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Quinta-feira, 19 de abril de 2012 I Série — Número 97

XII LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2011-2012)

REUNIÃOPLENÁRIADE18DEABRILDE 2012

Presidente: Ex.ma Sr.ª Maria da Assunção Andrade Esteves

Secretários: Ex.mos

Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Rosa Maria da Silva Bastos de Horta Albernaz Abel Lima Baptista

S U M Á R I O

A Sr.ª Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas

e 21 minutos. Deu-se conta da retirada do projeto de deliberação n.º

3/XII (1.ª) e do projeto de resolução n.º 237/XII (1.ª) e da entrada na Mesa dos projetos de resolução n.

os 289 a

294/XII (1.ª). Foram aprovados dois pareceres da Comissão para a

Ética, a Cidadania e a Comunicação relativos à suspensão de mandato de um Deputado do PCP e de uma Deputada do PSD e respetiva substituição.

Após a leitura da mensagem do Sr. Presidente da República sobre a devolução, sem promulgação, do Decreto da Assembleia da República n.º 37/XII — Enriquecimento ilícito, intervieram os Srs. Deputados Jorge Lacão (PS), Luís Fazenda (BE), António Filipe (PCP), Teresa Leal Coelho (PSD), Telmo Correia (CDS-PP) e José Luís Ferreira (Os Verdes).

Procedeu-se, ao abrigo do artigo 72.º do Regimento, a um debate de atualidade, requerido pelo PCP, sobre o abandono do ensino superior por falta de meios económicos,

tendo-se pronunciado, além do Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior (João Filipe Queiró), os Srs. Deputados Rita Rato (PCP), Michael Seufert (CDS-PP), Ana Drago (BE), Pedro Delgado Alves (PS), Duarte Filipe Marques (PSD), Heloísa Apolónia (Os Verdes) e Rui Jorge Santos (PS).

Em declaração política, o Sr. Deputado Luís Fazenda (BE), além de se ter insurgido contra a forma como o Governo determinou o congelamento das pensões antecipadas, contestou o modo como apresentou para discussão a reforma da segurança social. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Adão Silva (PSD), Pedro Jesus Marques (PS), Telmo Correia (CDS-PP) e Bernardino Soares (PCP).

Em declaração política, o Sr. Deputado Carlos Zorrinho (PS) deu conta à Câmara das conclusões das jornadas parlamentares do seu partido, que tiveram lugar em Bragança, tendo, depois, respondido a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Luís Montenegro (PSD), Hélder Amaral (CDS-PP), Bernardino Soares (PCP) e Luís Fazenda (BE).

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Foram discutidos em conjunto, na generalidade, os projetos de lei n.

os 186/XII (1.ª) — Altera a Lei n.º 17/2003,

de 4 de junho (Iniciativa Legislativa de Cidadãos), eliminando a discriminação existente em relação aos emigrantes portugueses (PSD), e 203/XII (1.ª) — Primeira alteração à Lei n.º 17/2003, de 4 de junho, que regula os termos e condições em que grupos de cidadãos eleitores exercem o direito de iniciativa legislativa junto da Assembleia da República, eliminando a discriminação relativa aos portugueses residentes no estrangeiro (PS). Intervieram os Srs. Deputados Carlos Alberto Gonçalves (PSD), Paulo Pisco (PS), Cecília Honório (BE), João Ramos (PCP) e Teresa Anjinho (CDS-PP).

Os projetos de resolução n.os

261/XII (1.ª) — Recomenda ao Governo a requalificação e eletrificação do troço Caíde/Marco na Linha do Douro (PS) e 293/XII (1.ª) —

Recomenda a continuação do projeto de requalificação da Linha do Douro e a eletrificação do troço entre Caíde e Marco de Canaveses (BE) foram discutidos, tendo intervindo os Srs. Deputados Renato Sampaio (PS), Catarina Martins (BE), Adriano Rafael Moreira (PSD), Vera Rodrigues (CDS-PP), José Luís Ferreira (O Verdes) e Jorge Machado (PCP).

Foram ainda debatidos em conjunto o projeto de resolução n.º 277/XII (1.ª) — Preços máximos nos combustíveis — travar a especulação (PCP) e o projeto de lei n.º 17/XII (1.ª) — Introduz medidas de transparência e antiespeculativas na formação dos preços de combustíveis (BE). Usaram da palavra os Srs. Deputados Agostinho Lopes (PCP), Catarina Martins (BE), Nuno Filipe Matias (PSD), Paulo Campos (PS) e Hélder Amaral (CDS-PP).

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues) encerrou a reunião eram 18 horas e 57 minutos.

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A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 21 minutos.

A ordem do dia de hoje tem como primeiro ponto a leitura da mensagem do Presidente da República sobre

a devolução sem promulgação do Decreto da Assembleia da República n.º 37/XII — Enriquecimento ilícito.

Antes disso, porém, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, a Mesa recebeu dois ofícios

do Bloco de Esquerda pedindo a retirada do projeto de deliberação n.º 3/XII (1.ª) — Solicitação de parecer a

ser elaborado pelo conselho nacional de educação sobre o currículo do ensino básico e secundário (BE) e do

projeto de resolução n.º 237/XII (1.ª) — Recomenda ao Governo regras justas no diploma que regula os

concursos de colocação de docentes e promoção, em 2012, de um concurso de ingresso e vinculação nos

quadros de escola dos docentes contratados (BE).

Deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os projetos de resolução n.os

289/XII (1.ª) — Recomenda ao

Governo a valorização energética da biomassa no objetivo de proteção da floresta (PSD), que baixou à 7.ª

Comissão, 290/XII (1.ª) — Recomenda que o prolongamento da Linha Verde do Metro, entre o ISMAI e a

Trofa, integre a 2.ª fase da rede do Metro da Área Metropolitana do Porto (PCP), que baixou à 6.ª Comissão,

291/XII (1.ª) — Reforçar os meios de prevenção estrutural dos incêndios florestais — reduzir a carga de

biomassa (PCP), que baixou à 7.ª Comissão, 292/XII (1.ª) — Recomenda a adjudicação imediata do concurso

do Metro para a Trofa (BE), que baixou à 6.ª Comissão, 293/XII (1.ª) — Recomenda a continuação do projeto

de requalificação da Linha do Douro e a eletrificação do troço entre Caíde e Marco de Canaveses (BE), que

baixou à 6.ª Comissão, e 294/XII (1.ª) — Recomenda ao Governo um conjunto de medidas que promovam a

utilização e valorização da biomassa florestal como contributo para a gestão sustentável das florestas e como

prevenção da ocorrência de incêndios florestais (CDS-PP), que baixou à 7.ª Comissão.

Deram ainda entrada na Mesa dois pareceres da Comissão para a Ética, a Cidadania e a Comunicação,

que, pela sua urgência, Sr.ª Presidente, devem ser, de imediato, apreciados e votados.

Um primeiro parecer diz respeito à suspensão de mandato de Deputado, nos termos da alínea a) do n.º 2

do artigo 5.º do Estatuto dos Deputados, com efeitos a partir de 21 de Abril, inclusive, do Sr. Deputado Bruno

Dias (PCP), círculo eleitoral de Setúbal, sendo substituído por José Alberto Azevedo Lourenço.

O parecer, aprovado por unanimidade e registando-se a ausência do BE, vai no sentido de que a

substituição temporária deve ser autorizada, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, está em apreciação o parecer.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): — Um segundo parecer diz respeito à suspensão de mandato de

Deputado, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º do Estatuto dos Deputados, com efeitos a partir de 17

de Abril, inclusive, da Sr.ª Deputada Carla Rodrigues (PSD), círculo eleitoral de Aveiro, sendo substituída por

Isabel Maria da Conceição Simões Pinto.

O parecer, aprovado por unanimidade e registando-se a ausência do BE, vai no sentido de que a

substituição temporária deve ser autorizada, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, está em apreciação o parecer.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

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Srs. Deputados, passamos, agora, ao primeiro ponto da ordem do dia, que, como anunciei, consiste na

leitura da mensagem do Presidente da República sobre a devolução sem promulgação do Decreto da

Assembleia da República n.º 37/XII — Enriquecimento ilícito.

O texto é simples, porque a devolução decorre, como os Srs. Deputados sabem, de um juízo feito pelo

Tribunal Constitucional. A mensagem do Sr. Presidente da República, dirigida a mim, diz o seguinte: «Junto

devolvo a Vossa Excelência, nos termos do artigo 279.º, n.º 1, da Constituição, o Decreto da Assembleia da

República n.º 37/XII — Enriquecimento ilícito, uma vez que o Tribunal Constitucional, através de Acórdão cuja

fotocópia se anexa, se pronunciou, em sede de fiscalização preventiva, pela inconstitucionalidade das normas

dos artigos 1.º, n.os

1 e 2, e 2.º do referido Decreto».

Srs. Deputados, esta devolução ao Parlamento, na sequência de um Acórdão do Tribunal Constitucional,

está, agora, aqui, em tempo de debate, cabendo a cada grupo parlamentar uma intervenção de 2 minutos.

Para já, estão inscritos, para intervir, os Srs. Deputados Jorge Lacão e Luís Fazenda.

Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Este é certamente o momento para

podermos retirar, com toda a razão de ser, uma ilação a propósito da devolução do diploma sobre o

enriquecimento ilícito, que, em fiscalização preventiva, foi considerado sem um mínimo de condições de

constitucionalidade para poder sobreviver. A ilação que se impõe é a de considerar que nada é pior para a

democracia do que o populismo e a demagogia.

Aplausos do PS.

Foi isso, infelizmente, a que assistimos, há alguns meses, nesta Câmara, perante a evidência — a

evidência que o escrutínio mais elementar em relação à nossa ordem jurídico-constitucional implicava — de

um diploma que tão grosseiramente feria, como aqui foi dito, a presunção de inocência, o princípio da não

inversão do ónus da prova, a necessidade de afastamento em processo penal da autoincriminação, a rejeição

da criação de tipologias penais sem suficiente densidade nem objetividade. Tudo isso aqui oportunamente

dissemos, mas a tudo isso «fizeram ouvidos de mercador», quer as bancadas da maioria, quer as bancadas à

nossa esquerda.

E dessa estranha coligação resultou este momento, que certamente não ficará como um momento virtuoso

para a história do Estado de direito democrático.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Jorge Lacão (PS): — Permitam-me, por isso, Sr.as

e Srs. Deputados, que vos diga que não se pode

ser genuinamente democrático alimentando crenças fanáticas e verdades erróneas.

Faço, por isso, um voto: que as crenças fanáticas e as verdades erróneas, que, por subordinação à

demagogia, aqui exprimiram, fiquem definitivamente erradicadas e que não queiram agora «atirar-nos mais

areia para os olhos». É que não seria para os nossos olhos que iriam «atirar a areia» do combate ao

enriquecimento ilícito. Se genuinamente o quiserem fazer, aqui fica, da nossa parte, um convite e um desafio:

no início da próxima sessão legislativa, mudem a vossa posição de voto e, então, aprovem o projeto de lei aqui

apresentado pelo Partido Socialista relativamente ao enriquecimento injustificado. Então, ficaremos a saber

quem verdadeiramente quis perder tempo, voluntária ou involuntariamente, no combate pela transparência, no

combate às causas da corrupção e no combate genuíno, autêntico e sério à moralidade pública.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — Queira terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lacão (PS): — Termino, Sr.ª Presidente.

Sr.as

e Srs. Deputados, que se encerre aqui uma página, que prevaleça o Estado de direito democrático e

que ninguém venha dizer que se enganou só porque estava distraído.

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Não estavam distraídos, quiseram seguir o pior da opinião pública. Mas o dever de um democrata é

também contribuir para a boa formação da opinião pública, na democracia e no Estado de direito.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — Entretanto, inscreveram-se também os Srs. Deputados António Filipe e Teresa Leal

Coelho.

Na ordem das inscrições, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: O que é verdadeiramente um perigo

para a democracia é a perceção consolidada, muito sedimentada, nos cidadãos e nas cidadãs de que a

República não persegue suficientemente os corruptos neste País. Esse é que é, verdadeiramente, o grande

perigo para a democracia.

Aplausos do BE e de Deputados do PSD.

E porquê? Não por uma questão técnica acerca do catálogo de crimes, mas pela necessidade de ter as

ferramentas adequadas — também os meios, mas, sobretudo, as ferramentas — para a perseguição de um

tipo de crime que visa proteger um bem jurídico. Esse bem jurídico é o dever geral da transparência que, para

os titulares de cargos políticos e para os funcionários públicos, é um dever especial de transparência. Isso tem

tudo a ver com a cidadania, com a confiança nas instituições.

E devo dizer a um Tribunal Constitucional de leitura muito conservadora acerca da nossa Constituição que

precisa de acautelar muito bem a forma como focaliza e visiona os bens jurídicos a proteger. É que o Tribunal

não será um olimpo de leituras constitucionais e está, também ele, sujeito ao populismo reacionário

antidemocrático que quer varrer instituições, entre as quais os tribunais constitucionais. Portanto, não é

apenas um árbitro entre partes, está também atingido pela onda que, de um modo combatente e militante, tem

atacado a democracia, pela sua incapacidade de combater a corrupção de forma eficaz.

Não nos falem de um decreto, de uma lei parafiscal acerca do enriquecimento injustificado — fizemos um

longo caminho, podemos fazer muito mais —, mas precisamos realmente de encontrar a melhor forma e

elaborá-la. O Bloco de Esquerda, nesta fase, até defendia que fosse apenas o universo de titulares de cargos

políticos e de funcionários públicos, exatamente para não aumentar o volume de dúvidas acerca da

constitucionalidade desta matéria.

E também não nos falem da inversão do ónus da prova, que já é admitida em Direito Penal.

Portanto, há aqui um largo debate a fazer. Se é necessário alterar formulações, tipificar melhor o crime,

couraçar o bem jurídico a defender, fá-lo-emos. O Bloco de Esquerda está cá para isso.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Não está aqui em causa, e não

está em discussão, a legitimidade de o Sr. Presidente da República ter enviado este diploma para o Tribunal

Constitucional. O Sr. Presidente da República tem os seus critérios relativamente aos problemas de

inconstitucionalidade que não suscita e relativamente aos problemas de inconstitucionalidade que entende

dever suscitar.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — É um critério seu que não está aqui hoje em discussão.

Também não está aqui hoje em discussão a qualidade da jurisprudência do Tribunal Constitucional. A

doutrina e a história pronunciar-se-ão acerca desses critérios.

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Nem sequer está aqui em discussão a questão de saber se concordamos ou não com esta decisão do

Tribunal Constitucional. O Tribunal Constitucional decidiu que havia normas que declara inconstitucionais no

decreto aqui aprovado e é essa a sua decisão. Portanto, o Presidente da República veta este decreto de

acordo com a decisão do Tribunal Constitucional. Não é isso que aqui está em causa.

O que dizemos agora é o que dissemos quando tomámos conhecimento da decisão do Sr. Presidente da

República de submeter esta questão ao Tribunal Constitucional, ou seja, que aguardaríamos com toda a

tranquilidade a decisão. Foi o que, obviamente, fizemos. É aquilo que fazemos. Dizemos, no entanto, que fica

em aberto a possibilidade de expurgo das inconstitucionalidades que foram detetadas.

Entendemos que este processo não deve ficar aqui encerrado. Não se deve pôr uma pedra sobre este

assunto, porque, efetivamente, o que há de pior para a democracia é a impunidade do enriquecimento ilícito.

Aplausos do PCP e de Deputados do PSD.

Não desistiremos de procurar encontrar uma solução que seja constitucionalmente aceite pelo Presidente

da República e pelo Tribunal Constitucional, mas que crie, no nosso País, um obstáculo jurídico a que se

possa enriquecer ilicitamente com toda a impunidade.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — Entendemos que se deve aproveitar a possibilidade constitucional de

expurgo das inconstitucionalidades apontadas a este diploma para que os corruptos deste País não se fiquem

a rir das instituições democráticas.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — É esse o nosso empenhamento e consideramos, Sr.ª Presidente, que as

inconstitucionalidades devem ser expurgadas e que deve ser aprovada, a final, legislação de combate ao

enriquecimento ilícito neste País.

Aplausos do PCP e do PSD.

A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Leal Coelho.

A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: É com muita satisfação, em

nome da cultura democrática que nos move, que acolhemos a posição do Tribunal Constitucional sobre este

diploma.

A partir do acórdão do Tribunal Constitucional que se pronuncia pela inconstitucionalidade da

criminalização do enriquecimento ilícito, conhecemos os argumentos do Tribunal Constitucional, a

fundamentação jurídico-constitucional do Tribunal Constitucional nesta matéria e este contributo é, para nós,

precioso, porque respeitamos a douta opinião do Tribunal Constitucional. É precisamente com essa douta

opinião que queremos evoluir na reformulação do diploma ou, porventura, no expurgo das

inconstitucionalidades do diploma que criminaliza o enriquecimento ilícito.

É ponto assente que a posição desta bancada no que respeita à criminalização do enriquecimento ilícito é

firme. Vamos prosseguir o caminho da criminalização do enriquecimento ilícito e repudiamos qualquer

tentativa de preservação de privilégios e de impunidades, em Portugal.

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Consideramos que, em Portugal, a criminalização do enriquecimento

ilícito é um instrumento necessário ao combate à corrupção, o que não acontece em todos os ordenamentos

jurídicos, visto que alguns ordenamentos jurídicos europeus têm outros instrumentos adequados ao combate à

corrupção. Temos a prova cabal, nos últimos 20 anos, de que não temos instrumentos suficientemente

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adequados ao combate a este flagelo. Por isso mesmo, entendemos que esta criminalização vem ao encontro

daquilo que é o aprofundamento da democracia e do Estado de direito democrático, no contexto atual.

Os valores subjacentes aos bens jurídicos a que devemos dar proeminência serão apreciações que

deverão ser feitas em razão do contexto atual. Há ameaças efetivas que são um flagelo na realidade

sociopolítica portuguesa e uma delas é, efetivamente, o enriquecimento injustificado, que todos aqui tão bem

conhecemos pelos indícios que encontramos na sociedade portuguesa.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Quero começar por dizer, em

nome do CDS, que somos um partido institucional que se revê, por isso, no exercício da democracia e no

respeito pela competência dos vários órgãos que existem à luz da Constituição da República Portuguesa.

Quer isto dizer que este não é, de maneira nenhuma, um dia de derrota da democracia. Este é um dia em

que o Parlamento faz o que tem de fazer e que é sua convicção e em que o órgão que tem a competência de

fiscalização da constitucionalidade emitiu opinião, como é da sua competência, sobre a matéria em

apreciação.

O Sr. Michael Seufert (CDS-PP): — Exatamente!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Como já tive ocasião de dizer em sede de comissão, não presumimos

do Tribunal Constitucional e eu próprio a única coisa que tenho em comum com o Tribunal Constitucional são

as iniciais, o que não me dá direito a qualquer juízo ou julgamento definitivo sobre esta mesma matéria.

O Sr. Michael Seufert (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Nesse sentido, em primeiro lugar, temos de ter a consciência de que a

preocupação com esta matéria existe, é real e é funda na sociedade portuguesa. A circunstância de existirem

pessoas que auferem de patrimónios completamente discrepantes com os seus rendimentos é uma

preocupação real na sociedade portuguesa e, como tal, deve ter um tipo de resposta concreto. Em segundo

lugar, somos favoráveis à existência do melhor regime possível de combate à corrupção. E, em terceiro lugar,

entendemos que a criminalização do enriquecimento ilícito pode e deve fazer parte desse mesmo regime.

A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Muito bem!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Nunca escondemos que existem dificuldades legislativas e do ponto de

vista constitucional. Sabíamo-lo antes e sabemo-lo agora de uma forma mais veemente.

Afirmámos e mantemos que o Sr. Presidente da República, quando entendeu tomar a iniciativa de enviar

esta matéria para o Tribunal Constitucional, perante opiniões de juristas relevantes, de professores de Direito,

de penalistas e outros, fez bem.

Contudo, não há aqui propriamente uma coligação, como aqui foi dito pelo Sr. Deputado Jorge Lacão. Não

há qualquer tipo de coligação. Há um conjunto de partidos que têm preocupações de origem diferente e até

com soluções diferentes sobre esta matéria, entendendo que é preciso fazer qualquer coisa para melhorar o

regime de combate à corrupção e que isso passa pelo enriquecimento ilícito, e há um partido que nunca quis

olhar ou mexer nesta matéria e que sempre se opôs a qualquer solução em relação a isto.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — É isto que existe: vários partidos que querem mexer nesta matéria e o

partido do Sr. Deputado Jorge Lacão que nunca quis mexer nesta matéria.

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Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Jorge Lacão (PS): — Falso!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — É essa, claramente, a diferença.

Por isso, Sr. Deputado Jorge Lacão, é que me oponho à sua expressão. Sr. Deputado, querermos mexer

neste regime é termos «crenças fanáticas»? Considera isso aceitável?

A Sr.ª Presidente: — Queira terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — A única crença que aqui temos é a de criar, em Portugal, o melhor

instrumento possível de combate à corrupção. Essa é a nossa vontade, esse é o nosso desejo. Fazemo-lo,

obviamente, respeitando os tribunais, os tribunais superiores e, particularmente, o Tribunal Constitucional. E

temos a consciência de que, com esta decisão, teremos todos de fazer um esforço grande para encontrar uma

solução que seja compatível, procurando e continuando a trabalhar para termos o melhor regime possível: um

regime que dê garantias de constitucionalidade, mas que seja eficaz do ponto de vista do combate à corrupção

e ao enriquecimento ilícito.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Os Verdes consideram

que o combate à corrupção é um combate que se impõe por imperativos éticos mas também para melhorar a

nossa vivência democrática e credibilizar as nossas instituições.

É um combate na defesa e na afirmação de uma cultura de responsabilidade, no qual, a nosso ver, ganha

uma importância decisiva a necessidade da criação do crime de enriquecimento ilícito.

Sabemos que a criação deste tipo criminal não seria certamente a solução para acabar com a corrupção,

mas assumiria uma importância decisiva para o sucesso no seu combate, porque, de facto, a impunidade a

que os cidadãos tantas vezes vão assistindo perante o enriquecimento estranho de pessoas que exercem

funções públicas não fragiliza apenas a ideia de justiça, acaba por desacreditar também o conjunto das

instituições democráticas, criando fortes desconfianças sobre o seu funcionamento.

Entendemos também que a transparência que deve nortear a gestão da coisa pública e, sobretudo, a

responsabilização das pessoas que têm essa missão perante os restantes cidadãos exigiu, e continua a exigir,

a criminalização do enriquecimento ilícito.

Na perspetiva de Os Verdes, a proposta ou o decreto agora em análise está construído de forma a

respeitar as garantias constitucionais tanto a nível penal como a nível processual penal, em primeiro lugar,

quanto à presunção da inocência e a tudo o que ela pressupõe, desde logo o ónus da prova, que teria

obviamente de recair sobre o Ministério Público. Continuamos sem ver nesta proposta qualquer inversão do

ónus da prova, uma vez que seria exatamente ao Ministério Público, no âmbito dos seus poderes de

investigação, que competiria fazer prova da desproporção entre o património e os rendimentos normais que

decorrem do exercício de determinada função e se, eventualmente, essa desproporção fosse obtida de forma

lícita, estaria obviamente excluída a ilicitude.

Assim não entendeu o Tribunal Constitucional, assim não entendeu o Sr. Presidente da República.

Os Verdes respeitam a decisão do Tribunal Constitucional, respeitam a decisão do Sr. Presidente da

República mas não concordam com elas e manifestam toda a disponibilidade para se trabalhar no sentido de

promover soluções para, em nome de uma cultura de responsabilidade, mas também do combate à corrupção,

criminalizar o enriquecimento ilícito, arranjando formas de aqueles que enriquecem de forma estranha se não

ficarem a rir.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Muito bem!

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A Sr.ª Presidente: — Sr.as

e Srs. Deputados, passamos ao ponto seguinte da ordem do dia, que consiste

num debate de atualidade, ao abrigo do artigo 72.º do Regimento, requerido pelo PCP, sobre o abandono do

ensino superior por falta de meios económicos.

Para abrir o debate, tem a palavra a Sr.ª Deputada Rita Rato.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Alunos com capacidade estão a ser impedidos

de estudar por razões exclusivamente económicas.

Há muitos alunos que, por razões exclusivamente económicas — e penso que isso coloca em causa a

justiça social —, estão afastados do ensino superior.

Estas palavras não são do PCP, mas de um alto responsável da pastoral da educação da Igreja Católica.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Bem lembrado!

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Portanto, entendemos — e, por isso, partilhamos destas preocupações — que a

aplicação do pacto de agressão da troica, subscrito por PS, PSD e CDS, tem todos os dias tradução na

imposição de um caminho de retrocesso social de décadas nas condições de vida dos jovens, dos

trabalhadores e da esmagadora maioria dos portugueses.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Muito bem!

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Este caminho de retrocesso social pode ser confirmado pelo abandono de

milhares de estudantes do ensino superior. Milhares de jovens foram obrigados pela troica nacional e pela

troica estrangeira a desistir dos seus sonhos.

No entanto, o Governo diz que o País vai no «bom caminho» e o Primeiro-Ministro afirmou, recentemente,

que «não devemos ser piegas e ter pena dos alunos, coitadinhos, que sofrem tanto para aprender».

Não se trata aqui de ter «pena» dos estudantes, Srs. Deputados. Trata-se da garantia de um direito

fundamental consagrado na Constituição, conquistado com a Revolução de abril, que é o de que todos os

jovens, independentemente das suas condições económicas, tenham acesso, se assim o entenderem, ao

ensino superior.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — O Governo recusa divulgar os números exatos do abandono no ensino superior,

mas a realidade de todos os dias confirma que cada vez mais jovens são obrigados a abandonar o ensino

superior por não terem dinheiro para pagar os custos exorbitantes com propinas, transportes, alojamento e

alimentação.

Perante este retrocesso social inaceitável, é urgente que o Governo tome medidas imediatas para trazer de

novo às instituições do ensino superior todos os que tenham desistido por falta de condições económicas e

para promover o reforço da ação social escolar.

Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Por dia, 100 estudantes serão atirados para fora do ensino superior. As

dificuldades económicas, a dificuldade de acesso à bolsa de estudo e o aumento do valor das propinas são

apontados como as causas pelos serviços de ação social das instituições.

É inaceitável que, desde 2009, sejam públicos os relatos de estudantes universitários que recorrem ao

Banco Alimentar para matar a fome e que a resposta encontrada pelo anterior governo PS e pelo atual

Governo PSD/CDS seja cortar nas bolsas, aumentar a propina e cortar no passe social Sub-23.

No artigo 73.º da Constituição da República Portuguesa lê-se que «Todos têm direito à educação e à

cultura», e que para tal «O Estado promove a democratização da educação e as demais condições para que a

educação (…) contribua para a igualdade de oportunidades, a superação das desigualdades económicas,

sociais e culturais (…)».

Para cumprir a Constituição, os sucessivos governos deveriam ter seguido políticas de financiamento do

ensino superior público e de ação social escolar que concretizassem este direito. Mas a política educativa dos

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sucessivos governos do Partido Socialista, mas também do PSD e do CDS, têm caminhado exatamente no

sentido inverso.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados,

Há muito que estudar no ensino superior já não é para quem quer, é para quem pode pagar.

No ano letivo 2009/2010, dos 75 000 estudantes bolseiros apenas 119 recebiam a bolsa máxima. Em

2010/2011, o governo do Partido Socialista, com a aplicação do Decreto-Lei n.º 70/2010, roubou a bolsa a

mais de 11 000 estudantes do ensino superior e 12 000 viram o seu valor reduzido.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Um escândalo!

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Passados mais de sete meses do início das aulas, o Governo PSD/CDS

finalmente apresentou números que revelam um corte brutal e inaceitável de mais de 15 600 bolsas de estudo.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Ora, aí está!

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Isto significa que, em 2 anos, cerca de 26 600 estudantes perderam a bolsa.

Aliás, num universo de 400 000 estudantes, apenas 50 000 têm acesso ao apoio da ação social escolar.

O valor da bolsa média situa-se nos 1825 €, por ano. Isto significa que, depois de pagarem as propinas,

estes estudantes ficam com 82,5 € por mês, ou seja, 2,75 € por dia, que não chegam sequer para almoçar e

para jantar todos os dias da semana na cantina.

Em 2009, de acordo com dados da Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais, 48,9% das famílias tinham

um rendimento médio bruto até 849 €, situação que piorou certamente nos últimos dois anos.

Perante esta situação dramática, é obrigação do Estado assumir a salvaguarda dos direitos dos

estudantes, impedindo que, por razão de insuficiência económica, milhares de jovens continuem a abandonar

o ensino superior.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — É inaceitável que o Governo, com o apoio do PS, sempre preocupado com a

descapitalização da banca, não esteja minimamente preocupado com a descapitalização das famílias e dos

jovens, que, por isso, são obrigados a abandonar o ensino superior.

É inaceitável que o Governo PSD/CDS, num País em crise, tenha colocado à disposição da banca 12 000

milhões de euros e não garanta umas «migalhas» para travar esta sangria de abandono dos estudantes do

ensino superior por motivos de insuficiência económica.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Nunca antes, nunca desde o 25 de Abril tantos jovens foram impedidos de

estudar no ensino superior por falta de condições económicas e nunca tantos estudantes que ingressaram no

ensino superior se viram obrigados a desistir ou a passar dificuldades dramáticas para continuar a estudar.

O anterior governo PS e o atual Governo PSD/CDS são responsáveis pelos prejuízos deste abandono

social, para a vida destes jovens mas também para o futuro e para o presente do País.

Da parte do PCP e da JCP, vamos fazer tudo, no Parlamento e nas escolas, para a derrota do pacto de

agressão da troica e desta política educativa elitista, requerendo já, hoje, a presença do Sr. Ministro da

Educação na Comissão de Educação, Ciência e Cultura, sempre com a profunda convicção de que a luta dos

estudantes será também determinante para exigir o direito à educação para todos.

Aplausos do PCP.

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A Sr.ª Presidente: — Inscreveram-se, para uma intervenção, os Srs. Deputados Michael Seufert, do CDS-

PP, e Ana Drago, do Bloco de Esquerda.

Tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado Michael Seufert.

O Sr. Michael Seufert (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A

questão do abandono do ensino superior tem de ser posta a vários níveis e, quando falamos de abandono e

de ação social, temos de olhar para o regulamento de ação social que temos, analisá-lo e procurar saber se é

um bom ou um mau regulamento.

O Sr. António Braga (PS): — É mau!

O Sr. Michael Seufert (CDS-PP): — Sabemos que este regulamento é um bom regulamento. Para muitos,

não será, com certeza, um regulamento ideal, mas foi unânime na sua apresentação, pelos estudantes, pelas

instituições de ensino superior, pelos serviços de ação social, que, além de ser muito melhor do que o que

estava em vigor, é também um regulamento que dá resposta às necessidades sociais dos estudantes.

Claro que algum Deputado mais obstinado do Partido Socialista dir-nos-á que o anterior é que era bom.

Mas a verdade é que muito pouca gente tem saudades do regulamento que punha os irmãos uns contra os

outros, porque se o irmão mais novo recebesse bolsa o mais velho podia ficar fora do sistema,…

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — É verdade!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Assim, agora, ficam todos!

O Sr. Michael Seufert (CDS-PP): — … ou daquele regulamento tão fantástico que o Partido Socialista aqui

quererá defender em que os irmãos valiam meia cabeça no agregado familiar.

Vozes do CDS-PP: — Bem lembrado!

O Sr. Michael Seufert (CDS-PP): — São situações do passado com as quais, felizmente, não temos mais

de contar!

A melhoria do regulamento acontece por duas razões: primeira, porque os portugueses tiraram os

socialistas do governo e puseram um Governo mais preocupado a tratar destas matérias;…

O Sr. Rui Jorge Santos (PS): — Nota-se!

O Sr. Michael Seufert (CDS-PP): — … segunda, porque foi por iniciativa do CDS, na anterior legislatura,

que terminou uma grande parte destas injustiças que o Partido Socialista inscreveu no sistema de bolsas.

Falou-se aqui das críticas da Pastoral Universitária, mas a única crítica substancial que vemos tem a ver

com o facto de quem tem dívidas à segurança social ou à administração fiscal não se poder candidatar a uma

bolsa. Ora, desde logo, isto não é novidade no sistema de bolsas português e é estranho que a Pastoral

Universitária só agora venha falar desta matéria.

Trata-se de algo que para nós é de elementar bom senso, pois o Estado não pode ser credor de um

estudante quando esse mesmo estudante é devedor noutra área. Pensamos que essa é uma medida de

elementar bom senso, que parece um pouco inoportuno criticar.

Segundo ponto que penso ser importante para este tipo de debates prende-se com a avaliação dos

pedidos de bolsa. Ela é feita de forma célere e eficaz? Sabemos que, infelizmente, não é.

Há dois ou três anos que se registam atrasos neste tipo de avaliações que não são aceitáveis mas que,

infelizmente, também não são novidade. O que é novidade é o Governo reconhecer que isso é assim, porque

o anterior governo e o Ministro Mariano Gago nunca quiseram saber dos atrasos — estava tudo bem! Para o

Partido Socialista, não havia problema algum.

Ora, este Governo já nos disse, aqui, que não aceita este tipo de atrasos, está a trabalhar para os resolver

e, para tal, tem o apoio do CDS-PP.

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Terceiro ponto: há abandono no ensino superior? Houve sempre, Srs. Membros do Governo e Srs.

Deputados!

A questão agora é: há agora mais abandono do que no passado?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sim!

O Sr. Michael Seufert (CDS-PP): — Não sei!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Os seus amigalhaços ricos não deixam a escola, não é?!

O Sr. Michael Seufert (CDS-PP): — Não sei e os Srs. Deputados também não podem saber, porque as

únicas pessoas que podem saber são as instituições e, tanto quando sabemos, não há dados publicados

sobre isso!

O PCP «atira» com um número, diz que 100 pessoas por dia abandonam o ensino superior.

Matematicamente, se a essa média os alunos abandonassem o ensino superior, isso queria dizer que,

porventura, já nem teríamos estudantes no ensino superior!

Não é sério fazer declarações com base em «números-fantasma», sem haver dados oficiais.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Porque não são os seus colegas que abandonam a escola, não é?!

O Sr. Michael Seufert (CDS-PP): — Para além disso, mais importante até do que saber se há muitos ou

poucos abandonos é saber as razões pelas quais as pessoas abandonam, que também são variadas.

Mas não é esse o debate que estamos agora a fazer, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados.

Podemos fazer um debate sobre a crise noutra altura, mas, hoje, o que nos importa debater aqui é se o

Governo está a fazer alguma coisa para, em cima da crise, ainda dificultar mais a vida aos estudantes e nós

pensamos que não.

Mais: pensamos que o Governo está a cumprir o seu papel, que é o de garantir a todos, nomeadamente

com as medidas que já foram tomadas nesta Legislatura, que o apoio social chega a quem dele precisa.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Não são os meninos do CDS que abandonam a escola!

A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr.ª Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as

e Srs. Deputados: Sr.

Secretário de Estado da Educação, ainda bem que está connosco esta tarde, porque creio que o debate

central que temos de ter é sobre a questão do abandono e sobre as respostas do Governo.

Penso que o discurso que acabámos de ouvir da bancada do CDS é absolutamente inaceitável. Não pode

o Governo, não pode o CDS, não pode o Sr. Deputado Michael Seufert apresentar-se nesta Assembleia

dizendo «Não sei», «Não sabemos», tendo em conta o conjunto de vozes que temos ouvido, de associações

de estudantes, de instituições, de serviços de ação social escolar, de professores do ensino superior, da

Pastoral Universitária, de testemunhos dos estudantes que aparecem em reportagens na comunicação social,

dia sim, dia não, a dizerem que há abandono, que há incapacidade financeira das famílias de sustentar os

custos de frequência.

Também não se pode dizer aquilo que o Sr. Secretário de Estado dizia há dois meses nesta Assembleia,

ou seja, que o abandono do ensino superior não está a aumentar. Não é verdade, Sr. Secretário de Estado.

Este é um drama para as famílias mas é uma tragédia para o País, porque significa que, neste momento,

estamos a desperdiçar a capacidade que temos de investir nos jovens que permitem um futuro diferente ao

País.

Os dados que são revelados na comunicação social sobre a atribuição de bolsas dizem que, no contexto

(não sei se o Sr. Deputado Michael Seufert estará interessado no debate…), a novidade é a vossa política de

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austeridade, é uma crise social sem precedentes neste País, é uma perda de rendimentos nas famílias de

funcionários públicos que atinge os 20%. Não se pode perceber que, no contexto da maior crise social,

voltemos a ter o número de bolsas de há 10 anos. Não se pode perceber, com a crise social e económica que

o País atravessa, que, no ensino superior, tenhamos perdido 20 000 bolseiros nos últimos 2 anos. Isto é que

não se pode perceber.

Este não é um debate teórico, são as circunstâncias da família. Hoje, numa família de pai, mãe e um filho,

em que o filho esteja no ensino superior e em que cada elemento do casal ganhe 500 €, o filho recebe uma

bolsa mínima, que serve apenas e só para pagar as propinas.

O Sr. Deputado Michael Seufert falava-nos aqui das famílias e dos irmãos.

Pois hoje, uma família de classe média em que cada elemento do casal leve para casa 800 €, que tenha

dois filhos em idade de frequentar o ensino superior, tem de escolher, Sr. Deputado! Gostava de ouvir o CDS,

o PSD e o Sr. Secretário de Estado dizerem quais são os critérios. É que esta família não aguenta colocar dois

filhos fora de casa a estudar no ensino superior, a pagar propinas, alojamento, transportes e livros.

Portanto, se o Sr. Secretário de Estado não assumir que o regulamento de bolsas falhou redondamente na

sua função de permitir aos mais pobres e àqueles com maiores dificuldades frequentarem o ensino superior

que diga, nesta família de classe média com dois filhos, qual é o filho que escolhe para continuar a formação

superior e qual é o que fica em casa, por não terem dinheiro.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, neste debate de atualidade, tem a palavra o Sr. Deputado

Pedro Delgado Alves.

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, este é talvez um exemplo

paradigmático de uma medida tomada pelo Governo quando iniciou funções, em relação à qual, com toda a

precisão, o Partido Socialista e outras bancadas da oposição deram nota do erro em que se incorria, tendo

avisado que era um regulamento que ia provocar uma queda do número de bolseiros, uma diminuição do valor

das bolsas e que, num momento de crise e de menor disponibilidade dos orçamentos das famílias, iria produzir

precisamente o efeito inverso do que se pretendia.

Pergunto ao Sr. Deputado Michael Seufert como é possível dizer que é um regulamento melhor do que o

anterior sendo um regulamento que elimina a contratualização que permitia agilizar o pagamento das bolsas,

um regulamento que reduziu o valor das mesmas, um regulamento que reduziu o número de beneficiários.

Surpreendentemente, é muito mais especular que o anterior na medida em que, por alguma razão que nos

ultrapassar a todos que falamos com as instituições e com os alunos, não conseguimos perceber onde é que

ele melhora!

De facto, sobre o que é relevante para as famílias, ao CDS o que se impõe dizer é: quanto ao visto familiar,

viste-o, com certeza, porque desapareceu a intenção de ponderar o impacto e o relevo desta matéria.

Mas, mais, não só avisámos como propusemos uma alternativa. Propusemos uma resolução, nesta

Assembleia, recuperando matérias que já tinham sido discutidas e foram consensuais na legislatura anterior,

quanto ao rendimento que devia ser definido como rendimento disponível para apurar o valor das bolsas, que

a atual maioria chumbou, apesar de o ter aprovado na legislatura anterior.

Num terceiro momento fizemos uma outra coisa: para que não se pudesse vir a debate nesta Câmara dizer

que «Não há dados, os senhores estão a especular», formulámos 35 perguntas ao Governo com 14 itens.

Foram requeridos pelo Partido Socialista um total de 590 elementos, nomeadamente quanto ao valor que está

a ser efetivamente pago, e solicitámos que fossem respondidos de forma desagregada para que, em cada

instituição do ensino superior, pudéssemos fazer o comparativo do antes e do depois.

O que obtivemos da parte do Governo foi, meramente, uma indicação de números globais, ainda que não

completos, porque, de facto, o processo se tinha atrasado, não permitindo esse comparativo, nomeadamente

através do número de quantos alunos deixaram de pagar propinas, descobrir quantos é que, efetivamente,

abandonaram silenciosamente o ensino superior. Temos ainda uma resposta que apenas nos diz que: «não

vamos responder até podermos desagregar».

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Ora, como é que podemos fazer um debate, como é que podemos ponderar alternativas se não existirem

dados que nos permitam fazer um juízo desta situação? De resto, não há argumentos para dizer às escolas,

às instituições que acompanham esta realidade, que não estão, de facto, a detetá-la.

Hoje celebramos 170 anos do nascimento de Antero de Quental que, no século passado, perante uma

outra universidade, dizia que ela só iria iluminar o povo no dia em que lhe deitassem fogo. Evoluímos! A

universidade hoje, efetivamente, ilumina o destino do País. Quem são os pirómanos que lhe estão a deitar

fogo? São os partidos da maioria.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — Entretanto, inscreveram-se os Srs. Deputados Duarte Marques e Heloísa Apolónia.

Tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Marques.

O Sr. Duarte Filipe Marques (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Sr. Secretário de Estado, o

tema que hoje aqui debatemos, o abandono do ensino superior por falta de meios económicos, é uma matéria

que não pode deixar ninguém indiferente nem pode permitir que enterremos a cabeça na areia. Nem que fosse

apenas, e já o disse aqui mais do que uma vez, um estudante com aproveitamento a abandonar o ensino

superior por razões económicas, isso já seria demais.

Mas a responsabilidade do Estado, deste Estado, é a de garantir que todos os estudantes,

independentemente da situação económica da sua família, possam continuar a estudar e ter a sua formação.

A situação de crise que o nosso País atravessa não pode ser negada — aliás, nem nos pode surpreender.

É uma situação que já esperávamos e para a qual este Governo tem tentado encontrar soluções para apoiar

os mais desfavorecidos e evitar que sejam ainda mais prejudicados por esta crise.

Foi assim com o Plano de Emergência Social, foi assim com o aumento do subsídio de desemprego para

as famílias com filhos e com os dois membros do casal desempregados, foi também assim com as melhorias

introduzidas nas regras do cálculo das bolsas de ação social escolar, sobre as quais há bocado a Deputada do

Bloco de Esquerda perguntava qual dos filhos ficava sem bolsa.

Srs. Deputados, com o regulamento anterior, com aquele regulamento que os senhores do PS fizeram,

ficavam os dois filhos sem bolsa. Aliás, parece que o Partido Socialista preferia o regulamento anterior, que

prejudicava os estudantes e as famílias.

É por isso que exigimos respostas para situações imprevistas, é por isso que esta Assembleia, sob

proposta do PSD, aprovou um projeto de resolução a reivindicar e a pedir ao Governo que aumentasse os

fundos de emergência disponíveis para que as instituições de ensino superior pudessem dar resposta aos

estudantes com dificuldades não previstas.

Sr. Secretário de Estado, já agora, faço-lhe a seguinte pergunta: quantas e quais as instituições que

pediram o reforço dos auxílios de emergência, do Fundo de Emergência, para poder dar resposta às

necessidades imprevistas dos seus estudantes? Esta é uma pergunta que lhe deixo e que gostava que fosse

respondida.

Mas, Minhas Senhoras e Meus Senhores, não podia deixar de lembrar que neste momento não se deve

fazer demagogia que permita provocar situações de alarmismo social, que em nada contribuem para a solução

do problema.

Vozes do PSD: — Bem lembrado!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Não, ficamos caladinhos…!

O Sr. Duarte Filipe Marques (PSD): — Aliás, não podia deixar de dizer que ainda hoje vimos o Partido

Socialista, de forma deturpada e pouco honesta ou, se calhar, pouco estudada, deturpar os números

referentes às verbas disponíveis para as bolsas, confundindo verbas referentes a dois anos civis com anos

letivos…

Protestos do PCP e do PS.

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Todos devemos saber que um orçamento atravessa dois anos letivos e, oiçam com atenção, Srs.

Deputados, em especial do Partido Socialista, todos percebemos que o problema do passado foi exatamente

esse: gastavam apenas num ano aquilo que era suposto ser para dois anos letivos.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Duarte Filipe Marques (PSD): — Foi assim que chegámos até aqui e foi por isso que, em junho de

2011, não havia um tostão furado para pagar as bolsas, porque os senhores se esqueceram-se que num ano

civil existem dois anos letivos e foi essa falta de conhecimento e de responsabilidade que impediu que muitos

alunos tivessem bolsas.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Deixe-se de conversa fiada!

O Sr. Duarte Filipe Marques (PSD): — Este Governo, convém lembrar, já abriu sete períodos de

candidaturas a bolsas, já abriu um regime especial para os estudantes do 1.º ano, já deu ordem para que os

alunos cuja família não tivesse a sua situação fiscal regularizada pudessem voltar a concorrer e a ter bolsa, já

aumentou os suplementos que permitem as residências, os transportes e todas essas benesses para alunos

com dificuldades.

E também não podemos deixar de lembrar o aumento da fiscalização a quem recebeu bolsa, pois as bolsas

são para os alunos que realmente precisam.

Protestos do PCP.

A terminar, não posso deixar de perguntar se o número de estudantes a pedir bolsa aumentou ou diminuiu

em relação ao ano passado. A bolsa média aumentou cerca de 100 € e a realidade é que este ano quem mais

precisa vai ter bolsa, porque a bolsa é para quem realmente precisa.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado, gostava de lhe

perguntar diretamente se é capaz, aqui, nesta Casa, de reafirmar aquilo que o Sr. Deputado Duarte Marques,

do PSD, acabou de afirmar, ou seja, que o Governo entende não pagar as bolsas devidas as estudantes por

causa da crise. Gostava de saber se o Sr. Secretário de Estado é capaz de refirmar isso…

O Sr. Duarte Filipe Marques (PSD): — Não disse isso!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sim, o Sr. Deputado disse que estamos em crise, por isso…

Disse sim, Sr. Deputado!

Então, como é que o Sr. Deputado vai explicar aos estudantes o encaixe que o Governo fez de 12 000

milhões de euros na banca e, agora, vem aqui dizer, com essa suprema lata, que não tem dinheiro para bolsas

por causa da crise?!..

O Sr. Duarte Filipe Marques (PSD): — Eu não disse isso!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Foi o que disse! Sim, foi! Desculpe, Sr. Deputado, mas há limites

para tudo!

Aplausos do PCP.

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O Sr. Deputado também veio aqui dizer que o Governo fez tudo. Quem ouviu o Sr. Deputado pensará que

é impossível fazer mais, que toda a gente tem direito tem bolsa! Sr. Deputado, que grande mentira! Todos aqui

sabemos, até o Sr. Deputado, que há pessoas que precisam de bolsa e não têm acesso à bolsa! Sabemos ou

não Sr. Deputado? Sabemos, Sr. Secretário de Estado!

Portanto, não vale dizer tudo, para que fique encaixado na cabeça das pessoas como se fosse uma

parangona publicitária, porque não é disso que estamos aqui a falar; estamos a falar de política e a política é

uma coisa séria. A política mexe com a vida concreta das pessoas e a vida concreta dos estudantes é que

muitos tinham de estar a receber bolsa para estudar e não estão a recebê-la. Conclusão: muitos abandonam o

ensino superior!

Confesso que fico estupefacta com as reações sucessivas do Governo a esta história. É que confrontado,

designadamente por Os Verdes, na Comissão de Educação, Ciência e Cultura, o Sr. Ministro foi capaz de nos

dizer que não tem informação sobre o número de estudantes que estão a abandonar o ensino superior, assim

como se fosse uma realidade perfeitamente paralela a esta causa, e depois o Governo veio dizer que não, que

não está a aumentar o número de estudantes que abandonam o ensino superior. Porém, depois, aquilo que

chega permanentemente à Assembleia da República é que esse número está a aumentar e quem está no

terreno percebe que esse número está a aumentar de forma profundamente significativa, o que não admira,

porque as condições de vida resultantes da ação e das opções políticas deste Governo agravam a situação

das famílias, tornando-as mais carenciadas do ponto de vista económico.

É extraordinariamente difícil, Sr. Secretário de Estado, ter um filho no ensino superior, é

extraordinariamente caro. Aliás, Portugal é dos países mais caros, se formos por essa Europa fora, ao nível do

ensino para custos familiares. Isto é grave! É extraordinariamente grave!

O Sr. Secretário de Estado, com certeza, não nega que o corte profundo no Orçamento do Estado de 2012

para o Fundo de Ação Social Escolar tinha de ter repercussões. O «bolo» é menor, logo, teria de atingir menos

pessoas! Bom, certo é que já ninguém nega esta realidade — ninguém, nem a Igreja católica! É impossível!

Toda a gente percebe! Este Governo está a fomentar no País um ensino superior profundamente elitista, ou,

dito por outras palavras, só os ricos poderão frequentar o ensino superior, os pobres sairão do ensino superior.

Isto não é democrático, Sr. Secretário de Estado, nem é digno de um País desenvolvido.

A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior.

O Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior (João Filipe Queiró): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs.

Deputados: Agradeço as perguntas que me fizeram e a oportunidade para prestar alguns esclarecimentos

sobre o tema que aqui nos traz.

O tema do debate é o abandono do ensino superior e um tema secundário ou não explicitado é a tentativa

de associar o tema do abandono à questão do regulamento das bolsas, pelo que tentarei aqui separar

claramente os dois temas.

Primeiro, as evidências: há uma crise grave económica em Portugal, as famílias atravessam dificuldades e,

repito o que já disse aqui na Assembleia da República mais do que uma vez, há estudantes que, seguramente,

não prosseguem os seus estudos por motivos económicos.

É uma situação muito preocupante. Todos estamos preocupados com ela e qualquer tentativa de dizer que

o Governo está satisfeito ou não está preocupado é uma falsidade. Qualquer caso individual é motivo de

preocupação.

O Ministério tem acompanhado de perto esta situação desde Novembro, como, aliás, já aqui disse mais do

que uma vez, e tem estado em contacto com as instituições de ensino superior. Assim, mantenho a

informação que já aqui transmiti mais do que uma vez: as instituições de ensino superior não confirmam, pelo

contrário, um aumento do número de matrículas anuladas relativamente ao ano passado.

Sei, e isso já aqui foi discutido, que este indicador não é exatamente o mesmo indicador do do abandono.

Sei isso, mas é o único indicador fiável de que dispomos através das instituições. Há informações, no terreno,

que indiciam casos de abandono por motivos económicos, e não estou a referir-me aos números, por vezes

fantasiosos, que são atirados para o ar, mas atribuo especial credibilidade à carta que recebemos da Pastoral

acerca do ensino superior.

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O segundo tema é o do regulamento das bolsas. É que o primeiro tema não tem a ver com o regulamento

de bolsas, são debates diferentes.

Há uma crise económica mas eu não aceito a afirmação de que o regulamento de bolsas e a política de

ação social do Governo tenha contribuído para a situação de abandono do ensino superior, seja ele visto por

qual indiciador for.

O regulamento de bolsas é mais justo do que o do ano passado, foi publicado mais cedo, o número final de

bolseiros abrangidos vai ser muito semelhante ao do ano passado. Estamos já muito perto dos 53 000

bolseiros e o número de bolseiros do ano passado foi de cerca de 56 000, descontados os bolseiros do regime

transitório que receberam bolsa no ano passado e que, apesar de não serem elegíveis, foram 11 000.

Os 11 000 bolseiros do regime transitório…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Esses não contam!

O Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior: — … receberam a bolsa mínima, apesar de não serrem

elegíveis, ou seja, de não cumprirem o critério do aproveitamento escolar, o critério do rendimento ou ambos.

Ora, retirado esse número do número de bolseiros do ano passado, ficamos com cerca de 56 000 e, hoje,

longe ainda do fim do processo — e já falarei do fim do processo — estamos perto dos 53 000 bolseiros. Não

há, portanto, cortes no número de bolsas e a bolsa média subiu mais de 100 € em relação ao ano passado!

Aproveito para dizer algo em relação a uma declaração que foi hoje feita por um Deputado do PS, que não

a repetiu agora mas não sei se a vai fazer mais tarde: não há nenhuma folga orçamental. Essa, aliás, devo

dizê-lo, foi a declaração mais estranha de todas as declarações que foram feitas nos últimos dias sobre as

bolsas, ao dizer que há uma folga orçamental e que o Governo, deliberadamente, está a deixar montantes por

gastar na ação social direta. Isto não é verdade! Quem afirmou isto não percebe que o orçamento da ação

social direta se faz por anos letivos e não por anos civis.

O Sr. Rui Jorge Santos (PS): — Isso é que queríamos perceber!

O Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior: — Se o Governo tivesse utilizado no pagamento das

bolsas deste ano letivo ou planeasse utilizar toda a dotação do Orçamento do Estado (Fontes Nacionais) para

pagar bolsas, em julho teríamos a situação que encontrei no ano passado, isto é, não havia dinheiro para

pagar bolsas.

E o orçamento para o Fundo de Ação Social deste ano não é comparável com o do ano passado. Como já

disse três ou quatro vezes a esta Assembleia, em Comissão ou aqui em Plenário, uma grande parte do

orçamento do ano passado pura e simplesmente não existia.

O principal problema com as bolsas — que eu já assumi e aceito que é um problema muito grave — é a

demora na análise das candidaturas, mas a análise não é feita pelo Governo, nem pelos serviços da

Administração Pública, é feita pelas instituições. Essa demora não é aceitável, pelo que vamos trabalhar para

corrigir esse problema.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — Para uma segunda intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado, devo dizer-lhe que acho

absolutamente extraordinário que o senhor, sobre este debate, se mantenha na mesma postura, de que há

muito barulho acerca de nada.

Sobre abandono escolar, diz «não conheço, não sei, talvez as instituições possam saber, os dados que

conhecemos de anulação de matrículas não indicam…» e, sucessivamente, todos os dias, nos jornais, nas

televisões, nas rádios, aparecem estudantes que contam a situação das suas famílias e dizem «vou ter de

desistir».

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Há inquéritos feitos por associações académicas, organizações de estudantes, mas, até hoje, o Ministério

da Educação não quis saber, não fez nenhum estudo, não esteve dentro das instituições, não foi falar com os

estudantes, não foi falar com os serviços de ação social. Não sabe e não quer saber!

Começámos a ter fundos de emergência nas universidades mais ou menos a partir de 2009, que foi

quando começou o agravamento dos rendimentos dos portugueses, quando a crise social começou a

avolumar-se. Pois no ano em que a crise social é mais grave, em que nós atingimos 15% de desemprego, em

que os rendimentos das famílias de classe média estão a descer a pique, o Sr. Secretário de Estado diz-nos,

contente, que há menos 20 000 bolsas em relação a 2009, que o regulamento está a funcionar muito bem e

que não há nada a mexer.

Isto é extraordinário, mas é absolutamente irresponsável, Sr. Secretário de Estado. É irresponsável! O

número de bolsas que o senhor acaba de anunciar, num universo de 400 000 estudantes do ensino superior

— portanto, temos uma taxa de 15% das bolsas e nos apoios das bolsas —, significa que o regulamento não

está a funcionar, que com os rendimentos dos portugueses, com o nível das propinas, com aquilo que são os

custos de frequência os regulamentos não estão a funcionar.

Portanto, Sr. Secretário de Estado, prepare-se para o debate político e para a luta estudantil.

O Bloco de Esquerda vai aqui apresentar uma proposta de regulamento de bolsas e um conjunto de apoio

aos estudantes que entre em funcionamento agora, porque não podemos esperar mais. Portugal não se pode

dar ao luxo de ter uma geração de jovens com dificuldades económicas e financeiras que abandonam o ensino

superior.

Portanto, fica, desde já garantido, neste momento, que aquilo que temos de discutir é um novo

regulamento, é um novo modelo de apoio social.

Outra coisa que o Sr. Secretário de Estado não pode voltar a repetir na Assembleia da República é dizer

que os tempos de análise das bolsas não é uma questão da sua tutela, porque é. A responsabilidade política é

sua, pelo que não pode continuar a dizer que isso é uma matéria dos serviços de ação social e que nós não

temos nada a ver com isso. Não! Dizia-se noutro dia, numa reportagem, que por cada 100 estudantes que

todos os dias abandonam o ensino superior a responsabilidade é sua.

A Sr.ª Presidente: — Queira terminar, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Termino, Sr.ª Presidente.

O custo para cada um desses estudantes, para cada uma dessas famílias e para o País é demasiado

elevado. Nós não vamos permitir que isso aconteça.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente: — Para uma segunda intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Rita Rato.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: A política que este

Governo tem vindo a seguir de agravamento da exploração e de empobrecimento da grande maioria do povo

português tem um reflexo óbvio e claro, que é o aumento do custo de vida e, portanto, é muito claro e é muito

óbvio que as pessoas não têm dinheiro para pagar um direito que está consagrado na Constituição.

O Sr. Secretário disse-nos que «há estudantes que não prosseguem os estudos por razões económicas».

Sr. Secretário de Estado, ou o senhor não está a perceber a gravidade da afirmação ou o senhor está aqui a

dizer que este Governo está a violar a Constituição.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Muito bem!

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — O Sr. Secretário de Estado está aqui a dizer que o Governo está a violar a

Constituição, ao não estar a permitir às famílias com menos recursos o acesso ao ensino superior.

O Sr. Secretário de Estado diz isso não por falta de conhecimento, porque é professor universitário,

conhece a realidade. É porque a política que este Governo está a fazer é para servir os banqueiros, não é

para servir os estudantes, não é para servir as famílias.

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Veio aqui falar-nos do aumento médio do valor da bolsa. Sr. Secretário de Estado, saiba que há estudantes

que comem um papo seco ao almoço e que percorrem a pé vários quilómetros porque não têm dinheiro para

comprar o passe. Há estudantes que não têm dinheiro para comer, há famílias a passar dificuldades brutais e

o que o Sr. Secretário de Estado aqui nos diz é que os números que apontamos são fantasiosos.

Mas em que mundo é que o Sr. Secretário de Estado vive? É que o mundo real é das pessoas que não têm

dinheiro, é dos estudantes que nos dizem que já nem sequer se candidatam ao ensino superior porque os

seus pais estão desempregados e não têm dinheiro para pagar propinas.

A realidade é esta, Sr. Secretário de Estado! E o que o Governo aqui nos vem dizer é que, à semelhança

do anterior governo, que roubou 11 000 bolsas, este Governo vai pelo mesmo caminho e que vai roubar mais

15 000 bolsas.

Mas que atraso de País é este? Este é um País que está confrontado com um profundo retrocesso social, o

que faz lembrar os tempos do fascismo em que só estudava quem tinha dinheiro. Nós estamos num regime

democrático e este Governo quer levar-nos outra vez para o caminho do retrocesso social e de que só tem

acesso ao ensino superior quem tem dinheiro. Mas a luta dos estudantes não o vai permitir, Sr. Secretário de

Estado!

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado, assim não dá para

debater.

O Sr. Secretário de Estado disse aqui: «A informação que eu tenho das instituições de ensino superior é

que o número de abandono não está a aumentar, mas eu sei que este número não corresponde à realidade».

Disse isso, não dizendo que está a aumentar; sabe é que aqueles dados que foram enviados pelas instituições

podem não corresponder, de facto, à realidade do abandono.

Ou seja, aquilo que o Sr. Secretário de Estado vem dizer é que não tem dados sobre o abandono dos

estudantes do ensino superior.

Portanto, o Sr. Secretário de Estado vem desarmado de informação para um debate que sabia que ia

acontecer, pelo que teria, necessariamente, de se ter preparado para nos dar a informação devida. E conhecer

a situação é ou não uma obrigação do Ministério da Educação?

Mesmo sem debate — vamos fingir que o debate não estava a acontecer —, é fundamental que o

Ministério da Educação atente naquela que é a realidade daquele que está sob a sua tutela. O Ministério da

Educação tem obrigação de procurar os dados reais da realidade.

O Sr. Secretário de Estrado vem dizer que o atraso na resposta às bolsas não é da responsabilidade do

Ministério da Educação e «chuta» para os serviços sociais. Assim não dá, Sr. Secretário de Estado. «Mandar

a bola» para o lado é o mais fácil, mas não é aquilo que responde às necessidades.

É claro que o Ministério da Educação tem responsabilidade de conhecimento, tem responsabilidade de

perceber porque é que as coisas acontecem e tem responsabilidade de encontrar soluções e ajudar a

encontrar soluções para que as coisas aconteçam de forma correta e, fundamentalmente, que não aconteçam

de forma a prejudicar sobremaneira os estudantes que estão com amplas dificuldades económicas e que, a

largos meses do início do ano letivo, não tinham sequer ainda uma resposta sobre se teriam ou não acesso a

bolsa e, portanto, se poderiam ou não prosseguir os seus estudos e concluir esse ano letivo.

Sr. Secretário de Estado, há muitas pessoas da minha geração, e até mais novas do que eu, a dizer que se

fosse hoje, se estivessem na geração de hoje do ensino superior não teriam condições para prosseguir os

seus estudos. Porquê? Porque é perfeitamente visível que as condições de hoje para estudar são muitíssimo

mais difíceis do que eram há uns anos atrás. Ou seja, as condições pioraram, os cidadãos portugueses, os

jovens portugueses perderam direitos de acesso, de frequência e de sucesso no ensino superior. E dirá o Sr.

Secretário de Estado: «São eles que perdem!». Não, é o País que perde, Sr. Secretário de Estado, e é sobre

isso que nós também devemos falar. É que o futuro do País não pode esperar.

O futuro do País não pode fazer agora um intervalo e dizer «vamos lá aguardar até que passe a crise»,

porque os senhores não estão a fazer nada para que passe a crise. Não, não pode ser! Os jovens de hoje têm

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direito de acesso, de frequência e de sucesso no ensino superior e o País só terá a ganhar com essa

qualificação.

Portanto, Sr. Secretário de Estado ponham-se a conhecer e ponham-se a mexer.

A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Jorge Santos.

O Sr. Rui Jorge Santos (PS): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado do ensino

superior: Em Agosto de 2011, disse neste Plenário ao Sr. Ministro da Educação que, no ano letivo 2011/2012,

na sequência das alterações introduzidas por este Governo no regulamento de bolsas de estudo no ensino

superior, o número de bolseiros iria cair a pique em comparação com o ano letivo anterior.

Infelizmente, tinha razão! Contra factos não há argumentos! Este Governo acompanha esta situação como

se acompanhasse um funeral. Como é possível que, num momento em que as famílias perdem rendimentos

tão acentuados, o número de bolseiros seja tão reduzido? É possível, porque este Governo escolheu

politicamente atacar, diminuir o ensino superior.

Longe vão os tempos em que o PSD criou o site «fiqueisembolsa.com» para demagogicamente insinuar

que estava ao lado dos estudantes e dos jovens. Onde está esse site? Caiu? Apagou-se? Entupiu? São tantas

as reclamações que esse site entupiu? Foi abaixo?

Como foi abaixo a máscara deste Governo, que enganou os portugueses para chegar ao poder, que

enganou e engana os portugueses todos os dias e a todas as horas.

Aplausos do PS.

E o PCP já percebeu bem a diferença entre um governo de direita e um governo do PS?

Protestos do PCP.

Já recordou, memorizou, registou que, com o PS, existiam mais de 64 000 estudantes com bolsa de estudo

e que agora esse número caiu 30%? Este PCP está arrependido da santa aliança que fez com o bloco de

direita para criar esta situação ao País e aos jovens portugueses?

Aplausos do PS.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Andaram a fazer o mesmo e agora querem que seja diferente?!

A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Filipe Marques.

O Sr. Duarte Filipe Marques (PSD): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: Não

posso deixar de registar a intervenção do Sr. Deputado do Partido Socialista, que, mais uma vez, consegue

surpreender-nos com os dislates que diz aqui no Plenário.

O que é facto é que este regulamento que está em vigor é mais justo para os estudantes, porque aumenta

as bolsas dos estudantes, e é isso que importa dizer. Não pode o Partido Socialista vir falar dos estudantes

que tiveram bolsa indevidamente, prejudicando os outros estudantes que precisavam de ter bolsa e não

tiveram!

Sr. Secretário de Estado, gostava de colocar-lhe uma questão que me parece fundamental: é verdade que

nem tudo está bem, como eu próprio reconheci e como V. Ex.ª reconheceu. Não podemos «enfiar a cabeça na

areia». O que é importante é que o Governo atue para corrigir e encontrar soluções para que os estudantes

possam continuar a estudar cada vez com mais qualidade.

Mas é muito importante também que a situação seja seguida mais de perto, onde estão realmente os

problemas e que possa ser dado esse apoio aos estudantes.

É por isso que repito uma pergunta à qual o Sr. Secretário de Estado há pouco não respondeu.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Não respondeu, porque está mal preparado!

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O Sr. Duarte Filipe Marques (PSD): — Depois da Assembleia, depois deste partido, depois de todos nós

termos votado um reforço dos fundos de emergência para dar respostas rápidas aos estudantes, pergunto-lhe

quantas e quais as instituições de ensino superior que vieram pedir ao Governo o reforço e a disponibilização

destas verbas.

Ao contrário do que diz a Sr.ª Deputada do PCP, não são 100 €, é muito mais dinheiro, são várias bolsas

que podem ajudar o estudante a continuar a estudar no ensino superior com qualidade e não ser obrigado a

abandoná-lo.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — Para intervir, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior.

O Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior: — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais,

quero pedir desculpa ao Sr. Deputado Duarte Marques por não ter respondido à pergunta concreta que me fez

sobre quantas instituições de ensino superior pediram reforço dos auxílios de emergência. A resposta é

nenhuma, zero, Sr. Deputado!

Intervenho também para dar resposta a várias intervenções que falaram das obrigações do Governo.

Num contexto dificílimo, a principal obrigação que o Governo tinha, nesta matéria, quando assumiu

funções, já no final do ano letivo anterior e no princípio do ano letivo corrente, era a de assegurar que o

sistema era sustentável, assegurar que continuaria a haver um sistema de bolsas e de apoio social direto aos

estudantes. Foi isto que foi feito. O sistema é sustentável, as bolsas estão a ser pagas, o número de bolseiros

vai ficar próximo do do ano passado.

Segunda obrigação: já foi dito que o atraso é da nossa responsabilidade. Não alijo nenhuma

responsabilidade e, como já disse várias vezes, não atiro as culpas para cima de ninguém.

O facto é que, este ano, a análise foi feita pelos serviços de ação social, mas a nossa obrigação é trabalhar

no sentido de alterar esse sistema, e é isso que estamos a fazer. A nossa obrigação principal é garantir que o

sistema de ação social direta se mantém e que é sustentável.

Foi isto que foi feito, repito, num contexto dificílimo de cortes em todas as áreas, mas o sistema é

sustentável e não faremos o que foi feito no ano passado, que é, no fim do ano letivo corrente, termos gasto

toda a verba do Orçamento do Estado, porque essa verba é necessária para o início do próximo ano letivo,

que ainda começa no ano civil de 2012. No ano passado, isto não aconteceu e, por isso, encontrámos uma

situação de sustentabilidade muito, muito, muito duvidosa.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: — Para intervir, tem a palavra a Sr.ª Deputada Rita Rato.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior: O

Sr. Secretário de Estado já não dispõe de tempo, mas vou ainda ler-lhe uma declaração importante: «O ensino

superior começa a ficar exclusivamente para gente com possibilidades económicas e os próximos anos vão

acentuar, em muito, essa realidade». Não sou eu, Deputada do PCP, que o digo, é a Pastoral do Ensino

Superior da Igreja Católica. Quando este Governo não ouve a Igreja Católica, como é que há de ouvir o PCP?!

Mas entendemos que a justeza da situação em que muitos estudantes se encontram é importante para que

o Governo perceba a profunda limitação da ação social escolar. Não se trata aqui do regulamento, porque o

regulamento é um instrumento técnico que dá corpo a um objetivo, que é o de cortar nas bolsas da ação social

escolar.

Vozes do PCP: — Claro!

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A Sr.ª Rita Rato (PCP): — A diferença entre o anterior Governo do Partido Socialista e o atual Governo do

PSD/CDS é nenhuma, porque ambos só veem à frente dos olhos o ato de cortar: cortar nos estudantes, cortar

nas instituições, cortar nas bolsas, para entregar aos bancos.

Protestos do Deputado do PS Rui Pedro Duarte.

Portanto, Sr. Deputado do Partido Socialista, não há, objetivamente diferença alguma.

Falou-se aqui na classe média, e nós até vamos mais longe. E o Sr. Secretário de Estado já teve

oportunidade de fazer esta conta: um casal que receba o salário mínimo nacional e tenha dois filhos a cargo a

única bolsa que recebe é para pagar a propina. E o resto? De que é que comem? Como é que se

transportam? De que é que vivem? Que livros compram?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exatamente!

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — O Sr. Secretário de Estado acha justo um sistema de ação social que, em

relação a um casal que vive com uma miséria de salário mínimo nacional, o único apoio que garante ao

estudante é para pagar a propina à instituição?! Onde é que fica aqui a igualdade de oportunidades?! É que o

Sr. Secretário de Estado diz que não se demite de nenhuma responsabilidade, mas, então, é importante que

reforce a sua responsabilidade, porque vai ser responsável pelo afastamento de milhares de estudantes do

ensino superior, e isto é violar a Constituição.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Quer o queira assumir ou não, este Governo, assim como anteriores governos,

está a violar a Constituição e o direito à educação para todos os jovens, e isto é uma responsabilidade que

calha bem a este Governo, calhou bem ao Governo anterior, mas não calha bem ao PCP. Portanto, por muito

que custe, estes números não são fantasiosos e o PCP terá de continuar a denunciá-los, porque é essa a

nossa obrigação, ou seja, denunciar a injustiça da situação da ação social escolar hoje.

Por isso mesmo, e porque não queremos ficar fora deste debate, apresentámos já um projeto de lei que

visa alargar o número de estudantes com acesso à bolsa máxima, porque hoje, para se ter acesso à bolsa

máxima, é preciso ser órfão e não ter qualquer rendimento. Portanto, o que propomos é que um rendimento

líquido per capita até 618 € permita ter acesso à bolsa máxima. Deste modo, vamos ver de que lado é que

estão, de facto, o PS, o PSD e o CDS e perceber se, afinal, são assim tão diferentes ou são assim tão iguais.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Michael Seufert.

O Sr. Michael Seufert (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: No final

deste debate, gostaria de agradecer ao Governo a apresentação dos números concretos que aqui fez, porque,

num tema que é muito sério e que, com certeza, nos preocupa, fundamentar intervenções políticas em títulos

da comunicação social, cuja fonte não conhecemos, é algo que não gostaríamos de fazer. E o facto de o

Governo aqui mostrar que, por exemplo, o número de bolseiros já está muito próximo, na sua totalidade, do

número de bolsas entregue no ano passado, e que ainda haverá mais até ao final do ano letivo, e o PCP

insistir, dizendo que existem menos 15 000 bolseiros do que no ano passado, torna muito difícil qualquer tipo

de debate sério sobre esta matéria. O PCP pintou um quadro, fez uma declaração e, confrontado com a

realidade, não quer mais saber.

O Partido Comunista falou aqui da Pastoral do Ensino Superior, que, como eu disse há pouco, referiu uma

questão que, para nós, é de bom senso, que é o facto de que quem tem dívidas ao Estado não ser elegível

para bolsas de estudo.

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Recordo que o Governo, exatamente prevendo que isso poderia trazer algum problema, permite que quem

resolva a sua situação fiscal durante o ano letivo possa, depois, voltar a candidatar-se à bolsa, o que é uma

medida extraordinária, nunca tomada no passado.

Mas o Governo fez mais: abriu vários períodos de candidatura ao longo deste ano letivo e, apesar do

número de bolseiros que se apresentaram no ano passado, a bolsa média subiu um valor significativo, o que

indica que, afinal, em momentos de crise, chega mais dinheiro às famílias.

A Sr.ª Presidente: — Queira terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Michael Seufert (CDS-PP): — Vou terminar, Sr.ª Presidente, recordando que não havia verba para

pagar as bolsas ainda em setembro, mas, apesar de tudo, elas foram pagas a tempo e horas — o Partido

Socialista sinaliza que estou doido, mas a realidade, às vezes, não se coaduna com as suas ideias — e,

apesar de haver um fundo de emergência que está explicitamente inscrito para resolver problemas de

emergência social, sabemos que as instituições ainda não o acionaram.

A Sr.ª Presidente: — Queira terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Michael Seufert (CDS-PP): — Por isso, Sr.ª Presidente, agradeço a forma séria e cuidada que o

Governo tem demonstrado a lidar com este tema e refiro que continuaremos atentos, mas julgo que é

importante agir, sobretudo na agilização dos processos, para que, no próximo ano, não se atrasem tanto.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Quando não houver bolsas, os processos são rapidíssimos!

A Sr.ª Presidente: — Para interpelar a Mesa, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr.ª Presidente, foram feitas acusações de que alguns partidos da oposição

usaram números fictícios, pelo que quero solicitar, por intermédio da Sr.ª Presidente, que o Sr. Secretário de

Estado possa indicar a esta Assembleia, e às diferentes forças políticas, onde é que está publicado, de forma

a ser acessível a todos os cidadãos, nomeadamente às forças políticas representadas no Parlamento, o

número de bolsas atribuídas e indeferidas neste mesmo ano.

A Sr.ª Presidente: — Não se trata bem de uma questão procedimental, Sr.ª Deputada, mas, de certo

modo, de um pretexto para outra questão. Não sei se o Sr. Secretário de Estado quer responder…

O Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior: — Com certeza, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente: — Faça favor, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior: — Sr.ª Presidente, tenho respondido a todas as

perguntas que me são endereçadas sobre o número de candidaturas a bolsas deferido em cada momento.

Recebo reportes da Direção-Geral do Ensino Superior todas as semanas, respondo a todas as perguntas

que os partidos com representação parlamentar me fazem sobre este assunto.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Não é público porquê?

A Sr.ª Presidente: — Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Delgado Alves.

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O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Sr.ª Presidente, solicito a distribuição da resposta à pergunta n.º

2084/XII (1.ª), de 16 de fevereiro de 2012, em que o Ministério da Educação e Ciência diz que não

disponibiliza os dados das bolsas desagregadas por instituições de ensino superior, consoante requisitado nas

35 perguntas formuladas pelo Partido Socialista.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — Sr. Deputado, a Mesa procederá a essa distribuição.

Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, dou por terminado o debate de atualidade, requerido pelo

PCP, ao abrigo do artigo 72.º do Regimento da Assembleia da República, sobre o abandono do ensino

superior por falta de meios económicos.

Passamos ao ponto seguinte da nossa ordem do dia, que se destina a declarações políticas, estando, para

já, inscritos os Srs. Deputados Luís Fazenda e Carlos Zorrinho.

Assim, para uma declaração política, tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as

Deputadas, Srs. Deputados: Depois de congelar as

reformas antecipadas às escondidas, colocando em causa regras contratualizadas sem o necessário debate

público e diálogo com os parceiros sociais, o Governo insiste em colocar a pensão de reforma dos cidadãos

sob pressão, e sob pressão constante.

A forma como o Governo nos trouxe a discussão da sustentabilidade da segurança social, mesmo que seja

para estudo, sem apresentar quaisquer números, sem apresentar projeções, é todo um programa, Sr.as

e Srs.

Deputados.

A proposta que o Governo apresenta, de resto, agravará sempre a situação das contas públicas, como vem

sendo recordado por todos os quadrantes, incluindo pela ex-líder do PSD Manuela Ferreira Leite.

É caso para dizer, e parafraseando José Régio, que o Ministro Pedro Mota Soares não sabe para onde vai,

só sabe que vai por aí.

Vozes do BE: — Muito bem!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — A privatização parcial do sistema de pensões, entregando uma parte do

dinheiro das reformas a um sistema de capitalização no setor financeiro, é uma proposta inoportuna,

impraticável e que coloca em causa o défice e as contas públicas por mais de uma geração.

Enquanto não se livraram do fundo de pensões dos seus próprios funcionários, os bancos não

descansaram. Agora, que provaram ser incapazes de gerir convenientemente a reforma de alguns milhares de

trabalhadores, o Governo quer entregar a esses mesmos bancos a gestão parcial da reforma da generalidade

dos cidadãos.

Dá-se, então, um prémio a quem encontrar uma explicação, que não o puro preconceito ideológico e o

favorecimento do setor bancário, nesta ideia peregrina. E não nos venham dizer que é um mero estudo,

porque «onde há fumo, há fogo» e esta ideia é antiga, por parte da direita conservadora.

Mas comecemos pelo que deveria ser o primeiro ponto nesta questão, mas que tão-pouco parece importar

o Governo: os números e o impacto financeiro desta medida.

Os últimos indicadores conhecidos sobre as contas da segurança social são os que o Governo inscreveu

no Orçamento do Estado. Aí pode ler-se que as projeções futuras sobre o subsistema das pensões de reforma

apresentam saldos positivos até 2030 e que este se encontra equilibrado até 2035. A partir daí, e até 2050, o

Estado deverá recorrer às receitas do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social.

Ou seja, o Governo, diferentemente daquilo que foi projetado no próprio Relatório do Orçamento do Estado,

lança, agora, um cenário de apocalipse, dizendo que as reformas dos contribuintes estão em risco, sobre um

sistema que o próprio Governo assume ter a sustentabilidade assegurada por um prazo de 40 anos.

Mais: não é só o Orçamento do Estado que o garante, também o Fundo Monetário Internacional veio dizer

que a segurança social não coloca em causa as contas públicas. Até 2030, calcula o FMI, as despesas deste

setor aumentam 0,7%, bastante distantes de 1,2% para a média dos países da OCDE.

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Nada, mas absolutamente nada, explica esta correria do Governo, a não ser a vontade de garantir mais

uma renda garantida ao setor financeiro. O problema que existe na segurança social, Sr.as

e Srs. Deputados,

nada tem a ver com a sustentabilidade do sistema de pensões, mas com a incompetência do Governo e a sua

obsessão com a austeridade.

É o aumento sem precedentes do desemprego e uma política que, em plena depressão económica, tem na

facilitação do despedimento a sua pedra de toque. Só isto explica que, em cinco meses do Orçamento do

Estado, até ao primeiro retificativo de Vítor Gaspar, o saldo positivo da segurança social tenha descido dos

355 para os 63 milhões de euros. São quase 300 milhões de euros evaporados em cinco meses. É sobre

estas contas que Pedro Mota Soares tem de prestar a sua contabilidade, as suas explicações, e não sobre

medidas irrealistas e impraticáveis.

Sr.as

e Srs. Deputados: Ao contrário do que tem vindo a defender o Ministro Pedro Mota Soares, avançar

para um sistema misto de pensões não só não resolve nenhum problema da segurança social como coloca em

causa o seu financiamento. Nem é preciso fazer contas muito complexas. Ao permitir que os contribuintes

descontem, de forma voluntária ou obrigatória, uma parte do seu salário para um sistema de capitalização de

reforma, o Estado recebe menos contribuições, mas continua a pagar as pensões de quem se reforma de

acordo com os atuais cálculos.

Como o período contributivo é de 40 anos, o défice nas contas da segurança social eternizar-se-á durante

anos e anos.

A proposta agora defendida pela maioria PSD/CDS — onde há fumo há fogo — é uma velha pretensão da

direita. Já em 2006, Marques Mendes, então líder do PSD, trouxe aqui a votos um projeto de lei onde defendia

o plafonamento e a privatização parcial das reformas dos portugueses.

Nessa altura, e reconhecendo o impacto nas contas públicas do custo de transição, o PSD propunha que o

Estado emitisse 9000 milhões de euros de divida pública para assegurar a privatização das reformas. Mesmo

com as contas feitas por baixo, a solução da direita era aumentar em seis pontos do PIB a dívida pública

nacional. Já nem falo da outra proposta correlativa de Marques Mendes, que era a da utilização das reservas

de ouro para os despedimentos na função pública.

Mas não é apenas a sustentabilidade das contas públicas que é posta em causa com a privatização parcial

das reformas, pois o dinheiro a receber pelos pensionistas — como já aconteceu no Chile — também será

bastante menor.

De acordo com a OCDE, os fundos de pensões privados portugueses são dos que mais arriscam no

mercado de ações e oferecem as piores taxas de retorno da zona euro.

Pior, Sr.ª Presidente — e termino —, só mesmo com os gregos.

Quem colocou as suas poupanças em fundos privados não só não ganhou um cêntimo nos últimos anos

como viu perder, de 2008 a 2010, 2,4% do seu dinheiro. Em 2011 e 2012, com a bolsa portuguesa a afundar-

se, a tendência será sempre para o agravamento destas condições.

Sr.as

e Srs. Deputados, o Governo discute, estuda, põe na agenda um debate que é colocar o dinheiro das

reformas na «lotaria de casino», favorecendo mais uma vez a banca e não hesitando em dar um exemplo de

incapacidade de combate ao défice público.

Aplausos do BE.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente António Filipe.

O Sr. Presidente: — Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Adão Silva, Pedro

Jesus Marques, Telmo Correia e Bernardino Soares.

Tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado Adão Silva.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, na sua intervenção, citou José

Régio, os Poemas de Deus e do Diabo. Sr. Deputado, na abordagem destas matérias da sustentabilidade da

segurança social nem há deuses nem há diabos e também não pode haver a diabolização que o Bloco de

Esquerda quis trazer sobre esta matéria.

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Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Adão Silva (PSD): — Sr. Deputado, o que tem de haver é bom senso; o que tem de haver é

prudência; o que tem de haver é muita prudência e muito bom senso,…

O Sr. Pedro Jesus Marques (PS): — Estou de acordo! Muito bem!

O Sr. Adão Silva (PSD): — … porque o que está em causa é o futuro dos portugueses, o que está em

causa é a estabilidade e a tranquilidade dos portugueses.

Quero deixar uma garantia clara e inequívoca sobre esta matéria: o Grupo Parlamentar do PSD e o

Governo não entrarão numa aventura que ponha em causa a sustentabilidade da segurança social!

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Pois é!…

O Sr. Adão Silva (PSD): — A sustentabilidade da segurança social é um bem absolutamente

incontornável! Portanto, Sr. Deputado, sobre esta matéria não pode haver a menor dúvida.

O Partido Socialista já se está aqui a manifestar sobre esta questão, mas a atual Lei de Bases da

Segurança Social, que senhores fizeram — onde é que está o Sr. Deputado Vieira da Silva? Deve estar por aí!

—, a Lei n.º 4/2007, não prevê, no artigo 58.º, a limitação contribucional para a segurança social?! Prevê!

Então, não houve uma Lei Bases da Segurança Social, aprovada em 2000, com a abstenção do BE, que

previa também o plafonamento e a limitação das contribuições?!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — E o PSD, como é que votou?

O Sr. Adão Silva (PSD): — V. Ex.ª, Sr. Deputado Luís Fazenda, também estava semi de acordo com uma

legislação que previa limites contributivos! Já se esqueceu, Sr. Deputado? Mas não se deveria ter esquecido.

Portanto, Sr. Deputado, esta matéria é muito sensível e muito delicada. Mas a pergunta que tem que ser

colocada é a seguinte: há «vacas sagradas» na democracia? Há alguma matéria que não deva ser discutida?

Achamos que não.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Achamos que devem ser feitos estudos, abordagens e análises, mas sobretudo

com a condicionante absolutamente incontornável de que não pode ser posta em causa a sustentabilidade da

segurança social, porque seria posto em causa o futuro dos portugueses, e isso nós não aceitamos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — O Sr. Deputado Luís Fazenda pretende responder de imediato a cada

um dos pedidos de esclarecimento. Tem, portanto, a palavra.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Adão Silva, na paráfrase sobre Deus e o Diabo,

creio que o Sr. Deputado quis ficar de bem com os dois, mas isso é difícil. Ou é uma imensa virtude ou é um

pecado extraordinário.

Risos do PSD.

Mas o que o Sr. Deputado não vai conseguir explicar é que estudos concretos podem ser feitos acerca do

plafonamento e do prazo de transição que não incorram num aumento desmedido do défice do Estado, na

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descapitalização da segurança social e no empobrecimento dos portugueses, na violação de um contrato

social que está estabelecido na previdência pública.

Isso é que o Sr. Deputado não vai conseguir explicar, porque esse é um velho preconceito e é uma velha

bandeira da direita mais conservadora: tentar encontrar o plafonamento horizontal.

Não venha dizer que isso já está previsto há muitos anos na Lei de Bases da Segurança Social e que,

entretanto, tornou a estar incluído, porque esse é o chamado «artigo morto»: ele está «morto» e «enterrado»

nessa lei há muito anos, nunca foi acionado. Toda a gente se recorda dos debates sobre o Livro Branco e o

Livro Verde, acerca da utilização do plafonamento horizontal. Ele nunca foi um recurso, porque da direita à

esquerda, tirando os cruzados do setor financeiro,…

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Exatamente!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — … nunca ninguém se atreveu, pela aventura que constitui, a jogar na bolsa

uma parte dos descontos dos trabalhadores para a segurança social, para a previdência, para fundos privados

de pensões.

Portanto, a questão, hoje, não se nos coloca, nem sequer num período recessivo e de enormes

dificuldades, da parte do Governo e do sistema da segurança social, para conter todo um conjunto de

prestações sobre os vários riscos com que hoje se confrontam os trabalhadores, nomeadamente riscos de

desemprego e acerca das suas pensões de reforma.

Quando o Sr. Deputado aqui nos vem dizer «não embarcaremos em nada», peço-lhe que, por favor, antes

de embarcarem, fiquem já em terra, não embarquem mesmo. E diga ao Sr. Ministro Pedro Mota Soares que

não vale a pena sequer começar esse estudo, porque esse é, obviamente, um estudo para criar uma situação

dificílima à segurança social, e para isso os senhores — nem no PSD, nem no CDS — não têm mandato.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Jesus Marques.

O Sr. Pedro Jesus Marques (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, peço-lhe que faça

comigo um exercício — que também para si imagino que será difícil —, que é o de hoje concordarmos os dois,

imagine, com Manuela Ferreira Leite e com Bagão Félix

Manuela Ferreira Leite disse hoje: «É absolutamente inoportuno falar de reforma de segurança social».

Bagão Félix disse ontem: «Não é o momento mais oportuno para lançar o plafonamento». Tem-me custado,

em muitos momentos, concordar com estas duas personalidades da direita portuguesa. Tem-me custado

também, muitas vezes, concordar com o Deputado Adão Silva, mas hoje concordei com toda a primeira parte

da sua intervenção, na qual disse que o PSD não embarcaria numa aventura para os portugueses.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Hoje está muito generoso!

O Sr. Pedro Jesus Marques (PS): — Concordei com a primeira parte da sua intervenção. Veja lá como

hoje concordo tanto com a direita, mas é com a direita prudente, Sr. Deputado; é com a direita que foi

prudente neste verdadeiro aventureirismo lançado pelo Ministro Pedro Mota Soares! E esse aventureirismo é

absolutamente inaceitável.

Retirar receitas ao sistema público de segurança social — durante décadas, mesmo com as contas feitas

por baixo pelo PSD, há seis anos atrás, eram 9000 milhões de euros ou de dívida pública ou do Fundo de

Reserva da Segurança Social — neste tempo, com esta situação das contas públicas?! É esta a proposta?!

Retirar receitas, durante décadas, às contas públicas e à segurança social, para daqui a muitas décadas

reduzir alguma coisa às pensões?!

O plafonamento não é, seguramente, uma proposta para dar sustentabilidade à segurança social! Já agora,

foi também isso que disse Bagão Félix ainda ontem.

A segurança social pública portuguesa, segundo o estudo anexo ao Orçamento do Estado para este ano,

está sustentada, pode pagar pensões com as reservas que tem para além de 2050! Este Orçamento do

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Estado foi já feito com um cenário macroeconómico bem mais recessivo, como sabem, com muito menos

crescimento económico. Não fomos nós que dissemos que o sistema pagará pensões depois de 2050, foi o

vosso estudo que está no Orçamento do Estado!

É irresponsável discutir plafonamento neste tempo! Colocar em fundos privados, na bolsa, uma parte

substancial das pensões dos portugueses não é, seguramente, para garantir a sustentabilidade da segurança

social!

Sr. Deputado, pensa que isso é para defender o interesse dos portugueses? Ou pensa, como nós, que são

outros os interesses que se defendem quando se defende o plafonamento, como está agora a fazer de forma

irresponsável o Ministro Pedro Mota Soares?!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda para responder.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Jesus Marques, insisti várias vezes, sem

que isso seja um acinte, que as posições do Sr. Ministro Pedro Mota Soares correspondem a interesses do

setor financeiro, e é um porta-voz desses interesses. Pode ser porta-voz e representante desses interesses, é

assim a política: uns defendem interesses de cidadania, outros defendem interesses que têm que ver com

uma determinada conceção do funcionamento do mercado.

Mas, na verdade, os fundos de pensões privados em Portugal têm rendimentos muito baixos, estão mal

cotados, inclusivamente por organismos internacionais que se têm dedicado ao estudo da rendibilidade desses

vários fundos.

Verificamos, inclusivamente, que em Portugal os bancos tentaram desfazer-se, o mais depressa que

puderam, dos seus próprios fundos de pensões — dos fundos dos seus funcionários, dos seus quadros, dos

seus ativos. Logo, não têm qualquer credibilidade, muito menos nesta oportunidade, para se virem arrogar

como gestores mais alargados de planos de poupança reforma.

Portanto, a inoportunidade é total. Mas não nos demarcamos apenas da inoportunidade, demarcamo-nos

da ideia estrutural de que pode haver um sistema plafonado e de que esse sistema misto permita manter um

sistema universal de solidariedade. Um sistema universal de solidariedade não pode ter plafonamentos na

ordem dos que são apontados — seis ou sete salários mínimos. Isso é extraordinariamente mais baixo do que

o que pode ser uma exigência de cidadania e de redistribuição na sociedade portuguesa.

Na verdade, o que a direita procura recriar é um balão de ensaio, é uma manobra de diversão, é qualquer

coisa para tentar fazer esquecer o passo em falso da semana passada acerca das reformas antecipadas, que

de repente desapareceram, passaram à clandestinidade.

O Sr. Ministro Pedro Mota Soares, de semana em semana, vem tentando chamar as atenções, mas só as

chama pela negativa. Não há prudência, mas há, na verdade, uma reflexão de interesses poderosos na

sociedade portuguesa. E aqui tem que imperar um forte sentimento de unidade, que cremos que atravessa

muitas fronteiras políticas e ideológicas, na defesa de um sistema de previdência pública verdadeiramente

ancorado nos valores constitucionais.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, também para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado

Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, compreendo a velocidade

com que V. Ex.ª está disposto, apto e preparado a criticar o que quer que seja que venha do Governo e que

possa mexer seja com o que for.

No entanto, Sr. Deputado, a primeira coisa que lhe pergunto sobre esta matéria é o seguinte: reconhece,

ou não, V. Ex.ª que a existência de um sistema de plafonamento tem, obviamente, dificuldades de transição,

mas que a médio e a longo prazo é favorável à lógica da sustentabilidade?

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Falso!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Completamente falso!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Não fiz uma afirmação, fiz uma pergunta. Se os Srs. Deputados do

PCP me deixarem fazer perguntas ao Bloco de Esquerda agradeço!

Em segundo lugar, Sr. Deputado Luís Fazenda, pergunto-lhe se reconhece, ou não, que esse problema da

sustentabilidade existe e está relacionado com um facto positivo, que é o aumento da esperança de vida, e

com um facto negativo, que é a diminuição da natalidade, para além da questão do crescimento económico.

Isso é, obviamente, um outro debate.

O Sr. João Galamba (PS): — Isso é neutro em termos de plafonamento!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Em terceiro lugar, pergunto-lhe se está disposto a reconhecer, ou não,

que aquilo que o Ministro Pedro Mota Soares disse foi que iria lançar um grupo de trabalho que faria um

estudo, com gente capaz e competente, sobre a introdução da lógica de um sistema que seja de base pública,

mas também misto. Foi isto que foi dito, e não mais do que isto. Reconhece, ou não, o Sr. Deputado que foi

exatamente isto que foi dito?

Sr. Deputado, relativamente à questão do momento, o que andamos a discutir nesta reforma não é um

momento, são muitos momentos! Lembro-me ainda do tempo do Livro — não me lembro da cor, mas ou era

Branco ou era Verde — do Dr. Correia de Campos sobre a reforma da segurança social e a possibilidade do

plafonamento.

Vozes do CDS-PP: — Exatamente!

Protestos do PS.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — São muitos momentos, são muitos anos, Sr. Deputado Pedro Marques,

numa reforma que podia ter sido feita e não foi.

Vozes do CDS-PP: — Bem lembrado!

Protestos do PS.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Diz V. Ex.ª, agora, que não é o momento, que está de acordo com

Bagão Félix.

Vozes do CDS-PP: — Bem lembrado!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Muito bem, Sr. Deputado. Finalmente! Continue assim! Siga Bagão

Félix até ao fim e vai ver que chega a uma boa reforma.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Por último, Sr. Presidente, perguntaria ao Sr. Deputado Luís Fazenda o

seguinte: reconhece ou não que o sistema é, e deve ser, de base pública, como disse o Ministro? E considera

que o Estado deve suportar pensões de 10 000 € ou de 15 000 €? Essa é a questão central.

Protestos do BE.

O Sr. João Oliveira (PCP): — 15 000 €?!

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O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Essa é que é a questão central. Porque o Estado, ao suportar pensões

de 10 000 € e de 15 000 €, está a condicionar a liberdade de escolha para os mais jovens. E os mais jovens

serão os principais preocupados e os principais prejudicados se não fizermos a reforma da segurança social.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Telmo Correia, avivando-lhe a memória, recordo

que havia um Livro Branco e um Livro Verde: o Livro Branco era do relatório da maioria e o Livro Verde era do

relatório da minoria. E já na época — já lá vão uns anos — a discussão acerca do plafonamento era uma das

mais agudas dessa polémica.

A verdade é que, tomando essa proposta, os custos de transição são elevadíssimos e decorrem durante

muito mais anos do que aqueles que aqui pôde prever. Esses custos são elevadíssimos, rondarão aquilo que

Portugal vai ter de pagar de juros e de comissões por este empréstimo que realizou junto das várias

instituições da troica. Isto se não nos enganarmos muito, porque, de acordo com as contas minimalistas do

PSD até várias estimativas independentes, teríamos de subir essa perspetiva em vários furos.

Mas, na verdade, segundo o nosso ponto de vista, pelo qual nos bateremos, não vale a pena estudar isso.

Vale a pena estudar a matéria relativa à diminuição de contribuintes para a segurança social e ao aumento da

esperança de vida. Em relação a tudo isso, o que vale a pena estudar é a diversificação das fontes de

financiamento da segurança social e o reforço da fonte fiscal daquilo que é transportado do Orçamento do

Estado para a segurança social. Isso é que vale a pena estudar! E porquê? Porque não podemos ter uma

sociedade de mercado cada vez mais desarmada fiscalmente, uma sociedade onde se concentra cada vez

mais a riqueza e que, no entanto, vai diminuindo a sua capacidade de solidariedade social. Isso é que é

verdadeiramente inaceitável. E a solução não é individual — até hoje, não é proibido nem nada obsta a que

haja poupança privada.

Mas não podemos aceitar que haja uma privatização parcial do sistema público para afundar esse sistema

e garantir a rendibilidade dos fundos privados de pensões. Isso é que o CDS não pode aqui defender para

toda a gente e todas as circunstâncias!

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — O Estado social tem de garantir as reformas dos ordenados milionários que

estão no ativo?!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Estamos todos muito lembrados das campanhas eleitorais do CDS, do Sr.

Ministro Paulo Portas, daquela «lagrimazinha ao canto do olho» sobre os reformados, sobre as pessoas

idosas, sobre tudo isso… Mas é pensando nessas pessoas e é nestas circunstâncias que temos de discutir o

sistema público da segurança social.

Em todo o caso, Sr. Deputado Telmo Correia, há uma coisa importante que aqui disse: é que fez uma boa

diferenciação em relação à intervenção do PSD nesta matéria. Enquanto o PSD foi reforçando as suas

cláusulas prudenciais, o CDS «embarcou» mesmo, e agora vamos ver o resultado do estudo. Seja como for, o

CDS e o PSD têm a responsabilidade de terem posto na agenda uma bomba contra o sistema de

solidariedade social, que é publicamente aceite, que está consagrado socialmente.

Protestos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — E essa mudança é uma contrarrevolução no sistema! É um ataque liberal,

conservador, a um sistema público; não é uma nova forma de resolver problemas de solidariedade.

Vozes do BE: — Muito bem!

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O Sr. Luís Fazenda (BE): — Não venha aqui falar das pensões muito altas! Quantas são? Isso é

demagógico, isso é que é verdadeiramente populista!

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino

Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP):— Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, o assunto que aqui nos

trouxe é da maior importância, porque, semana após semana, assunto após assunto, vemos o Sr. Ministro da

Segurança Social constituído num verdadeiro pirómano liberal à solta na segurança social pública, procurando

deitar fogo a tudo o que existe de conquista com o 25 de Abril e com a luta dos trabalhadores e das

populações.

Vemos que foi lançada a ideia do aumento da idade legal de reforma, mas que essa idade já está a

aumentar, porque, com a introdução do fator de sustentabilidade, pelo Partido Socialista, todos os anos

aumenta vários meses a idade legal de reforma para se obter uma reforma igual.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — E os trabalhadores que se têm reformado nestes anos sabem bem

que, para terem a mesma reforma, têm de trabalhar mais tempo para além dos 65 anos.

Também ninguém da maioria explicou — questão que o Sr. Deputado Luís Fazenda referiu na sua

declaração política — este súbito descalabro do saldo da segurança social, que, desde a aprovação do

Orçamento que entrou em vigor a 1 de janeiro até à entrega do Orçamento retificativo, passou de 420 milhões

para 63 milhões. Para onde é que foi este dinheiro?

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Para onde é que está a ser encaminhado dinheiro que não é senão

das contribuições dos trabalhadores que constituem aqueles recursos e que, portanto, não pode ser usado

para outros fins?

Mas, na verdade, o plafonamento é a questão central que aqui nos traz. O que se propõe, ao contrário do

que é dito, não é um plafonamento das reformas mais altas, é um plafonamento dos descontos mais altos.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Então, qual é o problema?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Porque o que os senhores querem não é deixar de pagar as reformas

mais altas — aliás, reformas de mais de 5000 € são 0,05% na segurança social. O que os senhores querem é

que os salários mais altos, em vez de descontarem para a segurança social pública, descontem para os PPR

da banca privada. Esse é que é o objetivo.

Vozes do PCP: — Ora, aí está!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Por cada reforma alta, há muitos anos de descontos de milhares de

euros por mês! Se houvesse reformas — duvido que existam — de 10 000 €, como o senhor referiu,…

Vozes do CDS-PP: — Olhe que há!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Ó Sr. Deputado, ouça bem! Se houvesse essas reformas de 10 000 €,

então esses trabalhadores descontavam 3000 € ou 4000 € por mês! E esses 3000 € ou 4000 € por mês

chegam para pagar essa reforma e contribuem para pagar muitas outras mais baixas que, só assim, podem

ser valorizadas.

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Vozes do PCP: — Exatamente!

Protestos do CDS-PP.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — O que os senhores querem é que esses recursos vão direitinhos para

a banca privada.

Vozes do PCP: — Nem mais!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Aliás — vou dizer como o Sr. Deputado Pedro Marques disse ao Sr.

Deputado Adão Silva…

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Vou já terminar, Sr. Presidente.

Hoje, até sou capaz de concordar com quase tudo o que o Sr. Deputado Pedro Marques disse em relação

ao plafonamento. Só há um problema: quem é que pôs o plafonamento na lei? Quem foi?

O Sr. João Oliveira (PCP): — Esqueceram-se!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Quem é que se lembrou de pôr na lei esta coisa terrível para a

segurança social? Foi ou não foi o Partido Socialista, Sr. Deputado Luís Fazenda?

É esta a questão que se mantém, porque o plafonamento só interessa à banca privada, àqueles que

querem ficar com os recursos dos trabalhadores.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, seja qual for a origem do

plafonamento, ela é antiga, e para isso contribuíram os partidos centrais, sem dúvida, e têm essa

responsabilidade. Seja como for, levamos mais de duas décadas de combate a essa norma. Nas atuais

circunstâncias, é preciso derrotá-la de vez, não é ressuscitá-la, dar-lhe forma e corpo. Isso é verdadeiramente

inaceitável e, portanto, combateremos qualquer ideia nessa direção.

Salientou aqui — eu já o tinha feito — que há uma perda rápida do saldo da segurança social. Esse aspeto

é gravíssimo e é sobre ele que gostaríamos de ouvir o Sr. Ministro Mota Soares. É que não nos venham dizer

que se trata apenas de um gasto extraordinário, apesar das responsabilidades políticas do Governo em

subsídios de desemprego. Não nos venham dizer que é apenas isso. E nós gostaríamos de saber exatamente

para que estão a ser utilizados os dinheiros da segurança social, porque não podem ser uma espécie de carro-

socorro, com as contribuições dos trabalhadores, para políticas que são absolutamente indesejáveis.

Gostaria, novamente, de pôr em contradição a análise que o Governo fez no Relatório do Orçamento do

Estado, que o PSD e o CDS aqui corroboraram, sobre o equilíbrio financeiro até 2035.

Os Srs. Deputados Adão e Silva e Telmo Correia bem falaram, mas não disseram nada sobre isso. Aquilo

que o Relatório do Orçamento do Estado nos garantia… Na ótica do Governo, não na nossa, porque até temos

outras contas e outras estimativas… Mas quando quiserem debater o aumento do financiamento da segurança

social, o reforço da componente fiscal, a diversificação das fontes de financiamento do sistema contributivo,

estaremos à vontade para discutir isso tudo!

Mas foi este Governo que garantiu que havia uma sustentabilidade projetada a 2035. É, pois, extraordinário

como, num debate destas circunstâncias, não só não tenham tomado como firmes esses dados, como

também não os tenham refutado. Foi essa dúvida que trouxeram ao povo português e é com essa dúvida que

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acaba hoje, aqui, este debate: é que, afinal, «há fumo e há fogo». Portanto, há uma vontade da parte da direita

em alterar um sistema público para uma coisa que não é constitucional e se chama sistema misto.

Por conseguinte, há aqui, até de uma forma escondida, uma tentação de revisão da Constituição e dos

valores constitucionais a propósito do sistema público de segurança social.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Mas isso não foi dito às portuguesas e aos portugueses. O PSD e o CDS

estão a querer rever a Constituição nessa matéria.

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Isso é falso!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — E estão a fazê-lo fora dos mecanismos de debate de uma revisão

constitucional.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos

Zorrinho.

O Sr. Carlos Zorrinho (PS): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Como é do conhecimento de todos,

o Partido Socialista realizou, em Bragança, as suas jornadas parlamentares.

Foram umas jornadas focadas no conhecimento da realidade, no contacto com as pessoas e com as

instituições e também foram focadas nas respostas aos problemas concretos das pessoas, das famílias e das

empresas.

Sob o tema «crescimento e emprego», refletimos e preparámos propostas concretas para a inserção de

Portugal no contexto europeu e global, para a coesão social e territorial, para a competitividade, para a

inovação e para a internacionalização. Das nossas jornadas saíram propostas concretas, algumas já refletidas

no Orçamento retificativo, que, infelizmente, foram esta manhã liminarmente chumbadas pela maioria, mas

outras darão origem a iniciativas legislativas que traremos a este mesmo Parlamento.

Queria partilhar convosco, com esta Câmara, e através dela, com os portugueses, o nosso profundo

empenho em sermos parte do embrião de uma alternativa sólida para a Europa e, ao mesmo tempo, de uma

resposta para aqueles portugueses que não desistiram do País, que não se refugiaram na «torre de marfim»

em que a maioria se refugiou e que também não se sentem motivados pela vozearia inconsequente dos

partidos que, à esquerda, escancararam as portas à direita neoliberal.

Aplausos do PS.

Protestos do Deputado do PCP João Oliveira.

Estamos profundamente envolvidos num esforço coletivo para que a União Europeia volte a ser um espaço

de crescimento, de emprego qualificado, de progresso e uma referência de comunidade, de paz, de equidade

e de tolerância.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Aprovaram o Orçamento com eles!

O Sr. Carlos Zorrinho (PS): — O ato adicional ao tratado orçamental é hoje inevitável. A Comissão

Europeia e cada vez mais atores económicos e sociais o exigem.

Em Portugal, fomos pioneiros na sua formulação. Perdemos aqui uma batalha pela miopia política de um

Governo que até o consenso europeu ousa quebrar, mas não perdemos o combate.

Acreditamos na Europa do crescimento e do emprego, da coesão e da competitividade. É nessa Europa

que queremos Portugal, não como um protetorado subjugado, mas como um ator ativo de um futuro melhor. E

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é por isso, porque não queremos um Portugal subjugado, um Portugal protetorado seja de quem for, que é

preciso agir, Sr.as

e Srs. Deputados.

Em Bragança, como um pouco por todo o País, temos falado com as pessoas, com as empresas e com as

instituições. Sabemos do seu desespero, mas também sabemos da sua esperança e do seu empenho.

Esperança no bom senso do Governo, que terá agora uma segunda oportunidade para corrigir um trajeto

inviável, trajeto plasmado, por exemplo, na Lei dos Compromissos.

A lei, tal como está, coloca as instituições portuguesas entre a espada e a parede, entre a paralisia e a

desobediência. Mas há outro caminho, o caminho que o PS propôs duas vezes e duas vezes a maioria

chumbou, um caminho racional e viável de controlo da dívida pública.

Dizem agora os Srs. Deputados da maioria que se vão inspirar na nossa proposta para a regulamentação.

Do mal, o menos. Estaremos atentos. Não façam como o vosso Governo, que se refugiou e se esconde cada

vez mais do País real.

As Sr.as

e os Srs. Deputados sabem tão bem como nós que a Lei dos Compromissos que aprovaram, e

hoje reforçaram, é um enorme erro político e económico.

Aplausos do PS.

Quem vo-lo diz são todos os autarcas, os gestores hospitalares, os reitores, os servidores empenhados no

interesse público e no interesse nacional. Por isso, reconsiderem; é um ato de humildade que vos propomos,

um ato de sentido de Estado. E é com esse mesmo sentido de Estado e de equidade que vos propomos

também um trabalho conjunto pela competitividade das nossas empresas e pela equidade na distribuição dos

sacrifícios.

A energia em Portugal tem uma história, Sr.as

e Srs. Deputados. A história recente em termos de estratégia

energética é uma história de sucesso. A nossa incorporação de energias limpas colocou Portugal como uma

referência global neste domínio. Os relatórios da Agência Internacional de Energia são a prova do progresso

feito nesta área pelo nosso País.

A energia é, no entanto, cada vez mais um importante fator de inclusão social e de competitividade

empresarial. O Governo não o entendeu e, por isso, aumentou em antecipação os impostos sobre a energia e

usou a taxa máxima, ou seja, ultrapassou duplamente, por excesso, o compromisso do Memorando. O

Governo, porém, tem-se esquecido de outro compromisso: o compromisso de envolver os produtores de

energia no esforço coletivo pela competitividade e pela proteção dos consumidores.

Aplausos do PS.

Queremos ajudar o Governo a cumprir este compromisso com equilíbrio e sentido estratégico. Fizemos

sete propostas, três das quais foram já chumbadas. Eram propostas muito importantes, por isso é preciso que

expliquem por que chumbaram essas propostas, que tinham grande importância na redução da fatura elétrica

para os consumidores e para as empresas.

Temos quatro outras propostas. Esperamos que as tenham em atenção e, sobretudo, que tenham em

atenção que, tendo como referência uma taxa de remuneração de 7,5%, estão calculados no relatório que

têm, e que exigimos que disponibilizem, 3000 milhões de euros de rendas excessivas que têm de ser

devolvidas à competitividade, devolvidas à equidade, devolvidas aos consumidores.

Sr.as

e Srs. Deputados, as propostas que convosco aqui partilhei foram o exemplo do resultado de umas

jornadas parlamentares em que o PS reiterou a sua alternativa construtiva ao Governo.

Temos todos a obrigação de colocar Portugal em primeiro lugar, com sentido de Estado e com sentido do

bem comum.

A palavra, Sr.as

e Srs. Deputados do CDS, do PSD, do PCP, de Os Verdes e do Bloco de Esquerda, a

palavra, é vossa!

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente (António Filipe): — Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Luís

Montenegro, Hélder Amaral, Bernardino Soares e Luís Fazenda.

Em primeiro lugar, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Montenegro.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Zorrinho, queria começar por

saudar o Partido Socialista, a sua bancada parlamentar e V. Ex.ª pela circunstância de terem realizado estas

jornadas parlamentares. Julgamos que se trata de um momento importante no processo de reflexão política

dos grupos parlamentares — no caso, do Grupo Parlamentar do Partido Socialista — e um momento

importante não só para projetar, nos trabalhos parlamentares, as suas propostas e iniciativas políticas, mas

também para fazer uma avaliação do que tem sido a conduta política do Partido Socialista no que tange aos

trabalhos entretanto realizados no Parlamento.

Desse ponto de vista, a minha saudação é a duplicar, porque me parece que o tom com que o Sr.

Deputado aqui acabou de intervir, e, diria mesmo, também o tom com que decorreram as intervenções nas

jornadas parlamentares, apresenta ao País um Partido Socialista com, pelo menos, um discurso de maior

responsabilidade do que aquele que tem tido até ao momento. Isto é, a nosso ver, uma evolução importante

que queria aqui registar.

Sr. Deputado, quero dizer-lhe que é bem-vinda esta disponibilidade do Partido Socialista para colaborar

com os grupos parlamentares da maioria e com o Governo na decisão de questões muito importantes e

prementes para a vida das pessoas. É bem certo que não tem sido essa a marca dos últimos tempos. Aliás,

ainda na semana passada aqui aprovámos uma importante legislação relativamente a uma reforma, também

ela importante, no domínio da administração local, que não contou nem com a participação nem com a

disponibilidade do Partido Socialista. Ao contrário daquilo que parece resultar destas jornadas parlamentares,

nessa ocasião, o Partido Socialista não apresentou uma única proposta, apesar de ter sido este partido a

introduzir na agenda política essa matéria e de a ter também inscrito no Memorando de Entendimento.

Também é verdade que, até ao momento, o Partido Socialista tem tido uma postura de grande enfoque nas

questões do crescimento e do emprego, mas é um enfoque muito retórico, que não tem tido concretização

prática.

Registamos também a evolução do Partido Socialista em trazer algumas propostas. O Sr. Deputado falou,

entre outras, das propostas no domínio da energia, dizendo, a esse propósito, que temos uma história de

sucesso. Não estou assim tão de acordo com a sua afirmação, desde logo porque se a história fosse tão bem

sucedida, não seria necessário o Partido Socialista hoje aqui apresentar tantas propostas no domínio da

energia!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado, queira concluir.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — V. Ex.ª, Sr. Deputado Carlos Zorrinho, fez aqui uma interessante

confissão. Dadas as responsabilidades que teve, ao longo dos últimos anos, neste domínio, é, de facto, de

assinalar a sua pré-disposição para hoje apresentar tudo aquilo que não foi capaz de fazer quando exerceu

funções governativas precisamente na área da energia!

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Sr. Deputado Carlos Zorrinho, quero voltar ao princípio, quero voltar a

esta pré-disposição do Partido Socialista para poder contribuir, no âmbito de um combate político leal e sério,

para encontrar as melhores soluções para a vida das pessoas.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado, tem mesmo de concluir.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Vou já terminar, Sr. Presidente.

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Estaremos atentos às propostas do Partido Socialista, estaremos atentos às propostas que hoje mesmo

aqui apresentou, mas queria colocar-lhe uma questão: o Partido Socialista, para além desta pré-disposição

que aqui anunciou e destas propostas que referiu, está ou não disponível para, de uma vez por todas, poder

consensualizar com o PSD outras importantes reformas de que o País carece para resolver também

problemas concretos das pessoas? Estou a referir-me, desde logo, às leis laborais. Sei que o Partido

Socialista já entregou as suas propostas de alteração. Está ou não está disponível para aproximar posições

neste domínio? Relativamente à reforma na administração local, está ou não está disponível o Partido

Socialista para o fazer? Relativamente às reformas no âmbito da justiça, está ou não está disponível o Partido

Socialista para o fazer?

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado, já duplicou o tempo de que dispunha.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Relativamente a uma matéria importante que também está em

discussão no Parlamento, a matéria do arrendamento urbano, está ou não está o Partido Socialista em

condições de, também aí, apresentar de uma vez por todas as suas propostas?

Sr. Deputado, queremos dizer-lhe que, pela nossa parte, manteremos a nossa postura de disponibilidade e

que iremos analisar todas as propostas que vierem a bem da vida das pessoas.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado Luís Montenegro, ultrapassou largamente o tempo de

que dispunha. Em sede de declarações políticas, não temos tempo para debater essas reformas todas…

Sr. Deputado Carlos Zorrinho, tem a palavra para responder.

O Sr. Carlos Zorrinho (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Montenegro, agradecendo a sua

saudação, quero dizer que não posso deixar de notar o grande contraste entre o carácter construtivo das

nossas jornadas parlamentares, como reconhece, e o tom nada construtivo do congresso do PSD. Também

não posso deixar de notar o grande contraste entre as suas palavras e os seus atos. Efetivamente, ouvindo-o

aqui e agora, parecia que estávamos a inaugurar uma nova etapa de compreensão e de articulação mútuas,

mas, hoje de manhã, os senhores chumbaram a nossa proposta para a Lei dos Compromissos e disseram que

iam regulamentá-la de acordo com a nossa proposta. Ou seja, não assumiram uma colaboração,

reconhecendo que ela era correta.

A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): — Muito bem!

O Sr. Carlos Zorrinho (PS): — Sr. Deputado, em julho do ano passado, o Secretário-Geral do Partido

Socialista, que está aqui sentado a meu lado, falou com o seu Primeiro-Ministro, e disse-lhe: «vamos fazer a

reforma de que o País precisa do poder local. Vamos trabalhar nas competências, vamos trabalhar no

financiamento, vamos trabalhar na lei eleitoral, vamos trabalhar na eficácia, na eficiência». Depois, quando

ficámos à espera da vossa resposta, surgiram, inopinadamente, sem falarem connosco, um livro verde, um

livro branco, um conjunto de medidas, uma «leizinha» completamente desgarrada, sem nenhum sentido

estratégico e sem nenhum sentido global.

Por isso, Sr. Deputado, espero, de facto, que possamos hoje iniciar um novo caminho, um caminho de boa

articulação, mas é preciso que os vossos atos correspondam às vossas palavras,…

A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): — Muito bem!

O Sr. Carlos Zorrinho (PS): — … é preciso que as vossas políticas sejam boas políticas, como foi a da

energia do governo anterior — uma política que está referenciada por todos os estudos e em todos os

relatórios.

Sr. Deputado, é exatamente porque sabemos que essa é uma política de êxito, uma política de sucesso,

que dizemos agora — tal como os funcionários públicos, os reformados, as pequenas e médias empresas

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(PME), tal como todos os que fizeram sacrifícios e todos os que tiveram de pagar neste momento difícil — que

não há nenhuma razão para os senhores isentarem empresas de sucesso desses mesmos sacrifícios e desse

mesmo contributo.

Aplausos do PS.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Isso é diferente!

O Sr. Carlos Zorrinho (PS): — Sr. Presidente, aproveito para informar que responderei às três últimas

perguntas em conjunto, uma vez que terei de me ausentar.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Muito bem, Sr. Deputado.

Tem a palavra o Sr. Deputado Hélder Amaral para pedir esclarecimentos.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Zorrinho, queria, em nome da

bancada do CDS-Partido Popular, cumprimentá-lo, bem como ao Partido Socialista, pela realização das

jornadas parlamentares do seu partido e até pelo local onde as mesmas se realizaram. Bem sei que o Sr.

Secretário-Geral do Partido Socialista deu uma volta intensiva ao País, tentando conhecer os problemas do

interior, percebendo-se, nessa altura, que as jornadas parlamentares seriam realizadas também no interior.

Lamento, no entanto, que quanto a medidas para o interior, quanto a medidas de coesão territorial,

problema que todos nós precisamos de resolver em consenso — aqui, espero, com muito mais consenso e

menos ideias avulsas —, nas jornadas parlamentares do Partido Socialista, que me lembre (porventura, o erro

é meu), apenas uma medida foi referida. Aliás, naquela que seria uma primeira reforma e que poderia,

eventualmente, trazer atrás de si um conjunto de outras reformas, que é a reforma da administração local, o

Partido Socialista, nesta matéria, normalmente esconde-se e não enuncia nada sobre o endividamento das

autarquias ou sobre a necessidade de, eventualmente, numa segunda fase, alargar também a reforma aos

municípios.

Sobre energia, gostava de lhe dizer, Sr. Deputado, que achei muito curioso que se as jornadas

parlamentares do Partido Socialista começaram com elogios a um Deputado do Partido Socialista e ao ex-

Primeiro-Ministro, terminaram com as sete magníficas propostas, quase num pedido de desculpa e numa

autocrítica quanto ao que era a política energética do Partido Socialista.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Começaram com energia mas perderam o gás!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Os custos de interesse económico geral (CIEG), os 40% que cada um

de nós paga na fatura da eletricidade, em 2005, no início do governo de VV. Ex.as

, eram 500 milhões de euros

e, em 2011, terminaram com 2500 milhões de euros de custos; a garantia de potência custou, em 2011, 62,7

milhões de euros; o plano nacional de barragens custou 16 000 milhões de euros, mais ou menos 3000 € por

cada contribuinte português. Estes são números que têm também a assinatura de V. Ex.ª.

Portanto, sobre esta matéria, temos um primeiro momento em que o Partido Socialista reconhece que é

preciso fazer qualquer coisa: quando assina o Memorando da troica. O Memorando diz para rever — não diz

para acabar, mas diz para rever —, para reduzir todos estes subsídios e todas estas rendas. Queremos o

compromisso do Partido Socialista nesse sentido, porque é por aí que temos de ir. Ou seja, é preciso

serenidade, é preciso equilíbrio, é preciso bom senso na redução destas rendas. Porquê? V. Ex.ª sabe, e é a

pessoa ideal para o dizer, que o País andou bem ao aproximar-nos das metas em que estávamos

comprometidos em sede da Agenda 2020, mas também é verdade que se cometeram excessos e exageros.

A primeira pergunta é a de saber se o Partido Socialista está ou não disponível para, com mais serenidade,

não em ambiente de jornadas parlamentares, discutirmos em concreto essas reduções.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado, queira concluir.

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O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Termino, Sr. Presidente, perguntando se o Partido Socialista tem

intenção — e o seu discurso revelou que tem — e se está disponível para voltarmos a discutir as políticas de

desenvolvimento da economia e do emprego.

Registo também o tom — e vou terminar, Sr. Presidente — das jornadas parlamentares do Partido

Socialista, tom, esse, que gosto: moderado, equilibrado. Eu até tinha saudades daquele Partido Socialista que

dizia «Quando a luta aquece, mais força tem o PS». Estava preocupado, porque até há pouco tempo

estávamos a assistir a um PS que quando mais a luta aquece, mais se esconde o PS.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Qual luta?!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Eu não queria que o PS se escondesse…

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — … mas que viesse à luta, que viesse à colaboração e que voltasse à

governação do País, porque é um partido fundamental e com o qual nós contamos.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino

Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Zorrinho, queria, em primeiro

lugar, cumprimentar a bancada do Partido Socialista pela realização das suas jornadas.

Ouvi a pergunta do Deputado Hélder Amaral, do CDS e, com tantas críticas aos benefícios que governos

anteriores, incluindo do Partido Socialista, deram à EDP e a outras empresas em matéria de energia, com

tanta crítica feita agora, devo dizer que estou esperançado de que é desta que vai haver um governo que

acabe com esses benefícios! Estou convencido de que, com esta intervenção, é isso que vai acontecer!

Fala-se muito de rendas excessivas — é uma realidade —, mas é preciso dizer de quem são essas rendas

e quem as paga. Essas rendas são dos acionistas da EDP e das outras empresas da área da energia e são

pagas pelo Orçamento do Estado e pelos consumidores, pela população portuguesa.

Vozes do PCP: — Exatamente!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — A resolução deste problema não pode ser a de transferir mais custos

para a população e para as pequenas empresas, para a economia, para aliviar o Orçamento do Estado. A

solução tem de ser a de diminuir os lucros dessas empresas, não de forma administrativa, mas essas

empresas têm de arcar com um peso maior do custo destas novas energias para que a população tenha uma

energia mais barata, para que a economia tenha acesso a energia mais barata.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Claro!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Senão estamos a fazer pagar, outra vez, os mesmos e, num cenário

em que temos uma economia a precisar de tanto incentivo e de tanto estímulo, os custos da energia elétrica, e

da energia em geral, são decisivos para aumentar, aí sim, a competitividade das empresas portuguesas,…

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Muito bem!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — … e não os custos do trabalho. Aqui é que está um dos problemas

principais.

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O Sr. Deputado também falou, e bem, do crescimento e emprego. Queria perguntar-lhe — e não entenda

isto como uma provocação, é mesmo uma pergunta sincera — como é possível uma política de crescimento e

emprego cumprindo o que está naquilo a que temos vindo a chamar «pacto de agressão». Como é possível?

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Claro!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Com uma contração do mercado externo, e que podemos ver nos

nossos indicadores de exportações, e com uma contração brutal na procura interna, que é, neste momento,

um elemento decisivo da recessão, causada pela diminuição dos salários, pela diminuição das reformas, pelo

corte nas prestações sociais, como é possível termos crescimento e emprego? É uma pergunta muito sincera

que lhe deixo.

Já agora, e vou terminar, Sr. Presidente, pedindo antecipadamente desculpa, permita-me que aborde uma

questão que debatemos na semana passada.

Com o novo tratado, que, na semana passada, aqui foi aprovado e segue para ratificação, temos um

problema ainda maior de falta de autonomia e de soberania nas nossas decisões económicas. O Secretário-

Geral do seu partido, Sr. Deputado António José Seguro, disse, na altura, que se a maioria não aceitasse a

adenda que o PS propôs, haveria uma rutura no consenso europeu. A maioria não aceitou, o tratado foi

aprovado e rutura nem a vimos! E bem precisávamos que tivesse havido uma rutura, com estas políticas

europeias que tanto prejudicam o nosso País!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís

Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Zorrinho, queria saudá-lo pela realização

das jornadas parlamentares do PS e dizer-lhe que, como sempre, estudaremos, uma a uma, todas as

propostas, no campo da energia e outras que saíram. Como sempre, pelo seu valor intrínseco, a nossa atitude

será tomada. Não temos nunca nenhum preconceito nem nenhuma determinação em relação a proposta

alguma que não seja pelo seu mérito.

Gostava de lhe perguntar acerca do tipo de atuação que o Partido Socialista vai ter, nos próximos tempos,

aqui, no palco parlamentar, uma vez que fizeram aquele escrutínio difícil, do jeito «E tudo a troica levou. O que

sobeja?». Andaram em «o que sobeja?», depois de a troica ter levado tudo… Portanto, pergunto se há ou não

hipóteses de entendimento, e quais, entre o Partido Socialista e o Partido Social Democrata. Já ouvimos aqui

esse namoro repetido, aliás, declinado a duas vozes, em várias matérias, mas, a nós, interessa-nos

especialmente saber se o PS, nas suas jornadas parlamentares, aprofundou como vai qualificar, do ponto de

vista jurídico, a regra de ouro, se terá uma maioria qualificada de dois terços em sede de Lei de

Enquadramento Orçamental. Será isso? Não será? Enfim, o que vamos ter de tradução dessa regra para o

ordenamento jurídico português? É um mistério que se mantém.

Para além das vezes repetidas que o Partido Socialista já se ofereceu para um entendimento com o Partido

Social Democrata acerca da lei eleitoral autárquica, gostava de saber que reflexões fizeram acerca da lei

eleitoral para a Assembleia da República e se isso não vai manter uma tradição de colaboração, ao centro, do

Partido Socialista.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Zorrinho.

O Sr. Carlos Zorrinho (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados Hélder Amaral, Bernardino Soares e Luís

Fazenda, muito obrigado pela simpatia das referências feitas às nossas jornadas parlamentares.

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Sr. Deputado Hélder Amaral, certamente, como Deputado do interior do País, está atento a tudo o que

interessa a essa zona e, por isso, reparou que o Partido Socialista realizou, na Guarda, umas jornadas pelo

interior, onde, aliás, apresentámos várias propostas.

Ontem mesmo, em Bragança, apresentámos uma proposta, que teve depois consequência no Orçamento

retificativo, chumbado por V. Ex.ª (não percebemos porquê), porque os autarcas de Bragança disseram-nos

que há, neste momento, um esforço grande de multiplicação da exploração mineira, nomeadamente do ouro e

de outro tipo de minerais importantes, e que era fundamental que parte dessa riqueza pudesse reverter para

os territórios onde são explorados.

Ora, nós fizemos essa proposta. Sabe que ela foi chumbada? Porque terá chumbado?

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Carlos Zorrinho (PS): — Não faz sentido que essa proposta tivesse sido chumbada.

Uma segunda proposta para o interior. Também visitámos o Tribunal de Vinhais e somos contra o

encerramento dos tribunais no interior. Somos contra o facto de as pessoas terem de se deslocar para terem

acesso à justiça.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Carlos Zorrinho (PS): — Somos a favor de que a justiça se desloque para promover a equidade de

acesso. O Sr. Deputado é a favor? Está a ver? Uma medida para o interior.

Sr. Deputado, o facto de o rácio de transformação do balanço dos nossos bancos, agora, não ser

obrigatório, mas indicativo, vai libertar cerca de 3000 milhões de euros. O Sr. Deputado sabe — e o CDS, que

é, julgo eu, um partido que se preocupa tanto com as pequenas empresas e com a economia —…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Isso era só conversa! Isso já foi!

O Sr. Carlos Zorrinho (PS): — … que temos uma proposta para que esse dinheiro seja canalizado,

prioritariamente, para o financiamento das PME, e das PME exportadoras? Sabe que vocês chumbaram essa

proposta? Faz sentido? Tem sentido de Estado chumbar essa proposta? Sei que vão apresentá-la. Espero

que o façam. Nós aprovaremos, quando vocês propuserem. Nós somos diferentes. Se propuseram as três

medidas que propusemos e que agora chumbaram, nós aprovamo-las, apesar de terem sido apresentadas

pelos senhores.

Aplausos do PS.

Sr. Deputado Bernardino Soares, muito obrigado pelas suas perguntas. Noto que se referiu a uma

componente da área da energia e não se referiu a outras. Não se referiu ao que conseguimos nas energias

renováveis, ao facto de todos os anos importarmos menos de 800 milhões de euros de petróleo, ao facto de

criarmos milhares de postos de trabalho e também não se referiu ao facto de termos aprovado, por

unanimidade, nesta Câmara (recordo-me que eu era Secretário de Estado da Energia, com muita honra), uma

resolução, que o governo se empenhou em concretizar, com um conjunto de medidas concretas, exatamente

para, face à crise e face à mudança, ajustar os preços excessivos da eletricidade e do gás.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Quando são coisas boas, nós também aprovamos!

O Sr. Carlos Zorrinho (PS): — Está a ver? Nós aprovámos essa resolução e, logo a seguir, assinámos um

pacto para a competitividade, com os parceiros sociais para concretizar essa matéria. Sabe o que aconteceu a

seguir? O PCP, o BE, Os Verdes, o CDS e o PSD derrubaram o governo.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Lá vem o PEC 4!

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O Sr. Carlos Zorrinho (PS): — Por isso, o que estávamos a fazer não pôde ser feito, embora estivesse no

caminho. Nós só estamos aqui a repor o que era nossa intenção concretizar.

Protestos do Deputado do PCP João Oliveira.

Sr. Deputado Luís Fazenda, sei que está a fazer o exercício simpático de fazer tantas vezes ao PS a

mesma pergunta para ver se alguma vez respondemos com um verbo diferente, mas a tudo aquilo que

perguntou já respondemos, e não mudámos nada. Queremos a regra de ouro na Lei de Enquadramento

Orçamental. Já explicámos que o nosso consenso é com qualquer partido que queira estar connosco para o

crescimento e para o emprego.

O Sr. António José Seguro (PS): — Muito bem!

O Sr. Carlos Zorrinho (PS): — Em relação a tudo o que temos dito, não alteramos. Pode perguntar-nos de

dez maneiras diferentes, porque a nossa convicção far-nos-á responder sempre da mesma maneira.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, terminámos o período de declarações políticas.

Vamos passar ao quarto ponto da ordem de trabalhos, que diz respeito à discussão conjunta, na

generalidade, dos projetos de lei n.os

186/XII (1.ª) — Altera a Lei n.º 17/2003, de 4 de junho (Iniciativa

Legislativa de Cidadãos), eliminando a discriminação existente em relação aos emigrantes portugueses (PSD),

e 203/XII (1.ª) — Primeira alteração à Lei n.º 17/2003, de 4 de junho, que regula os termos e condições em

que grupos de cidadãos eleitores exercem o direito de iniciativa legislativa junto da Assembleia da República,

eliminando a discriminação relativa aos portugueses residentes no estrangeiro (PS).

Para apresentar o projeto de lei n.º 186/XII (1.ª), tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Alberto Gonçalves.

O Sr. Carlos Alberto Gonçalves (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: O Partido Social

Democrata e, muito particularmente, este Grupo Parlamentar têm tido como prioridade, na área das

comunidades portuguesas, o alargamento dos direitos cívicos e políticos dos portugueses residentes no

estrangeiro, a fim de convergirem com os direitos eleitorais de qualquer português inscrito no recenseamento

eleitoral no território nacional.

Somos um partido, somos um grupo parlamentar que se revê na ideia — ambiciosa para alguns, mas

realista para nós — de um Portugal repartido pelo mundo, de um Portugal mais forte e mais capaz, com 15

milhões de portugueses.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Carlos Alberto Gonçalves (PSD): — Por isso, sempre que estiveram em causa direitos eleitorais e a

participação cívica destes portugueses residentes no estrangeiro, o PSD, desde os tempos de Francisco Sá

Carneiro, esteve sempre na primeira linha da sua defesa, mas, infelizmente, na Assembleia da República, nem

sempre foi possível encontrar os consensos necessários para pôr fim a um conjunto de discriminações, apesar

de estarem quase decorridas quatro décadas do 25 de abril.

O projeto de lei que o PSD hoje aqui apresenta tem como objetivo eliminar, precisamente, a discriminação

atualmente existente entre os cidadãos eleitores residentes ou não, no território nacional, no que diz respeito

ao direito de iniciativa legislativa.

De facto, de acordo com o artigo 2.º da lei que regula o direito de iniciativa legislativa dos cidadãos, os

emigrantes portugueses, ao contrário do que sucede com os cidadãos eleitores residentes em território

nacional, só podem subscrever iniciativas legislativas de cidadãos que tenham matérias que lhes digam

especificamente respeito, o que lhes limita, de sobremaneira, o seu direito de iniciativa legislativa.

Ora, Srs. Deputados, os cidadãos portugueses residentes no estrangeiro não merecem ser tratados como

portugueses de segunda pelo legislador.

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Assim, esta iniciativa visa alterar, precisamente, esse artigo 2.º, de forma a permitir aos portugueses

residentes no estrangeiro direitos de iniciativa legislativa nos mesmos termos dos cidadãos eleitores

residentes no território nacional.

Este projeto de lei é uma iniciativa dos Deputados eleitos pelos círculos da emigração deste Grupo

Parlamentar e que com ele concretizam um propósito evidenciado na declaração de voto que apresentaram,

aquando das votações de um conjunto de iniciativas, que foram debatidas recentemente neste Parlamento,

sobre esta mesma matéria.

Estes Deputados apelaram igualmente, na altura, para que fosse possível encontrar um consenso

parlamentar para pôr termo a esta discriminação, o que parece ser agora possível, pois, desde logo, o Partido

Socialista, desta vez, mesmo se não apoia diretamente o nosso projeto, apresentou uma iniciativa autónoma,

semelhante, o que nos permite acreditar na aprovação destas alterações.

O PSD e o seu Grupo Parlamentar, através desta iniciativa, demonstram a importância que atribuem às

comunidades portuguesas e, em particular, naquelas que são as matérias fundamentais da sua ligação ao

nosso País.

Num momento em que muitos dos nossos parceiros da União Europeia se abrem às suas diásporas e

aumentam a sua participação, em Portugal, infelizmente, alguns setores da nossa classe política, por razões

ideológicas ou de preconceito, continuam a recear a participação política e cívica dos portugueses residentes

no estrangeiro.

Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PSD considera que este debate e a

possível aprovação deste projeto de lei honram a Assembleia da República. Com efeito, não podemos aceitar

que existam portugueses com menos direitos cívicos apenas porque residem no estrangeiro.

Portugal é um país de comunidades. Portugal, Srs. Deputados, é uma nação de comunidades!

Acabar com esta discriminação, para além do ato simbólico que encerra em si mesmo, é uma forma de

aproximar os portugueses residentes no estrangeiro do seu País de origem, para bem das comunidades, para

bem de Portugal e para bem dos portugueses.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferro Rodrigues.

O Sr. Presidente: — Para apresentar o projeto de lei n.º 203/XII (1.ª), tem a palavra o Sr. Deputado Paulo

Pisco.

O Sr. Paulo Pisco (PS): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: A lei que permite aos cidadãos propor à

Assembleia da República iniciativas legislativas é discriminatória relativamente aos portugueses residentes no

estrangeiro regularmente recenseados, quanto ao que pode ser considerado assunto do seu interesse. É

objetivo dos dois projetos de lei que hoje discutimos precisamente eliminar esta discriminação. Em boa hora,

os Deputados do PS identificaram esta questão, proporcionando, assim, uma reflexão que nos trouxe agora

até à apresentação destas propostas.

Trata-se de uma alteração cirúrgica do artigo 2.º da Lei n.º 17/2003, mas que tem um grande significado.

Desde logo, porque se trata de uma matéria que envolve direitos de cidadania, que, neste caso, adquire, por

isso, uma dimensão mais relevante, mesmo que o número de assinaturas exigíveis para a concretização de

uma iniciativa legislativa desta natureza seja demasiado elevado. E convém aqui lembrar que a maioria

PSD/CDS-PP recusou baixar aquele número, como se viu, em Janeiro passado, ao chumbar os diplomas que

iam nesse sentido.

Devemos partir do princípio de que aos cidadãos portugueses tudo lhes diz potencialmente respeito,

independentemente do local onde vivam. Fazer uma distinção quanto ao que pode ser do seu interesse, em

função do lugar de residência, é inaceitável, do ponto de vista dos princípios, e duvidoso, em termos

constitucionais.

Os portugueses residentes no estrangeiro têm, de uma maneira geral, uma forte ligação afetiva e efetiva a

Portugal, através da família, dos bens e da língua, que é o seu vínculo mais forte e significativo.

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Mas esta discriminação numa lei que agora se põe em evidência é apenas a ponta do iceberg. É o reflexo

de uma realidade que incompreensivelmente existe na sociedade portuguesa, nas instituições e na

Administração, que, frequentemente, demonstram que ainda não sabem lidar com os nacionais que vivem fora

do País. De vez em quando, descobrem-se nas leis e nas decisões pormenores que revelam que elas são

feitas e tomadas apenas a pensar nos portugueses que cá vivem, esquecendo todos os que estão para lá das

nossas fronteiras. Esta desatenção é inaceitável e não pode continuar.

São muitos os portugueses que deixam o País por necessidade ou porque os mandam sair, como, de

forma infeliz, este Governo tem sugerido. Não é justo que, depois, ainda tenham de sofrer mais uma

penalização em cima de outra, que faz com que muitos se sintam estrangeiros não só no país de acolhimento

mas também em Portugal.

A verdade é que ainda existem preconceitos e faltas de atenção relativamente aos nacionais que vivem no

estrangeiro, o que fere desnecessariamente o seu orgulho e sensibilidade, e não honra um País como o

nosso, que tem a sua história feita de migrações.

Por vezes, a discriminação é acentuada com atos administrativos incompreensíveis e altamente

penalizadores, de que é exemplo a recente notificação por este Governo de muitos portugueses que trabalham

em Andorra para pagarem uma elevadíssima taxa de IMI, como se lá estivessem para fugir aos impostos,

quando a única coisa que pretendem é conseguir um salário e uma dignidade de vida que não encontram em

Portugal. Felizmente, parece que o Governo já recuou na sua decisão. Esperemos que aja rapidamente, para

evitar transtornos aos portugueses que vivem em Andorra e noutros países em situação idêntica.

Ao eliminarmos esta discriminação, a Assembleia da República está a dar um sinal muito positivo aos

portugueses residentes no estrangeiro, apelando à sua participação cívica e, ao mesmo tempo, reforçando os

laços que os ligam ao País. Trata-se, pois, de um importante sinal de reconhecimento e de consideração.

Seria bom que estes sinais fossem acompanhados por políticas do Governo para as comunidades

portuguesas que efetivamente as valorizassem e reconhecessem a sua situação específica e não que as

tratassem de uma maneira que elas não merecem e, por isso, não podem aceitar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília

Honório.

A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sr. Presidente, Sr.as

Deputadas, Srs. Deputados: Depois das malfeitorias

que o Governo da maioria tem feito aos emigrantes — e recordemos todos os encerramentos na rede consular

ou todos os cortes no ensino do Português no estrangeiro —, há aqui uma espécie de bónus, uma espécie de

pedido de desculpa que o PSD quer apresentar aos emigrantes.

Esta iniciativa, de tornar os emigrantes titulares plenos na iniciativa legislativa de cidadãos, é, de facto,

importante. E, no essencial, aquilo que o Partido Socialista faz é acompanhar esta iniciativa do PSD.

Não é, de facto, aceitável — e só pode relevar de grave preconceito — que o artigo 2.º da Lei n.º 17/2003

condicione a titularidade deste direito dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro a matérias que lhes

digam especificamente respeito. Portanto, não há temas de interesse para o País que possam ser subscritos

por cada um destes homens e cada uma destas mulheres, que continuam a dar tanto pelo País lá fora.

Assim sendo, a correção deste condicionamento do artigo 2.º da Lei n.º 17/2003 é importante e queremos

aqui valorizá-la. O que, simultaneamente, é estranho, porque o condicionamento foi imposto pelo PSD — era,

então, Primeiro-Ministro Durão Barroso. Portanto, o que o PSD está a fazer, finalmente, ao fim de tantos anos,

é a «limpar» um condicionamento aos emigrantes, um condicionamento ao direito de iniciativa legislativa de

cidadãos para os emigrantes, que o próprio PSD criou.

Em todo o caso, também acho importante chamar a atenção para o facto de a iniciativa legislativa de

cidadãos estar muitíssimo condicionada. Como sabemos, a recolha de assinaturas é feita de forma muito

difícil, pessoa a pessoa, há uma grande exigência quanto aos documentos que fazem prova dessa mesma

assinatura (o Bilhete de Identidade e o Cartão de Eleitor) e reconheçamos que os nossos emigrantes não vêm

para a boca do metro do Marquês de Pombal para assinar uma iniciativa que seja determinante para a vida do

País e para as suas vidas em geral.

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Portanto, esta teria sido também uma oportunidade para o PSD, que, com esta iniciativa, procura um pouco

«lavar as mãos» de tudo o que tem feito aos emigrantes com as políticas deste Governo, abrir a possibilidade

que já aqui defendemos, ou seja, que a iniciativa legislativa de cidadãos pudesse ter outros mecanismos de

recolha das assinaturas, da subscrição, nomeadamente através dos sites da Internet ou através do correio

eletrónico, garantindo, assim, de facto, o desfazer do preconceito e dando a garantia plena de que os

emigrantes devem ter acesso (e terão certamente) às iniciativas legislativas de cidadãos.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Ramos.

O Sr. João Ramos (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Srs. Deputados Carlos Gonçalves e

Paulo Pisco, discutimos aqui hoje duas iniciativas que pretendem eliminar a discriminação quanto à iniciativa

legislativa dos cidadãos portugueses que vivem fora do território nacional.

O PCP tem relação com estes processos de participação dos cidadãos, nomeadamente com a iniciativa

legislativa de cidadãos, desde logo porque, desde 1989, apresentámos na revisão constitucional a

possibilidade de que isto pudesse vir a acontecer e, depois, em 1997, foi aprovada uma proposta do PCP para

que pudesse ser criada uma lei que permitisse a iniciativa política dos cidadãos. Em 2002, a proposta do PCP

não incluía a possibilidade desta discriminação, que veio a constar de lei posterior.

Assim, em coerência com aquelas que têm sido as nossas posições, apoiaremos e votaremos a favor

destes dois projetos de lei.

No entanto, importa dizer que criar o direito de iniciativa legislativa dos cidadãos portugueses residentes no

estrangeiro não implica, imediata e automaticamente, o exercício deste direito. Estas propostas podem «tirar

as trancas da porta», mas não permitem que os cidadãos, de uma forma imediata, atravessem essa porta ou

muito menos a abram.

Por isso, era fundamental que se tivesse reduzido o número de assinaturas necessário para as iniciativas

legislativas. É que os Srs. Deputados que são eleitos pelos círculos da Europa e Fora da Europa sabem que

recolher 35 000 assinaturas é impraticável nas comunidades portuguesas.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. João Ramos (PCP): — A redução do número de assinaturas era, pois, fundamental. Porém, nesse

ponto, o PSD votou contra a recente proposta do PCP, de redução do número de assinaturas para 5000, e até

o PS se absteve.

Existem ainda outras dificuldades relativamente a este processo de participação. E não me refiro àquelas

reservas que o Tribunal Constitucional apresentou, até no âmbito dos primeiros referendos, relativamente à

possibilidade de os cidadãos terem uma participação política ativa em processos que possam não lhes dizer

diretamente respeito. Refiro-me, sim, às condições que os cidadãos que vivem lá fora possam vir a ter para o

conhecimento e a identificação do projeto nacional. É que só esse conhecimento e essa proximidade

permitirão que essa participação possa vir a aumentar. Têm sido precisamente essas dificuldades que têm

determinado que a participação eleitoral dos portugueses residentes no estrangeiro seja reduzida, como todos

sabemos.

Mas estas dificuldades de participação que os portugueses têm, ou, melhor, esta participação que

implicava um outro conhecimento e uma outra relação com a vida política nacional, certamente que não é

estimulada cada vez que se encerram serviços consulares, cada vez que se acaba com uma turma de ensino

da língua e da cultura portuguesas, cada vez que se dificulta o funcionamento do Conselho das Comunidades

Portuguesas ou quando se encerra a onda curta ou a RTP Internacional tem as dificuldades que tem. De facto,

tudo isto limita aquilo que é a participação e o exercício dos direitos políticos dos portugueses no estrangeiro.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. João Ramos (PCP): — Concluo já, Sr. Presidente.

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Por isso, Srs. Deputados, se querem efetivamente fomentar a participação política destes cidadãos, então,

têm de mudar a vossa política para as comunidades.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa

Anjinho.

A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Debatemos, hoje, duas

iniciativas legislativas que, independentemente de diferenças de redação e de questões de especialidade ao

nível da técnica legislativa que nos possam oferecer, visam, ambas, alterar, num aspeto importante, o artigo

referente à titularidade do direito à iniciativa legislativa de cidadãos, eliminando do mesmo a diferenciação que

se estabelece entre cidadãos portugueses em função da residência.

Ora, como já aqui ouvimos, segundo o disposto no atual artigo 2.º, estando em causa cidadãos

portugueses residentes no estrangeiro, o exercício deste direito passa a depender, salvo melhor interpretação,

não apenas da delimitação material constante do artigo seguinte, o artigo 3.º, que estabelece o objeto da

iniciativa legislativa, mas também de uma restrição adicional, ou seja, deverá incidir sobre matérias que lhes

diga especificamente respeito.

Estamos claramente perante uma diferenciação entre cidadãos portugueses, no exercício de um direito, em

função do lugar de residência.

Duas notas: princípio da igualdade e restrição do exercício de um importante direito político.

Ora, reconhecendo que o princípio da igualdade, tal como decorre da nossa Constituição, não proíbe os

tratamentos diferenciados (por vezes, até os impõe em nome da justiça) mas, sim, os tratamentos

discriminatórios, enquanto manifestações diretas ou indiretas de um preconceito, impõe-se compreender dois

pontos essenciais.

Primeiro, a razão desta diferenciação aquando da aprovação da lei, que, tal como decorre da própria

Constituição, deve estar fundada numa justificação objetiva e razoável e visar um fim legítimo, para, apenas

em segundo lugar, aferir, no atual momento, dessa mesma objetividade, razoabilidade e legitimidade,

requisitos sem os quais estaremos claramente perante uma discriminação e, como tal, a violação de um dos

pilares da democracia, ou seja, o princípio da igualdade, que impõe eliminar.

A bem da verdade, há que reconhecer que, à data do debate parlamentar e da aprovação da lei, a questão

da titularidade do direito de iniciativa foi, de facto, debatida, mas omissa nesta matéria em particular.

Todavia, porque as leis devem ser interpretadas sistematicamente, há dados que não podemos ignorar.

Não podemos ignorar que a possibilidade de os portugueses residentes no estrangeiro votarem nas

eleições presidenciais só foi permitida aquando da revisão constitucional de 1997; não podemos ignorar a

diferenciação mantida num artigo da Constituição entre cidadãos portugueses recenseados no território

nacional e cidadãos portugueses residentes no estrangeiro, estando estes últimos condicionados à existência

de efetiva ligação à comunidade nacional, sem que a lei orgânica defina os requisitos materiais dessa mesma

ligação; não podemos ignorar que, anteriormente, a impossibilidade de voto destes cidadãos tinha como

argumentos, entre outros, o desconhecimento por esses portugueses da situação política do País e o princípio

da independência nacional.

Refira-se, em linha com esta mesma interpretação sistemática, que, apenas recentemente, em 2010, se

acabou, de facto, com a existência de dois tipos de eleitores, entre os cidadãos portugueses residentes e

recenseados no estrangeiro e os cidadãos portugueses recenseados em Portugal.

Bom, se daqui já nos parece claro a irrazoabilidade e falta de objetividade da diferenciação em análise, que

assim viola o princípio da igualdade, não resisto também em referir que, estando em causa um importante

direito de cidadania, com dificuldade se entende a restrição adicional constante do artigo 2.º em relação ao

objeto.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Sr.ª Deputada, peço-lhe para concluir, se faz favor.

A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — Vou terminar, Sr. Presidente.

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Por tudo o que foi dito, por consideramos que os emigrantes portugueses são cidadãos nacionais

solidários, comprometidos e interessados com tudo o que diz respeito a Portugal, por considerarmos que está

em causa uma restrição e uma discriminação injustificadas em relação a um importante direito de cidadania,

sendo esta a Casa da democracia, dos princípios e dos direitos fundamentais, o CDS acompanhará

favoravelmente estas iniciativas apresentadas pelos Deputados eleitos pelo círculo da emigração.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Alberto Gonçalves. Dispõe de

pouco mais de 4 segundos.

O Sr. Carlos Alberto Gonçalves (PSD): — Sr. Presidente, quero apenas deixar umas notas breves.

A primeira é para assinalar e sublinhar o consenso que foi encontrado aqui, na Assembleia da República,

sobre uma matéria que tem a ver com a participação cívica dos portugueses residentes no estrangeiro. Como

não é comum, convinha ser salientado.

Uma segunda nota é para o Partido Comunista. É verdade que é complicado obter 35 000 assinaturas na

emigração, mas a alteração que fazemos hoje é para permitir aos portugueses que estão no estrangeiro

associarem-se a iniciativas legislativas de qualquer cidadão que resida em Espinho, em Beja ou em Castelo

Branco. E esta é a grande medida.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Estamos de acordo! Não esteja a falar connosco como se

estivéssemos contra!

O Sr. Carlos Alberto Gonçalves (PSD): — A terceira nota é porque não percebi muito bem as palavras do

Deputado Paulo Pisco, que trouxe para a discussão Andorra e as taxas fiscais em matéria de IMI e de IMT.

Estas taxas foram criadas em 2010, para o Orçamento para 2011, pelo governo socialista e, sinceramente,

quem teve a responsabilidade da sua aprovação não pode utilizá-las agora num debate político em que se fala

de participação cívica.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Srs. Deputados, esgotado este ponto da agenda, vamos passar ao

ponto seguinte, que consta da discussão conjunta dos projetos de resolução n.os

261/XII (1.ª) — Recomenda

ao Governo a requalificação e eletrificação do troço Caíde/Marco na Linha do Douro (PS), e 293/XII (1.ª) —

Recomenda a continuação do projeto de requalificação da Linha do Douro e a eletrificação do troço entre

Caíde e Marco de Canaveses (BE).

Para apresentar o projeto de resolução n.º 261/XII (1.ª), do Partido Socialista, tem a palavra o Sr. Deputado

Renato Sampaio.

O Sr. Renato Sampaio (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os transportes públicos ferroviários, pela

mobilidade que oferecem, constituem um fator de cada vez maior relevância na garantia da qualidade de vida

dos cidadãos, contribuindo para a promoção da coesão territorial, do desenvolvimento económico e da

sustentabilidade ambiental.

Os transportes ferroviários suburbanos são estruturantes no ordenamento do território e são infraestruturas

de excelência que concorrem para garantir elevados padrões de qualidade de vida no espaço geográfico em

que se inserem.

No Marco, os transportes ferroviários potenciaram o crescimento das freguesias circundantes à Linha do

Douro, as quais criaram, ao longo dos anos, dinâmicas próprias que decorreram dessa proximidade.

A mobilidade regional e inter-regional representa um contributo decisivo para uma estratégia de

desenvolvimento, tornando os vários polos urbanos interligados mais atrativos e competitivos, concorrendo

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para a coesão territorial, económica e social, indispensável para minorar os efeitos perniciosos da

desigualdade de oportunidades em função da origem de residência.

Para os utentes dos transportes públicos, o custo, o tempo e o conforto nas deslocações têm uma

influência decisiva na escolha da modalidade de transportes. Assim, é indispensável criar as condições de

oferta de transporte ferroviário condizentes com estes parâmetros, por forma a permitir atrair a este meio cada

vez mais passageiros, contribuindo também para combater o despovoamento e a desertificação, bem para

como combater as assimetrias regionais.

A aposta nos transportes públicos ferroviários contribui ainda em muito para reduzir a dependência e

promover a eficiência energética, para garantir a sustentabilidade ambiental e, por essa via, apresenta-se

também como um elemento no combate às alterações climáticas.

Por outro lado, numa época de constrangimento económico das famílias e do País, em que se deve

potenciar o uso do transporte público em detrimento do automóvel, vemos o Governo a implementar medidas

no sentido oposto que terão consequências negativas na qualidade de vida das populações.

Por todas estas razões, a requalificação do troço Caíde/Marco, numa extensão de 14 km, o que é muito

pouco, na Linha do Douro, é fulcral para o desenvolvimento económico local, nomeadamente pelo contributo

que a mesma pode dar para a captação de investimentos, para a fixação de empresas e para a promoção do

emprego.

Daí a importância de concretizar o projeto de modernização do troço Caíde/Marco, na Linha do Douro, que

inclui, obviamente, a retificação do traçado, a renovação integral da via, a implementação de sinalização

elétrica e, fundamentalmente, a sua eletrificação, a remodelação das estações de Vila Meã, de Livração e de

Marco de Canaveses e dos seus apeadeiros, a construção do interface rodoferroviário e a beneficiação dos

túneis de Caíde, de Gaviara e de Campainha.

O troço Caíde/Marco de Canaveses, da Linha do Douro, deve ser integrado na rede suburbana do Porto e

aumentada, por isso, e não diminuída, a sua frequência.

É por tudo isto que o PS recomenda ao Governo que concretize esta importante obra para a região e, muito

especialmente, para a subregião do Tâmega.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Tem a palavra, para apresentar o projeto de resolução n.º 293/XII

(1.ª), do Bloco de Esquerda, a Sr.ª Deputada Catarina Martins.

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr. Presidente, Sr.as

Deputadas e Srs. Deputados: Foi conhecido, na

semana passada, um relatório do Instituto Nacional de Estatística sobre as assimetrias regionais, em que fica

bastante claro que o distrito do Porto tem tido muito menos investimento do que deveria, o que é um obstáculo

ao crescimento económico, e que as assimetrias têm vindo a aumentar, ou seja, que o distrito do Porto e toda

a região têm vindo a ser prejudicados com a lógica dos investimentos.

Em relação à Linha do Douro, existia um projeto de modernização desta Linha que era particularmente

importante. A Linha do Douro tem 130 anos, serve uma zona altamente povoada e, para além disso, é também

um marco histórico que permite, do ponto de vista turístico e até pela mais-valia ambiental, o desenvolvimento

daquela região.

No entanto, a REFER anunciou, em junho de 2010, que não ia proceder à totalidade desse projeto de

modernização da Linha do Douro e que a eletrificação do troço entre Caíde e Marco de Canaveses não seria

feita.

Foi um anúncio que teve grande contestação popular, o que é natural, porque a eletrificação daquele troço

tinha sido uma promessa do governo de então e é extraordinariamente importante para a viabilidade da Linha

do Douro.

O que sabemos hoje, pelos exemplos repetidos de todo o País, é que as linhas ferroviárias ou

acompanham a evolução do transporte e as necessidades das populações, no que diz respeito à comodidade,

à efetividade do transporte, à duração dos horários, aos preços, às tarifas, e são uma mais-valia do ponto de

vista económico e ambiental para todas as populações, ou, quando isso não acontece e as linhas ficam

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desatualizadas porque não há investimento necessário, as linhas têm cada vez menos utentes e, depois,

assistimos à desculpa de que, como têm menos utentes, ficam caras e têm de ser encerradas.

Portanto, a opção que temos para a Linha do Douro, e que é verdade em tantas outras linhas do País, é a

seguinte: ou o processo de modernização vai para a frente — e, neste caso, estamos a falar de eletrificar 14

km entre Caíde e Marco de Canaveses —, há uma política de operação da Linha que vá ao encontro das

necessidades das populações, ou seja, a Linha é rentabilizada e tem as viagens suficientes, e, assim, estamos

a promover o crescimento económico e um transporte mais sustentado, ou deixamos cair o investimento, não

requalificando nem eletrificando a Linha, e sabemos que, daqui a algum tempo, o Governo vai dizer que quer

encerrar a Linha do Douro.

Encerrar a Linha do Douro não faz parte do Plano Estratégico dos Transportes e, portanto, o Governo deve

eletrificá-la e modernizá-la para que possa continuar a existir.

Como última nota, quero dizer que saudamos o Partido Socialista por ter trazido este tema aqui, hoje. No

entanto, não deixa de ser verdade que foi durante os governos do Partido Socialista que, no distrito do Porto,

houve uma queda de 95% no investimento, assim como foi um governo do Partido Socialista que parou a

eletrificação e a modernização da Linha. Acompanhamos a proposta do Partido Socialista, porque nos

interessa, acima de tudo, acompanhar a substância das propostas.

Consideramos também que não pode ser desculpa para o atual Governo as opções de anteriores

governos, porque essa é a diferença e o poder de quem está a governar: fazer agora aquilo que disse que

queria fazer.

Portanto, modernizar a Linha do Douro deve ser um imperativo para este Governo. Estranhamos que não

tenha sido feito antes, mas esperamos que agora possa, finalmente, avançar.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Adriano

Rafael Moreira.

O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por felicitar o Bloco de

Esquerda pelo realce que fez relativamente à responsabilidade do Partido Socialista no problema que hoje

debatemos.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — Srs. Deputados, o Partido Socialista optou para, sob a forma de

projeto de resolução, apresentar ao País e, em especial, às populações do Douro um pedido de desculpa. É,

no entanto, um pedido de desculpa que não o desresponsabiliza nem pode permitir falsas promessas. Aliás,

ficamos agora a aguardar que venham os próximos pedidos de desculpa relativamente às Linhas do Tâmega,

da Lousã, do Oeste, do Algarve, e por aí fora.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — Seguir-se-ão, certamente, vários pedidos de desculpa.

Esse pedido de desculpa é tanto maior quanto, como muito bem foi referido pela Sr.ª Deputada do Bloco de

Esquerda, o Partido Socialista cancelou um concurso de eletrificação desta Linha e, em simultâneo, adjudicou

obras de acesso à terceira travessia do Tejo, sem projeto e sem sabermos se irá existir uma terceira travessia.

Isto é, havia dinheiro, mas houve uma total falta de critério e de prioridade.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — Daí a necessidade de o Partido Socialista vir a esta Câmara

apresentar o pedido de desculpa.

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Por outro lado, no que toca a este tipo de serviços, estamos a falar de um serviço suburbano da CP Porto e

é óbvio que ninguém vai defender que os movimentos pendulares da cidade do Porto se fazem sobre a

freguesia de Caíde. É óbvio que eles se fazem sobre a cidade de Marco de Canaveses, é óbvio que os

serviços suburbanos da CP têm de continuar até Marco de Canaveses.

É conhecida uma orientação do anterior governo do PS no sentido da retirada deste serviço dos serviços

urbanos. Pois bem, o que temos a dizer é que também o pedido de desculpa do Partido Socialista peca por

defeito, porque vem antecipar o que já sabe que aconteceu, ou seja, que o atual Governo revogou essa

orientação, porque não correspondia à realidade. Como é óbvio, os transportes devem servir as populações e

os serviços suburbanos do Porto continuarão a assegurar os movimentos pendulares da cidade de Marco de

Canaveses em relação ao Porto.

Falemos da obra. Como muito bem concretizou o Bloco de Esquerda, não podemos continuar a defender,

como faz o Partido Socialista, que a propósito de qualquer obra se fale logo nos acessos rodoviários, nas

rotundas, nos jardins, num sem fim de obras que não se justificam e para as quais não há dinheiro.

Portanto, como muito bem disse o Bloco de Esquerda e o PSD defende, devemos fazer a eletrificação da

Linha e as obras instrumentais e complementares dessa eletrificação, nomeadamente telecomunicações e

sinalética, e deixar de fazer obras que não têm qualquer fundamento. Neste ponto, Srs. Deputados, devemos

abranger as próprias estações que não sejam necessárias, porque, como VV. Ex.as

sabem, grande parte das

últimas estações que o governo socialista fez estão hoje, felizmente, porque outro destino não lhes podia ser

dado, a ser utilizadas por juntas de freguesia, caso contrário, estavam ao abandono. Portanto, não é isso que

está em causa mas, sim, eletrificar a Linha.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Sr. Deputado, peço-lhe que conclua.

O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — Vou concluir, Sr. Presidente.

Eletrificar significa permitir que os comboios elétricos da CP Porto se deslocam entre a cidade do Porto e a

cidade de Marco de Canaveses — é isto que está em causa — e significa também, Sr. Presidente, para

concluir, a manutenção do serviço suburbano que assegura os transportes pendulares dos trabalhadores, dos

estudantes, enfim, da população em geral entre a cidade de Marco de Canaveses e a cidade do Porto.

Esta é a posição clara do PSD.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Vera

Rodrigues.

A Sr.ª Vera Rodrigues (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: De facto, o exercício que o Partido

Socialista vem fazer hoje revela bem a sua natureza e o seu estilo, porque vir falar no projeto de requalificação

e de eletrificação do troço Caíde/Marco é, no mínimo, um exercício de falta de memória, é não ser capaz de

assumir as suas responsabilidades e agir como se o passado não tivesse existido!

É bom recordar — o que, aliás, já aqui foi feito, e bem — que foi no tempo do governo do Partido Socialista

que se cancelou o processo de eletrificação desta Linha, depois de ter sido promovida e prometida

publicamente a sua requalificação.

Não se trata aqui de um exercício de atribuição de culpas, mas de um exercício de memória. O Partido

Socialista que hoje fala em desenvolvimento sustentado no seu projeto de resolução é o mesmo que investiu

38% do seu orçamento de transportes na rodovia, é o mesmo que confinou a ferrovia ao megalómano projeto

do TGV, é o mesmo que lançava obras sem fazer contas e é o mesmo que hipotecou gerações futuras sem

lhes pedir autorização!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Vera Rodrigues (CDS-PP): — Também importa lembrar que o momento que o País vive implica que

se façam ponderações em todos os investimentos que tenham a ver, nomeadamente, com a área dos

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transportes, tendo como baliza quer o Plano Estratégico dos Transportes quer, em última análise, o

cumprimento do Memorando de Entendimento assinado com a tróica.

A análise custo-benefício, a avaliação de alternativas, a ponderação dos interesses das populações e a

racionalidade dos investimentos são os vetores que devem presidir a qualquer tipo de opções que este

Governo venha a tomar.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Vera Rodrigues (CDS-PP): — Da parte do CDS, quero dizer, muito claramente, que

compreendemos a inquietação das populações e que, por isso, procurámos obter junto do Governo toda a

informação sobre esta matéria. E não tivemos qualquer indicação que nos surpreendesse: há, de facto,

vontade do Governo de retomar, assim que seja exequível financeiramente, a eletrificação do troço hoje em

debate.

Ao contrário do que foi prática no passado, temos de falar verdade, custe o que custar!

Ao Partido Socialista e ao Bloco de Esquerda não posso deixar de dizer que, de facto, a rede ferroviária é

pública, mas tem sempre de ser analisada sob o ponto de vista da sua sustentabilidade para que seja

garantida a sua oferta também no longo prazo.

Também queria referir que, no caso desta ligação, a preocupação recente das populações tem a ver

sobretudo com o ajustamento que está a ocorrer nalgumas ligações diárias e não exatamente com a questão

da eletrificação das linhas.

Termino dizendo que este exercício não é compatível com os ímpetos de demagogia da parte do Partido

Socialista mas, sim, com exercícios de racionalidade e de diálogo entre as partes. Porque de manobras de

ocultação está o País saciado.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís

Ferreira.

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Adriano Rafael Moreira, de facto, o

Partido Socialista deve-nos muitos pedidos de desculpa, mas o PSD também deve muitos pedidos de

desculpa no que diz respeito ao encerramento de linhas férreas. Recordo que esta saga do encerramento das

linhas ferroviárias começou com os governos de Cavaco Silva. Portanto, repito, os portugueses também estão

a aguardar muitos pedidos de desculpa por parte do PSD.

Numa altura de crise económica e ambiental profundas, onde os transportes públicos, nomeadamente o

transporte ferroviário, deveria ser um pilar fundamental de uma estratégia para um desenvolvimento que

aliviasse a fatura energética, que promovesse o emprego e facilitasse a mobilidade das pessoas, este

Governo, como outros no passado, não está para aí virado.

A ferrovia, que deveria ser encarada como um sector estratégico para o desenvolvimento do País e para

combater as assimetrias regionais, acaba por ser objeto de uma constante cedência aos interesses declarados

do lobby rodoviário.

Estamos a falar de um retrocesso que está a ter impactos gravíssimos a todos os níveis, gerando

desemprego, dificultando a vida das pessoas, agravando as assimetrias regionais do País, e com custos

ambientais muitíssimo elevados.

Como se sabe, as emissões para a atmosfera de gases com efeito estufa, desde logo, o dióxido de

carbono, encontram no sector dos transportes um dos seus principais responsáveis. Por isso, é absolutamente

fundamental criar as condições para que as pessoas optem pelos transportes públicos, sobretudo pela

ferrovia.

Como se refere na exposição de motivos da iniciativa do Partido Socialista, «nas última décadas, tem-se

verificado uma perda crescente da importância do transporte público de passageiros». E nós estamos de

acordo, porque é verdade! Mas temos de lamentar o facto de o Partido Socialista apenas ter dado conta disso

agora, hoje! De facto, por inúmeras vezes, Os Verdes levantaram o problema, criticando as políticas dos

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governos anteriores para os transportes públicos e para a ferrovia, inclusivamente para a necessidade da

requalificação e eletrificação do troço Caíde/Marco, na Linha do Douro.

Fizemo-lo em comissão, fizemo-lo no Plenário e fizemo-lo na interpelação ao Governo que os Verdes

agendaram em janeiro do ano passado, exatamente sobre transportes públicos.

Na exposição de motivos, diz ainda o Partido Socialista que «a requalificação do troço Caíde/Marco é

fulcral para o desenvolvimento da economia local e regional, nomeadamente pelo contributo que o mesmo

pode dar para a captação de investimentos, para a fixação de empresas e para a promoção do emprego».

Também estamos de acordo, porque é verdade.

Contudo, perante esta proposta do Partido Socialista, não deixamos de interrogar-nos sobre os motivos

que terão levado o Partido Socialista a votar sistematicamente contra as propostas sucessivas de Os Verdes,

em sede de Orçamento do Estado, exatamente sobre o troço Caíde/Marco, na Linha do Douro.

Estamos a falar de propostas que iam exatamente no sentido da proposta que o Partido Socialista hoje nos

traz. Porém, nas propostas de Os Verdes para este troço, o Partido Socialista votou invariavelmente contra!

Assim aconteceu no Orçamento do Estado para 2008, 2009, 2010 e 2011.

Para terminar, gostaria de dizer que Os Verdes, hoje como ontem, consideram que é fundamental proceder

à requalificação e eletrificação do troço Caíde/Marco, na Linha do Douro, e portanto vão votar a favor das

iniciativas hoje em discussão.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge

Machado.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PS apresenta hoje um projeto de

resolução que recomenda ao Governo a requalificação e a modernização do troço Caíde/Marco de

Canaveses, da linha ferroviária do Douro. Diz o Partido Socialista que valoriza a ferrovia, alertando para a

importância que a ferrovia tem para o desenvolvimento económico e social.

Diz agora o Partido Socialista que é melhorar a oferta de transporte ferroviário; diz agora o Partido

Socialista que a requalificação do troço Caíde/Marco de Canaveses é fulcral para o desenvolvimento da

economia local e regional. Muito bem! Estamos de acordo relativamente a todos estes considerandos iniciais e

até vamos votar a favor do projeto de resolução do PS.

Todavia, temos de considerar uma questão prévia, a de saber se o Partido Socialista negociou ou não com

a tróica o encerramento de 800 km de linhas ferroviárias e se nesses 800 km está incluído, ou não, este

preciso troço de Caíde/Marco de Canaveses.

Além disso, queria alertar os Srs. Deputados e deixar o registo de que o PCP apresentou desde 1999,

salvo erro — foi o registo mais antigo que encontrei, mas, se calhar, até há outro anterior —, perguntas

consecutivas aos sucessivos governos sobre a requalificação e a modernização deste troço. Já não vou falar

das perguntas formuladas, porque foram muitas as propostas concretas, em sede de Orçamento do Estado,

que o PCP apresentou e que obrigaram os Srs. Deputados a tomar uma posição de fundo, isto é, a votar a

favor ou contra essas mesmas propostas.

Em 2004, com um governo do PSD e do CDS-PP, o PCP propôs a requalificação e a modernização do

troço de Caíde/Marco de Canaveses. Como é que votou a maioria? Rejeitou as propostas do PCP.

Depois, em 2005, alterou-se o governo, mas a conversa foi a mesma: em sede de Orçamento do Estado, o

PCP apresentou nova proposta precisamente no mesmo sentido. E como é que o PS votou esta modernização

tão fulcral para o desenvolvimento regional e para as populações? Votou contra a proposta do PCP.

Exatamente a mesma conversa em 2006, 2007, 2010, 2011… Escolha o ano, Sr. Deputado Renato

Sampaio! E o Sr. Deputado até cá estava, a votar e a levantar-se no momento decisivo em que se podia

aprovar verbas para melhorar esta linha em concreto. Mas tanto o PS como o PSD e o CDS-PP votaram

contra.

Portanto, não venha com o «choradinho» do PEC 4 nem com a acusação de que o PCP se está a aliar à

direita porque, na política de direita, quem esteve sempre ao lado do PSD e do CDS-PP foi o PS, impedindo

investimentos concretos para esta linha.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Essa é que é essa!

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O Sr. Jorge Machado (PCP): — Mais: importa dizer, tal como já foi referido, que o distrito do Porto tem

sido altamente discriminado no investimento público. Ou seja, por culpa do PS, de mãos dadas com o PSD e

com o CDS-PP, o distrito do Porto tem tido reduções drásticas no investimento público, que se refletem

também na ferrovia.

Portanto, é caso para dizer que a população do distrito do Porto, bem como a população do resto do País,

está muito mal servida com estes PS, PSD e CDS-PP, porque dizem uma coisa junto das populações, dizem

uma coisa antes das eleições e depois, quando são governo, dizem e fazem precisamente o seu contrário,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Ora bem!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — … o que é revelador da sua incoerência!

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Queira fazer o favor de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Termino já, Sr. Presidente.

Não deixaremos de votar a favor deste projeto de resolução do PS, mas não queremos deixar de alertar

para a incoerência do PS, do PSD e do CDS-PP. Incoerência que nós não temos, porque o nosso

comportamento junto das populações é coerente com o que temos aqui, na Assembleia da República.

Por último, Sr. Presidente, queria dizer que há notícias que dão conta de que a Refer tem em cima da mesa

a proposta de encerramento desta linha e, portanto, todos somos chamados a intervir sobre este processo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma segunda intervenção, uma vez que ainda dispõe de

algum tempo, tem a palavra o Sr. Deputado Renato Sampaio.

O Sr. Renato Sampaio (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: É verdade que, em 2010, o governo do PS

suspendeu este concurso. Mas também é bom lembrar que foi um governo do PS que iniciou este projeto ao

inscrevê-lo no Plano Estratégico Ferroviário.

Portanto, desse ponto de vista, nada mais temos a dizer.

Todavia, Sr. Presidente e Srs. Deputados, gostaria de sublinhar que nós, os governos do Partido Socialista,

temos pergaminhos no investimento na ferrovia no distrito do Porto e na Área Metropolitana do Porto. Recordo

aqui a variante da Trofa, o rebaixamento da Estação de Espinho, a modernização da Linha do Minho, a

requalificação da Estação intermodal de Campanhã e, ainda, aquele que é um projeto fundamental no distrito

do Porto, que é o metropolitano do Porto.

O Sr. António Braga (PS): — Muito bem!

O Sr. Renato Sampaio (PS): — Graças a um governo do Partido Socialista, hoje temos uma melhor

mobilidade neste espaço territorial, a bem das populações, aumentando significativamente a qualidade de vida

das populações.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Srs. Deputados, terminada a apreciação dos projetos de resolução

n.os

261/XII (1.ª) e 293/XII (1.ª), vamos passar ao último ponto da ordem do dia de hoje, a discussão conjunta

do projeto de resolução n.º 277/XII (1.ª) — Preços máximos nos combustíveis — travar a especulação (PCP),

e o projeto de lei n.º 17/XII (1.ª) — Introduz medidas de transparência e antiespeculativas na formação dos

preços de combustíveis (BE).

Para apresentar o projeto de resolução, tem a palavra o Sr. Deputado do PCP Agostinho Lopes.

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O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: «Na sequência de debates que aqui

fizemos anteriormente sobre os preços dos combustíveis, talvez possamos começar exatamente como

começámos da outra vez, ou seja, dizendo que hoje os preços dos combustíveis em Portugal voltaram a bater

um record. Isto é verdade quase todos os dias desde setembro de 2010; desde essa altura que os preços dos

combustíveis não param de aumentar em Portugal.

Neste momento, nalgumas bombas, a gasolina está a (…)» 1,839 €/litro. «É um record absoluto para o

nosso País!

Ao fim de todo este tempo, ao fim de inúmeras denúncias neste Plenário, é tempo de agir, é tempo de fazer

qualquer coisa, é tempo de o Governo começar a assumir que é necessário fazer algo».

«Perante isto, a Autoridade da Concorrência lembra-nos unicamente aquela célebre figura dos três

macacos orientais: não vê, não ouve e também nada diz sobre o assunto».

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Ora bem!

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — «Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: A verdade é que Portugal tem

hoje, no âmbito da União Europeia, (…)» a quinta «(…) gasolina mais cara (…)» — e o gasóleo dos mais

caros da Europa.

A questão da diferença fiscal entre Portugal e Espanha faz com que «por cada litro de gasolina que os

portugueses vão comprar a Espanha, são menos 0,75 € que entram nos cofres do Estado. Pergunto: até

agora, o Governo fez algum estudo sério sobre esta matéria? Não seria de tentar perceber?! Calcula-se que o

negócio que está a ir para Espanha seja de cerca de 8%, e eu pergunto: que prejuízo traz este negócio do

ponto de vista de receita fiscal para o País?»

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — «(…) Diria que, da parte do Governo, continua a não ser feita a atuação

devida (…)».

Srs. Deputados, fiz algumas pausas ao ler estes textos, à espera de aplausos das bancadas do CDS-PP e

do PSD, porque acabei de ler declarações dos Deputados Telmo Coreia e Almeida Henriques,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Ah!…

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — … feitas há exatamente um ano e um mês, a 17 de março de 2011, num

debate sobre os combustíveis.

Havia uma única diferença: o preço da gasolina era então de 1,621 € por litro e era a quarta mais cara da

Europa.

A estas afirmações devem juntar-se as recentes preocupações do PS sobre os preços da energia. Mais

uma vez, uns fazem no Governo o contrário do que diziam na oposição — e compare-se, por exemplo, o

projeto de resolução do CDS de há um ano com aquele que hoje subscrevem com o PSD —, outros, na

oposição, dizem aquilo que não fizeram no governo!

Srs. Deputados, esta duplicidade sistemática destes partidos, bem visível no debate anterior, por exemplo,

mas também naquilo que disseram Passo Coelho e Paulo Portas antes das eleições e o que fazem agora no

Governo, é, além de outros aspetos, um gravíssimo cancro a corroer a democracia portuguesa.

Srs. Deputados, o PCP faz três recomendações: a implementação de um regime de preços máximos; o

desenvolvimento de redes de baixo custo de combustíveis alternativos; e a promoção de uma avaliação

independente dos mercados dos combustíveis.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para apresentar o projeto de lei do Bloco de Esquerda, tem a

palavra a Sr.ª Deputada Catarina Martins.

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A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: O preço dos combustíveis está

hoje a um valor que seria inimaginável há muito pouco tempo para a maior parte da população.

Depois do incrível pico de julho de 2008, agora estamos ainda pior! Encher um depósito de 60 litros com

gasolina sem chumbo 95 custa hoje 106 €. É um valor que torna impossível à maior parte das famílias poder

pôr gasolina no seu carro, mas que também se reproduz em toda a economia, com um maior custo de todos

os produtos, mesmo os alimentares, nos quais se tem vindo a sentir a pressão do preço dos combustíveis.

Não sabemos se Paulo Portas vai ou não a Espanha encher o depósito do carro,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Ele vai de Falcon!

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — … mas sabemos, sim, que aquilo que PSD e CDS tanto disseram na

oposição agora, que estão no Governo, aparentemente, não se lembram e a verdade é que estamos numa

situação em que os preços dos combustíveis atingem tetos nunca antes imaginados e não há, na realidade,

nenhuma resposta por parte do Governo.

A análise que fazemos não é nova mas continua certeira: o preço dos combustíveis, em Portugal, disparou

com a liberalização do mercado. Prometeu-se que a liberalização do mercado traria concorrência e sabemos

que isso é mentira, porque este é um mercado em que não há concorrência. A Autoridade da Concorrência, já

o sabemos, diz que está tudo bem, mas quem enche o depósito do carro sabe bem que está tudo mal! E sabe-

o até por um indicador que todos observamos: os preços em Portugal sobem mais do que sobem no mercado

internacional; porém, quando, por algum acaso, há alguma descida no mercado internacional, os preços em

Portugal descem menos ou nem sequer descem.

Basta ver o que aconteceu nos últimos meses: em outubro e dezembro tivemos ligeiríssimas descidas do

preço do barril de petróleo nos mercados internacionais e em Portugal, na média do mês, tivemos ligeiras

subidas no preço dos combustíveis; no mês de março, em Portugal, tivemos uma subida de 7% do preço dos

combustíveis e a verdade é que a subida nos mercados internacionais não chegou aos 4%.

A liberalização do mercado o que fez não foi criar concorrência, foi pôr toda a economia debaixo da

chantagem de um mercado, que é oligopolizado, e debaixo da chantagem da Galp.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Não há nenhum mercado que possa trazer estes preços para baixo, o que

temos, sim, é a chantagem do monopólio.

Por isso, o que o Bloco de Esquerda propõe é uma lei que proteja a economia, porque introduz medidas de

transparência e anti-especulativas. Queremos impor um preço-base, que seja feito tendo em consideração o

preço médio de um conjunto de países europeus com que nos podemos comparar, promovendo também a

estabilidade dos preços ao mesmo tempo que promovemos a transparência desses preços.

É urgente ter medidas de transparência e de estabilidade, porque é a única forma de impedir os preços

abusivos das empresas que dominam o mercado dos combustíveis. Transparência, estabilidade e comparação

com os preços noutros países europeus, estabelecendo tetos para os aumentos para impedir o abuso, são

medidas concretas, são medidas legislativas concretas que podemos tomar agora.

Por outro lado, quero dizer que acompanhamos o projeto de resolução que é hoje aqui apresentado pelo

PCP, pois achamos que é extraordinariamente importante a rede de combustíveis de baixo custo, assim como

uma auditoria aos mercados.

Todavia, entendemos que a Assembleia da República tem a possibilidade, agora, de legislar para a

transparência e para combater a especulação e é isso que se espera que sejamos capazes de fazer. É a única

atitude consequente para combater a especulação no mercado de combustíveis.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Matias.

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O Sr. Nuno Filipe Matias (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: A temática da formação dos

preços dos combustíveis é uma temática que também nos preocupa, mas com uma diferença, e era

importante que isso ficasse registado: desde há um ano a esta parte até ao dia que hoje estamos a viver,

muita coisa mudou, infelizmente, para pior no nosso País. Há um ano não estávamos sob um programa de

assistência financeira que hoje condiciona, em muitos casos, as nossas estratégias e decisões do ponto de

vista fiscal e político.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Parece o Sócrates…!

O Sr. Nuno Filipe Matias (PSD): — Portanto, que fique claro que não é por ter passado um ano e por hoje

estarmos com mais dificuldades e sob um programa de assistência que a nossa preocupação deixa de existir.

Temos a preocupação ao nível das tendências, do comportamento dos preços de combustíveis, temos a

preocupação da opinião pública, que hoje tem opinião formada sobre a eventual cartelização da formação

desses preços, mas, ainda assim, isso não nos permite, automaticamente, concluir, ao contrário e como hoje o

PS acaba de fazer, um pouco de forma esquizofrénica quando fala de energia, esquecendo, um pouco, a sua

responsabilidade em muitos dos problemas de défices tarifários que foram acumulados, que muitos dos

problemas que vão sendo registados e têm de ser pagos pelos contribuintes resultam do facto de, durante seis

anos, não terem conseguido fazer aquilo que hoje exigem.

Vozes do PSD. — Bem lembrado!

O Sr. Nuno Filipe Matias (PSD): — Mas pior é o facto de a amnésia política não o permitir sequer de se

lembrar que, em seis anos, o comportamento do preço dos combustíveis não foi diferente, infelizmente,

daquele que hoje em dia se tem registado.

Protestos do PS.

Mas queria também deixar bem claro que não podemos ir atrás da proposta tal como nos é apresentada,

quando se fala na formação de preços máximos nos preços dos combustíveis, porque também é importante

que se pergunte: quem pode pagar isto? Qual seria o custo para o erário público, para o Orçamento do

Estado? Qual seria? Sabemos que não podemos, de uma vez por todas, assumir mais alisamentos nos

défices tarifários e depois terem de ser os contribuintes, de forma objetiva, a pagar aquilo que politicamente

não é possível de contrariar.

Queria também deixar bem claro que entendemos que estas preocupações têm de ser acompanhadas mas

não podem ser decididas no mercado liberalizado pelo Governo, têm de ser acompanhadas, fiscalizadas,

monitorizadas, pela Autoridade da Concorrência…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Ah, a Autoridade da Concorrência! Agora, já estamos descansados!…

O Sr. Nuno Filipe Matias (PSD): — … que, invariavelmente e pela nova lei da concorrência que foi

aprovada nesta Assembleia, tem mais instrumentos, mais capacidade de agir, de intervir e de sugerir novas

metas, novos mecanismos de intervenção e novos mecanismos de fiscalização num setor que é fundamental

que seja acompanhado, que, percebemos, tem sido um travão ao nosso crescimento económico, o que não é

de agora nem é culpa deste Governo — é importante que fique claro —, mas quem até hoje teve

responsabilidades que não diga o contrário do que o que fez, e quem hoje em dia continua a não ter

responsabilidades não assuma propostas que, necessariamente, têm encargos para todos os portugueses.

Não podemos continuar a ter esse tipo de comportamento porque, do ponto de vista político, não era

aceitável e as futuras gerações não nos perdoariam.

Aplausos do PSD.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Que troca-tintas!

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O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo

Campos.

O Sr. Paulo Campos (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Nuno Matias, vou recordar-lhe

quem é que diz o contrário do que disse.

Quem é que disse: «o Sr. Primeiro-Ministro tarda em agir? O senhor está a ganhar vários cêntimos em

cada litro de gasóleo. Gota a gota o automobilista paga mais, mas, litro a litro, as finanças arrecadam mais!»

Perguntava, nessa altura, o líder: «está o Sr. Primeiro-Ministro disposto a devolver em imposto sobre os

produtos petrolíferos aquilo que está a ganhar a mais em IVA?»

Recordo-lhe ainda o que diziam certos líderes partidários da oposição: «o que se passa nos combustíveis é

uma vergonha! É a proteção de uma empresa, a Galp, à custa do contribuinte.» Ou, ainda: «só há uma coisa a

fazer, que é um estudo independente, que talvez ponha a nu não apenas as más práticas que protegem os

interesses dominantes no setor dos combustíveis como também ponha a nu também o fracasso da Autoridade

da Concorrência.»

Lembro também o líder partidário que criticava a teimosia do Sr. Primeiro-Ministro quanto ao preço dos

combustíveis, considerando que «o Governo espanhol enriquece e agradece as más políticas do governo

português. A teimosia do Governo leva apenas a isto: enriquece e agradece e perdemos todos nós.» Ou,

ainda, quem pedia a descida urgente dos impostos sobre os produtos petrolíferos praticados em Portugal,

dizendo: «enquanto o Governo mantiver a taxa marginal de imposto demasiado elevada vai provocar uma

diminuição da atividade económica, que seria contrariada se a taxa de imposto não fosse tão elevada.»

Quem disse isto foram os líderes partidários do CDS e do PSD, entre os anos 2008 e 2011. Na oposição,

diz-se ao povo português que é necessário agora, que o que se passa nos combustíveis é uma vergonha, que

existe proteção dos interesses à custa dos contribuintes, que Espanha agradece a falência da política do

governo português, que se apela à descida do imposto, mas, no Governo, faz-se exatamente o contrário:

substitui-se a ação pela inação, a questão dos combustíveis deixa de ser uma vergonha para ser um problema

do regulador e em vez de se descerem os impostos, aumentam-se.

Sim, Srs. Deputados, hoje, em Portugal, temos o recorde do preço da gasolina, o recorde do preço do

gasóleo, o recorde do preço do gás e o recorde do preço da eletricidade.

Este é um Governo de recordes, mas um governo de recordes negativos. Há muitas medidas para

concretizar que podiam alterar esta situação e não é o programa de assistência financeira, Sr. Deputado, que

o impede. Onde estão as redes alternativas? Onde estão as redes de low cost, que o Sr. Ministro da Economia

veio prometer ao Parlamento? Onde está o incentivo para a utilização das redes MOBI-E? Onde estão os

incentivos à produção de combustíveis de segunda geração? Onde estão, Srs. Deputados? E não é o

programa de assistência financeira que o impede! O que impede estas medidas é a vossa inação, é a vossa

incapacidade e, sobretudo, é a vossa falta de criatividade e de soluções, protegendo os interesses que estão

instalados.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hélder

Amaral.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Diria que as propostas do PCP

e do BE não são novas mas continuam demagógicas e são de difícil implantação.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Boas, boas eram as que vocês tinham!…

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — As observações do PS são curiosas, engraçadas…

O Sr. António Braga (PS): — Ah, curiosas e engraçadas…

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O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — … e, vindas de quem vêm, apetece-me citar aquele velho ditado beirão

que diz: «por quem Deus os manda avisar…» É só o governante responsável…

O primeiro boom dos preços dos combustíveis foi em 2008 e, nessa mesma altura, o governo do PS

recusou-se e não aumentou o preço dos transportes, porque que 2009 havia eleições…

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Aliás, o mesmo governo que aumentou os funcionários públicos para,

depois, os descer, esquecendo-se de dizer aqui qual era a dívida pública à data das declarações dos líderes

dos dois partidos e qual é a de hoje.

A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): — Se tivesse vergonha na cara não fazia comparações!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Bom, isto para lhe dizer e também às bancadas da esquerda, que o

CDS não mudou de posição.

Protestos do PCP.

É verdade, é consensual e é facilmente aferível que temos uma carga fiscal elevada nos combustíveis. É

fácil ver, principalmente se formos comparar com Espanha — só no gasóleo são 7%, em comparação com

biodiesel, o que dá mais ou menos 3 cêntimos no preço do gasóleo. Sabem porquê? Porque, enquanto em

Espanha e no resto da Europa o mercado é liberalizado, o Governo do PS limitou a compra a empresas

nacionais e apenas a cinco…

Vozes do CDS-PP: — Ora, aí está!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Talvez se perceba o tal protecionismo e a falta de imaginação… São

mais 3 cêntimos mas fazem toda a diferença!

Gostaria ainda de dizer que quer o Sr. Deputado do PCP quer o Sr. Deputado do BE esqueceram-se de

dizer coisas óbvias: uma é que os preços são fixados em dólares e, portanto, a diferença cambial dólar/euro

faz alguma diferença e os senhores sabem-no, mas também se esqueceram que os preços internacionais são

fixados nos platts de Roterdão, o que significa que, aí, os senhores não podem fazer nada.

Se aprovarmos as vossas propostas, geraremos um défice. E pago por quem? Bem sei que VV. Ex.as

, que

fazem parte do pacto da destruição, não pagam nada a ninguém, destroem tudo, portanto não têm intenções

de pagar.

Este défice que seria criado com as propostas que apresentam seria pago por todos os contribuintes. Aliás,

não estou a inventar nada, porque foi assim que aconteceu com a eletricidade. Quando o Governo resolveu

interferir e fixar o resultado criou-se um défice que estamos agora a pagar em 15 anos. Portanto, se VV. Ex.as

não fossem pela demagogia fácil e pelas páginas dos jornais para se criar notícia para o Jornal da Noite talvez

fosse possível olharmos com atenção para os vossos projetos, que são iguaizinhos aos do passado.

Sabem o que é que é preciso? É preciso que haja análise da Autoridade da Concorrência aos contratos

feitos entre os vendedores e da relação entre a Galp e os seus revendedores — e há dois contratos em

análise neste momento na Autoridade da Concorrência. É preciso permitir o acesso a combustíveis não

aditivados a todos os vendedores que o queiram para multiplicar a rede low cost, de forma a baixar o preço. É

possível mais informação, mais regulação, mais Autoridade da Concorrência e mais fiscalização do que se

passa nos mercados. Tudo o resto é demagogia, é palavra fácil, não resolve o problema, antes pelo contrário

agrava-o.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho

Lopes.

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O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de aproveitar este debate

sobre os combustíveis para fazer dois breves registos.

Em primeiro lugar, quero denunciar a brutalidade do império das petrolíferas. Ontem, foi indiciado pela

ERSE um aumento do gás natural de 6,9%, o que, com a passagem para a taxa do IVA de 23% que os

senhores promoveram, significa que, em 2012, temos um aumento de 24,2%.

Em segundo lugar, falando de produtos petrolíferos, quero saudar a decisão do Governo argentino de

recuperar a soberania sobre a exploração e indústria, transporte e comercialização do seu petróleo e

denunciar a inadmissível intervenção da União Europeia relativamente a uma decisão soberana de um país

soberano. Antes a União Europeia se preocupasse com a especulação dos combustíveis líquidos na Europa

que, um dia destes, um conhecedor do assunto disse que andava à volta de 20% ou 30% acima do preço que

seria normal.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Agradeço que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Concluo, Sr. Presidente, referindo apenas uma questão que os

Deputados do PSD e do CDS levantaram.

Srs. Deputados, o défice a pagar pelos contribuintes é muito fácil de determinar. Antes da liberalização que

os senhores promoveram, a partir de 2004, os lucros da Galp eram, em média, de 139 milhões de euros;

depois de 2004, até 2011, os lucros da Galp são de 668 milhões de euros. Diferencial: 529 milhões de euros

para os acionistas da Galp. É este o preço que hoje está nos acionistas e que poderia estar nos consumidores

de combustível.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — para uma intervenção, tem a palavra a Sr. Deputada Catarina

Martins.

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de informar as bancadas do

PSD e do CDS que, se lerem a proposta do Bloco de Esquerda, veem que não tabelamos preços, que não

criamos qualquer défice tarifário e que não têm qualquer custo para o erário público as medidas que propomos

de formação de preços.

Ficou aqui hoje claro algo que disse o Sr. Deputado Nuno Matias e que registámos. O Sr. Deputado disse

que não pode fazer nada em relação a medidas antiespeculativas e de transparência que não custam nada ao

erário público, porque o Memorando com a troica não o permite. Pois o Memorando serve para proteger os

interesses da Galp, o que, infelizmente, não nos surpreende.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Srs. Deputados, chegámos ao fim da nossa ordem de trabalhos de

hoje.

A próxima sessão plenária realizar-se-á amanhã, pelas 15 horas, constando da ordem do dia os seguintes

pontos: declarações políticas; apreciação do Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15 de março, que procede à

alteração do regime jurídico de proteção no desemprego dos trabalhadores por conta de outrem, beneficiários

do regime geral de segurança social, e à quarta alteração ao Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro

[apreciação parlamentar n.º 9/XII (1.ª) (PCP)]; e a discussão, na generalidade, do projeto de lei n.º 197/XII (1.ª)

— Consagra a cativação pública das mais-valias urbanísticas, prevenindo a corrupção e o abuso do poder

(BE).

Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 57 minutos.

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Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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