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I SÉRIE — NÚMERO 37

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Como se sabe, o órgão competente que cria a Lei tem também competência para a interpretar, modificar,

suspender ou revogar. Nessa medida, suscitadas dúvidas importantes sobre o exacto conteúdo ou alcance da

Lei, o órgão que a editou pode proceder à sua interpretação autêntica, através de uma nova lei. «Para que

uma Lei nova possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos: que a solução do

direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova Lei se situe dentro

dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador e o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os

limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da Lei. Se o julgador ou o intérprete, em face de

textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adoptar a solução que a Lei nova vem consagrar, então

esta é decididamente inovadora»1.

Para apurarmos se a norma agora introduzida é meramente interpretativa ou se apresenta carácter

inovatório não basta, naturalmente, atendermos à declaração feita pelo legislador na epígrafe. São inúmeros

os exemplos de regras falsamente interpretativas, i.e., de normas que, sendo materialmente inovadoras, se

apresentam como tendo carácter interpretativo, orientando-se, frequentemente, no sentido da defraudação de

determinadas regras legais. Evidentemente que a declaração do carácter interpretativo não logra transformar o

preceito de inovador em interpretativo, nem permite deixar de o olhar à luz do seu verdadeiro carácter.

O que se verifica, no caso, é uma norma aparentemente interpretativa mas, na realidade, inovadora, que

vem estabelecer que uma determinada percentagem das receitas geradas nas Regiões — pertencente nos

termos do artigo 227.º da CRP a estas pessoas colectivas — será, afinal, atribuída não ao seu titular

constitucional (a Região) mas aos municípios: em consequência, o Estado deduzirá imediatamente a

transferência das receitas da Região e passará a transferir a receita da Região para pessoas colectivas

distintas (os municípios da Região).

Não existem dúvidas de que a solução é inconstitucional por afectar a titularidade das receitas regionais

constitucionalmente consagrada. O artigo 227.º, n.º 1, alínea j), é directa e imediatamente violado. Os

Estatutos e a LFR devem regular os termos em que as receitas são atribuídas à Região, tratando aspectos

como, v.g., o da cobrança e entrega a esta das receitas, mas não podem, nunca, retirar receitas à Região.

Muito menos o pode fazer a LFL, que, além de materialmente inconstitucional (por não respeitar a afectação

constitucional das receitas), é organicamente inconstitucional: a Lei «interpretativa» (ainda que tenha valor

reforçado: a LOE) integra-se na Lei de valor comum (a LFL), sendo que, no caso, apenas a própria LFR

poderia regular o problema das receitas regionais (e nunca no sentido em que a Lei autoqualificada como

interpretativa o faz, porquanto materialmente inconstitucional).

Conclui-se, em suma, no sentido da inconstitucionalidade das normas dos artigos 202.º da proposta de

LOE para 2012 e 185.º-A da proposta de revisão da LOE para 2011.

Não é compreensível que, num momento de crise, bastante mais acentuada em regiões insulares e

ultraperiféricas, em que a grande dependência do exterior leva a que os bens e mercadorias (80% é

importado) tenham um custo acrescido (transporte que envolve os «fretes» marítimos e aéreos dos mais caros

do mundo), se agrave as finanças regionais com encargos que a lei só pode impor à República, sob pena de

grave inconstitucionalidade, por ofensa da autonomia, como se demonstrou.

Os Deputados do PSD, Guilherme Silva — Cláudia Monteiro de Aguiar — Correia de Jesus — Hugo

Velosa.

——

Os signatários desta declaração abstiveram-se na votação da proposta de lei n.º 26/XII (1.ª), que procede à

segunda alteração à Lei n.º 55-A/2010, acompanhando o sentido de voto do Grupo Parlamentar do Partido

Socialista.

Face à relevância desta matéria e à sensibilidade do momento em que se realiza esta votação, quando se

aproxima o debate e votação do Orçamento do Estado 2012, entendem explicitar que a abstenção só se

justifica em razão da natureza técnica deste instrumento.

1 BAPTISTA MACHADO, Introdução ao direito e ao discurso legitimador, Coimbra, 1997, 247.

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