I SÉRIE — NÚMERO 30
50
Um ficheiro de dados desta natureza contém necessariamente dados pessoais. Mas os dados de saúde,
não deixando de ser dados privados e pessoais, são, para além disso, dados sensíveis, o que justifica que
sejam objecto de uma abordagem especialmente cautelosa.
Toda esta matéria está cuidadosamente regulada em instrumentos jurídicos de natureza internacional
vertidos na nossa ordem interna, como convenções do Conselho da Europa, directivas da União Europeia e
Carta dos Direitos Fundamentais, e tem ainda respaldo constitucional, leis aplicáveis detalhadas e uma
doutrina abundante, à qual me referi no relatório que apresentei, onde citei, designadamente, o nosso Colega
Deputado Paulo Mota Pinto, enquanto Professor de Direito. Existe, para além disso, uma jurisprudência
detalhada e valiosa.
Relevam neste domínio, designadamente, os princípios da intervenção mínima, da proporcionalidade, do
consentimento, da adequação, da precaução e da prevenção, bem como o da aferição da concreta finalidade.
Este último aspecto merece uma afinação clara que permita conciliar, de forma inequívoca, o instrumento com
os objectivos a atingir.
Por sua vez, o sistema em si deverá conjugar simplicidade, flexibilidade, qualidade das redes,
sensibilidade, estabilidade, temporalidade e idoneidade da informação e adequada protecção e segurança,
entre outros.
Daqui decorre a indispensabilidade de um acurado trabalho na especialidade, que consagre o respeito
pelos princípios e pelos atributos do sistema para que fique assegurada a prossecução correcta dos objectivos
que o tratamento de dados visa alcançar. Se o fizermos, e estou certa disso, estaremos a servir bem o SNS, a
colocar o cidadão no seu centro e a salvaguardar bem os seus direitos fundamentais, como é bem o nosso
dever.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino
Soares.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A presente proposta de lei suscita-nos
dúvidas de duas ordens de razões.
A primeira dúvida é em relação ao uso de mecanismos que têm a ver com a invasão da vida privada das
pessoas, sobre os quais deve haver a máxima cautela e uma utilização muito parcimoniosa, porque o uso
destes mecanismos, ainda por cima numa área especialmente delicada como é a da saúde, tem exigências
que impõem que a sua utilização seja feita quando não há outro mecanismo para atingir um determinado fim e
quando esse fim justifica a utilização destes meios.
Ora, aquilo que o Governo apresenta nesta proposta de lei tem alguma gravidade, porque se trata de um
enorme risco. Trata-se de constituir bases nacionais com informação de saúde, que tanto quanto parece serão
permanentes — facto que é assinalado no último parecer da Comissão Nacional de Protecção de Dados, que
não é exactamente aquilo que o Sr. Secretário de Estado da Saúde disse em relação à proposta de lei. Isso
leva a que possa ser constituída uma base com toda esta informação, que, em determinadas circunstâncias,
poderá ser apropriada na sua informação por entidades externas, que a usarão de forma muito perversa e
perniciosa.
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Mas poderá como?!
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Basta pensarmos em seguradoras, em entidades empregadoras, e
tudo o mais.
Quando legislamos sobre bases de dados desta gravidade, temos que o fazer não em função do que se
deseja seja o funcionamento normal, em que evidentemente se supõe que nenhuma entidade externa vai ter
acesso a estes dados, mas pensando que as coisas podem correr mal.
Em matéria de protecção de dados, o princípio tem que ser de precaução acrescida e tem que se olhar
para as situações em concreto presumindo que podem correr mal, porque isso é que garante a protecção das