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Sexta-feira, 30 de março de 2012 I Série — Número 90

XII LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2011-2012)

REUNIÃOPLENÁRIADE29DEMARÇODE 2012

Presidente: Ex.ma Sr.ª Maria da Assunção Andrade Esteves

Secretários: Ex.mos

Srs. Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos Abel Lima Baptista

S U M Á R I O

A Sr.ª Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas

e 8 minutos. Deu-se conta da entrada na Mesa do projeto de lei n.º

206/XII (1.ª) e do projeto de resolução n.º 266/XII (1.ª). Em declaração política, a Sr.ª Deputada Sónia

Fertuzinhos (PS), a propósito do Boletim de Primavera do Banco de Portugal, que reviu em baixa o crescimento para 2012, teceu críticas às políticas económicas e sociais seguidas pelo Governo e respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Mariana Aiveca (BE), Adão Silva (PSD), Adolfo Mesquita Nunes (CDS-PP) e João Ramos (PCP).

Em declaração política, o Sr. Deputado Miguel Tiago (PCP) censurou o Governo por não defender uma política cultural e de apoio às artes, tendo, depois, respondido a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Inês de Medeiros (PS) — que também usou da palavra em interpelação à Mesa —, Catarina Martins (BE) e Ana Sofia Bettencourt (PSD).

Em declaração política, a Sr.ª Deputada Catarina Martins (BE) insurgiu-se contra a política energética do Governo. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Hortense Martins (PS) e Agostinho Lopes (PCP).

Foi discutido o projeto de resolução n.º 252/XII (1.ª) — Recomenda ao Governo a promoção de incentivos ao empreendedorismo jovem (PSD), tendo usado da palavra os Srs. Deputados Cláudia Monteiro de Aguiar (PSD), Duarte Cordeiro (PS), Hélder Amaral (CDS-PP), Rita Rato (PCP) e Ana Drago (BE).

Procedeu-se à apreciação conjunta do projeto de lei n.º 173/XII (1.ª) — Altera o Código Civil, estabelecendo um estatuto jurídico dos animais (PS), na generalidade, e da petição n.º 80/XII (1.ª) — Apresentada por Ana Paula R. T. Cruz (Dirigente da Associação Portuguesa de Direitos dos Animais e do Ambiente) e outros, solicitando à Assembleia da República o cumprimento do artigo 13.º do Tratado de Lisboa, que Portugal assinou e ratificou, e consequente e imediata alteração dos Códigos Civil e Penal, na parte

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respeitante aos animais, seres sencientes, e não «coisas móveis». Intervieram os Srs. Deputados Pedro Delgado Alves (PS), Cristóvão Norte (PSD), José Luís Ferreira (Os Verdes), Teresa Anjinho (CDS-PP), Pedro Filipe Soares (BE) e João Oliveira (PCP).

Foram discutidos, na generalidade, os projetos de lei n.os

204/XII (1.ª) — Altera o Decreto-Lei n.º 55/2009, de 2 de março, de modo a contemplar o fornecimento de pequeno-almoço nos apoios alimentares escolares (Os Verdes) e 155/XII (1.ª) — Cria o programa de pequeno-almoço na escola (BE) conjuntamente com os projetos de resolução n.

os 247/XII (1.ª) — Recomenda ao Governo que pondere a

criação de instrumentos que garantam o acesso ao pequeno-almoço aos alunos mais carenciados do ensino obrigatório (PS) e 266/XII (1.ª) — Recomenda ao Governo que pondere a criação de mecanismos que garantam o acesso a uma refeição matinal aos alunos cuja situação de

carência lhes impede o acesso à refeição em casa (CDS-PP e PSD). Proferiram intervenções os Srs. Deputados Heloísa Apolónia (Os Verdes), Ana Drago (BE), Rui Pedro Duarte (PS), Amadeu Soares Albergaria (PSD), Inês Teotónio Pereira (CDS-PP) e Rita Rato (PCP).

Foi ainda discutido, na generalidade, o projeto de lei n.º 33/XII (1.ª) — Revoga o Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de junho, alargando o acesso e repondo critérios mais justos na atribuição dos apoios sociais (PCP), tendo-se pronunciado os Srs. Deputados Jorge Machado (PCP), Adriano Rafael Moreira (PSD), João Paulo Pedrosa (PS), Artur Rêgo (CDS-PP) e Mariana Aiveca (BE).

Deu-se conta da entrada na Mesa dos projetos de resolução n.

os 269 a 272/XII (1.ª).

O Sr. Presidente (António Filipe) encerrou a sessão eram 18 horas e 10 minutos.

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A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 8 minutos.

Sr.as

e Srs. Deputados, antes de mais, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (Paulo Batista Santos): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e

foram admitidos pela Sr.ª Presidente, o projeto de lei n.º 206/XII (1.ª) — Aprova o regime de regularização de

cidadãos estrangeiros indocumentados (PCP), que baixa à 1.ª Comissão, e o projeto de resolução n.º 266/XII

(1.ª) — Recomenda ao Governo que pondere a criação de mecanismos que garantam o acesso a uma

refeição matinal aos alunos cuja situação de carência lhes impede o acesso à refeição em casa (CDS-PP e

PSD), que baixa à 8.ª Comissão.

Em termos de expediente, é tudo, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, vamos entrar na ordem do dia.

Peço aos Srs. Deputados que tomem os vossos assentos, porque há um grande ruído na Sala, que,

normalmente, perturba a primeira intervenção.

Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos.

A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Este é um Governo que se

limita a ir atrás da recessão.

Senão vejamos: o Governo diz estar preocupado com as previsões do desemprego. Qual a resposta?

Corrige em alta as previsões do desemprego. O Governo diz estar preocupado com o enquadramento

internacional da economia portuguesa. Qual a resposta? Corrige em baixa as previsões de crescimento.

Vozes do PSD: — Não é verdade!

A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): — O Governo diz que está preocupado com a degradação dos indicadores

económicos. Qual a resposta? Corrige em baixa, e pela quarta vez, as previsões do PIB.

Vejamos, Sr.as

e Srs. Deputados: em julho de 2011, o Ministro das Finanças previu -1,7; em agosto de

2011, o Ministro das Finanças previu -1,8; em outubro de 2011, o Ministro das Finanças previu -2,8; em janeiro

de 2012, o Ministro das Finanças previu -3; em fevereiro, o mesmo Ministro das Finanças previu -3,3 de queda

no crescimento do PIB.

Hoje mesmo, o relatório do Banco de Portugal revê em baixa o crescimento para 1012, que passa de 3,3

para 3,4, sendo que as previsões para 2013 passam de 0,3 para 0, ameaçando assim as garantias do

Primeiro-Ministro, que ontem disse que 2013 seria já um ano de crescimento económico — e saliento que

estamos apenas em março e que faltam nove meses para o fim do ano.

Mas este é um Governo que vai atrás da recessão, porque é um Governo que se resigna, não apenas no

plano nacional mas também no plano europeu.

O Sr. Carlos Zorrinho (PS): — Muito bem!

Vozes do PSD: — Não é verdade!

A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): — No plano nacional, só um governo resignado é que pode aceitar e dizer

aos portugueses que é inevitável empobrecer, como só um governo resignado pode dizer aos jovens mais

qualificados de sempre que a solução para o seu futuro é emigrar, como só um governo resignado pode dizer

que a varinha de condão para o aumento da nossa competitividade é alterar o Código do Trabalho, alteração

que se submete às virtudes da desregulação das relações laborais, tendo o patrão cada vez mais poderes e

os trabalhadores cada vez menos direitos.

Aplausos do PS.

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Do mesmo modo, só um governo resignado no plano europeu é que nunca junta a sua voz àqueles que se

levantam para questionar a política económica europeia e que, pelo contrário, está sempre, sempre, sempre

ao lado daqueles que se resignam à crise ou daqueles que beneficiam com ela.

Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Este Governo tem adotado várias vezes a conhecida expressão de

que as crises são sempre oportunidades e que esta crise também é uma oportunidade. A pergunta é a

seguinte: uma oportunidade para quem e para fazer o quê?

O Sr. Carlos Zorrinho (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): — Uma oportunidade para a nossa economia, reforçando e acelerando as

condições de modernização e inovação do nosso tecido económico, apostando na otimização e qualificação

da gestão e organização das empresas, desde logo das pequenas e médias empresas, aproveitando para

reforçar a qualificação dos trabalhadores e das trabalhadoras?

Uma oportunidade para os portugueses e para as portuguesas de verem as suas capacidades valorizadas

e aproveitadas ao máximo?

Ou uma oportunidade para esta maioria de direita e este Governo fazerem o que a direita ou o outro

governo de direita em Portugal nunca tiveram condições para fazer: liberalizar ao máximo o mercado,

reduzindo ao mínimo o Estado?

Aplausos do PS.

Entre o caminho da conciliação possível, difícil mas possível, da consolidação orçamental com uma

estratégia que não desiste do crescimento e do emprego, que é o mesmo que dizer que não desiste de

Portugal e dos portugueses, a maioria e o Governo escolhem uma combinação de dois caminhos: ir mais

longe na austeridade do que o acordado com a troica e sobreviver politicamente às consequências

económicas e sociais da opção pela sobreausteridade governar do contra os anteriores governos do PS e

contra o PS.

Se quiséssemos equiparar este Governo a uma empresa, este Governo só poderia ser uma empresa de

demolição:…

O Sr. Carlos Zorrinho (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): — … destrói as Novas Oportunidades, desprezando o envolvimento de

mais de um milhão de portugueses no programa; paralisa a requalificação do parque escolar; destrói o

caminho que Portugal estava a fazer com sucesso, de afirmação como líder mundial de energias renováveis;

põe em causa o acesso e os ganhos em saúde que o Serviço Nacional de Saúde alcançou nos últimos 33

anos, decidindo aumentar os cortes na saúde para o dobro do previsto no Memorando; desperdiça a geração

mais qualificada de sempre como um ativo indispensável ao País, limitando-se a aceitar que essa geração vá

para fora; destrói o equilíbrio de austeridade e proteção social dos trabalhadores, reformados e famílias, ao

mesmo tampo que resume as políticas sociais ao assistencialismo.

Se houvesse dúvidas sobre o que acabo de dizer, bastava recordar o que disse o Governo no debate sobre

o QREN, pedido pelo Partido Socialista, e cito: «Estamos a desmantelar uma a uma, as irresponsabilidades do

Partido Socialista dos últimos anos.» Quais irresponsabilidades? As Novas Oportunidades, a política da

energia, entre outras.

Aplausos do PS.

Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Governar contra o PS pode servir a estratégia de sobrevivência

política e os objetivos do Governo, mas não serve os interesses dos portugueses e das portuguesas.

A verdade é só esta: Portugal está muito pior hoje do que estava quando este Governo tomou posse…

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O Sr. João Figueiredo (PSD): — Que descaramento!

A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): — … e os riscos de cairmos numa espiral recessiva, que arrastará esta

crise no tempo, são cada vez maiores.

Que fique claro: ninguém exige ou exigiria ao Governo que oito meses depois de tomar posse resolvesse a

crise e a desse por ultrapassada, mas hoje sabemos que as opções deste Governo, desde logo a opção de ir

mais longe do que a troica, estão a aumentar as dificuldades às pessoas e à economia.

O PS sabe hoje, como sempre soube desde o início da crise, que as dificuldades são muitas e que

estamos numa situação difícil. Assumiremos sempre as nossas responsabilidades, mas quero deixar bem

claro à maioria que começa faltar tempo para o PSD e o PP escolherem outro caminho.

De uma coisa ninguém tenha dúvidas: o PS não abdicará de ser responsável na defesa dos interesses do

País, mas também ninguém nos limita ou condiciona no nosso dever de maior partido de oposição, no dever

de defender o País e no dever de denunciar, de combater, de tudo fazer para que as políticas que

consideramos erradas não conduzam Portugal para uma recessão sem fundo e da qual ninguém saberá muito

bem como sair.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Mariana Aiveca,

Adão Silva, Adolfo Mesquita Nunes e João Ramos.

Tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Aiveca.

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos, trouxe-nos aqui

questões muito importantes e leituras com as quais comungamos, nomeadamente no que respeita ao

crescimento económico e às medidas tomadas por este Governo.

De facto, se é verdade que o Primeiro-Ministro nos diz que, em 2013, a economia vai crescer, ainda que

timidamente, as previsões do Banco de Portugal, conhecidas hoje, desmontam claramente toda essa

perspetiva. O que o Banco de Portugal nos vem dizer — e isso é assustador — é que este ano vão perder-se

170 000 postos de trabalho e que a recessão vai continuar fruto das políticas deste Governo.

Assim, o que lhe queria perguntar, Sr.ª Deputada, é o seguinte: afinal qual é a posição do Partido Socialista

face a estas medidas? E também qual é a sua postura face a algumas delas, concretamente às alterações ao

Código do Trabalho? É que parecer que o Partido Socialista está numa situação periclitante em cima do muro,

ou seja, não sabe muito bem como se equilibrar…

O que a Sr.ª Deputada nos disse sobre o Código do Trabalho é certo e nós comungamos da sua opinião;

agora, o que é necessário que os portugueses e portuguesas saibam é se têm o Partido Socialista claramente

do lado do Governo da troica, acatando as suas medidas e até aprofundando-as, ou se temos um Partido

Socialista que vai no sentido inverso e que se põe, como a Sr.ª Deputada disse na sua intervenção, ao lado

daqueles que querem leis de trabalho condizentes com a situação e que querem proteção aos desempregados

que também respondam a esta situação.

Por isso mesmo, essa definição é necessária e absolutamente límpida que seja feita pelo Partido

Socialista.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Adão Silva.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos, é sempre um prazer ouvi-la.

V. Ex.ª disse algumas coisas que vale a pena atentar e revisitar. V. Ex.ª disse que este é o Governo da

demolição… Mas, Sr.ª Deputada, do ponto de vista das leis da física, como é que um Governo, como este,

pode ser «da demolição», se o Governo anterior, do Partido Socialista, deixou o País no chão?

Vozes do PSD: — Muito bem!

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O Sr. Adão Silva (PSD): — Essa parte da sua intervenção não sou capaz de perceber!

Aplausos do PSD.

Os senhores atiraram o País para o chão, os senhores puseram o País de rastos e obrigaram a assinar um

acordo de financiamento internacional…

A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — E assinaram!

O Sr. Adão Silva (PSD): — … e agora dizem que este Governo, que está a reerguer o País, a relançar os

portugueses, é um governo «da demolição»!?

Sr.ª Deputada, há aqui qualquer coisa que não bate certo e tenho a certeza que também não bate certo na

sua cabeça, para lá das necessidades da figuração retórico do seu discurso.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Adão Silva (PSD): — É também figurativo quando diz que este Governo está a ir mais longe do que

a troica. Mas V. Ex.ª e o Partido Socialista já se divorciaram da UGT? É que a UGT, num parecer que acaba

de dar sobre a apreciação da lei laboral, que esteve ontem em discussão, diz uma frase perentória, isto é, que

em nenhuma proposta, a proposta de lei laboral vai além daquilo que estava previsto no Memorando que os

senhores assinaram. Afinal, como é possível este entendimento da parte de alguém que está tão próximo do

Secretário-Geral da UGT?! Não se percebe, Sr.ª Deputada!

Diz V. Ex.ª que há uma insensibilidade social, que a despesa social está a apertar, que não está a apoiar

os mais fracos. Mas V. Ex.ª viu, por acaso, os números da execução orçamental da Direção-Geral do

Orçamento referente ao mês de fevereiro? Se viu, constatará que a sua afirmação não é verdadeira. Porque a

despesa social, sobretudo em pensões, provocada pelo aumento das pensões mínimas — 3,1% —, provocada

pelo aumento do subsídio de desemprego e do rendimento social de inserção, está a crescer de forma

inequívoca, como, aliás, é dito pela Direção-Geral do Orçamento.

A Sr.ª Presidente: — Queira terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Termino, Sr.ª Presidente, com uma palavra de otimismo.

V. Ex.ª diz, e confessa aqui, que o Partido Socialista é um partido responsável, e nós esperamos bem que

seja. Então, diga-nos, no âmbito dessa responsabilidade, como é que vão votar, amanhã, a proposta de lei do

Código do Trabalho.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos.

A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Mariana Aiveca, agradeço a sua

questão.

De facto, o desemprego pode preocupar-nos a todos e acredito que preocupe a todos sem exceção. A

questão é a atitude daqueles que têm maior responsabilidade perante esses números do desemprego, desde

logo, o Governo.

Entendo que, se há palavra que resume e classifica a entrevista do Sr. Primeiro-Ministro feita ontem, é

mesmo a da resignação. Algumas das frases que pudemos retirar da entrevista do Sr. Primeiro-Ministro são

bem a prova disso. Perante o número esmagador do desemprego jovem, a resposta do Sr. Primeiro-Ministro é

«os jovens devem procurar melhores oportunidades. Há muitos jovens portugueses a procurar oportunidades

noutros mercados e eu não os posso censurar por isso».

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Era o que faltava!

A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): — O que se esperava de um Primeiro-Ministro era que dissesse «eu estou

a fazer tudo e vou fazer tudo para que estes jovens encontrem o seu emprego e para que o País não

desperdice a geração mais qualificada de sempre, porque sem ela não haverá futuro».

Aplausos do PS.

Em relação ao Código do Trabalho, Sr.ª Deputada, a posição de Partido Socialista é muito clara: honrar os

nossos compromissos, desde logo com o Memorando, não significa em momento algum aceder a populismos

e à demagogia com que, por exemplo, o Governo defende o corte dos feriados em Portugal,…

Aplausos do PS.

… quando os portugueses já são dos trabalhadores que mais horas trabalham na União Europeia.

Mas cumprir o Memorando da troica e, para o Partido Socialista, cumprir também com as nossas

responsabilidades não significa fragilizar as relações laborais desequilibrando de uma forma inadmissível a

relação entre patrões e trabalhadores.

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — E?!

A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): — Por isso, Sr.ª Deputada, não tenho dúvidas de que, se o Partido

Socialista estivesse no Governo, havia opções claramente diferentes das que o Governo hoje adota com o

mesmo Memorando que o Partido Socialista negociou.

Aplausos do PS.

Já agora, Sr. Deputado Adão Silva, direi que o Partido Socialista foi, de facto, obrigado a negociar um

pedido de ajuda externa com a troica por uma razão simples: é que os senhores — e, diga-se de passagem,

com o apoio da extrema-esquerda — chumbaram o PEC 4.

Vozes do PS: — Exatamente!

Vozes do PCP e do BE: — Ahh!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Já estava a demorar! PEC 4! PEC 4!

A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): — Os Srs. Deputados e as Sr.as

Deputadas escusam de fazer esse ar

divertido, porque foi, de facto, o chumbo do PEC 4…

Protestos do PCP e do BE.

A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): — Sr.ª Presidente, vejo-me obrigada a falar um bocadinho…

A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, é melhor não obrigarem a Sr.ª Deputada a gritar para se fazer ouvir,

senão desconto o tempo só a partir do momento em que a Sr.ª Deputada se faça ouvir.

Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): — Sr.ª Presidente, sobretudo com as minhas dificuldades auditivas, ainda

me vejo obrigada a gritar mais.

Sr.as

e Srs. Deputados, a verdade é esta: se houve um pedido de ajuda externa feito pelo anterior Governo

para Portugal foi porque os senhores provocaram uma crise política quando chumbaram o PEC 4.

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Aplausos do PS.

E chumbaram o PEC 4 em nome da austeridade, em nome de que não podiam ser sempre sobre os

mesmos. Chumbaram o PEC 4 porque eram inadmissíveis os sacrifícios que esse documento exigia aos

portugueses.

A verdade, Sr.as

e Srs. Deputados, é que, chegados ao Governo o PSD e o PP, de facto, as ilusões

acabaram.

O Sr. Primeiro-Ministro disse ontem que não vendia ilusões. Pois é! Vendeu-as todas antes de ganhar as

eleições! Todas!

Aplausos do PS.

O Sr. Deputado vem aqui falar em reerguer o País. Sr. Deputado, reerguer o País com os números de

desemprego que temos hoje?! Reerguer o País com os cortes de subsídios que os senhores disseram que

nunca fariam e, afinal, fizeram?! Reerguer o País com um aumento de impostos que até incomodou o CDS-

PP, que já não sabia muito bem como posicionar o seu discurso?!

A Sr.ª Presidente: — Queira terminar, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): — Vou terminar, Sr.ª Presidente.

Reerguer o País quando, ainda hoje, o Banco de Portugal vem rever, mais uma vez, as perspetivas de

crescimento em baixa e o Governo será obrigado a, rapidamente, fazer a quinta revisão em baixa para 2012?!

Repito, a quinta, Srs. Deputados.

Aplausos do PS.

O Sr. António Filipe (PCP): — Ai PEC 4, PEC 4!

A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Adolfo Mesquita Nunes.

O Sr. Adolfo Mesquita Nunes (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos, começou

por nos dizer aqui que, se o PS estivesse no Governo, as opções seriam diferentes. Mas o PS esteve no

Governo quase ininterruptamente desde 1995…

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — É verdade!

O Sr. Adolfo Mesquita Nunes (CDS-PP): — … e a recessão que nós hoje temos não é consequência de

oito meses de Governo, é consequência do vosso desgoverno durante 15 anos!!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

«Se o PS estivesse no governo», parece-me uma expressão bastante saudosista para quem acabou de

deixar o País na pré-bancarrota e com a necessidade de pedir ajuda externa.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos, tentou ensaiar aqui uma espécie de dicotomia entre austeridade e

crescimento. Durante o vosso consulado, Portugal não teve qualquer austeridade, mas o crescimento que teve

foi de zero ou perto de zero.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

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Portanto, convosco nem austeridade, nem crescimento!

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Adolfo Mesquita Nunes (CDS-PP): — E, já agora, nem austeridade burra, nem austeridade

inteligente. Não houve austeridade, nem houve crescimento!

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Adolfo Mesquita Nunes (CDS-PP): — Falou também no desemprego jovem, uma chaga importante

que este Governo tem já reconhecido. Mas aquilo que a juventude portuguesa herdou do governo socialista foi

a maior dívida pública de sempre.

Vozes do CDS-PP: — Exatamente!

O Sr. Adolfo Mesquita Nunes (CDS-PP): — Os senhores deixaram a juventude portuguesa endividada

durante décadas. As crianças que vão nascer já estão a dever dinheiro ao Estado por causa das vossas

políticas e do vosso governo!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — É tudo «farinha do mesmo saco»!

O Sr. Adolfo Mesquita Nunes (CDS-PP): — Como é possível vir aqui falar de desemprego jovem e não

reconhecer na juventude… Sim, é a geração mais qualificada de sempre, mas é também a geração mais

endividada de sempre por políticas vossas, políticas públicas do Estado português!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Olhe a fatura dos submarinos!

O Sr. Adolfo Mesquita Nunes (CDS-PP): — Termino com esta pergunta: no dia 21 de fevereiro, o

Secretário-Geral do Partido Socialista criticou o Primeiro-Ministro português por não ter assinado a carta que

David Cameron enviou, juntamente com outros primeiros-ministros, à Comissão Europeia. Presumo, portanto,

que a crítica que o Secretário-Geral do Partido Socialista fez foi a recusa do Governo português em aderir às

políticas que estavam descritas nessa carta. A Sr.ª Deputada leu essa carta? Então, vou dizer-lhe o que

consta dessa carta: flexibilização da legislação laboral;…

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Um!

O Sr. Adolfo Mesquita Nunes (CDS-PP): — … eliminação das regulações do mercado financeiro;…

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Dois!

O Sr. Adolfo Mesquita Nunes (CDS-PP): — … abertura dos mercados;…

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Três!

O Sr. Adolfo Mesquita Nunes (CDS-PP): — … transposição da diretiva Recursos.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Quatro!

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O Sr. Adolfo Mesquita Nunes (CDS-PP): — É isto que o Partido Socialista defende? É esta agenda liberal

de David Cameron, que não me cabe a mim aqui qualificar se boa, se má?! É essa a vossa alternativa?!

Então, têm bom remédio: candidatem-se novamente, mas com um programa que não é socialista, porque a

agenda de David Cameron é muito distinta do discurso que acabou de nos fazer.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Ramos.

O Sr. João Ramos (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos, mais uma vez, a Sr.ª

Deputada trouxe-nos aqui o fado da «desgraçadinha do PS» a acusar o PCP de se ter aliado à direita, quando,

no concreto, o que se passou foi o ex-primeiro-ministro que pediu a demissão.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — «Deu à sola»!

O Sr. João Ramos (PCP): — Nós não nos enganamos nos nossos inimigos. Os senhores é que se

enganaram nos aliados. Tiveram aliados durante algum tempo e depois cortaram esta aliança.

Nós nunca nos enganamos, porque os inimigos do PCP não são o PS, são as políticas de direita, quer

sejam praticadas pelo PSD e pelo CDS, quer sejam praticadas pelo PS.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Deputada escolheu hoje um dia interessante para vir aqui falar dos direitos dos trabalhadores. É que

ontem não podiam falar nisto porque estávamos a discutir o Código do Trabalho; amanhã, também não podem

porque vamos votar o Código do Trabalho. Então, hoje é o dia ideal para falarmos neste assunto.

Aplausos do PCP.

Aliás, os últimos tempos têm sido os ideais para o PS mostrar-se de esquerda. Entre as responsabilidades

da anterior governação e a ambição da próxima governação é a altura ideal para se mostrarem um partido de

esquerda!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. João Ramos (PCP): — O relatório da Primavera do Banco de Portugal, infelizmente, não nos traz

novidades, uma vez que, sobre estes resultados, há muito o PCP acusa que eles iriam acontecer. O Governo

revê em baixa a recessão, numa altura em que há quebra do consumo privado, em que as famílias estão

como estão, em que as dificuldades financeiras são imensas e em que se prevê uma destruição do emprego

que ronda os 174 milhões. Não há nada de novidade, é algo que já temos vindo a acusar.

Mas a Sr.ª Deputada, que hoje nos disse, da tribuna, que uma das preocupações era a de que os

trabalhadores tinham cada vez menos direitos, tem agora oportunidade de dizer — e isso já hoje lhe foi

perguntado mas ainda não nos disse nada ou disse muito pouco sobre o assunto — que posição terá o PS

relativamente ao Código do Trabalho. Isto porque a Sr.ª Deputada falou dos compromissos, mas gostava de

lembrar que o maior compromisso deve ser com o povo português, porque foi o povo português que elegeu

toda a bancada do PS, assim como os restantes Deputados. É com esse compromisso que a Sr.ª Deputada

devia preocupar-se e é em relação a esse compromisso que tem explicações a dar aos portugueses.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos.

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Lá vem o PEC 4.

A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Adolfo Mesquita Nunes, retomou o

discurso, que dá imenso jeito ao CDS-PP e ao PSD, sobre o desgoverno do PS nestes últimos anos.

Falando daquela que será a nossa herança, gostaria de lhe fazer uma pergunta: o Governo nos últimos

dias, e nos últimos tempos, tem puxado muito por um dado que considera muito positivo, que é o do

desempenho das nossas exportações. O Sr. Deputado acredita mesmo que o desempenho das exportações

em Portugal, no último semestre do último ano e agora, resultam das políticas fantásticas deste Governo?

O Sr. Adolfo Mesquita Nunes (CDS-PP): — Eu nunca disse isso!

A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): — O Sr. Deputado acha que as nossas empresas exportadoras teriam a

performance que têm hoje se o País não tivesse sabido investir nos últimos anos na inovação, na tecnologia,

na qualificação? Se as exportações e as nossas empresas exportadoras conseguem exportar como exportam

hoje, é porque a última década e, seguramente, tudo aquilo que o País tem feito desde que está em

democracia, não foram uma oportunidade perdida.

O Sr. Adolfo Mesquita Nunes (CDS-PP): — São os empresários. Os empresários é que fazem as

exportações. É mérito deles!

A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): — Recordo também, Sr. Deputado, que não é por acaso que o nosso País

tem desde 2008 uma balança tecnológica positiva.

Como também não é por acaso, Sr. Deputado, que foi possível entre 2005 e 2011 reduzir o abandono

escolar em 16%.

Como também não é por acaso, Sr. Deputado, que somos dos países exemplo na redução da pobreza

entre os idosos nos últimos anos, aqueles que o senhor diz que são perdidos.

Como também não é por acaso, Sr. Deputado, que a reforma da segurança social é uma reforma que, hoje,

continua a garantir a sustentabilidade da segurança social.

Os Srs. Deputados perguntam: não estamos em crise? Claro que estamos em crise.

Vozes do CDS-PP: — Ah!

A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): — Porém, isso é diferente de dizer que tudo o que foi feito até agora foi

mal feito, só porque foi feito pelo PS! E, quando os senhores ignoram — e pelo caminho destroem — muitos

dos sucessos que não o PS mas o País conseguiu construir nos últimos anos, os senhores estão a destruir e a

diminuir as nossas capacidades para vencermos esta crise.

Aplausos do PS.

E, Srs. Deputados, quem, em tempos, negou a crise internacional não foi esta bancada, foram as vossas

bancadas.

Aplausos do PS.

Quem, em tempos, desdenhou a necessidade de consolidação orçamental e votou contra todas as

medidas de consolidação orçamental, propostas pelo anterior Governo, foram as vossas bancadas e não esta,

Srs. Deputados.

Aplausos do PS.

Protestos do CDS-PP.

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Portanto, como eu disse, a diabolização do PS pode servir a estratégia de sobrevivência política deste

Governo,…

O Sr. Adolfo Mesquita Nunes (CDS-PP): — A vossa!

A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): — … para poder amortecer os efeitos da sobreausteridade que impõe aos

portugueses, para finalmente conseguir reduzir o Estado àquilo que sempre achou que devia estar reduzido,

que é ao mínimo essencial e indispensável, mas isto nada tem a ver com a realidade da governação do PS,

sempre que esteve no governo, nem com a realidade do que este PS defende hoje para o País.

Sr. Deputado João Ramos, até porque já ultrapassei largamente o tempo de que dispunha, vou só lembrar-

lhe algo que o anterior Governo disse — incomodando, novamente, o PSD e o PP — no dia ou nos dias a

seguir à oposição ter chumbado o PEC 4, lembrando aos Srs. Deputados da extrema-esquerda qual era a sua

responsabilidade. Dizia o, então, Governo: «e se os senhores acham que já é o FMI que governa, então,

desenganem-se, porque é caso para dizer que ainda não viram nada». Infelizmente, tínhamos razão!

Aplausos do PS.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — E o que é que isso quer dizer?! Não percebi!

A Sr.ª Presidente: — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Tiago.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: O Governo PSD/CDS está a aplicar uma

política de desvalorização da cultura e das artes, através de um garrote financeiro às estruturas de criação,

aos grupos de teatro, às companhias de dança, aos artistas, aos realizadores, cancelando, à margem da lei, a

realização de concursos para o apoio às artes.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exatamente!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — É a imposição de uma outra forma de censura, de outros modos e por outras

vias — é certo! —, mas de deliberada censura sobre a criação cultural e artística e, assim, também sobre a

fruição.

É grave que o Governo não cumpra a lei, mas não é estranho. É, aliás, um sinal da sua natureza de classe,

da natureza política deste Governo, que entende a cultura apenas como uma mercadoria e não como uma

expressão humana e um direito de todos.

É uma opção política pela generalização da mediocridade, pela aculturação e colonização cultural, pela

massificação de uma cultura orientada exclusivamente para o lucro e para a instrumentalização da consciência

do indivíduo e do coletivo, a política da monocultura imposta pela grande distribuição, uma espécie de prisão

intelectual do entretenimento, onde a livre expressão artística é subjugada ao investimento dos grandes

grupos de produção e distribuição.

Milhares de cidadãos, rapazes e raparigas, homens e mulheres, participam democraticamente em

processos criativos, individuais ou coletivos, cooperativos, empresariais ou associativos, fabricando o tecido

cultural que mantém viva a identidade nacional e que a renova a cada dia que passa, através das mais

diversas formas de expressão: o teatro, o cinema, a pintura, a escultura, a literatura, a dança, o movimento.

Esses cidadãos, esses grupos de teatro, essas companhias, esses realizadores, independentemente da

qualidade e da quantidade das suas produções, só podem continuar a criar se o Governo cumprir a

Constituição e garantir os apoios do Estado.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Muito bem!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Esses milhares de criadores não têm o apoio dos gigantes cinematográficos,

não têm o amparo da grande distribuição livreira nem do monopólio editorial, que vem silenciando quem ousa

escrever diferente, nem têm meios para anunciar as suas peças de teatro nos grandes jornais.

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E se é verdade que a não realização dos concursos de apoio às artes e o estrangulamento financeiro, por

redução dos apoios a meio de contratos-programa bienais e quadrienais, tal como a não realização dos

concursos para o apoio à produção cinematográfica, o desmantelamento da Tobis, a fragilização da DGArtes

(Direção-Geral das Artes), o subfinanciamento dos teatros nacionais, se é verdade que tudo isto sacrifica a

produção e impede a livre criação artística, não é menos verdade que essas políticas limitam o acesso a esses

produtos culturais, por se tornarem inexistentes. Se o Estado não apoia as artes, os portugueses não deixam

apenas de poder produzir teatro, dança ou cinema, os portugueses deixam de poder ir ao teatro, à dança e ao

cinema. A liberdade de criação das estruturas de produção é, simultaneamente, a liberdade de fruição dos

cidadãos.

A limitação dos apoios chega hoje ao cúmulo de se manifestar em cláusulas dos contratos assinados com

as companhias, onde se lê que o Governo apenas garante o financiamento do 1.º trimestre. Ora, então não se

está mesmo a ver este Governo assinar um contrato-programa com uma grande empresa, digamos, por

exemplo, a Lusoponte, e dizer que só assume as responsabilidades por um trimestre?!

Risos do Deputado do PCP Bruno Dias.

Não!… Para esses contratos-programa, o Governo trata sempre de garantir a disponibilidade da verba

necessária,…

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Bem visto!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — … mesmo quando esses contratos são ruinosos para os portugueses e para

o Estado.

O Governo acaba de disponibilizar, decorrente do pacto de agressão da troica, um fundo de 12 000 milhões

de euros para os bancos. Pagará mais de 33 000 milhões de euros em juros por uma intervenção externa.

Estes montantes, para que os possamos quantificar, correspondem ao orçamento de 241 anos de política

cultural.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exatamente!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Ou seja, aquilo que o Governo entrega, de mão beijada, às forças que hoje

destroem o nosso País seria o suficiente para duplicar o Orçamento do Estado para a cultura durante 120

anos.

O Sr. João Oliveira (PCP): — É verdade!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Enquanto se estrangula a produção cultural independente e alternativa e se

destrói o serviço público de artes e cultura, garante-se o alargamento do mercado do entretenimento, a total

mercantilização do acesso e da fruição culturais, deixando para as elites o acesso aos bens e à produção

cultural de qualidade e para as massas a cultura descartável.

A Sr. Rita Rato (PCP): — Exatamente!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Não é aceitável que este Governo cancele a realização dos concursos para

apoios anuais e pontuais às artes, tal como não podemos aceitar o fim do apoio à produção cinematográfica.

Não é aceitável que este Governo se demita das suas responsabilidades constitucionais, mas é

compreensível, dado o comportamento das forças que o compõem — PSD e CDS —, que entendem que o

Estado existe para defender os grandes patrões, os grandes negócios e não para distribuir a riqueza ou

garantir os direitos das populações.

O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português alerta todos os artistas, criadores, técnicos, atores,

autores e intérpretes, realizadores, intelectuais criativos, para a ameaça que a direita lança sobre a

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democracia. Não deixemos que a censura, agora orçamental mas não menos política do que a do lápis,

amordace a voz dos criadores e a cultura do povo.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Muito bem!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Não deixemos que o ataque aos nossos direitos e o pacto de agressão da

troica se imponham acima da identidade e da liberdade dos portugueses.

Não deixemos que os juros da dívida, o défice orçamental e a economia se tornem nos desígnios e

remetamo-los ao plano de instrumentos, de onde nunca deveriam ter saído.

Os desígnios, os desígnios são a elevação da qualidade de vida dos portugueses,…

O Sr. Bruno Dias (PCP): — É isso mesmo!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — … dos trabalhadores, a elevação da formação cultural do nosso povo e o

aprofundamento da nossa democracia.

Uma política ao serviço do povo, com a economia como instrumento, e não uma política ao serviço da

finança, fazendo do povo o instrumento — é neste campo que o PCP se posiciona, é nesta luta que participa e

é para esta luta que convoca todos aqueles que veem na cultura e na arte pilares fundamentais da nossa

democracia e do projeto de Abril.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra, em primeiro lugar, a Sr.ª Deputada Inês

de Medeiros.

A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Miguel Tiago, em relação a muito do que

disse não posso estar mais de acordo e, no fundo, não posso senão acrescentar até mais a este sentimento

de impotência, face ao estado desesperante da cultura.

Não posso deixar de salientar aqui que, infelizmente, aquilo a que assistimos não é só a um ataque a tudo

o que são atividades culturais, mas, sim, um ataque sistemático a tudo o que é desenvolvimento da

inteligência, do sentido crítico, da qualificação, a tudo o que permite fazer da sociedade portuguesa uma

sociedade de cidadãos qualificados e, sobretudo, participativos. É que é isto que a cultura e a educação

promovem.

Falo, obviamente, do ataque ao esforço de requalificação dos portugueses, designadamente às Novas

Oportunidades e à obra no parque escolar.

Falo do fim dos apoios à investigação científica, essencial para a mudança de perfil económico do nosso

País.

Falo na lei dos compromissos, que paralisa as faculdades e toda a atividade cultural.

Falo, obviamente, do incompreensível e sistemático ataque ao serviço público de radiodifusão.

Falo da despromoção da cultura, com o fim do seu ministério. Até o ministro da cultura grego, e sabemos

em que estado está a Grécia, considera uma loucura o seu fim, porque a cultura é o nosso espelho, é a nossa

voz no estrangeiro.

Agora, vamos concretamente ao seguinte: temos ouvido o Sr. Secretário de Estado dizer que a cultura não

é só dinheiro. Mas, então, falamos de quê? Onde é que está a estratégia? Onde é que estão as propostas de

alteração à lei do mecenato? Onde é que está a lei do cinema, anunciada em consulta pública mas que não

aparece? Onde é que estão os projetos da rede de cineteatros, anunciados mas que não se veem

concretizados? Onde é que está toda a estratégia para os museus, para o IGESPAR (Instituto de Gestão do

Património Arquitetónico e Arqueológico)? Onde está a cultura, na discussão do QREN? Esta é uma questão

essencial, pois sabemos que grande parte dos investimentos da cultura depende do QREN.

Depois, há uma impunidade total em relação ao nítido desrespeito pela lei. Não se trata só de fechar

concursos, trata-se de não respeitar a lei. Não há uma palavra do Governo para justificar essa atitude.

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Sr. Deputado Miguel Tiago, a pergunta que tenho para lhe fazer é esta: o que poderemos fazer, todos

juntos, de facto, para consciencializar os portugueses de que não estamos só a falar de um setor minoritário,

estamos a falar do futuro do nosso País, da qualificação dos portugueses e, sobretudo, de apoiar o sentido

crítico, que é aquilo que devemos aos nossos concidadãos?!

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Tiago.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Inês de Medeiros, bem-vindo seja o PS à

defesa da cultura.

Protestos do PS.

Fica-lhe melhor defender a cultura, Sr.ª Deputada, do que defender o Governo de Sócrates, que atacava a

cultura todos os dias.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Haja memória!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr.ª Deputada, tem razão na maior parte da caraterização que faz, aliás,

sabe que o PCP acompanha a caraterização dessas políticas de direita e os seus impactos na cultura, mas

não começou a fazer essa caraterização quando o PSD e o CDS foram para o Governo, porque grande parte

da política que está agora a ser seguida, e relembro, por exemplo, os cortes nos contratos plurianuais com as

estruturas de criação artística, já vinha do anterior Governo.

Estou certo de que a veemência com que a Sr.ª Deputada Inês de Medeiros agora ataca a política da

direita não é a mesma com que atacaria a política do Partido Socialista,…

O Sr. Amadeu Soares Albergaria (PSD): — Muito bem!

A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Assim não vamos lá, realmente!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — … mas «vale mais tarde do que nunca», Sr.ª Deputada.

Pergunta ao PCP o que podemos fazer para vencer este golpe contra a cultura, para valorizar e defender a

cultura. Sr.ª Deputada, o PCP está e esteve, em todas as lutas, ao lado daqueles que entendem a arte e a

cultura como elementos fundamentais da nossa democracia; do PS, não tenho a certeza se poderei dizer o

mesmo. O PCP esteve ao lado dessas lutas, e estará, e traz as suas propostas à Assembleia da República.

Mas a resposta a esse desafio, sobre o que podemos fazer todos juntos, é muito simples: rejeitar a política

de direita que tem vindo a ser imposta ao povo português,…

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Claro!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — … deixarmo-nos de falas mansas, da ideia de que, entre aqueles que

assinaram o pacto e aqueles que o combatem, há possibilidade de chegarem a entendimentos, porque essa

não é a realidade.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Exatamente!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Mas, no dia em que sairmos desta Assembleia e formos para junto das

greves, das lutas, das manifestações, estar com aqueles que defendem o teatro, que defendem o cinema, que

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defendem a cultura e as artes, não só dentro desta Sala mas fora dela, estou certo de que todos juntos

conseguiremos vencer esta política.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Catarina Martins.

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Miguel Tiago, saúdo o PCP, bem como o

Sr. Deputado por, hoje, nos ter trazido o tema da cultura a Plenário, numa semana em que tivemos a edição

n.º 50 do Dia Mundial do Teatro e que, em Portugal, foi comemorado em tantos sítios com «conversas sobre

leituras de» e não com espetáculos, porque pura e simplesmente tantas companhias e tantos teatros não

conseguiram ter espetáculos em cena porque não têm qualquer financiamento.

Esse Dia foi assinalado em frente à Assembleia da República, com um protesto dos trabalhadores do

sector, e também no Porto, com leituras de contestação sobre as políticas para a cultura. E citaria Almeida

Garrett, que foi usado nessa contestação e muito a propósito, com a frase «O teatro é um grande meio de

civilização, mas não prospera onde não há.»

A verdade é que sentimos que o teatro está a morrer, como toda a criação artística está a morrer, porque

há uma opção clara do Governo da direita contra aquilo que é a essência da liberdade, do pensamento, do

conhecimento, da nossa capacidade de nos refletirmos, de agirmos, de sermos gente.

É o mesmo Governo que cortou a 100% o financiamento às artes, que consegue que em tantas capitais de

distrito não haja sequer um projeto apoiado em qualquer atividade artística (zero!), que diz que quer libertar as

artes do Estado, porque confunde as políticas públicas para a cultura com cultura de regime! Nisso demonstra

o seu extremo reacionarismo, nisso demonstra a sua profunda essência antidemocrática, anticonhecimento e

antiliberdade, de quem não sabe que as políticas públicas para a cultura são, sim, o campo da liberdade, o

campo da criação, o campo do conhecimento!

Mas faz mais: não só não reconhece, como é capaz de assinar tratados, como o Acordo Internacional

Anticontrafação (ACTA), que protegem as grandes corporações internacionais do entretenimento, que negam

a partilha, que negam o conhecimento, que perseguem todos quantos queiram criar e partilhar fora das

grandes corporações económicas internacionais do entretenimento! É o mesmo Governo, o Governo que corta

o apoio completamente (a 100%) à criação artística, que assina um acordo como o ACTA, e isso tem todo o

significado!

Sr. Deputado, a terminar pergunto-lhe se esta estratégia do Governo, de dizer «não há dinheiro, mas

vamos tentar que haja concurso daqui a um bocadinho… Afinal, não houve. Pois…! Talvez no 2.º semestre…

Ah! Não existiu!» — não é, na realidade, uma estratégia deliberada para prender o sector cultural,…

A Sr.ª Presidente: — Queira terminar, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — … para tentar adiar uma contestação que se faz sentir cada vez mais,

porque a máscara do Governo caiu e porque esta ideia fechada, obscurantista, para a cultura é cada vez mais

clara aos olhos de todos!

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente: — Sr. Deputado Miguel Tiago, tem a palavra para responder.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Catarina Martins, de facto, da parte do PCP,

não há nenhuma dúvida sobre a marca e a opção ideológicas que presidem às opções do Governo, seja na

privatização da Tobis, no cancelamento da realização de concursos pontuais e anuais para o ano 2012 ou no

constante adiamento dos prazos e critérios para os concursos bienais e quadrienais para 2012, como não há

nenhuma dúvida no que toca à opção ideológica de cancelamento dos concursos para o apoio à produção

cinematográfica e a justificação orçamental é um mero pretexto. Aliás, estamos a falar de um orçamento para

a cultura que revela bem a insignificância que este Governo lhe atribui.

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Portanto, a falta de dinheiro é o pretexto para cumprir a política e não é um instrumento para a cumprir. A

opção ideológica deste Governo é a de retirar o Estado da cultura, manter a cultura submissa, única e

exclusivamente ao mercado.

Vozes do PCP: — Exatamente!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr.ª Deputada, sobre as considerações que fez no que respeita ao ACTA,

como, aliás, já discutimos nesta Câmara, da parte do PCP, conte também com a rejeição dos princípios e dos

moldes desse acordo.

Sr.ª Deputada, resta-me dizer-lhe que o PCP tem uma certeza: o teatro, as artes e a cultura nunca

morrerão, porque também são peças de resistência, também são instrumentos de resistência,…

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Por isso mesmo!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — … mas serão sempre mais fortes e mais pojantes quanto maior for a

liberdade de criação e de fruição.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — É isso que este Governo está a tentar negar, mas nunca matará as artes, a

cultura e muito menos o teatro!

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Sofia Bettencourt.

A Sr.ª Ana Sofia Bettencourt (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Miguel Tiago, de facto, temos um

mar que nos separa, do ponto de vista ideológico, relativamente a esta matéria. Temos um mar que nos

separa.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — A Constituição!

A Sr.ª Ana Sofia Bettencourt (PSD): — Enquanto os senhores entendem que a cultura deve ser única e

exclusivamente paga pelo Estado, nós entendemos que não deve ser assim!

O Sr. Amadeu Soares Albergaria (PSD): — Muito bem!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Quem é que disse isso?!

A Sr.ª Ana Sofia Bettencourt (PSD): — Nós entendemos que não se deve estatizar a cultura.

O Sr. Amadeu Soares Albergaria (PSD): — Muito bem!

A Sr.ª Ana Sofia Bettencourt (PSD): — Os senhores entendem que só há liberdade quando a liberdade é

financiada pelo Estado.

O Sr. Amadeu Soares Albergaria (PSD): — Exatamente!

A Sr.ª Ana Sofia Bettencourt (PSD): — Nós entendemos o contrário e valorizamos as empresas que,

nesta altura, estão, sem subsídios do Estado, a fazer cultura, e de grande qualidade, no País…

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Gostava de saber quais são! Diga uma!

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A Sr.ª Ana Sofia Bettencourt (PSD): — … e que há anos o fazem sem apoios do Estado.

Temos um sector que, nos últimos anos, foi muito mal gerido pelo governo!

Protestos do PCP.

Sr. Deputado, estamos, efetivamente, a fazer o mais que podemos com o dinheiro que temos!

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Não! Estão é a desperdiçar dinheiro!

A Sr.ª Ana Sofia Bettencourt (PSD): — Na realidade, deixaram-nos uma área, como sucede com o País,

totalmente desgovernada, uma área em que a sobreorçamentação era brutal, em que se inventavam receitas

para…

O Sr. Amadeu Soares Albergaria (PSD): — É verdade!

A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Prove-o, Sr.ª Deputada!

O Sr. Amadeu Soares Albergaria (PSD): — Não cabimentadas!

A Sr.ª Ana Sofia Bettencourt (PSD): — Sr.ª Deputada, não é preciso provar! Está nos relatórios. É ler! Na

realidade, todos os relatórios e todos os serviços apontavam para isso! Nos últimos anos, tem vindo a crescer

a ideia de as receitas neste sector terem sido sobreavaliadas. O Secretário de Estado da Cultura está, neste

momento, a gerir esta área da melhor forma que pode.

A Sr.ª Deputada Inês de Medeiros perguntou onde estava o Sr. Secretário de Estado da Cultura. Está a

resolver os inúmeros problemas que o Governo do Partido Socialista nos deixou em todas as áreas, em todos

os sectores e também neste, em particular!

Vozes do PSD: — Muito bem!

Protestos da Deputada do PS Inês de Medeiros.

A Sr.ª Ana Sofia Bettencourt (PSD): — É também imperioso reestruturar esta área. Estamos perante um

desafio, um desafio de mudança, de mudança de mentalidade e de formas de agir. Esta área não ficará atrás.

Esta é uma área de criatividade, uma área de inovação, uma área que mostrará o quanto Portugal seguirá em

frente!

Aplausos do PSD.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Vai daí?!

A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Miguel Tiago.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Ana Sofia Bettencourt, de facto, há um mar

que nos separa e não é preciso muito para o identificar. Esse «mar» chama-se Constituição da República

Portuguesa,…

Aplausos do PCP.

… que estabelece o papel do Estado no apoio à cultura e na garantia da liberdade de acesso à produção, à

criação e à fruição cultural.

A Sr.ª Deputada faz as perguntas, mas depois não dá muita atenção às respostas…

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O Sr. Bruno Dias (PCP): — Não quer saber!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — A Sr.ª Deputada está igualmente a confundir cultura com entretenimento e

com a indústria dos videojogos.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Exatamente!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — A cultura de que estamos aqui a falar não é a do entretenimento nem a dos

videojogos, as indústrias criativas de que a Sr.ª Deputada veio falar‼

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — A Sr.ª Deputada ouviu o que foi dito sobre a Constituição? Ouviu?

Não seja ignorante!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — A cultura de que estamos a falar é a das manifestações livres e espontâneas

da arte de um povo que, como é óbvio, deve ser apoiada pelo Estado, porque, caso contrário, não terá o apoio

das grandes produtoras, das grandes distribuidoras, das grande livreiras e da grande edição.

A Sr. Rita Rato (PCP): — Exatamente!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Mas, Sr.ª Deputada, também há um grande mar que nos separa: quando o

PS cortou os apoios aos programas plurianuais, o PSD atacou o governo do Partido Socialista e disse que o

Partido Socialista estava a atacar o apoio às artes. Agora, este Governo aplica um corte de 100% no apoio às

artes e a Sr.ª Deputada já vem dizer que ao Estado não compete intervir nas artes.

Também há um mar ideológico que nos separa: a Sr.ª Deputada entende que o Estado deve fazer tudo

para que os grandes grupos económicos façam da cultura apenas mais um negócio e, então, aqueles que

podem pagar terão acesso à cultura. O PCP entende precisamente o oposto, ou seja, que o Estado deve fazer

tudo para que todos, independentemente da sua capacidade económica e da sua posição social, tenham não

só capacidade de criar mas também de fruir.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Sr.ª Presidente, peço a palavra, para uma interpelação à Mesa.

A Sr.ª Presidente: — Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Sr.ª Presidente, queria pedir à Sr.ª Deputada Ana Sofia Bettencourt, face

à gravidade das acusações que fez, se nos podia distribuir os tais documentos que referem que houve receitas

falsificadas e sobreavaliadas.

Aplausos do PS.

É porque a indicação que temos, dada pelo Sr. Secretário de Estado da Cultura há três meses, é a de que

havia 5,6 milhões de euros de excesso no Instituto dos Museus e da Conservação e que, em seis meses,

passou para 300 000, graças e só por mudança de orientação da tutela.

Gostava de ter documentos oficiais sobre o que a Sr.ª Deputada acabou de afirmar. Se pudesse distribuí-

los, agradecia.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — Tomamos nota, Sr.ª Deputada.

Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Catarina Martins.

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A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: O Governo português decidiu que,

neste momento difícil, quem mais precisa de apoio é a EDP.

Como os cidadãos ainda não perceberam as vantagens do mercado liberalizado de eletricidade, até porque

teimam em comparar os preços e ver que as contas neste regime são mais caras, há que dar-lhes um

empurrãozinho.

O que foi publicado em Diário da República, no início da semana, foi a determinação que as faturas de

eletricidade com tarifa regulada subam a cada três meses, para que os preços do mercado liberalizado

pareçam uma boa escolha. Faz sentido? Não. A menos que sejamos a EDP, que se prepara para ganhar mais

nos dois «tabuleiros», beneficiando da desregulação do mercado livre, que lhe abre as portas para cobrar o

que pode e quer, e do aumento do preço das tarifas no mercado regulado. É o verdadeiro «negócio da China».

Enquanto sete milhões de consumidores teimam em querer aproveitar a tarifa regulada enquanto podem e

desconfiam — como não? — do mercado liberalizado, o Governo aumenta a conta da luz até tornar atraentes

as tarifas mais caras do mercado supostamente livre.

A prioridade do Governo não são as famílias que não conseguem aquecer a casa ou, em cada vez mais

casos, sequer acender a luz. A preocupação do Governo não é a impossibilidade de a população pagar ainda

mais na conta da luz, conta que, com os aumentos do IVA e da tarifa, no último trimestre de 2011, já subiu

mais de 20%. São mais 10 €/mês, em média, que cada família vai pagar a mais na fatura que lhe chega a

casa. Mas isso não preocupa o Governo.

A única preocupação do Governo é acelerar a liberalização do mercado da energia. Mas qual liberalização?

Num mercado em que não há concorrência, não há liberalização; há subida de preços. E no mercado

português de energia não existe concorrência, mas monopólio puro e simples.

Os números valem por 1000 palavras: apenas uma em cada vinte casas portuguesas aderiu ao sistema

tarifário do mercado liberalizado. Se o número impressiona pela indiferença generalizada dos cidadãos,

impressiona muito mais quando percebemos que a esmagadora maioria dos cidadãos que mudaram de

tarifário o fizeram através do maior embuste publicitário dos últimos tempos. Um embuste publicitário

reconhecido pela própria EDP, e hipermercado associado, que lá acabou por alterar a campanha depois de

centenas e centenas de queixas sobre o seu conteúdo enganador.

Para o Governo, que o mercado liberalizado não exista, porque não há concorrentes, é pormenor de

somenos; que os portugueses não adiram ao mercado liberalizado, porque esse mercado não tem nada para

oferecer, isso agora não interessa nada.

Um exemplo apenas. O mercado supostamente livre não permite a tarifa bi-horária, a que mais protege a

carteira do cliente e a gestão da própria rede energética. É o regresso ao capitalismo do século XX, em todo o

seu esplendor, onde Henry Ford dizia que «os meus carros estão disponíveis em qualquer cor, desde que seja

preto», e a EDP permite qualquer tarifário, desde que seja o escolhido pela empresa.

Se o mercado liberalizado não atrai os consumidores, o Estado torna o mercado regulado tão caro quanto

seja necessário — é este o particular conceito de liberalização do Governo.

Aliás, a extinção das tarifas reguladas para clientes em muito alta tensão, alta tensão, média tensão e baixa

tensão especial já se provou desastrosa. A indústria portuguesa tem hoje faturas de energia que a

estrangulam — a energia representa cerca 20% do total dos custos, em setores como o têxtil, por exemplo. O

dito mercado liberalizado da energia está a afundar a nossa economia.

E, Sr.as

e Srs. Deputados, não é só na eletricidade e gás. Basta olhar para o que aconteceu com o preço

dos combustíveis. Depois de impostos, a gasolina, em Portugal, é a nona mais cara da Europa; mas, mesmo

antes de impostos, o preço que pagamos em Portugal pela gasolina e gasóleo é dos mais altos da Europa,

bem mais alto que na vizinha Espanha, e o fator determinante para a escalada dos preços dos combustíveis

foi a sua liberalização.

O fracasso da liberalização do mercado de combustíveis é evidente, permitiu o curso à livre especulação

num mercado oligopolizado. A liberalização significou, tão simplesmente, aumento de preços.

Na semana passada, o preço da gasolina alcançou valores históricos, mas o Primeiro-Ministro, que na

oposição exigia medidas para baixar o preço dos combustíveis, veio agora dizer que não pode fazer nada por

ser este um mercado liberalizado.

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Como correu mal nos combustíveis, o Governo prepara-se para repetir a asneira na eletricidade. Mais:

acelera-se a liberalização e, com ela, a subida de preços. A subida trimestral das tarifas reguladas a partir de

junho é chantagem sobre a população para que passe mais cedo do que o obrigatório para o mercado

liberalizado. É o Estado e a entidade reguladora ao serviço da EDP: «subimos a tarifa tantas vezes por ano

quantas forem necessárias até que compense ter uma conta no mercado supostamente livre».

Todo o setor da energia em Portugal é um grande embuste. Explicava ontem, em entrevista, Passos

Coelho que o défice tarifário existe porque se calcula que as empresas poderão estar a perder por o mercado

não ser liberalizado. É uma ficção! Não perdem nada!

O preço da produção de energia está regulado e garantido por contratos que garantem rendas generosas à

produção. Não existe défice tarifário, existem, sim, rendas excessivas. Mas sobre essas rendas o Governo

nada faz; vai anunciado que fará mas, entretanto, tudo o que se conhece é o afastamento do Secretário de

Estado da Energia que falou das rendas excessivas.

A hesitação deste Governo em mexer uma palha nos privilégios da EDP contrasta bem com rapidez a

cortar salários, prestações sociais, desregulação do mercado de trabalho. A história, no fundo, é velha de

décadas: os direitos são todos iguais, mas há uns que são mais iguais que outros.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente: — A Mesa regista os pedidos de esclarecimentos dos Srs. Deputados Hortense Martins,

do PS, e Agostinho Lopes, do PCP.

Tem a palavra a Sr.ª Deputada Hortense Martins.

A Sr.ª Hortense Martins (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Catarina Martins,

cumprimento-a por ter trazido hoje este tema a debate na Câmara.

Na verdade, ontem, assistimos à publicação de legislação por parte do Governo que rapidamente liberaliza

as tarifas do gás e da eletricidade. No entanto, isso estava previsto no Memorando para vigorar a partir de 1

de janeiro de 2013. Quer dizer, o Governo, rapidamente, apressou-se a liberalizar o mercado para os

consumidores, mas o que está previsto no memorando, no que diz respeito à renegociação das rendas, dos

CMEC — Custos para a Manutenção do Equilíbrio Contratual, levou à demissão do Sr. Secretário de Estado

da Energia, à qual a Sr.ª Deputada aludiu e que é um assunto que ainda temos de esclarecer em sede de

Comissão de Economia e Obras Públicas.

Relativamente a essa renegociação, a troica já veio dizer que é necessário agir quanto aos preços,

renegociando os contratos, mas, quanto a isso, o Governo nada faz e considera que pode esperar. Quer dizer,

em relação aos consumidores, numa altura em que cada vez mais se assiste a um maior número de

insolvências, em que as famílias estão a sofrer sacrifícios sem precedentes, o Governo manifesta uma grande

insensibilidade relativamente a esta matéria.

Neste ponto, deve ser acautelado o equilíbrio que tem de haver nestas matérias. É que, estando prevista a

liberalização em 1 de janeiro de 2013, tem de ser acautelada uma efetiva concorrência no mercado, aspeto

esse que não está acautelado, embora saibamos que ainda hoje foi renomeado o presidente da ERSE e que a

Lei da Concorrência vai dar mais poderes à entidade reguladora, porque precisamos de mais regulação neste

mercado.

Portugal continua a ter dos combustíveis mais caros da Europa, antes e depois de impostos, a eletricidade

subiu quase 30% para as famílias e empresas. O PS tem procurado ter contributos positivos para que estas

questões sejam devidamente acomodadas. Refiro, por exemplo, o incentivo aos combustíveis low-cost, que

tornaria o acesso dos utilizadores a este combustível mais fácil, e o acesso ao GPL, mais amigo do ambiente.

Por outro lado, o Governo também inviabilizou a nossa proposta de racionalização da cogeração e apostou

num aumento máximo da fiscalidade e na sua antecipação, quando o Memorando não o impunha. Portanto, as

políticas na área de energia, infelizmente, apontam só num sentido: o prejuízo dos consumidores e não numa

reformulação da política energética, que deve ser também adequada aos tempos que vivemos.

Aplausos do PS.

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A Sr.ª Presidente: — A Sr.ª Deputada Catarina Martins informou a Mesa que responderá em conjunto aos

dois pedidos de esclarecimentos, pelo que dou a palavra o Sr. Deputado Agostinho Lopes.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Sr.ª Presidente, a Sr.ª Deputada Catarina Martins traz hoje a Plenário,

mais uma vez, um problema de grande importância, que é o dos preços da energia.

O PCP também tem vindo a tratar do problema dos preços da energia nesta Assembleia, por vezes, e

dentro de dias iremos debater projetos de resolução por agendamento do PCP.

Começo por registar o silêncio dos partidos que suportam o Governo, mais uma vez, na abordagem destas

questões da energia — mas percebemos! Os partidos que disseram o que disseram, e justamente, criticando

os preços da eletricidade e dos combustíveis, durante os seis anos dos governos de Sócrates, hoje, passados

nove meses deste Governo, em que nada foi feito, nada dizem!

Talvez não seja inteiramente verdade que nada foi feito porque, de facto, subiram brutalmente as taxas do

IVA na eletricidade e no gás natural e permitiram que os preços dos combustíveis atingissem novamente

preços-recorde desde o início do ano. E o pior foi que, perante isto, o Sr. Primeiro-Ministro veio dizer que não

havia nada a fazer, o que é absolutamente extraordinário depois de todas as declarações que foram feitas

aqui, durante anos, por PSD e CDS-PP relativamente ao preço dos combustíveis.

Vozes do PCP: — Bem lembrado!

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Sr.ª Deputada, abordou uma questão de muito grande importância, a

teoria de que a liberalização dos mercados de energia vai fazer baixar os preços. Estava à espera que os

partidos do Governo viessem referir que acabaram de concretizar uma reforma das ditas estruturais, a reforma

da Lei da Concorrência, que permitirá pôr fim a esses problemas do funcionamento oligopolista, ou

monopolista, nos mercados da energia, quer no setor da eletricidade e gás natural, quer no setor dos

combustíveis, mas o silêncio é total. E percebemos: é que acabou de ser feita uma reforma da Lei da

Concorrência onde não foi aceite a introdução do conceito de posição dominante coletiva, isto é, a

possibilidade de atacar, de facto, os monopólios coletivos nestes setores dos combustíveis ou da eletricidade

e, por essa via, pôr fim às colusões tácitas ou às concertações de preços que existiram até hoje.

É absolutamente extraordinário que esta reforma tenha sido feita por quem tanto a invocou como a reforma

estrutural para responder aos problemas da monopolização de mercados de bens não transacionáveis e,

depois de nada ter acontecido nesta matéria, nem sequer tenha aceite a introdução de conceitos que estão

presentes noutras legislações europeias, concretamente em regulamentação comunitária.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Catarina Martins, do BE.

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr.ª Presidente, agradeço aos Srs. Deputados Hortense Martins e

Agostinho Lopes os pedidos de esclarecimentos que me fizeram.

Julgo que estamos de acordo quando analisamos o que se está a passar e percebemos que não há Lei da

Concorrência que esconda a verdade. Este Governo não está minimamente interessado em alterar

absolutamente nada, tudo o que faz é, com todo o facilitismo, continuar a dar todo o privilégio aos grandes

grupos económicos. E faz isso com prejuízo de toda a população, da nossa indústria, das nossas empresas e

de toda a nossa economia.

Julgo que reflete bem esta incapacidade de abordar o tema o facto de as bancadas da maioria não terem

nada a dizer, numa altura em que qualquer pessoa que esteja, em sua casa, a olhar para a conta da luz se

pergunta como é possível exigirem que pague tudo isto e cada vez mais! Agora, pelos vistos, a cada três

meses, lá virá mais um aumento da eletricidade e, sobre isso, a maioria está calada.

Julgo que há três razões para este silêncio, para esta tentativa de esconder a hipocrisia, que são muito

óbvias. A primeira tem a ver com a velocidade, porque o que nos é dito sempre como desculpa é que todas as

alterações vêm do Memorando da troica, todas as alterações vêm da crise. Pois, é! Quando chega a aumentar

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a conta da luz, há muita pressa, mas quando chega às rendas excessivas das grandes produtoras de

eletricidade, as rendas excessivas da EDP, aí não há pressa nenhuma, aí tudo fica como está.

Sabemos que os direitos não são todos iguais; os sacrifícios, também não!

A segunda razão e prende-se com tudo o que disseram quando estavam na oposição. Quando estavam na

oposição, tanto falaram dos preços da energia, tanto falaram dos preços dos combustíveis, tanto exigiram

medidas, tanto percebiam como as nossas empresas e a nossa indústria tinham pouca capacidade

competitiva, lá fora, precisamente por os custos da energia serem tão altos; agora, estão calados, agora nada

têm a dizer, agora tudo o que disseram já não existe! Na energia, pelos vistos, está tudo bem assim.

A terceira razão reside nesta fé nos mercados — são uns mercados muito particulares. A liberalização dos

preços seria ótima para toda a gente, haveria concorrência, os preços baixavam, seriam atraentes. Mas a

verdade é que, quando os consumidores podem escolher entre a tarifa regulada e a tarifa liberalizada,

escolhem a regulada, porque as empresas, os monopólios, não oferecem nada, ficam sentados à espera das

rendas do Estado. E o Estado ou lhes paga as rendas diretamente ou obriga os consumidores a pagar-lhas.

É que, se fosse verdade que o mercado liberalizado descia os preços, eles já tinham descido na gasolina e

no gasóleo; se fosse verdade que o mercado liberalizado é melhor, neste momento, havia ofertas no mercado

liberalizado que eram tão boas que os consumidores aderiam a essas ofertas, e isso não está a acontecer. E

não está a acontecer porque há toda a prepotência, porque os custos são altos demais, porque há toda a

preguiça, toda a indulgência para com os grandes grupos económicos.

E, agora, o que faz o Estado? É empurrar os consumidores para o mercado liberalizado, aumentando a

tarifa regulada até a tarifa liberalizada — má como é, de monopólio como é, chantagista como é — se tornar a

única opção para a população, mesmo antes do prazo final que estava determinado e mesmo na altura em

que a população menos tem. É todo o facilitismo para os grandes grupos económicos, é toda a chantagem e

todo o sacrifício para a população, e isso é verdadeiramente inadmissível.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, terminámos o ponto 1 da ordem de trabalhos, que foi preenchido

com declarações políticas.

Seguimos para o ponto 2, que consiste na discussão do projeto de resolução n.º 252/XII (1.ª) —

Recomenda ao Governo a promoção de incentivos ao empreendedorismo jovem (PSD).

Para apresentar o projeto de resolução, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cláudia Monteiro de Aguiar.

A Sr.ª Cláudia Monteiro de Aguiar (PSD): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Hoje trazemos à discussão

o projeto de resolução n.º 252/XII (1.ª), que define um conjunto de recomendações expressas em medidas de

promoção e de incentivo ao empreendedorismo jovem.

O PSD, porque não descura a importância que os jovens assumem no nosso País, está deveras atento às

inúmeras preocupações que afetam a população jovem e, porque não se alheia nem trata de forma

despiciente os números que referem o desemprego jovem em Portugal, debate o problema e empenha-se em

promover urgentes e adequadas soluções.

A presente iniciativa surge porque é férrea a nossa vontade e grande a determinação em defender os

interesses dos jovens que pretendem criar o seu próprio emprego, que querem singrar na vida profissional e

realizar-se como portugueses ativos, produtivos e geradores de riqueza do País.

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Sr.ª Cláudia Monteiro de Aguiar (PSD): — Daí querermos dotar os jovens de mais e melhores

competências, de mais e melhores instrumentos que lhes assegurem sucesso na vida profissional e permitam

a construção dos seus projetos de vida em Portugal.

Sem dispensar a necessidade e urgência de criação de outras medidas adjuntas, o presente projeto de

resolução visa, no cômputo geral, a promoção da formação, a criação de mecanismos legais que incentivem o

empreendedorismo e que promovam a gestão de risco e a criação de projetos que potenciem a

internacionalização.

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Vozes do PSD: — Muito bem!

A Sr.ª Cláudia Monteiro de Aguiar (PSD): — Visa, sobretudo, que seja incutida uma nova cultura de

empreendedorismo.

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Sr.ª Cláudia Monteiro de Aguiar (PSD): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Ciente da relevância desta

matéria, o PSD apresenta 21 medidas de recomendação ao Governo, num projeto de resolução norteado por

três linhas de orientação: o auxílio no processo de transição dos jovens do meio escolar para o mercado de

trabalho; o desenvolvimento de mais e melhores competências para os jovens que queiram criar o seu próprio

emprego; e, de um modo geral, a promoção de medidas complementares de combate ao desemprego jovem e

à modernização da economia portuguesa.

Destacamos, pois, algumas medidas: a aposta na formação para a internacionalização, disponibilizando

aos jovens empreendedores ferramentas necessárias para que possam estudar os mercados e as estruturas

existentes antes de procederem à internacionalização da marca, bem ou serviço que pretendem exportar,

aproveitando a formação e as potencialidades existentes de programas como o INOV Contacto ou o Erasmus;

a participação numa bolsa de empreendedores a nível europeu, promovendo sinergias, troca de experiências

e serviços com outros empreendedores ou empresas, no seguimento da iniciativa europeia Erasmus para

Jovens Empreendedores; a criação de uma bolsa de tutores de sucesso que acompanhem e auxiliem

gratuitamente os jovens empreendedores; por último, a promoção de uma linha financeira dirigida ao

empreendedorismo de base local, através de centros de inovação e empreendedorismo nos municípios com

menos de 30 000 habitantes como forma de dinamizar espaços desocupados ou degradados.

O PSD, com o presente projeto de resolução, procura encontrar soluções que sejam traduzidas num forte

estímulo aos jovens que sonham ser empreendedores de sucesso ao desenvolver os seus próprios projetos

de vida no nosso País. Apostar nas novas gerações é salvaguardar o futuro do nosso País. Estamos

confiantes que juntos iremos conseguir.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Cordeiro.

O Sr. Duarte Cordeiro (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, esperando que

não levem a mal a minha afirmação inicial, quero dizer que é de uma tremenda ingenuidade este projeto de

resolução do PSD.

Vozes do PSD: — Oh!…

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Ingenuidade?!

O Sr. Duarte Cordeiro (PS): — No momento em hoje temos uma revisão do crescimento da economia

portuguesa feita pelo Banco de Portugal para menos 3,4%, no momento em que sabemos que a taxa de

desemprego em Portugal é de 15%, sendo a taxa de desemprego jovem de 35%, acham os Srs. Deputados

que é com estas medidas que vamos resolver a estes problemas!

Sinceramente vos digo que não temos nada contra as intenções do projeto de resolução,…

Vozes do PSD: — Ah!

O Sr. Duarte Cordeiro (PS): — … mas devo referir que o mesmo, em primeiro lugar, não apresenta quase

nenhuma medida nova, que não exista em Portugal, o que revela desconhecimento da vossa parte; em

segundo lugar, confunde as competências do Governo, porque interfere nas políticas municipais e, mais,

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interfere na autonomia universitária. Aliás, vai ao ponto de dizer que vão pegar em verbas das universidades e

atribuir-lhes fins específicos.

Srs. Deputados, se querem realmente responder ao desemprego jovem, se querem realmente responder

aos problemas da economia, têm de olhar para a procura interna, para a procura externa e para a recessão

que o País atravessa. Os senhores devem encarar que se se promover um clima de crescimento económico

na nossa economia, menos austeridade, mais tempo e maior capacidade para a economia portuguesa se

adaptar ao ajustamento a que somos obrigados, os senhores estão a ajudar os jovens, estão a preservar

emprego jovem.

Os Srs. Deputados encaram os problemas do empreendedorismo jovem como alheados do resto da

realidade da economia portuguesa.

Protestos do PSD.

Entendem que o empreendedorismo jovem é a resposta para o desemprego jovem, e isso gravíssimo. Os

Srs. Deputados querem ter uma afirmação de resposta ao desemprego jovem? Então, procurem soluções para

a economia, para o crescimento da economia, para menor austeridade e para a preservação de emprego!

Aplausos do PS.

Estas medidas são muito insuficientes, muito ingénuas, não respondem verdadeiramente aos problemas do

desemprego jovem e, efetivamente, não nos parece que venham, de alguma forma, aliviar estes problemas.

Não é numa altura em que vivemos uma recessão económica, de redução da procura interna, de redução da

procura externa, com dificuldade de liquidez, que os senhores vêm ingenuamente acreditar que é com estas

propostas que vamos resolver estes problemas!… Não é com estas propostas que vamos resolver estes

problemas, Srs. Deputados! Vamos resolver estes problemas com propostas concretas para a economia.

O Partido Socialista tem apresentado algumas propostas, e vou dar-vos alguns exemplos. O Partido

Socialista tem dito que a linha de financiamento do Banco Europeu de Investimento (BEI) para a economia

nacional é insuficiente; procurem alargar a linha de financiamento do BEI, aumentem a liquidez. O Partido

Socialista tem dito que o prazo de ajustamento previsto no Memorando de Entendimento é excessivo; vamos

alargar esse prazo um ano, vamos dar mais tempo à economia para se adaptar. Os senhores acham que isto

não é falar do emprego jovem, os senhores acham que isto é outra coisa! Não, isto é falar do emprego jovem.

Estas são as respostas de que o País precisa, estas são as respostas de que os jovens precisam, criação de

emprego, preservação de emprego e austeridade a um ritmo menos agressivo, não de propostas como essas.

Muitas destas propostas, aliás, se os senhores forem verificar, já existem, nada disto é novidade, mas os

senhores vêm apresentar estas propostas como uma resposta pífia numa altura em que sabem que a taxa de

desemprego é de 15%. Sinceramente, vamos ficar à espera, a aguardar para ver quais serão os resultados

extraordinários que estas políticas vão ter — aliás, vamos aguardar pelos resultados desta medida e da

criação da Comissão Interministerial de Criação de Emprego e Formação Jovem, que, até agora, o que fez foi

só produzir soluções…. Foi só produzir soluções! Há um Secretário de Estado do Empreendedorismo que só

apresenta resultados — o País está maravilhado com os resultados desse Secretário de Estado! —, há uma

comissão interministerial para o desemprego jovem e estamos todos maravilhados com as respostas que os

senhores apresentam!… E, agora, é este fabuloso projeto de resolução!

Não temos nada contra as vossas intenções mas isto é insuficiente, sinceramente, é ingénuo e não

responde aos problemas de nenhum jovem em Portugal.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hélder Amaral.

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O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Queria cumprimentar a Sr.ª

Deputada Cláudia Monteiro de Aguiar e o Grupo Parlamentar do PSD pela presente iniciativa.

Tanto ontem, quando começámos por discutir alterações às leis laborais, como hoje, na intervenção do

Partido Socialista, assistimos um pouco ao óbvio: denunciaram a situação, percebem que a taxa de

desemprego jovem ronda os 35%, mas soluções, «zero». Soluções, «zero»!

Vozes do PSD: — Zero!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Nem uma única ideia.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Eles têm soluções, mas são as vossas!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — A linha de apoio do BEI é uma solução recorrente, à qual não tenho

nada a opor. Porém, adiar é, de facto, uma prática demasiado socialista para que a possamos acompanhar,

Sr. Deputado. Adiar os problemas e adiar as soluções é aquilo que VV. Ex.as

fizeram ao longo do tempo em

que foram governo e, de facto, os resultados não foram bons.

O Sr. Duarte Cordeiro (PS): — Vamos esperar pelos vossos resultados!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Se é verdade, se até «dou de barato» que, quando se fala em

empreendedorismo, não quer dizer que seja propriamente jovem, porque empreendedorismo pode ser de

jovens e não só de jovens — aliás, os dados dizem que o perfil dos maiores empreendedores é um cidadão

com cerca de 40 anos, porque isto pressupõe iniciativa e risco para criar emprego, portanto, há aqui

capacidade de risco e de iniciativa que ultrapassa os jovens —, estas propostas, extensas e bem elencadas

pelo Grupo Parlamentar do PSD, merecem ser estudadas e implementadas. Elas estão, grosso modo,

previstas na ação do Governo e até já estão a ser implementadas, isso é verdade,…

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — A emigração!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — … porque seria um erro não olhar para a parte mais dinâmica da

sociedade, que são exatamente os jovens, aqueles que têm hoje formação e qualificação.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — É o que o Governo faz?!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — É que se olharmos para o perfil do empreendedor também vemos que

tem uma baixa formação académica, e, portanto, devemos apoiar e criar todos os instrumentos que possam

reduzir a mortalidade e aumentar a eficácia de muitas das boas ideias e de muita da inovação que o País tem

produzido.

Se olharmos para os dados estatísticos verificamos que Portugal tem feito, nesse capítulo, uma evolução

positiva. Não estamos ao nível da Suíça ou da Tailândia, que serão os maiores exemplos de

empreendedorismo, mas temos recuperado posições em termos europeus. Ou seja, nem tudo é mau: temos

boas ideias, temos algumas ideias que respondem ao mercado mas, depois, não há capacidade financeira ou

capacidade técnica de as implementar e de fazer com que elas possam sobreviver.

Portanto, muitas das linhas de apoio que estão enunciadas no projeto de resolução fazem todo o sentido.

Incentivos aos business angels? Obviamente que sim. Melhorar os spin-offs e a ligação das empresas às

universidades, ao mercado de trabalho? Fundamental.

Ainda hoje tive oportunidade de assistir a um debate organizado pelo Correio da Manhã, o Fórum Marcas e

Produtos Portugueses, e os empresários que lá estavam, e que, às vezes, convinha que o Partido Socialista

ouvisse, porque esses, sim, estão no terreno, estão a exportar, e muitas vezes dizem «nós só precisamos que

o Governo não atrapalhe». E, os governos, até agora, têm atrapalhado…

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Agora não atrapalham, mandam as pessoas embora! Emigrem!

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O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Dizia eu que os empresários disseram que precisam de mão-de-obra

qualificada, precisam de jovens empreendedores, precisam de pessoas que possam olhar para o mercado de

forma global e ter respostas globais para o mercado. Isso só é possível aproveitando esta faixa etária

dinâmica.

Percebo que para os partidos da esquerda isto possa parecer uma ameaça, porque ter empreendedores

geradores de emprego, geradores de riqueza, geradores de mais economia, deita por terra muitos fantasmas

que aparecem por aí...

Protestos do PCP.

Termino dizendo ao PSD que fez muito bem em apresentar este projeto de resolução e que está no

Governo um apoio, um incentivo ao empreendedorismo. Como disse, o empreendedorismo não tem de ser só

jovem. O empreendedorismo é de todos, e aquele português que quiser investir, quiser arriscar, quiser criar o

seu próprio emprego, quiser criar a sua própria empresa e com isso dar um incentivo e uma ajuda à economia

portuguesa, é bem-vindo. Estaremos, obviamente, disponíveis para acompanhar essas matérias, para

contribuir para que elas possam ser reais e ter efetiva aplicação no terreno.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Protestos do Deputado do PCP Miguel Tiago.

A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Rita Rato.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: O Governo — aliás, o governo anterior já tinha

começado e agora o atual Governo também o faz —, o PSD e do CDS estão sempre com esta ladainha, com

uma ladainha contínua do empreendedorismo, e isto não tem nada de ingénuo!

Disse aqui o Sr. Deputado do PS que isto era ingénuo, mas isto não tem nada de ingénuo! Este discurso é

muito perigoso, porque pretende desresponsabilizar o Estado das suas obrigações constitucionais e transferir

para o indivíduo a responsabilidade do problema da não criação de emprego. Isto não tem nada de ingénuo!

Até parece que há este problema, que há 1,2 milhões de desempregados porque não quiseram ser patrões,

porque não quiseram criar 1,2 milhões de empresas! O problema não é esse, Srs. Deputados, e os Srs.

Deputados sabem muito bem qual é!

Por isso, a toda a hora e a propósito de tudo e de nada, lá vem o empreendedorismo: é o

empreendedorismo feminino, é o empreendedorismo dos jovens… Só falta vir agora falar também do

empreendedorismo dos idosos! É a toda a hora o empreendedorismo!…

Protestos do PSD.

Mas importa aqui dizer que este projeto de resolução teve pouco empreendedorismo, porque tem «muita

parra e pouca uva». Foram dezenas de recomendações que, «espremidas», não dão, objetivamente,

nenhuma medida concreta — repito, nenhuma medida concreta!

Importa também aqui dizer que este projeto de resolução não aponta uma solução para o problema dos

420 000 jovens desempregados. São 420 000 jovens que não trabalham nem estudam e este Governo não

quer saber desses jovens, desperdiça as suas qualificações, não quer saber do contributo que eles poderiam

dar para o desenvolvimento económico e social do País.

A este Governo também não importam os salários de miséria que a maioria dos jovens recebe — muitos

jovens licenciados receberem o salário mínimo nacional ou pouco mais que isso —, não diz aqui que 70% dos

jovens trabalhadores têm um contrato precário e neste projeto de resolução do PSD nem se fala em

precariedade.

Aliás, um dia depois de vir apresentar as alterações ao Código do Trabalho para obrigar as pessoas a

trabalharem mais e a receber menos, a trabalharem aos sábados, aos domingos, aos feriados, quando for

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preciso, não havendo direito à vida pessoal e à participação na vida em sociedade, vêm aqui apresentar-nos

um projeto de resolução que o que pretende é ainda atacar mais os direitos da juventude. E se da parte do PS

não houve propostas alternativas é porque as suas propostas são exatamente as mesmas do PSD e do CDS.

Nunca nenhum governo, nestas últimas décadas, esteve preocupado em erradicar a precariedade, em

combater o desemprego, porque sabem que a precariedade e o desemprego são instrumentos de

agravamento da exploração de quem trabalha e, portanto, propiciam, de facto, o agravamento do desemprego

e da precariedade para agravar os direitos da juventude.

Mas há outro caminho, que é o da valorização do trabalho, do aumento do salário mínimo nacional, aquele

em que, a cada posto de trabalho permanente, corresponde um contrato efetivo, o do apoio as pequenas e

médias empresas para a criação de emprego, dando importância, de facto, ao combate à precariedade. É

possível a sua erradicação mas não têm essa vontade, porque a vontade do PS, do PSD e do CDS é

continuar o agravamento das condições de vida dos trabalhadores e da juventude.

Mas porque, de facto, os jovens portugueses não baixam os braços — não baixam mesmo! —, no próximo

sábado, vão empreender uma grande jornada de luta.

Os jovens trabalhadores vão empreender uma grande jornada de luta pelo direito ao emprego com direitos.

Risos e protestos do PSD.

Não é uma jornada de luta pela escravatura, Srs. Deputados, não é uma jornada de luta para quem quer

trabalhar nos gabinetes do PSD,…

Protestos do PSD.

… é uma jornada de luta para quem tem direito ao emprego com direitos. Podem contar com ela no

próximo sábado, em Lisboa e, depois, nas empresas.

Aliás, Sr.ª Presidente, permita-me ainda dar aqui um exemplo do resultado muito positivo da greve geral.

Refiro-me à luta dos trabalhadores dos call center, a maior parte licenciados, que ganham uma miséria, o

salário mínimo nacional, e para quem este Governo diz que o caminho é ainda de mais precariedade. Os

trabalhadores dos call center não desistiram de lutar pelos seus direitos. Em muitas empresas, aderiram à

greve e deram um sinal importante de que não se vai lá com empreendedorismo mas com direitos e com

melhores salários, Srs. Deputados.

Aplausos do PCP.

Protestos do PSD.

A Sr.ª Presidente. — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: 35% de desemprego jovem é o sinal mais claro

de uma economia nacional que está em colapso. Mas é também, certamente, o sinal de um País que não

apresenta qualquer futuro aos seus jovens qualificados, aos jovens trabalhadores que tentam ingressar no

mercado de trabalho. É este o problema estrutural da economia portuguesa que temos de debater.

A bancada do PSD, em particular os Srs. Deputados da JSD, apresenta hoje um documento com oito

páginas, cuja leitura devo aconselhar a todos os Srs. Deputados.

Este documento é deslumbrante. Vê-se que estão absolutamente fascinados pela linguagem do

«gestionês» e, portanto, ele vai sendo pontuado, frase a frase, com business angels, spin-off, business plan,

marketing plan, e não consegue apresentar uma única ideia, uma única solução estrutural para o desemprego

jovem em Portugal.

Protestos do PSD.

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É verdade! Os senhores leram o resumo da aula de gestão mas — preguiçosos! — não foram ler os

manuais de introdução à economia, que dizem uma coisa muito simples, e basta perguntar a qualquer

professor de economia: os senhores bem podem utilizar aqui as palavras mágicas do inglês (numa lógica,

enfim, um pouco provinciana, é verdade, mas podem utilizar) que essas palavras não são mágicas, porque,

numa economia que está em recessão, sem investimento, sem investimento público e privado, pela falta de

confiança, não há emprego que seja criado.

Protestos do PSD.

Não há, Srs. Deputados!

Aliás, creio mesmo que há um problema de audição na bancada do PSD, porque se ouviram bem as

palavras dos principais responsáveis do Governo português, a palavra-chave, a palavra mágica, não é

empreendedorismo, é empobrecimento.

Protestos do PSD.

Houve aqui uma dificuldade de audição! Foi isso que o Sr. Primeiro-Ministro, o Ministro das Finanças, o

Ministro da Economia e o Secretário de Estado da Juventude prometeram aos jovens portugueses foi

empobrecimento e não empreendedorismo.

Protestos do PSD.

Portanto, Sr.as

e Srs. Deputados, este documento merece ser estudado enquanto documento político,

porque, utilizando uma linguagem que, certamente, os senhores compreendem, ele representa um movimento

downsizing intelectual da proposta política da bancada do PSD.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, terminámos o debate sobre o projeto de resolução n.º 252/XII (1.ª).

Há um certo ruído na Sala. Convinha que os Srs. Deputados criassem um ambiente para iniciarmos a

apreciação, na generalidade, do projeto de lei n.º 173/XII (1.ª) — Altera o Código Civil, estabelecendo um

estatuto jurídico dos animais (PS). Conjuntamente com este projeto de lei, será apreciada a petição º 80/XII

(1.ª) — Apresentada por Ana Paula R. T. Cruz (Dirigente da Associação Portuguesa de Direitos dos Animais e

do Ambiente) e outros, solicitando à Assembleia da República o cumprimento do artigo 13.º do Tratado de

Lisboa, que Portugal assinou e ratificou, e consequente e imediata alteração dos Códigos Civil e Penal na

parte respeitante aos animais, seres sencientes e não «coisas móveis».

Para apresentar o projeto de lei n.º 173/XII (1.ª), tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Delgado Alves.

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, começava

a minha intervenção saudando os muitos peticionantes e, também, os muitos milhares de portugueses que

mobilizam muito do seu tempo, muita da sua dedicação, muitos dos seus recursos para o cuidado altruísta em

promoção do bem-estar dos animais, tentando salvaguardar a sua natureza enquanto seres vivos que

connosco partilham o planeta.

Queria ainda sublinhar que, em resultado desta petição que hoje aqui discutimos, na sequência de outras

petições que também já foram apresentadas nesta Câmara, o Partido Socialista procura sublinhar a evolução

que no plano internacional e no do Direito Comparado se tem demonstrado, com um passo simbólico mas

relevante, em frente, permitindo distinguir aquilo que é diferente.

Podemos olhar para o Tratado de Amsterdão, para o Tratado de Lisboa, nomeadamente, podemos olhar

para os códigos civis da Alemanha, da Áustria e da Suíça e verificamos que, nesses casos, se distingue

claramente aquilo que é diferente, se distingue o regime jurídico aplicável às coisas, aos projetos inanimados,

do regime jurídico aplicável aos animais, reconhecendo aí uma especial natureza diferente que, por isso e

obviamente, o direito também deve reconhecer enquanto tal.

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No essencial, é o reconhecimento de uma inadequação continuarmos a considerar os animais como

«coisas», estritamente «coisas», do ponto de vista jurídico, pelo que se deve estabelecer o que deve ser um

estatuto jurídico próprio, obviamente acautelando as muitas e diversas questões que se têm levantado e que o

debate na sociedade portuguesa promoveu e, seguramente, continuará a promover.

Neste sentido, essencialmente, o PS propõe que se passe a considerar autonomamente um estatuto

jurídico para os animais, na sede própria, no Código Civil, mas, neste contexto, não se produz uma alteração

que passe para além destes aspetos que pontualmente alteramos no Código Civil, como veremos.

De facto, continuarão a ser aplicáveis as disposições sobre as coisas em tudo o que não estiver

especificamente regulado, continuarão a aplicar-se os regimes jurídicos relativos a atividades que envolvam

animais nas áreas da pecuária, da caça, da pesca, da utilização de animais em espetáculos, regras sobre a

sua saúde, sobre o licenciamento, sobre a sua utilização, que continuarão em vigor, e também continuarão a

aplicar-se as normas sobre os maus-tratos, em boa hora aprovadas e aperfeiçoadas nesta mesma Câmara.

Complementarmente, porque temos esta oportunidade de proceder a precisões do Código Civil, precisa-se

o regime de responsabilidade civil em caso de morte ou dano, atualizam-se algumas redações em normas

sobre esta matéria e fornecem-se também critérios para problemas com os quais os tribunais já se debatem

muitas vezes, quando é necessário arbitrar qual o destino de um animal de companhia numa situação em que

é necessário regulá-la num contexto familiar.

Dos contactos com os múltiplos intervenientes que participaram neste debate, desde os Conselhos

Superiores da Magistratura e do Ministério Público, que forneceram contributos e sugeriram melhorias de

qualidade técnica ao diploma, desde as precisões que também devemos recolher do Direito da União Europeia

e também do muito contacto que tivemos com associações que promoveram estas iniciativas, mas também

com as que manifestaram algumas reservas e algumas dificuldades e em relação às quais também,

obviamente, temos toda a abertura para melhorar e tornar este diploma mais inteligível, se for esse o caso, e

mais adequado a responder especificamente a todos os vários interesses em presença, saudamos a

disponibilidade que tem sido manifestada para este amplo debate e esperamos também, na sequência do

debate sobre esta matéria que realizámos nesta Câmara, em novembro, em que as várias bancadas

parlamentares manifestaram um acordo de princípio quanto à consagração de um estatuto jurídico próprio,

que seja possível construirmos uma solução consensual que responda aos muitos interesses em presença e,

em especial, à necessidade de reconhecer um estatuto especial para proteger os animais na nossa legislação

civil.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Cristóvão Norte.

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: A matéria objeto deste debate

reveste-se da maior importância e merece a melhor atenção do Grupo Parlamentar do PSD, já que apela e

impõe reflexões de natureza ética que transcendem largamente a disciplina jurídica proposta.

Ninguém discutirá, aliás, como se comprovou por ocasião de uma recente petição nesta Câmara, que

importa completar a legislação e consagrar soluções que acompanhem o despertar da consciência social e

robusteçam o quadro de proteção dos animais, especialmente no que concerne aos animais de companhia,

em razão do seu particular vínculo de afeição com o homem e da função que desempenham na nossa

sociedade.

Em Portugal, quer por força da proliferação de associações de defesa dos animais, quer pelo esforço

voluntário de muitos cidadãos, verificam-se crescentes manifestações de preocupação sobre esta matéria que

são o corolário do envolvimento social que a mesma, legitimamente, tem suscitado, de que é, aliás, exemplo a

petição que hoje aqui também discutimos e que se afigura como um importante contributo de cidadania dos 12

393 peticionários que a subscreveram.

O direito deve perfilhar essa consciência social e adotar as medidas que a interpretem e exprimam, pelo

que o PSD reitera o seu compromisso de apresentar um estatuto jurídico do animal que trate esta questão de

forma estruturada, congruente e global, sem radicalismos e sem visar a produção animal, a caça ou as

atividades culturais e de lazer.

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O Sr. Pedro Lynce (PSD): — Muito bem!

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Isso que fique bem claro: se se entende, e bem, que se deve completar o

quadro legal, no sentido de reforçar substancialmente a proteção dos animais e os reconduzir a um tratamento

jurídico que reconheça as suas singularidades e a sua natureza, então, também se deve assumir, com igual

nitidez e de forma perentória, que as soluções a propor devem obedecer e conter-se no âmbito da evolução

social que se tem registado ao longo das últimas décadas.

Por isso, Sr.as

e Srs. Deputados, ir mais além seria já entrar no domínio de soluções que provocariam

crispação e para as quais o nosso consenso social não está minimamente preparado.

Em concreto, quanto ao projeto do Partido Socialista, importa salientar que se circunscreve a alterações do

plano civilístico, de caráter meramente simbólico, e que, por força dessa incompletude, não pode oferecer um

tratamento normativo integrado que garanta decisivamente o reforço da proteção dos animais de companhia.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — E esse é o caminho que tem de ser obrigatoriamente percorrido no nosso

País: tutelar a proteção dos animais de companhia com mecanismos de natureza coerciva, aptos a traduzir

uma forte censura social aos maus tratos, ao abandono, e que, sobretudo, confiram aos animais uma proteção

jurídica direta que não opere apenas por via da salvaguarda dos proprietários mas que saiba distinguir e

compreender o valor intrínseco dos animais de companhia.

Sobre esse ponto, Sr.as

e Srs. Deputados, o projeto do PS não corresponde e esbanja a oportunidade de

tratar essa matéria em todas as suas vertentes, dando corpo ao que é decisivo e realmente importante, que é

assegurar o reforço das garantias de proteção dos animais de companhia.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente António Filipe.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: O Partido Socialista traz

hoje à discussão uma proposta para alterar o nosso Código Civil no sentido de estabelecer um estatuto

jurídico dos animais.

Como primeira nota, quero dizer que Os Verdes acompanham a iniciativa do Partido Socialista, porque se

trata, a nosso ver, de um passo que tem de ser dado e, por isso, também saudamos os proponentes.

Aliás, na exposição de motivos do projeto de lei em discussão, o Partido Socialista refere a consagração

constitucional do direito dos animais, o que, de certa forma, vai ao encontro da proposta do Partido Ecologista

«Os Verdes», que constava do nosso projeto de revisão constitucional.

De facto, não faz qualquer sentido que, no plano legal, os animais sejam reduzidos a meras coisas, desde

logo porque estamos a falar de seres vivos sensíveis. Seres vivos sensíveis que, até hoje, não conhecem

quaisquer medidas destinadas à sua proteção e salvaguarda perante eventuais atos de violência, crueldade e

maus tratos, praticados tanto pelos seus donos como por terceiros.

Os Verdes consideram, assim, que é imperioso atribuir um estatuto jurídico aos animais não humanos,

capaz de reconhecer as suas diferenças e natureza, tanto relativamente aos humanos, como relativamente às

coisas.

Sabemos todos que é cada vez mais notória a consciência generalizada relativamente às

responsabilidades dos humanos face às demais espécies suscetíveis à dor, pelo que a consciência dessa

responsabilidade terá de ter expressão no plano legal, neste caso, no Código Civil. E é isso que se pretende

com esta proposta.

Do que se trata é de proceder a uma evolução na forma como a lei olha para os animais não humanos. É

uma evolução em relação ao Código Civil de 1966, no sentido de abandonar a conceção que continua a tratar

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os animais como coisas e a atribuir-lhes, assim, um estatuto diferente daquele que hoje rege aquilo que

designamos por «coisas», ainda que continuem a ser objeto de relações jurídicas e o estatuto das coisas

continue, à luz desta iniciativa legislativa, a ser o regime subsidiário, desde que não contrarie outras normas

de defesa dos animais.

As restantes alterações que constam da iniciativa decorrem ou são consequência desta nova forma de

abordar os animais no plano legal e vão desde a propriedade dos animais, que passa a incluir obrigações e

deveres para o proprietário, até à responsabilidade civil, consagrando indeminizações por lesão do animal de

companhia, ainda que, a nosso ver e permitam o reparo, o conceito de animal de companhia devesse ser

objeto de maior densificação — a não ser que esta tarefa fique remetida para a doutrina ou para a

jurisprudência. De qualquer forma, não teríamos nada a perder se o conceito ficasse melhor definido.

Temos, no entanto, algumas dúvidas relativamente à redação proposta para o artigo 1321.º, que remete

para a legítima defesa e para o estado de necessidade. É que, se esta solução faz todo o sentido nas

hipóteses de detenção e destruição, temos algumas dúvidas de que seja a solução mais adequada para os

casos de ocupação.

De qualquer forma, são dúvidas que podem ser esclarecidas ou ser objeto de análise na procura de outras

soluções, em sede de especialidade.

Portanto, Os Verdes vão votar a favor desta iniciativa legislativa, que pretende estabelecer no Código Civil

um estatuto jurídico dos animais.

Aproveito para saudar, em nome de Os Verdes, os milhares de cidadãos que subscreveram a petição em

defesa dos animais que connosco partilham o planeta e para dizer que Os Verdes acompanham as suas

preocupações expressas nessa petição, que também está em discussão.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Anjinho.

A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Começo por saudar os

peticionários e agradecer o vosso envolvimento por uma causa que também consideramos importante.

Abstraindo-me das questões concretas suscitadas na petição e do articulado do projeto de lei em análise,

tenho de começar por dizer que estamos, de facto, perante um debate interessante e mobilizador para as

consciências do presente.

Se passarmos em revista as páginas do Diário da República e do Jornal Oficial da União Europeia,

compreendemos que se tem vindo a acentuar uma preocupação importante no sentido de conferir maior

proteção jurídica aos animais. Penso mesmo ser legítimo afirmar que existe um consenso de que os animais

merecem respeito.

Esta bancada parlamentar já afirmou no passado e reafirma hoje uma posição de princípio favorável à

dignificação do estatuto legal dos animais.

Todavia, da mesma forma que, com abertura, realço esta posição de princípio, também tenho de

reconhecer que o debate está longe de estar encerrado e que as soluções jurídicas consensuais e

tecnicamente sólidas não são fáceis de encontrar.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — A iniciativa legislativa que hoje aqui debatemos — e que tem por título

«O estatuto jurídico dos animais» — acompanha, no essencial, três exemplos europeus de descaracterização

dos animais como coisas.

Ora, estes exemplos do direito comparado, por muito que os respetivos ordenamentos tenham no passado

servido de inspiração a muitos dos normativos vigentes, não podem ser importados sem qualquer espírito

crítico que, nomeadamente, atente à realidade interna de cada Estado e aos fatores culturais envolventes.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

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A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — É inevitável reconhecer, por exemplo, como estas alterações fazem

sentido, se visarem proteger, essencialmente, os animais de companhia, não se podendo aplicar de igual

modo aos outros animais.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — Invoca ainda o Partido Socialista, o corpus legislativo da União

Europeia, citando, em particular, o artigo 13.º do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia.

Ora, salvo melhor opinião, esta tentativa de alteração do estatuto jurídico dos animais não nos parece ser

exatamente o que se pretende com o «comando» ínsito no artigo 13.º, que, no quadro da agricultura, das

pescas, dos transportes, manda criar condições legais para ser respeitado o bem-estar animal, sempre tendo

em conta os costumes dos Estados-membros, designadamente as tradições culturais.

De facto, ao nível da União Europeia, existe um conjunto de regras específicas para a proteção e bem-

estar dos animais em domínios específicos, tal como, em Portugal, também existe legislação específica nesta

matéria.

Ora, com este projeto de lei, não estaremos perante legislação que, visando agradar e corresponder ao

sentimento de parte significativa da população, em boa análise, pouco contribui para uma correta definição da

posição jurídica dos animais?

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — A nosso ver, o facto de uma norma geral afirmar que os animais não

são coisas, mas que, depois, aplica, por defeito, as disposições relativas às coisas, em pouco contribui para

melhorar as condições de existência concreta dos mesmos.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — Para esta bancada parlamentar, o cerne do debate está na diversa

legislação que lhes é aplicável, pelo que, permitam-me, em primeiro lugar, independentemente da discussão

que poderíamos ter em torno de um eventual valor simbólico e heurístico das alterações, duvidar, nesta

matéria, do relevo atribuído ao contributo do direito civil e, em segundo lugar, reforçar a minha convicção de

que a proteção dos animais passa, ou deve passar, essencialmente, pelo direito público.

Em conclusão, naturalmente que, perante a evolução a que temos vindo a assistir, é de se esperar que

regimes jurídicos próprios dispensem uma efetiva e cabal tutela dos animais, mas, Sr.as

e Srs. Deputados, tal

não depende apenas ou essencialmente da edição de leis, depende, sobretudo, das pessoas e do exercício de

uma cidadania ativa,…

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — … bem como, há que dizê-lo, da efetiva atuação do poder publico, a

quem competirá fiscalizar e punir eventuais atos ilícitos praticados contra os animais.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Filipe

Soares.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Há muito a alterar no modo

como se vê, nesta área da fórmula jurídica nacional, o respeito pelos direitos dos animais, pelo

reconhecimento dos próprios animais.

Obviamente, penso que poderemos retirar das intervenções que já ouvimos neste debate e daquelas que

se seguirão, porque é o consenso a que já tínhamos chegado em debates anteriores, que os animais não são

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coisas, não podem ser considerados como coisas móveis, porque, por exemplo, exercer um mau trato sobre

um animal não é a mesma coisa que partir o vidro de um carro ou estragar uma bicicleta. E, não sendo a

mesma coisa, não pode ser tratado de forma igual, como acontece atualmente no Código Civil.

Por isso, acompanhamos a petição, igualmente em debate neste ponto da ordem de trabalhos, e saudamos

o envolvimento cidadão de mais de 12 000 peticionários que trouxeram este debate a esta Assembleia mas

que também motivaram na sociedade uma reflexão profunda e que hoje também culmina aqui com este

debate.

Saudamos igualmente a iniciativa legislativa que vem proposta a debate. Não acompanhando esta iniciativa

até à vírgula, estamos, do ponto de vista ético e filosófico, muito a par do que é a visão dos seus proponentes.

Obviamente, há sempre espaço para melhorar e aprofundar. É esse o nosso espaço de diálogo, que

trouxemos no passado e continuamos a trazer sobre esta matéria, pois é algo que, a nosso ver, vai muito além

de qualquer querela partidária.

Os peticionários trouxeram a debate uma questão fundamental. Como referi, não podemos considerar os

animais como coisas — não são coisas! E, a exemplo do que existe em legislação de outros países europeus,

esta evolução também é necessária para a legislação em território nacional.

E não podemos ter aqui o discurso de que há sempre um caminho muito longo a percorrer, pois esse

discurso é sempre impeditivo para que se faça alguma coisa. Não aceitamos isso! Há um caminho longo a

percorrer, mas ele só se cumpre se for percorrido. Por isso, passo a passo, é possível melhorar o que existe

atualmente.

É que já há trabalho feito e trabalho com o qual podemos aprender. Os vários exemplos de outros Estados

da União Europeia são motivos de aprendizagem que podemos transpor para a legislação nacional.

Mas porque já há um pensamento, quer ético, quer filosófico, sobre a matéria, como os diversos pareceres

que também serviram de balanço para este debate o demonstraram, já podemos caminhar no sentido de

proteger os animais, enquanto animais. É que eles sentem! E, se sentem, não são coisas! Se sentem, eles

sentem quando são maltratados, mas também sofrem quando são abandonados.

Por isso, a legislação deve prever todas estas situações, coisa que não faz, como deveria fazer.

É este o princípio que trazemos a esta discussão. Achamos que é possível ir mais longe e faremos

propostas nesse sentido. Esperamos que o consenso seja alargado, no sentido de encontrarmos soluções

onde agora existe o impasse do imobilismo, com base no passado que se quer longe e não se quer atual.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Começo por saudar os peticionários

que trouxeram à Assembleia da República a petição agora em discussão, exercendo um direito constitucional

que obviamente é de saudar e de registar.

Quero iniciar a minha intervenção fazendo duas notas preambulares, sendo a primeira para fazer uma

afirmação de princípio: o Partido Comunista Português tem afirmado sucessivamente a necessidade de

encarar o respeito pela vida animal numa perspetiva de harmonização do desenvolvimento humano com a

natureza e de preservação da biodiversidade dos animais e dos seus habitats, afirmação esta que não

desligamos do nosso combate, que é o combate do PCP e dos comunistas, contra o sistema capitalista que

cada vez mais torna evidente a sua natureza destruidora e depredadora dos recursos naturais e do ambiente.

Entendemos que este debate não pode ser desligado dessa conceção ideológica, que colocamos como

indispensável.

Uma segunda nota preambular é no sentido de dizer, Sr.as

e Srs. Deputados, que é cada vez mais evidente

na sociedade portuguesa a consciência e a importância da defesa dos valores da preservação da

biodiversidade, da proteção dos animais e do seu bem-estar, mas também é cada vez mais evidente que isso

não chega, que é preciso tomar medidas de natureza política para garantir o cumprimento desses objetivos.

Ora, é aí que se coloca este debate, particularmente o debate em torno da iniciativa legislativa apresentada

pelo Partido Socialista.

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Mas é preciso dizer que este debate não começa do zero. Temos, em Portugal, um conjunto muito

significativo de diplomas legais, que foram aprovados ao longo dos anos, particularmente a partir de 1995, e

devo dizer que nunca o Código Civil foi um obstáculo à aprovação de regras que protejam os animais e

preservem o seu bem-estar. Este é um elemento indispensável.

E se, do ponto de vista simbólico, é importante dar aos animais um tratamento que deixe de os considerar

como coisas — e julgamos que sim, que, do ponto de vista simbólico, esse é um passo importante —,

entendemos é que isso não é decisivo para garantir a proteção dos animais e a preservação do seu bem-

estar. E queremos procurar, com a nossa posição, contribuir positivamente para que possam ser tomadas

medidas no sentido de aprofundar as medidas políticas que é preciso tomar para garantir a proteção dos

animais e a preservação do seu bem-estar.

Relativamente a esta questão e passando diretamente à apreciação do projeto de lei apresentado pelo

Partido Socialista, consideramos que o mesmo é um instrumento de reduzido e duvidoso alcance prático. E

porquê? Algumas das questões já aqui foram abordadas, pelo que posso fazer-lhes uma referência muito

sintética, sem aprofundar a sua análise.

Em primeiro lugar, introduzir referências aos animais nos artigos do Código Civil que dizem respeito às

coisas não significa criar um regime jurídico para os animais, como aqui já foi dito. Remeter para aquilo que é

a legislação especial relativamente aos animais, como faz o Partido Socialista, é, digamos, o inevitável,

porque, não sendo capaz de no Código Civil dar resposta às preocupações que com especialidade se colocam

em relação aos animais, isso obriga-o a remeter para essa legislação especial. Assim, o projeto de lei do

Partido Socialista acaba por traduzir esse impasse que não é possível resolver.

Mas, por outro lado, Sr.as

e Srs. Deputados, há uma perspetiva que, a nosso ver, não pode ser

acompanhada, a que coloca sempre os animais numa perspetiva instrumental relativamente aos homens que

é pouco condicente com os propósitos afirmados.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira terminar, Sr. Deputado.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Termino já, Sr. Presidente.

Relativamente às questões da indemnização ao proprietário por lesão ou morte do animal ou da aquisição

da propriedade dos animais, consideramos que esta perspetiva instrumental dos animais em relação aos

homens não é condicente com os propósitos afirmados.

Julgamos até, em segundo lugar, que há uma preocupação a ser tida em conta: no projeto de lei do Partido

Socialista a não distinção entre animais de companhia, animais selvagens ou animais criados em explorações

agropecuárias com fins alimentares pode ser uma fonte de problemas que muito dificilmente se conseguem,

depois, resolver com legislação especial. Pelo contrário, poderão criar problemas à legislação especial que

hoje temos em vigor, em Portugal, destinada a proteger o bem-estar animal.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Concluindo, Sr. Presidente, quero dizer que, da parte do PCP, estamos

inteiramente disponíveis para contribuir para o aperfeiçoamento da legislação especial que se destina à

proteção dos animais e à preservação do seu bem-estar e estamos ainda mais disponíveis para garantir

condições de cumprimento e de concretização desta legislação, porque em muitos aspetos o que falta é

concretizar a legislação e garantir condições para a sua fiscalização.

No entanto, temos muitas dúvidas e uma grande dificuldade em acompanhar esta iniciativa legislativa do

Partido Socialista pelos argumentos que acabei de expor.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para uma segunda intervenção, o Sr. Deputado Pedro

Delgado Alves. Ainda dispõe de 20 segundos.

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Sr. Presidente, vou procurar ser sucinto.

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Queria, em primeiro lugar, agradecer as várias intervenções que contribuíram para este debate. Penso que

deixaram uma marca clara de que há um trabalho a fazer, que há um problema identificado que pode ser

objeto de um trabalho de especialidade nesta Assembleia e que pode, de facto, trazer um resultado positivo

também no sentido que os peticionantes solicitavam.

Sublinho o que referi na intervenção inicial. Procura-se uma solução de equilíbrio que salvaguarde o

reconhecimento da natureza própria dos animais, obviamente não prejudicando outras atividades, como a

caça, a pesca e atividades culturais que também estão em cima das preocupações e têm de ser com estas

articuladas.

Concordamos com a intervenção feita pelo Sr. Deputado Cristóvão Norte quanto à necessidade de meios

penais e temos toda a disponibilidade para trabalhar nesse sentido, articulando estas propostas com outro

trabalho de densificação jurídica, e também com as sugestões formuladas pelo Bloco de Esquerda e por Os

Verdes para trabalhar mais na especialidade e procurar corrigir alguns aspetos que podem não estar

expressos da melhor forma na proposta apresentada nos termos em que hoje a discutimos.

Queria dizer à Sr.ª Deputada Teresa Anjinho que, de facto, parte da mudança depende também um pouco

das leis e, efetivamente, a escolha do Código Civil não é apenas uma escolha simbólica, porque, enquanto

tronco comum não só do direito privado mas de certa forma também enquanto tronco do direito português,

representa o local próprio para concetualmente definir que há uma diferença entre as coisas e os animais e

obviamente isso tem de ser deixado claro para todos na nossa lei, como acontece na lei alemã.

No temos de, acriticamente, recolher todos os contributos da legislação estrangeira, mas o que é facto é

que a doutrina civilística alemã, o BGB (código civil alemão), é um padrão, um farol que tem sido normalmente

utilizada na construção das nossas soluções normativas. E se não as enjeitamos nesta Câmara ou noutras

discussões, penso que também não o devemos fazer nesta matéria quando ela é positiva.

Finalmente, Sr. Deputado João Oliveira, concordamos que nunca o Código Civil foi um obstáculo, mas

pode também ajudar a contribuir para dilucidar dúvidas que possam existir e duvido que seja um entrave à

aplicação da legislação especial. No caso do direito de propriedade, o que vem muito claramente expresso no

projeto é que se tratam de notas gerais sobre o exercício do direito de propriedade que não dispensam,

obviamente, concretização na legislação especial. Portanto, quanto a esse problema, penso que, se

dificuldades houver do ponto de vista conceptual, poderemos resolvê-las na especialidade.

Termino, sublinhando uma dimensão que não frisei, mas que considero importante, que é a dimensão ética

e filosófica àquilo que nos traz. Ninguém nesta Câmara está, obviamente, a defender a transformação dos

animais em sujeitos de relações jurídicas. Não é disso que se trata, não é de direitos em sentido próprio mas,

sim, da existência de proteção jurídica dada aos animais na legislação. Fazemo-lo porque, citando agora

Martha Nussbaum, os animais são capazes de uma existência condigna. Pode ser difícil precisar o que seja

esta existência condigna, mas é fácil definir o que ela não é. E, nesse sentido, o facto de os humanos atuarem

de uma forma que nega essa existência condigna é uma questão de justiça, à qual considero que esta Câmara

deve dar resposta.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr.as

e Srs. Deputados, terminámos este debate. O projeto de lei n.º

173/XII (1.ª) será votado amanhã, no período regimental de votações.

Vamos passar ao ponto seguinte da nossa ordem de trabalhos, que consta da discussão, na generalidade,

dos projetos de lei n.os

204/XII (1.ª) — Altera o Decreto-Lei n.º 55/2009, de 2 de março, de modo a contemplar

o fornecimento de pequeno-almoço nos apoios alimentares escolares (Os Verdes) e 155/XII (1.ª) — Cria o

programa de pequeno-almoço na escola (BE) conjuntamente com os projetos de resolução n.os

247/XII (1.ª) —

Recomenda ao Governo que pondere a criação de instrumentos que garantam o acesso ao pequeno-almoço

aos alunos mais carenciados do ensino obrigatório (PS) e 266/XII (1.ª) — Recomenda ao Governo que

pondere a criação de mecanismos que garantam o acesso a uma refeição matinal aos alunos cuja situação de

carência lhes impede o acesso à refeição em casa (CDS-PP e PSD).

Para apresentar o projeto de lei de Os Verdes, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

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A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Conforme reconhecerão,

Os Verdes têm vindo sistematicamente aqui, na Assembleia da República, a denunciar a gravidade da

situação que se passa nas escolas portuguesas pelo facto de cada vez mais crianças chegarem às escolas

sem pequeno-almoço tomado, ou seja, em jejum.

Esta denúncia que Os Verdes têm feito na Assembleia da República decorre do crescente número de

relatos que nos chegam, designadamente das escolas em concreto, descrevendo a situação preocupante em

que essas crianças se encontram.

O Sr. Ministro da Educação diz que não há estudos concretos que revelem a dimensão desta realidade.

Mas já tivemos oportunidade de dizer ao Sr. Ministro que há coisas que não precisam de ser estudadas ao

pormenor para que se perceba a dimensão da sua realidade. Por exemplo, se não houvesse números

frequentes sobre o desemprego, todos perceberíamos, a olho nu, que o desemprego está a galopar em

Portugal, porque todos os dias à nossa volta há pessoas a cair no desemprego. É uma realidade

absolutamente evidente. Como absolutamente evidente é o facto de todas as pancadas que o Governo tem

dado ao nível económico e social no País estarem a gerar um empobrecimento tal que leva a que muitas

famílias não tenham já condições de se alimentarem condignamente. Pessoas que há meses conseguiam

alimentar-se neste momento não conseguem nem conseguem alimentar condignamente os seus filhos.

A Assembleia da República tem aqui várias hipóteses: ou enfia a cabeça na areia e finge que nada se

passa, ou vai, pura e simplesmente, em termos discursivos, dizendo «ai, que problema tão grande!» ou, então,

a hipótese que Os Verdes assumem, diz «não, isto não pode ser e temos de criar aqui uma solução!».

A solução que Os Verdes propõem é que se crie um programa de fornecimento de pequeno-almoço nos

apoios alimentares escolares. Ou seja, caberá aos encarregados de educação proceder à inscrição dos seus

educandos para beneficiarem deste pequeno-almoço quando o necessitarem e o entenderem e, quando

entenderem que já não necessitam, desinscrevem os seus educandos deste programa de fornecimento de

pequeno-almoço escolar.

Sr.as

e Srs. Deputados: Professores, pais e outras crianças relatam, com uma legítima dimensão da

gravidade da situação, que há cada vez mais crianças prostradas nas aulas de manhã, que há cada vez mais

crianças com falta de participação e com falta de atenção.

E, Sr.as

e Srs. Deputados, quanto a esta matéria, quem quiser falar de custos vai ter de falar também de

outros custos. Vai ter de falar dos custos para a saúde dessas crianças ou, melhor, do prejuízo para a saúde

destas crianças pelo facto de não tomarem o seu pequeno-almoço e vai ter de falar dos custos para o Estado

do insucesso escolar que esta questão poderá causar a essas crianças. É de tudo isto que poderemos falar.

Há, no entanto, uma questão: os Deputados têm a responsabilidade de resolver a situação ou de contribuir

para que ela se resolva em virtude das autênticas machadadas que o Governo tem dado para o

empobrecimento generalizado no País.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para apresentar o projeto de lei do Bloco de Esquerda, tem a palavra

a Sr.ª Deputada Ana Drago.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Discutimos hoje um conjunto alargado de

iniciativas no sentido de criar o pequeno-almoço na escola.

Creio que esta é uma matéria de muitíssima importância, sobre a qual temos de estabelecer um diálogo

que dê resultados nas escolas o mais rapidamente o possível.

Esta iniciativa tem uma história, que começou exatamente pelos testemunhos e relatos que nos foram

surgindo das escolas por parte de professores e de pais, segundo os quais era cada vez mais comum chegar

uma manhã a uma escola e encontrar crianças que iniciavam o seu dia de aulas, o dia em que vão aprender

coisas novas, sem terem tomado o pequeno-almoço ou com um pacote de bolachas dado pelos pais para

aguentarem até ao momento da refeição escolar do almoço, e que, portanto, estávamos perante o

agravamento de carências alimentares, de situações de fome no contexto da escola pública.

Foi exatamente na base destes testemunhos que nos foram chegando que o Bloco de Esquerda

apresentou, há quase seis meses, nesta Assembleia, aquando do debate do Orçamento do Estado, uma

proposta para que fosse criado este programa do pequeno-almoço na escola. Na altura, estávamos sozinhos

nessa proposta. Hoje, felizmente, estamos acompanhados por um conjunto de outras iniciativas, e ainda bem.

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Na altura da discussão do Orçamento do Estado essa proposta foi chumbada, mas a verdade é que esse

chumbo não resolveu o problema e, portanto, os testemunhos vão-se multiplicando. Creio que, se todos os

Deputados que têm hoje a oportunidade de visitar escolas perguntarem aos dirigentes de um agrupamento

escolar, aos professores, às associações de pais se conhecem situações destas, não há uma única escola

que não diga que a questão da falta do pequeno-almoço se está a agravar e que isso está a ter impactos na

vida das escolas e, obviamente, na vida de cada uma destas crianças e destes jovens.

É por isso que esta ideia fez o seu caminho: surgiu, entretanto, uma petição pública — creio que os

peticionários acompanham hoje mesmo o debate que estamos a ter; multiplicaram-se estas vozes na

comunicação social; e hoje avaliamos e discutimos várias iniciativas.

Nesta matéria, creio que não nos podemos escudar em contraposição de argumentos que não resolvam o

problema essencial. Poderemos fazer avaliações, poderemos perceber qual é a situação, poderemos fazer um

debate sobre as formas de sinalizar estas situações nas escolas, mas uma coisa não aceitaremos: que de

projetos de resolução em projetos de resolução uma resposta urgente às situações de fome nas escolas seja

adiada.

Por isso, Sr.as

e Srs. Deputados, faço um apelo a todas as bancadas, em particular às bancadas da

maioria: vamos criar um diálogo sobre estas iniciativas! Não chumbem iniciativas e propostas que podem ser

construtivas! Temos de encontrar uma resposta já, hoje, para as situações de fome nas escolas! É esse o

desafio que deixo.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para apresentar o projeto de resolução do Partido Socialista, tem a

palavra o Sr. Deputado Rui Duarte.

O Sr. Rui Pedro Duarte (PS): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Em linha de preocupação com

aquilo que o Bloco de Esquerda e Os Verdes acabam de dizer a esta Câmara, mas também com o espírito de

procura de uma solução que seja urgente e eficaz para uma realidade que é tão preocupante para o País,

também o Partido Socialista considera premente fazer esta discussão, mas com termos concretos e no sentido

de chegarmos, de facto, a uma solução rápida.

No momento em que as famílias portuguesas se deparam com o drama quotidiano do aumento dos

números do desemprego e com a menor disponibilidade dos seus rendimentos, são cada vez mais os casos

de carências alimentares que vão chegando também ao conhecimento do Grupo Parlamentar do Partido

Socialista, assim como ao da própria comissão.

Já na presente sessão legislativa, o Partido Socialista teve a oportunidade de se debruçar sobre a

necessidade de reforçar a qualidade da oferta alimentar nas escolas, através dos programas de fruta e de leite

nas escolas, que são também acrescentos àquilo que deve ser a dignidade das refeições matinais dos alunos

nas escolas. No entanto, é também a altura de discutir aquilo que são os poucos momentos de ingestão de

alimentos para muitos alunos.

Portanto, uma vez mais, e fruto da degradação das condições e do bem-estar social das famílias

portuguesas, que agora se reflete com particular incidência no dia a dia de crianças e jovens que chegam à

escola insuficientemente alimentados, recomendamos ao Governo que faça uma avaliação urgente junto dos

estabelecimentos de ensino em parceria com as autarquias que são quem mais tem conhecimento da

realidade local. De resto, e em bom rigor — faça-se justiça —, muitas das autarquias já estão a dar respostas

extraordinárias a estes novos contextos de carência social. É preciso que o Governo pondere a criação de

mecanismos de apoio social direto ou indireto às famílias mais carenciadas.

Sr.as

e Srs. Deputados, falar desta realidade e da sua gravidade é também dizer que ela não se repercute

apenas na vida e no bem-estar, ou seja, na qualidade de vida dos alunos, mas também no aspeto negativo

que poderá ter, visto que poderá influenciar o próprio aproveitamento escolar de todas e de todos os alunos

que, na sua manhã, começam a sua jornada de estudo sem terem acesso a um pequeno-almoço.

Portanto, mais grave do que não chegarmos a uma solução consensual concreta quanto a uma resposta

eficaz e objetiva seria pensar que, ao darmos resposta a esta carência social, estaríamos apenas a falar de

um assistencialismo extraordinário ou de um qualquer plano de caridade urgente. Não, Sr.as

e Srs. Deputados,

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estamos sobretudo a falar de repor dignidade social e humana nas famílias e nas escolas e, acima de tudo, de

resolver uma inconcebível desigualdade no nosso Estado de direito democrático.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para apresentar o projeto de resolução n.º 266/XII, do CDS-PP e do

PSD, tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado Amadeu Albergaria.

O Sr. Amadeu Soares Albergaria (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: O Partido Social

Democrata tem escrito no seu programa que a dignidade da política consiste em estar ao serviço da dignidade

da pessoa, isto é, do ser humano entendido como fim em si mesmo e, portanto, razão de ser, medida e limite

da ação política.

Para o PSD, a atuação do Estado, das magistraturas públicas e mesmo das instituições sociais encontra

nesta dignidade da pessoa os limites naturais do exercício do poder. É este o critério último da avaliação das

estruturas, das políticas e das instituições da nossa sociedade. É este o critério último da definição dos limites

da ação da sociedade e do Estado, assim como é este o fim que justifica e orienta a ação e a política.

O PSD afirma, pois, as pessoas como valor fundamental, defende a sua igual dignidade e o seu direito a

uma vida boa e feliz.

É o concretizar deste princípio personalista que nos obriga, em tempos de emergência social, a olhar com

redobrada atenção para os nossos concidadãos, muito especialmente para as nossas crianças e jovens.

Assim sendo, o Grupo Parlamentar do PSD, em conjunto com o do CDS-PP, conhecedor e preocupado

com o aumento de casos de privação alimentar dos alunos das nossas escolas, apresenta a esta Câmara um

projeto de resolução que recomenda ao Governo que avalie rapidamente esta realidade e identifique os alunos

que, por motivos de carência económica, iniciam o seu dia de escola sem terem a possibilidade de tomar o

pequeno-almoço e que, consequentemente, crie os mecanismos para responder às dificuldades encontradas,

com base em avaliações individuais e através de critérios funcionais onde esteja incluída toda a comunidade

que envolve a escola, designadamente a rede social.

O Grupo Parlamentar do PSD considera que o Ministério da Educação, tendo já demonstrado a sua

preocupação e grande sensibilidade para com este problema em sede de Comissão de Educação, deve, pois,

desenvolver um trabalho muito urgente no sentido de estudar o universo de alunos a contemplar, ponderar o

início do projeto para uma data o mais breve possível. Este trabalho não deixar de envolver a sociedade civil,

as câmaras, as IPSS, a rede social, mas deve apelar também à responsabilidade social das empresas,

sociedade civil que, aliás, liderada pelas comunidades educativas, tem conseguido, até ao momento, encontrar

soluções para responder às necessidades dos alunos em situação de carência, mas que precisa agora, fruto

de um aumento dos casos, de uma intervenção mais ampla por parte do Governo.

Sr. Presidente, este é um tema que nos preocupa a todos e que não deve servir para demagogias.

Defendemos — o que nos separa de algumas propostas apresentadas — que o apoio de que aqui falámos

deve ser dado àqueles que precisam dele e não deve ser generalizado a todos.

É com este profundo respeito pela pessoa no seu direito à educação e à felicidade que afirmamos que

nenhum português pode ficar para trás, que nenhuma criança ou jovem ficará para trás!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Também para apresentar o projeto de resolução apresentado pelo

PSD e pelo CDS-PP, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês Teotónio Pereira.

A Sr.ª Inês Teotónio Pereira (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cerca de um mês depois de o

Governo iniciar funções e depois de ter conhecimento da real crise social e económica que o País atravessa, o

Ministro da Solidariedade e da Segurança Social desenvolveu e apresentou o chamado Programa de

Emergência Social (PES).

Este Programa, como todos sabem, foi criado e está a ser concretizado para responder aos casos urgentes

de carência derivados do sobre-endividamento das famílias, do desemprego e de novos fenómenos de

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pobreza, para chegar aos idosos de baixo rendimento, às famílias com filhos a cargo em que os pais caíram

no desemprego ou às pessoas com deficiência e com dificuldades para entrar do mercado de trabalho e

garantir a sua sustentabilidade.

Estas famílias precisam de apoio específico, individual e a rede social que existia não conseguia alcançar.

Neste sentido, este Programa foi pensado e desenvolvido de forma a colmatar também o fenómeno da

carência alimentar, que atinge principalmente os mais vulneráveis, como idosos e crianças.

Como resposta, e no âmbito do PES, decidiu-se, então, aumentar as chamadas cantinas socias, que

passam de 62 para 950, e de uma verba de 2,7 para 50 milhões de euros, utilizando a rede de instituições

sociais já existente, de forma a garantir que todos possam ter as refeições que precisam sem que tenham de

passar por burocracias ou processos complicados.

No entanto, com o início e com o desenrolar do ano letivo, detetou-se o aumento de casos de carência

alimentar nos alunos do ensino básico, uma situação identificada pelas próprias escolas e pelos professores,

que alertaram para o facto de muitos dos seus alunos iniciarem o seu dia de aulas em jejum, como aqui já foi

dito, sem terem tomado o pequeno-almoço em casa.

Em grande parte, estes casos são de «nova» pobreza e estão fora do âmbito dos habituais públicos-alvo

que as medidas de política social abrangem.

A comunidade educativa, tendo diagnosticado a situação, encontrou soluções a nível local, como já foi

referido por vários Deputados, mas revelou-se que esta espontânea intervenção é absolutamente insuficiente

tendo em conta o acumular de relatos de casos de carência nas escolas.

Ora, esta situação, infelizmente cada vez mais frequente, deve ter, no nosso entender, uma resposta

complementar ao Programa de Emergência Alimentar até que este esteja suficientemente amadurecido e

consiga abranger amplamente todos estes casos.

Esta resposta deve ter dois objetivos: por um lado, colmatar a carência alimentar e, por outro, integrar

todas as situações de necessidade detetadas na rede social já existente, constituída por autarquias,

instituições e pela própria comunidade educativa, de forma a que o processo não passe apenas pela

distribuição de comida, mas também pelo apuramento da realidade de cada caso para que se possa, de facto,

ajudar a retirar crianças e famílias da pobreza e auxiliá-las através das várias valências disponíveis, dando

respostas integradas.

Neste sentido, a resolução mediata deste problema social deve passar sobretudo pelo apuramento das

situações de carência através das escolas, que, apesar de não serem instituições de apoio social, devem

poder sinalizar os alunos com necessidade. Além disso, cada caso, sendo um caso particular, deve ser

avaliado tecnicamente, permitindo, assim, rigor na atribuição e ativar os recursos da comunidade para apoiar

famílias que, de outra forma, não procurariam ajuda.

O importante é garantir apoio apenas àqueles que dele necessitam, assegurar a resposta necessária em

cada caso e promover uma efetiva abertura da escola à comunidade, que deve agir em articulação com os

restantes agentes (centros de saúde, autarquias e instituições de solidariedade social).

Por tudo isto, consideramos que o Governo deve, de forma transversal, e não só o Ministério da Educação,

desenvolver os mecanismos necessários para avaliar e identificar os casos de alunos que, por motivos de

carência, iniciam o seu dia de escola sem terem tido acesso à refeição do pequeno-almoço e que atue em

conformidade, ou seja, ativando a rede social, tal como a comunidade educativa, e atribuindo os meios e os

programas disponíveis para fazer face a mais esta situação de emergência social.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Rita Rato.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Recentemente, foi realizado um concurso nas

escolas de uma autarquia na Região Metropolitana de Lisboa em que os estudantes foram convidados a

escolher uma frase para integrar o cartão de boas-festas e a frase mais votada por todos os alunos foi

«comida para todos». Não foi por acaso que a frase mais escolhida não foi «brinquedos para todos», mas sim

«comida para todos». Isto assim é porque a realidade dramática com que milhares de famílias estão

confrontadas é a da fome.

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Eu, que nasci depois do 25 de abril, ouvi sempre da parte da minha avó a conversa da fome no tempo do

fascismo, e é arrepiante, hoje, no século XXI, em pleno regime democrático, falarmos da agudização da

pobreza e dos fenómenos da fome, que é cada vez mais crescente entre as famílias, designadamente entre as

crianças e os idosos.

Assim é, desde logo, porque os 400 000 trabalhadores que auferem o salário mínimo nacional vivem

abaixo do limiar da pobreza — o limiar da pobreza está hoje nos 434 € e o salário mínimo nacional, depois dos

descontos feitos, é de 432 €.

É assim também porque os filhos de um casal que aufira o salário mínimo nacional não têm acesso à ação

social escolar e, por isso, não têm apoio para as suas refeições, para o transporte e para os manuais

escolares.

O agravamento do desemprego e da precariedade, o encerramento de milhares de empresas, a situação

desastrosa e muito grave que vemos aparecer de novo de milhares e milhares de pessoas com salários em

atraso, os milhares de pessoas que auferem um salário abaixo do salário mínimo nacional, a realidade cruel

dos cortes nas prestações sociais, quando são sobretudo as mulheres e as crianças que auferem estes

rendimentos, conduzem à situação dramática de milhares de famílias que não ganham para esticar os

rendimentos ate ao fim do mês para conseguirem pagar as suas despesas, incluindo a alimentação.

Portanto, o que temos, hoje, é uma realidade muito grave de agudização da pobreza e de alastramento da

fome, designadamente entre as crianças.

É, hoje, mais do que conhecida a situação de muitas crianças que chegam à escola sem terem comido

nada e é também conhecido por muitos daqueles que lidam com crianças que a única refeição que as crianças

fazem na escola é o almoço, sendo também a única que fazem até chegarem à escola no outro dia de manhã.

São muitos os professores e os pais que denunciam esta situação.

Por isso, entendemos que muitas escolas, num esforço empenhado, tentam, de acordo com as suas

possibilidades, dar resposta a este problema. De forma até muito criativa, os professores tentam que o pão

que sobra do almoço possa servir para o pequeno-almoço do dia seguinte. Mas é preciso ir mais longe. Por

isso, naturalmente, acompanhamos os projetos de lei em discussão no sentido de responsabilizar o Governo

por uma resposta imediata para este problema.

Não podemos deixar de reconhecer que aqueles que hoje assinalam o aprofundamento da pobreza e a

agudização dos problemas da fome são também os responsáveis pelo corte de mais 800 000 abonos de

família. PS, PSD e CDS-PP votaram pelo não aumento do salário mínimo nacional e, por isso, hoje, não

podem lamentar a situação quando tiveram possibilidade de a evitar.

Por isso, entendemos que medidas deste tipo podem ser um contributo importante para uma resposta

imediata, mas o caminho de erradicação da pobreza não se fará enquanto não se combater o desemprego,

enquanto não se combater a precariedade e enquanto não se combaterem os salários de miséria e não

tivermos um País que, cumprindo a Constituição, trabalha para uma mais justa distribuição da riqueza.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa

Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Face à constituição parlamentar e

à maioria parlamentar, a voz do PSD e do CDS-PP são relevantes para a aprovação dos projetos. Não estou

enganada, pois não?

Mas, então, o PS e o CDS têm de clarificar aquilo que dizem de uma forma absolutamente genérica, sem

que ninguém compreenda o que querem, de facto, dizer!

O Sr. Deputado Amadeu Albergaria disse «mas têm de beneficiar deste apoio do pequeno-almoço escolar

aqueles que precisem dele» e a Sr.ª Deputada Inês Teotónio Pereira diz «têm de beneficiar aqueles que dele

necessitam». Portanto, é igual. Até aqui tudo bem, há uma coerência absoluta entre a coligação. O problema é

a coerência com o País.

O Sr. Deputado Amadeu Albergaria ainda dispõe de 47 segundos e a Sr.ª Deputada Inês Teotónio Pereira

de 5 segundos, o que dará para responder à pergunta que vou fazer.

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O Sr. Presidente (António Filipe): — A Sr.ª Deputada é que já ultrapassou em 30 segundos o tempo de

que dispunha, pelo que terá de concluir.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Termino já, Sr. Presidente.

A pergunta que coloco é a seguinte: como é que os Srs. Deputados sabem quem são os que precisam do

pequeno-almoço escolar? Como é que avaliam quem são os que dele precisam? É que as crianças que

precisam são as que chegam às escolas sem o pequeno-almoço tomado, não são só as que estão ao abrigo

dos apoios sociais! É uma realidade muito mais vasta.

Srs. Deputados, o Ministério da Educação pode ir buscar comida onde quiser, mas tem de a fornecer na

escola àqueles que de facto precisam, ou seja, àquelas crianças que não tomam o pequeno-almoço em casa.

E quem sabe isso de facto são os seus encarregados de educação, que devem responsavelmente inscrever

as crianças nesse programa de modo a que a escola lhes possam fornecer o pequeno-almoço.

Sr.ª Deputada, há escolas que já fazem isso, que confiam nos pais e dão o pequeno-almoço às crianças,

apesar de o fazerem com grande dificuldade e provavelmente sem apoio do Ministério da Educação. E mais:

sabendo da situação de carência das crianças, dão uma refeição à tarde para as crianças levarem para casa,

porque sabem que, provavelmente, essa é a refeição que tomarão até ao final do dia.

Por isso, Sr.as

e Srs. Deputados, é tempo não de falar mas de agir!

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito rapidamente, quero dizer que o PSD e o

CDS ensaiaram aqui um argumento sobre a possível solução deste programa de pequeno-almoço escolar em

torno das crianças que o merecem e das crianças que não o merecem, ou seja, em torno de saber como é que

distinguimos quem dele necessita ou quem dele não necessita. Eu acho que essa resposta é relativamente

fácil, Srs. Deputados: são as crianças que chegam pela manhã à escola sem terem comido nada! Porque se

nós achamos que, em virtude de negligência das famílias, de contextos familiares difíceis, as famílias têm

rendimento que não as enquadram na ação social escolar, então há crianças que estarão na escola toda a

manhã com fome, porque a sua família não merece esse apoio. Mas, então, toda a resposta política em

relação à fome na escola está errada.

Aliás, estas coisas não são lineares. Tive oportunidade de visitar uma escola que já acolhe este tipo de

iniciativa, que tem 600 alunos, 400 deles incluídos nos escalões A e B da ação social escolar, e que presta

apenas 50 pequenos-almoços, ou seja, não há uma relação linear entre a ação social escolar e a necessidade

de pequeno-almoço.

O que considero importante sinalizar neste debate — e não deixo de o fazer — é que o PSD e o CDS, sem

dúvida, sobre esta matéria fizeram caminho, ou seja, durante a discussão do Orçamento do Estado

chumbaram uma nossa proposta e agora apresentam uma iniciativa.

O que não considero é que este debate possa, de facto, servir para que esta Assembleia aprove aquilo que

finge ser uma solução e que não é uma solução.

Portanto, faço de novo um apelo às bancadas da direita para que permitam que possamos já fazer o

debate de projetos de lei que propõem soluções que podem ser discutidas e que podem ser alteradas no

âmbito da especialidade.

Este não é um confronto ideológico, creio eu; é a forma de dar resposta àquilo que é uma situação sentida

nas escolas: há crianças com fome.

Temos, pois, todos a responsabilidade de dar uma resposta que dê pequeno-almoço a cada criança que,

pela manhã, começa o dia de aulas com fome.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Amadeu

Albergaria.

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O Sr. Amadeu Soares Albergaria (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A intervenção do PSD foi

feita no sentido de afastar qualquer tipo de recurso à demagogia num tema que nos preocupa e de evitar que

possa ser utilizado como arma de arremesso político.

O Sr. Paulo Cavaleiro (PSD): — Muito bem!

O Sr. Amadeu Soares Albergaria (PSD): — O que, de facto, interessa é a resolução de um problema

concreto.

O Sr. Paulo Cavaleiro (PSD): — Exatamente!

O Sr. Amadeu Soares Albergaria (PSD): — Em relação à Sr.ª Deputada do Partido Ecologista «Os

Verdes», que diz, muitas vezes, que conhece as escolas, quero dizer-lhe o seguinte: sabe uma coisa, Sr.ª

Deputada, há Deputados do PSD que também conhecem muito bem a realidade das escolas.

Aplausos do PSD.

São profissionais nas escolas, estão dia a dia no terreno, falam com as pessoas, têm filhos nas escolas

públicas. A minha filha anda na escola pública. Sabemos, pois, qual é a realidade das escolas.

Protestos do PCP.

Sr.ª Deputada, nas escolas existem profissionais extraordinariamente dedicados, como aqui foi assinalado

por todos, que, de forma eficaz, têm resolvido muitas das situações. Serão eles a identificar os casos dos

alunos com mais carências. Não se trata de uma questão de merecimento, mas de uma questão de

necessidade, porque todas as nossas crianças merecem o melhor que este País lhes possa dar.

Protestos do PCP.

Queria sublinhar a intervenção da Sr.ª Deputada Ana Drago, porque me parece que tocou no ponto certo: o

que interessa é resolver o problema. E a nós parece-nos que a resolução mais rápida é a que consiste em

recomendar ao Governo que — estas são as minhas palavras —, com urgência, crie os mecanismos

necessários para que esses casos deixem de ser um problema que afeta as nossas famílias e as nossas

escolas.

Fazer um projeto de lei que possa, eventualmente, entrar em vigor com o próximo Orçamento do Estado

não tem a urgência suficiente. Por isso, dizemos ao Governo de Portugal, ao Ministério da Educação, que

resolva com urgência este problema. Esta é a nossa convicção, esta é a nossa vontade e nós sabemos que o

Governo de Portugal o fará.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Duarte.

O Sr. Rui Pedro Duarte (PS): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Esta é, de facto, uma questão

preocupante e acho que ficou bem claro, da parte de todos os grupos parlamentares, o compromisso de

chegarmos a consenso em relação a uma proposta que resolva o problema no dia de amanhã. É que, Sr.as

e

Srs. Deputados, este é um problema que atormenta todos os dias milhares de alunos no nosso País.

É importante que não entremos em debates estéreis para, depois, não visarmos medidas objetivas. É, pois,

importante que deste debate saia uma proposta objetiva e que, com rapidez de implementação, esteja no

terreno em parceria com as autarquias, em parceria com aqueles que conhecem a rede local e com aqueles

que sabem sinalizar estes casos.

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Também cá estaremos, Sr. Deputado Amadeu Albergaria, para fiscalizar a rapidez com que esta medida

será implementada, porque se trata de um imperativo moral e a sobredosagem de austeridade no País não

justifica, em nenhum contexto, este tipo de carências sociais.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês Teotónio

Pereira, que ainda dispõe de 5 segundos e que vai beneficiar da indisciplina dos oradores anteriores na gestão

do tempo, pelo que terá também alguma tolerância da Mesa.

Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Inês Teotónio Pereira (CDS-PP): — Sr. Presidente, muito obrigada.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria congratular-me pelo facto de haver consenso na Câmara para a

resolução deste problema.

O Sr. Deputado Rui Duarte acabou de dizer que o problema tinha de ser resolvido rapidamente. Mas, pelo

que o Sr. Secretário de Estado da Educação referiu na Comissão de Educação, Ciência e Cultura há algumas

semanas, este problema está a ser resolvido.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP). — Muito bem!

A Sr.ª Inês Teotónio Pereira (CDS-PP): — O Sr. Secretário de Estado disse que está em negociações

com várias empresas de alimentação de forma a conseguir alimentos para serem distribuídos nas escolas.

O que nos parece importante é que não seja só uma mera distribuição de alimentos nas escolas,…

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

A Sr.ª Inês Teotónio Pereira (CDS-PP): — … porque distribuir alimentos nas escolas não resolve o

problema da pobreza. O que é importante é que se olhe para os casos particulares.

O Sr. Michael Seufert (CDS-PP): — Exatamente!

Vozes do PS e do PCP: — Pois!

A Sr.ª Inês Teotónio Pereira (CDS-PP): — Existe uma rede social montada que tem de ser ativada. Foi

isso que foi dito e que foi feito com o Programa de Emergência Social,…

Protestos do PCP.

… a que os senhores chamaram de assistencialismo, de caridadezinha e por aí fora.

Protestos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, temos de fazer um esforço para nos ouvirmos uns

aos outros.

Queria concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Inês Teotónio Pereira (CDS-PP): — Não sei se os Srs. Deputados sabem, mas as escolas fazem

parte das redes sociais. Os senhores não devem saber, por isso é que estão com essa excitação toda.

Tendo em conta que as escolas fazem parte das redes sociais, a resolução do problema tem de ser

integrada, não pode ser pontual. E consideramos que exatamente por a situação ser urgente é que é preciso

um projeto de resolução, tal como já aqui foi dito.

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Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, terminado este debate, passamos ao último ponto da

nossa ordem de trabalhos, que consta da discussão, na generalidade, do projeto de lei n.º 33/XII (1.ª) —

Revoga o Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de junho, alargando o acesso e repondo critérios mais justos na

atribuição dos apoios sociais (PCP).

Para apresentar o projeto de lei, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Machado.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Numa altura em que se fazem

sentir as gravosas consequências do pacto de agressão e em que o objetivo anunciado pelo Primeiro-Ministro,

Passos Coelho, é o de empobrecimento dos portugueses, verifica-se na sociedade portuguesa um

agravamento das dificuldades de quem vive do seu salário ou da sua pensão.

Há um agravamento brutal da pobreza, há cada vez mais famílias que não conseguem pagar a prestação

da casa, há, como vimos agora mesmo, cada vez mais crianças a passar fome nas escolas, porque não estão

garantidos os salários dignos para o trabalho que os trabalhadores portugueses desempenham.

Há hoje cada vez mais dificuldades entre os idosos, que não têm dinheiro para os medicamentos, para a

alimentação, para terem a casa aquecida durante o ano inteiro, há cada vez mais dificuldades graças às

opções políticas do PSD e do CDS-PP com o apoio do Partido Socialista.

Ao mesmo tempo que o Governo PSD/CDS não só não toma nenhuma medida para combater a pobreza,

consagra uma visão assistencialista e, em vez de direitos, dá umas esmolas de vez em quando, que não

resolvem verdadeiramente o problema, antes perpetuam a situação de pobreza e de fragilidade social.

O governo do PS, com o Decreto-lei n.º 70/2010, que estabeleceu a condição de recurso, desferiu um rude

golpe na proteção social. O objetivo deste Decreto-Lei foi e é o de limitar o acesso a prestações sociais

essenciais para os portugueses, é o de tirar a quem precisa para dar aos mais ricos — foi essa a opção

política do PS e, agora, é a do PSD e do CDS-PP. Cortam nas prestações sociais para dar 12 000 milhões de

euros à banca de mão-beijada!

O Decreto-lei n.º 70/2010, com a sua condição de recurso, alterou os requisitos, incluindo rendimentos que

anteriormente não eram contabilizados, alterando o conceito de agregado familiar e, entre outras medidas,

alterando a fórmula de cálculo dos rendimentos. Tudo para impedir o acesso a prestações sociais.

Refiro, a título de exemplo: a reforma de um avô pode determinar que o seu neto não tenha acesso, por

exemplo, a uma bolsa de estudo.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — É uma vergonha!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — No fundo, alteraram-se artificialmente os rendimentos do agregado

familiar para impedir o acesso e, assim, poupar em prestações sociais.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — A título exemplificativo, refiro algumas prestações sociais: o abono de

família, que abrangia 1,830 milhões crianças e jovens em 2010, passou para 1,147 milhões em 2011, e hoje

são cerca de 800 000 crianças que não têm acesso a esta prestação social.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — É uma vergonha!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Além disso — são dados do próprio Ministério da Educação —, no ano

letivo de 2010/2011 tivemos menos 17 000 alunos a receber apoio para os manuais escolares. Hoje, no ensino

superior, mais 11 000 os alunos não têm acesso a bolsas de estudo e 12 000 vêm o seu valor reduzido.

Os titulares de bonificação por deficiência eram 82 000 em 2010 e passaram para 67 000 em 2011, ou

seja, 15 000 pessoas com deficiência viram as suas prestações sociais fundamentais serem cortadas.

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Relativamente ao rendimento social de inserção, em agosto de 2010 registou-se um corte de 69 000

beneficiários e, nessa medida, nós dizemos que esta condição de recurso é, verdadeiramente, um crime

social, porque tira a quem menos tem e a quem mais precisa.

Numa altura em que o desempego é galopante, por exemplo em agosto de 2010 recebiam o subsídio de

desemprego inicial e subsequente 97 000 pessoas e em maio de 2011 passou para 54 000 o número de

pessoas a receberem essa prestação social. Não satisfeitos, alteram ainda para pior o subsídio de

desemprego.

O que o PCP aqui propõe é a revogação deste Decreto-Lei e a recuperação da anterior regra de atribuição,

não porque as anteriores regras fossem melhores, mas porque, efetivamente, este Decreto-Lei constitui um

retrocesso significativo que importa combater.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Rafael

Moreira.

O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por felicitar o PCP por

esta iniciativa em relação a um tema que a todos deve unir.

É óbvio que não estamos de acordo quanto ao resultado final pretendido através da revogação do Decreto-

Lei n.º 70/2010, de 16 de junho, mas devo felicitar o PCP pelo cuidado que teve no tratamento estatístico dos

dados, porque nos permite facilmente perceber a evolução verificada entre maio de 2010 e o verão de 2011.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Agora está pior!

O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — Verifica-se uma realidade muito negativa, que a todos deve unir

no seu combate. Mas este combate à pobreza, como foi referido, deve ser feito desde logo combatendo o

desemprego. Dentro do que é humanamente possível, temos de travar um esforço para combater o

desemprego, para criar emprego. Esta é uma causa que não nos pode dividir, tem de nos unir a todos no

sentido do sucesso.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — E deixem-me, Srs. Deputados, dar aqui uma garantia, que já foi

transmitida pelo Governo, desde logo no seu Programa: ninguém será deixado para trás!

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — Esta é uma garantia que o Governo dá aos portugueses, é um

mote de trabalho permanente.

O Governo tomou algumas medidas graves e urgentes, mas necessárias, tendo, desde logo, apresentado o

Programa de Emergência Social.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Isso não resolve problema algum!

O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — O País debate-se com uma crise social que conhecemos e que

temos de reconhecer como uma realidade negativa, pelo que temos de nos unir no seu combate.

O Governo também aprovou, de imediato, um programa que veio, numa das suas medidas, reduzir o prazo

de garantia para acesso ao subsídio de desemprego, fortalecendo os direitos nessa área, e celebrou

recentemente um protocolo com as instituições sociais, que sabemos terem um papel muito importante no

combate à pobreza, no combate às necessidades.

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Srs. Deputados, quando este Decreto-Lei foi aprovado levantou-nos sérias dúvidas, mas temos de

compreender que no mês em que o Conselho de Ministros aprovou esse diploma assinava contratos de

compromissos de milhares de milhões.

Vozes do PSD: — Bem lembrado!

O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — Estávamos em Maio de 2010 e é óbvio que, nessa altura, todos

tivemos as nossas dúvidas. Hoje, que a realidade económica e financeira do País é conhecida, que todos

temos verdade nos números, temos de perceber que à data de hoje há uma evolução relativamente a este

diploma.

Este Decreto-Lei tem, essencialmente, duas características: por um lado, previne e combate a fraude, sem

dúvida, porque através dos seus mecanismos mais rigorosos permitiu que muito dos casos deixassem de

beneficiar dos apoios sociais por mecanismos fraudulentos e, por outro lado, resguardou, protegeu o círculo de

segurança daqueles que mais precisam.

Vozes do PSD: — Exatamente!

O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — No fundo, proteger aqueles que mais precisam acaba por ser a

finalidade deste diploma.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Paulo

Pedrosa.

O Sr. João Paulo Pedrosa (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP propõe-nos revogarmos o

Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de junho, mas faz mal, faz mesmo muito mal, porque propõe-se revogar uma

medida que foi responsável por ajudar a auxiliar e a retirar da pobreza mais de 200 000 idosos, através do

complemento solidário para idosos, e esse é um elemento social.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Mentira!

O Sr. João Paulo Pedrosa (PS): — O complemento solidário para idosos é a medida social com cariz de

condição de recursos mais importante dos últimos anos em Portugal, e foi responsável, de acordo com os

dados do EUROSTAT, pela diminuição de mais de 7% da taxa de pobreza em Portugal entre os anos de 2005

e 2010. Entre 2005 e 2010, 140 000 idosos deixaram a sua condição de pobres graças à introdução da

condição de recursos.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Mentira descarada! Como é que pode dizer esse disparate?

O Sr. João Paulo Pedrosa (PS): — Este é um elemento incontornável. A condição de recursos conferiu

justiça e equidade nas prestações sociais e, portanto, é bom lembrar ao PCP o que seria hoje das prestações

sociais se não tivéssemos introduzido este elemento de equidade e de justiça.

Hoje, devíamos estar todos a pugnar pelo reforço da condição de recursos, para que mais idosos saiam da

pobreza, a reforçar a equidade e a justiça na atribuição das prestações sociais, valorizando o complemento

solidário para idosos na sua componente de apoio aos mais pobres e vulneráveis.

Só com justiça e equidade se podem conferir verdadeiros direitos. E ainda bem que o Sr. Deputado do PSD

aqui disse que tinha dúvidas relativamente à condição de recursos, porque, de facto, com estas políticas da

direita, provavelmente ninguém sairá da sua condição de pobre nos próximos anos. E porquê? Porque a

direita substitui direitos por assistência, a direita substituiu justiça social por favor e por caridade. É assim nas

cantinas sociais, nas prestações sociais em espécie, em creches e lares apenas presumivelmente destinados

aos mais ricos e aos que têm mais posses. Era esta política iníqua que deveríamos estar aqui a contestar.

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Já aqui hoje foi referido pelo PSD e pelo CDS o Programa de Emergência Social, essa grande falácia da

direita, que consagrou 200 milhões de euros para ação social…

Protestos da Deputada do PCP Rita Rato.

Não é pelo ruído do PCP, quando eu estou a criticar a direita, que eu me vou calar. Vou, pois, repetir.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Então, repita!

O Sr. João Paulo Pedrosa (PS): — A direita inscreveu no plano de ação social 200 milhões de euros para

a ação social. E o que é que demonstra a execução orçamental? Que a ação social está a diminuir — menos

2,2%.

Houve uma grande parangona relativamente ao reforço, no Programa de Emergência Social, da ação

social em 200 milhões e a execução está a cair de dia para dia. E não só: também não há contratualização

com as IPSS, o visto familiar «secou» ainda não tinha sequer sido obtido o primeiro carimbo, as famílias com

filhos são menos apoiadas — veja-se o caso do passe social, em que hoje as famílias com filhos são mais

penalizadas do que eram antes.

Vozes do PS: — Bem lembrado!

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira terminar, Sr. Deputado.

O Sr. João Paulo Pedrosa (PS): — Termino já, Sr. Presidente.

Sobre estas políticas e estas iniquidades, o PCP, com este diploma, não faz o combate que se impõe. E é

pena, porque era muito necessário.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Artur Rêgo.

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Agradecemos ao Partido Comunista

ter trazido este projeto de lei à discussão, porque permite-nos falar do assunto e esclarecer determinadas

questões. Não creio, de boa fé e com bom senso, que haja alguma bancada parlamentar que não ache que

este é um assunto sério. Não creio que haja fraturas contra o entendimento que temos do apoio que se deve

dar aos mais carenciados e aos mais necessitados.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — E depois fazem tudo ao contrário!

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Essa é uma discussão que, para mim, não faz qualquer sentido.

Esta situação de crise profunda que este Governo encontrou veio pôr a descoberto uma realidade que

andava escondida e encapotada — e respondo já às acusações que se fazem a este Governo de ser

assistencialista, de transformar o Estado num Estado assistencialista. De facto, o que esta crise veio

demonstrar é que as políticas dos últimos 10, 15 anos não erradicaram a pobreza, limitaram-se a dar cheques-

assistência aos mais necessitados, nada tendo feito para os tirar dessa condição e ao primeiro abanão do

Estado, no primeiro momento em que o Estado entra em rutura financeira e não tem capacidade…

O Sr. Jorge Machado (PCP): — E os 12 milhões de «mão beijada» para a Banca? Não há capacidade

financeira para quem?

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — … para responder ao cada vez maior aumento da necessidade e da

carência, viu-se a pobreza à vista, viu-se que aquelas estatísticas e aqueles índices que nos andavam a atirar

para cima a dizer que a pobreza tinha diminuído nestes anos eram falsos.

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A pobreza sempre lá esteve, encapotada, escondida por detrás destas prestações e destes apoios.

E coloco aqui a seguinte questão: como já foi dito, e muito bem, na altura em que é aprovado o Decreto-lei

n.º 70/2010 — e quando digo «nós» não me refiro ao CDS, não me refiro ao PSD, mas a todos nós aqui que

não fosse o PS, a todo o País que não fosse o Governo PS e a bancada PS —, a perceção que tínhamos da

situação financeira do País não correspondia nem de perto nem de longe à realidade. A perceção que temos

agora da realidade do País é substancialmente diferente.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — A questão que se coloca é que na situação em que nos encontramos cada

euro que gastemos num lado é um euro a menos que temos para gastar noutro lado. E, não sendo um diploma

perfeito, o Decreto-Lei n.º 70/2010, pelo menos dá-nos parâmetros, dá-nos balizas…

O Sr. João Oliveira (PCP): — Com balizas dessas mais vale rematar à trave!

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — … que nos permitem, dentro dos recursos que temos, canalizar para as

pessoas que aí estão referenciadas os escassos recursos que, neste momento, temos.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Entre dar às famílias e dar aos bancos, o CDS-PP, opta por dar à banca.

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Não é o ideal? Claro que não é o ideal! Gostaríamos de ter outro tipo de

políticas, mas esperamos poder vir a tê-las no futuro, outro tipo de políticas para ajudar efetivamente os mais

carenciados e necessitados porque, antes disso, aquilo para que estamos a trabalhar é para criar emprego,

para que as pessoas tenham mobilidade, para que as pessoas, de uma vez por todas, e face a políticas ativas,

saiam da situação de carência e se integrem plenamente na sociedade como trabalhadores ativos, como

pessoas orgulhosas.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Concluo já, Sr. Presidente.

Para desfazer um pequeno equívoco, que terá sido um lapso, do Sr. Deputado Jorge Machado, gostaria de

dizer que as bolsas de estudo do ensino superior não condicionam a pensão do avô. O PCP há de lembrar-se

que foi a luta do CDS, apoiada pelo próprio PCP, que quando da discussão desta lei permitiu que as bolsas de

estudo do ensino superior fossem retiradas da condição de recursos. Portanto, há que ter alguma memória

histórica nestas matérias!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — E o resto? Fale do resto.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — E o abono de família?

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Aiveca.

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Esta discussão é, de facto, da maior

importância e já agora não é a primeira vez que aqui a fazemos. É curioso ver como as bancadas da direita

hoje se contorcem para justificar aquilo que foi a sua mudança de discurso aquando da discussão do Decreto-

Lei n.º 70/2010. O CDS e o PSD fizeram, de facto, uma grande mudança de discurso. Aliás, o CDS apresentou

alterações a esse mesmo Decreto, com as quais o Bloco de Esquerda esteve de acordo. Portanto,

entendamo-nos no sentido de que há aqui uma grande «cambalhota» para justificarem o injustificável.

Srs. Deputados, todos sabemos e creio que todos perceberemos que o verdadeiro combate à pobreza

passa, essencialmente, por três grandes áreas.

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Em primeiro lugar, como já aqui foi dito, passa pelo combate ao desemprego. O atual Governo não tem

qualquer medida para combater o desemprego porque as medidas recessivas que tem tomado vão provocar

que a economia não cresça e se a economia não crescer não há criação de emprego. Portanto, combate ao

desemprego, zero!

A segunda medida de combate à pobreza tem de ser o combate aos baixos salários. E sobre salários

estamos conversados, a começar pelo salário mínimo nacional. Este Governo não respeita compromissos, já o

anterior não respeitou e, portanto, hoje, muitas pessoas, e cada vez mais pessoas, empobrecem trabalhando.

São as estatísticas que nos dão conta disto. Aliás, se quisermos verificar alguns dados de investigação

sobre a aplicação do Decreto-Lei n.º 70/2010, toda essa investigação nos remete para dizer que este Decreto

provocou e aumentou objetivamente o risco de pobreza.

Portanto, creio que nesta matéria estraremos todos conversados!

Percebemos o mal-estar das bancadas que hoje sustentam o Governo. Também não faço qualquer alusão

à intervenção do Partido Socialista, porque a considero absolutamente lamentável, dado que, como há pouco

se dizia, o Partido Socialista está muito periclitante no muro: não se sabe se cai para o lado de lá ou para o

lado de cá do muro. Quer dizer, anda aqui numa dicotomia muito estranha e muitas vezes esquece-se de que

já não é governo — a primeira parte da intervenção foi como se fosse governo e na segunda parte tentou

justificar o injustificável. Mas o Bloco de Esquerda tem hoje sobre o Decreto-Lei n.º 70/2010 a opinião que teve

quando o Partido Socialista fez este atentado, porque foi de um atentado que se tratou relativamente aos mais

pobres.

E não venha o PSD aqui dizer que este Decreto teve uma evolução, previne e combate a fraude, resguarda

o círculo de segurança dos que mais precisam. Mas como é que resguarda o círculo de segurança um Decreto

que levou a que mais de 700 000 crianças perdessem o direito ao abono de família?! Um Decreto que levou a

que mais de 15 000 alunos perdessem o direito às bolsas?! Um Decreto que levou a que fosse cortado o

complemento por deficiência a mais de 15 000 pessoas?! Um Decreto que considera que no agregado familiar

os filhos valem apenas meia pessoa?! Meia pessoa?! Isto é absolutamente inaceitável! Tal não se entende e

os senhores não conseguem justificar este Decreto e as suas medidas.

Quanto ao visto familiar, estamos conversados. O CDS abandonou essa «bandeira», deitou-a ao chão,

rasgou-a, não quer saber mais dela, mas nós vamos todos os dias lembrar o CDS daquilo que é o seu

enunciado propagandístico sobre esta temática e fazemos questão de vos lembrar sempre e sempre, todos os

dias e em qualquer circunstância.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, terminado este debate, a Sr.ª Secretária vai dar conta

de algumas iniciativas que deram entrada na Mesa.

A Sr.ª Secretária (Maria Paula Cardoso): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e

foram admitidos, os seguintes projetos de resolução n.os

269/XII (1.ª) — Cedência dos centros de secagem de

Alcácer do Sal e de Águas de Moura à Associação de Agricultores do Distrito de Setúbal (PCP), que baixou à

7.ª Comissão, 270/XII (1.ª) — Pela modernização e reabertura do troço Covilhã/Guarda e prestação de um

serviço público de transporte ferroviário de qualidade na Linha da Beira Baixa (PCP), que baixou à 6.ª

Comissão, 271/XII (1.ª) — Recomenda ao Governo a isenção de pagamento de renovação de atestado

multiuso de incapacidade em situações irreversíveis e a aplicação de uma taxa de 5 € em caso de renovação

periódica (PSD e CDS-PP), que baixou à 9.ª Comissão, e 272/XII (1.ª) — Recomenda a alteração do Decreto-

Lei n.º 338/2007, de 11 de outubro, para possibilitar o ingresso na carreira docente de todos os professores de

técnicas especiais com vínculo à função pública (BE), que baixou à 8.ª Comissão.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, resta-me acrescentar que o projeto de lei n.º 33/XII

(1.ª), que acabámos de apreciar, será votado amanhã, no período regimental de votações.

A próxima sessão plenária realizar-se-á amanhã, às 10 horas, e será destinada ao debate quinzenal com o

Primeiro-Ministro, que fará uma intervenção de abertura sobre regularização de pagamentos do Estado e

financiamento da economia.

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Após o debate quinzenal, procederemos às votações regimentais.

Por hoje, os nossos trabalhos estão concluídos, pelo que está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 10 minutos.

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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