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Quinta-feira, 3 de maio de 2012 I Série — Número 103

XII LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2011-2012)

REUNIÃOPLENÁRIADE2DEMAIODE 2012

Presidente: Ex.ma Sr.ª Maria da Assunção Andrade Esteves

Secretários: Ex.mos

Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Rosa Maria da Silva Bastos de Horta Albernaz

S U M Á R I O

A Sr.ª Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas

e 6 minutos. Deu-se conta da entrada na Mesa da proposta de lei n.º

56/XII (1.ª), dos projetos de lei n.os

221 a 225/XII (1.ª), dos projetos de resolução n.

os 305 a 310/XII (1.ª) e da apreciação

parlamentar n.º 16/XII (1.ª). Foi aprovado um parecer da Comissão para a Ética, a

Cidadania e a Comunicação relativo à retoma do mandato de um Deputado do PSD.

Em declaração política, a Sr.ª Deputada Catarina Martins (BE) criticou a campanha promovida pela cadeia de supermercados Pingo Doce no dia 1.º de Maio, tendo respondido, depois, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Miguel Tiago (PCP), Rui Paulo Figueiredo (PS), Heloísa Apolónia (Os Verdes) e Luís Menezes (PSD).

Em declaração política, a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia (Os Verdes), na mesma linha, considerou que é necessário fazer um projeto de lei que impeça as grandes superfícies de abrir no Dia do Trabalhador. Respondeu,

depois, ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Paulo Campos (PS).

Em declaração política, o Sr. Deputado Duarte Cordeiro (PS) referiu a necessidade de encontrar respostas para as situações de incumprimento no pagamento de crédito à habitação, após o que respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados António Leitão Amaro (PSD), Pedro Filipe Soares (BE), Adolfo Mesquita Nunes (CDS-PP) e Bernardino Soares (PCP).

Procedeu-se à apreciação do Decreto-Lei n.º 44/2012, de 23 de fevereiro, que integra a Maternidade Dr. Alfredo da Costa e o Hospital Curry Cabral no Centro Hospitalar de Lisboa Central [apreciação parlamentar n.º 10/XII (1.ª) (PCP)], tendo-se pronunciado, além do Sr. Secretário de Estado da Saúde (Manuel Ferreira Teixeira), os Srs. Deputados Bernardino Soares (PCP), Nuno Reis (PSD), João Semedo (BE), Manuel Pizarro (PS) e Teresa Caeiro (CDS-PP). No final, o Sr. Presidente anunciou a entrada na Mesa do projeto de resolução n.º 311/XII (1.ª).

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Foram discutidos, conjuntamente, os projetos de resolução n.

os 304/XII (1.ª) — Recomenda ao Governo o não

encerramento da Maternidade Dr. Alfredo da Costa, em Lisboa (Os Verdes), 297/XII (1.ª) — Recomenda ao Governo o não encerramento da Maternidade Dr. Alfredo da Costa (PS), 307/XII (1.ª) — Contra o encerramento da Maternidade Alfredo da Costa (PCP) e 310/XII (1.ª) — Recomenda ao Governo a manutenção em funcionamento da Maternidade Alfredo da Costa nas instalações atuais, a salvaguarda da estabilidade e integridade das suas equipas e a sua transferência para o novo hospital de Lisboa (BE). Proferiram intervenções os Srs. Deputados José Luís Ferreira (Os Verdes), Maria Antónia Almeida Santos (PS), Rita Rato (PCP), João Semedo (BE), Maria da Conceição

Caldeira (PSD) e Teresa Caeiro (CDS-PP). Foi ainda apreciada a petição n.º 69/XI (1.ª) —

Apresentada pela Ordem do Engenheiros, solicitando que a Assembleia da República recomende ao Governo a alteração das disposições da Portaria n.º 1379/2009, de 30 de outubro, que veio regulamentar as qualificações específicas profissionais mínimas exigíveis aos técnicos responsáveis pela elaboração de projetos, pela direção de obras e pela direção de fiscalização de obras, previstas na Lei n.º 31/2009, de 3 de Julho. Fizeram intervenções os Srs. Deputados Paulo Campos (PS), Pedro Saraiva (PSD), Miguel Tiago (PCP) e João Paulo Viegas (CDS-PP).

O Sr. Presidente (Guilherme Silva) encerrou a sessão eram 17 horas e 44 minutos.

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A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 6 minutos.

Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai fazer o favor de ler o expediente.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e

foram admitidas pela Sr.ª Presidente, as seguintes iniciativas legislativas: proposta de lei n.º 56/XII (1.ª) —

Aprova o quadro plurianual de programação orçamental para os anos de 2013 a 2016, que baixa à 5.ª

Comissão; projetos de lei n.os

221/XII (1.ª) — Procede à terceira alteração ao Código do Trabalho, aditando a

Associação Nacional dos Deficientes Sinistrados do Trabalho como entidade beneficiária de 1% do montante

das coimas aplicadas por violação das regras de segurança e saúde no trabalho ou resultantes do

incumprimento de regras de reparação de acidentes de trabalho (PCP), que baixa à 10.ª Comissão, 222/XII

(1.ª) — Cria um regime excecional e transitório de extinção de obrigações decorrentes de crédito à habitação

em situações de redução substancial do rendimento do agregado familiar (PS), que baixa à 5.ª Comissão,

223/XII (1.ª) — Segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 158/2002, de 2 de julho, permitindo o reembolso do valor

de planos-poupança para pagamento de prestações de crédito à habitação (PS), que baixa à 5.ª Comissão,

224/XII (1.ª) — Décima alteração ao Decreto-Lei n.º 349/98, de 11 de novembro, introduzindo mecanismos

adicionais de proteção dos devedores no contratos de crédito para aquisição de habitação própria e

permanente (PS), que baixa à 5.ª Comissão, e 225/XII (1.ª) — Altera o Código de Processo Civil, modificando

as regras aplicáveis à determinação do valor base da venda de imóveis em processo de execução (PS), que

baixa à 1.ª Comissão; projetos de resolução n.os

305/XII (1.ª) — Recomenda ao Governo que proceda à

revisão da Portaria n.º 138-A/2010, de 4 de março, como disposto no seu artigo 10.º, tendo por base os

elementos resultantes da experiência da sua aplicação, introduzindo as alterações que se mostrem

necessárias, entre as quais a discriminação positiva da aplicação das taxas, decorrentes de pedido de

declarações, pareceres, informações ou autorizações, relacionadas com as atividades do sector primário

(CDS-PP), que baixa à 11.ª Comissão, 306/XII (1.ª) — Recomenda o investimento numa política de língua,

cultura e identidade que corresponda aos interesses de Portugal e dos portugueses residentes no estrangeiro

(PCP), que baixa à 2.ª Comissão, 307/XII (1.ª) — Contra o encerramento da Maternidade Alfredo da Costa

(PCP), que baixa à 9.ª Comissão, 308/XII (1.ª) — Recomenda ao Governo a criação de um fundo de garantia

ao crédito à habitação (PS), que baixa à 5.ª Comissão, 309/XII (1.ª) — Recomenda ao Governo a eletrificação

do troço entre Caíde e Marco de Canaveses da linha ferroviária do Douro (PCP), que baixa à 6.ª Comissão, e

310/XII (1.ª) — Recomenda ao Governo a manutenção em funcionamento da Maternidade Alfredo da Costa

nas instalações atuais, a salvaguarda da estabilidade e integridade das suas equipas e a sua transferência

para o novo hospital de Lisboa (BE), que baixa à 9.ª Comissão; e apreciação parlamentar n.º 16/XII (1.ª) —

Relativa ao Decreto-Lei n.º 74/2012, de 26 de março, que estabelece o regime de extinção das tarifas

reguladas de venda de gás natural a clientes finais com consumos anuais inferiores ou iguais a 10 000 m3 e

adota mecanismos de salvaguarda dos clientes finais economicamente vulneráveis (PS), que baixa à 6.ª

Comissão.

Deu, ainda, entrada na Mesa um relatório e parecer da Comissão para a Ética, a Cidadania e a

Comunicação, que, pela sua urgência, Sr.ª Presidente, deve ser, de imediato, apreciado e votado.

O relatório diz respeito à suspensão de mandato de Deputado, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo

4.º, conjugada com o disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 20.º, sendo ambas as disposições do Estatuto

dos Deputados, com efeitos a partir de 30 de abril de 2012, inclusive, do Sr. Deputado Manuel Meirinho

Martins (PSD), círculo eleitoral da Guarda, sendo substituído por João José Pina Prata.

O parecer vai no sentido de a suspensão dever ser autorizada, uma vez que se encontram verificados os

requisitos legais.

A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, está em apreciação o parecer.

Pausa.

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Não havendo pedidos de palavra, vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos entrar no primeiro ponto da ordem do dia, destinado a declarações políticas.

Para este efeito, estão já inscritos os seguintes Srs. Deputados: Catarina Martins, pelo BE, Heloísa

Apolónia, por Os Verdes, e Duarte Cordeiro, pelo PS. Por enquanto, são as inscrições que se registam na

Mesa.

Dou a palavra à Sr.ª Deputada Catarina Martins.

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as

Deputadas e Srs. Deputados: Polícia à porta dos

supermercados, incidentes entre as pessoas que esperavam horas e horas, filas próprias de uma catástrofe

natural. As imagens que, ontem, invadiram os televisores de todas as casas deram-nos conta de um País em

estado de sítio e em estado de privação eminente. Tudo, porque a maior distribuidora do País decidiu oferecer

descontos de 50% a quem fizesse compras superiores a 100 €.

Dos 365 dias do ano, o Pingo Doce não encontrou melhor dia para fazer uma promoção sem precedentes

em Portugal do que o feriado do 1.º de Maio. Um dia em que os trabalhadores tinham o seu descanso por

garantido, mas em que se viram obrigados não só a trabalhar mais do que em qualquer outro dia, como a

fazê-lo em condições indignas, que puseram em causa a sua própria segurança e integridade física.

A escolha não foi inocente. Entendamo-nos: não foi uma promoção publicitária mas, sim, uma ação política

para virar consumidores contra trabalhadores…

Protestos dos Deputados do PSD Francisca Almeida e Luís Menezes.

… e para marcar um ponto político, em favor da desregulação de horários e condições de trabalho,

precisamente no Dia do Trabalhador.

Aplausos do BE.

No momento em que o Governo avança, como nunca, no sentido da desregulação do mercado de trabalho,

a mensagem foi clara: os direitos dos trabalhadores são um empecilho para a economia e o interesse dos

portugueses. Não são! Os consumidores, quando saem do Pingo Doce também são trabalhadores; e não há

promoção que pague, a médio e longo prazo, o que perdem com a diminuição dos seus direitos.

Todos sabemos, e percebemos, que sabe bem poupar metade do que se gasta habitualmente na

mercearia ou no supermercado. De mais a mais, num País que, como nos disse, hoje, o Eurostat, tem mais

140 000 desempregados, desde que o PSD e CDS chegaram ao Governo.

Vozes do BE: — Muito bem!

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — A reação popular é mais do que compreensível. Ela é, aliás, o sinal

evidente da depressão económica em que o País se encontra mergulhado.

Podia esta campanha (e reação popular) ter tido lugar antes da crise social que vivemos? Podia, mas não

era a mesma coisa.

Nada obrigava a Jerónimo Martins a escolher este dia. Ou alguém imagina que esta empresa seria capaz

de organizar esta iniciativa no dia de Natal? Não. A força do simbolismo não escapou à distribuidora.

Protestos da Deputada do PSD Francisca Almeida.

Não contente com a desregulação dos horários de trabalho, decidiu invadir o caráter simbólico do 1.º de

Maio para humilhar e vergar quem entende que, contra a prepotência e repressão, cabe lugar à dignidade do

trabalho.

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Vozes do BE: — Muito bem!

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr.as

e Srs. Deputados, nada melhor, a este respeito, do que dar a palavra

a quem sabe do que fala.

«Já parou para pensar por que é que existem descontos? O desconto só existe para se poder baixar um

preço que estava caro. Se ele já estivesse barato, não eram preciso descontos, não é verdade? E com as

promoções é a mesma coisa. O preço sobe e desce, sobe e desce». Quem assim explica, de forma simples e

direta, como funcionam as promoções é o próprio Pingo Doce, num dos seus anúncios.

Que fique, pois, claro: o que aconteceu, ontem, não foi uma promoção; foi uma campanha política e foi uma

operação ilegal.

Vozes do BE: — Muito bem!

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — De duas, uma: ou o Pingo Doce vendeu, ontem, abaixo do custo, para

esmagar a concorrência e prejudicar os consumidores no futuro, ou apresenta margens de lucro de 50% nos

outros 364 dias do ano.

Aplausos do BE.

Como dizem os ideólogos liberais, tão do agrado do dono da Jerónimo Martins e deste Governo, «não há

almoços grátis». A promoção de ontem vai sair cara, demasiadamente cara, aos consumidores, aos

trabalhadores e à economia.

O que a Jerónimo Martins fez foi vender abaixo do preço do custo. E quebrou a lei: porque ou vendeu com

prejuízo, o que é ilegal, ou obrigou os seus fornecedores a venderem abaixo do custo, o que também é ilegal.

Vozes do BE: — Muito bem!

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Perguntemos, pois: porque arrisca a Jerónimo Martins tal operação ilegal?

Simplesmente, porque sabe que este Governo protege sempre os «donos de Portugal».

Dissemo-lo aqui, quando debatemos a Lei da Concorrência: de nada vale uma lei que não belisca a grande

distribuição.

O Governo fechou os olhos. Criou uma plataforma para a autorregulação — a PARCA — que é parca de

nome e de resultados. O Ministro da Economia «chuta» para a Ministra da Agricultura, a Ministra da

Agricultura «chuta» para as calendas. A grande distribuição ri, impune, cada vez mais poderosa.

O Bloco de Esquerda entregou, hoje mesmo, dois requerimentos para ouvir o Ministro da Economia e a

Ministra da Agricultura.

Protestos do Deputado do PSD Carlos Abreu Amorim.

É preciso que fique claro que o Governo vai garantir todas as condições à ASAE (Autoridade de Segurança

Alimentar e Económica) para que investigue o sucedido.

O que aconteceu, ontem, põe a nu a verdadeira natureza do Grupo Jerónimo Martins: humilhação dos

consumidores, abuso sobre os trabalhadores, concorrência desleal, esmagamento da produção nacional e

poder, sobretudo, poder — todo o poder, nenhuma responsabilidade.

O silêncio do Governo, nesta matéria, fala mais do que qualquer palavra. É a voz da cumplicidade ativa.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente: — A Mesa regista a inscrição, para pedir esclarecimentos, dos Srs. Deputados Miguel

Tiago, do PCP, Rui Paulo Figueiredo, do PS, e Heloísa Apolónia, de Os Verdes.

O Sr. Deputado Luís Menezes, do PSD, acabou de pedir a sua inscrição à Mesa. Pergunto, pois, Sr.

Deputado Luís Menezes se é também para este efeito.

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O Sr. Luís Menezes (PSD): — É, sim, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente: — Fica registado, Sr. Deputado.

Agradeço aos Srs. Deputados que se inscrevam em tempo, durante as intervenções dos oradores, porque,

quando não procedem deste modo, causam sempre uma grande confusão na Mesa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Tiago para pedir esclarecimentos.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Catarina Martins, em primeiro lugar, gostava

de cumprimentá-la pelo tema que aqui nos trouxe: a infame campanha da Jerónimo Martins/Pingo Doce,

embora não tenha sido esse o acontecimento que mais marcou o dia de ontem.

É que, felizmente, o acontecimento que mais marcará o dia de ontem é, precisamente, o facto de terem

sido — e de o termos presenciado, ontem — as maiores comemorações do 1.º de Maio dos últimos anos, as

mais participadas, as mais mobilizadoras e as mais reivindicativas.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Mas também por isso mesmo é que esta campanha, esta ação do Grupo

Jerónimo Martins/Pingo Doce é particularmente grave e ofensiva, porque é ideológica, como bem referiu,

porque é uma campanha, mais do que de publicidade, de manipulação ideológica e de intervenção política,

utilizando uma marca comercial para fazer intervenção política.

O Grupo Jerónimo Martins fê-lo de forma quase provocatória, aliás, de forma manifestamente provocatória,

e utilizando os direitos dos seus próprios trabalhadores para gozar na cara dos outros, em particular, numa

altura em que largas camadas da população portuguesa estão tão fustigadas pela degradação das condições

de vida, pelos baixos rendimentos, ficando, obviamente, mais sensíveis e expostas a estas campanhas. Isso

ainda agrava mais o pendor ideológico desta ação e desta campanha do Grupo Jerónimo Martins!

Como sabe, Sr.ª Deputada, o PCP acaba de apresentar um requerimento solicitando a vinda do Ministro da

Economia à Assembleia da República para prestar esclarecimentos sobre o papel do Governo.

Para além de reforçar todas as posições que a Sr.ª Deputada assumiu nesta Assembleia, coloco a seguinte

questão: qual é o seu entendimento do silêncio manifestado por este Governo, não só perante esta ação da

Jerónimo Martins/Pingo Doce como perante todo um conjunto de práticas que tem vindo a ser levado a cabo

no sector da distribuição em Portugal?

De facto, como muito bem referiu a Sr.ª Deputada, ou estamos perante uma ação de dumping descarado e,

portanto, ilegal do ponto de vista das leis da concorrência ou, então, a Jerónimo Martins anda a fazer muito

mais dinheiro do que devia à custa dos parcos rendimentos dos portugueses e, também, da exploração dos

seus trabalhadores.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente: — A Sr.ª Deputada Catarina Martins informou a Mesa que responderá individualmente a

cada pedido de esclarecimento.

Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Miguel Tiago, agradeço a pergunta que fez

e devo dizer que concordo consigo quando diz que o dia de ontem ficou marcado, sim, pelas comemorações

do 1.º de Maio, Dia do Trabalhador, a que tantos e tantas aderiram ontem, num dia importante de luta e de

afirmação da dignidade do trabalho. Foi por isso mesmo que a Jerónimo Martins escolheu esse dia.

Numa altura em que ficou claro o ataque do Governo aos trabalhadores, em que os trabalhadores se

mobilizaram na contestação, a Jerónimo Martins mostrou bem a sua face, mostrou bem a relação que tem e

que quer ter e alargar com este Governo e o poder político, num combate ideológico contra o trabalho e a

dignidade do trabalho. Foi por isso que o fez no 1.º de Maio!

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É bom dizer que ontem estivemos sob um ataque do Grupo Jerónimo Martins, que mostra assim o seu

poder, a sua face, a sua ligação a este Governo ao fazer uma promoção deste tipo no Dia do Trabalhador. E,

naturalmente, numa situação de crise social, muita gente aderiu à campanha porque a necessidade assim o

exige, assim o obriga.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exatamente!

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Fê-lo, também, numa altura em que vem promovendo um discurso sobre

o apoio à produção nacional, mas que esta campanha — teremos de investigar — provará que é hipócrita: em

Portugal, a Jerónimo Martins faz campanha em defesa da produção nacional, beneficiando do privilégio, de

toda a impunidade, mas na Polónia já foi condenada por práticas ilegais contra os fornecedores.

Portanto, sabemos que boa parte dos custos destas operações da Jerónimo Martins será à conta dos

fornecedores e dos produtores, que perdem assim a capacidade de continuar sequer a trabalhar, porque as

condições contratuais são de venda abaixo do preço de custo, de prazos de pagamento impossíveis e com

alterações contratuais sucessivas. É por isso essencial que o Governo garanta que, por uma vez, vai fazer

alguma coisa, que a ASAE terá os instrumentos para investigar e que a Autoridade da Concorrência terá, pois,

também os instrumentos para sancionar.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Paulo Figueiredo.

O Sr. Rui Paulo Figueiredo (PS): — Sr.ª Presidente, em primeiro lugar, começo por cumprimentar a Sr.ª

Deputada Catarina Martins pelo tema que aqui nos trouxe.

Sobre a falta de adesão e de consonância entre o que, muitas vezes, propala a gestão da Jerónimo

Martins/Pingo Doce e aquela que é a sua prática muito de negativo já foi dito, e nós só podemos reiterá-lo.

Com efeito, esta empresa, reiteradamente, procura criar condições para não se associar ao esforço que todos

nós temos de fazer, inclusivamente quando procura retirar a sua sede fiscal de Portugal para fugir ao

pagamento de impostos, tema que já aqui debatemos, na Assembleia da República.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Bem lembrado!

O Sr. Rui Paulo Figueiredo (PS): — Sobre esta campanha, o que importa é que o Ministério da Economia,

através dos seus organismos — da ASAE e da Autoridade da Concorrência —, fiscalize se houve, ou não,

violação da Lei da Concorrência.

Naturalmente, não podemos condenar aqueles que procuram aproveitar estas oportunidades. O que se

passou ontem é um sintoma de que há pessoas a sofrer, e muito!

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Rui Paulo Figueiredo (PS): — A paixão deste Governo pela austeridade, em que vai ao bolso dos

portugueses de todas as maneiras e feitos, faz com que tenhamos políticas que prejudicam a execução

orçamental, políticas que prejudicam a economia e o emprego.

Este Governo não governa — está em funções há um ano, mas não governa —, está descoordenado, não

tem políticas para o crescimento, não tem políticas para o emprego.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Rui Paulo Figueiredo (PS): — Por isso, também saudamos a iniciativa do Partido Comunista de

requerer a presença do Sr. Ministro da Economia para se pronunciar sobre este e outros temas.

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A execução orçamental é negativa e é feita — dois terços — pelo lado da receita; o desemprego está a

aumentar, atingiu os 15,3%, segundo os dados de março do Eurostat, ou seja, subiu 2,9% em relação a março

do ano passado e mais 2,2% em relação ao mês anterior, com 36,1% de desemprego jovem.

Também sobre estes dados, queríamos ouvir a opinião do Bloco de Esquerda e do Sr. Ministro da

Economia.

Para terminar, Sr.ª Presidente, Caros e Caras Colegas, importa registar igualmente a insensibilidade social

do Sr. Primeiro-Ministro, que ainda ontem brincava sobre este tema. O que o Governo nos tem apresentado é

o aumento do IVA na restauração, com um consequente aumento de 50% das insolvências; é ir ao bolso dos

portugueses nos transportes; é o aumento da eletricidade; é o aumento do gás; é o aumento das taxas

moderadoras e de outro tipo de taxas.

O «confisco» de que falava o CDS está bem presente…

O Sr. Mota Andrade (PS): — Muito bem!

O Sr. Rui Paulo Figueiredo (PS): — … e, sobre isto, o Ministro da Economia nada diz!

O que temos é uma ausência de políticas de emprego, uma ausência de políticas de crescimento. Temos

um Governo que cede aos interesses, como bem ficou demonstrado na sexta-feira passada — e com isto

termino —, quando o ex-secretário de Estado da Energia distribuiu um relatório relevante sobre as rendas da

energia e, umas horas depois, a EDP já o tinha.

Portanto, precisamos de políticas de crescimento e de emprego e precisamos de um Ministro da Economia!

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Catarina Martins.

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Rui Paulo Figueiredo, agradeço a pergunta

que fez.

Em relação ao desemprego e à grande distribuição, é bom lembrar o seguinte: quando foi aprovada a

legislação que desregulou mais os horários na grande distribuição, com os hipermercados a poderem estar

abertos todo o dia de domingo, o sector prometeu mais 8000 empregos, mas o que temos são mais 140 000

desempregados!

Portanto, temos assistido à perda de postos de trabalho todos os dias, o que prova que toda a política de

desregulação dos horários, de desregulação dos direitos do trabalho não cria emprego; cria, sim, desemprego

no sector da distribuição, como em todos os demais sectores.

Também queria dizer que o Grupo Jerónimo Martins fez um ataque ideológico ao 1.º de Maio, fez uma

vingança em relação à população portuguesa, a mesma que ousou criticá-lo publicamente por não pagar os

impostos que devia ao mudar a sua sede fiscal para a Holanda.

Portanto, trata-se de um grupo que faz um combate contra o trabalho, um combate contra a população e

que utiliza o 1.º de Maio para essa afirmação ideológica contra o País. E o silêncio do Governo, o absoluto

silêncio do Governo em toda esta situação é inadmissível e só prova a sua cumplicidade.

O Bloco de Esquerda requereu já a vinda dos Ministros da Economia e da Agricultura à Comissão de

Economia, porque são os dois que têm a seu cargo a legislação relacionada com a concorrência, a formação

de preços e a grande distribuição. É necessário que venham cá, que digam uma palavra sobre o que se

passa, sobre o poder impune deste grupo, sobre o seu abuso e sobre a capacidade que tem de caber ao

Estado para punir e investigar as ilegalidades que este Grupo vem cometendo.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Catarina Martins, quero saudá-la

pela declaração política que fez. Também Os Verdes, imediatamente a seguir, farão uma declaração política

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justamente sobre a mesma matéria, porque há coisas que, de facto, por serem tão graves merecem ser ditas e

reditas na Assembleia da República. O poder político não pode ficar insensível a situações tão graves e, por

isso, mais do que dizer, é preciso encontrar soluções.

De facto, a Sr.ª Deputada tem razão. Ontem, mostrou-se à população portuguesa uma face do mercado

selvagem; mostrou-se à população portuguesa que estas grandes distribuidoras, designadamente o Pingo

Doce, não têm escrúpulos absolutamente nenhuns, porque se esta gente precisar de espezinhar produtores,

consumidores, trabalhadores, espezinha! Para obter o lucro que for preciso, para fazer o que quer, para

demonstrar que manda, fará tudo o que for preciso! E nós, obviamente, não podemos tolerar isto.

O que se passou ontem foi uma absoluta afronta ao País nos seus mais diversos setores. A Sr.ª Deputada

tem razão no que diz, porque de duas, uma: ou há uma margem de lucro extraordinariamente elevada desta

cadeia e, portanto, absolutamente escandalosa ou, então, vendeu abaixo do preço de produção, coisa também

absolutamente escandalosa!

O que sabemos é que este Grupo Pingo Doce ficou com uma obrigação perante os portugueses: a de

explicar quais são as suas margens de lucro ou a que preço anda a vender as mercadorias. Ficou com essa

obrigação perante o País, e tem de o esclarecer rapidamente. Não tem de o fazer só à ASAE nem às ditas

entidades reguladoras, é à população portuguesa, na sua totalidade. Tem de esclarecer publicamente!

Para terminar, Sr.ª Deputada, gostaria de dizer que nós, Os Verdes, apresentámos um projeto de lei nesta

Assembleia que determinava justamente o encerramento das grandes superfícies aos feriados e aos

domingos, para salvar o pequeno comércio e por respeito aos trabalhadores. Esse projeto de lei foi rejeitado,

mas há outro que se impõe já: uma iniciativa legislativa que determine que, no dia 1.º de Maio, as grandes

superfícies não abrem definitivamente, contra a sua vontade provavelmente, mas em benefício dos seus

trabalhadores e dos seus consumidores.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Catarina Martins.

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, agradeço a questão que

colocou. Julgo que é importante dizer que a promoção de ontem não foi uma oferta à população, aos

trabalhadores.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Não é altruísmo!

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — O que os trabalhadores, as trabalhadoras e toda a população precisam é

de preços justos e o que ontem ficámos a saber é que o Pingo Doce não pratica preços justos, pratica preços

muito acima dos que deve praticar, pelos vistos!

Do que precisam os consumidores é de preços justos, mas também de salários dignos, de pensões dignas,

de impostos adequados. Do que não precisam, com certeza, é de promoções humilhantes e arrogantes que

querem destruir os seus direitos enquanto trabalhadores e trabalhadoras, que destroem a produção, os

fornecedores e, com isso, destroem mais emprego e criam mais desemprego, destruindo o mercado para, em

nome de um dia de promoção, criarem anos de abuso!

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Menezes.

O Sr. Luís Menezes (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Catarina Martins, normalmente começo este

tipo de intervenções saudando o tema que aqui é trazido. Desta vez, sinceramente, não o posso fazer, porque

entendo…

Protestos do Deputado do PCP Miguel Tiago.

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O Sr. Deputado Miguel Tiago já manifestou a sua opinião. Sei que esse é um hábito do PCP, mas estou a

dirigir-me agora à Sr.ª Deputada Catarina Martins, que é quem estou a questionar.

Se há algum problema de legalidade, ele deve ser visto pelas autoridades competentes.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Luís Menezes (PSD): — E nós, através das leis que fazemos nesta Assembleia, conferimos

determinados poderes para que determinadas entidades averiguem o que aconteceu. Quanto a isso, estamos

plenamente de acordo. Porém, querer transportar uma campanha promocional de um grupo privado que

aconteceu ontem para o plano ideológico é claramente um problema de falta de tema da área mais à esquerda

no nosso Parlamento.

A Sr.ª Francisca Almeida (PSD): — Bem lembrado!

O Sr. Luís Menezes (PSD): — Sr.ª Deputada, o que quero perguntar é só isto: os senhores querem

sancionar, castigar ou, de alguma forma, criticar os milhares, as dezenas ou, talvez, centenas de milhares de

portugueses que usufruíram da campanha que este grupo privado decidiu fazer ontem, ou não? É isto que os

senhores querem?

Vêm aqui com este discurso de que «o cidadão teve de optar entre ser cidadão ou consumidor»… Peço

desculpa, mas trabalhamos para ganhar dinheiro, para quê?! Para consumir! Querem fazer disto uma batalha

ideológica? Querem fazer daquilo que, porventura, centenas de milhares de portugueses fizeram, que foi, em

face das enormes dificuldades que vivemos, aproveitar uma oportunidade dada por um grupo privado — se foi

legal ou ilegal alguém há de dizer, não vai ser esta Assembleia da República a fazê-lo —, uma batalha

ideológica? Acho, sinceramente, Sr.ª Deputada, que isto é cair no ridículo aos olhos de centenas de milhares

de portugueses…

A Sr.ª Francisca Almeida (PSD): — Muito bem!

O Sr. Luís Menezes (PSD): — … que optaram por fazer compras no dia de ontem. Era o Dia do

Trabalhador? É um dia com um cariz ideológico? Para muitos milhares de pessoas e para muitos milhares de

portugueses é, com certeza; para outros milhares de portugueses é um feriado como outro qualquer.

Sr.ª Deputada, o que gostava de perguntar-lhe é se acha, ou não, criticável que quem foi ontem fazer

compras a esse grupo privado tenha aproveitado os descontos. Se acha que é criticável, o que é que se deve

fazer a esses portugueses? Se não, por que é que acha que as pessoas foram fazer compras e aproveitaram

uma promoção? Os senhores querem meter-se agora na decisão livre de todo e qualquer português de

escolher o sítio onde compra, a quem compra e como compra?! Os senhores estão a exagerar um bocado! À

falta de tema, já estão a inventar demais!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Catarina Martins para responder.

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Luís Menezes, a sua intervenção parecia

mesmo um spot publicitário do Pingo Doce!…

Aplausos do BE.

Estávamos a discutir política, estávamos a discutir legislação, estávamos a discutir direitos dos

trabalhadores, estávamos a discutir proteção à produção nacional. Não sei se o Sr. Deputado percebeu, mas

era disso mesmo que falávamos!

O Sr. Luís Menezes (PSD): — Ninguém percebeu!

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A Sr.ª Catarina Martins (BE): — É extraordinário que o Governo e a bancada do PSD roubem tão

facilmente salários e pensões e ainda venham à Assembleia da República saudar a necessidade e fazer

campanha a uma distribuidora à conta da necessidade dos portugueses.

O Sr. Francisco Louçã (BE): — Exatamente! Que vergonha!

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Ninguém condena quem foi obrigado, ontem, a aproveitar a promoção…

O Sr. Luís Menezes (PSD): — Ninguém foi obrigado!

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — … e a fazer compras naquelas condições humilhantes por causa dos

salários e das pensões que os senhores roubam à população. Ninguém condena quem é obrigado a fazer

escolhas tão difíceis todos os dias, Sr. Deputado. Não é esse, com certeza, o nosso papel, mas estamos aqui,

sim, a falar de decisões políticas, porque o Grupo Jerónimo Martins decidiu fazer política. Não só este Grupo

tem um poder económico imenso, que tem condicionado a ação dos sucessivos governos — lembramo-nos

ainda de todas as promessas da grande distribuição, de mais 8000 empregos, quando o que temos agora são

dezenas de milhares de novos desempregados todos os dias, tendo sido incapaz de criar um emprego que

fosse —, como temos a escolha do 1.º de Maio.

Sr. Deputado, acha que alguma vez este Grupo teria feito a campanha no dia de Natal ou no dia de

Páscoa?

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sabiam que as pessoas não iriam lá!

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Não o teriam feito, não tenha dúvidas nenhumas! O Sr. Deputado pode

estar a fazer spots publicitários para o Pingo Doce, mas o que este Grupo fez foi, sim, uma ação política, uma

ação ideológica contra o 1.º de Maio e contra os direitos do trabalho!

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente: — Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Quero aqui declarar, em

nome de Os Verdes, que aquilo a que a cadeia de lojas Pingo Doce sujeitou o País, ontem, é absolutamente

macabro do ponto de vista humano, macabro em vários níveis.

O Pingo Doce, como outras grandes distribuidoras, decidiu desrespeitar o 1.º de Maio, o Dia do

Trabalhador, com uma afronta aos seus trabalhadores, obrigando-os a trabalhar. Desrespeitaram não apenas

o valor do 1.º de Maio como dia de luta pela dignificação justamente do trabalho mas também acordos

coletivos que dão como direito de descanso o dia 1.º de Maio. Foi uma afronta para demonstrarem o que

mandam, o que exploram, o que manipulam, em bom rigor, o que abusam do poder.

Sr.as

e Srs. Deputados, há trabalhadores do Pingo Doce que, no final da semana passada, ainda não

estavam informados, não sabiam que iam ser obrigados a trabalhar no dia 1.º de Maio. Atentem a isto, por

favor, Sr.as

e Srs. Deputados! Fazem das pessoas o que querem e o que lhes apetece, e isto é por demais

revoltante!

O Pingo Doce decidiu ainda, como já aqui hoje foi referido, no 1.º de Maio, e só no 1.º de Maio, levar a

cabo uma campanha de 50% de desconto para compras de valor superior a 100 €. O resultado preocupante

dessa campanha nos consumidores foi visível, devendo estabelecer-se a necessária ligação deste

comportamento dos consumidores às graves necessidades económicas que muitas famílias atravessam, as

quais veem a sua vida e os seus orçamentos familiares absolutamente devastados pelas políticas do Governo,

que sugam, todos os dias, parte desse orçamento familiar pelas mais diversas formas.

Ora, esta promoção do Pingo Doce foi também uma clara afronta aos consumidores, porque, como

também hoje já aqui foi referido, de duas, uma: ou esta cadeia de distribuição tem margens de lucro

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escandalosas, que lhe permite fazer descontos desta natureza, ficando ainda com margem de lucro, ou

vendeu abaixo do preço de produção, num dumping absolutamente descarado! Nem uma nem outra destas

hipóteses é, como é evidente, minimamente aceitável!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Muito bem!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — A afronta estende-se aqui também aos produtores, porque estas

cadeias de distribuição pagam com atrasos significativos, e muito prejudiciais, aos produtores e, para além

disso, pagam-lhes quase nada, promovendo a sua dificuldade de subsistência e o seu progressivo

empobrecimento.

Conclusão, Sr.as

e Srs. Deputados: o Pingo Doce explorou os trabalhadores, explorou os consumidores,

explorou os produtores, explora o pequeno comércio, explora tudo o que vê à frente! Não tem escrúpulos!

Sr.as

e Srs. Deputados, estamos perante uma face do mercado selvagem. Para além desta referida

campanha de descontos, todos nos lembramos bem que o Grupo Jerónimo Martins, do Pingo Doce, foi «a

correr» para a Holanda, para lá deixar os seus impostos e gerar mais lucros. Mas, Sr.as

e Srs. Deputados, as

estratégias empresariais têm que ter um limite! No mínimo, o limite da dignidade. Estas cadeias não têm

vergonha!

A ASAE diz que está a investigar se houve, ou não, dumping — esperemos conhecer os resultados em

breve —, mas o Pingo Doce, mais do que uma palavra à ASAE, deve uma palavra aos portugueses, deve uma

explicação aos portugueses,…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Os portugueses aderiram!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — … designadamente sobre as suas amplas margens de lucro.

Mas aqui estamos nós, e a pergunta que Os Verdes querem fazer é esta: e o poder político, como é que se

posiciona perante o que aconteceu? Fica impávido e sereno, como, pelos vistos, alguns gostariam, a assistir a

esta tristeza? Consideramos, Sr.as

e Srs. Deputados, que, mais do que assistir, mais do que nos

preocuparmos, é preciso agir.

Já aqui relembrei uma iniciativa legislativa que Os Verdes apresentaram no sentido do encerramento das

grandes superfícies comerciais aos domingos e feriados, em benefício dos seus trabalhadores e do pequeno

comércio, porque muito dele fecha à conta da abertura, aos domingos e feriados, das grandes superfícies

comerciais, como sabemos. A maioria, por via do mercado, decidiu chumbar este projeto de lei, mas agora há

aqui uma especificidade concreta, há uma violação concreta, que começa a acontecer ano após ano,

relativamente ao 1.º de Maio, entendendo Os Verdes que é preciso apresentar uma iniciativa legislativa.

O Sr. Deputado Luís Menezes dizia que é preciso ver se há um problema na lei. Ora, quando não há

problema na lei, quando não vos interessa ir para além da lei, se não há problema, afinal, no País, então, isto

implica legislar, e legislar justamente no sentido de que, no dia 1.º de Maio, estas grandes superfícies não

abram. Não abram! Os seus trabalhadores estão em descanso, estão em luta, estão em atividade nesse dia,

mas não estão a trabalhar.

É preciso que nos consciencializemos sobre esta matéria, porque, ano após ano, estas grandes superfícies

e distribuidoras insistem em obrigar os seus trabalhadores a trabalhar no dia 1.º de Maio. O 1.º de Maio tem

outro significado, e o mais importante é que as maiorias parlamentares e o Governo conheçam e obedeçam a

esse significado do 1.º de Maio.

Aplausos do Deputado de Os Verdes José Luís Ferreira e do PCP.

A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Campos.

O Sr. Paulo Campos (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, ao contrário daquilo que o

Sr. Deputado Luís Menezes há pouco referenciou, o que está em causa aqui é uma política que soma

austeridade em cima de austeridade, o que está em causa nas declarações políticas feitas pelo Bloco de

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Esquerda e por Os Verdes é uma política que destrói a economia e o emprego, em vez de promover o

desenvolvimento dessa economia e o bem-estar da nossa população.

A este propósito, gostaria de recordar as estatísticas que hoje o Eurostat nos transmitiu, que indicam que,

no mês de março de 2012, 15,3% da nossa população está desempregada, ou seja, mais 2,9 pontos

percentuais, cerca de 150 000 novos desempegados, quando comparado com março de 2011. Esta é a

terceira taxa de desemprego mais elevada da União Europeia, uma taxa que cresce três vezes mais do que a

taxa na União Europeia e mais do dobro da taxa na zona euro. Temos ainda, de acordo com o relatório do

Eurostat, a terceira taxa de desemprego juvenil mais alta em toda a Europa, tendo crescido cerca de seis

vezes mais do que o crescimento verificado em toda a Europa.

Portanto, o que aqui está em causa é, efetivamente, este tipo de políticas que este tipo de Governo tem

vindo a dar à nossa população, e que é também uma política que não privilegia o preço justo. Sim, se é

possível ter descontos de 50% é porque — esta é a conclusão justa — não são praticados preços justos nas

nossas grandes cadeias de distribuição, e isto permite que existam os tais ganhos excessivos nestas cadeias,

isto permite a destruição do pequeno comércio em todas as cidades e em todas as vilas do nosso País, isto

permite a destruição do nosso tecido produtivo.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Que falta de vergonha!

O Sr. Paulo Campos (PS): — Esta é uma política que privilegia o monopólio do comércio! Esta é uma

política que não dá condições para uma fiscalização permanente!

Portugal tem, aliás, vários recordes e, nos últimos tempos, temos vindo a assistir a novos recordes, sendo

este também um recorde: Portugal é o único país da Europa em que as maiores fortunas não são de famílias

de produtores mas, sim, de famílias que distribuem o que os outros produzem. Esta é a principal conclusão

que hoje podemos tirar deste debate: em Portugal, há muito a fazer nesta área mas, infelizmente, temos um

Governo que privilegia os fortes e combate essencialmente os fracos.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

Deste ponto de vista, o que devíamos transmitir é que precisamos de um Governo que olhe para o nosso

tecido produtivo, que olhe para os nossos pequenos produtores, que olhe para os nossos pequenos

comerciantes, que olhe para a nossa população e promova a economia e o desenvolvimento.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Paulo Campos, a pergunta que me

fez não foi nitidamente para mim, mas, como também já abusei de pedidos de esclarecimento para poder fazer

uma intervenção, vou fechar os olhos quanto a essa matéria e vou até aproveitar para dizer mais alguma coisa

relativamente a algumas matérias que o Sr. Deputado referiu. Às vezes, é um risco fazer alguns pedidos de

esclarecimento, porque depois também se ouvem outras coisas.

Queria dizer também que, relativamente aos pequenos produtores e à necessidade de defesa do pequeno

comércio, eu não diria melhor. Mas, Sr. Deputado, peço desculpa, parece-me que foi o PS o responsável pelo

não encerramento das grandes superfícies comerciais aos domingos e feriados,…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Já não se lembra! Já não se lembra!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — … e isso não foi, definitivamente, uma boa ajuda ao nosso

pequeno comércio, que precisa, de facto, de estímulo e ajuda mas não a tem encontrado por parte dos

sucessivos governos.

O Sr. Deputado falou, e bem, dos brutais níveis de desemprego e da forma como, todos os dias e a cada

previsão que chega, os níveis de desemprego são cada vez maiores. As perspetivas, dito pela boca do próprio

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Sr. Primeiro-Ministro, são terríveis para os próximos tempos. Ao que parece, o Sr. Primeiro-Ministro conviverá

bem com essa realidade, ou seja, está conformado com ela, o que é algo absolutamente inaceitável, do nosso

ponto de vista, vindo de um Primeiro-Ministro.

O Sr. Ministro Miguel Relvas diz que o desemprego lhe retira o sono — retira o sono mas não o impele à

ação! Este Governo não está determinado no combate ao desemprego e essa deveria ser a primeira grande

guerra de um governo com escrúpulos neste momento do País.

É isto que nós, Os Verdes, temos a dizer. A primeira grande guerra era o combate ao desemprego, o

estímulo à atividade da produção nacional, com todos os benefícios que isso geraria em termos de criação de

riqueza para nos sustentarmos. Precisamos, neste momento, não só de criação de riqueza, mas da própria

riqueza, com todos os benefícios que daí decorreriam. Não! Em todas as políticas, quer no setor público, ou

que afetam o setor público, quer no setor privado, ou que afetam o setor privado, o que o Governo faz, com a

sua própria mão — com uma, com duas e, se for preciso, pede mais umas quantas —, é fomentar, justamente,

o desemprego. Esta é uma realidade dramática, porque a realidade dramática que, neste momento, temos no

País é o Governo que temos.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem.

A Sr.ª Presidente: — Para a terceira declaração política de hoje, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte

Cordeiro.

O Sr. Duarte Cordeiro (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Os últimos meses têm revelado

um aumento preocupante e muito significativo dos casos de incumprimento no pagamento das prestações de

crédito à habitação.

Em 2011, o número de entregas de casas foi superior a 6900 casos, cerca de 19 casas por dia. Este ano,

esse número já aumentou para cerca de 25.casas entregues por dia, por famílias que não conseguem pagar a

sua casa.

O desemprego em Portugal atingiu os 15,3% em março, de acordo com os últimos dados do Eurostat, sem

que se preveja uma redução nos próximos anos, segundo palavras proferidas ontem, pelo próprio Primeiro-

Ministro. A situação económica do País está longe de melhorar, e a recuperação do rendimento disponível das

famílias demorará muitos anos. Ainda esta semana ficámos a saber que a reposição dos subsídios de férias e

de Natal da função pública só permitirá a recuperação do seu rendimento em 2018.

Se nada for feito, o número de casos de incumprimento pode disparar, com milhares de famílias a

perderem as suas casas.

Torna-se, portanto, fundamental ao Estado adotar medidas que visem, por um lado, a proteção do direito

fundamental à habitação, protegendo as famílias portuguesas na perspetiva da prevenção ao incumprimento,

procurando reduzir o montante de crédito mal parado e, por outro, procurarem partilhar, de forma mais

equitativa, os custos sociais do incumprimento, evitando que famílias que tenham sofrido quebras muito

significativas de rendimento ou desemprego e que tenham perdido a sua casa ainda tenham que acarretar

uma dívida significativa junto da banca, que nós estimamos que varie entre 5 a 30 000 euros.

Quero, a este propósito, destacar a sentença recente do Tribunal de Portalegre, que, no meu entender, só

veio reforçar a necessidade de o Parlamento se pronunciar sobre a dação em cumprimento e evitar a

arbitrariedade futura que só pode gerar instabilidade e desconfiança.

A necessidade de encontrar respostas ganha mais relevo se tivermos em consideração o momento que o

País atravessa, os sacrifícios que têm sido pedidos aos portugueses, os programas especiais que têm sido

desenvolvidos para lidar com a dívida e com a liquidez dos bancos, cujo cumprimento dos rácios de capital

depende do apoio público, e ainda as medidas que têm sido, sobre esta matéria, adotadas em outros países.

Por exemplo, em Espanha, a banca adotou medidas que permitem, em parte, a dação em cumprimento e

alguns Estados norte-americanos têm igualmente este mecanismo em funcionamento.

O PS entregou, na semana passada, um pacote de medidas sobre crédito à habitação. Estamos

profundamente preocupados com as consequências da inação ou da fraca ação do Governo nesta matéria.

O PS tem vindo a apresentar soluções que acredita que poderiam evitar uma contração económica tão

agressiva como a que temos estado a viver, com níveis de desemprego inimagináveis. Propusemos medidas

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de caráter fiscal, tanto no Orçamento como no Orçamento retificativo; propusemos uma alteração ao

Memorando, com o objetivo de ganhar mais um ano para a sua aplicação; propusemos uma adenda ao

Tratado Europeu, sempre com o mesmo propósito, o de evitar a destruição da economia, conter o desemprego

e evitar uma grave crise social. Infelizmente, não temos sido ouvidos e a maioria tem desconsiderado as

propostas do Partido Socialista.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Duarte Cordeiro (PSD): — Este novo pacote de medidas, que agora apresentamos, vai, uma vez

mais, colocar à prova esta maioria quanto à sua capacidade de encontrar soluções com o PS, com o

Parlamento e com todos os partidos que têm tido propostas sobre esta matéria. Esperamos uma séria

consideração das nossas propostas, sem rejeições primárias, sem preconceitos nem lados pré-definidos.

Aplausos do PS.

No atual contexto político, económico e social, um progressivo isolamento do Governo e da maioria é um

sinal muito negativo para Portugal.

As medidas que o PS apresenta tornam evidente que é possível fazermos bastante nesta área. O PS

apresenta o seu pacote de medidas na sequência de uma reflexão alargada, em que procedeu à auscultação

de diversas entidades, nomeadamente a DECO, a SEFIN, a Associação Portuguesa de Bancos, e em que

estudámos soluções aplicadas no passado ou em outros países, tendo sempre em conta a necessidade de

manter o equilíbrio na relação contratual entre as instituições financeiras e os mutuários.

O Partido Socialista apresenta cinco iniciativas legislativas destinadas a proteger as famílias portuguesas,

face à condição de degradação da situação económica que as afeta, no cumprimento das suas obrigações

financeiras.

Destaco algumas das nossas propostas: assegurar que, no caso de divórcio, separação judicial de pessoas

e bens, dissolução da união de facto ou falecimento de um dos cônjuges, o spread não possa ser objeto de um

aumento, no quadro da renegociação contratual.

Aplausos do PS.

E, a este propósito, devo dizer que o Partido Socialista está disponível para considerar outros aspetos e

outras situações nos quais o spread não deve ser alterado; permitir o resgate de PPR, Planos de Poupança

Educação, sem penalização para efeitos de crédito à habitação, para todos os portugueses, sem exceção;…

Aplausos do PS.

… criar um fundo de garantia que permita financiar uma moratória para proteger a habitação própria

permanente nos casos de desemprego de um ou mais membros do agregado familiar, apoiando o pagamento

das prestações às instituições financeiras, seguindo aquilo que, no passado, já adotámos, nomeadamente

através do Decreto-Lei n.º 103/2009; determinar que esse fundo é realizado através de um copagamento entre

os detentores do crédito e as instituições financeiras, assegurando que uma pequena percentagem do crédito

à habitação consiga financiar uma moratória que possa ajudar até milhares de famílias portuguesas.

Aplausos do PS.

As medidas que acabei de anunciar têm um objetivo muito concreto, o de prevenir o incumprimento. Mas

também temos medidas para adotar após o incumprimento: dação para desempregados, situações nas quais

possamos entregar a casa e regularizar a dívida.

À semelhança do que tem acontecido noutros países, adotamos dois sistemas distintos.

No primeiro sistema, seria possível entregar a casa e regularizar a dívida, nos casos em que o imóvel não

exceda os 200 000 €, o rendimento ilíquido do agregado familiar está definido e é preciso ter em consideração

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pelo menos um desempregado no agregado familiar e uma taxa de esforço que não exceda os 50%, sem

dependentes. E para todas as pessoas, mesmo que não estejam desempregadas, se o valor da casa, no

momento da entrega, mais o valor do capital amortizado, for superior à dívida, também seria possível a

entrega da casa.

Mas não ficamos por aqui. Queremos evitar, também, desvalorizações artificiais e queremos subir o teto

que atualmente é usado para a venda de imóveis em ação executiva, nomeadamente de 70 para 85% do seu

preço.

Cara Presidente, Caras e Caros Deputados, quero concluir dizendo que estas são soluções concretas que

vão ao encontro de problemas vividos por milhares de portugueses que estão numa situação de aflição.

Consideramos que há muita margem para encontrarmos soluções que evitem que milhares de famílias

entreguem as suas casas e continuem endividadas, apesar de já terem perdido a casa e de estarem numa

situação de pobreza.

É fundamental que a maioria perceba que este é um tema que carece de respostas fortes e concertadas.

Estamos disponíveis para trabalhar com todos mas seremos intransigentes na necessidade de encontrar

soluções para os principais problemas.

O País não pode passar ao lado deste drama pessoal. Portugal não se levantará se não conseguir ajudar a

levantar os portugueses.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — Há quatro inscrições para pedidos de esclarecimento, dos Srs. Deputados António

Leitão Amaro, do PSD, Pedro Filipe Soares, do BE, Adolfo Mesquita Nunes, do CDS-PP, e Bernardino Soares,

do PCP.

Tem a palavra o Sr. Deputado António Leitão Amaro.

O Sr. António Leitão Amaro (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, Sr. Deputado Duarte

Cordeiro, a primeira palavra é, naturalmente, para saudar o Partido Socialista por ter trazido aqui este tema e

ter contribuído com propostas de soluções, como fez no final da semana passada. Saudamos o Partido

Socialista por ter vindo contribuir para um debate, já iniciado há algum tempo, para o qual o Governo já

contribuiu com o primeiro conjunto de propostas, no Dia do Consumidor, e o Bloco de Esquerda já apresentou

uma iniciativa legislativa.

No momento em que fizemos uma discussão sobre o tema, no Plenário, foi possível perceber que este

Parlamento é unânime na preocupação e na consideração de que são necessárias soluções. Não

concordamos com todas, designadamente não concordámos, também quase todos, com algumas das

soluções apresentadas pelo Bloco de Esquerda, mas a verdade é que todos os partidos — em particular o

PSD, é importante frisá-lo aqui — estão muito preocupados com as dificuldades que as famílias hoje têm para

conseguir cumprir os seus pagamentos com o crédito a habitação, provavelmente, o bem relativamente ao

qual as famílias têm uma ligação maior e para o qual contribuíram também como fator de poupança do seu

trabalho.

Mas, Sr. Deputado, porque é, sobretudo, de perguntas que se trata, gostaria de lhe colocar algumas

questões.

As propostas do Partido Socialista, várias delas, vão num sentido que nos parece adequado, vão num

sentido mais equilibrado do que as propostas do Bloco de Esquerda. Contudo e como acontecerá a

apresentação, muito em breve, de propostas da parte da maioria, em alguns casos poderão merecer alguns

melhoramentos, em alguns casos as soluções poderão até não ser as mais equilibradas, ou, sequer,

suficientes.

Portanto, Sr. Deputado, querendo dizer-lhe, em primeiro lugar, que fique muito claro que o Grupo

Parlamentar do PSD saúda e está disponível para fazer este caminho com todos partidos desta Casa, refiro

que é preciso encontrarmos soluções que sejam, como todos dissemos já aqui antes, equilibradas.

Para isso, Sr. Deputado, mesmo ao nível da solução excecional, na qual julgo que todos acreditamos, para

as famílias num momento de dificuldade, quero perguntar-lhe se o Partido Socialista está disponível ou não

para aperfeiçoar os vários tetos e patamares que apresentou. Está disponível ou não para rever a solução que

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hoje apresenta, no sentido de não haver uma articulação nem uma relação de subsidiariedade entre a solução

de moratória, de eventual perdão parcial de dívida, e, em última linha, a solução da dação em pagamento?

Esta ligação entre as várias soluções não está feita nas propostas do Partido Socialista e, provavelmente,

trariam um caminho mais equilibrado e mais sustentável.

Por outro lado, Sr. Deputado, relativamente a questões que ainda não foram tocadas pelo Partido

Socialista, o problema da ligação das famílias aos seus créditos à habitação têm um efeito indireto bastante

preocupante, ao nível do mercado de trabalho. Uma família que tenha comprado uma casa com recurso ao

crédito, se receber uma oferta de trabalho numa outra cidade, provavelmente, vai recusar essa oferta de

trabalho porque, se tiver que sair da casa e a quiser arrendar, o banco vai aumentar o spread para valores

inaceitáveis.

A Sr.ª Presidente: — Queira terminar, Sr. Deputado.

O Sr. António Leitão Amaro (PSD): — Está ou não o Partido Socialista disponível para olhar também para

este problema e ver, em limitações a este aumento de spread,…

A Sr.ª Presidente: — Queira terminar, Sr. Deputado.

O Sr. António Leitão Amaro (PSD): — Termino já, Sr.ª Presidente.

… uma maneira de permitir aumentar o emprego e a mobilidade dos trabalhadores?

Finalmente, está disponível para ponderar também uma melhor utilização dos mecanismos dos fundos de

investimento para o arrendamento habitacional, trazendo-os para esta solução e permitindo às famílias, não

apenas nos casos de dação em pagamento, terem a sua dívida,…

A Sr.ª Presidente: — Sr. Deputado, já está quase com o dobro do tempo.

O Sr. António Leitão Amaro (PSD): — Vou terminar então, Sr.ª Presidente.

… mas poderem manter as suas casas por arrendamento?

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Cordeiro.

O Sr. Duarte Cordeiro (PS): — Sr.ª Presidente, quero agradecer o pedido de esclarecimento do Sr.

Deputado António Leitão Amaro e dizer, como é óbvio, que o Partido Socialista está disponível para qualquer

proposta nesta matéria. A única intransigência que temos — e tive oportunidade de a dizer — é que não

podemos fugir a encontrar respostas aos principais problemas que estão a ser vividos pelas famílias

portuguesas, o que significa que devemos ter respostas não só para a prevenção ao incumprimento mas

também para a partilha do custo social do incumprimento.

As nossas propostas estão sustentadas em soluções que já existiram no passado. A moratória que o

Partido Socialista propõe através do fundo de garantia já existiu em 2009: tinha cerca de 2500 beneficiários e

mais de 3200 famílias candidataram-se a essa mesma moratória. Se tivermos em consideração que, no ano

passado, tivemos 6900 entregas de casa, podemos perceber que esta dá uma resposta concreta a grande

parte destas famílias.

Mas também propomos medidas inovadoras para a prevenção ao incumprimento, como o resgate dos PPR

não ser prejudicado e também outras medidas.

Portanto, estamos disponíveis quer nesta perspetiva quer na perspetiva da dação, sendo que, quanto à

dação, as referências utilizadas não só pelo Partido Socialista mas também pelo Bloco de Esquerda são

referências utilizadas noutros países ou no passado. E, volto a dizê-lo, para o regime complementar da dação,

também fizemos nossa a proposta da SEFIN.

Assim sendo, o Partido Socialista não partiu para a apresentação das propostas sem falar com a DECO,

com a SEFIN e com a Associação Portuguesa de Bancos. Sabemos exatamente qual é a opinião da

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Associação Portuguesa de Bancos sobre esta matéria mas temos de encontrar respostas aqui, no Parlamento.

É fundamental que o Parlamento seja a Casa que permita um encontro de respostas concretas e entendemos

que é fundamental percebermos a abrangência das respostas. Não podemos ter respostas ou soluções que

não servem para nada.

Lembro-me de que falámos muito do exemplo espanhol, mas o exemplo espanhol, a dação em

cumprimento, já existia no ordenamento jurídico, nomeadamente na regulação bancária. Só que era tão

limitado, tão limitado, tão limitado que não ajudava nenhuma família. E por isso é que a banca aumentou os

tetos da dação em cumprimento, em Espanha.

Não estamos numa situação em que possamos apresentar soluções que não têm impacto. O Partido

Socialista quer estudar aprofundadamente esta matéria e acho que podemos fazê-lo todos em conjunto.

Saudámos, na altura, a descida à comissão, sem votação, da proposta do Bloco de Esquerda, porque é

fundamental encontrar respostas, e temos de encontrar respostas que sejam efetivamente eficazes na

resolução dos problemas dos portugueses.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Duarte Cordeiro, saúdo a sua

intervenção sobre um tema também pertinente para nós e essencial para o País.

O Bloco de Esquerda conseguiu, nas suas jornadas parlamentares, apresentar uma proposta que, a nosso

ver, é urgente. Fizemo-lo já no início de março. Trouxemos a debate, neste Plenário, no dia 16 de março, as

nossas propostas, o nosso ponto de vista, as nossas soluções sobre esta matéria, e, desde esse momento,

lançámos um repto a todos os outros partidos para que um tema com esta importância pudesse ter uma

maturação mas também uma celeridade no encontro de uma solução que vá responder aos problemas reais

das famílias.

Temos, hoje, mais de 145 000 famílias que estão em incumprimento no crédito à habitação.

O Sr. João Semedo (BE): — Bem lembrado!

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Recebemos o contacto de muitas delas no Grupo Parlamentar do

Bloco de Esquerda e muitas delas perguntaram quando haverá uma mudança legislativa, porque o que é óbvio

e o que é legítimo é que, na prática, haja uma repartição da partilha do risco.

É que essas famílias, quando pediram um crédito à habitação, sujeitaram-se às regras bancárias. A banca

impôs as avaliações, assim como quem iria fazê-las. Era a banca que dizia qual era a empresa de avaliação,

era a banca que tomava como justo o resultado da avaliação feita por essa empresa e era a banca que,

depois, até impingia um cartão de crédito, seguros de vida e toda uma parafernália associada ao crédito à

habitação. E as famílias cumpriram com tudo isso.

Agora, fruto da crise, do desemprego e da degradação dos rendimentos, as famílias querem que haja uma

partilha do risco. Ora, é isto que está em cima da mesa e foi isto, aliás, que o Bloco de Esquerda propôs nas

suas soluções legislativas. Vemos agora que parte das propostas do Partido Socialista vão no mesmo sentido.

Por isso, saudamos esta abertura.

Porém, não compreendemos como é que, mês e meio depois, ainda não foi possível todos os partidos

terem em cima da mesa as suas opiniões para termos uma solução para estes casos. É que, mês e meio

depois, continuamos com a proposta do Bloco de Esquerda, agora, com a proposta do Partido Socialista e

apenas com ideias da parte da direita e dos partidos que sustentam o Governo.

Trata-se de uma urgência nacional, há famílias que não podem esperar pelo dia de amanhã e que, hoje

mesmo, querem soluções.

Por isso, a pergunta que lhe deixo é se não considera que já estamos atrasados para responder a um

problema que, hoje em dia, bate à porta de muitas famílias.

Aplausos do BE.

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A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Cordeiro.

O Sr. Duarte Cordeiro (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, quero agradecer a sua

intervenção e dizer que partilhamos inteiramente duas observações suas quanto à urgência de respostas.

Temos de cumprir os prazos regulamentares, nomeadamente do Parlamento. A proposta do Bloco de

Esquerda baixou à comissão, sem votação, pelo que temos esse período para concertar, e faço votos que as

propostas de outros partidos — e tenho ouvido as declarações de alguns Deputados do PSD e do CDS sobre

esta matéria — vão no sentido certo. Aguardamos também que este prazo não seja dilatado, porque as

respostas são absolutamente necessárias.

Também partilhamos da observação que foi feita quanto à necessidade de se encontrar dois tipos de

respostas no que diz respeito à entrega das casas em situação de incumprimento. Para aquelas famílias que

estão numa situação muito complicada do ponto de vista social, que estão no desemprego e que veem a sua

casa ser vendida em hasta pública por um valor que não é suficiente para a dívida, ou seja, para aquelas

famílias que, depois de perderem a casa e estarem numa situação de pobreza, numa situação de

desemprego, ainda ficam com uma dívida em cima de toda esta situação,…

Vozes do PS: — Uma vergonha!

O Sr. Duarte Cordeiro (PS): — … não nos parece que esta seja uma forma de resolver um problema, de

encontrar uma solução, e parece-nos que o País não pode andar para a frente se deixar para trás alguns

portugueses.

Um segundo aspeto muito importante é, como o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares disse, a partilha do

risco. Ou seja, em relação a todas as pessoas, sem exceção (exceto, talvez, para os imóveis de luxo), temos

de assegurar que há uma maior partilha da responsabilidade com o avaliador e a banca. Independentemente

de aceitarmos que há uma garantia, de aceitarmos que não foi esse o objeto do contrato, independentemente

disso, quando existe uma desvalorização agressiva de uma garantia, acho que tem de haver um mecanismo

que também proteja as pessoas. Não podem ser apenas as pessoas os responsáveis pelo encaixe de uma

fortíssima desvalorização no mercado imobiliário e, para isso, também encontramos resposta no tal regime

complementar que apresentamos.

Porém, volto a dizer: estamos disponíveis para soluções, mas temos de encontrar soluções para estes

problemas. Será difícil dizer que temos soluções se não encontrarmos soluções para estes problemas.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Adolfo Mesquita Nunes.

O Sr. Adolfo Mesquita Nunes (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Duarte Cordeiro, quero também

saudar a sua declaração política e as propostas que o Partido Socialista apresenta nesta matéria.

É entendimento do CDS que o crédito à habitação, tal qual está, não é um mercado equilibrado entre as

partes. Entendemos, até para ser mais claro, que os contratos são, em muitos aspetos, leoninos face a quem

recorre ao crédito e estamos, portanto, disponíveis para reequilibrar, quer pensando nos créditos futuros quer

pensando nos contratos já atuais, as posições entre as partes.

Não existe, por isso, da nossa parte, qualquer espécie de preconceito. Antes pelo contrário, achamos que

podemos até propor ao Partido Socialista, na senda daquilo que são as vossas propostas, ir mais além. Por

exemplo, quanto a uma das propostas que fazem, da dação em cumprimento, penso que poderemos estudar a

possibilidade de não estarmos perante uma situação transitória ou temporária, ou até de conseguirmos alargar

esse princípio a princípio geral, e não estabelecer um princípio para determinadas circunstâncias.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

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O Sr. Adolfo Mesquita Nunes (CDS-PP): — É também importante que se esclareça, com estas reformas

que temos para fazer, que a posição e a atuação do banco não pode mudar de acordo com as circunstâncias

e as suas conveniências.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Adolfo Mesquita Nunes (CDS-PP): — Portanto, também estamos a preparar propostas nesse

sentido.

O atraso a que o Bloco de Esquerda faz referência das propostas da maioria (que não é atraso, porque,

como o Sr. Deputado bem referiu, estamos dentro dos prazos) tem a ver com o facto de algumas destas

propostas poderem ter efeitos secundários perversos que se viram contra as famílias.

Pode ficar muito bem na televisão apresentar uma proposta que, em princípio, vem proteger as famílias,

mas que, depois, está mal pensada e mal estruturada. Foi isso que considerei que acontecia com a proposta

do Bloco de Esquerda, que era aplicável a quem perdesse 50% do seu rendimento.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Estamos abertos ao diálogo!

O Sr. Adolfo Mesquita Nunes (CDS-PP): — Pergunto-lhe, Sr. Deputado, se acha que quem ganha o

salário mínimo vai ficar privado de 50% do seu rendimento, a não ser que vá para o desemprego. E também

lhe pergunto se acha que só se pode olhar para o rendimento e não para a totalidade do património que a

pessoa tem.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Estamos abertos ao diálogo!

O Sr. Adolfo Mesquita Nunes (CDS-PP): — Se tivermos de estabelecer esse princípio só para situações

específicas, temos de encontrar um rácio que seja mais justo do que essa solução de qualquer patrão diminuir

o rendimento da pessoa em 50% para ela poder utilizar a dação em cumprimento.

Quero fazer-lhe uma pergunta específica relativamente à resolução do fundo de garantia. Não considera

que o fundo de garantia, tal qual o Sr. Deputado o anunciou, pode virar-se contra as famílias, no sentido em

que não são os bancos com certeza que vão incorporar os custos que vão ter com este fundo de garantia e,

portanto, vão fazer repercutir esses custos sobre quem vai pedir o crédito à habitação? Ou seja, não

estaremos aqui a criar uma espécie de um aparato burocrático que vai virar-se contra as famílias e não

teremos aqui, de certa forma, uma situação em que aqueles que cumprem estão a ver encarecido o seu

crédito para poder proteger ou ajudar aqueles que não cumprem?

A Sr.ª Presidente: — Queira terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Adolfo Mesquita Nunes (CDS-PP): — Termino já, Sr.ª Presidente.

Quero manifestar, como já manifestei, a nossa abertura. De facto, não temos nesta matéria qualquer tipo

de preconceito e, provavelmente, estamos até dispostos a ir mais longe do que aquilo que o Sr. Deputado aqui

anunciou.

Aplausos do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Cordeiro.

O Sr. Duarte Cordeiro (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Adolfo Mesquita Nunes, quero agradecer-lhe

a sua questão e dizer que saudamos, neste caso, com alguma veemência, o CDS pela declaração que acabou

de fazer, pois achamos que é fundamental para encontrar respostas nesta matéria. Temos também

acompanhado as declarações que o Sr. Deputado tem feito na imprensa, as quais, parece-me, vão no sentido

certo.

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Em relação à dação em cumprimento, gostaria de dizer que, obviamente, o Partido Socialista,

independentemente de ter proposto uma solução excecional no tempo, durante a vigência do Programa de

Assistência, propôs também a possibilidade de esta solução ser reavaliada no futuro, após este período. Ou

seja, é entendimento do Partido Socialista que é possível encontrar esta solução para os contratos que já

foram celebrados, daqui para a frente. Não obstante, é demonstrativo da nossa vontade chegar a um

entendimento relativamente a algumas das reservas que fizemos na proposta inicial.

Assim sendo, claro que estamos disponíveis para alterar, desde logo, essa proposta. Aliás, a sentença do

tribunal de Portalegre vem fazer-nos pensar (julgo que a todos os grupos parlamentares) sobre aquilo que são

as propostas que fazemos, porque não podemos ter arbitrariedade que seja decidida em função dos tribunais.

Temos, sim, de encontrar aqui respostas e regular esta matéria. Portanto, a nós, também nos alertou bastante

a sentença proferida pelo tribunal de Portalegre.

Quero agora centrar-me no fundo de garantia para esclarecer as nossas propostas. Primeiro, é de reparar

que apresentámos um projeto de resolução e não um projeto de lei. Porquê? Porque entendemos que é algo

que deve ser estudado e reavaliado para que dê resultado. Portanto, ao fazer um projeto de resolução,

estamos a fazer uma recomendação ao Governo para que consiga, de algum modo, tornar realidade este

fundo.

Gostaria de voltar a dizer que é perfeitamente possível definir na lei qual é a proporção da contribuição da

banca e qual é a proporção da contribuição do detentor do crédito à habitação para o fundo.

Também é possível — e recomendamo-lo no projeto de resolução — definir que a banca é responsável

pela capitalização inicial do fundo, ficando com créditos sobre o mesmo, a exercer ao longo do período de vida

do fundo. Esta é uma forma de encontrar uma solução para o curto prazo.

Devo relembrar que o Orçamento do Estado para 2009 previa 150 milhões de euros para a moratória que

tinha uma abrangência de cerca de 2500 famílias. Se tivermos em consideração que o somatório das

prestações anuais do crédito à habitação, em Portugal, é de cerca de 10 000 milhões de euros, podemos

facilmente constatar que não é preciso uma contribuição muito significativa para a constituição deste fundo

com esta abrangência. E é este o nosso objetivo.

Portanto, também em relação a esta matéria, é fundamental a existência de um fundo cujo objetivo seja

exclusivamente o de encontrar um período de carência (o que não nos parece nada anormal, no que diz

respeito ao mercado financeiro, porque a banca tem produtos com carência, e, portanto, se a banca

comercializa produtos com carência, é porque a carência é algo perfeitamente interiorizável do ponto de vista

do negócio financeiro), para dar tempo às famílias para se adaptarem e evitarem o incumprimento, para que o

incumprimento não aconteça, para que as famílias possam voltar a encontrar emprego e reequacionar o seu

orçamento. É fundamental prevenir o incumprimento, pois, às vezes, como sabemos, quando entramos em

incumprimento, os juros são galopantes, pois são calculados sobre o total da dívida e não só sobre as

prestações em atraso.

Assim sendo, sobre esta matéria, estamos disponíveis para qualquer sugestão do CDS, sendo que o nosso

objetivo é muito claro: nos objetivos, não seremos flexíveis; nas soluções, desde que tenhamos respostas

satisfatórias, claro que sim.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Duarte Cordeiro, cumprimento-o por

esta intervenção.

Há alguns dias, anunciámos que também apresentaremos propostas que estamos a ultimar, procurando

que sejam o mais adequadas possível à situação que estamos a viver e indo no caminho que também referiu.

Isto é, precisamos encontrar soluções que tenham impacto real, não podem ser soluções que se apliquem

apenas de forma residual porque isso não vai resolver um problema gravíssimo que está, neste momento, a

ocorrer na sociedade portuguesa.

Vozes do PCP: — Muito bem!

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): — E é desse princípio que temos de partir, ou seja, de soluções efetivas

e com impacto real e não com impacto residual.

É preciso pormos à cabeça que, como é evidente, estamos a falar de uma situação contratual mas, antes

disso, estamos a falar do direito à habitação das pessoas. Estamos a referir-nos todos, penso, a situações de

habitação própria permanente, da casa de morada de família, da casa onde as pessoas vivem, que, se for

perdida, cria um terrível sobressalto na vida das pessoas. E é isso que temos de procurar salvaguardar.

Entendemos que, em primeiro lugar, o problema que se tem de pôr é o de encontrar as soluções mais

avançadas possíveis para que a casa se mantenha com as pessoas. É aí que deve ser feito o fundamental do

esforço, porque esse é o principal problema a resolver e a garantir. E julgo que isso até não será

completamente fora do interesse das instituições bancárias, se tiverem uma postura não gananciosa sobre o

problema, porque penso que não quererão ter um impacto ainda maior do que já têm com a devolução de

habitação, que depois não conseguem acondicionar.

O fundamental é, de facto, o direito à habitação e, portanto, a primeira linha de intervenção tem de ser a

garantia de que, por via de uma moratória, de condições especiais, de períodos de carência, de várias formas

flexíveis e adaptadas a cada situação, correspondendo a situações de desemprego, de salários em atraso, de

quebra forte do rendimento, a casa se mantenha com as pessoas.

Uma segunda linha, que o Sr. Deputado aqui referiu também, tem a ver com a questão de impedir

alterações abusivas do contrato, porque estamos perante uma relação que não tem muito de equilibrada. Na

prática, a maioria dos contratos que se fazem nesta matéria são contratos de adesão. A família que vai

contratar quase não tem hipótese de fugir às condições impostas pelo banco e é muito injusto que, depois, a

violação de qualquer uma, mesmo que pequena, dessas condições legitime uma alteração substancial da taxa

de juro e do spread.

Finalmente, é preciso também pensar no que está no fim da linha, quando já mais nenhuma hipótese se

coloca, que é a questão de não poder haver dívida remanescente quando se entrega a casa que é o objeto

que foi alvo do crédito e da garantia.

É nesse sentido que trabalharemos afincadamente nos próximos dias, para contribuir também com a nossa

proposta.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Duarte Cordeiro.

O Sr. Duarte Cordeiro (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, agradeço a sua

intervenção.

Partilhamos todos dos mesmos objetivos. Vamos ver se conseguimos encontrar respostas satisfatórias.

Estou convencido que sim. Haja boa vontade e haja inteligência.

Partilho inteiramente do comentário do Sr. Deputado, quando diz que os bancos são os principais

interessados em que não haja um nível de incumprimento muito elevado. Portanto, para que esse nível de

incumprimento não aconteça, também os bancos têm de ser chamados a uma resposta. Considerar que

podemos encontrar respostas nesta matéria sem a participação dos bancos é uma ilusão e é uma

ingenuidade.

Todas as propostas que o Partido Socialista apresenta não têm impacto orçamental. Não é que não

pudessem ter, porque, efetivamente, em determinados aspetos, os riscos sociais de todas estas matérias

acabam por ter impacto orçamental. Portanto, por vezes, até poderíamos prevenir alguns desses impactos na

despesa. Dou o exemplo da moratória: a proposta do PS não propõe qualquer contribuição do Estado, mas no

passado a contribuição era apenas do Estado, no valor de 150 milhões de euros. Ou seja, por acaso,

apresentamos propostas sem impacto orçamental e acreditamos que há inteligência da parte de todos para

encontrarmos respostas.

Também concordo inteiramente que — para ser simpático — a renegociação dos contratos de habitação

não é praticada pelo menos na dimensão do que deveria. Se alterarmos um conjunto de aspetos, tenho a

certeza que vamos conseguir que haja mais renegociação, uma renegociação saudável entre as famílias e a

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banca. Efetivamente, neste momento, há pouco risco para a banca e, portanto, há pouco interesse na

renegociação.

Relembro o caso concreto que tem surgido nos jornais, que é o dos divórcios. Como é possível que, numa

situação de divórcio, em que há uma família destruturada, por vezes até com mais despesas, o banco

aumente o spread cinco vezes? Esta situação é uma autoestrada para o incumprimento, isto é mesmo pedir

que a família entre em incumprimento. Não o podemos permitir!

Há ainda outros fatores que podem ser renegociados num contrato. Tem de haver inteligência num

momento de crise e esta é uma matéria para a qual espero que tenhamos capacidade de encontrar uma

resposta.

Volto a dizer que partilho inteiramente dos objetivos e das soluções. Venham as propostas do PCP, que

tenho a certeza que virão no bom sentido.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, terminam, assim, as declarações políticas e passamos ao ponto

seguinte da ordem do dia, que consiste na apreciação do Decreto-Lei n.º 44/2012, de 23 de fevereiro, que

integra a Maternidade Dr. Alfredo da Costa e o Hospital Curry Cabral no Centro Hospitalar de Lisboa Central

[apreciação parlamentar n.º 10/XII (1.ª) (PCP)].

Para abrir o debate pelo partido requerente da apreciação parlamentar, tem a palavra o Sr. Deputado

Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A questão da Maternidade Alfredo da

Costa pode definir-se como um processo de encerramento em curso. Foi assim que foi anunciado pelo

Governo e é assim que o Governo está a procurar concretizar.

Na verdade, isso só não acontece com maior velocidade porque o levantamento popular dos profissionais,

dos utentes, de tanta gente de tantos quadrantes políticos, profissionais e sociais que tem contestado este

criminoso encerramento tem criado dificuldades às intenções do Governo.

O decreto que hoje aqui apreciamos é uma espécie de decreto que institui o processo liquidatário da

Maternidade Alfredo da Costa e, aliás, também do Hospital Curry Cabral, porque anuncia que, ao integrá-los

no Centro Hospitalar de Lisboa Central, se procede à extinção destas instituições, e é isso que não podemos

aceitar.

Não podemos aceitar que isso se verifique porque uma coisa é discutir a reorganização das respostas em

saúde na Área Metropolitana de Lisboa, outra coisa é partir da decisão de encerrar a Maternidade Alfredo da

Costa, como o Governo fez, e depois inventar argumentos descabidos para justificar essa decisão prévia.

Ninguém explicou ainda como é que se justifica esta ideia de que os partos vão passar de 6000 para 3000

por ano, quando até agora, no ano de 2012, já nasceram mais de 1400 bebés na Maternidade Alfredo da

Costa.

Ninguém compreende que o critério de encerramento se aplique por causa do número de partos, ignorando

todo um conjunto de especializações, de valências, de serviços únicos no País que a Maternidade Alfredo da

Costa tem.

Ninguém compreende que se invoque a necessidade de encerrar a Maternidade por causa do novo

hospital de Todos-os-Santos, quando a sua construção está adiada sine die e o Governo não se compromete

com qualquer data, com qualquer calendário ou com qualquer processo de construção desse novo hospital.

Este processo de encerramento foi, ontem, na manifestação do 1.º de maio, definido com precisão por um

conjunto de profissionais e utentes que se manifestavam em defesa da Maternidade Alfredo da Costa: «A

MAC encerrar é o privado a lucrar!».

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Exatamente!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É esta a verdadeira intenção que está por detrás da ofensiva do

Governo contra a Maternidade Alfredo da Costa: criar um espaço para as maternidades privadas a quem não

é exigido um número mínimo de partos, porque só duas em todo o País, segundo um estudo de há alguns

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anos da entidade reguladora, têm os 1500 partos por ano, que o Governo definiu como critério sacrossanto,

mas com o encerramento da MAC certamente teriam um mercado muito maior. É isso que queremos evitar.

Uma instituição que tem uma sabedoria, um conjunto de equipas de profissionais e um todo integrado não

pode ser espartilhada, não pode ser destruída. Tem de ser preservada, tal e qual foi nos últimos 80 anos!

Aplausos do PCP.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Guilherme Silva.

O Sr. Presidente: — Antes de dar a palavra ao orador seguinte, quero cumprimentar o Sr. Secretário de

Estado da Saúde e a Sr.ª Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares.

Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Nuno Reis.

O Sr. Nuno Reis (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª e Sr. Secretários de Estado, Sr.as

e Srs. Deputados:

Discute-se hoje, por iniciativa do PCP, o decreto-lei que integra a Maternidade Alfredo da Costa e o Hospital

Curry Cabral no Centro Hospitalar Lisboa Central.

É importante que se diga que a criação do Centro Hospitalar Lisboa Central, em 2007, permitiu obter

economias de escala, criar sinergias e poupar recursos, sem prejudicar a qualidade dos cuidados de saúde.

A recomposição deste Centro Hospitalar vai permitir ajustar progressivamente a oferta de cuidados de

saúde à procura existente e ao perfil funcional do futuro hospital de Todos-os-Santos, que o próprio Ministro da

Saúde já assumiu como uma prioridade.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Para quando?

O Sr. Nuno Reis (PSD): — Mas esta apreciação parlamentar, mais do que discutir a necessária

reorganização hospitalar da área de Lisboa e Vale do Tejo para os próximos anos, tem por prisma uma visão

parcelar deste tema.

Será viável manter a Maternidade Alfredo da Costa como unidade autónoma e sem integração no Centro

Hospitalar Lisboa Central, como pretende o PCP com esta apreciação parlamentar?

A Área Metropolitana de Lisboa tem hoje unidades de saúde com capacidade para realizar 28 000 partos

ano para uma procura de apenas 21 000.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Isso inclui as privadas, não é?

O Sr. Nuno Reis (PSD): — Dado o abaixamento dos índices de natalidade, esta tendência de subutilização

dos serviços tenderá a acentuar-se.

Convém igualmente lembrar que foram feitos investimentos de mais de 40 milhões de euros no edifício

materno-infantil do Hospital São Francisco Xavier, o qual está aproveitado apenas a metade da sua

capacidade de utilização.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Nuno Reis (PSD): — Se considerarmos que a Maternidade Alfredo da Costa, para garantir a

normalidade do seu funcionamento, está a necessitar de obras, a decisão de se integrar esta unidade no

Centro Hospitalar Lisboa Central é uma medida de gestão correta e obedece a critérios de natureza técnica.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Nuno Reis (PSD): — Por outro lado, a abertura do Hospital de Loures tem um impacto estimado de

25% na produção do Centro Hospitalar Lisboa Norte, que integra o Hospital de Santa Maria.

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Nessa medida, optar por manter a MAC tal como está obrigaria, na prática, à desclassificação da

maternidade de um hospital universitário, como o Hospital de Santa Maria, com as consequências daí

advenientes para um hospital que forma futuros profissionais.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Demonstre isso!

O Sr. Nuno Reis (PSD): — Mesmo em termos de recursos humanos, as coisas não podiam continuar

como estavam. Na realidade, desde junho de 2011 que a atividade da MAC tem vindo a ser apoiada pelas

equipas médicas do Hospital Dona Estefânia.

A reorganização das áreas de influência dos hospitais na área de Lisboa e Vale do Tejo poderá ainda

ajudar a combater a falta crónica de especialistas de ginecologia e obstetrícia no Hospital Garcia de Orta.

Atentas estas considerações, importa que a necessária reafectação de médicos e enfermeiros seja feita de

forma a manter as competências e o saber especializado.

Quer o Governo quer a Administração Regional de Saúde (ARS) deixaram já bem claro que as equipas de

especialistas da MAC associadas à procriação medicamente assistida, ao diagnóstico pré-natal e aos

cuidados intensivos de neonatologia serão mantidos, assegurando uma continuidade da resposta

especializada nessas áreas.

Não se trata de reduzir serviços nem de racioná-los, como alguns, com o alarmismo irresponsável e a

demagogia habitual, pretendem fazer crer. Trata-se de adequar os recursos disponíveis à procura potencial

para obter os melhores resultados em termos de qualidade dos cuidados de saúde e eficiência e eficácia de

gestão.

As crianças de Lisboa, ao contrário do que alguns querem fazer crer, continuarão a nascer com a qualidade

e a segurança de hoje e as mães continuarão a dispor dos melhores cuidados de saúde que fizeram do nosso

País um exemplo em termos de indicadores de mortalidade infantil.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Semedo.

O Sr. João Semedo (BE): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as

e Srs. Deputados: Já se

percebeu que, no vocabulário do Governo, integração, fusão ou articulação significam fecho ou encerramento.

É assim na região do Oeste, foi assim no Médio Tejo, está a ser assim em Coimbra e é claramente assim em

Lisboa.

O Governo integrou a Maternidade no Centro Hospitalar de Lisboa Central apenas para a fechar. Não foi

para a integrar ou para a articular nos serviços do hospital geral, foi para a fechar, para a encerrar. Hoje

percebemos o significado desse decreto-lei.

É, portanto, um decreto-lei baseado numa decisão tomada com reserva mental, de má-fé, às escondidas,

sem objetivos claros e transparentes, e é extraordinário que hoje o grande argumento do Governo seja o de

que a Maternidade Alfredo da Costa tem partos a mais. Ora, sempre ouvi dizer que era preciso fechar algumas

maternidades não porque tivessem partos a mais mas porque tinham partos a menos.

Aliás, ainda estou para perceber o que é que aconteceu nessa bancada e no PSD para, há três anos,

fazerem vigílias contra o encerramento de pequenas maternidades e, agora, estarem a favor do encerramento

da maior maternidade do País!

Temos de reconhecer que isso não é uma «cambalhota», é um «parto» extraordinário de mudança. Penso

que isso é extraordinariamente fantástico, mas o debate ajudar-nos-á a esclarecer esta matéria.

A Maternidade Alfredo da Costa é, como sabemos, a Maternidade com o maior número de partos do País.

Vamos só pensar na área de Lisboa: porque é que os Srs. Deputados e o Governo pensam que isto acontece?

Não há qualquer decreto, não há nenhuma lei, não há nenhuma imposição, não há nenhuma obrigação para

que as mães tenham os seus filhos na Maternidade Alfredo da Costa. Então, o que é que acontece para ser a

maior Maternidade de Lisboa? Trata-se de uma opção voluntária das mulheres, das mães, dos pais, das

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famílias de Lisboa e, mais importante do que isso, dos médicos, que referenciam as grávidas e as futuras

parturientes para a Maternidade Alfredo da Costa.

Os senhores ignoram tudo isso. E quem governa contra a realidade não vai dar-se bem, como aliás já

todos percebemos, e este caso da MAC vai marcar o destino deste Governo.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel

Pizarro.

O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as

e Srs. Deputados: No

domínio da saúde materno-infantil, Portugal é um caso de sucesso. Nas últimas décadas, governos sucessivos

adotaram políticas com uma forte orientação técnica, o que nos permitiu alcançar resultados que comparam

muito bem no plano internacional: para um Governo que tanto se queixa da herança, 2,6 é a pesada herança

deste Governo em matéria de taxa de mortalidade infantil, que, em 2010, teve um dos melhores resultados do

mundo.

Por isso, recomendo que todas as alterações no sistema de apoio à saúde materno-infantil sejam

realizadas com prudência, com adequada ponderação e com sustentação técnica. Aliás, o que mais espanta

na decisão do Governo de desmantelar a MAC, espalhando as suas unidades por várias outras unidades

hospitalares, é a falta de ponderação adequada.

Saúdo o Partido Comunista por ter trazido este assunto a debate, mas a questão não está na integração da

MAC no Centro Hospitalar de Lisboa Central. Há até uma incoerência do ponto de vista do Governo, pois a

integração da MAC no Centro Hospitalar de Lisboa Central só pode ser um sinal de manter a MAC intacta para

ser posteriormente integrada no futuro hospital de Lisboa Oriental.

Aplausos do PS.

O que é completamente incoerente é o Governo integrar a MAC no Centro Hospitalar de Lisboa Central e,

ao mesmo tempo, anunciar, ainda que de forma não oficial, que se prepara para desmantelar a MAC. Esta é

que é uma contradição sem solução.

Em matéria de saúde materno-infantil, não falamos apenas de partos. A MAC é, de facto, a maior sala de

partos do País, mas é muito mais do que isso; é também um farol de qualidade no nosso Serviço Nacional de

Saúde, é a partir dos serviços da MAC que se formam centenas, milhares de profissionais que ajudam a

manter o serviço de saúde com os níveis de qualidade que tem em matéria de saúde materno-infantil.

Assim, esta decisão é imponderada. Senão, vejamos: não foi o Governo que anunciou, em setembro do

ano passado, a nomeação de uma comissão para tratar da reorganização dos hospitais?! Já há relatório dessa

comissão?! Já há uma decisão tomada?! Como é que é possível que o Governo, por um lado, anuncie a

criação de uma comissão para fazer a sustentação técnica das decisões e, depois, anuncie decisões

alarmistas a conta-gotas?! Só que, neste caso, o incendiário é o Ministério da Saúde e o Governo e não os

partidos da oposição, ao contrário que pensam os partidos que sustentam o Governo neste Parlamento!|

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa

Caeiro.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do governo, Srs. Deputados: Comecei

por não compreender muito bem porque é o Partido Comunista pediu esta apreciação parlamentar. Porém,

depois das três intervenções das esquerdas, fiquei a compreender muito bem.

Em primeiro lugar, quis capitalizar este assunto sensível, que é a Maternidade Alfredo da Costa. E os

senhores são sempre peritos em utilizar o Regimento da forma mais útil possível.

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Em segundo lugar, já valeu a pena, porque nunca tínhamos ouvido as esquerdas dizerem tantas vezes a

palavra «bebé» e a expressão «bebés que nasceram». Noutros debates não falavam tantas vezes assim!

Protestos da Deputada do PCP Rita Rato.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Também nascem bebés à esquerda!

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Em terceiro lugar, os senhores aproveitam para conjugar o vosso verbo

preferido: «desmantelar».

Dirijo-me agora ao Sr. Deputado Manuel Pizarro, que é socialista, que pertence à bancada socialista, que

integrou um governo socialista e, mais, que foi Secretário de Estado da Saúde de um governo socialista: é ou

não verdade que, no governo do PS, o Ministério da Saúde e os seus antecessores já tinham intenções de

reformular a organização das unidades de saúde de Lisboa Central?

Relembro que esta apreciação parlamentar refere-se ao decreto-lei que integra o Hospital Curry Cabral e a

Maternidade Alfredo da Costa no Centro Hospitalar de Lisboa Central, e sobre esta matéria nem uma palavra

dos Srs. Deputados do Partido Comunista, do Bloco de Esquerda ou do Partido Socialista. Porquê? Porque os

senhores querem «cavalgar» esta «onda», que é uma «onda» fácil. Mas sabem, Srs. Deputados (e teremos

oportunidade de falar desta matéria quando for oportuno), a Maternidade Alfredo da Costa tem demasiado

prestígio para ser utilizada pelos senhores como uma arma de arremesso político, como uma arma panfletária,

apelando ao sentimento superficial, barato e infundado.

Vozes do CDS-PP e do PSD: — Muito bem!

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Os senhores, uns como médicos, outros como Deputados que

trabalham na Comissão de Saúde há muito tempo, e o Sr. Deputado Manuel Pizarro como ex-governante,

tinham obrigação de serem mais sérios a lidar com esta matéria.

Os Srs. Deputados do Partido Comunista, perante a incapacidade de conjugar o verbo «racionalizar» — é

disso que se trata —, pensam que se está a querem racionar. Mas não, o que está a querer é racionalizar.

Gostaria que o Sr. Deputado Bernardino Soares nos explicasse em que lado do mundo é que faz sentido

que haja seis hospitais só na zona nuclear e central de Lisboa!

O Sr. João Semedo (BE): — Seis?! Quais seis?!

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Seis, para uma população de menos de 300 mil residentes. Gostaria

que me explicasse onde é que está a racionalidade. Se não souber o que é que significa este termo, tenho

todo o gosto em enviar-lhe uma definição enciclopédica.

Pergunto-lhe ainda, Sr. Deputado: porque é que os senhores não apresentaram um pedido de apreciação

parlamentar na altura da integração do Hospital de São José, do Hospital dos Capuchos e do Hospital de

Santa Marta no Centro Hospitalar de Lisboa Central? Porque na altura não se falava na MAC, não é verdade?

O Sr. Deputado Bernardino Soares sabe — e sabe que eu sei que o Sr. Deputado sabe — que, com este

número de habitantes e com este número de unidades hospitalares, tem de haver uma melhor gestão, uma

melhor sinergia, uma melhor distribuição dos recursos humanos e técnicos, tem de ser unificada a parte

administrativa e tem de ser feita uma melhor distribuição dos profissionais pelas áreas terapêuticas

transversais e pelas especialidades.

O Sr. João Semedo (BE): — Tanta asneira!

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — O Sr. Deputado sabe isso perfeitamente e há de explicar-me porque é

que, de repente, esta integração lhe causa tanta urticária.

Não estamos a fazer projeções apocalíticas, que é o que os senhores gostam de fazer — esta é uma

oportunidade para os senhores debitarem as vossas profecias do terror —, estamos a falar do decreto-lei que

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integra o Hospital Curry Cabral e a MAC no Centro Hospitalar de Lisboa, onde, repito, para 300 mil pessoas,

existiam seis unidades hospitalares.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. João Semedo (BE): — É falso!

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da

Saúde.

O Sr. Secretário de Estado da Saúde (Manuel Ferreira Teixeira): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs.

Deputados: De facto, a junção do Hospital Curry Cabral e da MAC no Centro Hospitalar de Lisboa Central é

um ato absolutamente natural e racional.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Natural como nascer!…

O Sr. Secretário de Estado da Saúde: — É um ato natural dado que se segue, de forma correta, à criação

do Grupo Hospitalar do Centro de Lisboa, operada no princípio de 2011.

É certo que esse Grupo Hospitalar do Centro de Lisboa mantinha o caráter jurídico das instituições, que

agora — e isto é que é novo — passam a integrar de forma plena o centro hospitalar.

É também uma evolução absolutamente natural porque se baseia na estratégia de reorganização da oferta

hospitalar de Lisboa, que se centra em dois vetores.

O primeiro é o reforço da oferta hospitalar nas zonas limítrofes da Grande Lisboa, através da abertura do

novo hospital de Cascais, do novo hospital de Loures e, no princípio de 2013, de um novo hospital de Vila

Franca.

O segundo vetor é a organização da oferta hospitalar de Lisboa em três polos: o polo relacionado com o

Centro Hospitalar Lisboa Norte, o polo associado ao Centro Hospitalar Lisboa Ocidental e o polo associado ao

novo hospital de Todos os Santos.

De facto, o Centro Hospitalar de Lisboa Central é o grande embrião do novo hospital oriental, cuja criação

teve como horizonte esse novo hospital.

O denominado plano de negócios, acoplado ao decreto-lei que aprovou a constituição deste novo centro

hospitalar, tem, de forma expressa, esse horizonte associado ao novo hospital de Loures, cuja data abertura é

2015.

O plano prevê também a forma como será feita a transição das atuais unidades para esse novo hospital, a

qual é muito complexa, em particular nas áreas em que existe excesso de oferta hospitalar.

Como penso que sabem, sempre que existe excesso de capacidade de oferta, existe, em simultâneo, a

escassez de recursos. Isto parece um paradoxo, mas é assim. O excesso de capacidade está associado à

escassez artificial de recursos, a custos desnecessários e, assim sendo, à criação de rendas absolutamente

inaceitáveis.

O plano prevê que, nessas áreas em que existe excesso de capacidade, ele tenha de estar resolvido até à

abertura do novo hospital.

Uma das áreas em que existe excesso de capacidade é a de obstetrícia, existindo vários indicadores que o

atestam. Assim, é imperioso que o Governo proceda à reorganização da área da obstetrícia na cidade de

Lisboa.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado

Manuel Pizarro.

O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido

Socialista nada tem a opor à integração da Maternidade Alfredo da Costa no Centro Hospitalar de Lisboa

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Central. Consideramos é que há uma incoerência insanável, que o Governo tem de explicar, entre a decisão

de integração e a de desmantelamento da Maternidade. Isso é que não faz nenhum sentido.

Aplausos do PS.

Estamos de acordo com a integração. Do nosso ponto de vista, a integração da MAC neste Centro

Hospitalar é o caminho para a integração dos serviços da MAC, porque o que conta na MAC não é o edifício, o

que conta são as pessoas, são as equipas, é o saber acumulado ao longo destas décadas de trabalho de

grande qualidade, e essas equipas devem ser integradas no futuro hospital de Lisboa oriental, no futuro

hospital de Todos os Santos. Essa é que é a nossa perspetiva e essa é que é a incoerência que o Governo

não resolve, porque toma medidas com um sentido e anuncia medidas com um sentido oposto. Isso é que não

faz nenhum sentido.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado

Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Quero

agradecer ao Sr. Secretário de Estado porque me ajudou a responder à Sr.ª Deputada Teresa Caeiro ao

salientar que, de facto, este diploma prevê a extinção da Maternidade Alfredo da Costa. Está escrito, logo no

artigo 1.º, que diz respeito ao objeto: «O Hospital Curry Cabral e a Maternidade Dr. Alfredo da Costa, criada

pelo Decreto-Lei n.º 20/395, de 17 de Outubro, de 1931, são extintos». É o que se diz aqui.

Sei, Sr.ª Deputada, que isto podia ser outra coisa se não estivéssemos num processo de encerramento da

Maternidade Alfredo da Costa.

Mas se é publicado um decreto-lei com a extinção jurídica e o Governo anuncia a extinção de facto, o que

quer que pensemos sobre o assunto? Que a Maternidade não vai encerrar? Então, se é assim, porque é que o

Governo anunciou esse encerramento?

A Sr.ª Deputada talvez não tenha reparado, mas não acordámos para isto há 15 dias, porque este pedido

de apreciação parlamentar foi entregue no dia 21 de março, antes ainda do anúncio do Governo.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Na mesma altura do anúncio!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Não, não, isso foi há 15 dias, este pedido de apreciação parlamentar

foi entregue no dia 21 de março — pode confirmar! —, antes do anúncio do Governo.

Depois, Sr.ª Deputada, não percebi bem as suas contas, nem sobre os 6 hospitais nem sobre as 300 000

pessoas. Em primeiro lugar, o concelho de Lisboa não tem 300 000 pessoas, mas a maioria dos hospitais de

Lisboa serve também outros concelhos. Vou dar-lhe alguns exemplos.

O Hospital de S. José serve agora 100 000 pessoas da zona oriental do concelho de Loures, o Hospital de

São Francisco Xavier e o Hospital Egas Moniz servem uma parte do concelho de Oeiras e, em várias

valências…

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — E o Hospital de Loures?!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — O Hospital de Loures envolve, agora, uma nova realidade que,

naturalmente, tem de ser considerada.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Faça favor de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Vou já terminar, Sr. Presidente.

Como estava a dizer, várias valências que existem em hospitais de Lisboa não existem nos hospitais à

volta de Lisboa. E a Maternidade Alfredo da Costa é o exemplo mais característico e com mais significado

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nessa matéria, porque tem serviços únicos, e não é em Lisboa, é em todo o País. Não são só os partos que

contam, mas, mesmo assim, a Maternidade é a unidade do País com mais partos, pelo que não sei por que é

que se começa por esta unidade.

Portanto, Sr.ª Deputada Teresa Caeiro, esta apreciação parlamentar serve para propor a cessação de

vigência do diploma que extingue a Maternidade Alfredo da Costa e o Hospital Curry Cabral, porque não está

integrado num processo de reorganização séria, não existe nenhuma perspetiva em relação ao hospital de

Todos os Santos, que invocam para fechar a MAC, e, portanto, não havendo essa perspetiva séria, o que está

aqui em causa é, única e simplesmente, encerrar a Maternidade Alfredo da Costa, e isto não vamos aceitar.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de

Estado da Saúde.

O Sr. Secretário de Estado da Saúde: — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Não há alternativa à

reorganização da oferta hospitalar em Lisboa, não há alternativa à reorganização das áreas de obstetrícia e

neonatologia na cidade de Lisboa.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — E é obrigatório fechar a MAC?!

O Sr. Secretário de Estado da Saúde: — Só como exemplo, as taxas de ocupação da MAC são de 66%.

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — E então?!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Não é verdade!

O Sr. Secretário de Estado da Saúde: — É um desperdício brutal que o País não pode, de facto,

sustentar.

Em qualquer caso, aquilo a que nos propomos é fazer esta reorganização, esta reforma necessária, de

forma muito serena, com os profissionais e defendendo, em última instância, os utentes, os portugueses. É

isto que faremos! O Serviço Nacional de Saúde não nos perdoaria se não o fizéssemos e, por isso, temos de o

fazer da forma mais célere que for possível.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Srs. Deputados, está terminado este ponto da ordem de trabalhos.

Entretanto, deu entrada na Mesa, conexo com este ponto, o projeto de resolução n.º 311/XII (1.ª) — Cessação

de vigência do Decreto-Lei n.º 44/2012, de 23 de fevereiro, que integra a Maternidade Dr. Alfredo da Costa e o

Hospital Curry Cabral no Centro Hospitalar de Lisboa Central (PCP), o qual baixou à 9.ª Comissão.

Passamos ao terceiro ponto da nossa ordem de trabalhos, relacionado, aliás, com o que acabámos de

apreciar, destinado à apreciação conjunta dos projetos de resolução n.os

304/XII (1.ª) — Recomenda ao

Governo o não encerramento da Maternidade Dr. Alfredo da Costa, em Lisboa (Os Verdes), 297/XII (1.ª) —

Recomenda ao Governo o não encerramento da Maternidade Dr. Alfredo da Costa (PS), 307/XII (1.ª) —

Contra o encerramento da Maternidade Alfredo da Costa (PCP) e 310/XII (1.ª) — Recomenda ao Governo a

manutenção em funcionamento da Maternidade Alfredo da Costa nas instalações atuais, a salvaguarda da

estabilidade e integridade das suas equipas e a sua transferência para o novo hospital de Lisboa (BE).

Para apresentar o projeto de resolução do Partido Ecologista «Os Verdes», tem a palavra o Sr. Deputado

José Luís Ferreira.

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que nunca será demais

lembrar que a Maternidade Alfredo da Costa é reconhecida e distinguida pelo seu nível de diferenciação e

excelência, que também é resultado de equipas multidisciplinares altamente especializadas.

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Por outro lado, trata-se, atualmente, da maior unidade do País, no que diz respeito à assistência médica

perinatal e da saúde da mulher, constituindo uma referência no plano nacional e internacional e representando

um valioso contributo para os excelentes e notáveis padrões que Portugal atingiu nesta área.

Na Maternidade Alfredo da Costa efetua-se o maior número de partos do País, é a unidade onde é

assistido o maior número de bebés prematuros e de grávidas de risco, onde existe o maior centro público de

medicina reprodutiva de Lisboa e é também um notável local de aprendizagem e de formação de profissionais

nesta área da saúde.

Porém, e mesmo depois de o Estado ter investido milhões de euros em obras de melhoria das suas

instalações, o Governo anunciou a decisão de encerrar a Maternidade Alfredo da Costa.

Mais: estamos a falar de uma decisão não fundamentada, do ponto de vista técnico, e para a qual o

Governo não foi capaz de apresentar qualquer argumento válido, o que pode indiciar, desde logo, a presença

de outros interesses.

Mas o mais estranho é que o Governo, tendo solicitado à Entidade Reguladora da Saúde um estudo para a

reformulação da rede hospitalar, venha tomar uma decisão desta natureza, sem sequer esperar pelo resultado

desse estudo. Ora, se os estudos não servem para fundamentar as decisões, então, não servem para nada,

porque lhes escapa qualquer elemento útil, qualquer sentido útil.

Assim, ficamos sem saber o que leva o Governo a encomendar estudos, se, depois, acaba por não se

servir deles nas decisões que toma, ou seja, nem sequer espera pelas suas conclusões, isto é, decide primeiro

e depois olha para os estudos. Trata-se de uma forma estranha de tomar decisões, uma forma estranha de

trabalhar.

Portanto, bem vistas as coisas, a decisão de encerrar a Maternidade Alfredo da Costa enquadra-se na linha

de destruição do Serviço Nacional de Saúde, que o Governo tem vindo a prosseguir, porque representa sérios

prejuízos no acesso a cuidados de saúde e coloca em situação de risco centenas de postos de trabalho,

revelando, aliás, um completo desrespeito e desprezo pelos trabalhadores e pelos utentes.

Uma decisão que mereceu, aliás, o imediato protesto de profissionais, utentes e população em geral, que,

conscientes das sérias consequências que daí poderão advir, se têm manifestado em diversas ações contra o

encerramento desta instituição.

Ao contrário do que afirma o Governo, a Maternidade Alfredo da Costa realizou, em 2011, 5583 partos,

tendo havido um aumento do número de nascimentos ocorridos nesta unidade nos últimos anos. Aliás, esta

Maternidade conta já, desde o início deste ano, com cerca de 1400 partos, estimando-se, assim, que chegue a

números semelhantes aos dos anos anteriores.

Ora, estes números deitam por terra toda a argumentação do Ministério da Saúde, que se baseia

exatamente numa suposta diminuição do número de partos realizados nesta unidade, procurando, enfim,

fundamentar a sua decisão.

Diga o Governo o que disser, o que é verdade é que o encerramento da Maternidade Alfredo da Costa

apresenta-se como uma decisão inaceitável, infundada e imprudente e é evidente que trará consequências

altamente prejudiciais, do ponto de vista da diferenciação dos cuidados prestados, das especialidades

disponíveis, da condição dos profissionais envolvidos e dos interesses, estabilidade e segurança das grávidas,

dos recém-nascidos e suas famílias.

Perante isto, Os Verdes consideram necessário garantir o não encerramento da Maternidade Alfredo da

Costa, vetor fundamental da assistência materno-infantil em Portugal.

Foi, aliás, nesse sentido que a própria Assembleia Municipal de Lisboa aprovou recentemente várias

recomendações.

Em síntese, o que Os Verdes propõem, através da sua iniciativa legislativa, é que a Assembleia da

República recomende ao Governo o não encerramento da Maternidade Alfredo da Costa, garantindo, dessa

forma, que esta instituição prossiga o seu excelente e reconhecido trabalho, nas devidas condições, tanto a

nível de equipamentos como de recursos humanos, de forma a permitir a prossecução de um serviço com

resultados de referência no atendimento às grávidas, recém-nascidos e famílias, acautelando o interesse

público e dos cidadãos.

Para terminar, quero apenas dizer que Os Verdes acompanham o Partido Comunista Português na

apreciação parlamentar que esteve em discussão ainda há pouco e vão votar a favor das restantes iniciativas

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que também estão hoje em discussão, todas elas com o objetivo de contrariar a pretensão do Governo de

encerrar a Maternidade Alfredo da Costa.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para apresentar o projeto de resolução do Partido Socialista, tem a

palavra a Sr.ª Deputada Maria Antónia Almeida Santos.

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Falar da

Maternidade Alfredo da Costa é, desde logo, falar de um caso de sucesso — nos dias que correm há tão

poucos em Portugal —, e é falar de um caso de sucesso, por uma história de conhecimento, por uma história

de um centro de excelência de serviços prestados às mães e aos bebés portugueses. Aliás, não percebi a

referência da Sr.ª Deputada Teresa Caeiro aos bebés, porque é de bebés que falamos, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Infelizmente, este Governo tem sido pródigo em ser

antibebés, antipais, antimães, antitudo! Os portugueses, hoje em dia, sofrem muito com os maus-tratos que

este Governo lhes tem dado.

Aplausos do PS.

Mas vamos ao que interessa.

Fechar a Maternidade Alfredo da Costa não é só fechar uma maternidade, é fechar serviços de obstetrícia

de excelência, é fechar serviços de neonatologia de excelência, com excelentes resultados no tratamento de

bebés prematuros, é criar a possibilidade de Portugal descer num índice que nos tem orgulhado, e que tem

evoluído.

O Partido Socialista está nesta luta, pedindo ao Governo que não encerre a Maternidade Alfredo da Costa

sem estar garantida uma solução que impeça a fragmentação das suas equipas de profissionais…

O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — … e garanta a atual excelência da prestação de cuidados

na área materno-infantil de Lisboa.

A MAC tem sido um ponto de referência para a cidade de Lisboa e para o País e foi até considerada o

berço de Portugal.

Temos várias recomendações internacionais relativas à MAC e, por isso, peço, desde já, ao Sr. Presidente

o favor de fazer distribuir uma carta da European Foundation for the Care of Newborn Infants (EFCNI), que

destaca o papel de Portugal enquanto exemplo de boas práticas na saúde neonatal a nível da Europa. Solicito,

pois, ao Sr. Presidente a sua distribuição às várias bancadas e também à do Governo, no sentido de que o

Governo possa ainda ponderar o anúncio do encerramento, que nada tem de fundamentação científica ou

técnica.

Bem sabemos que é preciso aproveitar a capacidade instalada — aliás, ainda há pouco o Sr. Secretário de

Estado falava numa taxa de ocupação de cerca de 60% —, e compreendemo-lo, mas há outras soluções:

encerrem algumas enfermarias, encerrem algumas camas. Encerrar a Maternidade, não manter a

integralidade das equipas é que não podemos aceitar! Os portugueses não o iriam compreender e isso

representaria, desde logo, uma baixa na excelência dos cuidados que têm sido prestados e a que temos

estado habituados.

Também já ouvi alguns argumentos sobre a necessidade de obras na MAC, no valor de 1 milhão de euros

— isto foi dito pelo Presidente da ARS de Lisboa, mas também a este nível se verifica uma certa deturpação.

Em 2009, a MAC candidatou-se ao Fundo de Reabilitação e Conservação Patrimonial, com três projetos,

tendo sido aprovados dois. Isto quer dizer que lhe foi atribuída uma verba de 690 000 € e mais 235 000 €, o

que significa que a MAC só teria de suportar o valor de 242 000 €, que foi apenas o que foi solicitado à ARS

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de Lisboa. Este pequeno pormenor que o Sr. Presidente da ARS de Lisboa omitiu ou de que se esqueceu faz

toda a diferença.

O Partido Socialista vai continuar a apelar ao Governo e a tudo fazer para que o encerramento da MAC não

seja uma realidade.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Sr.ª Deputada, peço-lhe que faça chegar à Mesa o texto cuja

distribuição requereu, para que a Mesa proceda em conformidade.

Para apresentar o projeto de resolução do PCP, tem a palavra a Sr.ª Deputada Rita Rato.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Maternidade Alfredo da Costa desenvolveu,

ao longo de anos, importantes valências e especializações na área materno-infantil, apenas possíveis pela

concentração neste campo específico dos cuidados de saúde.

Mas a MAC é muito mais do que uma maternidade, tem um conjunto de serviços de excelência,

designadamente na ginecologia e na obstetrícia, na reprodução assistida, na neonatologia, no

acompanhamento de gravidezes de risco, na inovação de deter um «banco de leite» humano, que não pode

de forma nenhuma isolar a Maternidade Alfredo da Costa na análise que se faz, esquematizando apenas a

sua importância e a sua função social no aspeto do número de partos.

A MAC, aliás, firmou-se como uma unidade de referência na área da saúde da grávida e da criança, tendo

sido ao longo dos anos, e sendo ainda hoje, um pilar do extraordinário progresso do nosso país em matéria de

indicadores de saúde materno-infantis.

A intenção de encerrar a Maternidade Alfredo da Costa não pode, por isso, ser desligada de um processo

mais geral de desestruturação do Serviço Nacional de Saúde, de concentração das suas unidades e de

diminuição da sua capacidade de resposta e, também por isso, de diminuição da capacidade de acesso das

populações.

Ao contrário do que o Governo do PSD e do CDS procura dizer, não se trata apenas de uma simples

reestruturação, porque encerrando-se a Maternidade Alfredo da Costa não é possível reproduzir com a mesma

capacidade de resposta o mesmo número de camas, o mesmo número de trabalhadores, a qualidade, a

coerência e a profundidade de intervenção do trabalho que ali é realizado em conjugação, aliás, com o ensino

universitário.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Exatamente!

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — A capacidade de desenvolver as competências próprias que a MAC detém

depende da gestão e da direção autónoma, incluindo claramente no plano financeiro.

Repartir a Maternidade Alfredo da Costa, mesmo que por hipótese as equipas fossem preservadas — o

que até agora nem o Governo nem a realidade concreta da política em curso garantem —, seria a destruição

daquele trabalho integrado.

Aliás, não é possível comparar a importância da MAC, em contraditório, com a resposta que hoje o

Governo já aqui veio dar no que diz respeito à reponderação das estruturas na região de Lisboa.

O Sr. Secretário de Estado da Saúde falou-nos aqui da capacidade de oferta de 3000 partos. Mas o Sr.

Secretário de Estado acha que está a falar de batatas? Acha que é o Sr. Secretário de Estado da Agricultura?

É o Sr. Secretário de Estado da Saúde, portanto tem uma importância acrescida no tratamento destas

matérias pelo que representam os cuidados de saúde materno-infantis para o desenvolvimento económico e

social do País!

É por isso também que o PCP entende que esta resposta da integração no futuro hospital de Todos os

Santos não está salvaguardada! Não existe perspetiva escrita, por parte deste Governo, sobre para quando a

construção do hospital de Todos os Santos. Para quando? Para amanhã? Para o ano? Para 2014? Para

quando?

Vozes do PCP: — Exatamente!

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A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Anunciar o encerramento da instituição e apontar a sua integração num hospital

que ainda não existe é destruir o importante papel da Maternidade Alfredo da Costa e a resposta em matéria

de saúde materno-infantil.

Por isso, o que o PCP propõe é o não encerramento da Maternidade Alfredo da Costa como unidade

integrada, autónoma e com vocação específica para a saúde materno-infantil.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para apresentar o projeto de resolução n.º 310/XII (1.ª), tem a

palavra o Sr. Deputado João Semedo.

O Sr. João Semedo (BE): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Ao longo dos últimos dias, no campo

daqueles que defendem o encerramento da Maternidade, o que temos ouvido são ou erros, ou contradições,

ou mentiras. Queria falar um pouco de tudo isto.

Dizem que a Maternidade tem que estar integrada num hospital geral. Por esse mundo fora, há excecionais

maternidades que não têm nenhuma ligação a qualquer hospital geral.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Exatamente!

O Sr. João Semedo (BE): — E isto levanta um problema: o que é que vão fazer às duas maternidades

públicas de Coimbra e o que é que vão fazer à Maternidade Júlio Dinis, do Porto? O que é que o Governo

responde a isto?

Dizem, por um lado, que há um excesso de médicos, de enfermeiros e de outros profissionais na

Maternidade Alfredo da Costa e anunciam até, generosamente, a intenção de distribuí-los de Lisboa até ao

Algarve, onde descobriram agora que faltam ginecologistas e obstetras.

Mas, ao mesmo tempo, argumentam — creio até que é um baixíssimo argumento — com o facto de, há

cerca de um ano, os profissionais da maternidade que está instalada no Hospital D. Estefânia, ou nos terrenos

deste Hospital, fazerem serviço na Maternidade. Isso, sim, é uma boa medida de articulação de cuidados.

Portanto, temos que nos entender: ou faltam ou há excesso. As duas coisas ao mesmo tempo é que não

pode ser.

Mas, se acham que há médicos a mais, têm uma forma muito simples de resolver isso: abram concursos,

que é assim que esses problemas se resolvem, e promovam uma distribuição mais harmoniosa dos

profissionais.

Falam os Srs. Deputados, e quem defende o encerramento da MAC, nos grandes investimentos públicos

feitos na maternidade que está no Hospital D. Estefânia e na maternidade do Hospital de São Francisco

Xavier.

Então, e os investimentos feitos na MAC não contam? Esses não contam! Devem ter sido feitos à borla…

Com certeza, deve ter sido um Totoloto que algum Diretor da Maternidade obteve. Há muitos, muitos milhões

de euros de dinheiros públicos investidos na MAC, como há certamente em muitos outros hospitais.

O grande argumento daqueles que defendem o encerramento da Maternidade é aquele que eles não dizem

publicamente. O único objetivo é a poupança de curto prazo, é o equilíbrio das contas públicas, é a redução da

despesa custe o que custar, não pensando sequer que aquilo que hoje pode ser uma poupança vai sair muito

caro nos próximos anos. Poupança hoje, para as gerações seguintes se aguentarem com os efeitos dessa

poupança — é um rotundo disparate.

Queria também dizer que não é só a poupança que está em causa, é a miragem de um bom negócio

imobiliário com o edifício da MAC. E isto é tão evidente que o Governo teve o cuidado de começar por dizer:

«Não, não digam isso, porque nós nem sequer podemos utilizar o edifício para um fim distinto!». Mas,

passados dois dias, já dizia o contrário: «Não, afinal, a doação não tem um objetivo definido, mas, atenção,

não queremos vender, vamos fazer um museu ou uma escola da saúde».

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Os senhores, que nem um euro têm para instalarem uma nova cama de cuidados continuados, querem-nos

convencer que o edifício da MAC vai ser para um museu ou para uma escola de saúde?! Bom, acredite quem

quiser, mas nós não somos tolos.

A solução parece-nos muito clara: manter a Maternidade aberta, deixar a Maternidade continuar a fazer o

trabalho que faz. E o trabalho que faz não são apenas os partos, são consultas altamente diferenciadas, quer

para as grávidas, quer para os recém-nascidos ou bebés (como a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro prefere), mas

os recém-nascidos de alto risco, de baixíssimo peso, os grandes prematuros que não têm assistência noutras

maternidades de Lisboa.

Portanto a solução deverá ser: em primeiro lugar, deixar a Maternidade continuar a fazer o que sempre tem

feito; em segundo lugar, manter a integridade das equipas, eventualmente abrindo concursos para que os

médicos, os enfermeiros e outros profissionais possam escolher outras colocações; e esperar que o hospital

de Todos os Santos abras as suas portas.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Faça favor de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. João Semedo (BE): — Estou a terminar, Sr. Presidente.

Mas esse é outro problema do Governo: é que este Governo não tem autoridade nem capacidade para

decidir se faz o hospital ou não, tem que esperar que a Sr.ª Merkel e os seus amigos da troica digam «sim,

façam lá o hospital, que os portugueses precisam dele».

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria da

Conceição Caldeira.

A Sr.ª Maria da Conceição Caldeira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: O tema que hoje

aqui nos traz já não é novo, pois foi suscitado há mais de cinco anos pelos governos do Partido Socialista, os

quais não quiseram, ou não souberam, tomar as decisões que a situação exigia.

Mas a verdade é que, independentemente da demagogia de algumas forças políticas que exploram

compreensíveis receios e sentimentos da população, tudo fazendo para confundir as pessoas, hoje nenhum

responsável ou especialista sério põe em causa o encerramento da MAC.

Com efeito, mesmo o Bloco de Esquerda reconhece que aquela Maternidade deve fechar quando entrar

em funcionamento o hospital de Todos os Santos.

O Sr. João Semedo (BE): — Claro!

A Sr.ª Maria da Conceição Caldeira (PSD): — E aqui encontramos a primeira falácia: como é possível,

sabendo-se que o programa funcional do novo hospital de Todos os Santos prevê a realização de 3000 partos

anuais,…

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Mas para quando?

A Sr.ª Maria da Conceição Caldeira (PSD): — … pretender fazer migrar para lá a Maternidade Alfredo da

Costa, que presentemente faz mais de 5000 partos/ano?

Protestos do PS.

Seria, como diz o povo, querer «meter o Rossio na Betesga».

Daqui também se retira o primeiro corolário: não sendo possível transferir a MAC, no seu conjunto, para o

hospital de Todos os Santos, não é sério defender que tudo lá deve continuar até à abertura desse novo

hospital!

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Neste quadro, é no mínimo incoerente o projeto de resolução que o PS agora apresentou, quando não

assume que o seu governo já projetava o encerramento da MAC …

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Já! Assumo-o!

A Sr.ª Maria da Conceição Caldeira (PSD): — … e defende a ideia falaciosa de que é possível «a

transferência do conjunto das equipas e dos seus profissionais para o projetado hospital de Todos os Santos».

Outra questão tem que ver com o novo hospital de Loures, relativamente ao qual nenhum partido defendeu

que não deveria ter serviço de maternidade. Assim sendo, e considerando que se prevê que no mesmo se

realizem cerca de 2500 partos anuais, forçoso é concluir que eles deverão sair de outras unidades de saúde

da região de Lisboa.

Protestos do PCP.

Acontece que se o Hospital de Santa Maria perder, como se prevê, 1500 partos a favor do hospital de

Loures, verá os seus partos reduzidos para apenas 1200, menos 300 do que a produção mínima

recomendada, o que determinaria a perda da valência da maternidade, facto especialmente grave por se tratar

de um hospital universitário.

E se tal porventura acontecesse, coisa que o Governo obviamente nunca permitirá, então lá teríamos outra

vez os agitadores e as carpideiras de serviço a clamar contra o encerramento da maternidade do Hospital de

Santa Maria.

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Sr.ª Maria da Conceição Caldeira (PSD): — Também será indiferente para alguns que o anterior

governo tenha investido 42 milhões na maternidade do Hospital de São Francisco Xavier e esta esteja a

realizar metade dos partos para que tem capacidade?

O Sr. João Semedo (BE): — Porque será?

A Sr.ª Maria da Conceição Caldeira (PSD): — É a filosofia de gastar sem olhar a limites, sem medir as

consequências, afinal a marca das governações falhadas do Partido Socialista, que conduziram o País à grave

situação com que hoje nos defrontamos.

Aplausos do PSD.

De resto, à demagogia das esquerdas pouco interessa o facto de o edifício da MAC sofrer de graves

problemas estruturais e carecer de avultados investimentos, ou o facto de ser um serviço de saúde

monovalente, portanto ultrapassado em termos de política de cuidados materno-infantis.

Que interessa à esquerda que as urgências na MAC tenham de contar com médicos externos ou que os

bebés tenham de ser transferidos para o Hospital de D. Estefânia a fim de realizarem uma TAC…

Protestos do PS.

O Sr. João Semedo (BE): — Isso não é verdade!

A Sr.ª Maria da Conceição Caldeira (PSD): — … ou uma ressonância magnética ou de serem operados?

Que interessa ainda à esquerda que as nove maternidades públicas da grande Lisboa tenham uma

capacidade para 28 000 partos e só realizem 21 000?

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Faça favor de terminar, Sr.ª Deputada.

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A Sr.ª Maria da Conceição Caldeira (PSD): — Vou terminar, Sr. Presidente.

E quanto à absurda insinuação de que se prepara a desagregação das equipas de excelência da MAC,

sosseguem Srs. Deputados que o Sr. Ministro da Saúde já garantiu…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Estamos muito mais descansados!…

A Sr.ª Maria da Conceição Caldeira (PSD): — … que «todas as equipas que lá têm prestado serviço, ao

longo destes anos, manterão essa sua atividade»!

Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Ao contrário do que alguns irresponsavelmente pretendem fazer

crer, o Governo não vai fechar a Maternidade Alfredo da Costa de qualquer maneira! O Governo está a

preparar a revisão da carta hospitalar, que irá seguramente trazer uma maior equidade territorial e reduzir os

custos do SNS por via do combate ao desperdício e da melhoria da eficiência da gestão hospitalar!

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Faça favor de terminar, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Maria da Conceição Caldeira (PSD): — Termino já, Sr. Presidente.

Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Pelo que aqui se disse, fica bem patente quem está do lado da

resolução dos problemas…

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Pois fica!

A Sr.ª Maria da Conceição Caldeira (PSD): — … e aposta numa agenda de modernização e de boa

gestão dos recursos públicos e quem está do lado da demagogia, apenas interessado em lançar o medo, a

confusão e, se possível, o caos social.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Faça favor de terminar, Sr.ª Deputada, pois está a ultrapassar

largamente o seu tempo.

A Sr.ª Maria da Conceição Caldeira (PSD): — Mas, como sempre, os portugueses saberão «separar o

trigo do joio», resistindo aos cantos de sereia e aos falsos apóstolos dos «amanhãs que cantam» e confiando

num Ministro que está a fazer um trabalho difícil mas indispensável para salvar o Serviço Nacional de Saúde!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa

Caeiro.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Hoje, estamos a debater

iniciativas sobre uma das instituições mais prestigiadas de Portugal, que não haja dúvidas quanto a isso. E,

sendo uma das instituições mais prestigiadas de Portugal, com toda a sua história, com todo o seu

simbolismo, com todo o saber acumulado, com toda a excelência dos seus profissionais, penso que é nossa

obrigação respeitá-la.

A meu ver, não devemos tratar uma instituição tão prestigiada como a Maternidade Alfredo da Costa com o

maniqueísmo a que aqui temos assistido, pondo a questão de saber quem é contra e quem é a favor da

Maternidade Alfredo da Costa e, por outro lado, entrando numa espécie de concurso para saber quem é mais

amigo da Maternidade Alfredo da Costa.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — O CDS não é, de certeza!

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Isto não é sério!

Os Srs. Deputados do Partido Comunista já se denunciaram, porque os senhores têm um problema

ideológico que contamina, à partida, qualquer discussão.

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O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Problema ideológico tem a Sr.ª Deputada!

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sabem qual é? É que os senhores desmascaram-se rapidamente. O

vosso problema são as maternidades do setor privado.

Protestos do PCP.

Ora, se há liberdade de iniciativa, se é conferida idoneidade a determinadas unidades e se as pessoas

escolhem livremente ter as suas crianças em hospitais privados, quem são os senhores para contrariarem?

Mas essa é outra questão, não vamos agora perder tempo com ela.

Protestos do Deputado do PCP Miguel Tiago.

Vamos, então, centrar-nos no nosso debate.

Não há nenhum Sr. Deputado de nenhuma bancada mais ou menos amigo, mais ou menos defensor da

Maternidade Alfredo da Costa.

Protestos do Deputado do PCP Miguel Tiago.

Parto do princípio de que estamos todos interessados em que a Maternidade Alfredo da Costa, tal como as

outras unidades com objetivos idênticos no País, continuem a prosseguir esses objetivos, ou seja, a trazer

crianças ao mundo em condições de qualidade e de segurança sanitária para as crianças e para as suas

mães.

O Sr. João Semedo (BE): — Vai ter um longo futuro!

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Ora, temos de começar por dizer que, se a Maternidade Alfredo da

Costa é uma referência para a saúde materno-infantil e para os ótimos indicadores que temos, também não é

a única instituição que contribuiu para esses indicadores em Portugal.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. João Semedo (BE): — Já está a «virar o bico ao prego»!

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Considero insultuoso para todas as outras unidades, de norte a sul do

País, que contribuíram para esses indicadores, estar a centrar todas as atenções única e exclusivamente

nesta Maternidade.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

Protestos da Deputada do PCP Rita Rato.

O Sr. João Semedo (BE): — Não me diga que vão fechar todas as outras?!

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sabemos que os senhores encontraram aqui um filão sentimental, mas

isso não é aceitável e ela tem de ser respeitada.

Protestos do PCP.

Outra garantia que eu queria aqui deixar — e os senhores têm de ter a seriedade de reproduzir aquilo que

ouvem — é esta: o Sr. Ministro (e nós voltamos aqui a dizê-lo, como partido que apoia o Governo) garantiu

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que não irão ser «desmanteladas», como os senhores gostam de dizer, não irão ser separadas as equipas de

excelência, sobretudo naquelas áreas onde a Maternidade Alfredo da Costa se distingue pela excelência,

nomeadamente nos cuidados intensivos da neonatologia, na procriação medicamente assistida, no banco de

leite, que também aqui já foi referido, nas gravidezes de alto risco.

Protestos do Deputado do PS Manuel Pizarro.

Essas equipas não vão ser separadas!

Protestos do PCP.

Querem que volte a repetir? Não vão ser separadas!

O Sr. João Semedo (BE): — Isso não pode ser afirmado!

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Mas os senhores, nomeadamente o Partido Comunista, que é o grande

campeão das inscrições em PIDDAC, na altura em que isso era possível, nunca se queixaram de falta de

planeamento. Nunca! Tal como agora não têm resposta para um excesso de oferta de maternidades e

unidades de saúde nesta área, na região da Grande Lisboa.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

Protestos do PCP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Faça favor de terminar, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Vou concluir, Sr. Presidente.

Perante o cenário de subaproveitamento, face à abertura do Hospital Beatriz Ângelo, na ordem dos 24% do

Centro Hospitalar de Lisboa Norte, um subaproveitamento do Hospital Dona Estefânia, um subaproveitamento

do Hospital São Francisco Xavier, gostava de perguntar a todos os partidos qual é a solução que apresentam

face aos investimentos que aqui já foram referidos.

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Mas nós já apresentámos!

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Vou concluir, Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, dizendo o

seguinte: os senhores não pensem que por gritarem mais alto são mais amigos da Maternidade Alfredo da

Costa.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

Protestos do PCP.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — A Maternidade Alfredo da Costa, como instituição de referência e de

grande prestígio, merece um debate sério e grande ponderação,…

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Faça favor de terminar, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — … mas também merece que sejam respondidas algumas perguntas

que estão em aberto.

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Debate sério é saber se faz ou não sentido — o Sr. Deputado João Semedo acha que não, em geral —

haver unidades monovalentes ou se faz mais sentido inseri-las em estruturas polivalentes. Mas não foi isso

que os senhores fizeram aqui.

O Sr. João Semedo (BE): — Investimentos na Maternidade Alfredo da Costa!

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Os senhores quiseram criar aqui um concurso de quem é mais amigo

da Maternidade Alfredo da Costa, e isto não é sério!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Protestos do Deputado do BE João Semedo.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma segunda intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Rita

Rato.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD e o CDS dizem-nos que são

necessárias obras. Aliás, disse a Sr.ª Deputada do PSD Maria da Conceição Caldeira que são necessárias

obras no edifício. Então, que se façam, Sr.ª Deputada! Por que não se fazem as obras se são necessárias?!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Depois, falou em «demagogia» e em «demagogia da esquerda».

Sr.ª Deputada, tenho uma pena profunda que, sendo uma Deputada eleita pelo círculo eleitoral de Lisboa,

não tenha posto os pés em nenhuma das manifestações contra o encerramento da Maternidade, porque podia

ter ouvido não era da boca do PCP, mas da boca dos profissionais, da boca dos utentes, da boca das

populações por que razão querem a maternidade aberta. Isso não é demagogia! Vá lá ouvir as pessoas a

dizerem-lhe que o serviço é de excelência, que é do Serviço Nacional de Saúde e que têm direito a ele!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Querem lá saber das pessoas!

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Se a Sr.ª Deputada ouvisse as pessoas, percebia que não era demagogia, mas

que é, antes, um sentimento profundo de ligação à qualidade do serviço da MAC.

Disse-nos aqui a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro que há um filão sentimental da esquerda. Não há um filão

sentimental da esquerda! Aliás, o meu filho até nasceu na Maternidade Dona Estefânia que, por acaso,

também já encerrou! Mas posso dizer-lhe que a população de Lisboa e as populações, sobretudo, do sul do

País têm um filão sentimental com a MAC. Pois, têm! E têm muito carinho por um serviço de excelência,

porque as mulheres e os seus filhos são muito bem tratados, pelo que é muito legítimo que tenham esse filão

sentimental, que não é exclusivo do PCP. Ainda bem que não o é, porque é dos utentes, é das populações e é

dos profissionais.

Vozes do PCP: — Muito bem!

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Importa aqui também dizer que, de facto, este Governo e estes partidos estão

sempre com a natalidade na boca, mas, depois, desenvolvem uma política subordinada ao pacto de agressão

da troica, que vai destruir o País, agravar a exploração dos trabalhadores, o empobrecimento e a dificuldade

das famílias. Se estivessem preocupados com a natalidade, nem sequer fechavam maternidades, porque

havia uma perspetiva de aposta numa política de natalidade.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Queira terminar, Sr.ª Deputada.

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A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Porque o CDS e o PSD gostam muito da palavra «vida», vou dizer-lhes aqui o

que é que as pessoas, no passado dia 19, gritavam em frente à Maternidade Alfredo da Costa. Gritavam

assim: «A Maternidade é vida, não pode ser destruída!».

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — A Mesa não regista a inscrição de mais nenhum orador para

intervir, pelo que declaro encerrado o debate conjunto dos projetos de resolução n.os

304, 297, 307 e 310/XII

(1.ª).

Vamos passar ao último ponto, que consiste na apreciação da petição n.º 69/XI (1.ª) — Apresentada pela

Ordem do Engenheiros, solicitando que a Assembleia da República recomende ao Governo a alteração das

disposições da Portaria n.º 1379/2009, de 30 de outubro, que veio regulamentar as qualificações específicas

profissionais mínimas exigíveis aos técnicos responsáveis pela elaboração de projetos, pela direção de obras

e pela direção de fiscalização de obras, previstas na Lei n.º 31/2009, de 3 de julho.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Campos.

O Sr. Paulo Campos (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, queria saudar os

peticionários e transmitir a importância que foi conferida a esta matéria, através da alteração da legislação

realizada na anterior legislatura. Saliento, nomeadamente, todo o trabalho que foi feito quer pelo anterior

governo quer pelo Parlamento para se encontrar uma via consensual que permitisse a alteração de uma lei, já

que, durante décadas, foi exigido que se alterasse essa legislação, mas tardou muito tempo a verificar-se. Ora,

tal alteração veio a acontecer na legislatura anterior.

Por força do equilíbrio verificado, nomeadamente, pelo trabalho parlamentar, com a audição de todos os

representantes das associações profissionais do setor, a verdade é que resultou a aprovação, por

unanimidade, de uma lei que permitiu uma alteração que, como eu disse, era reclamada há décadas.

Desse ponto de vista, queria saudar aqui os peticionários, que, dentro do seu direito, encontram motivos

para solicitarem à Assembleia da República que seja revista a Portaria n.º 1379/2009, de 30 de outubro. Esta

nossa saudação é, obviamente, uma saudação pelo espírito e pela vontade dos peticionários relativamente a

esta questão.

Para nós, o importante é o equilíbrio entre o trabalho parlamentar feito na anterior legislatura e,

necessariamente, o que resulte do trabalho que, hoje, estamos aqui a ter.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Saraiva.

O Sr. Pedro Saraiva (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria, igualmente, saudar os mais de

5000 peticionários e, em particular, também a Ordem dos Engenheiros, enquanto primeiro subscritor desta

mesma petição.

Creio que se encontram presentes na Sala representantes desta ordem profissional, pelo que queria dizer-

lhes que, do nosso ponto de vista — e penso que isso é relativamente consensual —, só com uma engenharia

de qualidade conseguiremos afirmar o presente e o futuro de um Portugal cada vez mais intensamente

tecnológico.

Por isso mesmo, nunca é demais recordar a importância da regulamentação e das qualificações

profissionais mínimas, associadas ao exercício de determinado tipo de atividades que fazem parte das

sociedades contemporâneas, em nome da defesa do consumidor e da segurança, para não referir outros

aspetos, porventura menos prementes.

Percebe-se, por isso, a relevância, em particular, das atividades de que é alvo a legislação aqui em apreço,

que são atividades relacionadas com aspetos tão críticos como a elaboração de projetos, a direção de obras e

a direção de fiscalização de obras. Como o País seria diferente se, no passado, não tivéssemos tido,

infelizmente, projetos de menor qualidade ou menos bem fiscalizados.

Entende-se, por isso, e foi oportuno que tal acontecesse, que esta matéria, que, de facto, desde 1973, não

era revisitada — o anterior diploma era o Decreto-Lei n.º 73/73 —, pudesse surgir revisitada através da

construção da Lei n.º 31/2009, no seguimento de um processo amplo de discussão, de consensualização e de

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amadurecimento. Esta lei viria, depois, a ser complementada pela Portaria n.º 1379/2009 e é sobre esta

portaria que incide a petição e não sobre a lei, que foi, de facto, amplamente discutida à época.

A petição apresenta e enumera alguns aspetos dessa mesma Portaria que podem, eventualmente, vir a ser

merecedores de revisão e, até, de atualização, tendo também em consideração alterações verificadas no

enquadramento em que estas mesmas atividades são exercidas em 2012, comparativamente ao que era a

realidade análoga em 2009.

Portanto, felicitando, mais uma vez, os peticionários e a Ordem dos Engenheiros, face ao exposto, saúda-

se a iniciativa assumida e liderada pela Ordem dos Engenheiros, competindo, agora, a cada um dos partidos

representados nesta Assembleia e ao Governo avaliarem da oportunidade de estas ou outras alterações

poderem vir a dar origem a subsequentes iniciativas legislativas.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Tiago.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como já foi dito, a presente petição — e

aproveito também para saudar os peticionários, em nome do Grupo Parlamentar do PCP — conta com 4417

assinaturas e data já de abril de 2010, no seguimento da publicação da Portaria n.º 1379/2009, que, no

entendimento dos subscritores desta petição, fere as intenções da legislação que acabámos de ouvir referir no

que diz respeito à atribuição de competências de direção e fiscalização de obras.

De acordo com os subscritores da petição, a portaria em causa atribui capacidades a arquitetos e a

engenheiros técnicos que deveriam ser exclusivas dos engenheiros. Dizem mesmo que a Portaria atribui a

arquitetos e a engenheiros técnicos competências e responsabilidades para as quais estes profissionais não

são formados nem tecnicamente preparados.

Mas o texto da petição também argumenta (e, aliás, logo em primeiro lugar, é esse o argumento invocado)

que a Portaria afeta muito negativamente o conjunto dos mais de 44 000 profissionais que se encontram

inscritos na Ordem dos Engenheiros.

O texto da petição não esconde que incide também sobre esta defesa corporativa da profissão, tarefa que,

em nosso entender, não caberá às associações públicas e ordens profissionais em geral, na medida em que

nestas se apoia o Estado para delegar um conjunto de poderes públicos, mas nestas não reside ou não deve

residir o poder de representação política dos interesses da sua classe profissional.

Das audições levadas a cabo, em sede de comissão, em fevereiro e março de 2011, não relevam dados

conclusivos sobre a incapacidade de qualquer das profissões e formações para os atos previstos na Portaria

n.º 1379/2009, tal como não relevam conclusões sobre um eventual prejuízo da segurança pública.

Se é verdade que não se verificou a assinatura ou o estabelecimento de qualquer protocolo entre as ordens

profissionais para dirimir o conflito de interesses, isso não pode significar que todas as críticas e exigências

dos peticionários mereçam agora a concordância da Assembleia da República.

No essencial, a atribuição da capacidade negocial às ordens profissionais foi um espaço que a própria Lei

n.º 31/2009 abriu e que não foi preenchido. A inexistência desse protocolo veio posteriormente a determinar a

regulamentação constante na portaria, que tem demonstrado até aqui, no essencial, razoabilidade na

aplicação.

O PCP absteve-se na votação da proposta de lei que originaria a Lei n.º 31/2009, e foi, inclusivamente, o

único partido a fazê-lo. Todavia, isso não nega a razoabilidade da regulamentação dessa lei.

Nenhum projeto legislativo se pode dar, no entanto, por totalmente encerrado enquanto subsistam dúvidas,

críticas ou prejuízos coletivos resultantes da aplicação da lei.

Os aprofundamentos, aperfeiçoamentos e melhorias devem ser etapas naturais, assim o queiram os

governos — a quem compete legislar nesta matéria — e também os interessados, através da participação

democrática e do uso dos poderes públicos de que estão investidos enquanto ordens profissionais e que,

infelizmente, até aqui não usaram no estabelecimento do referido protocolo.

Aplausos do PCP.

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O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Paulo

Viegas.

O Sr. João Paulo Viegas (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: As minhas primeiras palavras

servem para saudar a Ordem dos Engenheiros como peticionária e os 4417 subscritores desta petição.

Hoje, debatemos um importante assunto para o setor da construção, não esquecendo também nós que

este é um assunto com o maior relevo para a economia, o seu futuro e o sucesso que pretendemos alcançar.

Contudo, este é um setor onde a segurança tem de imperar.

É perfeitamente plausível, dadas todas as exigências que hoje são requeridas, que haja mais rigor no que

respeita à formação para desempenhar estas profissões. Essas são funções que exigem um grau de

responsabilidade com conhecimento, não só técnico mas também científico. Ainda assim, há vários tipos de

construção e temos de saber adequar cada profissional ao tipo de construção pela qual se responsabiliza.

Na lei que debatemos, está em causa a responsabilidade técnica em determinados momentos e temos de

saber assegurar que tudo o que é feito é feito com o conhecimento suficiente para garantir que o usufruto dos

bens não põe em causa a segurança dos utilizadores. Ainda assim, há que saber distinguir os vários tipos de

bens que estão envolvidos, porque assumir responsabilidades de direção de obra ou de direção de

fiscalização será diferente quando falamos de um loteamento ou quando está em causa um prédio de sete

andares.

Para discutir este assunto há que saber tratar diferente o que é diferente.

A formação é fulcral para que se possam desempenhar estas funções de forma correta, mas não podemos

deixar de avaliar também a experiência profissional e saber apreciar qual o valor que esta tem. Sempre, mas

sempre, sem nos esquecermos de que esta para ser valorada tem necessariamente de ser reciclada com

novos conhecimentos científicos.

A Lei n.º 31/2009, de 3 julho, veio substituir o Decreto-Lei n.º 73/73, que aprovava um regime provisório.

Atendendo a que, à época, não existiam técnicos em número suficiente para colmatar as exigências, foram

então estabelecidas as qualificações exigíveis aos técnicos responsáveis pela elaboração e subscrição de

projetos, bem como pela fiscalização e direção de obra.

Decorridos 36 anos, o mercado tem pessoas com novas habilitações, o que deve, de facto, orgulhar o País

e permitir que o País tenha novos patamares de qualidade associados às obras realizadas. Contudo, não

devemos esquecer aqueles que, durante anos, deram o seu contributo, devendo ainda nós considerar que a

economia, hoje, precisa de todos.

Na preparação deste diploma, foram envolvidas as diversas classes de profissionais através das ordens e

respetivas associações, ficando também clara a necessidade de garantir que quem tem uma qualificação que

não se adapte a todos os trabalhos da área em causa tem de procurar nova formação justa, do ponto de vista

dos conhecimentos técnicos, mas também avaliando justamente os seus conhecimentos profissionais de anos

de trabalho.

Temos de respeitar a formação de todos que já estudaram no ensino superior, quer sejam licenciados ou

mestrados. Contudo, existem profissionais que não podemos esquecer.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. João Paulo Viegas (CDS-PP): — Há vários fatores que devem ser ponderados para a discussão que

agora se trava, dos quais destacaria a segurança em obra e o não abandono de profissionais.

Poderia parecer que assim estava tudo na mesa, mas, na minha ótica, há que pesar mais um fator, o da

velocidade da mutação legislativa. Este fator também deve ser ponderado: não devemos estar constantemente

a alterar leis que têm tão pouco tempo, é necessário estabilidade legislativa. Este é, aliás, um dos problemas

que constantemente levanta a doutrina legislativa portuguesa.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Faça favor de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. João Paulo Viegas (CDS-PP): — Assim, dentro da agenda governamental e respeitando

diferentemente o que é diferente e diferenciável, devemos aguardar que possam ser revistos alguns pontos da

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I SÉRIE — NÚMERO 103

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portaria, caso esteja posta em causa a segurança dos utilizadores dos bens e caso alguns dos pontos nela

contidos não estejam a ser atingidos.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, está concluída a

apreciação da petição n.º 69/XII (1.ª), dando assim por terminados os nossos trabalhos de hoje.

A próxima reunião plenária realizar-se-á amanhã, quinta-feira, pelas 15 horas, constando da ordem do dia

os seguintes pontos: declarações políticas; discussão conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.os

52/XII (1.ª) — Cria a bolsa nacional de terras para utilização agrícola, florestal ou silvo pastoril, designada por

«bolsa de terras», e 54/XII (1.ª) — Aprova benefícios fiscais à utilização das terras agrícolas, florestais e silvo

pastoris e à dinamização da bolsa de terras; e apreciação do Decreto-Lei n.º 85-A/2012, de 5 de abril, que

suspende o regime de flexibilização da idade de acesso à pensão de reforma por antecipação, constante do

Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de

dezembro, salvaguardando a situação dos desempregados de longa duração [apreciações parlamentares n.os

11/XII (1.ª) (PCP) e 12/XII (1.ª) (PS)].

Boa tarde, Srs. Deputados.

Está encerrada sessão.

Eram 17 horas e 44 minutos.

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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