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22 DE OUTUBRO DE 2011

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A verdade é que o que está em causa com a proposta de lei n.º 19/XII (1.ª) é a aprovação pela Assembleia

da República de uma autorização legislativa ao Governo, estabelecendo que, «sob proposta dos Conselhos

Superiores respectivos, devidamente fundamentada, pode ser reduzida por diploma legal do Governo a

duração do período de formação inicial referido no n.º 1».

Ora, sendo certo que nada impede a Assembleia da República de conceder ao Governo autorizações

legislativas em matéria de reserva relativa de competência legislativa, a verdade é que tais autorizações

legislativas têm obrigatoriamente de respeitar os limites constitucionais estabelecidos para o efeito.

As autorizações legislativas concedidas pela Assembleia da República ao Governo em matéria de reserva

relativa de competência legislativa têm de respeitar os limites estabelecidos pelos n.os

2 a 5 do artigo 165.º da

Constituição da República Portuguesa e pelos artigos 187.º e 188.º do Regimento da Assembleia da

República.

Será útil, neste plano da definição dos limites constitucionais impostos à concessão de autorizações

legislativas da Assembleia da República ao Governo, mobilizar alguma da doutrina constitucional existente.

Das posições assumidas sobre a matéria por Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição Portuguesa

Anotada, Tomo II, Coimbra Editora, 2006), e Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República

Portuguesa Anotada, Vol. II, Wolters Kluwer, Portugal, Coimbra Editora, 2010), relevam as seguintes

considerações:

a) na autorização legislativa não há transferência ou alienação de poderes. A Assembleia da República não

cede faculdades atribuídas pela Constituição nem renuncia ao seu exercício;

b) a lei de autorização tem de definir tanto o objecto como a extensão da autorização — autorizações em

branco ou globais subverteriam a distribuição constitucional de competências;

c) a cada matéria ou segmento de matéria objecto de autorização não pode corresponder mais que um

acto legislativo do Governo;

d) a lei de autorização tem de definir o sentido da autorização, isto é, o objectivo e a orientação

fundamental a seguir pelo decreto-lei ou pelo decreto autorizado;

e) a autorização legislativa não só cessa com o termo da legislatura, a dissolução e a demissão como não

se transmite ou renova automaticamente com a nomeação de um novo governo ou a eleição de uma nova

Assembleia da República;

f) a autorização legislativa não pode ser para todo o tempo ou por tempo indeterminado, sob pena de se

destruir a regra da reserva de competência;

g) a autorização tem de ser, pelo mesmo motivo, por um tempo relativamente curto, pelo tempo adequado

e necessário e se esse tempo não for suficiente poderá ser prorrogada;

h) é questão duvidosa a de saber se a autorização legislativa exige lei autónoma ou se pode ser incluída

em leis materiais. Com excepção do teor literal do n.º 2 do artigo 165.º nada parece impedir a segunda

hipótese, desde que as normas autorizantes preencham os requisitos constitucionais de autorização

(delimitação material e temporal);

i) não é obrigatório que a autorização seja acompanhada de um projecto do futuro decreto-lei, mas ela não

pode ser um «cheque em branco».

Atento o conteúdo da proposta de lei n.º 19/XII (1.ª), estamos, de facto, perante uma autorização legislativa

que desrespeita vários dos limites impostos pelas normas constitucionais.

A ser aprovada a proposta de lei, tal significaria que o Governo — o actual ou outro que lhe venha a

suceder — ficaria autorizado por tempo indeterminado a alterar, tantas vezes quantas as propostas dos

Conselhos Superiores o permitissem, regras referentes a matéria de reserva relativa de competência

legislativa da Assembleia da República, o que não poderá pois significar menos do que uma proposta de

autorização que subverte a distribuição constitucional de competências.

Além disso, a prática parlamentar de fazer acompanhar a proposta de autorização legislativa do projecto de

decreto autorizado não é cumprida, e compreende-se porquê.

Considerando que se trata de uma proposta de autorização legislativa em branco, cujos exactos termos

apenas seriam definidos por decisão do Governo a partir de proposta fundamentada dos Conselhos

Superiores, torna-se impossível o Governo apresentar à Assembleia da República o projecto de decreto que

pretende ter autorização para publicar mas cujo conteúdo ainda desconhece.