o único que se preocupou até agora, Sr. Deputado, perante duas efemérides que ninguém mais resolveu assinalar.

Aplausos do PS.

Também quero lembrar o Sr. Deputado de que, quando o Sr. Presidente da República falou nos problemas do mar, o PS, através de mim próprio, já tinha publicado um extenso artigo no jornal do Partido Socialista sobre a matéria, sendo que até fiquei com a sensação de que foram colhidas lá algumas ideias. Portanto, o mar está presente no discurso do PS há muito tempo.
O PSD, que teve responsabilidades governativas e estava no governo aquando da reforma da política comum de pescas, em 2003, deixou que a reforma fosse feita como está! A grande preocupação é que foi criado um sistema de distribuição de quotas que teve em conta aquilo que era a tradição, a realidade, das pescas nos mares do norte, em desconsideração da realidade das pescas artesanais do sul, e, em Portugal, cerca de 80% da frota é da pesca artesanal.
Portanto, não pedimos, nem queremos receber, conselhos do PSD nesta área.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Lúcio Ferreira (PS): — Sr. Deputado, quanto às questões que colocou a sobre o FOR-MAR, do PROMAR e do grau de execução do PROMAR, devo dizer que ou está muito mal informado ou insiste em transmitir dados perfeitamente irrealistas. A taxa de execução, neste momento, ç de 37%»

Aplausos do PS.

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Vozes do PSD: — Não!

O Sr. Lúcio Ferreira (PS): — » e o Sr. Deputado sabe disto, porque, no dia 18 de Maio, esteve presente numa audição com o Sr. Ministro da tutela, onde colocou essa questão. E, portanto, a resposta foi dada com dados presentes, exactos àquele momento, no dia 18 de Maio passado.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Altino Bessa.

O Sr. Altino Bessa (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Lúcio Ferreira, é com agrado e simpatia que registo o facto de trazer a esta Câmara e de querer assinalar o Dia Nacional do Pescador.
Concordo com a necessidade de despertarmos a comunidade e a própria actividade política para uma matéria altamente relevante para este País. Concordo com os elogios feitos a estes homens enquanto heróis, enquanto bravos do mar, mas confesso que, no decorrer da sua intervenção, pensei que estivesse a ouvir um voto de pesar pela morte da pesca nacional.

O Sr. Horácio Antunes (PS): — Está enganado! Ouviu mal!

O Sr. Altino Bessa (CDS-PP): — Confesso que, com esse voto de pesar que o Sr. Deputado aqui nos trouxe, só vi um coveiro para esta actividade, e esse coveiro chama-se Partido Socialista, que, ao longo de quase seis anos, nada fez pela pesca e pelos pescadores em Portugal.
Sr. Deputado, o PROMAR, como sabe, tem quatro eixos. O eixo 1 é a adaptação da frota de pesca. Onde é que ela está feita? Zero! O eixo 2 é a aquicultura, transformação e comercialização dos produtos da pesca e aquicultura. Onde está aplicado este eixo 2? Zero! O eixo 3 são medidas de interesse geral. Onde estão aplicadas estas medidas? Zero! O eixo 4 é o desenvolvimento sustentável das zonas de pesca. Onde está este desenvolvimento sustentável das zonas de pesca? Zero! O que temos verificado é que, dos 325 milhões de euros disponíveis neste programa e dos quais 246 milhões de euros são do Fundo Europeu das Pescas, do fundo comunitário, em 2013 vamos ter de devolver verbas por incapacidade deste Governo, que nada fez ao longo destes anos relativamente à pesca.

Vozes do CDS-PP: — É verdade!

O Sr. Altino Bessa (CDS-PP): — Quanto à execução do PRODER, Sr. Deputado, ela é de 16,8%.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Sr. Deputado, peço-lhe que conclua.

O Sr. Altino Bessa (CDS-PP): — Concluo já, Sr.ª Presidente.
Quanto à execução do PROMAR, não são disponibilizados esses elementos, sendo que, como sabe, os dados trazidos a esta Câmara não correspondem à verdade.

Aplausos do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Lopes para pedir esclarecimentos.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Lúcio Ferreira, sabemos que quando o nosso colega Deputado Paulo Portas foi nomeado Ministro da Defesa Nacional não sabia que também iria ser nomeado ministro dos Assuntos do Mar,»

Risos do PCP.

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» mas não ç certamente difícil de perceber, de desvendar a responsabilidade do PS, do PSD e também do CDS, que teve um ministro dos assuntos do mar, na destruição das pescas portuguesas, na destruição da frota pesqueira,»

O Sr. Honório Novo (PCP): — É verdade!

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — » na destruição brutal do nõmero de efectivos e do aumento brutal do défice comercial de pescado.
Sr. Deputado Lúcio Ferreira, compartilhamos consigo a homenagem e a valorização do trabalho e do sacrifício dos pescadores portugueses, mas apetece-me perguntar-lhe, como diriam os pescadores da nossa zona: «e qu’ç, Sr. Deputado?!«

Risos do PCP.

E que resposta, em termos de políticas públicas, para as pescas portuguesas, Sr. Deputado?

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Sabemos que o risco que esta actividade enfrenta é um risco com uma causa fundamental, e esta causa fundamental é a procura da sobrevivência, a procura do sustento para si e para as suas famílias, risco este que se transformou, ainda no inverno recente, num factor de muitos acidentes e de muitas mortes, infelizmente, de pescadores portugueses.
Assim, Sr. Deputado, no sentido de atenuar esse risco, de constituir uma primeira rede de segurança, assegurando um rendimento suficiente aos pescadores portugueses, pergunto: que medidas tem o Governo em curso para baixar o preço dos combustíveis, principal custo operacional para as pescas portuguesas? Que medidas estão em curso para responder ao problema de tantas e tantas barras e portos neste País que continuam sem condições e a ser um factor de graves acidentes, e para alguns destes problemas há promessas eleitorais de décadas? Que respostas tem o Governo, Sr. Deputado, relativamente à degradação dos preços de venda nas lotas? Que respostas tem ao nível da política comum de pescas que assegure direitos de pescas suficientes ou, então, que indemnize de forma satisfatória os pescadores,»

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Exactamente!

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — » quando estiverem impedidos de o fazer?

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Concluo, Sr.ª Presidente, fazendo uma pergunta muito concreta.
O Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas acabou de ouvir as associações de pescadores e procedeu a uma alteração do fundo salarial para as pescas, mas, depois, esqueceu-se de introduzir no decreto-lei que publicou sobre esta mesma matéria as propostas, as sugestões e as emendas que as associações fizeram.
Sr. Deputado, desde já informo que o Grupo Parlamentar do PCP irá solicitar a apreciação parlamentar desse decreto-lei, mas gostaria de saber se o PS está disponível para alterar, nesta sede, esse diploma, conforme o desejo e a vontade dos pescadores portugueses.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Soares.

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O Sr. Pedro Soares (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Lúcio Ferreira, ainda bem que traz à discussão a questão dos pescadores e do mar a propósito do Dia Nacional dos Pescadores.
Sr. Deputado, não basta exaltar a coragem e o sacrifício dos pescadores, é preciso tomar medidas concretas relativamente a essas situações. Devo dizer-lhe, neste momento, sobre esta questão, que a classe dos pescadores em geral é uma classe, hoje em dia, amargurada, é uma classe sofrida, que durante este último ano sofreu perdas enormes, incomparáveis com aquelas que aconteceram nos últimos anos. Portanto, de algum modo, o Governo deveria ter criado todas as condições no sentido de evitar situações dramáticas como aquelas que os pescadores viveram de norte a sul do País. Pode dizer-se que o Governo, hoje, já está a tomar medidas no sentido da aquisição de coletes de salvação. O facto é que tantos anos foram percorridos sem que essas medidas tivessem sido tomadas, levando precisamente à situação dramática que vivemos, sobretudo no final do ano passado e no início deste ano.
A exaltação do mar e o elogio aos pescadores deveria passar por medidas concretas em relação a situações tão claras e cuja resolução é tão pertinente, como seja, por exemplo, o problema do financiamento da investigação sobre o mar.
Como o Sr. Deputado disse, e bem, o mar não é apenas a pesca, não deve ser visto apenas do ponto de vista económico; também deve ser visto do ponto de vista social e ambiental e este, precisamente, tem sido negligenciado.
Numa recente visita que o grupo de trabalho sobre as pescas fez ao IPIMAR percebemos as dificuldades grandes que aquele instituto tem em termos da investigação. Há falta de investigadores, há falta de meios, há falta de recursos. Apoiar as pescas, hoje em dia, é também trabalhar, investir, ter preocupação fundamental sobre a investigação do mar e da pesca.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Sr. Deputado, tem de concluir.

O Sr. Pedro Soares (BE): — Concluo já, Sr.ª Presidente.
Quanto aos níveis de execução do PROMAR, por muito que o Sr. Deputado queira «tapar o sol com a peneira», todos nós sabemos, é público, são notórios, que são baixos os níveis de execução desse programa.
A questão final que quero colocar é a seguinte, Sr. Deputado: como é que compatibiliza tanta exaltação do mar e dos pescadores com o objectivo do Governo de quintuplicar a produção em sistema de aquicultura, com todos os riscos que sabemos que existem não só para a sobrevivência das comunidades piscatórias mas também para o ambiente e para a sobrevivência da pesca tal como a conhecemos?

Vozes do BE: — Bem lembrado!

O Sr. Pedro Soares (BE): — Esta questão, mesmo na visita que a Comissão fez ao IPIMAR, não foi respondida. E, mais uma vez, o Governo insiste numa lógica meramente economicista sobre a pesca, não tendo em conta a preservação dos recursos e a manutenção desta actividade.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lúcio Ferreira.

O Sr. Lúcio Ferreira (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Altino Bessa, agradeço as palavras simpáticas que me dirigiu, tal como agradeço aos demais Deputados as questões que me colocaram.
Pensei que entre o tema que aqui trouxe e a homenagem e comemoração de efemérides houvesse um denominador comum, ao qual todos se associassem e deixassem um pouco para outras instâncias e debates, que temos sempre, estas questões que, aqui, aproveitaram para tentar apagar as responsabilidades de alguns, e, refiro-me, neste caso concreto, ao CDS, porque já teve responsabilidades governativas. O CDS, quando apresenta o voto de pesar pela «morte» das pescas, deve penitenciar-se, porque, se diz que os barcos não foram apetrechados, que nada se fez neste capítulo, relembro, no mar, apenas se preocupou com os submarinos,»

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O Sr. Altino Bessa (CDS-PP): — Foram só dois! Vocês queriam quatro!

O Sr. Lúcio Ferreira (PS): — » não se preocupou com os pescadores.

O Sr. Altino Bessa (CDS-PP): — Foram só dois! Vocês queriam quatro!

O Sr. Lúcio Ferreira (PS): — Portanto, acho que não podemos discutir nem colocar a questão neste nível.
Sr. Deputado Agostinho Lopes e Sr. Deputado Pedro Soares, o PS já está habituado a esse tipo de discurso. É evidente que para o Sr. Deputado Agostinho Lopes, que pertence a um partido que nunca terá, nem nunca teve, responsabilidades na área governativa,»

Vozes do PCP: — Mas que grande democrata que aqui está!

O Sr. Lúcio Ferreira (PS): — » ç fácil colocar questões e falar na destruição do sector.
Relativamente aos combustíveis, às barras, à degradação do preço na primeira venda nas lotas, são tudo questões que o senhor sabe perfeitamente que o PS está atento e o que tem sido feito, no que respeita, por exemplo, à melhoria do preço em primeira venda, tem sido da iniciativa do PS.

Protestos do PCP.

Quanto à reforma da Docapesca, o Sr. Deputado sabe o que está a ser feito. Sabe também a luta que tem sido para haver melhoramentos nas barras, para que ocorram menos acidentes.
Neste ponto, respondendo ao Sr. Deputado Pedro Soares, os pescadores são corajosos, efectivamente, e, muitas vezes, enfrentam o mar em circunstâncias bastante temerárias. O senhor sabe perfeitamente o que está a ser feito a montante a jusante, neste capítulo. E sabe aquilo que se fez, no que respeita à segurança do mar, depois daquele trágico e célebre desastre, que foi o naufrágio do Luz do Sameiro, em todos os capítulos.
Também sabe que, ainda recentemente, foi constituído um grupo de trabalho, com todos os responsáveis do sector, para acompanhar e monitorizar o problema da segurança do mar.
Percebi nas suas palavras que há um reconhecimento daquilo que está a ser feito. Agora, Sr. Deputado, não posso aceitar a sua amargura quando diz que, na questão ambiental, nada está a ser feito, invocando a nossa visita ao IPIMAR. Devo lembrar que o que vimos foi uma colaboração entre as universidades e os institutos do Estado, numa busca constante de estudo do mar, dos ecossistemas, tentando melhorar, e viu, inclusive, novos produtos que estão a ser estudados e que vão ser lançados no mercado, como salsichas feitas com peixe e fiambre feito de peixe.
O Sr. Deputado sabe também que a universidade do Algarve (e a sua colega de bancada, a Sr.ª Deputada Cecília Honório, ainda recentemente visitou a universidade do Algarve) tem 300 investigadores ligados ao IPIMAR do Algarve, a estudar as questões do mar.

Vozes do PS: — Bem lembrado!

O Sr. Lúcio Ferreira (PS): — Portanto, num momento em que julguei que todas as bancadas se levantariam para comemorar uma efeméride, valorizando e homenageando uma classe piscatória, vejo o debate resvalar para questões que, muitas vezes, a maior parte delas, não correspondem à realidade e que têm tido resposta pronta e rápida por parte do Ministério, o que nunca antes aconteceu. Os Srs. Deputados têm tido essas respostas directamente da boca do Sr. Ministro e do Sr. Secretário de Estado nas comissões.
Rejeitamos essas observações e, mais uma vez, homenageamos — foi para isto que fizemos a nossa declaração política — os pescadores e todos aqueles que sofrem no dia-a-dia para enfrentar o mar, que é adverso e traiçoeiro.

Aplausos do PS.

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Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Jaime Gama.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, vamos passar à apreciação, em conjunto, dos projectos de lei n.os 225/XI (1.ª) — Primeira alteração à Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, que adopta medidas de protecção das uniões de facto (BE), 280/XI (1.ª) — Primeira alteração à Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, que adopta medidas de protecção das uniões de facto (PS) e 253/XI (1.ª) — Reforça o regime de protecção das uniões de facto (PCP).
Para apresentar o projecto de lei n.º 225/XI (1.ª), tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda apresentou este projecto de lei, que altera a lei que regula as uniões de facto e agendou este debate, porque é preciso corrigir discriminações e injustiças que atingem os cidadãos e as cidadãs que optaram por viver em união de facto.
Na anterior Legislatura foi aprovada uma lei, pela Assembleia da República, que conseguiu um consenso alargado sobre a necessidade e a forma concreta de alterar a lei em vigor, a Lei n.º 7/2001, no sentido de conferir maior protecção aos casais que vivem em união de facto. Este diploma foi vetado pelo Presidente da República. Queremos desde já dizer que não concordamos com a opinião do Presidente da República sobre esta matéria.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Não concordamos com o pensamento particular do Presidente da República na forma como vê a articulação entre a liberdade de escolha e o acesso a direitos fundamentais.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — É preciso dizer que o Presidente da República, embora reconheça, e passo a citar a sua mensagem dirigida á Assembleia da Repõblica, que «(») a opção de vida em comum em união de facto tem vindo a assumir uma dimensão crescente, (»)«, considera, ao mesmo tempo, que a extensão de direitos deve ser pontual. Esta divergência faz toda a diferença, Sr.as e Srs. Deputados! Não alterar a lei significa manter várias injustiças. E gostaria, aqui, de sublinhar duas dessas injustiças.
A primeira prende-se com o direito à casa de morada de família, seja em situações de ruptura de uniões de facto, seja em situações por morte de um dos membros dessa mesma união de facto. É uma profunda injustiça que pessoas que fazem uma vida em comum» E, Sr.as e Srs. Deputados, falamos de casais que vivem 10, 15, 20, 25, 30 anos!

A Sr.ª Teresa Morais (PSD): — E dois anos!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Dois não há nenhum, Sr.ª Deputada Teresa Morais. Só a partir dos dois anos é que se consegue ter direitos. Vamos ver pela maioria dos casos.
É uma profunda injustiça que se tenha contribuído financeiramente para a casa de morada de família e se veja, de um dia para o outro, sem habitação.
Mas ainda há uma outra pior que todas estas, Sr.as e Srs. Deputados, e desafio todas as bancadas, sobretudo, a bancada do PSD e a bancada do CDS que não concordam com estas alterações e que seguem toda a declaração e toda a decisão do Presidente da República, a dizerem aqui qual a opinião e a alternativa para o acesso às prestações por morte.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Exactamente!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Aquilo que se passa, Srs. Deputados, hoje em dia, é o seguinte: se um dos membros da união, a mulher ou o homem, morre, o outro membro dessa união, para recorrer ao direito da prestação por morte — a qual, relembro, é contributiva — , tem, por um lado, de provar a sua total carência de

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alimentos e, por outro, intentar uma acção em tribunal contra a segurança social, naquilo que é um processo extremamente longo, extremamente penoso e extremamente caro.
É esta a situação que se queremos manter para os milhares de casais que optaram por viver em união de facto? Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a opção do Bloco de Esquerda, neste projecto de lei, é muito clara: reapresentar à Assembleia da República, no sentido de completar o processo legislativo iniciado o ano passado, mas interrompido pelo veto presidencial, o texto final que aqui foi votado como lei.
Destaquei dois dos aspectos mais flagrantes das injustiças, mas é preciso dizer que a lei não fica por aqui e clarifica muitos aspectos, a começar, desde logo, pelo registo da própria união de facto, pelo regime de férias e faltas, pelas relações patrimoniais e até, também, pela dissolução da união de facto.
Por isso, do nosso ponto de vista, é tempo da Assembleia retomar o que foi interrompido e dar mais um passo na consagração de direitos, que não são direitos abstractos mas que resolvem problemas concretos de muitos cidadãos e cidadãs e, sobretudo, que combatem injustiças perfeitamente injustificadas numa sociedade democrática.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Na Legislatura passada coube ao Grupo Parlamentar do PS a iniciativa da primeira alteração à Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, que adopta medidas de protecção às uniões de facto. Considerou, nessa altura, o Grupo Parlamentar do PS que, passados oito anos da entrada em vigor da Lei n.º 7/2001, se justificava o seu aperfeiçoamento com vista a poder responder a situações emergentes e a garantir maior equidade nas relações pessoais, patrimoniais e com terceiros, sem, contudo, pôr em causa o espaço de não institucionalização que caracteriza as uniões de facto. Este diploma foi aprovado por larga maioria nesta Assembleia da República, tendo sido vetado pelo Sr.
Presidente da República, já depois de encerrada a última sessão legislativa, não se permitindo, por isso, uma eventual confirmação, na Assembleia, do diploma.
Retomamos, pois, hoje, esta iniciativa não por teimosia, Srs. Deputados, mas por continuarmos convictos da necessidade de maior equidade, maior justiça e maios protecção daqueles que optam por viver em união de facto. Fazemo-lo com a consciência da urgência de fazer corresponder o direito à dinâmica social.
Apesar de o modelo matrimonial continuar a ser o preferido pela sociedade e pelas suas leis, o Estado não pode, nem deve, ignorar ou desprezar os cidadãos que fazem escolhas diferentes. As sociedades contemporâneas tornaram-se pluralistas e negam a existência de padrões de comportamento válidos para todos. É, pois, um imperativo de liberdade e equidade.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Apresentamos esta iniciativa porque há pessoas que, vivendo em união de facto, são ainda hoje tratadas de modo injusto pela sociedade. Cada dia que passa e que esta injustiça persista é um dia em que a sociedade trata alguns dos seus membros de forma pior do que devia.
Aqui estamos hoje depois do debate que, entretanto, se aprofundou, em que ouvimos as opiniões, registámos as críticas, fizemos as alterações que considerámos adequadas e incorporámos, na versão inicial do diploma do PS, todos os contributos que, em sede de especialidade, foram dados, e estes contributos foram, apenas e só, da esquerda parlamentar, do PCP, do PS e do Bloco de Esquerda. Houve ausência completa de qualquer alteração por parte do PSD ou do CDS-PP.

Aplausos do PS.

O que resulta de tudo isto, Sr.as e Srs. Deputados, é muito simples, ao contrário do que muitos querem fazer parecer, por reacção instintiva e conservadora: com a aprovação desta iniciativa, o casamento continuará a não ser uma união de facto e uma união de facto continuará a não ser um casamento. Mas os direitos de um cidadão adulto que necessite de protecção jurídica do Estado estarão melhor reconhecidos, quando hoje ainda não são.

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Não devemos dar aos cidadãos indicações programáticas sobre o modo como constituem as suas famílias.
Devemos apenas e só garantir — concordemos, ou não — que, pelas opções que tomaram, livre e conscientemente, o Estado não os abandona, trata-os justamente e impede que sejam tratados por terceiros de modo injusto e, muitas vezes, desumano.
Sr. Presidente e Sr.as e Srs. Deputados, permitam-me que destaque, à semelhança do que fiz, em Março de 2009, aqueles aspectos que considero mais inovadores do que agora se propõe: em primeiro lugar, a possibilidade de uma união de facto ser registada. Ninguém é obrigado a fazê-lo, Sr.ª Deputada — leia a lei! — e ninguém perde nada com a criação desta possibilidade, de registar a união, querendo-o.
Em segundo lugar, no que respeita à casa de morada de família, dá-se relevo às uniões de facto duradouras, consagra-se uma protecção acrescida ao membro sobrevivo da união de facto e reconhece-se-lhe o direito real de habitação alargado, o direito de arrendamento, reforçando-se o limite temporal do direito de preferência na compra.
Em terceiro lugar, prevê-se uma regulação das dívidas contraídas pelos membros da união de facto, solidariamente, protegendo, assim, expectativas de terceiros.
Finalmente, consagra-se ao membro sobrevivo da união de facto a possibilidade de beneficiar das prestações por morte, independentemente da carência económica e sem ter de passar pelo crivo do tribunal.
Eis, pois, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, as alterações mais significativas do projecto apresentado.
Recordo, no entanto, que não ignorámos as críticas ao projecto apresentado na anterior Legislatura e retirámos a norma sobre uma possível indemnização compensatória com o fim da união de facto, bem como, na dúvida, a presunção de compropriedade dos bens móveis.
Hoje, felizmente, podemos fazer esta discussão de forma mais serena, mas também mais livre do que no passado recente. As discussões anteriores sobre a união de facto foram, na verdade, contaminadas por preconceitos em relação a aspectos que delas se diferenciam. Por exemplo, os Srs. Deputados da direita parlamentar já não têm, hoje, que temer qualquer coisa e podem escolher um novo argumento, porque não se trata de querer incluir, encapotadamente, a problemática do casamento das pessoas do mesmo sexo — esta, felizmente, ficou resolvida, e bastante bem, com a promulgação, do diploma que o reconhece, pelo Sr.
Presidente da República.
O que está em causa é, e sempre foi, a melhoria da protecção dos que — e sublinho-o — escolheram livremente viver em união de facto. Estas pessoas também merecem a nossa atenção e os seus problemas são também problemas sérios.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este diploma é mais um passo no aperfeiçoamento dos direitos individuais, independentemente dos juízos morais sobre os comportamentos e as opções. É um passo na defesa rigorosa, de que a esquerda democrática se orgulha, de que o Estado numa sociedade livre trata decentemente todos os seus cidadãos e exige aos cidadãos que se tratem decentemente uns aos outros. É um passo no respeito pelo pluralismo, no respeito por pessoas com diferentes histórias, culturas e identidades, no respeito pela diversidade dos modos de vida, no respeito pelo outro e, afinal, por todos nós.
Termino, Sr. Presidente e Sr.as e Srs. Deputados, convicta de que a aprovação deste diploma aumenta a liberdade, reforça a cidadania, diminui os sofrimentos e as humilhações.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Inscreveu-se, para pedir esclarecimentos, a Sr.ª Deputada Francisca Almeida.

A Sr.ª Francisca Almeida (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendes, as iniciativas legislativas que hoje aqui discutimos e que o PS e os partidos de esquerda crêem ser uma espécie de postulado do advento da modernidade são, bem ao contrário disso, francamente castradoras das liberdades individuais dos cidadãos.

Vozes do PSD e do CDS-PP: — Muito bem!

Protestos do PS, do PCP e do BE.

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A Sr.ª Francisca Almeida (PSD): — Ao estender a quase totalidade dos efeitos do casamento aos unidos de facto, o Estado impõe-lhes, a todos, o casamento. Dispensa-os da cerimónia, mas impõe-lhes o compromisso e impinge-lhes os efeitos.

A Sr.ª Teresa Morais (PSD): — Muito bem!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Isso não é obrigatório!

A Sr.ª Francisca Almeida (PSD): — Os partidos da esquerda querem agrilhoar ao casamento ou aos seus efeitos todos aqueles que nunca queriam casar-se.

Protestos do PCP e do BE.

Pensemos, por exemplo, no João e na Maria, jovens, de 18 anos, estudantes, que, um dia, comunicam à família que vão viver juntos, sem compromisso, «a ver se dá e se se dão». Ora, perante esta postura, será lícito ao Estado presumir que, dois anos volvidos, a relação que começou «a ver se dá», afinal até «já deu».
Que alternativas, Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendes, é que a modernidade da esquerda e, em particular, do Partido Socialista»

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Já lá está!

A Sr.ª Francisca Almeida (PSD): — » oferecem a esses unidos de facto clandestinos, que apenas pretendem viver debaixo do mesmo tecto, sem os direitos e as obrigações que o Estado lhes quer, a todo o custo, pespegar? Por outro lado, Sr.as e Srs. Deputados, no que respeita à prova da união de facto, diz o Bloco de Esquerda, na exposição de motivos da sua iniciativa, que «(») só usufrui dos direitos da união de facto quem assim o quiser. Basta não registar a união de facto.»; isto é, diz que sai intocada a liberdade individual de cada um.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Exactamente!

A Sr.ª Francisca Almeida (PSD): — Mas, depois, no texto do projecto de lei, nada diz sobre este registo.
Pelo contrário, alinha com o Partido Socialista nesta matéria, que se basta com qualquer meio de prova admissível. Mais, dizem ambos que «É lícito aos membros da união de facto estipular cláusulas sobre a propriedade dos bens adquiridos durante a união.» O que não se percebe é onde é que um casal que baseia a sua relação na informalidade vai estipular essas cláusulas. Porventura, numa espécie de «convenção anteunião», por contraponto à convenção antenupcial dos cônjuges.

Aplausos do PSD e de Deputados do CDS-PP.

Mas voltemos, Sr.as e Srs. Deputados, ao João e à Maria. Passados dois anos e um dia, estes jovens chegam à conclusão de que, afinal, já não querem estar juntos. A Maria, porque o João se endividou para comprar um televisor de última geração, vai, afinal de contas, ter de pagá-lo também. E se vingar, nesta matéria, o projecto de lei do Bloco de Esquerda, o João, porque não guardou as facturas de toda a mobília da casa que os pais lhe ofereceram, ainda vai ter de dividi-la com a Maria.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Com certeza!

A Sr.ª Francisca Almeida (PSD): — Mais: não tivesse o Partido Socialista deixado cair a indemnização compensatória pelo fim da união de facto, a Maria, porque passou a gostar do António, teria de indemnizar o João por ter saído de casa.

Risos do BE.

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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É esta a perversão do casamento e da união de facto que o PS, o BE e o PCP insistem em impor à sociedade portuguesa e que deu causa, e bem, ao veto do Sr. Presidente da República na anterior Legislatura. E, valha a verdade, Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendes, vetou-a o Sr.
Presidente da República e vetá-la-iam também a grande maioria dos unidos de facto portugueses, acaso tivessem idêntico poder.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Olhe que não!

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Francisca Almeida, o que contrasta com a modernidade do Partido Socialista é o conservadorismo do PSD.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Francisca Almeida (PSD): — Está enganada!

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): — O problema do PSD, nesta discussão, é que a nossa modernidade é a defesa radical e intransigente da liberdade individual, da escolha de cada um.

Protestos do PSD.

E isto contrasta imenso com a Sr.ª Deputada e com o seu partido. E sabe porquê, Sr.ª Deputada? Pensemos em direitos individuais, em matéria de civilização. Nesta matéria, o PSD votou sempre contra (e não é particularmente em relação a esta lei das uniões de facto), votou contra em 1999, votou contra em 2001, votou contra em 2009 e votará calmamente contra em 2010, porque a questão é de preconceito e não da lei em concreto, Sr.ª Deputada.

Aplausos do PS.

Mas voltemos à história do João e da Maria. A Sr.ª Deputada não pode olhar para o João e para a Maria como se fossem apenas dois jovens de 18 e de 20 anos.

A Sr.ª Francisca Almeida (PSD): — São milhares!

A Sr.ª Teresa Morais (PSD): — Mas os senhores não distinguem!

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): — A Sr.ª Deputada tem de olhar para a quantidade de famílias — e são milhares, Sr.ª Deputada, são mais de 300 000 cidadãos portugueses! — que vivem em união de facto há 10, 15, 20, 25 ou 30 anos e que, de um momento para o outro, se morre um membro do casal, o membro sobrevivo fica com direito a rigorosamente nada, nem a uma pensão por morte.

A Sr.ª Teresa Morais (PSD): — Já podem ter uma pensão por morte!

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): — A Sr.ª Deputada acha que isto é justiça social? Acha que estender o direito ao arrendamento não a cinco anos mas ao período que durou uma relação de união de facto é injustiça e que seria melhor a pessoa ser despejada, ficar na rua, Sr.ª Deputada?

Protestos do PSD.

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A Sr.ª Teresa Morais (PSD): — Não fica!

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): — A Sr.ª Deputada sabe o que é a injustiça, para quem vive em união de facto, de, no caso de um dos membros dessa união morrer e deixar filhos, os descendentes deste poderem fazer o que quiserem e de o membro sobrevivo não ter qualquer protecção?

A Sr.ª Francisca Almeida (PSD): — Já tem protecção!

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): — Sr.ª Deputada, não se trata aqui de uma questão de modernidade mas de convicção, de quem acredita que a liberdade individual é uma escolha que deve ser respeitada, de quem acredita sinceramente, e respeita, que as pessoas se casem pela igreja ou pelo civil, mas que, se quiserem, podem viver em união de facto.
Digo-lhe, mais, Sr.ª Deputada: não leu bem o diploma do Partido Socialista. O diploma do Partido Socialista é muito simples: quem quiser, prova a sua união de facto.

A Sr.ª Francisca Almeida (PSD): — Não prova! Não é admissível!

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): — Não é obrigatório, Sr.ª Deputada.

Aplausos do PS.

O que uma união de facto visa é conferir a duas pessoas adultas que não queiram casar a liberdade de poderem fazê-lo, Sr.ª Deputada. É tão simples quanto isto e contrasta com o conservadorismo de quem está amarrado à ideia de que a família só pode constituir-se pelo casamento, e, de preferência, católico.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Francisca Almeida (PSD): — Está enganada!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A discussão que agora fazemos em torno do regime jurídico das uniões de facto é uma discussão em torno do respeito pela vontade das pessoas, do respeito pelas opções de cada um quanto à forma como decidem constituir família. E o respeito por estas opções exige do Estado a garantia de igual dignidade no tratamento dos cidadãos, independentemente da forma como decidem constituir família.
O PCP orgulha-se do contributo que tem dado ao longo dos anos para o progresso social, e também legislativo, que se tem verificado, contra a vontade daqueles que pretendem impor as suas concepções conservadoras quanto aos modelos de vida e de organização, que pretendem, aliás, impor aos outros o seu modelo de vida, o seu modelo de organização familiar. Infelizmente, já tivemos hoje aqui uma primeira abordagem a este tipo de concepções conservadoras e retrógradas, protagonizada pela Sr.ª Deputada Francisca Almeida. A esta concepção conservadora e retrógrada contrapõe-se a que o PCP tem protagonizado com as propostas que tem apresentado e que não reconhece apenas o casamento como a única forma legítima de organização familiar.
A questão, Sr.ª Deputada Francisca Almeida, é esta: um Estado que queira garantir aos cidadãos iguais condições para exercerem as suas opções relativamente à forma como decidem organizar a sua vida, como decidem constituir família, tem de garantir uma verdadeira igualdade e não pode condicionar as opções dos cidadãos por força da protecção que deixa de conceder a uns enquanto concede aos outros.
Sr.ª Deputada Francisca Almeida, o PCP, desde 1985, já apresentou seis projectos de lei e inúmeras outras propostas, no âmbito de processos legislativos que se têm debruçado sobre o regime jurídico das uniões de facto. Todas estas nossas iniciativas têm, em comum, várias ideias centrais, das quais destaco

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duas: a primeira é a noção de que o casamento e a união de facto não podem ter o mesmo regime jurídico, porque são realidades distintas, que correspondem a opções distintas, mas às quais tem de ser garantida igual dignidade no reconhecimento por parte do Estado.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — É diferente!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Uma segunda ideia fundamental é a noção de que a única forma de garantir a decisão livre de cada um relativamente à forma como decide constituir família é o igual tratamento naquilo que diz respeito às decisões que, em comum, condicionam a forma como se estabelece essa vida em comum.
Portanto, Sr.ª Deputada Francisca Almeida, não se trata de encontrar um regime jurídico idêntico ao do casamento para as uniões de facto; pelo contrário, trata-se de respeitar as especificidades das uniões de facto, garantindo igual protecção da vida em comum, seja ela estabelecida com base no casamento, seja ela estabelecida com base numa união de facto.
O que se verifica, Sr.as e Srs. Deputados, é que, apesar dos avanços registados ao longo dos anos, o regime jurídico das uniões de facto não garante aos cidadãos a devida protecção em alguns aspectos e por isso se impõe esta discussão.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — É um facto!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Impõe-se que o regime jurídico das uniões de facto seja alterado, para que garanta, naqueles aspectos em que, ainda hoje, os membros das uniões de facto se vêem desprotegidos quando não deveriam estar, essa protecção.
O projecto de lei que o PCP apresenta incorpora as propostas que apresentámos no processo legislativo que decorreu na X Legislatura e incide essencialmente sobre três matérias. Por um lado, naquilo que diz respeito à matéria laboral e protecção social, introduzindo alterações ao artigo 3.º da Lei, porque não se justifica que, por terem optado por organizar a sua vida com base numa união de facto e não num casamento, os homens e as mulheres que não se casaram sejam discriminados em matéria laboral e em matéria de acesso à protecção social. Impõe-se o respeito por uma forma diferente do casamento, de decidir organizar a vida.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Isto é indesmentível!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Em segundo lugar, em matéria de protecção de casa de morada de família e residência comum, introduzimos alterações que permitem garantir, numa questão tão fundamental quanto é a habitação, a dignidade, o respeito e a protecção ao membro da união de facto sobrevivo. Quando se verificam determinadas circunstâncias, apesar das expectativas que eram comuns, apesar da organização da vida que, em muitos casos, ultrapassa algumas décadas, pretendemos impedir que o membro da união de facto sobrevivo fique desprotegido em relação a uma questão fundamental, como é a casa de morada de família, garantindo, aliás, um regime de protecção que não é muito diferente dos que existem em outros países da Europa.
Por último, em matéria de acesso às prestações por morte, pretendemos tão-só garantir aos membros das uniões de facto o acesso às prestações por morte que resultam não da situação de desprotecção em que se encontra o membro sobrevivo mas do facto de ter havido uma pessoa que, ao longo da sua vida inteira, descontou para a segurança social e que, por força desse desconto, garantiu àquela pessoa com quem vive em comum, seja casado ou não, o acesso a essas prestações.
Portanto, o que fazemos não é equiparar o casamento às uniões de facto. É garantir, nestas três matérias essenciais, aos membros das uniões de facto a protecção de vida que o Estado deve garantir.
Quanto aos projectos de lei do Bloco de Esquerda e do Partido Socialista que estão em discussão, gostava apenas de deixar uma referência. Na anterior Legislatura, votámos favoravelmente a redacção final da lei que resultou do processo legislativo, ou seja, da discussão que foi feita em sede de especialidade, sem prejuízo de termos deixado dois reparos quanto a duas matérias, em relação às quais considerávamos que as soluções poderiam ser diferentes: naquilo que diz respeito à equiparação da união de facto ao casamento para efeito de

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perda ou diminuição de direitos ou benefícios, já na altura considerámos que esta não era uma solução correcta, e, aqui, deixamos, uma vez mais, esse reparo; e em matéria de protecção de casa de morada de família, por entendermos que o texto final a que se chegou na anterior Legislatura não ia tão longe quanto poderia e deveria ir nesta questão fundamental.
Os projectos de lei do Partido Socialista e do Bloco de Esquerda recuperam estas duas matérias, que, na altura, foram motivo da nossa objecção.
Sem prejuízo destas duas matérias, votaremos favoravelmente os dois projectos de lei, porque continuamos a entender que, em sede de especialidade, é possível corrigir aqueles dois aspectos. Aliás, temos no nosso projecto de lei as soluções que entendemos necessárias.
Portanto, votaremos favoravelmente todos os projectos de lei que estão em discussão, sem prejuízo de, em sede de especialidade, procurarmos corrigir estes dois aspectos que consideramos que são facilmente ultrapassáveis.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não é de agora a vertigem socialista para controlar e tudo regular na vida da sociedade, das empresas, das famílias e das pessoas.
A desconfiança pela livre iniciativa e o pouco respeito pela liberdade individual dos cidadãos são, sem sombra de dúvida, uma marca de água da cultura urbana de esquerda, profundamente dirigista e pretensamente moderna.
Infelizmente para os portugueses, a nossa triste sina nos últimos anos tem sido assistir a uma disputa, ombro a ombro, entre o Bloco de Esquerda e o Partido Socialista do Eng.º Sócrates, a ver quem se chega mais à frente neste campeonato do disparate e do absurdo, a que chamam das medidas fracturantes. Nenhum deles, até ao momento, se pode considerar vencedor. Mas há já, claramente, vencidos, e vencidos são os portugueses, a sua dignidade pessoal e as suas liberdades individuais.

Aplausos do PSD.

As iniciativas que agora nos querem, com estes projectos, impingir são mais uma ofensiva, intolerável, nesta cruzada da esquerda.
O campo escolhido é, outra vez, o campo dos costumes. É de uma lei de costumes, Srs. Deputados, que hoje aqui falamos.
Julgávamos nós que Portugal era um país livre, em que a vida privada dos cidadãos era escolha sua, em que as opções pelas relações amorosas apenas diziam respeito a quem nelas se envolve, em que todos éramos livres de escolher assumir, ou não, compromissos interpessoais e livres de modular o grau e as implicações desses compromissos. Puro engano! A voragem desta cultura urbana, modernaça e de esquerda é insaciável e não se refreia.
Depois dos chips nas matrículas dos automóveis para controlar a circulação de cada um nos seus carros, de aprovarem uma lei para divorciar as pessoas à força, de decretarem o fim da diferença entre as livres orientações sexuais de cada um, querem agora casar as pessoas à força ou, em alternativa, condená-las a uma vida solitária.

Aplausos do PSD.

Em todas estas iniciativas, Srs. Deputados, há um elo comum: o mais absoluto desprezo pela liberdade de cada um de nós escolher o modo como quer organizar a sua vida pessoal.
Sr.as e Srs. Deputados, será que não vos atravessa o espírito compreender que as pessoas sabem muito bem distinguir entre o que é casar e o que é viver junto? Que sabem e que querem distinguir?

Vozes do PSD: — Muito bem!

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — E, quando se opta por viver junto, é precisamente porque não se quer, conscientemente, arcar com os direitos e as obrigações que o casamento implica? Com os compromissos e as implicações que este passo comporta? E que essa escolha, livre, é um direito cuja supressão mexe com o bem-estar e com a felicidade de cada um? Dão-se os senhores conta de que essa intrusão é uma violência sem sentido nos projectos de vida das pessoas?

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Com esta iniciativa, os senhores condenam as pessoas que não querem casar a terem de viver sozinhas ou a vaguear de relação em relação, sempre com prazo apertado.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): — Essa agora!»

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — É uma vergonha!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sim, prazo apertado, porque, ao menor descuido, esgota-se o prazo de 2 anos e lá vem a factura do Estado a pagar pela ousadia. E não venham com o argumento, falso, de que só querem assegurar direitos de protecção social a estas relações, porque esses direitos — e os Srs. Deputados sabem-no bem — já existem, já estão mais do que satisfatoriamente consagrados em lei.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Ah»! Está tudo dito!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — O que os senhores fazem é acabar com o direito de cada um a escolher livremente a relação amorosa e o estatuto a que se quer vincular.
Perante cada português, os vossos projectos colocam o seguinte diktat: queres ter uma relação estável? Então, ficas amarrado a este catálogo de direitos e obrigações! Ai daqueles que só queiram namorar, que só queiram viver juntos,»

O Sr. António Filipe (PCP): — Que só queiram dançar o tango!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — » partilhar afectos sem compromissos nem complicações.
Para os senhores, isto são sentimentos atrasados, conservadores, que a modernidade socialista vai, finalmente, erradicar da nossa sociedade.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — A dúvida que me assalta, Srs. Deputados, é qual será a fractura que a seguir vão escolher. Talvez uma lei do namoro para regular a devolução de presentes, o reembolso de encargos com férias em conjunto ou das despesas em jantares e hotéis partilhados.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Não será a vitória do materialismo dialéctico. Será, antes, o triunfo do materialismo diabólico, de tudo querer controlar e regular na vida das pessoas.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente e Sr.as e Srs. Deputados, aos autores deste enorme disparate deixo, aqui, a minha revolta: parem de dar cabo da vida às pessoas!

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Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Deixem-nos em paz com as nossas escolhas pessoais. Respeitem a liberdade individual, ao menos no plano da intimidade.

Aplausos do PSD, com alguns Deputados de pé, e de Deputados do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Inscreveu-se, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado José Manuel Pureza.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, a sua intervenção mostra bem o que é verdadeiramente (para utilizar as suas palavras) o campeonato do disparate e do absurdo.

Aplausos do BE.

O Sr. Deputado utilizou, aliás, imagens que, deixe-me dizer-lhe com toda a franqueza, são de um terrível mau gosto, porque comparar uma hipotética regulação do namoro com a vida concreta de pessoas concretas que há décadas vivem em união de facto revela não só insensibilidade mas, realmente, mau gosto.

Vozes do BE: — Exactamente!

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — A verdade, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, é que só por puro preconceito ideológico se pode recusar o reconhecimento de direitos básicos a casais em união de facto. E esta é a questão que estamos aqui a debater e não outra!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Não é, não!

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — É puro preconceito ideológico da sua parte, da vossa parte. É isto que vos faz recusar o reconhecimento de direitos básicos a casais em uniões de facto.
A casa de morada de família, o regime de férias, feriados, faltas e licenças, o direito a prestações por morte,»

A Sr.ª Teresa Morais (PSD): — Já está tudo na lei!

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — » isto os senhores recusam por puro preconceito ideológico.
Deixe-me dizer-lhe também, com toda a franqueza, que invocar a informalidade para negar direitos básicos a cidadãos é uma pura hipocrisia, Sr. Deputado, porque só os próprios é que podem decidir nesta matéria.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Exactamente!

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — E, de facto, o registo da união é o critério, é o momento em que essa questão pode e deve ser decidida.
Mal estaríamos, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, se a liberdade individual fosse razão para negar direitos fundamentais às pessoas, e é isto que a sua intervenção deixa muito claro.
Apurar o regime jurídico das uniões de facto é proteger famílias concretas, não é um ataque à família em abstracto.
Por isso mesmo, Sr. Deputado, pergunto-lhe, com toda a franqueza: o que é que defende, em matéria de regime jurídico aplicável a pessoas em uniões de facto em duas matérias: casa de morada de família e prestações por morte? Diga-nos, Sr. Deputado, o que é que o senhor e o seu partido defendem nesta matéria.

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Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
Está com o tempo a zero «positivo», mas vai ter uma doação de tempo do CDS-PP. Peço-lhe que seja também conciso.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, vou ser necessariamente breve, porque, de facto, não tenho tempo.
Sr. Deputado José Manuel Pureza, quero, muito rapidamente, dizer-lhe duas ou três coisas.
Em primeiro lugar, é evidente que o Sr. Deputado tinha de reconhecer que, de facto, isto aqui é um disparate e é um absurdo.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Usei palavras suas!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Talvez o alvo do disparate é que esteja mal visto da sua parte, porque o disparate é a iniciativa que os Srs. Deputados apresentam, visto que põem em causa a liberdade das pessoas.
O que o Sr. Deputado não percebe — e quem é passadista e retrógrado é a vossa proposta — é que, hoje em dia, namorar também é viver junto. Viver junto não é só para as pessoas que vivem há 20, 30 e 50 anos.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Mas é também!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Os jovens, hoje em dia, ao namorarem, também optam por viver juntos. Mas os namoros agora passam a ter um prazo de validade, que é um ano de 364 dias, porque, se tiverem a ousadia de chegar aos 2 anos, aqui vem o Estado, aqui vêm as obrigações, aqui vem tudo aquilo que as pessoas não quiseram, nem pediram, nem reclamaram de ninguém.
Quanto à pergunta que me fez, o Sr. Deputado sabe perfeitamente que é falso, e, repito, é falso, porque os direitos necessários satisfatórios já estão consagrados na lei.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Agora fica claro! Como está, está bem!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Não é preciso rigorosamente mais nada. O que os senhores querem fazer é, pura e simplesmente, acabar com a liberdade individual das pessoas.
Fico à espera da lei do namoro!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Filipe Lobo d’Ávila.

O Sr. Filipe Lobo d’Ávila (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Deputados do Partido Socialista: Começo esta minha intervenção por dizer que correu mal, mesmo muito mal o facto de este debate se realizar neste dia. O dia não é um bom dia. Diria mesmo, Sr. Presidente, que é preciso algum descaramento, é preciso lata para fazer este debate logo no dia de hoje. Vêm hoje com leis para as uniões de facto, cheias de garantias, direitos e «quindins», e ontem mesmo, em Conselho de Ministros, acabam com o subsídio de desemprego para os casais desempregados com filhos.
Esta é a vossa justiça social! Esta é a justiça social do Partido Socialista! Digam o que é mais importante: conceder um direito de indemnização a unidos de facto ou a majoração do subsídio de desemprego a casais desempregados e com filhos?

Aplausos do CDS-PP.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — É demagogia pura!

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O Sr. Filipe Lobo d’Ávila (CDS-PP): — Quanto à justiça social do Partido Socialista, ficamos esclarecidos.
Aliás, o silêncio de hoje relativamente a esta questão é disso paradigma.
Como se isso não bastasse, Sr. Presidente, VV. Ex.as querem transformar os casamentos em uniões de facto e as uniões de facto em casamentos. Entendam-se, Sr.as e Srs. Deputados! Este ziguezague legislativo não é compreensível.
Os projectos de lei em discussão confundem institutos que são diferentes e parecem não perceber que esses mesmos institutos só fazem sentido exactamente por essa diferença.
A lógica destes projectos de lei é a lógica de quem quer afirmar a liberdade individual, a liberdade de escolha, mas que não perde tempo a tudo querer regulamentar, a tudo querer prever, a tudo querer consagrar, a tudo querer impor.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Filipe Lobo d’Ávila (CDS-PP): — Já vos ocorreu, Sr.as e Srs. Deputados, que quem escolhe viver em união de facto o faz porque não se revê na instituição que o casamento tutela? Já vos ocorreu, Sr.as e Srs. Deputados, que quem escolhe viver em união de facto não quer dar àquela relação a densidade de um casamento?

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Filipe Lobo d’Ávila (CDS-PP): — Já vos correu, Sr.as e Srs. Deputados, que muitos haverá que querem viver juntos, mas não querem viver tal e qual como se fossem casados? Já vos ocorreu, Sr.as e Srs. Deputados, que, ao transformar a união de facto numa espécie de casamento, estão a comprimir a liberdade de escolha?

Aplausos do CDS-PP.

É este o vosso conceito de liberdade? A liberdade que é permitida pelo Estado, a liberdade que o Estado define, a liberdade que o Estado tolera ou mesmo a liberdade que o Estado impõe? Que fantástico conceito de liberdade, Sr.as e Srs. Deputados! Ao contrário do que se pretende fazer crer, estes projectos de lei não permitem a liberdade de escolha.
Estes diplomas impõem automaticamente àqueles que decidiram não casar um enquadramento jurídico idêntico aos que optaram por casar, sem escolha, sem opção e sem qualquer cláusula de saída ou de não entrada.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quem quer casar casa, quem não quer casar não casa. É simples.
Mas não! A esquerda não quer que seja assim, não quer que seja simples. A esquerda quer que as pessoas que vivem juntas respondam pelas dívidas. A esquerda quer que as pessoas que vivem juntas passem a ter uma espécie de convenção antinupcial que regule a propriedade dos bens adquiridos ou mesmo a possibilidade de um tribunal poder conferir, no momento da dissolução da união de facto — veja-se ao que se chegou»! — , o direito a uma compensação por prejuízo económicos.
Mais: a esquerda afirma também algo absolutamente extraordinário: a união de facto implica a perda ou diminuição de direitos ou benefícios nos mesmos casos e termos em que o casamento implica perda ou diminuição de direitos ou benefícios. Ou seja, Sr. Presidente, casou perde benefícios, casou aguente os sacrifícios! Era bom, Sr.as e Srs. Deputados, que pudessem esclarecer a Câmara sobre quais são essas perdas de benefícios e de direitos.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Filipe Lobo d’Ávila (CDS-PP): — Termino, Sr. Presidente, com uma frase do debate de Março de 2009. Na altura, dizia uma Sr.ª Deputada do Partido Socialista o seguinte: «A direita parlamentar não admite a

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liberdade de escolha das pessoas, porque exige e obriga que as pessoas se casem para poderem constituir família.»

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): — E reitero!

O Sr. Filipe Lobo d’Ávila (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, aquilo que dizia, na altura, é exactamente aquilo que os Srs. Deputados do Partido Socialista e da esquerda querem fazer agora. Querem prever as mesmas consequências, os mesmos efeitos, os mesmos direitos e obrigações, mesmo que as pessoas não se queiram casar, mesmo que as pessoas nada façam para isso, e, ao mesmo tempo, prescindem de ajudar, neste momento, quem mais precisa.
É com essa liberdade paternalista, repito, é com essa liberdade paternalista que, no CDS, não podemos concordar.

Aplausos do CDS-PP.

Diz a Sr.ª Deputada do Partido Socialista que o Estado não abandona as pessoas. O Estado não só não abandona as pessoas como entra em casa das pessoas e vem ditar a forma como as pessoas têm de lá viver, ditando os direitos e as obrigações entre elas.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Filipe Lobo d’Ávila (CDS-PP): — As pessoas vivem livremente. Pois é, viviam livremente até agora, mas, a partir de hoje, passam a viver de forma dirigida pelo próprio Estado. Com isso, com essa liberdade paternalista que a esquerda hoje afirma não concordamos.
Esse é motivo mais do que suficiente para estes projectos merecerem a nossa oposição.

Aplausos do CDS-PP e do Deputado do PSD Luís Marques Guedes.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A alteração à lei de protecção das uniões de facto volta a ser tema de discussão nesta Assembleia. A nosso ver, bem, porque, de facto, é necessário promover melhorias ao actual regime, designadamente no que toca à clarificação do acesso a um conjunto de direitos às pessoas que optam por viver nessa circunstância.
Trata-se de atribuir direitos seja ao João e à Maria, seja à Manuela e ao Manuel, seja ao Joaquim e à Rosa, porque a união de facto constitui, hoje em dia, uma forma absolutamente legítima de comunhão de vida e de constituição de família, no entendimento, que é também o nosso, de que não há um único modelo de família mas, sim, vários, todos eles legítimos e respeitáveis, que devem, por isso mesmo, merecer a adequada protecção jurídica.
Nesta matéria, percorremos já um longo caminho que começou em 1977, quando foram introduzidas no Código Civil as normas que, mesmo de uma forma tímida, acabariam por abrir a porta ao reconhecimento do instituto jurídico da união de facto, como mais uma forma de convivência e partilha de vida interpessoal e familiar.
Na mesma altura, o próprio casamento conhecia alterações importantes com a consagração da plena igualdade dos cônjuges ou a nível do divórcio, decorrentes da Constituição de 1976, tal como, de resto, neste momento acontece — finalmente! — com a consagração do casamento para pessoas do mesmo sexo, cuja lei foi recentemente promulgada pelo Sr. Presidente da República.
O regime da união de facto teria de esperar ainda mais alguns anos, acabando por nascer por via de um projecto de lei de Os Verdes, que, em conjunto com um projecto de lei do PS, deu origem à primeira lei das uniões de facto em Portugal, a Lei n.º 135/99.

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Pouco depois, esse primeiro regime foi alterado pela lei actual, a Lei n.º 7/2001, para a qual Os Verdes, mais uma vez, concorreram determinantemente, despoletando o processo legislativo com o projecto de lei n.º 6/VIII, em conjunto com o PCP, o PS e o BE.
No final da anterior legislatura, o PS voltou a propor uma nova revisão deste regime jurídico, processo esse que acabaria por produzir um texto, em sede de Comissão, que teve o mérito de apresentar melhorias significativas face ao regime actual, designadamente no que toca à clarificação do acesso a um conjunto de direitos ou ao alargamento da protecção da casa de morada de família, razão pela qual mereceu o nosso voto favorável.
Infelizmente, como se sabe, o diploma acabou por soçobrar na recta final por força do veto presidencial, que, entre as razões aduzidas na mensagem que o Sr. Presidente da República então dirigiu ao Parlamento, apontou o facto de nos encontrarmos em final de legislatura, não sendo agora o caso.
Os Verdes, longe de acompanhar as razões de justificação do veto, manifestaram, na altura certa, a sua discordância com o mesmo, lamentando aquela opção.
Lamentamos o veto, porque consideramos, na altura como hoje, que o regime da união de facto necessita de ser alterado no sentido de reforçar os direitos das pessoas que vivem nessa situação.
Considerando que as iniciativas legislativas hoje em discussão vão ao encontro desse propósito, Os Verdes não podiam deixar de acompanhar de perto as preocupações e os objectivos dos diplomas em discussão e, portanto, vamos votá-los favoravelmente.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há um ano, quando fizemos o debate sobre as alterações ao regime da união de facto, para responder à intervenção do Sr. Deputado Nuno Melo, utilizei uma frase que em tudo se adequa às intervenções que hoje ouvimos das bancadas da direita. De facto, só faltava a esta direita parlamentar repetir a frase de Napoleão Bonaparte, quando disse que os concubinos vivem à margem da lei e, por isso, a lei desinteressa-se deles. Era o único corolário que faltava nas intervenções que ouvimos da direita parlamentar!

Risos do PCP.

A verdade, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, é que respeitar a liberdade individual dos cidadãos significa garantir-lhes as condições para que as suas opções possam ser feitas livres de quaisquer constrangimentos.
Sr. Deputado Luís Marques Guedes, se alguém corre o risco de ser despejado da casa onde viveu 40 anos com a pessoa com quem decidiu viver em comum e se, para que isso não aconteça, casa, vai casar por obrigação.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Se alguém for impedido de aceder a prestações por morte porque vive em união de facto e decide casar para que isso não aconteça, vai casar por obrigação.
Sabe que mais, Sr. Deputado Luís Marques Guedes? Vai casar nas duas situações por interesse. Por um interesse material, porque naquela situação é obrigado a casar para ter acesso a uma protecção da qual não beneficia se viver em união de facto.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Respeitar a liberdade individual dos cidadãos significa, nestas duas situações em concreto, garantir a protecção àqueles que decidem viver em união de facto em circunstâncias aproximadas, se não puderem ser idênticas, àquelas de que beneficiam aqueles que decidem casar-se.

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Sr.as e Srs. Deputados, utilizando o exemplo que aqui foi trazido, o João e a Maria devem poder fazer as suas opções sem constrangimentos de qualquer ordem, muito menos de ordem material, e se entenderem que devem casar, devem fazê-lo e se entenderem que devem viver em união de facto, que vivam em união de facto. O Estado não deve limitar ao João e à Maria a possibilidade de fazerem essas opções, desprotegendoos se optarem por viver em união de facto.
É isso que, da parte do PCP, procuramos corrigir, ou seja, aquelas situações de pessoas que vivem em união de facto e que ainda hoje o Estado não protege.
Registamos com agrado que, neste debate, não tenha havido qualquer objecção ao projecto de lei do PCP, o que nos dá redobrada confiança de que o nosso projecto possa recolher o apoio até da direita, que, de forma mais conservadora e mais retrógrada, se manifestou contra este avanço jurídico, que reflecte um avanço social, que o próprio Presidente da República reconhece no veto quando diz que há cada vez mais portugueses a optarem por viver em união de facto.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos a chegar ao fim deste debate, que é para nós importante e que tem a dignidade de qualquer outro.
Por isso, penso que nem vale a pena responder às considerações feitas pela bancada do CDS. Está em causa a dignidade da própria democracia, e a demagogia não chega para tudo, Srs. Deputados!

Protestos do BE.

Mas passemos em frente. O Bloco de Esquerda não pode terminar este debate sem fazer dois reparos.
O primeiro prende-se com a resposta dada pelo Sr. Deputado Marques Guedes. Sr. Deputado, chips, contas de restaurante e de hotéis misturados com problemas relacionados com relações familiares não condizem muito bem e não fica muito bem a quem o afirma.

Vozes do BE: — Muito bem!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — O Sr. Deputado respondeu à nossa bancada dizendo que o que está na lei chega, é suficiente para a protecção. Permita-me que lhe diga o seguinte: o Sr. Deputado não tem a coragem de dizer que por si acabava até com a actual lei, porque o PSD sempre esteve contra qualquer protecção às uniões de facto!

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Exactamente!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Esta é que é a verdade!

Aplausos do BE.

Pelo senhor voltávamos atrás! Mas vou descansá-lo. Não voltamos atrás nesta como noutras matérias, porque, Sr. Deputado, o caminho, em termos dos direitos individuais, da liberdade individual e da protecção das pessoas, raramente volta atrás. E nem o PSD, naquelas matérias mais emblemáticas em que nesta Assembleias se levantou contra, tem a coragem de propor que se volte atrás! Esta é que é a verdade!

Vozes do BE: — Muito bem!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Por isso, também nas uniões de facto, não voltaremos atrás. Vamos, sim, enfrentar de novo o Presidente da República, se quiser vetar este diploma. Vamos, sim, senhor. Com uma

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certeza: os senhores querem dar um ar de esquerda, querem sair deste debate dizendo que somos contra a liberdade individual — »

O Sr. Filipe Lobo d’Ávila (CDS-PP): — E são!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — » vejam lá bem!» — , só que os senhores, o PSD e o CDS, querem impor o casamento como a única forma de constituir família e ter direitos!

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É extraordinário este debate. Penso que, ao fim de 10 anos, a intervenção do Dr. Marques Guedes trouxe-nos para a noite de 23 de Abril de 1974.

Aplausos do PS.

E digo-lhe porquê. Porque o que o Sr. Deputado aqui fez foi um exercício que eu nem sei classificar, que em nada respeita nem sequer a sua própria liberdade individual, o respeito por nós próprios, como o Sr. Deputado gosta tanto de dizer. O seu conservadorismo chegou a um ponto tal que nenhum Deputado do PSD, em nenhum debate nesta Casa, conseguiu chegar. O Sr. Deputado considera mesmo ilegítima uma situação de união de facto.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Não percebeu nada!

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): — O Sr. Deputado não consegue perceber que uma situação de união de facto tem a ver com a liberdade das pessoas, que o PS não é dirigista. O que o PS faz quando apresenta o projecto de lei — e já o fez na anterior legislatura — é reconhecer que as pessoas que optam livremente por viver em união de facto merecem protecção jurídica.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Impõem!

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): — Mais, Sr. Deputado: o Partido Socialista defende mesmo a liberdade e a igualdade e não gosta de institutos que «guetizem» as pessoas.

Vozes do PS: — Muito bem!

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): — Foi por isso que, em 2001, se empenhou para que o regime das uniões de facto se estendesse às pessoas do mesmo sexo e que, ao longo dos anos, se empenhou, e nesta legislatura aprovou, o casamento entre pessoas do mesmo sexo. E o que os Srs. Deputados têm como resposta é uma união civil registada, mas só para pessoas do mesmo sexo, porque, assim, ficamos com qualquer coisa escondida. Isso, sim, é conservadorismo, é discriminação, e não foi isso que quisemos trazer com esta lei das uniões de facto.

O Sr. Filipe Lobo d’Ávila (CDS-PP): — Não percebeu nada!

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Gostava que o Sr. Deputado, pelo menos, ouvisse aquilo que se diz na União Europeia e no Conselho da Europa sobre a importância que devem ter, e que merecem, as pessoas que escolhem viver em união de facto.

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Por outro lado, Sr. Deputado Lobo d’Ávila, não há qualquer contradição com o que eu disse aqui em 2009, nem pode haver, quando a convicção sobre aquilo que devem ser as liberdades individuais é esta que aqui lhe apresento.
Os Srs. Deputados não apresentaram qualquer questão concreta sobre os projectos de lei em discussão, apresentaram, sim, um conservadorismo ideológico, que está inadaptado à realidade social.

Aplausos do PS.

O Sr. Filipe Lobo d’Ávila (CDS-PP): — Liberdade paternalista!

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, terminámos a discussão, na generalidade, dos projectos de lei n.os 225/XI (1.ª), 280/XI (1.ª) e 253/XI (1.ª).
Vamos passar à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 212/XI (1.ª) — Altera o Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade (Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro) (CDSPP), 251/XI (1.ª) — Alteração ao Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro (BE) e 268/XI (1.ª) — Primeira alteração ao Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (Aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro) (PCP) e da petição n.º 62/XI (1.ª) — Apresentada por Nuno Miguel Miranda de Magalhães e outros, solicitando à Assembleia da República a alteração dos artigos do Código de Execução de Penas que permitem a saída das prisões de condenados por crimes violentos.
Para apresentar o projecto de lei do CDS-PP, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Nos últimos cinco anos, foram praticados em Portugal, em média, 420 000 crimes por ano, dos quais 25 000 violentos e graves, numa tendência generalizada de aumento dos crimes, organizados na forma de os cometer, premeditados na decisão de os praticar, sofisticados nos meios utilizados e cada vez mais graves nas consequências para as vítimas.
E, se Lisboa, Porto e Setúbal concentram a maioria dos crimes, a verdade é que começa a ser assim um pouco por todo o País, do interior ao litoral, de Norte a Sul, pois, em 2009, a criminalidade subiu em 13 distritos, com aumentos significativos dos roubos, dos sequestros e dos raptos praticados por associações criminosas.
Exige-se, assim, que as forças de segurança estejam devidamente formadas e equipadas com meios adequados a esta nova criminalidade e as instâncias judiciárias devidamente munidas de leis suficientemente dissuasoras do crime e do sentimento de impunidade que grassa no nosso País.
A verdade, Sr.as e Srs. Deputados, é que, quanto aos meios legais, as forças de segurança, os magistrados e os juízes muito se têm queixado — e bem! — da aprovação, nos últimos cinco anos, de leis a contraciclo, que consagram soluções brandas quando o crime é cada vez mais violento.
Foi assim com as leis penais de 2007, que hoje, todos reconhecem, foram um erro, até o próprio Partido Socialista e outras forças partidárias, que apresentam propostas que vêm ao encontro das propostas do CDS, como o julgamento rápido ou a detenção fora de flagrante delito.
Mas, Sr.as e Srs. Deputados, é preciso ir mais longe e, por isso, esperamos que hoje esta Assembleia possa também corrigir um outro erro grave: o Código de Execução de Penas.
Bem sabemos que, nesta matéria, há um mundo que nos separa e modelos até opostos, quer quanto ao fim da pena quer quanto à reinserção social dos reclusos. Mas, ao menos, naquilo que é de bom senso, que é a defesa da dignidade das vítimas, a autoridade das forças de segurança ou o prestígio das instituições judiciárias, seria bom, Sr.as e Srs. Deputados, que todos pudéssemos fazer um esforço de convergência para alterar três artigos que são três erros graves.

Aplausos do CDS-PP.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, especialmente do Partido Socialista, o Código de Execução de Penas resulta de uma ideia útil — codificar normas dispersas — e prevê até algumas medidas bondosas, que

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poderíamos aceitar. O único problema é que estas soluções, infelizmente, nada têm a ver com o País que temos, com o País onde os portugueses vivem e com o País onde os criminosos praticam crimes.
Falo-vos dos artigos 12.º, 13.º e 14.º, aqueles que, contra o bom senso, permitem que alguém que cometa um crime grave, que seja detido pela polícia em flagrante delito, julgado por três juízes, condenado a uma pena pesada, confirmada por 30 juízes da Relação e do Supremo Tribunal de Justiça, possa, de forma quase automática, por uma decisão de um director-geral nomeado pelo Governo, administrativamente, decretar que essa mesma pessoa — repito, detida pela polícia em flagrante delito, julgada por três juízes, condenada a uma pena pesada, confirmada por 30 juízes da Relação e do Supremo Tribunal de Justiça — possa cumprir apenas um quarto da pena em regime fechado e os restantes três quartos fora do estabelecimento prisional e sem vigilância directa.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Uma vergonha!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sabe-se lá se para continuar a praticar crimes, a coagir testemunhas ou a fugir à justiça!? Isto não é aceitável, Srs. Deputados!

Aplausos do CDS-PP.

Por isso, dizemos que este regime é errado no tempo — no século XIX, no século XX, no século XXI — , pelo simples facto, Sr. Deputado, de ser precipitado e, sobretudo, imoral para com as vítimas e para com a sua família.

Aplausos do CDS-PP.

E, para chegar a esta conclusão, Srs. Deputados, basta falar com os guardas prisionais, com as polícias, com os magistrados, com os juízes e até com os milhares de portugueses que, numa semana, assinaram uma petição que se insurge contra esta lei.

O Sr. António Filipe (PCP): — Foram aldrabados!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Onde é que eles estão?!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Podem também falar, por exemplo, com ex-responsáveis da segurança, com o Sr. Procurador-Geral da República, com o Conselho Superior da Magistratura ou com o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, que manifestaram sérias reservas a esta solução.
Por isso, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, sejamos claros: podemos ter visões políticas diferentes, mas, no plano ético, não é aceitável que alguém que seja condenado a uma pena de 12 anos por ter cometido um crime grave possa cumprir apenas 3 anos em regime fechado, por uma decisão discricionária de um funcionário público. Não é aceitável! Por isso mesmo, o CDS apresenta hoje um conjunto de alterações, que visam alterar este regime.
Desde logo, o regime-regra, que passa a ser o regime comum e não, como agora, o regime aberto. Não se compreende que a regra do cumprimento de uma pena passe a ser o cumprimento dessa pena fora do estabelecimento prisional e só excepcionalmente seja cumprida dentro do estabelecimento prisional. Sr.as e Srs. Deputados, isto é o mundo ao contrário! Não vejo como não conseguem perceber isto! Também em relação ao regime aberto, mantêm-se, a nossa ver, as sérias reservas feitas por várias entidades judiciárias. Mantemos o regime aberto, mas com requisitos mais rígidos, podendo ser concedido, mas apenas com vigilância electrónica e não, como acontece agora, sem qualquer tipo de vigilância; depois de cumprido um período efectivo da pena e não um período meramente simbólico, ou seja, dois terços da pena, tratando-se de crimes com pena inferior a cinco anos, ou três quartos da pena para os crimes mais graves, com pena superior a cinco anos;»

O Sr. Filipe Lobo d’Ávila (CDS-PP): — Muito bem!

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O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — » com objectivos específicos, que os Srs. Deputados da esquerda tantas vezes invocam, que têm em vista a reinserção social, como o exercício de uma actividade laboral ou escolar, a frequência de cursos de formação profissional ou de programas de reabilitação da toxicodependência; e, sobretudo, Sr.as e Srs. Deputados, decretada por um juiz e não por um director-geral nomeado pelo Governo.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Infelizmente — e é bom que percebam isto — , quanto ao crime, Portugal mudou, e mudou muito, e já não é o «País de brandos costumes» de outrora.
Desde 2005, segundo a Polícia Judiciária, o número de crimes cometidos com recurso a armas de fogo triplicou, as associações criminosas duplicaram e, como é evidente também, a população prisional mudou, e muito. É por isto que pedimos uma discussão séria sobre estas propostas.

O Sr. António Filipe (PCP): — Isso é que era bom!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sejamos capazes de ouvir os guardas prisionais, as polícias, os magistrados, os juízes, aqueles que, no dia-a-dia, guardam, patrulham, acusam ou julgam, e tenhamos coragem de emendar a mão, de alterar um erro e de garantir a segurança para os cidadãos. É esta a nossa obrigação.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, dois Srs. Deputados.
Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Seabra.

O Sr. Manuel Seabra (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Magalhães, ouvi com atenção a exposição que fez e também o apelo que fez no final no sentido de termos uma discussão séria sobre o tema, mas quer a motivação que tem sustentado este projecto de lei do CDS-PP, quer a campanha publicitária e panfletária que o foi suportando, quer, ainda, o teor literal da proposta que aqui apresentaram não significam mais do que um exemplar exercício de demagogia.
Vou mostrar-lhe por que razão é um exercício de demagogia e com que ingredientes.
Desde logo, porque confunde a realidade com a ficção e falta descaradamente à verdade, porque, como sabe, não é presenteando este Código com mimos como «ultraje às vítimas», «ofensa às forças de segurança» e «insulto à justiça» que consegue ter uma discussão séria sobre o tema. Tanto mais que o Sr. Deputado sabe bem que o regime aberto virado ao exterior tem tido elevadas taxas de sucesso. O Sr. Deputado não desconhece que o regime aberto virado ao exterior foi um instrumento utilizado profusamente pelo Governo PSD/CDS, no tempo em que VV. Ex.as detinham, justamente, a pasta da Justiça. E V. Ex.ª não desconhece também que o regime aberto virado ao exterior tem tido adesão da comunidade, quer das IPSS, quer das câmaras municipais, quer das empresas.
Mas este exercício de demagogia que o CDS aqui tão profusamente acabou por fazer e que tem vindo a fazer, com algum sucesso, até junto da comunicação social, tem uma consequência mais grave: intimida a população, cria alarme social e instala o pânico, induzindo a falsa ideia de que o juiz não intervém na atribuição do regime aberto voltado para o exterior. Há sempre uma primeira decisão judicial. Não adianta «esconder o sol com a peneira», porque há sempre uma primeira decisão judicial, que VV. Ex.as teimosamente escondem, que VV. Ex.as teimosamente omitem e que VV. Ex.as teimosamente escondem e omitem, no sentido de lançar perturbação, de lançar pânico, de lançar alarme social, de suscitar junto da população insegurança.
É esta, exactamente, a pretensão de VV. Ex.as.

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O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel Seabra (PS): — Vou concluir, Sr. Presidente.
Mais: VV. Ex.as confundem o regime aberto virado ao exterior com liberdade condicional, sabendo, como sabem, que o primeiro implica o regresso diário do recluso ao estabelecimento prisional e só o segundo permite a sua saída.
Sr. Deputado Nuno Magalhães, permita-me que lhe diga que este exercício de demagogia que, nos últimos meses, o CDS-PP tem vindo a desenvolver é, de facto, neste caso absolutamente exemplar e bem-sucedido.
Confundir, como confundiram, o eleitorado, a população, conceitos, intenções, designadamente trazendo para o debate matéria que é claramente matéria de perturbação e de alarme social, é, de facto, um exercício da mais acabada demagogia.

Aplausos do PS.

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Concretize!

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Hugo Velosa.

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Magalhães, naturalmente, para o PSD esta deve ser uma discussão séria, até pela matéria que está em causa.
Ora, pondo a questão de forma séria, gostaríamos de dizer que não compreendemos — e demonstrá-lo-ei na minha intervenção — que o Partido Socialista tenha aceite sozinho este regime aberto ao exterior, ao contrário do que disse aqui o Sr. Deputado Manuel Seabra, e que agora, pelos vistos, queira manter este regime conforme facilmente se demonstrará.
Mas, de forma séria, também queremos dizer que o PSD, através do seu projecto de lei, quer demonstrar que não existe qualquer demagogia naquilo que apresenta mas, sim, que deve haver um alerta para os cidadãos sobre os perigos de um regime como este que entrou em vigor há um mês. Ainda não sabemos o que está a acontecer na prática com este regime, mas que tem enormes perigos»

O Sr. Manuel Seabra (PS): — Não aconteceu nada!

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Ainda não aconteceu nada, mas pode acontecer, Sr. Deputado! Pode acontecer! E o que pode acontecer não é realmente coisa boa em relação à protecção dos direitos dos cidadãos! Gostaria de deixar duas questões ao Sr. Deputado Nuno Magalhães.
A primeira é que nos parece que houve um endurecimento do vosso discurso nesta matéria, não por razões demagógicas, mas não entendemos por que é que o CDS, antes, defendia uma posição diferente em relação a este regime para o exterior, ou seja, bastava o cumprimento de um terço da pena, se ela não fosse superior a 3 anos, e de metade da pena, se fosse superior. Porquê esta alteração e este, diria, exagero de exigir dois terços de cumprimento da pena de prisão, em pena não superior a 5 anos, e de três quartos da pena, se for superior a 5 anos? A segunda questão que lhe quero deixar já foi aqui, de certo modo, colocada e gostaria que fosse esclarecida. O regime proposto pelo CDS para o exterior parece confundir-se com o regime da liberdade condicional e é muito mais exigente do que este último, porque os prazos são completamente diferentes.
Portanto, gostaria que o CDS esclarecesse também esta matéria.

O Sr. Presidente: — Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Magalhães, há um único ponto em que convergimos com o CDS, que é o de que deve haver, de facto, uma competência jurisdicionalizada para a colocação em regime aberto no exterior. É o único ponto em que convergimos, e nem sequer da mesma

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forma, mas discutiremos isso um pouco mais adiante. Em relação ao resto, divergimos, sobretudo no facto de o CDS ter lançado uma campanha de alarme social em torno desta questão.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — E se o alarme social nunca é uma coisa boa, ele é muito pior quando não tem o mínimo fundamento e quando se baseia em puras mistificações e em faltar à verdade.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Exactamente!

O Sr. António Filipe (PCP): — Os senhores dizem que obtiveram, e é verdade, muitas assinaturas para apresentar uma petição, subscrita, em primeiro lugar, pelos Deputados do CDS, solicitando a revisão deste regime, mas os senhores induziram em erro esses subscritores, na forma como lhes apresentaram a petição.

Protestos do CDS-PP.

E porquê? Disse agora mesmo o Sr. Deputado Nuno Magalhães que um preso condenado numa pena gravíssima, de 12 anos de prisão, por três juízes e mais trinta da Relação, ao fim de um quarto da pena é posto cá fora.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Pode ser posto cá fora! Pode!

O Sr. António Filipe (PCP): — Então, Sr. Deputado, pergunto-lhe: por que é que não foi? Se o diploma está em vigor há mais de um mês e meio, por que é que os presos não estão cá fora?

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Gostam de lá estar?!

O Sr. António Filipe (PCP): — Se aquilo que os senhores andaram a dizer fosse verdade, tínhamos, no último mês e meio, cerca de 8000 presos libertados. Tivemos? Não tivemos, Sr. Deputado.
Se fosse verdade o que os senhores têm andado a dizer, o Director-Geral dos Serviços Prisionais não fazia mais nada senão estar, 24 horas sobre 24 horas, a assinar despachos para pôr cá fora 8000 reclusos em regime aberto virado para o exterior. Isto tem acontecido? Não tem! Segundo os dados que foram fornecidos recentemente, há duas pessoas que foram colocadas em regime aberto virado para o exterior. Imaginem! Imaginem a perigosidade social desta medida! Há duas pessoas que vêm cá fora, trabalham cá fora e voltam à noite para o estabelecimento prisional — que perigo para a segurança pública! O País está em pânico! Srs. Deputados, não brinquemos com coisas sérias! Não se confunda o regime aberto virado para o exterior com a liberdade condicional, porque são coisas diferentes, e, sobretudo, tenhamos uma discussão séria sobre estas questões.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — Vamos aprovar um regime coerente, razoável, de colocação de reclusos em regime aberto virado para o exterior que seja compatível, em termos de prazos, com o regime da liberdade condicional, porque os senhores, como nem sequer acautelaram esse ponto — provavelmente, só leram a lei até ao artigo 15.º — , não viram que se prevê, no artigo 72.º, que possa haver uma saída jurisdicional, precária, cumprindo um sexto da pena. Como os senhores não chegaram aí, não repararam nisso e fizeram de conta que, no regime aberto virado para o exterior, não está previsto que ele só possa ser aplicado depois de ter havido uma saída jurisdicional prévia. Fizeram de conta que não viram! Mas, Srs. Deputados, esta não é uma forma séria de discutir estas questões e, por isso, esperamos que deste processo legislativo possa sair uma norma adequada relativamente a esse regime, mas que seja discutida com seriedade e não com base em demagogia e alarmismos sociais.

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Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, antes de mais, agradeço as perguntas que me fizeram.
Os Srs. Deputados acabaram de acusar de pouco sérias, demagógicas ou securitárias as seguintes pessoas ou entidades: Conselho Superior da Magistratura, Sindicato dos Magistrados do Ministçrio Põblico,»

O Sr. António Filipe (PCP): — Não foi nada! Está enganado!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — » Directores das Forças e Serviços de Segurança, Guardas Prisionais, Dr. Laborinho Lúcio, Dr. António Ventinhas, Comissário Paulo Rodrigues, Procurador-Geral da República, Dr. Pinto de Albuquerque e mais 12 000 portugueses que assinaram a petição que está em apreciação.

O Sr. António Filipe (PCP): — E os pauliteiros de Miranda!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Vou recordar-lhe, Sr. Deputado António Filipe, o que diz o Conselho Superior da Magistratura, esses perigosos securitários: «Esta solução trata-se, no mínimo, duvidosa e, por certo, não espelha a consciência ético-jurídica da comunidade, estando por saber se os fins exclusivamente ressocializadores que se pretendem são os únicos a ter em conta, bem como se os mesmos serão suficientemente acautelados, com um alívio tão profundo da reacção penal a uma conduta criminosa necessariamente grave» — palavras do Conselho Superior da Magistratura, Sr. Deputado.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — Eh lá!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Posso também citar o Presidente da República. Quer que o cite, Sr. Deputado? «O conjunto de outros requisitos que é susceptível de criar riscos para vítimas e justo receio de alarme social».
Mas posso citar alguém que está mais perto do terreno, como o ex-Coordenador do Gabinete Coordenador de Segurança: «Portugal está a tornar-se um país para criminosos».
São estes os demagogos que os senhores referem?

O Sr. António Filipe (PCP): — Não! Os demagogos são vocês!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Não são, Sr. Deputado, são pessoas que, simplesmente, sabem o que se passa no nosso País.
Portanto, Sr. Deputado Manuel Seabra, estamos a tratar de questões sérias e de uma forma séria; os senhores é que, de uma forma irresponsável — e, já agora, digo-lhe que leia a proposta de lei n.º 153/IX, do tempo em que o regime aberto virado para o exterior só era concedido em um terço ou em metade da pena e depois de ser concedido o RAVI (Regime Aberto Virado para o Interior). Tenho muito gosto em lhe oferecer uma cópia.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Deputado Hugo Velosa disse que houve um endurecimento da nossa posição, mas não, Sr. Deputado, houve, isso sim, uma mudança. Não diria que o mundo mudou em 15 dias, como o Sr. PrimeiroMinistro, mas o PSD mudou, porque mudaram, de facto, as vossas propostas, vindo ao encontro das nossas.
São iguaizinhas, basta mudar um número ou outro!

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Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Por isso, só para terminar, quero dizer-lhes o seguinte, Srs. Deputados Hugo Velosa e António Filipe: em relação à crítica da liberdade condicional, os senhores podem não estar de acordo com as nossas propostas, mas não podem acusar-nos de falta de coerência. Agora, do que não tenho culpa é de que não tenham lido todos os projectos — aqui, sim, Sr. Deputado António Filipe, não basta ler os artigos todos, temos de ler os projectos todos — ,»

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — » porque, se tivessem lido os projectos todos, percebiam que esta solução que o CDS apresenta no Código de Execução de Penas é, justamente, uma solução coerente com o aumento do limite que apresenta para a concessão da liberdade condicional, no projecto que altera o Código Penal, perceberia isto facilmente e também que é onde está a questão das saídas precárias e a necessidade de maior reforço da rigidez na concessão das saídas precárias.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Portanto, Srs. Deputados, podem fingir que nada se passa — Portugal continua a ser um país de brandos costumes — e que sair a um quarto da pena, por uma decisão discricionária e arbitrária de um director-geral, é um regime adequado e legítimo em democracia. Podem defender isto, Srs. Deputados, mas assumam as vossas responsabilidades, assumam isso perante os portugueses, digam que preferem que seja um director-geral a um juiz de instrução de penas a decidir que alguém que cometeu um crime grave pode ficar preso apenas 3 dos 12 anos a que são condenados pelos juízes.

Aplausos do CDS-PP.

Agora, não venham dizer que a nossa posição é demagógica, que é securitarismo ou que é outra coisa qualquer, porque, da vossa parte, é que é, isso sim, irresponsabilidade, insensibilidade e serão autores morais e cúmplices morais do aumento da criminalidade que se vai, certamente, verificar. Falem com quem anda no terreno!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para apresentar o projecto de lei do Bloco de Esquerda, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este debate, em torno do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade, é um debate que, por um lado, é repetido em relação àquele que foi feito há um ano atrás, na última Legislatura, e, por outro, introduz algumas questões fundamentais e outras muito preocupantes.
O Bloco de Esquerda, aquando da discussão da proposta de lei de Código de Execução de Penas, na sua votação final, optou pela abstenção. E optámos pela abstenção exactamente porque consideramos que tudo o que está contido neste Código é extremamente importante mas é preciso garantir todos os meios para a sua aplicação ou, então, o Código será apenas letra morta.
Aliás, já tivemos a preocupação de transmitir exactamente esta questão ao Sr. Ministro da Justiça e aproveito para dizer que esperamos o decreto-lei que vai trazer todo o regulamento interno de funcionamento do sistema prisional, o qual será uma peça determinante para a avaliação da eficácia deste Código de Execução de Penas, que, como sabemos, não está ainda totalmente completo no seu aspecto legislativo.

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Reputamos esta matéria de muita importância, Sr.as e Srs. Deputados, porque se trata da intervenção e da responsabilidade do Estado no sistema prisional. E não há coisa mais importante do que esta quando queremos falar a sério sobre a prevenção da criminalidade e sobre a reinserção social dos reclusos. Só que, neste debate — parece — , nem todos os intervenientes querem falar a sério e, sobretudo, dizer toda a verdade. Não prestam, com isso, nem um bom serviço à República, nem à democracia, nem sequer, Srs. Deputados, à paz social, que tanto dizem defender.
Começo por registar o diferente tom hoje utilizado pelo Sr. Deputado Nuno Magalhães, na apresentação do projecto de lei do CDS. Dizia o Sr. Deputado que o regime aberto virado para o exterior é quase automático.
Sr. Deputado, quem ouviu o Sr. Deputado Paulo Portas, perante as câmaras de televisão, dizer que todos os criminosos que tinham cometido crimes muito graves seriam postos na rua no fim de cumprirem um quarto da pena, percebe perfeitamente qual é a diferença da introdução deste «quase».

Vozes do BE: — Muito bem!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — E, Sr. Presidente, aproveito este debate para repor alguma verdade que aqui já foi salientada por outros Srs. Deputados, mas que é preciso repetir à exaustão.
O regime aberto virado para o exterior não é uma invenção deste Código de Execução de Penas, já existia, já estava na lei desde 1979. E, desde 1983, há diversas circulares que estipulam as normas concretas deste regime. Estava em circulares, Sr. Deputado Nuno Magalhães, agora, está numa lei da Assembleia da República! E digo-lhe, Sr. Deputado, prefiro que esteja na lei do que em circulares da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais. É outro pormenor que faz aqui toda a diferença!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Prefiro que seja uma boa lei!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Já agora, quero dizer, com todas as letras, que o regime aberto virado para o exterior não é automático. É preciso um conjunto de requisitos cumulativos e, porque tenho tempo para isso, até vou enumerá-los todos.
Em primeiro lugar, é preciso não recear a fuga do recluso ou que este aproveite para delinquir; é preciso a avaliação do comportamento do recluso; é preciso garantir a salvaguarda da ordem pública; é preciso garantir a protecção da vítima; é preciso garantir a defesa da ordem e da paz social; é preciso o cumprimento de um quarto da pena; é preciso que tenha existido uma saída jurisdicional avaliada com êxito; e é preciso que não se verifiquem pendências de processos em que tenha sido aplicada prisão preventiva.
Entre isto e o quase automático, Srs. Deputados, vai uma grande diferença! E importa dizer que é só com este conjunto cumulativo de exigências que um recluso poderá, sublinho, poderá ser colocado em regime aberto virado para o exterior.
Sabemos que existe aqui uma diferença de fundo entre nós, de facto, a qual incide sobre o papel do sistema prisional e a função do Estado. De facto, lendo bem todo o projecto de lei do CDS, afinal, o CDS, que votou contra o Código de Execução de Penas, porque não concordava com ele, limita-se a diminuir todos os prazos que nele estão previstos.
Permita-me que diga, Sr. Deputado Nuno Magalhães, e não me leve a mal, que «a montanha pariu um rato»! Ainda pensei que no vosso projecto viria uma alteração global ao Código de Execução de Penas, mas, não, trata de diminuir os prazos! De facto, a lógica punitiva é preponderante! Admito que existam visões diferentes do problema. Admito que exista uma visão securitária, uma visão mais punitiva. Vamos discuti-la! Contudo, o que não se admite, Srs. Deputados, é que digam coisas que não correspondem à verdade. Isso é que não se admite de maneira nenhuma! E é isso que os senhores têm andado a fazer em torno do debate sobre as alterações ao Código de Execução de Penas.

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Diga o quê! Diga um artigo da lei!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Quero terminar, Srs. Deputados, referindo que o Bloco de Esquerda apresenta um projecto de lei sobre esta matéria. O nosso projecto de lei visa uma alteração concreta e cirúrgica, que não é nova, pois já aquando da discussão do Código em sede de especialidade a

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apresentámos: entendemos que a decisão para a colocação dos reclusos no regime aberto virado para o exterior não deve ser da competência do Director-Geral dos Serviços Prisionais»

Vozes do CDS-PP: — Ah, afinal!»

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Se os Srs. Deputados querem entender a diferença, façam-no; se não querem entender, paciência — digo-lhes com franqueza.
Continuando: entendemos que a decisão para a colocação dos reclusos no regime aberto virado para o exterior deve ser, sim, da competência do juiz do tribunal de execução de penas. Consideramos que é a solução mais adequada e a que melhor salvaguarda quer os interesses do próprio recluso, quer os interesses da sociedade e da ordem pública, que há que preservar.
Por isso, apresentamos este projecto e estamos disponíveis para um debate sério e aprofundado sobre uma matéria que é das mais importantes, que são as condições objectivas que o nosso sistema prisional tem para reinserir e ressocializar os reclusos, e não simplesmente essa visão punitiva que não leva a lado nenhum e que muitas vezes é reprodutora de mais crime.

Protestos do Deputado do CDS-PP Artur Rêgo.

Não queremos isso e batalharemos para que o sistema prisional tenha ao seu dispor todos os meios para aplicar o Código de Execução de Penas, e nisso o Governo tem que ser chamado à responsabilidade. E não pactuaremos, em matérias desta importância e desta responsabilidade, com o facto de não ser dita a verdade toda, ou seja, com o facto de não serem referidos todos os itens da lei e de se fazer demagogia em tornos destas questões.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para apresentar o projecto de lei do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP apresentou um projecto de lei sobre a matéria da execução de penas e medidas privativas da liberdade tendo em conta, fundamentalmente, três ordens de questões que são abordadas no mesmo.
Em primeiro lugar, consideramos que há matérias que constam do Código de Execução de Penas e que são remetidas para o regulamento geral dos estabelecimentos prisionais. Ora, do nosso ponto de vista, deveriam ser reguladas no próprio Código de Execução de Penas porque são matérias extremamente difíceis do ponto de vista dos direitos, liberdades e garantias e, sendo essa matéria da competência exclusiva desta Assembleia, deveria ser o próprio Código a regulá-las.
Estamos a referir-nos, designadamente, a aspectos relacionados com a correspondência dos reclusos, com os direitos dos visitantes, com os direitos de revista a pessoas que visitem reclusos, enfim, aspectos que dado a o seu melindre e a sua sensibilidade deveriam ser directamente regulados por lei e não remetidos para um mero regulamento administrativo.
Portanto, há aspectos que consideramos que deveriam ser regulados no Código. Já fizemos algumas propostas nesse sentido aquando da discussão, na especialidade, e entendemos dever retomar alguns desses pontos, os que nos parecem mais relevantes.
Em segundo lugar, há vários aspectos relacionados com os direitos e os deveres dos reclusos que carecem de alguns ajustamentos relativamente às soluções que foram aprovadas.
No que respeita a estes dois pontos, no essencial, retomamos propostas que tínhamos apresentado aquando da discussão da iniciativa originária que deu lugar a este Código de Execução de Penas.
Há uma terceira ordem de questões, que é a que tem sido aqui mais discutida, que diz respeito ao regime aberto e à liberdade condicional.
Divergimos das concepções constantes dos projectos de lei do CDS e do PSD, principalmente do do CDS.

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A nossa divergência tem que ver com isto: consideramos que o sistema prisional e a aplicação de penas de prisão não têm uma dimensão meramente retributiva, ou seja, punitiva. Alguém que cometeu um determinado crime é condenado a uma determinada pena de prisão, que cumpre, e por aí ficamos. Ou seja, não há uma perspectiva de ressocialização e entendemos que as prisões não podem ser meros armazéns de presos.
A concepção que subjaz ao projecto de lei do CDS, não tanto ao do PSD, é a de que o cidadão nasce criminoso. Trata-se de uma característica inata: quem comete um crime é um criminoso toda a vida, não há ressocialização possível. No limite, é esta a concepção constante no projecto de lei do CDS.
Portanto, no projecto de lei do CDS não há uma perspectiva que pensamos que o sistema prisional deve ter: é que, a par dessa dimensão retributiva (obviamente, quem comete um crime deve ter uma punição que lhe corresponda), deve existir uma outra. Entendemos que o que é importante para que o sistema prisional cumpra a sua função é que a essa dimensão retributiva seja associada uma outra, que é a da ressocialização.
Não devemos perder de vista a possibilidade de o cidadão se ressocializar, encontrando a sua reinserção social depois de ter cumprido a pena de prisão, e de, em determinada parte do cumprimento da pena de prisão, essa ressocialização poder ser preparada. Ou seja, o sistema prisional deve ter uma intervenção relevante que facilite a possibilidade de reinserção social dos reclusos.
É essa dimensão que os senhores não reconhecem e que entendemos que é fundamental que exista no sistema prisional, para a defesa da sociedade. Na vossa concepção, o criminoso, quando sair da prisão, vai cometer crimes outra vez. Não nos conformamos com isso porque pensamos que o que é importante para a defesa da sociedade e dos valores sociais é que possam existir algumas garantias de que aquele cidadão, cumprida a sua pena, vai viver em liberdade e não vai reincidir na actividade criminosa.
É para permitir isso que existem mecanismos como a liberdade condicional e o regime aberto virado para o exterior. Nunca devemos abrir mão dessas possibilidades, porque elas são importantes para defender valores sociais.
Mas vamos, agora, à questão do regime aberto. Admitimos que deve haver uma intervenção judicial, estamos de acordo com isso.
Aliás, de todo aquele vasto elenco que o Sr. Deputado Nuno Magalhães citou, é nesta questão que todos convergimos.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Não é só!

O Sr. António Filipe (PCP): — Mas entendemos mais do que isso: é que não basta — e aqui o nosso projecto de lei distingue-se dos demais — dizer que isto deixa de ser uma competência do Director-Geral dos Serviços Prisionais e passa a ser uma competência dos tribunais de execução de penas, é preciso regular como, porque o Código de Execução de Penas regula exactamente todas as formas de intervenção dos tribunais de execução de penas.
Em primeiro lugar, do nosso ponto de vista, é preciso definir qual é o regime de custas, porque também há regimes de custas aplicáveis aos tribunais de execução de penas, e achamos que deve haver isenção de custas quando se coloca alguém no regime aberto virado para exterior.
Consideramos que não se deve excluir a intervenção administrativa, porque se trata de algo completamente diferente da liberdade condicional, trata-se de uma forma de aplicação da própria pena de prisão, porque o recluso regressa ao sistema prisional.
Portanto, deve haver uma decisão positiva relativamente à aplicação deste regime dada pelo sistema e, obviamente, pelo Director-Geral dos Serviços Prisionais, mas essa decisão não deve ser aplicada sem haver uma homologação judicial. Homologação dada por quem? Dada, do nosso ponto de vista, preferencialmente pelo juiz, pelo menos pelo juízo — entretanto pode ter havido rotação de juízes — , que concedeu previamente a saída jurisdicional a título precário, porque não vale a pena estarmos a repetir processos. Ou seja, se o recluso não pode sair em regime aberto virado para o exterior sem que tenha havido previamente uma decisão judicial que tenha permitido uma saída precária, entendemos que a homologação da decisão de colocação em regime aberto virado para o exterior deve ser feita precisamente pelo mesmo juiz que já conhece o processo, já conhece o recluso e já tomou uma decisão sobre ele.

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Propomos isso em nome do aproveitamento dos actos e porque nos parece que, assim, há garantias de que há uma decisão com maior conhecimento de causa e que, evidentemente, pode salvaguardar melhor a segurança jurídica, que todos nós pensamos que deve ser assegurada.
O que nos leva a pensar que esta decisão deve ser jurisdicionalizada é dar o máximo de garantias de que aquele cidadão não vai aproveitar o regime que lhe é concedido para cometer outros crimes, de que ele vai efectivamente regressar ao estabelecimento prisional e dar garantias de segurança.

O Sr. Presidente: — Faça favor de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. António Filipe (PCP): — Termino, Sr. Presidente, dizendo que, do nosso ponto de vista, esta discussão deve ser feita na especialidade com toda a seriedade e neste ponto pensamos que é possível encontrar uma solução que seja consensualmente aceite e que termine, de uma vez por todas, com a conflitualidade artificial que se tem criado em torno do Código de Execução de Penas.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hugo Velosa.

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Passada a «espuma» desta discussão inicial, um pouco mais acesa, começou a verificar-se que, apesar de tudo, os grupos parlamentares têm alguns pontos de convergências nesta matéria do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, nomeadamente quanto à questão de a decisão ser jurisdicional e não, como sucede no actual sistema, do Director-Geral dos Serviços Prisionais.
Mas, para além desta matéria, há outras que os grupos parlamentares, em coerência com o que defenderam na altura em que foi discutido o Código de Execução das Penas na anterior legislatura, que é bom lembrar que foi aprovado só pelo Partido Socialista e com os votos contra de todos os outros grupos parlamentares»

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Abstenção!

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Tanto quanto me recordo. A Sr.ª Deputada Helena Pinto diz que não mas, pelo menos, são as notas que tenho comigo. Mas o Partido Socialista, efectivamente, foi o único partido que votou a favor e quer o BE, quer o PCP, quer o CDS, quer o PSD, na altura, levantaram várias questões em relação — não participei no debate, mas fui ver às actas — ao Código de Execução de Penas.
Nomeadamente, o PSD colocou a questão da necessidade de haver uma decisão jurisdicional para o regime aberto virado para o exterior.
E deixem que vos diga, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, que entendemos que nenhum cidadão aceitará que um recluso condenado a 12 anos de prisão por crimes graves contra as pessoas saia em regime aberto virado para o exterior ao fim de 3 anos de cumprimento da pena, sem vigilância electrónica e por decisão do Director-Geral dos Serviços Prisionais. Não aceitamos isso e pensamos que nenhum cidadão aceitará esta matéria, por muitas questões que se possam pôr a montante desta decisão de libertar em regime aberto virado para o exterior um condenado.
Por isso, o PSD propõe que a competência para a decisão de colocação dos reclusos em tal regime deve ser do juiz de execução das penas e não do Director-Geral dos Serviços Prisionais, como agora acontece. É de notar que os restantes projectos vão no mesmo sentido, embora no caso do PCP com uma nuance mais mitigada na forma de actuação do juiz, que actuaria a posteriori da decisão do Director-Geral dos Serviços Prisionais. O PSD é coerente nesta proposta com aquilo que defendeu aquando da discussão da lei actual, na legislatura passada.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Para além da questão da competência, o PSD defende que tal regime depende do cumprimento de um terço da pena, em condenação não superior a 5 anos, e de metade da pena, em condenação superior a 5 anos.

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Para nós, e pensamos que também para os cidadãos em geral, é inaceitável a situação que há pouco citei e que ela é inquestionável, mesmo que, na prática, não tenha acontecido nenhuma até agora, até porque a lei só entrou em vigor há um mês, pelo que ainda não sabemos se essa situação não pode, efectivamente, ocorrer a partir deste momento. Por isso se propõe um regime menos aberto e com recurso a meios electrónicos, salvaguardando os efeitos da gravidade e da medida da pena aplicada.
O PSD propõe também alterações ao Código Penal em matéria de crime continuado e de liberdade condicional.
Em matéria de crime continuado propõe-se a eliminação da ressalva final que consta do n.º 3 do artigo 30.º do Código Penal, porque entendemos que esta ressalva final — que diz «salvo tratando-se da mesma vítima» — não é minimamente aceitável. Na verdade, quando há vários crimes praticados sobre a mesma vítima não se diminui, pelo contrário, aumenta-se, a culpa do agente que não pode, dessa forma, ser premiado como é com a actual redacção da lei.
Por fim, o PSD propõe, quanto ao regime de liberdade condicional para condenações com penas de prisão superior a 5 anos por crimes contra as pessoas ou de perigo comum, que a mesma só possa ocorrer após o cumprimento de dois terços da pena, para ser coerente com o que propõe em relação ao Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O debate à volta destas questões, levantadas pelo actual Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade, justifica-se, apesar da sua recente entrada em vigor, com o objectivo de evitar males maiores de uma lei manifestamente inadequada.
Prova disso é o facto de quatro grupos parlamentares, com excepção do PS, apresentarem os seus projectos legislativos contra uma solução inócua, que não tem em atenção a medida da pena aplicada, que a competência em matéria desta importância deve ser jurisdicional, deve competir a um juiz, que o regime aberto no exterior não deve existir sem controlo directo por via de meios electrónicos.
Portanto, o PSD entende que a solução que defende é a mais equilibrada.
Pelas razões que, há pouco, expus nas questões que suscitei ao Sr. Deputado Nuno Magalhães, entendemos que a solução que o CDS propõe é menos equilibrada, nomeadamente quanto à necessidade de cumprimento de dois terços e de três quartos da pena, consoante a pena aplicada.
Por conseguinte, consideramos ser esta a solução coerente com aquela que o PSD já anteriormente defendeu e que prevemos — até porque vamos ouvir entidades que talvez nos confirmem estas nossas dúvidas — que o regime actual é perigoso e não protege as vítimas, não protege os cidadãos que são vítimas do crime.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As questões que estão em discussão são fundamentais para a segurança jurídica e para a segurança dos cidadãos. Espera-se, por isso, que o Partido Socialista, agora sem maioria absoluta, reconheça os perigos do regime em vigor e que esteja disponível também para participar, na discussão na especialidade, em alterações ao Código de Execução de Penas.
Será bom que o Partido Socialista o reconheça agora, que a lei entrou em vigor há pouco mais de um mês, para evitar, conforme eu disse anteriormente, possíveis danos maiores.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Filipe Neto Brandão.

O Sr. Filipe Neto Brandão (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há poucos dias, nesta Assembleia, numa comissão especializada, o Sr. Professor Doutor Faria Costa recordava-nos que o Direito Penal é propenso à teatralização populista.
Mal imaginava eu que, menos de uma semana volvida, o CDS nos brindaria com uma ilustração das palavras daquele concelebrado mestre do Direito Penal.
Como já alguns antecessores aqui o referiram, valha a verdade, aquilo que o CDS nos introduziu enquanto objecto de discussão não passa de uma mistificação que importa denunciar: na verdade, a uma pré-existência virtuosa se teria sucedido a barbárie, a inconsciência, com a libertação massiva de malfeitores, por força da entrada em vigor do novo Código de Execução de Penas — nada mais afastado da verdade! E não sou

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apenas eu que digo. Não podemos deixar de ter presente neste debate que esta matéria já foi objecto de apreciação do Tribunal Constitucional.
Ora, é o Tribunal Constitucional que, depois de fazer uma análise exaustiva do regime de execução de penas nos últimos 30 anos, conclui que, quando comparado o modelo vigente com o modelo do código aprovado, é de concluir que não há diferenças significativas em matéria de pressupostos de autorização do regime aberto no exterior. Antes, como agora, já poderia ter tido lugar a colocação de reclusos em regime aberto voltado para o exterior, quando estivesse cumprido um quarto da pena.
O quem mudou, então? O próprio Tribunal Constitucional responde a esta pergunta. É que as duas diferenças essenciais entre o regime anterior e o actual consistem em haver um claro reforço da jurisdicionalização do regime da execução de penas. E é-o, desde logo, pela intervenção do juiz em dois pontos fundamentais: primeiro, a colocação do recluso em regime aberto no exterior tem sempre como pressuposto o gozo prévio de uma saída jurisdicional com êxito, com a intervenção do juiz; segundo, a decisão de colocação de um recluso em regime aberto no exterior é sempre comunicada ao Ministério Público junto do Tribunal de Execução de Penas (TEP) para verificação da legalidade.
Nada disto acontecia antes da entrada em vigor do novo Código, quando, nomeadamente, o CDS teve a pasta da Justiça, há poucos anos.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Bem lembrado!

O Sr. Filipe Neto Brandão (PS): — Aí, sim, a colocação de reclusos em regime aberto era regida pela discricionariedade, pela arbitrariedade, porque não havia lei. Regia-se apenas por mero arbítrio — discricionariedade, para usar as palavras do Sr. Deputado Nuno Magalhães — do Director-Geral dos Serviços Prisionais.
A Sr.ª Deputada Helena Pinto já expôs — dispenso-me, pois, de o fazer — alguns dos vários requisitos (são bastante extensos) que demonstram que, contrariamente àquilo que foi aqui alegado, estão longe da discricionariedade. Antes pelo contrário, é um poder vinculado, porque são taxativamente enumerados os requisitos para a concessão do regime aberto.
Várias pessoas referiram aqui a necessidade do reforço da intervenção do juiz de execução das penas.
Quero também recordar que se há lição que se pode retirar do acórdão do Tribunal Constitucional é a de que o princípio de reserva do juiz se cumpre não quando o juiz tem a única ou a primeira palavra mas, sim, quando tem a última palavra. Foi por essa razão que o Tribunal concluiu pela constitucionalidade do Código de Execução de Penas.
Portanto, isso basta para sossegar algumas preocupações, que foram aqui reveladas, quanto à necessidade de reforçar a intervenção jurisdicional. Repito que ela está assegurada em dois momentos: no momento anterior à colocação do recluso em regime aberto e também na comunicação obrigatória para verificação da legalidade de todas as decisões que sejam no sentido de colocar um recluso em regime aberto.
Refiro isto, sendo certo que o mesmo quadro consta do Tribunal Constitucional e, portanto, todos os Srs. Deputados que tiveram a oportunidade de estudar o tema puderam constatar que não se justifica qualquer alteração nesta matéria por força do elevado grau de sucesso da aplicação do regime aberto para o exterior.
Como o Sr. Deputado Nuno Magalhães se permitiu citar algumas excelsas figuras, queria também citar a Sr.ª Professora Doutora Anabela Rodrigues, ex-Directora do Centro de Estudos Judiciários, que diz, relativamente ao Código de Execução de Penas o seguinte: «Temos agora, finalmente, o novo Código de Execução de Penas, que só peca por tardio».
O Sr. Desembargador Mouraz Lopes, que sei ser pessoa pela qual todos nós nutrimos particular consideração, também refere que o Código de Execução de Penas é a reforma correcta e pensada à luz de princípios.
Poderia ainda citar vários outros Professores, mas concluo, dizendo — já há pouco alguém o referiu — que, em relação ao CDS, nos separa uma mundividência quanto à finalidade das penas. Se o CDS insiste em trilhar os caminhos da exploração dos sentimentos imediatistas da comunidade, nós compreendemos O que seria grave era que o PSD viesse a alienar os seus pergaminhos em matéria de humanismo e de liberalismo penal, conquistados, justamente, pelos seus fundadores, os Professores Figueiredo Dias e Costa Andrade.
Isso, sim, é que seria lamentável, e a democracia registá-lo-ia!

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Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado Nuno Magalhães pediu a palavra para interpelar a Mesa.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, era para solicitar a V. Ex.ª que possa fazer distribuir um documento, se o permitir.
Faço esta solicitação porque o Sr. Deputado Neto Brandão falou no acórdão do Tribunal Constitucional sobre esta matéria. Ora, o que ele disse é verdade, mas o que não disse também é importante conhecer, nomeadamente as declarações de voto de dois dos Srs. Juízes, entre eles, o Presidente do Tribunal Constitucional, que aconselho a ler.
Com isso, certamente, se perceberá que as dúvidas do CDS são dúvidas também — por exemplo, apenas e só — do Presidente Tribunal Constitucional, que diz só isto: «Divergindo do entendimento perfilhado no acórdão, pronunciei-me pela inconstitucionalidade da norma objecto do pedido».

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, declaro encerrado este debate.
Passamos ao último ponto da nossa ordem de trabalhos, que consiste na discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 22/XI (1.ª) — Regula a utilização de meios técnicos de controlo à distância (vigilância electrónica) e revoga a Lei n.º 122/99, de 20 de Agosto, que regula a vigilância electrónica prevista no artigo 201.º do Código de Processo Penal, e dos projectos de lei n.os 275/XI (1.ª) — Alterações ao Código de Processo Penal (PSD) e 277/XI (1.ª) — Altera o Código Penal, em matéria de crime continuado e liberdade condicional, e o Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, em matéria de regime aberto no exterior e licenças de saída jurisdicionais (PSD).
Para apresentar a proposta de lei, em nome do Governo, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado da Justiça (João Correia): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei que está hoje em discussão visa a ressocialização dos reclusos e, por esta via, aumentar a segurança da sociedade através da redução da reincidência e decorre directamente dos novos institutos criados pela reforma de 2007 do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade.
Todos sabemos que a permanência do agente criminoso num estabelecimento prisional, embora garanta, nesse período, a segurança da sociedade, destrói os vínculos que o mesmo possa ter com a família, com o trabalho, com a formação profissional, com a sociedade em geral. Acresce que este vazio é, muitas vezes, preenchido com a criação de vínculos com outros reclusos, dando origem ao conhecido efeito criminógeno da prisão. Desta forma, o risco de reincidência após o cumprimento da pena aumenta, com graves danos para a segurança da sociedade.
Ora, a vigilância electrónica, mecanismo tecnológico de controlo e acompanhamento do agente do crime fora do estabelecimento prisional, permite, ao mesmo tempo que se garante a segurança da sociedade e as finalidades decorrentes da aplicação de uma pena ou medida de segurança, criar as condições para que o agente, em regra confinado a uma habitação, possa criar ou manter os vínculos essenciais para a sua reintegração social, como pessoa responsável e respeitadora dos valores essenciais da vida em sociedade.
Foi com este pano de fundo, com o qual o Ministério da Justiça se identifica convictamente, que a reforma penal de 2007 e o Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade alargaram as possibilidades de aplicação da vigilância electrónica.
Anteriormente prevista apenas para a chamada «prisão domiciliária», a lei alargou a aplicação da vigilância electrónica aos seguintes casos: execução da pena de prisão efectiva não superior a um ano ou remanescente não superior a esse limite; período de adaptação à liberdade condicional; modificação da execução da pena para reclusos portadores de doença grave, evolutiva e irreversível ou de deficiência grave e permanente ou de idade avançada; afastamento do arguido ou condenado em contexto de violência doméstica, quer antes do julgamento, como medida de coacção, quer depois do julgamento, como pena acessória.

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Estes novos institutos exigem a agora proposta alteração da lei da vigilância electrónica.
Desta forma, a primeira vantagem da nova lei reside, desde logo, em colmatar um vazio legal, dando aos tribunais e aos serviços de reinserção social a base legal para implementar e acompanhar as novas aplicações da vigilância electrónica. Por este motivo, a presente proposta de lei foi saudada por todos os operadores judiciários como pertinente e necessária.
Permitam-me, ainda, salientar, pela novidade e pela sua relevância no combate ao crime de violência doméstica, a regulação da vigilância electrónica para controlar o afastamento do agente face à vítima, seja como medida de coacção, seja como sanção acessória — como, aliás, já disse.
Pretende-se garantir que o agente não se desloque para determinado local, protegendo efectivamente a vítima. Neste momento, existem já sete casos em execução com sucesso.
A utilização dos meios de vigilância electrónica é sempre determinada pelo juiz que avalia a sua adequação ao caso concreto»

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Haja alguém sensato!

O Sr. Secretário de Estado da Justiça: — É só ler a lei, Sr. Deputado! Como eu estava a dizer, a utilização dos meios de vigilância electrónica é sempre determinada pelo juiz que avalia a sua adequação ao caso concreto com base em informações obtidas pelos serviços de reinserção social.
Na decisão pode o juiz fixar regras que entenda necessárias ao objectivo pretendido pela vigilância electrónica. Na execução prevêem-se deveres regulares de informação por parte dos serviços de reinserção social, habilitando o tribunal a acompanhar a execução da vigilância electrónica e a tomar as decisões que entenda necessárias.
As ausências do arguido ou condenado são, em regra, decididas pelo juiz, apenas podendo ser autorizadas pelos serviços de reinserção excepcionalmente e sempre por motivos imprevistos e urgentes.
O controlo judicial de todo o processo é, assim, previsto e reforçado. Tendo em conta um prognóstico favorável sobre o condenado, pode o tribunal, nos casos de aplicação de penas curtas de prisão ou de adequação à liberdade condicional, estabelecer um regime de progressividade, faseando gradualmente os contactos do condenado com o exterior.
A passagem brusca de uma situação de reclusão para contactos exteriores pode frustrar todo um processo de reintegração e causar insegurança e alarme social que o regime de progressividade pode colmatar de forma segura e acompanhamento judicial.
Em síntese, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, trata-se de uma lei necessária e essencial para compatibilizar a efectiva segurança da sociedade com o reconhecimento da dignidade inalienável da pessoa humana, da qual não transigimos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Peixoto.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Nesta matéria de alterações ao Código Penal é bom lembrar que, na reforma penal de 2007, foi o PS o único partido que, espraiado na sua maioria parlamentar, quis que o crime continuado e a pena mais favorável que lhe está associada, que é sensivelmente diminuída, como sabem, fosse aplicável aos delitos em que o criminoso tivesse como alvo a mesma vítima e quando estivesse em causa a violação de bens eminentemente pessoais, como abuso sexual de menores, violações e violações à integridade física.
Se um cidadão violar ou abusar sexualmente de cinco pessoas deve ser, para o PS, condenado por cinco crimes diferentes — o que está correcto; mas se esse cidadão violar ou abusar sexualmente cinco vezes da mesma pessoa, devia, para o PS — e pelos vistos ainda deve — , ser condenado apenas por um crime e, portanto, com uma pena muito mais leve.
Ora, aqui está uma monstruosidade que o PSD quer corrigir e que o PS tem uma oportunidade de ouro — eu diria quase um dever político e jurídico — para acompanhar. Aliás, se o PS quiser ser solidário com o Sr.

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Ministro da Justiça e com o Sr. Secretário de Estado da Modernização Judiciária, que há dois dias, numa conferência sobre crianças desaparecidas e exploradas sexualmente, se mostraram disponíveis para rever o Código Penal nesta parte, seguindo, de resto, o que vem dizendo o PSD e o que acabou de defender o Sr.
Procurador-Geral da República e até a Dr.ª Manuela Eanes, Presidente do Instituto da Criança, e se os Srs. Deputados do PS quiserem ser coerentes deviam votar favoravelmente o projecto do PSD, tendo aqui uma boa hipótese para se retratarem e para emendarem a mão da aberração jurídica que criaram e que é tão atentatória da dignidade da pessoa humana e dos interesses das vítimas, que o PSD sempre quis e quer preservar. Aliás, este assunto já foi focado, mas pela sua importância voltarei a ele.
Tanto assim é que o PSD vem também propor a reposição da regra de que a liberdade condicional só possa ser concedida quando estejam cumpridos 2/3 da pena, em vez de metade da pena, como impôs o PS ao revogar o artigo 61.º, n.º 4, do Código Penal.
Já se sabe que esta medida do anterior governo, e ainda mantida por este, leva a um esvaziamento das cadeias, mas também leva a um enchimento das ruas de pessoas que deviam estar nas cadeias.
O PS e o Governo apostam na brandura, na condescendência e na benevolência, criando a ideia de que, afinal, o crime compensa; o PSD aposta no equilíbrio entre a necessidade de ressocialização dos condenados e a necessidade de prevenção geral e especial das penas.
O PS e o Governo preocupam-se com a estatística, com motivações economicistas e, essencialmente, com os direitos dos condenados; o PSD preocupa-se com a paz, com a tranquilidade pública e, essencialmente, com os direitos das vítimas, sem descurar, obviamente, os direitos dos condenados.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Por isso mesmo, o PSD propõe que se recupere a norma que permite a concessão de liberdade condicional em penas superiores a cinco anos de prisão depois de atingidos 2/3 da pena.
Relativamente ao Código de Processo Penal, o que o PSD lamenta é que se não fosse a inusitada precipitação do PS e do seu anterior governo, que quis que a reforma de 2007 entrasse em vigor de afogadilho, logo 15 dias após a sua publicação, não dando sequer tempo para que fosse experimentada, não estaríamos hoje, porventura, a procurar reformar essa reforma.
Concluo, dizendo que a posição do PS nestas matérias pode merecer o aplauso de alguns reclusos e condenados por crimes graves, mas merece, especialmente, a rejeição do PSD e, mais do que tudo, o profundo lamento das vítimas e da comunidade em geral.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr. Secretário de Estado da Justiça: Estamos a proceder à discussão conjunta de dois projectos de lei do PSD e de uma proposta de lei do Governo, relativamente à qual, na generalidade, estamos de acordo com o reforço da utilização dos meios electrónicos, notando-se no artigo 7.º o bom senso de essa vigilância electrónica ser concedida apenas e só por despacho do juiz, ao contrário do que o PS há pouco defendeu, já que com o regime aberto em termos do código de execução de penas pode ser concedida por um qualquer director-geral. Há, pois, mais bom senso, pelo menos nessa matéria, e não só.
Aliás, julgo que esse regime pode e deve ser alargado a outros casos — e não estou a desvalorizar esse —
, não só aos que falou, que são importantes, e que têm a ver com violência doméstica, para os quais as propostas do CDS têm em muito contribuído, nomeadamente na alteração da detenção fora do flagrante delito, e que se trata de uma medida relativamente à qual, na generalidade, nada temos a opor, embora iremos propor algumas alterações na especialidade.
Quanto aos projectos de alteração ao Código Penal e ao Código de Processo Penal e ao Código de Execução de Penas, apresentados pelo PSD, trata-se de propostas muito idênticas às já apresentadas pelo CDS-PP, embora um pouco mais tímidas, quer quanto à liberdade condicional, quer quanto ao Código de

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Execução de Penas, mas de cujos princípios não discordamos, até porque temos a concepção de que a execução da pena deve também ter uma parte retributiva. Aliás, há pouco, o Sr. Deputado António Filipe dizia que o CDS pretende fazer de cada prisão uma espécie de armazém. Não, não é verdade. Mas o que o CDS também não pretende é fazer da prisão um hotel, que é aquilo que o PCP e a esquerda mais radical pretendem fazer, defendendo que passam lá a noite e depois de dia andam por lá quando bem lhes apetece.

Aplausos do CDS-PP.

Não é isso que o projecto de lei do PSD propõe. E também por não ser isso, ou seja, por não pretender ser uma prisão-hotel, nós teremos, obviamente, oportunidade de viabilizar os dois projectos de lei do PSD.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente. — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei que o Governo hoje apresenta merece toda a atenção do Bloco de Esquerda. Pensamos que fazia falta no nosso ordenamento jurídico, porque as questões relacionadas com a vigilância electrónica são um passo significativo na humanização em relação às penas privativas da liberdade, mas são também um sinal de modernidade, em que a sociedade demonstra a sua capacidade de, por um lado, punir e de, por outro lado, reinserir, pelo que irá merecer o voto favorável da bancada do BE.
Em relação ao projecto de lei do PSD de alterações ao Código de Processo Penal, do qual temos estado à espera para iniciar o processo na especialidade, em matérias fundamentais temos posições comuns, pelo que o viabilizaremos. Em sede de especialidade, juntamente com os outros diplomas que já lá estão, será possível fazer um bom documento com alterações cirúrgicas ao Código de Processo Penal.
Relativamente ao outro projecto de lei, também apresentado pelo PSD, quero dizer, em primeiro lugar — e permitam-me este desabafo — , que lamento a vossa opção legislativa de misturar o Código Penal com o Código de Execução de Penas. Em relação à matéria do Código Penal, quero dizer que o BE está 100% de acordo. Aliás, apresentámos, na última Legislatura, um projecto de lei sobre esta matéria que não foi viabilizado — o PSD não votou a favor, mas isso já foi no passado. Mas gostava mais que fosse só o crime continuado e não tivesse o Código de Execução de Penas, embora perceba. E gostaria de evidenciar as diferenças, quer de concepção quer das medidas propostas, entre aquilo que é proposto pelo PSD e aquilo que é proposto pelo CDS-PP, havendo diferenças a assinalar.
Portanto, relativamente às questões do crime continuado, consideramos ser uma matéria que é preciso alterar. Não se compreende, não se aceita que em crimes contra as pessoas, como é o caso do abuso sexual de crianças, mas também das violações e da violência doméstica, possa ser aplicado o crime continuado quando do que se trata é de uma soma de muitos e muitos crimes, muitas vezes praticados ao longo de anos e anos, que deve contar, sim senhor, para a pena a aplicar a quem cometeu esses crimes.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Oneto.

A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Partido Socialista saúda a proposta de lei que o Governo aqui nos traz hoje, considerando-a necessária, como referiu a Sr.ª Deputada Helena Pinto, no sentido da humanização das penas e também tornando a medida de coacção de prisão preventiva cada vez mais subsidiária relativamente à prisão domiciliária.
Quanto às alterações ao Código de Processo Penal constantes do projecto de lei do PSD, elas vão no sentido daquilo que já foi aprovado na generalidade por esta Assembleia, pelo que, em sede de especialidade, iremos, com certeza, discuti-las e analisá-las em pormenor.

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Relativamente à questão do crime continuado, o Partido Socialista está naturalmente aberto a discuti-la, mas há que ver bem o que é que estamos a fazer, porque aquilo que a última alteração nesse sentido fez foi tornar norma aquilo que era a jurisprudência e a doutrina de anos»

Vozes do PSD, do PCP e do BE: — Não é verdade!

A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — É exactamente o que ali está! E mais: nos crimes de violação contra menores não é possível haver crime continuado, porque há uma maior culpa do agente e não uma diminuição do agente, como exige o artigo 30,º, n.º 2.
Mas, meus senhores, não fiquem perturbados, porque nós estamos dispostos a rever isto. Em sede de especialidade, analisaremos isto e os senhores irão trazer os acórdãos em que, após a revisão de 2007, tenha havido alteração ao crime continuado tal como ele vinha a ser entendido pela jurisprudência. É a própria jurisprudência que diz que aquilo que se introduziu em 2007 mais não foi do que verter na lei toda a doutrina jurisprudencial que, desde o tempo do Prof. Eduardo Correia, aquando da revisão do Código, em 1964, tem vindo a ser aplicado.
Mas, meus senhores, lá estaremos, em sede de especialidade, para analisarmos estas questões, que, pelos vistos, vos passa um pouco à margem.
Quanto à alteração à concessão da liberdade condicional, entendemos que também temos de estudar isto muito bem em sede de especialidade, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas, porquanto (e deixe-me dizer-lhe, Sr. Deputado Nuno Magalhães, se me permite) os senhores andam distraídos desde 1995, porque desde essa data que a culpa é limite e não fundamento da pena; deixámos de ter um regime retributivo, para ter um regime de aprovação. E os senhores, desde então, nada fizeram sobre isto e querem agora vir introduzir, por via lateral, estas situações.
É isto que diz, precisamente, o nosso Código, que a metade da pena é o limite mínimo que o legislador entende para a prevenção geral. Repito, a metade da pena. Ela não é automática. Os senhores confundem estas situações. Entendem sempre que qualquer liberdade condicional é automática. Não, não é! Não é automática! Depende, depois, da prevenção especial. O limite mínimo que o legislador entende para a prevenção geral é a metade da pena. Se coincidir com a prevenção especial, o arguido, naturalmente, sairá na metade da pena.
Perturba-vos isto, mas, meus senhores, é assim que deve ser.
Em todo o caso, direi que, em sede de especialidade, lá estaremos para debater todas estas questões.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Sem prejuízo das reservas que referirei adiante, a proposta de lei relativa à vigilância electrónica merece, da parte do PCP, concordância, particularmente naquilo que se refere ao alargamento da vigilância electrónica, já não só dizendo respeito ao cumprimento da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação mas também naquilo que diz respeito à execução de penas e às medidas previstas no âmbito da violência doméstica, e, portanto, este alargamento merece a nossa concordância.
Relativamente a outras questões que neste âmbito se colocam, até com maior sensibilidade, no que diz respeito à necessidade de consentimento do arguido ou do condenado, também merecem concordância, da parte do PCP, as opções que o Governo encontrou, sem prejuízo, como dizia, das reservas que vou passar a referir.
A primeira destas reservas tem a ver com a verificação de voz referida na alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º, uma vez que consideramos que este mecanismo da verificação de voz poderá ter de ser ponderado no que respeita à necessidade e à proporcionalidade da utilização deste meio, tendo em conta os fins que se pretendem atingir. Ou seja, considerando os fins a que se destina a vigilância electrónica, há que saber se é ou não necessário, para atingir estes fins, a utilização da recolha de voz dos visados pela vigilância electrónica, porque entendemos que, deste ponto de vista, talvez a monitorização telemática posicional seja

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suficiente e não haja necessidade de introduzir um novo mecanismo de perturbação, relativamente àquilo que é o respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, que, também neste âmbito, não podem deixar de ser limite à actuação.
A segunda destas reservas prende-se com a alínea c) do n.º 1 deste mesmo artigo. A existência de uma referência não concretizada a outros meios tecnológicos que venham a ser reconhecidos como idóneos, consideramos que pode não garantir aqui alguma limitação, que, neste âmbito, deve ser tida em conta. E isto porquê? Porque a possibilidade de efectuar a vigilância electrónica com a utilização desta norma aberta como uma referência não concretizada a outros meios tecnológicos que possam vir a ser reconhecidos como idóneos não garante, do nosso ponto de vista, o respeito por aqueles direitos, liberdades e garantias que devemos ter em conta, particularmente porque isto permite que a Direcção-Geral de Reinserção Social possa vir a utilizar outros meios, que, neste momento, não sejam conhecidos, e, portanto, sem haver um juízo adequado, quanto à possibilidade de utilização desses meios que venham a ser reconhecidos como idóneos.
Julgamos ser mais ponderado não fazer esta referência e, se, eventualmente, da evolução tecnológica, vier a verificar-se a possibilidade de utilização de outros meios, então, em face dessa realidade concreta, integrá-la nesta lei sobre a vigilância electrónica.
Em relação à recolha de imagens de rosto e amostras de voz, conforme prevê o artigo 9.º, nos seus n.os 3 e 4, queremos deixar aqui a necessidade de garantir maior concretização, relativamente ao controlo da utilização deste tipo de elementos. O n.º 3 prevê que a recolha de imagens de rosto só possa ser acedida por agentes intervenientes nas operações de vigilância electrónica com a finalidade de reconhecimento do vigiado, mas não prevê qualquer tipo de controlo para a utilização deste tipo de elementos. Tendo em conta o seu melindre, julgamos mesmo necessário ponderar uma possibilidade de controlo da utilização destes elementos, porque é, de facto, uma matéria melindrosa.
Por último, uma referência que se cruza com o n.º 2 do artigo 9.º e n.º 2 do artigo 29.º. Atribui-se, no artigo 9.º, à Direcção-Geral de Reinserção Social a possibilidade de recorrer aos serviços de outras entidades para adquirir, instalar, assegurar e manter o funcionamento dos meios técnicos utilizados na vigilância electrónica, aliás, à semelhança daquilo que já fazia a lei de 1999. Portanto, mantém-se esta disposição. O problema é que, no quadro desta lei, alarga-se o âmbito de aplicação da vigilância electrónica. Ora, considerando este alargamento,»

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, queira concluir.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, vou concluir.
Como eu dizia, considerando este alargamento, incluindo a definição de uma base de dados e a possibilidade de estas outras entidades terem acesso a essa base de dados, entendemos que devem ser incluídas reservas que não constavam da lei de 1999 em relação ao recurso a outras entidades. Obviamente que percebemos que a Direcção-Geral não disponha da capacidade de produção, por exemplo, dos meios que são necessários para o cumprimento da vigilância electrónica. Agora, julgamos que este recurso a entidades externas à Direcção-Geral de Reinserção Social deve ter, nesta lei, reservas que não tinha na lei de 1999, por força do campo de aplicação ser mais restrito, mas, sem prejuízo destas reservas que acabei de referir, o PCP está de acordo com os traços gerais da proposta de lei e, portanto, não votará contra, inviabilizando a sua aprovação.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, dou por concluídos os nossos trabalhos de hoje.
A próxima reunião realizar-se-á amanhã, dia 28 de Maio, às 10 horas, e da ordem do dia constará a discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 154/XI (1.ª) — Elimina as restrições de acesso ao Provedor de Justiça por parte dos elementos das Forças Armadas (BE) e 159/XI (1.ª) — Garante o exercício do direito constitucional de queixa ao Provedor de Justiça em matéria de defesa nacional e das Forças Armadas (Primeira alteração à Lei Orgânica n.º 1-B/2009, de 7 de Julho, e revogação da Lei n.º 19/95,

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de 13 de Julho) (PCP); a discussão conjunta dos projectos de resolução n.os 6/XI (1.ª) — Plano Nacional de Redução da Vulnerabilidade Sísmica (PCP), 129/XI (1.ª) — Redução da vulnerabilidade sísmica do edificado (PSD), 140/XI (1.ª) — Recomenda ao Governo a adopção de medidas para reduzir os riscos sísmicos (BE) e 145/XI (1.ª) — Redução da vulnerabilidade sísmica do edificado (CDS-PP); a discussão do projecto de resolução n.º 23/XI (1.ª) — Carta da Terra (Os Verdes); a apreciação conjunta do Decreto-Lei n.º 33-A/2010, de 14 de Abril, que aprova as bases da concessão do projecto, construção, financiamento, manutenção e disponibilização, por todo o período da concessão, da concessão RAV Poceirão/Caia, da ligação ferroviária de alta velocidade entre Lisboa e Madrid [apreciação parlamentar n.º 34/XI (1.ª) (CDS-PP)], e dos projectos de resolução n.os 142/XI (1.ª) — Recomenda ao Governo que suspenda por um período mínimo de três anos o projecto de construção de uma linha de alta velocidade entre Lisboa e Madrid (PSD), 144/XI (1.ª) — Pela dinamização do investimento público e modernização do transporte ferroviário (PCP) e 150/XI (1.ª) — Pela defesa da modernização da rede ferroviária nacional, incluindo a construção da linha de alta velocidade Lisboa/Madrid (BE); e, finalmente, a discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 158/XI (1.ª) — Procede à primeira alteração à Lei n.º 4/2008, de 7 de Fevereiro, que aprova o regime dos contratos de trabalho dos profissionais de espectáculos e estabelece o regime de segurança social aplicável a estes profissionais (PS), 247/XI (1.ª) — Define o regime socioprofissional aplicável aos trabalhadores das artes do espectáculo e do audiovisual (PCP), 248/XI (1.ª) — Estabelece o regime de segurança social dos trabalhadores das artes do espectáculo (PCP), 99/XI (1.ª) — Estabelece o regime social e de segurança social dos profissionais das artes do espectáculo (BE), 100/XI (1.ª) — Estabelece um regime especial de segurança social e de reinserção profissional para os bailarinos profissionais de bailado clássico ou contemporâneo (BE) e 163/XI (1.ª) — Estabelece o regime laboral e de certificação e qualificação dos profissionais das artes do espectáculo e do audiovisual (BE) e do projecto de resolução n.º 152/XI (1.ª) — Recomenda ao Governo a criação do Estatuto de Bailarino Profissional da Companhia Nacional de Bailado (PS). Haverá, ainda, votações regimentais às 12 horas.
Sr.as e Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 47 minutos.

Imagens projectadas pelo Deputado do PCP Bruno Dias no decurso da intervenção que proferiu relativa ao
debate de actualidade, requerido pelo PCP, sobre o aumento dos preços dos transportes públicos


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Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Socialista (PS)
Alberto Bernardes Costa

Partido Social Democrata (PSD)
José de Almeida Cesário
José Mendes Bota

Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS)
Luísa Maria Neves Salgueiro
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo

Partido Social Democrata (PSD)
José Eduardo Rego Mendes Martins
Luís Filipe Valenzuela Tavares Menezes Lopes
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto
Maria Luísa Roseira da Nova Ferreira de Oliveira Gonçalves
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.


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