O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

I SÉRIE — NÚMERO 108

56

carga simbólica e representativa, a sua instituição e existência decorre de quadros de consenso e decisão

social, cultural e política muito mais vastos e profundos do que aqueles que presidem ao regime laboral e suas

revisões.

Aqui, há um ponto que traduz talvez menos cuidado na preparação desta proposta de lei. No nosso Direito

de Trabalho, o regime dos feriados não foi sempre igual — bem pelo contrário. Nomeadamente, alturas houve

em que alguns feriados nacionais não gozavam da garantia e do regime que, numa fórmula algo clássica,

consta, hoje, do artigo 236.º, n.º 1 do Código do Trabalho: «Nos dias considerados como feriado obrigatório,

têm de encerrar ou suspender a laboração todas as actividades que não sejam permitidas aos domingos.» Por

exemplo, quando, jovem estudante de Direito, estudei Direito de Trabalho em 1973, este regime só se aplicava

ao 10 de Junho, de entre os feriados civis, não cabendo essa mesma garantia aos 5 de Outubro e 1 de

Dezembro. Este ângulo do problema e outros similares que se prendem (note-se) não com a existência dos

feriados em si mesmos, mas unicamente com o respetivo regime jurídico-laboral, têm conhecido variações

depois do 25 de Abril. Há ainda, nas leis atuais, restos das diferenças no regime de feriados, pontes e

tolerâncias de ponto, entre o Estado e o sector privado, o qual dispõe de regulamentação específica

concertada no âmbito das convenções coletivas.

O Código de Trabalho seria instrumento apropriado para regular essa questão, se o quisesse: isto é, não

banir feriados, mas unicamente eliminar (ou suspender temporariamente) o regime-garantia do artigo 236.º, n.º

1, quanto a alguns deles. A concertação social seria inteiramente competente para o discutir e acordar; e, com

isso, o efeito económico e social seria igualmente atingido — esses feriados seriam dia laboral —, mas não se

lesaria as próprias datas nacionais e os valores que guardam e celebram. Por alguma razão não se foi por aí,

como seria possível. Preferiu — mal — seguir-se por caminhos ilegítimos e inadequados à luz da razão

histórica e política mais profunda.

Poderia talvez arguir-se que uma tal sugestão levantaria suscetibilidades por regressar, ainda que

parcialmente e de modo limitado, ao regime de 1973, no tocante àquele traço geral do Código: feriado igual a

domingo. Mas, sem defender qualquer linha, sempre comentarei que considero bem pior ter-se regressado

não a 1973, mas… a 1909! A eliminação dos feriados do 1 de Dezembro e do 5 de Outubro é isso que

representa: voltámos a 1909.

Terceiro plano: A questão dos feriados foi tratada com uma exuberante e persistente falta de diálogo,

exatamente ao contrário do que devia ter sucedido. Foi feita concertação social com confederações patronais

e sindicais e concertação diplomático-religiosa. Mas não foi feita qualquer concertação política, nem cultural,

nem social no sentido amplo da sociedade portuguesa, quanto a datas históricas do maior significado e à

hierarquização relativa dos feriados e sua celebração. Ora, atentos os valores coletivos em questão e o seu

registo histórico, esse diálogo tinha de ser feito.

Não foi feito diálogo dentro da maioria; não foi feito diálogo dentro dos partidos da maioria; não foi feito

diálogo entre partidos, nem do arco governamental, nem do arco parlamentar; mais que isso, não foi feito

diálogo com academias, com instituições culturais, com embaixadores, com militares, com historiadores e

professores de História, com Universidades, com centros republicanos e agremiações monárquicas, com

outros pólos de cidadania e do património moral e cultural da Nação, sedes vivas da nossa memória coletiva.

Tendo de tratar de valores e símbolos do mais precioso que a memória nacional pode ter e deve guardar, não

se falou e não se quis falar com ninguém: «carregar pela boca» foi a palavra de ordem. Não pode ser.

Este facto é o que fica a marcar a efemeridade deste atropelo legislativo. Como já previ, bastará a

mudança de ciclo político — ou até talvez antes — para serem repostos feriados tão atrabiliariamente banidos.

Portugal — e a nossa economia — mereciam melhor: decisões mais sólidas, mais consistente, mais

duradouras.

Trancou-se e foi bloqueado o espaço para discussão, ponderação e eventual adoção de melhores

alternativas que fossem ao encontro das preocupações macroeconómicas do Governo.

À cabeça de quaisquer outras propostas, como repetidamente chamei a atenção, estaria a da rigorosa

disciplina das pontes, acabando com estas — e por boas razões se o faria: primeiro, é o que já está previsto

no Código do Trabalho (artigo 234.º, n.º 3), faltando apenas acionar o mecanismo; segundo, é o que consta do

Manifesto Eleitoral do CDS, com que fui eleito; terceiro, é o que está escrito no próprio Programa do XIX

Governo Constitucional. Surpreendentemente, porém, o acordo de concertação social, assinado em janeiro

passado, bloqueou esta possibilidade e carece de ser revisto para a reabrir, como deve poder ser.