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Sexta-feira, 25 de janeiro de 2013 I Série — Número 45

XII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2012-2013)

REUNIÃOPLENÁRIADE24DEJANEIRODE 2013

Presidente: Ex.ma Sr.ª Maria da Assunção Andrade Esteves

Secretários: Ex.mos

Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Rosa Maria da Silva Bastos de Horta Albernaz

S U M Á R I O

A Sr.ª Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas

e 8 minutos. Em declaração política, a Sr.ª Deputada Heloísa

Apolónia (Os Verdes) chamou a atenção do Governo para a necessidade de ajuda aos pequenos agricultores cujas culturas foram destruídas pela intempérie do último fim de semana bem como para a situação em que se encontram zonas da costa norte da ilha da Madeira também afetadas por uma tempestade em novembro último, tendo defendido que se promova uma adaptação mais eficaz a fenómenos meteorológicos extremos. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Miguel Freitas (PS), Pedro Lynce (PSD), João Ramos (PCP) e Abel Baptista (CDS-PP).

Em declaração política, o Sr. Deputado Pedro Jesus Marques (PS), apesar de ter considerado positivo o regresso de Portugal aos mercados, defendeu que mais terá de ser feito para que o País recupere a sua estabilidade não só financeira, mas sobretudo económica e social. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados João Pinho de Almeida (CDS-PP), Honório Novo (PCP), Miguel Frasquilho (PSD) e Pedro Filipe Soares (BE).

Em declaração política, a Sr.ª Deputada Rita Rato (PCP) alertou para os efeitos que a crise económica e social e a austeridade estão a ter sobre as crianças e os jovens, tendo, depois, respondido a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Nilza de Sena (PSD), Heloísa Apolónia (Os Verdes), Pedro Delgado Alves (PS) e Mariana Aiveca (BE).

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Foram discutidos, em conjunto e na generalidade, a proposta de lei n.º 115/XII (2.ª) — Procede à primeira alteração à Lei de Organização, Competência e Funcionamento dos Julgados de Paz, aprovada pela Lei n.º 78/2011, de 13 de julho, aperfeiçoando alguns aspetos de organização e funcionamento dos julgados de paz, e os projetos de lei n.

os 333/XII (2.ª) — Estabelece a rede

nacional, o regime de competência, a organização e o funcionamento dos julgados de paz (PCP) e 334/XII (2.ª) — Altera a lei dos julgados de paz (Primeira alteração à Lei n.º 78/2001, de 13 de julho) (BE). Produziram intervenções, além da Sr.ª Ministra da Justiça (Paula Teixeira da Cruz), os Srs. Deputados João Oliveira (PCP), Cecília Honório (BE), Maria Paula Cardoso (PSD), Filipe Neto Brandão (PS) e Teresa Anjinho (CDS-PP).

Procedeu-se ao debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 116/XII (2.ª) — Estabelece os princípios gerais aplicáveis à mediação realizada em Portugal, bem como os regimes jurídicos da mediação civil e comercial, dos mediadores e da mediação pública, tendo intervindo, além da Sr.ª Ministra da Justiça, os Srs. Deputados João Lobo (PSD), Isabel Alves Moreira (PS), Teresa Anjinho (CDS-PP), João Oliveira (PCP) e Cecília Honório (BE).

Foi apreciado o Decreto-Lei n.º 234/2012, de 30 de outubro, que procede à segunda alteração do Decreto-Lei n.º 165/2006, de 11 de agosto, que estabelece o regime do ensino do português no estrangeiro [apreciação parlamentar n.º 42/XII (2.ª) (PS)], tendo proferido intervenções os Srs. Deputados Paulo Pisco (PS), Maria João Ávila (PSD), Inês Teotónio Pereira (CDS-PP), José Luís Ferreira (Os Verdes), João Ramos (PCP) e Helena Pinto (BE) e o Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas (José Cesário).

Por último, foram debatidos, na generalidade, os projetos de lei n.

os 285/XII (2.ª) — Clarifica os contratos a

prazo, protegendo os trabalhadores (Quarta alteração à Lei n.º 7/2009, de 12 fevereiro, que aprova a revisão do Código do Trabalho) (BE) e 331/XII (2.ª) — Combate a precariedade laboral e reforça a proteção dos trabalhadores na contratação a termo (PCP), tendo-se pronunciado os Srs. Deputados Mariana Aiveca (BE), Rita Rato (PCP), Adriano Rafael Moreira (PSD), José Luís Ferreira (Os Verdes), Artur Rêgo (CDS-PP) e João Paulo Pedrosa (PS).

Deu-se conta da entrada na Mesa do projeto de resolução n.º 588/XII (2.ª).

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues) encerrou a sessão eram 18 horas e 22 minutos.

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A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, Srs. Jornalistas, está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 8 minutos.

Peço aos Srs. Agentes o favor de abrirem as galerias.

Hoje, não há expediente, pelo que entramos diretamente na ordem do dia.

O primeiro ponto da nossa ordem de trabalhos consiste em declarações políticas, estando já inscritos para

o efeito a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, de Os Verdes, o Sr. Deputado Pedro Jesus Marques, do PS, e a

Sr.ª Deputada Rita Rato, do PCP.

Assim, tem a palavra, em primeiro lugar, a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: O Partido Ecologista «Os

Verdes» tem chamado a atenção, aqui, no Parlamento, por inúmeras vezes, para os efeitos já mais do que

visíveis e sentidos, decorrentes das alterações climáticas, que perspetivam uma tendência para fenómenos

intensos e de extremos climáticos.

O País, nos últimos dias, foi fustigado por profundas intempéries, com um episódio climático extremo,

ocorrido entre sexta e sábado, que pôs uma vasta extensão do território a viver de ventos fortes, os quais

chegaram a atingir os 140 km/hora, e chuvas intensas.

Daqui decorreram consequências muito sérias e preocupantes, como a devastação de explorações

agrícolas, o corte de eletricidade e de água a milhares de pessoas, algumas por dias seguidos e, em alguns

casos, ainda não resolvidos, a degradação de equipamentos coletivos e de património cultural e natural (como

aconteceu com escolas, piscinas municipais, monumentos, centros históricos e matas, como a do Buçaco),

árvores arrancadas pela raiz, bloqueio da circulação de transportes, entre tantas outras consequências

concretas, a maior das quais, sempre revoltante, é a que se prende com a própria vida e com a integridade

física.

A primeira nota que o Partido Ecologista «Os Verdes» gostaria de deixar, a este propósito, é a de que

Portugal precisa de promover uma adaptação mais eficaz (ainda que com óbvia impossibilidade de controlar

tudo e todos) a estes fenómenos meteorológicos extremos. A capacidade de adaptação tanto se refere a

mecanismos de prevenção de consequências mais devastadoras, como a uma capacidade de dar resposta à

regularização das situações de destruição.

A segunda nota prende-se com o facto de haver uma necessidade absoluta de que a dimensão do

fenómeno natural não transporte consigo uma inevitável tragédia social. E é justamente isso que ameaça

acontecer, designadamente no que diz respeito aos pequenos e médios agricultores.

Com efeito, a devastação de instalações, equipamentos e explorações agrícolas, decorrente da forte

intempérie, pôs em risco imediato a capacidade de sobrevivência de agricultores e suas famílias, bem como

uma parte importante da capacidade produtiva do País. Estamos, portanto, a falar de pessoas que, de repente,

se veem sem nada, do tanto que construíram com o seu trabalho. Os prejuízos são muito elevados, pese

embora ainda não completamente contabilizados. A questão está em saber quem assume esses prejuízos.

Veio a Sr.ª Ministra da Agricultura anunciar que os agricultores prejudicados se podem candidatar a verbas

do Programa de Desenvolvimento Rural, do PRODER, com um financiamento garantido de 75%, ficando os

restantes 25% a cargo dos agricultores. A questão é que há pequenos agricultores que perderam tudo! Tudo,

no presente e no futuro imediato, porque perderam o rendimento decorrente do potencial produtivo das suas

explorações. Não têm como gerar o encargo de pagar 25% das verbas necessárias a um investimento de

reparação ou cobertura dos prejuízos. Oferecer-lhes 75%, sabendo que não têm forma de pagar os restantes

25%, é o mesmo que lhes dizer que perderam tudo e é sem nada que vão ficar. Ainda por cima, quando são

estes pequenos agricultores que mais têm dificuldade de acesso ao crédito. Para os grandes proprietários

agrícolas a conversa é bem diferente, porque podem pagar.

Ora, face a esta situação, é preciso atribuir ajuda criteriosa e positivamente discriminada, na medida das

necessidades reais de cada um, e há pequenos agricultores que precisarão de uma percentagem muito maior,

ou até total, a fundo perdido. E, claro, se em Portugal existisse um seguro agrícola de gestão pública, muito

seria diferente, no que respeita à reparação de danos.

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Não tenham dúvidas, Sr.as

e Srs. Deputados, de que, se o PRODER for o único mecanismo de ajuda, tal

como anunciado pela Sr.ª Ministra, são as grandes explorações que vão absorver praticamente tudo e há

muitos pequenos agricultores que engrossarão os níveis de desemprego ou de maior pobreza. Essa situação

tem de ser evitada a todo o custo!

Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Em Portugal, temos exemplos de gritante injustiça na

disponibilização de apoios, ou na falta dessa disponibilização. O Partido Ecologista «Os Verdes» esteve, há

pouco tempo, em visita à costa norte da ilha da Madeira. Os concelhos de Porto Moniz e S. Vicente,

fundamentalmente nas freguesias da Ribeira da Janela e do Seixal, foram completamente fustigados pela

intempérie de novembro de 2012. O cenário, passado este tempo, é dantesco: casas quase suspensas,

pedregulhos praticamente soltos, em risco de se soltarem encosta abaixo, levadas obstruídas, terras e

socalcos agrícolas literalmente destruídos. Neste cenário, as populações transmitiram a Os Verdes o medo

com que vivem o dia a dia, decorrente da instabilidade daquele território. Navegam em ausência de

segurança, questão que até promove o afastamento de turistas, e perderam meios de subsistência,

designadamente na agricultura. São fontes de empobrecimento económico, social e ambiental daquela área

geográfica. Nada foi feito para reparação de danos, a não ser a desobstrução de estradas. Nada mais! É

território e são populações completamente abandonadas quer pelo Governo Regional, quer pelo Governo de

Portugal, que não prestou meios de apoio e, consequentemente, nenhuma solidariedade para com estas

gentes, desarmadas de segurança e de formas de subsistência, em novembro do ano passado.

Se a lei de meios dotou a Madeira de um financiamento destinado a cobrir e a reparar prejuízos causados

pelo drama de 20 de fevereiro e se essas verbas estão a ser mal usadas, para intervenções duvidosas e que

até podem comportar risco de segurança, então, o que se requer é fiscalização e garantia de que os fundos

são usados para destinos sustentáveis e positivos. Mas abandonar o princípio da solidariedade e do auxílio às

populações não é, definitivamente, solução!

Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: O que Os Verdes requerem, com esta intervenção, é

responsabilidade, competência e pronta ação ao Governo de um País que conhece, já vezes demais, os

fenómenos climáticos extremos, as vulnerabilidades do território e as suas dramáticas consequências

ambientais, económicas e sociais.

A Sr.ª Presidente: — Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos à Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, os

Srs. Deputados Miguel Freitas, do PS, Pedro Lynce, do PSD, João Ramos, do PCP, e Abel Baptista, do CDS-

PP. A Sr.ª Deputada responderá dois a dois.

Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Freitas.

O Sr. Miguel Freitas (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, em primeiro lugar, quero

registar e agradecer o facto de o Partido Ecologista «Os Verdes» ter trazido este tema a debate ao Plenário.

De facto, houve prejuízos avultados na agricultura portuguesa em várias regiões do País, e aquilo que se

espera, naturalmente, para além de uma presença no terreno, como se verificou, por parte da Sr.ª Ministra da

Agricultura, é uma resposta que não seja ambígua nem pouco convincente. Do que se precisa, efetivamente, é

que haja um tempo para fazer o levantamento rigoroso dos prejuízos, mas que a resposta esteja de acordo

com o que se passou.

Por isso, do nosso ponto de vista, ter remetido, imediatamente, e apenas, para o PRODER, parece-nos

uma resposta ambígua e pouco convincente da parte do Governo.

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Ah!

O Sr. Miguel Freitas (PS): — E, neste momento, gostaria de registar aqui esse facto: a resposta que

recebemos, até agora, da parte do Governo, não nos convenceu,…

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Convenceu a do Governo anterior!…

O Sr. Miguel Freitas (PS): — … daí termos já endereçado um conjunto de perguntas à Sr.ª Ministra sobre

esta matéria.

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Por outro lado, também é verdade que estas situações se vão repetir em Portugal. Por isso, do que

precisamos é de um sistema que não permita ambiguidade nas respostas, quando houver problemas de

intempéries a nível nacional. Daí a responsabilidade de alterarmos os critérios de atribuição do Fundo de

Calamidades, em Portugal — e gostaria de saber a sua opinião sobre isto —, porque, nestas situações, os

agricultores que não têm seguros não podem ter acesso ao Fundo. Portanto, é uma obrigação que temos, é

mais um caso para o qual chamamos a atenção.

Finalmente, também houve prejuízos avultados em matas públicas, como a do Buçaco, a de Sintra e a de

Leiria, e a verdade é que, sobre esta matéria, não ouvimos nenhuma resposta da parte do Governo.

Eram estas três questões que gostava que comentasse, Sr.ª Deputada.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Lynce, do

PSD.

O Sr. Pedro Lynce (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, começo por cumprimentá-la

pela oportunidade do tema que nos trouxe e pela questão que aqui deixou.

Sr.ª Deputada, fundamentalmente, colocam-se aqui duas situações completamente distintas: uma estrutural

e uma conjuntural.

Quanto à situação estrutural, pensamos, claramente, que as alterações climáticas são, em parte,

responsáveis por estas calamidades, e a Sr.ª Deputada sabe bem que é assim, ainda que, sob o ponto de

vista científico, só em relação à temperatura é que os cientistas dizem que, sim, senhor, se estão a registar

alterações, porque, quanto aos outros aspetos, os dados de que dispomos não permitem tirar conclusões.

Ainda há dias era dito por alguém, enfim, altamente conceituado do ponto de vista científico, que os resultados

não são suficientes para chegarmos a conclusões estatísticas.

De qualquer forma, penso que, sinceramente, nesse domínio, o caminho que Portugal está a seguir,

nomeadamente em relação às alterações climáticas, coloca-nos numa posição razoável, francamente boa.

Como sabe, cada país tem de fazer o seu trabalho e nós estamos numa boa situação, somos dos primeiros,

embora isso não seja suficiente na medida daquilo que nos interessa, que é a posição global.

Há também uma outra situação que nos parece importante, que é a da revisão dos seguros. Os seguros,

de facto, têm de funcionar em Portugal. Não podemos continuar deste modo, porque estas situações,

infelizmente, são mais frequentes do que deviam ser, razão pela qual os seguros têm de ser, claramente,

revistos.

Sob o ponto de vista conjuntural, Sr.ª Deputada, estamos em desacordo total. E, se, porventura, quisermos

comparar esta situação com o que aconteceu no Oeste há três ou quatro anos, sinceramente, penso que as

medidas foram rápidas, aliás, como sucedeu nessa altura, e nós próprios aqui o dissemos. Por isso, achamos

estranho que o Sr. Deputado Miguel Freitas consiga, agora, arranjar uma diferenciação. Os processos, todos

os sistemas, foram os mesmos. Utilizámos os mesmos critérios e temos, de facto, satisfação pela rapidez com

que as coisas se sucederam. Praticamente em 24 horas, a Sr.ª Ministra e os Srs. Secretários de Estado

estavam no campo, nas matas de que se falou, pelo que me parece que, do ponto de vista conjuntural, o

Governo esteve francamente bem. Gostávamos, pois, de ouvir a sua opinião sobre isso, ainda que tal não se

resolva com soluções conjunturais, mas, sim, com soluções estruturais, as quais demoram muito mais tempo.

Aliás, estas é que são, neste momento, a nossa preocupação, porque, em termos conjunturais, o Governo

andou francamente bem.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra, para responder, a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, queria agradecer aos Srs. Deputados Miguel

Freitas e Pedro Lynce as considerações que fizeram e as questões que colocaram.

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O Sr. Deputado Miguel Freitas disse que o Governo não convenceu. De facto, mais do que não convencer

— e essa é que é a grande preocupação —, não promoveu uma solução para a situação em que se

encontram uma série de pessoas, cujas vidas estão perfeitamente desgraçadas, e, fundamentalmente, era

essa resposta que urgia obter da parte do Governo.

Disse o Sr. Deputado Pedro Lynce: «O Governo esteve muito bem, porque imediatamente se pôs no

terreno». Sr. Deputado, acho isso muito bem, e seria criticável se o Governo não se tivesse posto no terreno,

mas só a presença não resolve os problemas, pois as medidas restringiram-se a aconselhar os agricultores a

candidatarem-se ao PRODER para obterem um financiamento de 75%, mas eles têm de pagar os restantes

25%.

Sr. Deputado, o que procurei dizer foi que há agricultores que não têm possibilidade de pagar esses 25%.

Portanto, não tendo essa possibilidade, não terão direito a apoio, e há pequenos agricultores que precisam de

100% de apoio a fundo perdido!

É por isso que propomos que haja uma diferenciação de apoios, uma discriminação positiva, um apoio

criterioso em função das verdadeiras necessidades e condições económicas dos agricultores, senão teremos

ainda mais agricultores portugueses — que são aqueles que mais empobrecem na Europa — a

empobrecerem e a largarem a agricultura. Sr. Deputado, de facto, esse não é o caminho!

Estes casos são extraordinários, não acontecem, felizmente, todos os dias e requerem também respostas

extraordinárias. E o País tem de estar capacitado para dar essas respostas.

Os Srs. Deputados falaram também da questão dos seguros, se não estou em erro. Sobre isso, queria

dizer o seguinte: de facto, Sr. Deputado Pedro Lynce, «esta coisa» dos seguros não funciona. Estamos a falar

de um negócio. Os seguros cobrem o menos possível, dão o menos possível, e as pessoas pagam bem para

terem os seguros! É por isso que, ao nível agrícola, precisamos de ponderar muito bem a criação de um

seguro agrícola de gestão pública de modo a que as pessoas possam contribuir com a plena lógica de que

não estão a criar lucros para ninguém, estão antes a garantir que, em caso de calamidade, têm o apoio

necessário! É uma discussão à qual não podemos fugir e é uma proposta concreta que Os Verdes aqui fazem.

Por último, no que respeita às alterações climáticas, o Sr. Deputado Pedro Lynce disse que estamos no

bom caminho. Isso é relativo, porque baixámos as emissões à custa da falta de produção e gostávamos mais

que isso tivesse acontecido à custa da sustentabilidade, pois seria melhor.

Mas, agora, vamos falar da componente da adaptação. Aí é que nós andamos mal, Sr. Deputado.

Precisamos, de facto, de medidas de adaptação ao fenómeno das alterações climáticas, o qual já nos garantiu

que nos traz fenómenos climáticos extremos.

A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado João Ramos.

O Sr. João Ramos (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, efetivamente, o assunto que

nos traz aqui hoje é de extrema gravidade: as intempéries criaram graves problemas nalgumas explorações

agrícolas, que têm implicações na produção, nas economias locais e na empregabilidade. Além disso,

revelaram-nos algumas fragilidades existentes no nosso País, nomeadamente aquilo que se tem passado com

a EDP, dado haver pessoas que estão há seis dias sem energia elétrica. Parece que, quanto mais se

liberaliza, piores são os serviços que estas empresas prestam.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Bem lembrado!

O Sr. João Ramos (PCP): — Uma empresa que tem sempre muita facilidade em aumentar os preços tem,

depois, muita dificuldade em resolver os problemas concretos.

A Sr. Ministra e os Srs. Secretários de Estado foram para o terreno, mas mais importante era perceber

como é que — e os anúncios foram feitos — vão ser resolvidos os problemas, porque, do que conhecemos do

passado, nestas matérias o comportamento do Ministério da Agricultura não é exemplar. Veja-se, por exemplo,

o caso dos incêndios do Algarve, que ocorreram já na altura deste Governo, cujos apoios financeiros levaram

seis meses a sair — foram agora publicados os documentos.

Os apoios financeiros podem ir até 75% no âmbito do PRODER, no máximo, uma vez que, se houver

candidaturas acima do valor disponibilizado, haverá rateio, podendo esse valor de financiamento ser reduzido,

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quando algumas explorações poderão até ter necessidade de apoio financeiro a 100% por não terem

capacidade para pagarem a comparticipação nacional. No âmbito do caso do Algarve, até é feita uma

limitação às explorações que não tenham recorrido ao PRODER: se houver dificuldades financeiras (se o

dinheiro não chegar para todos), essas explorações serão colocadas de lado, isto é, não terão direito a apoio.

Por isso, esta poderá não ser a medida mais adequada.

Por outro lado, esta situação (isto já foi aqui referido) remete-nos para outra, que é a dos seguros agrícolas.

Ainda agora ouvimos dizer que os seguros agrícolas têm de funcionar — é uma coisa que ouvimos de

Governo para Governo. O problema é que ninguém «põe o chocalhinho ao gato», porque mexer nos seguros

implica mexer com os grandes grupos económicos. É essa a dificuldade, pelo que ninguém tem coragem para

resolver este problema.

Por isso, a pergunta que lhe deixo, Sr.ª Deputada, é se acha mesmo que os agricultores podem ficar

descansados depois destes anúncios do Ministério da Agricultura.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Abel Baptista.

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, em primeiro lugar,

quero manifestar a nossa solidariedade, em nome do CDS, em relação a todos aqueles que foram vítimas do

temporal ocorrido no último fim de semana.

Queria dizer-lhe que as questões ambientais, não só as alterações climáticas como as confusões climáticas

que trazem, estão a preocupar os poderes públicos, os cientistas e a comunidade académica. São questões

que, no futuro, teremos de encarar de modo muito diferente.

Mas, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, parece-me que colocou algumas questões de forma bastante

extemporânea. Repare, não posso exigir mais a quem está no Governo: ocorreu uma circunstância anómala

na noite de sábado para domingo e na segunda-feira a principal responsável pela agricultura estava no terreno

a inteirar-se da situação.

O Sr. Pedro Lynce (PSD): — É verdade!

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Menos de 24 horas depois, houve técnicos do Ministério da Agricultura a

fazer o levantamento de todas as situações. Eu próprio perguntei aos técnicos do meu distrito o que é que lá

se tinha passado e na segunda-feira, ao meio-dia, os técnicos disseram-me que no distrito de Viana de

Castelo não havia situações relevantes a reportar. Portanto, há um conhecimento exato do que se passou, o

que acontece pela primeira vez!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — A Sr. Deputada falou ainda na questão dos seguros.

A questão dos seguros é muito relevante e já deveria ter sido encarada há muito tempo como uma

necessidade absoluta; deveríamos tentar uma política de seguros. Por exemplo na região Norte há uma

entidade que tem um sistema de seguros muito bem elaborado, que é a Comissão de Vitivinicultura dos

Vinhos Verdes. Essa entidade elaborou uma proposta de seguros que é exemplar e que é um caso-estudo que

deve seguido.

A Sr.ª Ministra referiu-se algumas questões que a Sr.ª Deputada, pelos vistos, não deve ter ouvido.

A Sr.ª Ministra disse que há apoios do PRODER para este tipo de situações e que há a possibilidade de

nos socorrermos do fundo de solidariedade para estas questões. Além do mais, foi acordada com o Ministério

uma linha crédito para a agricultura, de cerca de 1500 milhões de euros, que poderá ser aproveitada aqui com

condições vantajosas para os agricultores. Dir-me-á que os agricultores têm que suportar 25% do valor. Ó Sr.ª

Deputada, mas numa situação destas diria que nem um bom seguro cobriria mais.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — É verdade!

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O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Temos de ter a noção daquilo que podemos fazer.

Sr.ª Deputada, relativamente à questão da Madeira considero que foi bem colocada. Contudo, em primeiro

lugar, ela é uma questão regional e, em segundo lugar, o CDS foi o primeiro partido a solicitar apoios

relativamente aos temporais da Madeira, para que o Governo regional pedisse apoio ao fundo de

solidariedade. Realmente, essas questões interessam-nos.

Sr.ª Deputada, para terminar, deixe-me colocar-lhe uma pergunta.

O que se passou não era previsível, apesar de ter sido lançado um alarme relativamente às condições

meteorológicas, isto é, um aviso qualificado de «alerta vermelho», que é o de risco máximo a nível

meteorológico. Contudo, os prejuízos causados, que são de lamentar, foram tratados imediatamente no

momento a seguir.

O Deputado João Ramos, do PCP, disse que, no caso dos incêndios no Algarve, a questão só foi tratada

seis meses depois.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Disse, e muito bem!

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — É verdade, seis meses depois. Mas, Sr. Deputado, no caso da floresta,

seis meses depois é o dia a seguir,…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Exatamente! É verdade!

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — … porque a floresta não é propriamente uma questão agrícola, uma vez

que é preciso esperar para verificar se há regeneração natural e como é que se processa.

Vozes do CDS-PP: — É verdade!

Protestos do PCP.

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — São as próprias associações de agricultores e associações florestais

que vêm dizer que o Ministério está a atuar muito bem nestes casos concretos.

Portanto, faça-se política, mas tenha-se em atenção aquilo que está a ser feito e aquilo que o próprio setor

tem vindo a dizer relativamente à atuação do Governo.

Aplausos do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra, para responder, a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, queria começar por agradecer aos Srs.

Deputados João Ramos e Abel Baptista as considerações que fizeram e as questões que colocaram.

Começo por responder à questão colocada pelo Sr. Deputado João Ramos sobre se julgo que os

agricultores podem ficar descansados relativamente àquilo de que já tivemos conhecimento. A resposta direta

que tenho de dar é não, não podem ficar descansados, Sr. Deputado. E julgo que os agricultores que tiveram

a oportunidade de ouvir agora, em direto, a intervenção do Sr. Deputado Abel Baptista perceberam claramente

que não podem ficar descansados.

Curiosamente, o Sr. Deputado Abel Baptista, para além daquilo que a Sr.ª Ministra da Agricultura já tinha

dito relativamente ao PRODER, referiu o seguinte: «Mas há mais alguns fundos, algumas linhas de crédito que

podem (…)» — atenção, podem! — «(…) ser usadas para isso».

Protestos de Deputado do CDS-PP Abel Baptista.

Mas, depois, o Sr. Deputado disse: «75% já é muito bom, nem um ótimo seguro faria melhor». É a lei do

mercado, não é verdade, Sr. Deputado?

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Isto não pode ser encarado assim, Sr. Deputado. E o que lhe quero dizer hoje, no Plenário da Assembleia

da República, é o seguinte: se o financiamento for exclusivamente de 75%, há agricultores que não

conseguem pôr as suas explorações agrícolas a funcionar novamente, ou seja, desistem! Não têm outra

hipótese.

Contudo, posso garantir-lhe outra coisa: há grandes explorações agrícolas que vão aproveitar os fundos do

PRODER e das linhas de crédito. Ou seja, há realidades distintas, Sr. Deputado, e nós temos que ter aqui o

sentido da discriminação positiva de definir apoios criteriosos em função da realidade concreta das pessoas.

Isso dá trabalho? Dá, Sr. Deputado! Gasta-se dinheiro? Gasta-se, Sr. Deputado! Mas esse é o princípio da

solidariedade. E, mais: é o princípio para a não perda de atividade produtiva do País, que é uma coisa

fundamental, especialmente neste momento! Portanto, devemos ter isso em conta.

Por outro lado, voltamos à questão dos seguros, relativamente à qual cada um deu a sua opinião.

Reafirmamos, aqui, a nossa proposta: esta Casa tem de se debruçar seriamente sobre a criação de um seguro

agrícola de gestão pública, para que estes dinheiros, aquilo que os agricultores pagam ao nível dos seguros,

não sirvam para pagar os lucros das seguradoras, que depois não pagam absolutamente nada quando há

danos, que sirva, de facto, para a reparação e a cobertura de prejuízos, tal qual um seguro deve funcionar.

De facto, andamos aqui todos a dizer — todos o dissemos! — que os seguros não funcionam! Mas, das

duas, uma: ou desabafamos e vamos para casa descansados, coisa que eu e o meu grupo parlamentar não

fazemos, ou então tomamos medidas na Assembleia da República para que este seguro funcione a sério. E no

atual sistema não funciona!

A Sr.ª Presidente: — Tem agora a palavra, para uma declaração política, o Sr. Deputado Pedro Jesus

Marques.

O Sr. Pedro Jesus Marques (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Esta semana, com a mão

invisível do Banco Central Europeu, Portugal iniciou um caminho de regresso aos mercados. O movimento

apanhou muitos desprevenidos, sobretudo os menos atentos à evolução recente dos juros por toda a Europa.

Desde o anúncio de mudança de política do BCE, a 3 de agosto do ano transato, a Grécia, a que apelidam

de incumpridora, viu descer os seus juros a 10 anos de 25% para 10%. Mesmo a Espanha, que recusou pedir

ajuda externa, apesar de lhe anunciarem sucessivamente o fecho dos mercados, na mesma semana em que

anunciou o incumprimento do défice de 2012 realizou também uma emissão de dívida pública com elevado

sucesso.

Até o Governo português terá sido surpreendido por esta evolução positiva dos juros europeus, já que no

Orçamento do Estado para 2013 tinha anunciado que não emitiria Obrigações do Tesouro durante todo este

ano.

A verdade é que os mercados se convenceram, face às decisões do Conselho Europeu para a Grécia, e

face à reiterada disponibilidade do BCE para assumir a defesa da moeda única, que são manifestamente

exagerados os anúncios da morte do euro.

O Sr. Carlos Zorrinho (PS): — Muito bem!

O Sr. Pedro Jesus Marques (PS): — Assim, no quadro de operações concertadas com o sistema

financeiro, verificou-se procura mais que suficiente para as emissões de dívida dos países do Sul da Europa,

face às elevadas taxas de juro oferecidas e à margem de conforto introduzida pelo BCE.

É inegável que este resultado é positivo. Mas muito mais terá que ser feito para que o regresso aos

mercados se consolide, e para que realmente o País recupere a sua estabilidade, não só financeira, mas

sobretudo económica e social.

Aplausos do PS.

É que está muito longe a normalização nestes três aspetos.

Em termos financeiros, e atentando apenas nas responsabilidades do Estado, a dívida pública, em

percentagem do PIB, não para de aumentar, devido aos elevados défices, incumpridos e mascarados com

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receitas extraordinárias ainda este ano, e devido à queda brutal do PIB. Enquanto não sairmos da espiral

recessiva, não recuperaremos a coleta de receitas fiscais e contributivas (que acabaram por ser 4000 milhões

de euros inferiores ao previsto no Orçamento do Estado para 2012) e não deixaremos de ver a dívida pública

crescer (ela cresceu 10 pontos percentuais) para 120% do PIB no último ano.

Em termos económicos, continua a agonia da recessão. O Banco de Portugal fez uma previsão de 1,9% de

recessão para este ano, o dobro do Governo. A Universidade Católica acaba de agravar este cenário,

prevendo agora 2,4% de recessão em 2013. As falências não param de aumentar, com as empresas

subjugadas à rutura de financiamento e da procura interna.

Em termos sociais, o País desespera, com um aumento imparável do desemprego. Desde que este

Governo tomou posse, há mais 200 000 desempregados,…

Protestos do Deputado do PSD Luís Menezes.

… e não se vê nenhuma possibilidade de recuo nesta tendência face ao prolongamento das medidas que

colocaram o País em espiral recessiva.

A Europa, essa, entretanto, mudou profundamente, embora de forma desequilibrada, a sua resposta a esta

crise. O BCE, ainda que contra a vontade dos falcões alemães e do Ministro das Finanças português, passou

a ser parte da solução. A Europa lá encontrou, na penúltima hora, o seu credor de último recurso, e isso foi o

bastante para acalmar os mercados, por muito que isso custasse a Vítor Gaspar.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

Mas continua desequilibrada a resposta económica à crise. Continuamos a ter tratado orçamental e pouco

ou nada mais. Tardam os project bonds, mantém-se a perspetiva de reduzir o orçamento comunitário, falta o

avanço decidido no investimento transeuropeu.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

Em suma, o pilar económico da União está por cumprir, e continuamos apenas com uma união monetária,

que é desequilibradora da competitividade económica dos diferentes países europeus.

Para os países que estão a sofrer o processo de ajustamento, desde logo, Portugal, a Grécia ou a Irlanda,

é necessário fazer o debate da própria natureza do processo de ajustamento. As trajetórias de ajustamento

baseadas apenas na austeridade já se revelaram profundamente recessivas. Todas as organizações vieram

rever os seus multiplicadores orçamentais para incorporarem os erros de análise impressionantes que

cometeram no início desta crise. Se a execução dos programas provocou muito mais recessão e desemprego

e se mesmo os objetivos orçamentais estão a ser permanentemente incumpridos, este só pode ser o tempo de

alterar profundamente os processos de ajustamento, deixar respirar a economia, estabilizar a procura interna e

as expetativas, apostar realmente no pilar de financiamento das empresas, para que o investimento privado

possa voltar a ser uma realidade.

Aplausos do PS.

Sem um regresso à economia de pouco terá valido a ajuda do BCE na normalização do financiamento das

dívidas soberanas. Sem que a espiral recessiva e a deflação da dívida sejam interrompidas, rapidamente

regressarão os receios quanto à solvência dos Estados, até porque as taxas de juro atuais são ainda

demasiado elevadas.

Mais cedo do que mais tarde, até por causa da ameaça de recessão generalizada nos países do Norte, a

Europa fará este debate do regresso à economia. Aliás, a última cimeira franco-alemã indiciou já isto mesmo.

Relativamente a Portugal, é óbvio que o País ganharia em voltar ao compromisso social e político que este

Governo alienou, desde a TSU (taxa social única).

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É também óbvio que tal consenso só se poderia hoje gerar em torno de uma mudança profunda do

processo de ajustamento, que agora pudesse conciliar rigor com crescimento económico.

Aplausos do PS.

Mas o que temos é um Primeiro-Ministro cego, guiado por uma cegueira ideológica, que não vê o País a

definhar, as empresas a falir e a dívida a aumentar.

Será que, mais uma vez, seremos os últimos na Europa a defender os nossos próprios interesses, a lutar

pela mudança do processo de ajustamento, por políticas de crescimento económico, para contrariar a espiral

recessiva?

Aplausos do PS.

A vontade de mudança será muito rapidamente testada aquando das decisões sobre o corte de 4000

milhões de euros, na sétima avaliação com a troica. O corte no Estado social condenaria o País a mais um

ano de recessão — assim o indicam os multiplicadores orçamentais e as previsões do Banco de Portugal — e

minaria as bases do nosso modelo social.

Precisamos de mudar, de regressar ao consenso nacional, de lutar na Europa pela estabilização

económica do País, em vez de medidas de política isolacionistas de prolongamento da espiral recessiva.

Como alguém disse, de nada vale o regresso aos mercados sem o regresso ao crescimento económico.

Aplausos do PS.

Precisávamos de um Governo que estivesse à altura deste desafio, que se juntasse ao País, atores

institucionais, parceiros sociais, universidades, partidos políticos, que têm exigido uma mudança deste

processo de ajustamento.

Mas é isso que temos, Sr.as

e Srs. Deputados? Não, infelizmente não! Para mal dos portugueses, para mal

de Portugal.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — A Mesa registou as inscrições dos Srs. Deputados João Pinho de Almeida, Honório

Novo, Miguel Frasquilho e Pedro Filipe Soares para pedidos de esclarecimento.

Pergunto ao Sr. Deputado Pedro Jesus Marques como pretende responder.

O Sr. Pedro Jesus Marques (PS): — Responderei dois a dois, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente: — Muito bem, Sr. Deputado.

Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Pedro Jesus Marques, para lhe

colocar uma questão havia duas hipóteses: pegar no discurso que o Sr. Deputado aqui fez, um discurso

claramente do Partido Socialista, de tentar fugir à realidade que vivemos neste momento e à participação que

o PS teve, não só nas causas do que nos trouxe até aqui, mas também na definição do modelo de como todo

este processo iria decorrer; a outra hipótese seria a de agarrar em frases suas — que também disse, deve

reconhecer-se — que apelam a um consenso e que são muito mais inspiradoras do que as outras e que se

percebe serem, provavelmente, para consumo interno.

Disse o Sr. Deputado, a propósito do regresso do País aos mercados, que é inegável que o resultado é

positivo — ainda bem que o Partido Socialista o reconhece. E disse que muito mais tem de ser feito — não

tenha dúvida de que também reconhecemos isso. Portanto, agarrando na capacidade que o Partido Socialista,

pelos vistos, afinal, tem de reconhecer que vivemos ontem um momento importante e que o resultado é

positivo,…

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O Sr. João Serpa Oliva (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — … e tendo a garantia deste lado da maioria, da bancada do

CDS, de que tem pessoas responsáveis que sabem que é preciso fazer muito mais e que é preciso fazer

aquilo que o Sr. Deputado aqui disse, mas que já ontem nós tínhamos aqui dito, isto é, que de nada serve o

regresso aos mercados se tal não for uma etapa, e uma etapa decisiva, para o crescimento económico,

porque só assim poderemos ter um caminho sustentável…

O Sr. João Serpa Oliva (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Pois se estamos de acordo sobre isso, estamos de acordo

sobre mais matérias.

Falou sobre a vertente europeia. É verdade, nós também não negamos o papel que o BCE teve, e é bom

que o PS também não negue o papel que teve o Governo de Portugal para que ambas as posições fossem

conciliáveis e permitissem o êxito que, ontem, Portugal teve.

Vozes do CDS-PP: — Bem lembrado!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Foi o conciliar das duas posições, a intervenção decisiva do

BCE e a competência da capacidade para cumprir e para recuperar a credibilidade do Governo de Portugal,

que permitiram a operação de ontem. Nós não negamos nenhuma das duas realidades. É bom que o Partido

Socialista também não negue, porque isso não ajudaria nada ao consenso que diz que deve existir.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — A nível europeu, também ainda há muito para fazer. E é bom

que, tal como fomos capazes no passado, saibamos também ser capazes de ter uma proposta que seja a

proposta portuguesa que una os vários partidos com relevância, com capacidade governativa em Portugal,

para dar à Europa uma perspetiva, que, como muitas vezes tem dito o Ministro de Estado e dos Negócios

Estrangeiros, é provavelmente uma perspetiva dos países do Sul, mas que não é uma perspetiva contra os

países do Norte.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — É uma perspetiva de sustentabilidade de uma Europa que só

cresce se crescer em conjunto e que nunca crescerá se puser uns contra outros.

O Sr. João Serpa Oliva (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Mas é preciso, Sr. Deputado, esclarecermos várias coisas. Se

os senhores querem partilhar um caminho de responsabilidade — e isso seria muito positivo para o País —, há

esclarecimentos que têm de ser feitos.

O Sr. João Serpa Oliva (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sobre a execução orçamental, os senhores dizem: «Foi 5%,

mas essa não era a meta inicial; devia ter-se cumprido a meta inicial». Mas passaram o ano inteiro a dizer que

era preciso flexibilizar a meta do défice.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

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Então, naquilo em que foi flexibilizada a meta do défice, os senhores, afinal, agora são contra?! Qual é a

posição do Partido Socialista? É de flexibilizar a meta do défice, torná-la sustentável e cumpri-la ou a de ter um

discurso que, numa altura, é uma coisa, e, noutra, é exatamente o seu contrário?

A Sr.ª Presidente: — Queira terminar, Sr. Deputado.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Vou terminar, Sr.ª Presidente.

Depois, quando se discute o Orçamento, os senhores dizem que os impostos são muito altos, mas depois,

a seguir à discussão do Orçamento, dizem que não se podem comprometer com a redução da carga fiscal nos

impostos sobre o rendimento.

Vozes do CDS-PP e do PSD: — Muito bem!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Então, os impostos são altos ou os impostos podem baixar?

Depois, dizem que se não se resolve o problema do lado da receita, ter-se-ia de resolver o problema do

lado da despesa. Mas dizem que corte da despesa nem pensar, não se pode cortar despesa!

O Sr. João Serpa Oliva (CDS-PP): — Exatamente!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Qual é a solução para esta equação?

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Bem lembrado!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sobre o défice, não se entendem. Para os senhores, os

impostos não podem aumentar nem se podem manter, a receita não pode baixar…

A Sr.ª Presidente: — Queira terminar, Sr. Deputado.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Vou terminar mesmo, Sr.ª Presidente.

Havia uma última solução, que era a dívida. Mas, com responsabilidade, o Sr. Deputado, há pouco, da

tribuna, disse que a dívida atingiu valores que não pode ultrapassar, e tem toda a razão.

Mas se não é com dívida, se não é com despesa, se não é com receita, e se o défice não pode ser este,

Sr. Deputado, a equação é impossível.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — De uma vez por todas, que o Partido Socialista dê uma

solução que seja para o País.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

O Sr. Honório Novo (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Pedro Jesus Marques, o senhor decidiu voltar

hoje ao tema da operação mediática e virtual do anunciado regresso do País aos mercados.

Afinal, hoje, já temos informação mais precisa sobre o que se passou. E o que se passou ontem foi

aumentar-se a dívida nacional em 2500 milhões de euros, indo-se pagar por essa dívida contraída uma taxa

de juro de 4,9%,…

O Sr. João Oliveira (PCP): — Bem lembrado!

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O Sr. Honório Novo (PCP): — … isto é, 1,4 pontos percentuais acima dos valores atuais das taxas pagas

pelo próprio empréstimo da troica.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exatamente!

O Sr. Honório Novo (PCP): — E o PS considera isto positivo?! O PS considera este resultado positivo?!

Como é que o Sr. Deputado Pedro Jesus Marques considera que este resultado pode ser positivo?!

Como é que o PS considera que, sendo o empréstimo contraído à troica a taxas de juros de 3,5%, 4%, seja

positivo e sustentável contrair mais dívida a taxas de juro ainda mais graves, ainda maiores?! Era preciso que

o Sr. Deputado explicasse, ou seja, como é que isto é positivo e pode ser sustentável.

Era melhor que o PS explicasse, de uma vez por todas, como é que uma operação virtual, mediática, com

o objetivo de tentar enganar os portugueses, pode ser considerada positiva pelo Partido Socialista.

Era bom que o Partido Socialista explicasse como é que o objetivo de fazer crer que a política da troica e

as políticas impostas pela ingerência externa valem a pena, podem ser positivas e sejam consideradas

positivas pelo PS.

Estará o PS empenhado em também enganar os portugueses? Estará o PS empenhado em que digam que

é possível, com as políticas da troica, resolver os problemas do País e dos portugueses? É esta a natureza

positiva da operação de regresso aos mercados na opinião do Partido Socialista?

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Jesus Marques para responder.

O Sr. Pedro Jesus Marques (PS): — Sr.ª Presidente, começando por responder ao Sr. Deputado Honório

Novo, direi que o PCP vive imerso num mundo de contradições.

Protestos do PCP.

O Partido Comunista não é capaz de perceber as contradições do que diz. O Partido Comunista diz que

quer correr com a troica daqui para fora, mas quando o País, com a ajuda do Banco Central Europeu, e num

movimento europeu, começa a normalizar o regresso aos mercados o PCP também está contra.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Esse é o discurso do PSD!

O Sr. Pedro Jesus Marques (PS): — Para mim está tudo dito. O PCP tanto quer a troica daqui para fora

como quer a troica em Portugal para sempre.

Aplausos do PS.

Nós avisámos que esta era uma operação sindicada e que as taxas ainda não são sustentáveis, mas quem

quer fazer de conta que não faz nenhuma diferença que a Europa comece a financiar-se nos mercados em

vez de estar dependente do financiamento da troica não está a perceber o mundo e não está a contribuir para

tirar a troica de Portugal. O PS não assume essa atitude irresponsável!

Aplausos do PS.

Protestos do PCP.

O Sr. Deputado João Pinho de Almeida veio aqui dizer que é preciso fazer muito mais, que não chega o

regresso aos mercados. Foi isso mesmo que eu disse, ou seja, é preciso crescimento económico. O Sr.

Deputado perguntou-me o que é que resolve a equação. É exatamente o regresso ao crescimento económico.

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Os senhores, ontem, declararam-se aqui reféns do PSD no aumento dos impostos — foi o que aqui

disseram ontem.

Aplausos do PS.

Quero ver se o CDS vai continuar refém do PSD nos cortes no Estado social, se o vosso caminho é o de

prolongar e aprofundar a política recessiva, agora com os cortes no Estado social, nas pensões, na educação

e na saúde, se vão «lavar as mãos como Pilatos», dizendo que a culpa é do PSD, e contribuir ativamente para

continuar a afundar o País.

Querem tirar o País desta situação? Querem estabilizar económica e socialmente o País? Então, digam

«não» ao corte de 4000 milhões de euros na despesa social, que prolonga para 2014 a recessão em Portugal.

Essa é a única receita para nos tirar da situação em que nos encontramos.

Aplausos do PS.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Dê uma alternativa!

A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Frasquilho.

O Sr. Miguel Frasquilho (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Pedro Jesus Marques, evidentemente,

não podemos deixar de concordar com alguns dos pontos da sua intervenção, bem com algumas das

respostas que deu às perguntas que já lhe foram feitas.

Vozes do PCP: — Exatamente!…

O Sr. Miguel Frasquilho (PSD): — É evidente que a mão invisível do BCE tem uma relevância grande no

momento que estamos a viver, mas dá-me ideia que o Partido Socialista tem andado distraído, porque se

pensam que se tratou só da mão do BCE vão por muito mau caminho, estão muito enganados.

A atuação do Governo de Portugal, uma atuação competente, e a atuação dos portugueses, muito sofrida,

com sacrifícios, e muito, muito exigente, foram determinantes também para o resultado que estamos agora a

obter.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Sr. Deputado, não considera que, por várias razões, este foi o momento certo para o regresso aos

mercados? O Sr. Deputado não o indicou, mas pelo seu discurso quase podemos perceber que poderia

perguntar: «qual é a pressa de regressar aos mercados?»

Aplausos do PSD.

Mas há pressa! Há pressa de regressar aos mercados, Sr. Deputado, porque tal significa que a

probabilidade de a troica sair de Portugal em junho de 2014 é neste momento mais elevada do que era há

uma semana, há um mês ou há seis meses.

O Sr. Luís Menezes (PSD): — Muito bem!

O Sr. Miguel Frasquilho (PSD): — E isso significa reganharmos a nossa independência económica e

financeira.

Está, ou não, o Partido Socialista com a maioria neste desígnio nacional? Era importante que o Sr.

Deputado deixasse clara a posição do Partido Socialista.

Sr. Deputado, este nosso regresso aos mercados, com uma taxa que ainda não é sustentável (sabemos

isso, é uma taxa mais elevada do que aquela que nos é concedida nos empréstimos da troica),…

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O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Claro!

O Sr. Miguel Frasquilho (PSD): — … mas que para lá caminha, é uma das etapas que tínhamos de

percorrer para nos submetermos às condições de elegibilidade da ajuda do Banco Central Europeu, como o

Sr. Deputado bem sabe.

Sr. Deputado, não considera que este sinal positivo dá uma luz de esperança aos portugueses, porque lhes

permite verificar que os sacrifícios que têm feito, e que são muitos, não terão sido em vão?

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Miguel Frasquilho (PSD): — O Sr. Deputado lembrar-se-á que, em 2010, quando os mercados se

fecharam e quando os juros subiram para patamares absolutamente insustentáveis, ficou muito claro que a

vida de todos os portugueses, em Portugal, passaria por muitas dificuldades, que o desemprego iria subir, que

iríamos passar por uma recessão, por dificuldades económicas, financeiras e sociais. Portanto, é muito

legítimo que agora seja transmitida uma luz de esperança aos portugueses, luz que esta maioria espera que o

Partido Socialista, como partido responsável, possa acompanhar.

O Sr. Luís Menezes (PSD): — Muito bem!

O Sr. Miguel Frasquilho (PSD): — Sabemos que os fatores de risco são muitos, sabemos que é apenas

um sinal, mas é de vários sinais e de sinais positivos que se faz o nosso caminho. Temos tido sinais difíceis,

duros e até violentos para a sociedade portuguesa. Este é um sinal positivo e deve ser valorizado, porque é

também admitindo expetativas mais positivas que a economia pode dar a volta e que podemos superar as

nossas dificuldades nos campos económico, financeiro e social.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: — Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Pedro Jesus Marques, tomei boa nota de

algumas das afirmações que fez na sua declaração política, mas permita que lhe coloque algumas questões,

que decorrem de todo o processo relativo à dívida pública, sobre a forma como têm sido geridas as contas

públicas, o chamado processo de consolidação das contas públicas, e também sobre as palavras aqui

proferidas pelo Sr. Deputado Miguel Frasquilho, que não são de menor importância neste debate.

Dizia-nos há pouco o Sr. Deputado Miguel Frasquilho — e já ontem uma voz da bancada social-democrata

o tinha dito — que, afinal, os sacrifícios dos portugueses tinham valido a pena porque regressámos aos

mercados. Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que me parece algo difícil contemplar esta imagem, porque resume

um pouco o dogma da direita mas muito pouco a realidade com que nos confrontamos.

Segundo o dogma da direita, os povos, os direitos, os salários e as pensões são sacrificáveis no altar dos

mercados, no sentido de agradar aos santos mercados, para que, depois, eles tenham de nós uma boa

imagem e para que numa futura mudança de tempo, quem sabe, possa o sol raiar sobre a nossa dívida.

Mas, depois, a realidade é que as contas públicas estão hoje pior do que estavam no passado e, afinal,

mesmo assim, os mercados mudaram de opinião. O desemprego está muito pior do que estava no passado,

mas mesmo assim os mercados mudaram de opinião. A economia está muito mais destruída do que estava no

passado, mas mesmo assim os mercados mudaram de opinião. Ora, se o País está pior, se a economia está

pior, se há mais desemprego, se a recessão cavou ainda mais fundo no nosso País do que era previsto, como

é que os mercados podem considerar que agora o País está em melhores condições para pagar a sua dívida?

A resposta é apenas uma: o dogma da direita é falso, não existe! Sacrificar pessoas para agradar a

mercados é uma escolha política, mas não tem qualquer relação com a realidade. O que mudou — e é isso

que a direita teima em não ver — foi o Banco Central Europeu. E mudou em relação aos juros de Portugal

como mudou em relação aos juros de Espanha, da Irlanda, da Itália e da Grécia. Não teve nada a ver com as

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políticas portuguesas, porque se tivesse a ver com as políticas portugueses haveria um resultado exatamente

ao contrário.

Sr. Deputado, queria fazer-lhe uma pergunta muito direta, porque é necessário, neste momento, olharmos

para o futuro com os olhos assentes no presente mas muito para além de qualquer exigência ou chantagem

sobre inevitabilidades ou sobre os dogmas que a direita tem trazido para cima da mesa.

Sr. Deputado, é suportável continuarmos a viver como vivemos hoje, com esta carga de impostos, com

este ataque contínuo aos direitos das pessoas, aos salários e às pensões, com este ataque contínuo à

economia através do rendimento das famílias? Acho que não, e a resposta que eu gostava de ouvir da sua

boca é esta: «Não, não é possível continuar assim». Portanto, Sr. Deputado, pergunto-lhe muito diretamente

se concorda que é necessário reduzir os impostos sobre as pessoas e sobre o trabalho; ou se concorda,

afinal, com as palavras de António José Seguro quando diz que se for primeiro-ministro não pode mexer nos

impostos.

Esta é uma matéria essencial. Necessitamos de clarificar hoje aquilo que queremos para Portugal e não

continuarmos no jogo político de gestão das agendas partidárias sem clarificar o essencial. E o essencial, Sr.

Deputado, é defender as pessoas e as famílias, não é continuar com este ataque que, no fundo, através de

impostos, é a continuação do dogma da direita de que tudo pode ser sacrificado em prol dos mercados,

inclusive as pessoas, os salários e as pensões.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Jesus Marques para responder.

O Sr. Pedro Jesus Marques (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Miguel Frasquilho, a primeira parte do

seu pedido de esclarecimento girou à volta da síndrome do bom aluno. Aliás, ainda hoje ouvimos umas

declarações espantosas do vosso líder parlamentar, também atacado da mesma síndrome, mas de uma forma

muito mais agravada.

Disse o Sr. Deputado que esta alteração das maturidades aconteceu porque Portugal foi muito cumpridor e

muito respeitador dos ditames europeus. Sr. Deputado, está completamente baralhado! Então, esquece-se

que se trata apenas (e ainda não o foi) da extensão a Portugal das condições atribuídas à Grécia, a que os

senhores passam o tempo a chamar o incumpridor-mor da Europa? O senhor não se percebe que se tratou

apenas do princípio da igualdade de tratamento relativamente à situação insustentável em que estava a

Grécia?

Aplausos do PS.

Como pode invocar a síndrome do bom aluno para esse efeito, Sr. Deputado? Ignora a redução de juros da

Grécia de 25% para 10%, a situação da Espanha e acha que tudo isto é a síndrome do bom aluno? Ou será,

efetivamente, o papel do Banco Central Europeu a contribuir, em grande medida, para esta situação?

Se os senhores não quiserem compreender a natureza da mudança profunda da política europeia com a

mudança de postura do Banco Central Europeu na resposta a esta crise não estão a compreender onde

estamos e para onde temos de caminhar. Não querem perceber que a Europa terá de mudar também a

resposta da austeridade recessiva, desde logo nos países do sul, que estão confinados a uma espiral

recessiva sem fim se não mudar esta trajetória?

Sr. Deputado Miguel Frasquilho, bem sei que é respeitador do seu partido, e ainda bem que assim é, mas

já escreveu por mais de uma vez que é preciso alterar a trajetória e prolongar o ajustamento em Portugal, sob

pena de não regressarmos ao crescimento económico.

Aplausos do PS.

O regresso aos mercados não chega. Do nosso ponto de vista — e desta forma respondo também ao Sr.

Deputado Pedro Filipe Soares —, temos de estabilizar financeira, económica e socialmente o País.

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A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): — Muito bem!

O Sr. Pedro Jesus Marques (PS): — Não chega regressar ao financiamento com a ajuda do Banco

Central Europeu, é preciso saber que País teremos, daqui a um ano e meio, a dois anos ou a três anos, do

ponto de vista económico-social.

A previsão de recessão para este ano já está a duplicar e a de 2014 estará no mesmo caminho se os

senhores aplicarem o corte de 4000 milhões de euros na despesa social; basta olhar para os multiplicadores

orçamentais e para as previsões do Banco de Portugal. Terraplanar o País para tentar regressar aos

mercados não serve de nada.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Quem é que assinou o Memorando?

O Sr. Pedro Jesus Marques (PS): — É preciso muito mais do que apenas o regresso aos mercados, é

preciso voltar ao crescimento económico. Isto é tudo o que a vossa política não faz agora e não fará para o

ano.

Aplausos do PS.

Tenham a coragem, perante esta mudança de política na Europa, perante este sinal positivo que agora

ocorreu em toda a Europa, de ajustar o processo orçamental. É preciso ajustar a trajetória do processo

orçamental,…

O Sr. Luís Menezes (PSD): — Qual é a pressa?

O Sr. Pedro Jesus Marques (PS): — … senão não saímos da espiral recessiva em que nos encontramos.

Nada adianta sair e voltar aos mercados se o País tiver mais 200 000 desempregados e uma recessão que,

provavelmente, vai ser outra vez superior a 2% este ano e em 2014. Este é o País que não queremos, mesmo

que isso signifique o tal regresso aos mercados e a tal normalização.

Aplausos do PS.

Entretanto, assumiu a presidência o Vice-Presidente Ferro Rodrigues.

O Sr. Presidente: — Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Rita Rato, do PCP.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A profunda crise económica e social com que o

País está confrontado tem tido impactos brutais na vida de milhares de famílias e, de forma particularmente

grave, sobre as crianças e jovens.

Nas escolas portuguesas existirão, certamente, mais de 13 000 crianças com fome e carências

alimentares. Na Área Metropolitana de Lisboa metade dos alunos do ensino pré-escolar e do 1.º ciclo são

abrangidos pelos escalões A e B da ação social escolar. Isto significa que, em final de 2012, mais 50 000

crianças do que em 2007 viviam em famílias com rendimentos mensais de referência até 419 €.

Há fome na escola, porque há fome em casa. Há falências e encerramento de empresas, salários em

atraso, desemprego e cortes nos apoios sociais, no subsídio de desemprego, no abono de família e no

rendimento social de inserção. Há um aumento do custo de vida. É uma espiral de empobrecimento que

arrasa a vida de largos milhares de famílias no nosso País.

A Sociedade Portuguesa de Pediatria denunciou recentemente que têm surgido nos hospitais casos que

não se registavam há mais de 20 anos: mães que acrescentam água ao leite artificial, ou dão leite de vaca a

bebés de meses; crianças que, na segunda-feira, nos refeitórios escolares, repetem tudo o que puderem; pais

que não têm condições de acompanhar os filhos no internamento hospitalar.

Cada vez mais famílias têm dificuldades em cumprir as necessidades básicas das crianças com

alimentação, vestuário, habitação, material escolar e cuidados de saúde.

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A Rede Europeia Anti-Pobreza (REAP) alerta para as consequências do desemprego dos pais na vida das

crianças: situações de elevada instabilidade emocional e psicológica, que influenciam as vivências das

crianças e provocam em muitos casos problemas de aprendizagem, de inserção no meio escolar, de

discriminação, de violência.

Alerta, ainda, para a retirada de crianças e abandono dos ATL, creches e atividades extracurriculares, por

falta de dinheiro das famílias, sendo muito prejudicial para as crianças, porque ficam afastadas das suas

rotinas diárias e da aquisição de novas competências. O facto de ficarem com os pais em casa quando estes

não se encontram nas melhores condições psicológicas e emocionais para dedicar tempo de qualidade aos

seus filhos, terá custos acrescidos num futuro próximo. A instabilidade vivida pelos pais conduz a uma

desorientação crescente no seio familiar que pode levar a situações de negligência e mesmo de violência.

Muitas IPSS (instituições particulares de solidariedade social) alertam também para a incapacidade de

resposta a esta situação dramática. É, aliás, preciso muita coragem para pedir ajuda num quadro em que o

atual Governo PSD/CDS-PP aposta numa forte estigmatização da pobreza, associando-a à «preguiça» e à

«subsidiodependência» do Estado.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exatamente!

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Esta realidade é, sobretudo, visível em camadas que, até agora, viviam com

autonomia económica, a decidir sobre as suas vidas, mas que, agora, são atiradas para a pobreza.

Sr. Presidente e Sr. Deputados, as causas estruturais da pobreza, em Portugal, têm sido profundamente

agravadas, com mais de 36 anos de políticas de direita, o processo de integração capitalista na União

Europeia, a natureza do capitalismo e da crise e a aplicação das medidas do pacto de agressão — repito, a

aplicação das medidas do pacto de agressão da troica.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Em Portugal, a taxa de risco de pobreza é superior à de alguns países com

rendimentos mais baixos, mesmo após a transferência dos valores das prestações sociais, o que torna claro a

necessidade efetiva de reforço dos mecanismos sociais de combate à pobreza e à exclusão social.

Para além disto, o aumento do risco de pobreza está em estreita relação com a destruição, em curso, das

funções sociais do Estado. Os cortes nas prestações sociais são ainda mais injustos e chocantes, ao mesmo

tempo que o Governo, que recusa o abono de família a milhares de crianças, disponibiliza 12 000 milhões de

euros para os grupos económicos e financeiros.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exatamente!

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — O PCP realizou, há dois dias, uma audição parlamentar sobre o flagelo da

pobreza infantil, onde diversas de organizações, associações, entidades e personalidades deram um

contributo precioso para a análise da pobreza infantil e ajudaram a apontar saídas efetivas para este flagelo.

A realidade atual exige uma resposta efetiva a situações extremas de carência, mas não pode ser

orientada por princípios assistencialistas contrários à necessidade de erradicação profunda da pobreza e à

garantia da emancipação individual e coletiva dos cidadãos.

O combate à pobreza e à exclusão social é inseparável de um caminho mais geral, de crescimento

económico, de valorização do trabalho e dos trabalhadores, de uma política de aumento dos salários

(designadamente, do salário mínimo nacional) e das pensões, de maior justiça na distribuição da riqueza —

repito, de maior justiça na distribuição da riqueza — e de elevação das condições de vida do povo; é

inseparável de uma aposta num sistema público de segurança social forte, num Serviço Nacional de Saúde,

público, universal e gratuito, e numa escola pública e democrática que garanta a igualdade de direitos e de

oportunidades para todos.

É por isso urgente, considera o PCP, a derrota do pacto de agressão e do Governo que o executa, e que

um governo patriótico e de esquerda assuma como prioridade renegociar já, produzir mais e distribuir melhor.

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Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Inscreveram-se três Srs. Deputados para pedir esclarecimentos.

Tem a palavra, em primeiro lugar, a Sr.ª Deputada Nilza de Sena.

A Sr.ª Nilza de Sena (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Rita Rato, este Governo iniciou funções num

momento em que os níveis de pobreza eram elevadíssimos. Exatamente por essa razão, e imediatamente,

não tomou uma, duas ou três medidas, mas implementou um programa inteiro, o Programa de Emergência

Social.

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Sr.ª Nilza de Sena (PSD): — De resto, a pobreza e a exclusão social estavam já na agenda da Cimeira

de Lisboa, em 2000, e fazem parte de um conjunto de medidas também integradas naquilo que são as metas,

que se pressupõe serem atingidas em 2020, propostas pela Comissão Europeia.

Nesse sentido, Sr.ª Deputada, importa garantir não só o crescimento económico mas também a coesão

social — e este Governo tem-no feito. Tem-no feito, particularmente, assumindo uma série de medidas

estratégicas, entre as quais o aumento das pensões mínimas, no caso da pobreza infantil, em particular,

disponibilizando às cantinas sociais uma dotação maior, de 50 milhões de euros (o que corresponde a mais de

500 cantinas), para que as crianças possam aí usufruir dessa alimentação necessária, e aumentando também

a dotação para cada criança institucionalizada — a Sr.ª Deputada certamente não negará saber que

aumentámos a dotação de 450 € para 700 €, ou seja, um aumento de 45%.

Isto não corresponde à visão assistencialista ou de subsidiodependência que a Sr.ª Deputada referiu, antes

é uma forma de combate que corresponde à responsabilização e à consciência de que o problema existe.

Sr.ª Deputada, devo dizer-lhe que combater a pobreza e, em particular, a pobreza infantil, que é o tema que

aqui nos traz, também se faz dando uma visão e um caminho ao futuro que a todos nos deve responsabilizar e

preocupar e, nesse sentido, garantindo respostas de dinamização e de crescimento da nossa economia,

reganhando credibilidade externa e reabilitando as condições de financiamento que só auguram coisas boas

para os jovens e para as crianças.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Nilza de Sena (PSD): — Sr.ª Deputada, quero perguntar-lhe o seguinte: acha que o Governo não

deve continuar a ajudar estas crianças com estas medidas?

Quero ainda dizer-lhe o seguinte, Sr.ª Deputada: este Governo combate a pobreza não entregando o peixe

mas ensinando mesmo a pescar.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Rita Rato.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Nilza de Sena, agradeço a questão que colocou.

A Sr.ª Deputada não há de ser indiferente ao facto de a pobreza infantil ser certamente uma das

expressões mais violentas da austeridade e o resultado das políticas profundamente injustas deste Governo,

agravadas pela aplicação do pacto da troica.

É verdade que a pobreza começou há muito. Começou, desde logo, com sucessivos governos a impedirem

o aumento do salário mínimo nacional e a atirarem todos os dias para a pobreza milhares e milhares de

trabalhadores, que trabalham todos os dias e que, mesmo assim, não conseguem romper com um ciclo de

pobreza.

Mas se é verdade que a pobreza, no nosso País, tem causas estruturais, não é menos verdade que este

Governo, desde que chegou ao poder (e nós temo-lo dito várias vezes), é uma máquina de fazer pobres. Este

Governo atira todos os dias para a pobreza não apenas crianças mas famílias inteiras!

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E, Sr.ª Deputada, não nos venha dizer que não dão o peixe, mas dão a cana e ensinam a pescar. É que

este Governo nem peixe, nem cana, nem mar! Este Governo tira e diz aos jovens portugueses e às famílias:

vão-se embora daqui, emigrem!

Mais importante do que vir aqui falar-nos da importância de algumas medidas que estão em curso, das

cantinas sociais, teria sido a Sr.ª Deputada ter ouvido, na audição parlamentar que realizámos, algumas IPSS

afirmar o seguinte: este Governo, em vez de se autoelogiar pela abertura de mais cantinas, devia proceder ao

encerramento de cantinas, porque isso, sim, seria um exemplo de que a fome e a pobreza estão a ser

erradicadas.

Mas nós sabemos que assim não é, porque o resultado destas políticas — e não é preciso ser grande

economista para percebê-lo, Sr.ª Deputada, porque, se falar com qualquer pessoa na rua, ela explica-lhe o

que é a dureza do seu dia-a-dia —, das políticas que estão em curso, do pacto de agressão da troica, de não

querer renegociar a dívida, de destruição do aparelho produtivo nacional e de agravamento do desemprego,

só vai gerar mais pobreza, Sr.ª Deputada.

É por isso que dizemos que, mais importante do que a cana e o peixe, é, desde logo, garantir a dignidade à

vida de milhares de crianças e jovens que, hoje, são atirados para a pobreza, por responsabilidade direta

dessa bancada e deste Governo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa

Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Rita Rato, quero saudá-la pela sua

declaração política e pelo problema que abordou aqui hoje, que se prende diretamente com a pobreza infantil.

Quero dizer-lhe, Sr.ª Deputada, que estou perfeitamente estupefacta com as considerações feitas ainda

agora pela Sr.ª Deputada do PSD, dando a crer que a pobreza está nitidamente a diminuir em Portugal. Isto dá

a ideia de que o PSD e, em particular, a Sr.ª Deputada Nilza de Sena estão profundamente alheados da

realidade. É que a pobreza sente-se no terreno, Sr.ª Deputada. Bem sei que o Governo e a maioria já não

contactam diretamente com as pessoas…

Vozes do PSD: — Oh!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — … e são mal recebidos quando saem à rua. Mas, Sr.ª Deputada,

é preciso encarar a verdadeira realidade do País: a pobreza aumenta, em Portugal, fruto das políticas

desenvolvidas pelo Governo. Não tenha dúvidas, Sr.ª Deputada.

Sr.ª Deputada Rita Rato, falando em questões concretas, fundamentalmente na área da educação, que é

onde o apoio também pode ou não ser visível para o conjunto de crianças e jovens neste País, gostava de

saber o seguinte: temos mais informação sobre o abandono de estudantes no ensino superior, não temos?

Temos confirmação das dúvidas que se tinha há tempos, não temos? Temos, temos confirmações!

Sr.ª Deputada, abandono é uma coisa. Mas uma outra coisa, de que não temos números e provavelmente

não vamos ter, mas que é uma realidade neste País, é esta: quantos jovens e quantas famílias não poderão

hoje sequer sonhar em ir para o ensino superior? Não é abandonar, é nem sequer pensar ou sonhar com essa

realidade na sua formação, e isto é preocupante.

Quanto ao apoio social escolar dos mais novos, a Sr.ª Deputada está convicta de que o mesmo abrange

todas as crianças e famílias que, de facto, teriam necessidade desse apoio escolar, ou houve regras alteradas

e uma diminuição eficaz do universo de crianças abrangidas?

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Concluo já, Sr. Presidente.

E o programa do pequeno-almoço escolar, Sr.ª Deputada, era uma emergência… Não, minto: primeiro,

havia muitas dúvidas; depois, percebeu-se que, de facto, era real (e Os Verdes denunciaram bastante esta

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situação); depois, era uma emergência; mas, afinal, nem metade das crianças, no final do ano passado,

estavam abrangidas.

Isto é que é uma política social, Sr.ª Deputada?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Rita Rato.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, agradeço a questão que coloca.

De facto, da análise que fazemos — e que foi seguramente enriquecida com um contributo muito alargado

de um conjunto de associações e organizações que trabalha todos os dias com crianças —, o que podemos

dizer é que as medidas hoje em curso, no âmbito da aplicação do pacto da troica, mas também no âmbito da

educação e da saúde, colocam em causa o desenvolvimento integral das crianças. Ora, isso deveria fazer

pensar os Srs. Deputados do PSD e do CDS e também do Partido Socialista relativamente ao efeito da política

profundamente recessiva que estão a levar a cabo.

Quanto ao abandono escolar, houve uma professora que, há dois dias, disse aqui que o abandono escolar

pode ser medido por aqueles que se inscreveram e deixaram de ir, mas também pode ser medido através

daqueles que já nem sequer se inscrevem.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — E a Sr.ª Deputada chama a atenção para um outro fenómeno, um fenómeno de

retrocesso social, que tem a ver com aqueles milhares de jovens que já nem sequer se candidatam ao ensino

superior porque sabem que não vão ter dinheiro para pagar propinas.

É que nós vivemos num País em que o salário mínimo nacional, que, há duas semanas, PS, PSD e CDS

se recusaram a atualizar, é menos de metade do valor de uma propina do 1.º ciclo. Mas que País avançado é

este, Sr.ª Deputada do PSD? — faço-lhe esta pergunta, uma vez que a Sr.ª Deputada abana a cabeça a dizer

que não há abandono escolar no ensino superior!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Não há, não!…

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Que País avançado é este, quando, por exemplo, na Universidade do Minho,

são mais de 4000 aqueles que, hoje, não conseguem pagar propinas, porque estas já estão em 1066 €?!

A Sr.ª Deputada acha que é um fator de avanço social ter as propinas do 1.º ciclo em 1066 € e o salário

mínimo nacional em 485 €?! Aliás, a educação e o acesso aos graus mais elevados de ensino estão

consagrados na nossa Lei Fundamental.

Sr.ª Deputada, isto não é um sinal de avanço, é um sinal de retrocesso civilizacional para o qual o PSD e o

CDS, muitas vezes — demasiadas vezes! — com o apoio do PS, estão a querer atirar o País. Mas, da parte

do PCP e de muitos outros, que, fora da Assembleia da República, continuam a lutar todos os dias por uma

vida digna, podem ter a certeza que, mais cedo do que tarde, esse caminho terá de ser alterado.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro

Delgado Alves.

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS) — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Rita Rato, agradeço o tema que aqui

traz e que é, de facto, um diagnóstico correto da situação atual que enfrentamos. Só quem não quer ver a

situação económica degradada é que faz afirmações como as que aqui ouvimos, em que, aparentemente,

temos uma inflexão de rumo e uma melhoria da qualidade de vida das pessoas.

Os exemplos referidos, que se reportam à ação social escolar no ensino superior, às deficiências e às

dificuldades no fornecimento de alimentação aos jovens nas escolas, dos quais tivemos relato na primeira

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pessoa, na 1.ª Comissão, são demonstrativos, ilustrativos de que o problema é sério. E o problema é sério não

só porque se recusa ver com realidade este diagnóstico como pelo facto de as soluções propostas irem no

sentido errado, pois não percebem a natureza do Estado social. Não percebem que as prestações sociais têm

um valor insubstituível na redução da pobreza, têm um valor inqualificavelmente inultrapassável na forma

como avaliamos a taxa de pobreza antes das prestações sociais e o resultado dela depois dessas políticas

públicas serem aplicadas. E é isto que está a retroceder de forma clara!

Aplausos do PS.

No entanto, não só há um retrocesso claro como o que se oferece em substituição também não funciona.

A abordagem caritativa do Programa de Emergência Social tinha, até outubro do ano passado, uma taxa de

execução zero e, se compararmos as prestações sociais de 2012 com as de 2011, no final do ano, temos uma

redução de 0,47%, ou seja, temos menos apoio social no momento em que a crise de agravou. Isto é negar a

realidade e não perceber qual é o caminho certo.

Antes de terminar, Sr.ª Deputada Rita Rato, devo dizer, com pena, que, infelizmente, a Sr.ª Deputada não

perde uma oportunidade em falhar o alvo, porque quando fala em 36 anos de políticas de direita falha

manifestamente o reconhecimento dos avanços das políticas sociais nos últimos anos,…

Aplausos do PS.

… ignora o aumento do rendimento social de inserção, ignora a existência do complemento solidário para

idosos, ignora que o aumento do salário mínimo, de facto, teve lugar — pode não ter ocorrido nos últimos

anos, pode não ter feito o percurso que gostaríamos, mas aumentou nos últimos 10 anos.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Termino já, Sr. Presidente.

Sr.ª Deputada, podemos não concordar com tudo, podemos ter, muitas vezes, momentos em que

«separamos as águas» e trilhamos um caminho diferente. Porém, procurar ignorar as propostas e as ações

que o Partido Socialista realizou nos últimos anos e que permitiram dar músculo e capacidade de resposta ao

Estado social não só é injusto como traduz uma cegueira em relação à realidade.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Rita Rato.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Delgado Alves, agradeço as questões que

não colocou. Mas, ainda assim, gostaria de dizer que, sobre algumas matérias de que falou, não podemos

deixar de estar de acordo. De facto, temos hoje níveis históricos de desemprego e de pobreza, desde o 25 de

Abril, e não podemos, por isso, deixar de condenar e de responsabilizar os responsáveis, diretos e indiretos,

pela situação que vivemos.

Vivemos, hoje, num País em que a única refeição quente que muitas crianças fazem é na escola; vivemos,

hoje, num País em que qualquer família que viva com mais de 628 € não tem direito ao abono de família,

ficando fora desta prestação social.

Portanto, continuaremos sempre, na primeira linha, a denunciar o efeito da política deste Governo do PSD

e do CDS, mas nunca poderemos deixar de condenar os efeitos da política em que o PS insiste em

acompanhar a direita.

Protestos da Deputada do PS Isabel Alves Moreira.

Sr. Deputado, relativamente às questões das prestações sociais, certamente estará recordado de o PCP

ter denunciado, desde o primeiro momento, um filtro inaceitável, que foi o Decreto-Lei n.º 70/2010.

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exatamente!

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — O Sr. Deputado recorda-se perfeitamente que esse Decreto-Lei, aprovado com

os votos do PSD e do CDS-PP, foi de um anterior Governo do Partido Socialista,…

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Nem mais!

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — … que tirou o abono de família a milhares de crianças, que retirou o

complemento solidário para idosos a milhares de idosos, que impediu o acesso ao subsídio de desemprego e

ao subsídio social de desemprego, que contribuiu para o agravamento da pobreza.

Sem dúvida que o fizemos e que o continuaremos a fazer agora, uma vez que o Governo PSD/CDS

continua e insiste em perpetuar o acesso às prestações mínimas de sobrevivência.

Portanto, gostaríamos que o Partido Socialista rompesse com o discurso de insistir no caminho da

austeridade para resolver os problemas do País, que foi o que o Sr. Deputado Pedro Delgado Alves fez.

Para nós, o problema da pobreza é estrutural porque se prende com as desigualdades sociais e com a

desigual distribuição da riqueza. Precisámos que o PS virasse à esquerda para acompanhar o PCP quanto ao

aumento do salário mínimo nacional e à revogação do Decreto-Lei n.º 70/2010. Isso, sim, seria muito

importante e seria certamente um sinal de avanço e de progresso, que, infelizmente, o PS não quer fazer e,

por isso, enquanto tal não acontecer, vai continuar a ouvir o PCP a falar dos 36 anos de políticas de direita!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana

Aiveca.

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Sr. Presidente, a Sr.ª Deputada Rita Rato trouxe, de facto, um problema

que deveria preocupar mais as bancadas da direita e o atual Governo.

A pobreza tem vários rostos, mas tem um impressionante rosto de criança. E só quem tem muita

insensibilidade social é que não fica chocado com a brutal imagem que ainda anteontem vimos na televisão,

em que crianças tiravam do seu almoço na escola para levarem para casa, para os seus pais.

Portanto, quando a Sr.ª Deputada Nilza de Sena fala em cana e em pesca, decididamente, o que está a

fazer é a meter uma grandessíssima água sobre as políticas sociais! Está a esconder que o Programa de

Emergência Social não respondeu ao essencial;…

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — … está a esconder que, em prestações sociais, este Governo e o seu

ministro, que tanta propaganda fez sobre o humanismo cristão, cortou 2000 milhões de euros em prestações

sociais. Esta é a grande verdade!

Ainda agora vimos, no Orçamento do Estado, o corte no subsídio de desemprego. Como queremos que a

pobreza não tenha rosto de criança quando há pais que recebem 396 € de subsídio de desemprego? Esta é

que é a realidade, pura e dura, de uma política de insensibilidade social levada ao limite, de uma política que

assenta no dogma da direita, num dogma perfeitamente ideológico de que o Estado tem de ser um Estado

mínimo.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Queira fazer o favor de concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Termino já, Sr. Presidente.

Pergunto-lhe, Sr.ª Deputada, se não considera que é uma emergência romper com esta política e se não

considera ser uma necessidade muitíssimo urgente aumentar o salário mínimo nacional.

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Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Rita Rato.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Mariana Aiveca, agradeço a questão que colocou.

De facto, este debate trata dos direitos das crianças e do respeito pelos direitos e pela dignidade na vida

das crianças.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — O que temos hoje, em cima da mesa, é um profundo desrespeito e violação dos

mais elementares direitos na vida das crianças portuguesas.

Quando, hoje, a Sociedade Portugal de Pediatria denuncia situações em que há mães que acrescentam

água ao leite artificial para dar aos bebés, ou mães que, não tendo dinheiro para comprar leite artificial, dão

leite de vaca a bebés de meses, isto constitui a violação primária dos direitos das crianças.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — E isto tem tudo a ver com as questões do desemprego, dos salários de miséria,

dos cortes nas prestações sociais.

É por isso que entendemos que quem está numa situação de emergência tem de ter uma resposta

imediata, mas temos de ir muito mais longe do que isso, porque essa foi uma grande conquista do 25 de Abril

e do regime democrático. É que, para além de um auxílio emergente, é preciso ter uma perspetiva de retirada

das populações, designadamente as crianças, de uma situação de pobreza.

Mais do que qualquer paliativo, é importante uma perspetiva de emancipação individual e coletiva,

designadamente de milhares de crianças e famílias. Por isso, entendemos que, na primeira linha, deve estar o

aumento do salário mínimo nacional, o cumprimento de um acordo de concertação social ainda assinado pelo

anterior Governo, violado pelo anterior Governo, violado pelo atual Governo, e que seria da mais elementar

justiça que se cumprisse para que se pudesse falar, de boca cheia, de respeito pelos direitos das crianças.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Srs. Deputados, terminadas as declarações políticas, passamos ao

segundo ponto da ordem do dia, que consiste no debate conjunto e na generalidade da proposta de lei n.º

115/XII (2.ª) — Procede à primeira alteração à Lei de Organização, Competência e Funcionamento dos

Julgados de Paz, aprovada pela Lei n.º 78/2011, de 13 de julho, aperfeiçoando alguns aspetos de organização

e funcionamento dos julgados de paz, e dos projetos de lei n.os

333/XII (2.ª) — Estabelece a rede nacional, o

regime de competência, a organização e o funcionamento dos julgados de paz (PCP) e 334/XII (2.ª) — Altera

a lei dos julgados de paz (Primeira alteração à Lei n.º 78/2001, de 13 de julho) (BE).

Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Justiça, que aproveito para cumprimentar assim

como a equipa governamental que a acompanha.

Faça favor, Sr.ª Ministra.

A Sr.ª Ministra da Justiça (Paula Teixeira da Cruz): — Sr. Presidente, permita-me que o cumprimente,

assim como os restantes elementos que compõem a Mesa e os Srs. Deputados.

Relativamente à proposta de lei sobre os julgados de paz, as principais linhas de orientação da iniciativa

legislativa que hoje debatemos visam, por um lado, reforçar a aproximação da justiça, através da atribuição de

maior competência dos julgados de paz aos cidadãos, e eliminar situações de desaforamento, respeitando,

assim, de forma mais plena, a confiança dos cidadãos nestas instituições.

Quais são as ideias-chave da proposta? São, basicamente, cinco inovações fundamentais.

Em primeiro lugar, aumenta-se a competência em razão do valor, passando a ser possível ver dirimidos,

nos julgados de paz, litígios cujo valor não exceda os 15 000 €. Tal alteração tem por base o reconhecimento

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de que há litígios que, envolvendo quantias superiores a 5000 €, revestem alguma simplicidade do ponto de

vista da sua análise jurídica e, por outro lado, observa-se que idêntico valor já serve, hoje, de parâmetro

enquanto limite máximo para o procedimento da injunção.

Em segundo lugar, propõe-se a alteração da competência em razão da matéria, prevista na alínea a) do n.º

1 do artigo 9.º, com vista a centrar a exclusão da competência não na qualidade da pessoa do demandante

mas no tipo contratual admitido. Para além das dúvidas sobre a eventual desconformidade constitucional do

preceito atual, como é sabido, considerou-se pertinente apurar a norma de modo a não admitir nos julgados de

paz o julgamento de causas associadas à «litigância de massa», sem, contudo, subtrair às pessoas coletivas

legitimidade processual ativa quando estejam em causa litígios respeitantes a obrigações pecuniárias.

Em terceiro lugar, estabelece-se que, produzida a prova pericial, o tribunal de 1.ª instância deve remeter os

autos ao julgado de paz onde a ação corria termos para aí prosseguir o julgamento da causa. Pretende-se,

basicamente, obstar ao desaforamento dos julgados de paz nos casos em que é importante realizar a perícia

— mas a verdade é que os julgados de paz ainda não têm condições para realizar este tipo de atos.

Em quarto lugar, aumenta-se a competência dos julgados de paz para a tramitação de incidentes

processuais, desde que os mesmos não sejam vedados por outras disposições legais.

Em quinto e último lugar, introduz-se a possibilidade de serem requeridas providências cautelares junto dos

julgados de paz.

Para além das inovações enunciadas, que estão relacionadas com a competência do julgado de paz

enquanto meio jurisdicional, embora não judicial, de resolução de litígios, procurou intervir-se de forma coesa a

alinhar a Lei dos Julgados de Paz com outro diploma muito relevante, o da mediação, submetida também hoje

a este Parlamento.

Com a apresentação desta iniciativa e do regime de mediação, alteramos os meios alternativos de

resolução de litígios num curto espaço de tempo.

Estamos, em suma, perante duas iniciativas que apostam na desburocratização, no aumento da eficiência

e, finalmente, nos mecanismos de proximidade.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira,

do PCP.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as

e Srs. Deputados: A

discussão que hoje fazemos, dos julgados de paz, toca um tema que, normalmente, está arredado das

parangonas da comunicação social, porque, felizmente, é um exemplo de uma medida de sucesso em matéria

de funcionamento do sistema de justiça e, de facto, é uma pena que mereça tão pouca atenção pelo sucesso

que representa e tem representado ao longo de 10 anos de funcionamento.

Em 2000, o PCP apresentou um projeto de lei e propostas que foram, de facto, um contributo decisivo para

o que pode ser hoje reconhecido como um dos mais significativos avanços em matéria de condições de

administração da justiça em Portugal no século XX e que significou, de facto, uma forma nova, simples e

eficaz de fazer justiça, cujo mérito e eficácia são, aliás, reconhecidas pelo recurso massivo que a ele fizeram

os cidadãos, ao longo destes mais de 10 anos.

Sabia-se, em 2000, que esta medida significava uma forma de administrar a justiça que necessitava de

tempo e de meios para dar corpo à plenitude das suas potencialidades, apesar de, inicialmente, estar prevista

uma aplicação de certa forma limitada quanto à sua competência e abrangência territorial.

O projeto de lei que o PCP hoje aqui apresenta não pretende ser um novo regime de julgados de paz.

Apresentamos um projeto que é uma lei, «de fio a pavio» — permitam-me a expressão popular —, mas

fazemo-lo por motivos que são de coerência sistemática e de organização da própria lei, porque

reconhecemos que, neste projeto de lei, recuperamos muitas das soluções que já hoje estão em vigor,

introduzindo-lhe necessariamente alterações, umas de menor monta outras de maior alcance, relativamente à

lei em vigor e que procuram não só resolver problemas com que hoje se confrontam os julgados de paz como

também, de forma inovatória, introduzir respostas para aquele que deve ser o enquadramento futuro do

desenvolvimento dos julgados de paz.

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Procuramos, nomeadamente, dar resposta a problemas que se foram colocando, afirmando, por exemplo,

a competência exclusiva das matérias que estão atribuídas no âmbito da competência dos julgados de paz; ou

procurando resolver questões que se colocam relativamente ao desenvolvimento da rede; procurando garantir

a igualdade de acesso dos cidadãos do território nacional, assegurando que isso não é feito à custa das

autarquias ou na dependência da capacidade das autarquias para corresponder a essa intenção e, sobretudo,

de uma forma que não seja para compensar encerramentos de tribunais, pois julgamos que não deve ser essa

a forma de desenvolvimento da rede dos julgados de paz.

Uma outra questão tem a ver com falta da carreira de juízes de paz, que julgamos que deve ser um

desiderato a assumir, porquanto ela significa garantir condições mínimas para corresponder à exigência de

independência dos juízes de paz no exercício das suas funções.

A previsão da tutela em matéria de gestão e disciplina dos juízes de paz no âmbito do Conselho Superior

da Magistratura é outra questão, porque julgamos que é esse o enquadramento orgânico correto em que esta

matéria deve ser considerada.

As inovações que introduzimos no projeto de lei resultam, fundamentalmente, de questões que se colocam

desde 2000 e que têm a ver, por exemplo, com a competência criminal dos julgados de paz, com a introdução

de uma figura de julgados de paz de 2.ª instância, que permita dar resposta à necessidade de recurso das

decisões dos juízes de paz, e, ainda, com a competência executiva que é atribuída aos julgados de paz para a

execução as suas próprias decisões, obviamente ficando esta arredada quando ela deva ser atribuída aos

tribunais, nomeadamente em caso de necessidade de cumprimento de prisão subsidiária por falta de

cumprimento da pena de multa.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília

Honório, do Bloco de Esquerda.

A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Justiça e Srs. Secretários de Estado, Sr.as

e

Srs. Deputados: Mais de uma década depois, é tempo de responder ao desafio.

Os julgados de paz são uma exigência de uma democracia moderna e, hoje, são conhecidos e podem ser

avaliados os seus elevados níveis de eficácia e, simultaneamente, temos de reconhecer a evidência: os

julgados de paz facilitam o direito constitucional do acesso à justiça, quer por serem uma justiça de

proximidade, quer por serem uma justiça menos formal, quer pelos custos mais baixos.

Portanto, é hora de responder a este desafio da democracia.

É nosso reconhecimento que a proposta de lei que hoje discutimos tem alguns avanços relevantes,

nomeadamente — e a Sr.ª Ministra já invocou aqui alguns desses aspetos — quando alarga a competência

dos julgados de paz em razão do valor.

Todavia, há outros aspetos, carecendo alguns, evidentemente, de uma discussão aprofundada, porque há

contradições evidentes, nomeadamente entre a exposição de motivos e o articulado, por exemplo na dita

expetativa de carreiras dos juízes de paz.

Em todo o caso, a apresentação deste projeto de lei do Bloco de Esquerda visa responder ao desafio,

ganhar uma oportunidade, questionando-nos sobre se o poder político quer, de facto, ganhar a oportunidade

de estender os julgados de paz a todo o País ou quer apenas resolver alguns dos males que foram

reconhecidos neste percurso de mais de 10 anos.

É por isso que a iniciativa legislativa que aqui apresentamos se situa exatamente nesta prioridade: a da

efetiva cobertura nacional dos julgados de paz, com a criação de uma rede de âmbito nacional e com um

quadro próprio de pessoal que deve sustentar a organização e o funcionamento dos julgados de paz.

A exclusividade quanto à competência e a criação de uma instância de recurso, que não o tribunal da

comarca, parece-nos uma questão determinante em todo este edifício, bem como os requisitos de formação,

de recrutamento e de seleção dos juízes de paz, no sentido de corresponder às suas legítimas expetativas de

estabilidade e de valorização do mérito destes juízes, que tem sido inequívoco e que só podemos saudar.

Também consta da nossa iniciativa legislativa a revisão de algumas normas, nomeadamente as que se

reportam à representação dos incidentes e ao próprio processo da citação, tal como — e este é, para nós, um

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aspeto determinante neste edifício — a dignificação dos Conselho dos Julgados de Paz e da sua missão, que

nos parece ser uma prioridade inquestionável.

Portanto, é com estas inovações que a iniciativa legislativa do Bloco de Esquerda visa responder ao

desafio.

É uma exigência de uma democracia moderna que os julgados de paz tenham uma efetiva cobertura

nacional, que sejam a resposta de uma justiça de proximidade e é preciso saber se o poder político, de facto,

quer responder a este desafio.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Também para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada

Maria Paula Cardoso, do PSD.

A Sr.ª Maria Paula Cardoso (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Justiça, Srs. Secretários de Estado,

Srs. Deputados: De facto, esta matéria dos julgados de paz foi sempre consensual e foi sempre tratada e

construída por todos, e penso que é assim que o PSD e este Governo querem continuar a tratá-la.

Também quero deixar uma nota muito especial à Sr.ª Ministra da Justiça, pelo trabalho que tem

desenvolvido e por ser este o último diploma que fecha as obrigações em matéria de justiça constantes do

Memorando de Entendimento assinado com a troica. Dou-lhe, pois, os meus sinceros parabéns e espero que

seja um exemplo de trabalho para todas as pessoas.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Esta lei, pese embora conste do Memorando de Entendimento, era mais do que necessária. Depois de se

ter feito uma avaliação ao fim de mais de 10 anos de instalação dos julgados de paz, era preciso dar um

carácter mais sólido, mais pertinente, mais consolidado e que fosse mais assertivo a estes julgados de paz.

De facto, a celeridade processual, a proximidade ao cidadão, o baixo custo que implicam em termos de

custas judicias e a simplicidade processual revelaram-se um sucesso em termos de justiça e de aplicação

rápida, indo ao encontro das necessidades do cidadão.

Estes 10 anos vieram, de facto, revelar tudo isso e vieram trazer-nos algumas necessidades de

aperfeiçoamento e de alargamento das competências dos julgados de paz, quer em razão da matéria quer em

razão do valor, como a Sr.ª Ministra já explicou de forma claríssima.

Além do mais, temos de fazer uma reflexão sobre que tipos de julgados de paz e que rede queremos. A lei

já permite que não sejam só os municípios a base dos julgados de paz, passando esta a ser alargada a outras

entidades de reconhecido mérito e idoneidade que pretendam instalar um julgado de paz, o que me parece

uma medida acertadíssima.

Por outro lado, há que fazer uma reflexão sobre as carreiras dos juízes de paz e sobre a composição do

Conselho e respetivas competências. Aqui, queria só deixar um pequeno reparo em relação ao Conselho:

parece-me que, de facto, devem estar representados os juízes de paz — concordo plenamente —, mas a sua

nomeação por parte de uma associação deixa-me algumas reservas, pois penso que seria preferível que a

eleição fosse feita entre os seus pares, até porque se poderia, depois, gerar algum conflito na eventualidade

de se constituírem várias associações.

Espero, pois, que, em sede de especialidade, possamos colher todos os benefícios e todos os contributos

de outros grupos parlamentares que também apresentaram iniciativas legislativas sobre esta matéria. Com

certeza, sairá daqui uma lei dos julgados de paz mais assertiva, mais útil e que marcará a diferença no nosso

País.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Filipe Neto

Brandão, do PS.

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O Sr. Filipe Neto Brandão (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Justiça e Srs. Secretários de Estado,

Sr.as

e Srs. Deputados: Em representação do Governo, a Sr.ª Ministra vem a esta Assembleia propor a

primeira alteração à Lei n.º 78/2001, que foi aprovada há 11 ou 12 anos, por unanimidade, nesta Casa.

Seria desejável vermos hoje, mais de uma década volvida, replicado esse amplo consenso. Com toda a

frontalidade lhe dizemos, Sr.ª Ministra, é essa a nossa vontade, mas para tal é necessário que o Governo

mostre abertura para alterar a proposta que hoje nos traz.

Desde logo, a primeira perplexidade que o diploma nos suscita reside na circunstância de, não obstante a

lei em vigor ter previsto — e existe — um Conselho de Acompanhamento dos Julgados de Paz, o Presidente

desse Conselho, o Sr. Conselheiro Cardona Ferreira, ter insistido em dirigir-se aos Deputados da 1.ª

Comissão para, de viva voz, expor as veementes e ponderosas objeções que esta proposta lhe suscita.

Desde logo, concordamos com o Sr. Conselheiro quando diz que, face às alterações que estão propostas,

nomeadamente o aumento da competência, em razão do valor, para o triplo daquele que neste momento

existe — atualização com a qual concordamos —, não é possível continuar a admitir que os juízes de paz,

para o serem, se bastem com uma mera avaliação curricular e provas públicas e estejam dispensados de um

programa de formação. Aliás, no último parecer da associação dos juízes de paz portugueses, eles próprios

reconhecem as fragilidades que decorrem da inexistência de um processo de formação.

Portanto, pensamos que é incontornável a necessidade de alterar a lei neste ponto.

Do mesmo modo, na composição proposta para o Conselho de Acompanhamento dos Julgados de Paz,

que passa, e bem, a prever a representação dos juízes de paz, entendemos que é indefensável que essa

representação se faça nos termos previstos na proposta, ou seja, por designação da associação profissional

mais representativa e não, como o próprio Conselho Superior da Magistratura ou o Conselho de

Acompanhamento dos Julgados de Paz propõe (e nós concordamos), que seja eleito pelo universo de todos

os juízes de paz, estejam ou não representados na associação profissional.

Há ainda uma questão que é premente, e o Sr. Conselheiro Cardona Ferreira fez questão de o enfatizar,

que tem a ver com a necessidade de densificar as competências do Conselho de Acompanhamento (artigo

65.º), de modo a dar correspondência ao que a Constituição da República Portuguesa impõe, ou seja, a

colocação, a transferência e a ação disciplinar dos juízes dos restantes tribunais (artigo 217.º da Constituição

da República Portuguesa) tem de ser feito na lei.

Neste momento, como o Sr. Conselheiro bem referiu, se a lei habilitante não o prever, há riscos de

qualquer densificação feita por outra via ser arguida de inconstitucionalidade com forte probabilidade de isso

suceder.

Quanto à carreira dos juízes de paz, as fragilidades foram já referidas e, portanto — até porque não

disponho de tempo para o fazer —, não vou voltar a referi-las. De qualquer maneira, a partir do momento em

que o Governo prescindiu, no iter negocial, de estabelecer uma limitação à renovação de mandatos, nós

entendemos que, estando prevista a renovação, essa renovação deve ser a regra e não a exceção. De outro

modo, perguntaríamos qual seria o critério para o juiz de paz não ver a sua comissão renovada.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Sr. Deputado, queira fazer o favor de concluir.

O Sr. Filipe Neto Brandão (PS): — Termino, Sr. Presidente, referindo a nossa inteira disponibilidade para

continuarmos este processo, que foi um projeto de sucesso, e esperamos ver do Governo igual reciprocidade.

Portanto, ainda vamos a tempo de fazer uma boa lei.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa

Anjinho, do CDS-PP.

A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Justiça e Srs. Secretários de Estado,

Sr.as

e Srs. Deputados: Como todos bem sabemos, a Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, apesar da natureza

experimental, tem constituído o suporte normativo para o funcionamento dos julgados de paz.

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Também como todos bem sabemos, de projetos experimentais circunscritos a quatro municípios, os

julgados de paz, quer pela informalidade e rapidez das decisões quer pelos custos reduzidos — também há

que dizê-lo —, impuseram-se com alguma rapidez, apesar de nem sempre beneficiarem de uma igual

velocidade de implementação.

Por isso mesmo, hoje contamos já com 25 julgados de paz, numa importante parceria, em nome da justiça,

contribuindo inclusivamente para a própria imagem da justiça, entre o Estado e os municípios.

As inúmeras potencialidades destes tribunais têm vindo a ser realçadas por inúmeras entidades que

acompanham a atividade dos julgados de paz, sobressaindo, naturalmente, o trabalho do Conselho de

Acompanhamento dos Julgados de Paz.

Estes julgados de paz, para além de proporcionarem uma justiça mais célere e próxima, revelam-se

instrumentos muito importantes no quadro de uma nova política judiciária direcionada para uma melhor

racionalização de meios, que naturalmente não poderá esquecer a necessidade de adaptação dos

formalismos processuais às características particulares dos litígios em causa.

Com a presente iniciativa, o Governo vem assim não apenas afastar a natureza experimental da lei de

2001 como aprofundar os princípios subjacentes à mesma e aperfeiçoar uma lei que necessitava de ser

aperfeiçoada.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — Realço, desde logo, o alargamento das competências em razão da

matéria e do valor, a questão do desaforamento dos processos dos julgados de paz, nos casos de produção

de prova pericial e de incidentes processuais, como já foi referido, e a questão das providências cautelares,

pois todos sabemos que o campo das mediadas cautelares é muito importante para a realização plena da

justiça no caso concreto.

Todavia, e não obstante a discussão que se seguirá na especialidade poder dirimir questões de pormenor e

algumas preocupações que se têm levantado, considero pertinente realçar duas observações que também

poderão ser dirimidas em sede de especialidade, mas que devem merecer da nossa parte a devida atenção.

Em primeiro lugar, considero que seria muito importante a clarificação da natureza da competência material

dos julgados de paz exatamente porque se trata de uma questão controvertida, tanto na doutrina como na

jurisprudência, e porque penso que é uma matéria que poderá iluminar a estratégia da implementação dos

julgados de paz.

Associada a esta consideração está também a segunda observação, que tem que ver com o artigo 25.º,

com a questão da nomeação e, como também já aqui foi referido, da carreira dos juízes de paz, se devemos

ou não avançar por esta matéria, tendo em conta as implicações do mesmo ao nível da limitação do número

de mandatos, ou ao nível do que considero ainda mais importante e que tem que ver com a formação.

Para terminar, quero ainda referir que estamos perante uma nova e muito desejada fase de

aprofundamento, mas que é muito importante no quadro desta reforma do mapa judiciário e da justiça em

geral, que espero também, como disse o Sr. Deputado Neto Brandão do Partido Socialista, que possa

compreender um alargado consenso nesta Casa, tal como, aliás, a Lei de 2001 mereceu a sua unanimidade.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Justiça.

A Sr.ª Ministra da Justiça: — Sr. Presidente e Srs. Deputados, naturalmente, o Governo está aberto a que

obtenhamos uma lei com o consenso mais alargado possível.

Permitam-me, no entanto, fazer três breves reflexões.

A primeira é sobre os resultados: penso que temos de ser cautelosos na avaliação. Há 25 julgados de paz

que, durante 10 anos, julgaram 60 000 processos, o que significa 240 processos por ano por julgado de paz.

Dada a simplicidade das causas, é pouco. Portanto, temos de fazer também essa avaliação, como

compreendem. Ora, isto não nos permite dizer que tenhamos tido um êxito retumbante com os julgados de

paz.

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Em segundo lugar, Srs. Deputados, penso que a competência exclusiva é inconstitucional, porque ninguém

pode inibir alguém de se dirigir a um tribunal judicial, como é evidente.

Em terceiro lugar, quanto à competência em matéria penal, tenho os maiores receios porque, por muito que

formemos, esta não é uma magistratura paralela à judicial e, portanto, custa-me ver alguém que não tenha

essa formação a poder julgar outros em matéria criminal. Mas tenho a certeza que obteremos consenso.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Srs. Deputados, terminada a discussão, na generalidade, da

proposta de lei n.º 115/XII (2.ª), passamos ao ponto seguinte da ordem do dia, a discussão, na generalidade,

da proposta de lei n.º 116/XII — Estabelece os princípios gerais aplicáveis à mediação em Portugal, bem como

os regimes jurídicos da mediação civil e comercial, dos mediadores e da mediação pública.

Para apresentar a proposta de lei, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Justiça.

A Sr.ª Ministra da Justiça: — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Esta proposta de lei pretende ser um

passo importante na afirmação da mediação enquanto meio efetivo também da resolução de conflitos em

Portugal.

A ideia de que o processo está no pleno domínio das partes, sendo elas que determinam a sua realização,

o modo como se desenvolverá e o seu fim, é a trave-mestra da mediação. O princípio da voluntariedade é, por

isso, o princípio fundamental.

Em função destas características, o mediador não tem poderes de autoridade, auxiliando as partes a

restabelecerem a comunicação entre si e a encontrarem a solução adequada ao seu litígio.

Consagrando a mediação nestes termos, esta proposta de lei estrutura-se em quatro grandes vetores:

princípios gerais que regem todas as mediações reguladas em Portugal; regime jurídico da mediação civil e

comercial; regime dos mediadores em Portugal; e regime aplicável aos sistemas públicos de mediação.

Tem ainda como objetivo concentrar num único diploma legislação que se encontra hoje dispersa por um

conjunto amplo de medidas legislativas e até por despacho.

Uma maior utilização da mediação por parte dos cidadãos e empresas é importante, porque é uma solução

alternativa ao recurso dos tribunais, mas também porque corresponde à consagração de um mecanismo que,

em virtude das suas características, poderá e deverá ser encarado como a melhor solução para determinados

tipos de litígios.

A mediação, ao permitir que a solução do litígio resulte do consenso entre os litigantes e não que lhes seja

imposta por um terceiro, permite obter resultados que, por serem mais facilmente adotados pelas partes, são

também mais duradouros e contribuem para uma maior pacificação social.

Srs. Deputados, com esta proposta de lei de mediação temos, finalmente, um bloco regulador completo,

um regime de disciplina dos próprios mediadores. Penso que é, de facto, uma lei importante, porque, todos

sabemos o que se passava, muitas vezes, com a atividade de mediação, em que não raro aqueles que mais

necessitavam eram objeto de um tratamento ou de um regime de mediação com profissionais não

suficientemente habilitados.

Portanto, é o cidadão que queremos defender, daí que reforcemos os requisitos, daí que reforcemos a

própria fiscalização.

Também para esta lei, Srs. Deputados, peço um consenso o mais alargado possível porque, em termos de

meios alternativos de resolução de litígios, penso que temos três boas leis, sobre as quais deveria existir um

consenso alargado, que volto a reiterar que exista.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Lobo, do

PSD.

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O Sr. João Lobo (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, efetivamente, a nossa Constituição —

no n.º 4 do artigo 202.º — refere que a lei poderá institucionalizar instrumentos e formas de composição não

jurisdicional de conflitos.

Esta lei procura sistematizar, desenvolver, integrar, na ordem jurídica portuguesa — tendo em vista o

incremento dos mecanismos que garantem a paz —, a redução do valor que a justiça necessita para ser

realizada e, ao mesmo tempo, assegurar a proximidade dos cidadãos, sendo eles o polo referenciador do

mecanismo que está instituído.

Desde a década de 90 do século anterior que a mediação, como instrumento de pacificação dos conflitos

entre os cidadãos e as instituições, tem vindo a ser incrementada. Mas, conforme referiu a Sr.ª Ministra, era

necessário criar um corpo de normas que sistematizassem os princípios de toda a mediação e, ao mesmo

tempo, aperfeiçoassem quer a mediação civil quer a mediação de caráter comercial.

Justamente, este corpo de normas procura, agora, disciplinar essas matérias e fá-lo de uma forma

consistente e em defesa dos cidadãos, quer pela consagração dos direitos e deveres impostos aos Srs.

Mediadores, quer pela definição do próprio mediador, quer pelos princípios que enformam a sua atividade,

designadamente princípios fundamentais. E gostaria de destacar um deles, sem prejuízo da informalidade,

sem prejuízo da flexibilidade: a garantia de que esses processos têm natureza confidencial e não podem ser

usados nem pelos agentes da mediação nem por terceiros que, direta ou indiretamente, deles se aproveitem.

Ora, isto significa uma garantia acrescida nestas matérias.

Há aqui, do ponto de vista político, um aspeto que gostaria de evidenciar: nós vivemos num tempo em que

a autonomia da vontade negocial vai sendo cada vez mais eludida; é preciso que as pessoas que entram

numa relação de conflito sejam auxiliadas — é justamente isso que a proposta de lei prevê — na compreensão

da questão que está em causa, muitas vezes altamente complexa, e que ao mesmo tempo se aproximem,

através da ação de mediação, para que esse objetivo possa ser consagrado.

Portanto, também gostaria de evidenciar o carácter de celeridade e de rapidez com que a mediação é vista

e interiorizada nesta proposta de lei.

Finalmente, gostaria de evidenciar o seguinte aspeto: a mediação pode ser objeto de uma fase pré-judicial,

em que pode ser aproveitada pelas pessoas antes de entrarem com o processo em tribunal; pode ainda, quer

no processo laboral quer no processo comum, o processo ser suspenso para ser levado à mediação, se o

tribunal assim o considerar necessário; e, finalmente, pode ainda, se as partes o requererem ou na própria

convenção da mediação, ser-lhe atribuída força executória ou carácter de título executivo.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Peço-lhe o favor de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. João Lobo (PSD): — Concluo já, Sr. Presidente.

Queria apenas referir o seguinte: a violação deste princípio implica a nulidade do acordo ou, então, a

validação por parte do tribunal se assim for considerado.

Por último, uma nota final: na concludência das razões que entronizam o merecimento da proposta, a

bancada do Partido Social Democrata acompanhará esta proposta e votá-la-á favoravelmente.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel

Moreira.

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra e Srs. Secretários de Estado, Sr.as

e Srs.

Deputados: A primeira característica clara desta proposta de lei é a da sistematização, consagrando assim os

princípios gerais que regem a mediação realizada em Portugal, o regime jurídico da mediação civil e

comercial, o regime dos mediadores em Portugal e o regime da mediação pública.

A mediação, enquanto processo estruturado através do qual duas ou mais partes em litígio procuram

voluntariamente alcançar um acordo sobre a resolução do seu litígio com a assistência de uma parte terceira

neutra e qualificada — o mediador —, tem antecedentes vários, como em matéria de mediação familiar, de

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resolução extrajudicial de conflitos de consumo, de previsão da mediação como fase processual, no âmbito

dos julgados de paz, ou em matéria penal e laboral.

Não há, para nós, fundamento para uma objeção de caráter geral à proposta de lei, se as falhas evidentes

de vários dos preceitos da mesma, na especialidade, forem corrigidas.

Darei apenas alguns exemplos, porque não disponho de tempo para mais. O n.º 2 do artigo 11.º da

proposta corresponde a não poderem ser sujeitos litígios que respeitem a direitos indisponíveis, na medida em

que, em relação a estes, segundo as regras gerais do processo civil, «não é permitida a desistência, confissão

ou transação que importe a afirmação da vontade das partes relativamente a direitos indisponíveis». Porém, a

proposta de lei não prevê qualquer norma que permita aplicar subsidiariamente as normas de direito

processual civil, bem pelo contrário, as regras a que o processo de mediação fica sujeito são as estabelecidas

no diploma que institua a entidade responsável pela sua efetivação. Ou seja, afastada, ab initio, a aplicação

subsidiária das regras do processo civil, tal significará uma inversão de um princípio fundamental do direito

privado, segundo o qual os direitos indisponíveis não podem ficar sujeitos aos simples interesses das partes.

Não por acaso não se admite transação quanto aos mesmos.

O artigo 11.º, n.º 3, da proposta de lei é um preceito claramente abusivo, no que toca à restrição que impõe

aos poderes do juiz que homologa um acordo obtido em mediação pré-judicial. Temos por ilegítimo o

legislador determinar que um juiz, verificando que um acordo desta natureza enferma, por exemplo, de

qualquer violação a qualquer princípio geral de direito, que viola a boa-fé ou constitui um abuso de direito,

tenha de — permita-se a expressão — fechar os olhos e proceder à homologação, porque assim o dita a

futura lei aqui em apreço.

O regime de confidencialidade terá de ser revisto. Há um dever de confidencialidade imposto ao mediador,

sancionado pelo sistema público, e muito bem, parecendo ser inconsequente a violação de qualquer dever de

sigilo noutros sistemas e, para além disso, por parte de outros intervenientes na mediação, como as partes, os

representantes, os assistentes, etc.

A proposta de lei, entre muitas outras falhas, institui um mecanismo legal de fiscalização do exercício da

atividade de mediação pública, mas é totalmente omissa, a esse propósito, no que toca à mediação privada, o

que pode ter consequências fáceis de imaginar, como a homologação de acordos, por parte do Estado, que,

por exemplo, podem ter sido manipulados, como, de resto, adverte a Procuradoria-Geral da República.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Vou concluir, Sr. Presidente.

Há também uma pergunta que se impõe: assumindo o legislador a mediação pública, célere e barata, como

preferível à privada — basta ler o diploma —, estamos de acordo em inverter a lógica do sistema? Isto é, a

mediação pública, que deve ser subsidiária, é agora burocrática, porque principal?! Fica a pergunta.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa

Anjinho, do CDS-PP.

A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as

e Srs. Deputados:

Discutimos e aprofundamos hoje, sem dúvida — com o anterior diploma e com este —, não uma outra face da

justiça, mas uma nova face da justiça.

Olhando em concreto para esta iniciativa, não tenho dúvidas em afirmar que os meios de resolução

alternativa de litígios se traduzem, perante as mudanças políticas, sociais e económicas dos últimos anos,

numa importante mudança qualitativa no processo de reforma da administração da justiça.

Com a mediação, estamos perante o verdadeiro exercício da democracia participada. A sociedade civil é

convocada a protagonizar a realização quotidiana e concreta da justiça, permitindo ao Estado ver as suas

competências partilhadas nesta área, na medida em que esta via extrajudicial tenha lugar.

Assim, o processo de mediação parte, e bem, do princípio de que as partes têm melhor capacidade e

responsabilidade para determinar, de forma consensual e em cooperação, o que é melhor para elas.

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Na mediação, as pessoas são incentivadas, e bem, a avaliar e a satisfazer as suas próprias necessidades

e a resolver os seus conflitos com responsabilidade, sem a interferência do Estado. Estimula-se também, e

muito bem, a atitude e a consciência cívicas.

Num momento como o que atualmente vivemos, e até perante dados no sentido da sua eficácia, este é um

diploma importante. Serve as pessoas, serve a justiça e serve o Estado.

Destaco, entre outras medidas, a uniformização do regime da mediação, que torna o mesmo muito mais

percetível e, consequentemente, eficaz, acabando com a dispersão legislativa atualmente em vigor, bem

como, naturalmente, o estabelecimento, pela primeira vez, de um conjunto de princípios gerais aplicáveis à

mediação pública e privada realizada em Portugal, o que ajuda não apenas a uma melhor compreensão do

regime da mediação, mas também a definir e delimitar a atividade de mediador.

Registamos, naturalmente, a existência de algumas preocupações, já hoje aqui ouvidas, porque também

foram partilhadas por entidades consultadas, em relação a certas matérias, nomeadamente no que se refere à

delimitação do objeto da mediação, à confidencialidade das informações, à fiscalização da atividade de

mediação.

Mas, no nosso entender, compreendendo algumas das observações, algumas associadas a conhecidas

divergências doutrinárias e jurisprudenciais e outras, simplesmente, a uma deturpação da natureza da

mediação, ou mesmo a confusão entre o que é a mediação pública e a mediação privada, julgamos que estas

questões poderão facilmente ser ultrapassadas, de forma construtiva, em sede de especialidade.

Dito isto, termino dizendo que esta é, sem dúvida, uma importante iniciativa que não só vai ao encontro dos

objetivos de proximidade, cooperação e divulgação, inerentes a todos estes meios, como representa mais um

importante contributo da justiça para a melhoria do Estado, a todo o nível e de forma estrutural, numa clara e

eficaz lógica de reforço, neste âmbito, do papel da sociedade civil.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João

Oliveira, do PCP.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Nos três

minutos de que disponho para intervir não posso fazer uma grande explanação ou, pelo menos, uma reflexão

muito profunda, que, necessariamente, teremos de fazer, e temos feito, relativamente à mediação e à

utilização daqueles que são os identificados mecanismos de resolução alternativa de litígios.

Começo, talvez, com a referência ao facto de, logo na primeira linha da proposta de lei, ser referida uma

perspetiva quanto à mediação que é uma perspetiva limitada do que pode ser a mediação, considerando-a

apenas no plano de mecanismo extrajudicial.

A verdade é que, também no plano do sistema judicial, há, hoje ainda, espaços de mediação que são

levados a cabo pelo juiz, pelos magistrados do Ministério Público, por muitos outros atores do sistema judicial,

que exercem, efetivamente, funções de mediação de conflitos e litígios, sempre que, do ponto de vista legal,

essa possibilidade é admitida e no exercício das competências próprias que exercem.

Esta é uma perspetiva que gostávamos de referir, porque, de facto, a mediação não tem de significar,

necessariamente, a desjudicialização. Infelizmente, tem sido apenas neste campo que a discussão em torno

da mediação tem sido feita, mas, relativamente a essa opção — é uma opção política tão legítima como outra

qualquer —, entendemos que a afirmação das vantagens da mediação num plano de desjudicialização dos

conflitos não é, necessariamente, vantajosa. Sê-lo-á em determinadas matérias, não o será em muitas outras.

Sr.ª Ministra da Justiça, do ponto de vista do PCP, aqueles que, em particular, devem ser os critérios a ter

em conta para aferir das vantagens ou desvantagens da possibilidade de recurso ou não à mediação são,

fundamentalmente, dois: por um lado, se estamos ou não perante direitos disponíveis, perante direitos de que

as partes possam dispor, se há ou não um caráter de indisponibilidade desses direitos, por interesse público

ou até por indisponibilidade individual, porque se trata de interesses ou de direitos públicos, como é o caso no

âmbito de matéria de mediação penal; por outro lado, o critério de perceber se é ou não exigível e necessária

a intervenção do juiz ou do sistema judicial — seja por via do juiz ou de outro dos seus atores, nomeadamente

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do Ministério Público —, no sentido de esbater desigualdades entre as partes que possam condicionar a

composição em concreto do litígio.

A verdade, Sr.ª Ministra, é que a aferição destes dois critérios tem-nos afastado das soluções que têm sido

apontadas, nomeadamente em matéria de mediação laboral e penal, porque entendemos que, neste âmbito,

não deve ser admitida a perspetiva da mediação. É que, mesmo quando estamos perante crimes de natureza

particular, falando da mediação penal, há um interesse de natureza pública que não pode transformar um

litígio, que, obviamente, também se coloca no plano das partes, apenas num litígio em que estejam em conflito

interesses de natureza particular.

Em relação à mediação laboral, obviamente, uma perspetiva contrária, isto é, entendemos que,

relativamente às relações laborais, aquilo que existe é, de facto, uma situação de desigualdade entre as

partes, que exige que o direito seja dito ou, pelo menos, que haja uma intervenção por quem pode dizer o

direito.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Concluirei, Sr. Presidente.

Portanto, entendemos que essas duas matérias não devem caber no âmbito da mediação.

Relativamente àquelas que são as previsões da proposta de lei, Sr.ª Ministra, temos algumas dúvidas,

algumas das quais já foram aqui referidas, nomeadamente em relação às normas do artigo 11.º, n.º 2, sobre a

disponibilidade dos direitos, e também do artigo 11.º, n.º 3, sobre aquilo que, no nosso entender, são

limitações desajustadas relativamente à intervenção do juiz.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Concluo, Sr. Presidente.

Sr.ª Ministra, entendemos que a referência que a Sr.ª Ministra fez, na apresentação da proposta de lei,

relativamente ao caráter voluntário da mediação, tem de ser compatibilizada com outra previsão,

nomeadamente a da punição, em sede de Regulamento das Custas Processuais, das partes que não

recorram à mediação. Isto, Sr.ª Ministra, na nossa opinião, está em confronto direto com aquele que deve ser

o caráter voluntário da mediação.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Ainda para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília

Honório.

A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Esta proposta

de lei, que se apresenta como uma aposta clara na resolução extrajudicial de conflitos e tem, de facto, este

perfil assumido, logo na exposição de motivos, não deixa de ser uma aposta relevante e com aspetos

francamente importantes, do nosso ponto de vista, no caminho da inscrição da mediação no ordenamento

jurídico nacional e, portanto, globalmente, esta aposta é importante.

Mas se existe aqui, pelo menos, segundo as suas palavras, um ensejo de consenso, há algumas matérias

que, pela sua delicadeza e pelas dúvidas que suscitam, merecerão, Sr.ª Ministra, digamos, uma

disponibilidade acrescida, pelo menos da parte da maioria, para que este diploma possa ter esse sustentado

consenso.

Deixo aqui nota de algumas das matérias, que já foram, aliás, apontadas por outras bancadas,

nomeadamente a necessidade de exclusão da composição dos direitos indisponíveis, que é uma matéria que,

de facto, nos preocupa, como é evidente; as margens fluidas e as questões que podem relevar do princípio da

confidencialidade, tal qual está consagrado na proposta de lei; a excessiva fluidez ou mesmo omissão de

soluções concretas, em diversas matérias, quanto aos sistemas privados de mediação, pois há uma clareza

inequívoca quando estão em causa sistemas públicos, mas ela não é idêntica quanto aos sistemas privados.

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Porém, aquela que parece mais contraditória na própria estrutura do diploma é a omissão relativamente à

formação dos mediadores.

Chamo particularmente a atenção para este aspeto, dado que foi a Sr.ª Ministra da Justiça que invocou a

importância desta mesma formação. É que ela não faz muito sentido e há até algumas contradições, havendo,

designadamente, um artigo que refere que deve ocorrer a frequência de ações de formação e outro em que se

refere que essa frequência é obrigatória, não se verificando o ajustamento de um conjunto de critérios e

princípios que devam nortear os mediadores, que são, evidentemente, pilares de todo este sistema. Isto à

revelia, por exemplo, do que acontece com os critérios para os mediadores dos julgados de paz.

Por isso, Sr.ª Ministra da Justiça, se está assim tão preocupada, esta é uma matéria que, de facto, justifica

um esforço consensual.

Finalmente, do nosso ponto de vista, entre outros aspetos que poderão ser trabalhados em sede de

especialidade, se assim o entenderem, parece-nos que também é necessário consagrar a homologação das

decisões através dos julgados de paz, já que estamos a articular os dois diplomas, nomeadamente em função

da matéria e do valor. Mas importa saber da disponibilidade da maioria para estas alterações e para que o

consenso seja, de facto, viável, como a Sr.ª Ministra invocou.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para concluir o debate, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Justiça.

A Sr.ª Ministra da Justiça: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero dizer à Sr.ª

Deputada Isabel Alves Moreira que, naturalmente, não há aplicação subsidiária do Código de Processo Civil,

porque o CPC é, por natureza, um código de composição litigiosa das partes, e estamos aqui a falar num meio

alternativo de resolução de litígios. Há remissão para o CPC, neste diploma, nos casos em que há

compatibilidade e em que há mediação, mas nunca poderia haver aplicação subsidiária.

Relativamente ao dever de confidencialidade, peço aos Srs. Deputados que vejam o n.º 3 do artigo 5.º, que

contém uma exceção a essa matéria e responde às questões colocadas. As homologações pré judiciais e

judiciais constam dos artigos 13.º e 14.º. Portanto, não há aqui qualquer tipo de lacuna. Mais: há sempre uma

articulação com a possibilidade de, nos vários códigos adjetivos, existir mediação ou conciliação até, porque

isso acontece sempre, como sabemos, sendo até uma das obrigações, quer do Código do Trabalho, quer do

Código de Processo Civil, quer do Código do Processo Administrativo.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Ministra.

A Sr.ª Ministra da Justiça: — Relativamente à mediação pré judicial, a que se refere o artigo 13.º, nos

litígios civis e comerciais, consagrados no artigo 11.º, foi levantada a questão dos direitos indisponíveis e

invocado o artigo 11.º, o qual se refere exatamente a matéria civil e comercial e, portanto, é disponível.

Concluindo, Sr. Presidente, quanto à formação e as entidades formadoras, elas encontram-se previstas no

artigo 24.º do diploma, Srs. Deputados.

A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Nós temos o diploma!

A Sr.ª Ministra da Justiça: — Mas tenho a certeza de que, se dúvidas existirem, iremos esclarecê-las.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Terminámos o terceiro ponto da nossa ordem do dia, pelo que

passamos ao ponto 4, que consiste na apreciação do Decreto-Lei n.º 234/2012, de 30 de outubro, que procede

à segunda alteração do Decreto-Lei n.º 165/2006, de 11 de agosto, que estabelece o regime do ensino do

português no estrangeiro [apreciação parlamentar n.º 42/XII (2.ª) (PS)].

Para uma intervenção, pelo PS, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Pisco.

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O Sr. Paulo Pisco (PS): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Nunca como nos últimos anos a língua

portuguesa teve tanta projeção e o seu valor foi tão reconhecido.

Essencialmente, desde 2008, o País despertou para o valor económico e cultural da língua portuguesa e

ganhou, finalmente, consciência do seu imenso potencial. Portanto, há que valorizá-la e promovê-la. E uma

das formas de o fazer é, reconhecidamente, através das imensas comunidades de portugueses espalhados

pelo mundo.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Paulo Pisco (PS): — Na retórica, o Governo considera o ensino a âncora das políticas para as

comunidades. O próprio preâmbulo do Decreto-Lei n.º 234/2012 sublinha a importância de uma estratégia

global para a língua portuguesa no mundo, visando o reconhecimento da sua importância cultural,

geoestratégica e económica.

Mas a realidade da prática governativa é bem diferente e cheia de contradições. E a verdade é que nunca o

ensino do português no estrangeiro foi tão maltratado.

Não basta ao Governo acenar com a certificação das aprendizagens para garantir maior qualidade nos

cursos. Haveria mais qualidade se os cursos não tivessem sido amputados em uma ou mais horas semanais e

se cada professor não passasse a ter mais algumas dezenas de alunos e mais níveis de ensino por cada sala

de aula.

Aquilo que o Governo gostaria que fosse esquecido, mas que o PS não deixará, é que hoje o ensino do

português no estrangeiro tem menos 11 milhões de euros do que tinha em 2010, que só em 2012 foram

suprimidos mais de 120 professores e que nesse ano foi tomada a inaceitável decisão de despedir, a meio do

ano, 49 professores de França, da Suíça e da Espanha.

Mas a mais grave contradição entre a retórica e a realidade, e na linha da lógica obsessiva de obter

receitas custe o que custar, é a introdução de uma propina no ensino do português no estrangeiro, do pré-

escolar ao secundário, conforme consta do artigo 5.º do Decreto-Lei em apreciação.

Para começar, a introdução da propina foi feita de forma displicente, porque foram definidos e divulgados

os valores a pagar e dadas outras orientações antes de ser aprovado o necessário enquadramento legislativo.

Mas, sobretudo, a criação desta propina significa desprezar vários artigos da Constituição e da Lei de Bases

do Sistema Educativo sobre o que são os deveres do Estado na defesa e promoção da língua e na sua

relação particular com as comunidades portuguesas.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Paulo Pisco (PS): — Significa um corte radical com a ideia que esteve na origem da criação do

ensino do português no estrangeiro, que foi o reconhecimento da importância das nossas comunidades e a

necessidade de com elas manter um vínculo afetivo e efetivo através da língua e da cultura.

Significa a criação de uma discriminação negativa, visto que em Portugal o ensino básico e secundário são

gratuitos.

Significa mais um golpe na escola pública e na sua função de proporcionar mais e melhores oportunidades

para os portugueses, onde quer que vivam.

Significa limitar a oferta no ensino numa altura em que a procura aumenta, porque os fluxos migratórios

estão dramaticamente elevados.

Significa criar um afastamento dos jovens e das suas famílias em relação a Portugal, numa altura em que

há cada vez mais portugueses a optar pela dupla nacionalidade.

Não podemos deixar de evocar aqui, de forma enfática, a surpreendente declaração do Secretário de

Estado das Comunidades no recente Seminário Diplomático, quando disse que «não tinha ilusões sobre o que

aconteceria quando os pais tivessem de pagar a propina».

Pois se a propina vai afastar os jovens do ensino, por que razão insiste numa medida errada que sabe, à

partida, que irá diminuir a capacidade de afirmação e de expansão da língua, que vai criar desigualdades e,

mais uma vez, acentuar um sentimento de discriminação nas nossas comunidades?

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Como quer o Governo que o português ombreie nos liceus com o inglês e o francês, que seja uma língua

global, com o reconhecimento a que tem direito, se não investe devidamente na sua promoção e valorização?

Portanto, a proposta do PS, já entregue na Mesa da Assembleia, vai no sentido da valorização efetiva da

língua portuguesa,…

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Paulo Pisco (PS): — … através daqueles que melhor a podem divulgar, que são os portugueses

espalhados pelo mundo, e, por essa via, que se reconheça a importância de tudo fazer para manter o vínculo

que os liga ao nosso País.

É por isso que o PS propõe que o Governo desista da norma que introduz uma propina no ensino do

português no estrangeiro.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria João Ávila, do PSD.

A Sr.ª Maria João Ávila (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as

e Srs. Deputados: A

revisão legal que regula o regime jurídico do ensino do português no estrangeiro teve em conta os seguintes

objetivos: aumentar a qualidade deste modelo de ensino através de mecanismos de avaliação e de

certificação das aprendizagens, de mais ações de formação para os professores e da implementação de um

programa de incentivo à leitura para jovens e crianças.

A certificação será realizada de acordo com os níveis linguísticos estabelecidos no quadro europeu de

referência para o ensino das línguas. É introduzida uma propina de frequência nos cursos da iniciativa do

Estado português, cuja aplicação será feita aquando das inscrições para o próximo ano letivo, tendo em conta

a necessidade de adotar novas medidas de valorização desta modalidade de ensino e no sentido de

responsabilizar as famílias, tornando-as parceiras do processo que, ao ter acesso aos programas e aos planos

de aprendizagem de cada turma, poderão entender a mais-valia que o ensino do português pode ter na vida

dos seus filhos.

Aliás, gostaria de salientar que a responsabilização das famílias já é uma realidade em alguns países,

como seja o caso dos Estados Unidos da América, onde as nossas comunidades sempre suportaram os

custos do ensino.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — É verdade!

A Sr.ª Maria João Ávila (PSD): — São simplificados os mecanismos para a simplificação do concurso para

a colocação dos professores no estrangeiro, o qual passará a ser válido por um período de dois anos.

A avaliação dos professores passará igualmente a abranger a globalidade do período de dois anos da

comissão de serviço.

A gestão dos centros de língua portuguesa no estrangeiro poderá passar a ser atribuída a qualquer

professor da rede.

Sr.as

e Srs. Deputados, as decisões deste Decreto-Lei vieram, assim, dar corpo a uma profunda reforma de

uma modalidade de ensino que se encontrava desacreditada,…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Maria João Ávila (PSD): — … e na qual se estava a verificar um desinvestimento crescente por

parte dos sucessivos governos, a começar pelos que foram da responsabilidade do partido que agora vem

pedir esta apreciação parlamentar.

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Vozes do PSD e do CDS-PP: — Muito bem! Bem lembrado!

A Sr.ª Maria João Ávila (PSD): — Por isso, saudamos as medidas concretas que foram recentemente

tomadas, como é o caso do retorno ao apoio às escolas comunitárias e oficiais dos países fora da Europa, a

começar pela América do Norte, através da distribuição de mais de 8000 manuais escolares aos alunos de

português e da reorganização dos mecanismos de coordenação pedagógica, que sabemos estarem a

acontecer com a nomeação de novos coordenadores para países como a Austrália e a Venezuela.

Por outro lado, o recentemente anunciado plano de incentivo à leitura para crianças e jovens é igualmente

revelador da capacidade inovadora e formadora do atual Governo. Trata-se do maior plano alguma vez

conhecido para o apoio à divulgação da língua portuguesa junto da nossa diáspora, estando já a ser

concretizado através da distribuição de mais de 700 bibliotecas.

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Sr.ª Maria João Ávila (PSD): — Para além disso, a elaboração de novos programas para este setor de

ensino é igualmente um sinal de qualidade que valorizará o ensino praticado, servindo de ponto de partida

para a avaliação e a certificação que será realizada a partir de agora.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Maria João Ávila (PSD): — Termino já, Sr. Presidente.

Por tudo isto, Sr.as

Deputadas e Srs. Deputados, parece-nos absolutamente, eu diria, absurdo este pedido

de apreciação parlamentar, o qual só poderá resultar de alguma má consciência do Partido Socialista, devido

ao desinteresse que sempre manifestou pelas comunidades portuguesas no mundo.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês Teotónio

Pereira, do CDS-PP.

A Sr.ª Inês Teotónio Pereira (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as

e Srs.

Deputados: Acerca desta apreciação parlamentar, importa referir que o CDS acompanha naturalmente a

leitura que o PS faz sobre o valor da língua portuguesa e do seu potencial económico e estratégico, que vai

para além do âmbito cultural e educativo. Discordamos, no entanto, da abordagem que o Partido Socialista faz

desta questão.

O PS centra a sua apreciação parlamentar em dois pontos: primeiro, a manutenção da gratuitidade deste

ensino, que diz estar em causa; segundo, opondo-se a uma propina que iria dissuadir a aprendizagem da

língua e gerar discriminação e desigualdade entre os portugueses residentes no estrangeiro e aqueles que

frequentam o ensino básico e secundário em Portugal. Ora, nenhum destes pontos contempla as questões

fundamentais deste decreto-lei.

Em primeiro lugar, porque não olham para o quadro de adequação do regime do ensino do português no

estrangeiro às necessidades de gestão da rede.

É necessário sublinhar que a possibilidade de cobrança de taxas tem apenas em vista a introdução de

novos fatores que promovam a sua qualidade. E que fatores são esses? São, essencialmente, a certificação

das aprendizagens, através da realização de exames e a formação de professores, observando-se, assim, um

aumento da exigência, que terá como consequência uma melhoria da qualidade do ensino.

Em segundo lugar, porque não olham para o que está escrito na alteração ao decreto-lei, que são estes

novos fatores, e esquecem deliberadamente o que consta no Decreto-Lei de 2006, que o governo do Partido

Socialista aprovou.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Bem lembrado!

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A Sr.ª Inês Teotónio Pereira (CDS-PP): — Acontece que as referências à cobrança de taxas pela

certificação das aprendizagens estabelecidas no Decreto-Lei que agora discutimos são as que já constavam

no decreto-lei anterior, que o governo do PS aprovou.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Exatamente!

A Sr.ª Inês Teotónio Pereira (CDS-PP): — É ainda muito importante sublinhar, ao contrário do que afirma

a oposição e em particular o PS, que a cobrança de uma propina não prejudicaria as famílias portuguesas

emigrantes, pois essa propina será utilizada para pagar os custos de certificação e também os manuais dos

alunos.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

A Sr.ª Inês Teotónio Pereira (CDS-PP): — Além disso, estão salvaguardados todos os casos de carência

ou insuficiência económica. Nestes casos, naturalmente que não será aplicada qualquer propina.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

A Sr.ª Inês Teotónio Pereira (CDS-PP): — Fica assim claro que o Governo, nesta matéria específica

trazida a apreciação parlamentar, só irá aplicar a lei já traçada nos tempos do governo do PS e que, dado o

contexto de emergência em que esse governo nos colocou, se tornará certamente impossível não levar à

prática.

Por isso, não temos dúvidas em afirmar que discordamos dos argumentos do PS e não identificamos uma

discriminação face ao ensino ministrado em Portugal, gratuito porque público.

Além disso, a aprendizagem da língua portuguesa no estrangeiro não é reduzida às comunidades

portuguesas, havendo cada vez mais alunos estrangeiros que querem aprender português por valorização

pessoal e profissional, precisamente por verem na língua portuguesa um imenso potencial, sendo falada por

250 milhões de pessoas, em oito países e quatro continentes.

O Sr. João Ramos (PCP): — Esses não vão pagar propinas! Só os portugueses é que pagam!

A Sr.ª Inês Teotónio Pereira (CDS-PP): — Por todas essas razões, não vemos que seja injusto que quem

tem recursos e interesse em aprender a língua portuguesa pague uma propina, sobretudo quando essa se

reverte nos fatores positivos já referidos.

Sabemos que para o Partido Socialista não há constrangimentos financeiros que mereçam reparos e que o

investimento na qualidade é apenas um detalhe insignificante. Para nós, felizmente, não é assim.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís

Ferreira, de Os Verdes.

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as

e Srs.

Deputados: Quando falamos do ensino do português no estrangeiro, talvez não fosse muito desajustado ver o

que diz o Programa do Governo sobre esta matéria.

E quando olhamos para o Programa do Governo podemos ler o seguinte: «O Governo vai acautelar um

serviço eficiente no ensino e divulgação da língua portuguesa no mundo».

O Governo assume o compromisso «de eleger o ensino do português como âncora da política da

diáspora».

Até diz mais: «O Governo criará, em colaboração com entidades públicas e privadas, um conjunto o mais

alargado possível de bibliotecas da língua e da cultura portuguesas, a distribuir pelos países e comunidades

onde se fala a nossa língua».

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O Sr. Secretário de Estado abana a cabeça mas não nos consegue dizer quantas bibliotecas, entretanto, já

conseguiram abrir.

Estamos, assim, perante um conjunto de propósitos e compromissos do Governo que não passam disso

mesmo, de propósitos ou promessas, porque a realidade tem-nos mostrado exatamente o inverso. Este

Governo não tem feito nada daquilo que prometeu nesta matéria; pelo contrário, tem contribuído para piorar a

situação.

Segundo algumas estruturas sindicais, têm vindo a ser eliminados horários, não foram substituídos

professores e houve professores que não foram colocados por eliminação do concurso, o que levou a uma

redução de cerca de 100 professores e a 100 000 alunos sem aulas.

Veja-se o que passou na Suíça: o Governo não procedeu à substituição de professores, o que deixou, só

no último ano letivo, mais de 800 alunos dos cursos de língua e cultura portuguesas sem aulas. E o que está a

passar-se na Suíça é apenas um exemplo daquilo que está a passar-se em muitos países pelo mundo fora.

Na Bélgica, a redução dos horários de ensino do Português levou ao encerramento de turmas, o que fez

com que muitos lusodescendentes deixassem de ter direito a aprender a língua e a cultura portuguesas.

De todo o lado, chegam notícias de professores sem horário e outros com horários incompletos.

Ora, para dar a machadada final, no Programa do Governo, nesta matéria, faltava apenas aquilo que nunca

se viu, ou seja, impor o pagamento de propinas pela frequência dos cursos de português no estrangeiro.

Em síntese, podemos dizer que esta medida do Governo, para além de constituir o elemento que vai

afastar as pessoas da aprendizagem da nossa língua, promove ainda uma grave discriminação para os

portugueses residentes no estrangeiro, face à natureza gratuita dos ensinos básico e secundário no nosso

País.

Portanto, Sr.ª Deputada Maria João Ávila, o que é absurdo não é a apresentação desta apreciação

parlamentar; o que é absurdo é a imposição do pagamento de propinas para a frequência dos cursos de

português no estrangeiro.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Exatamente!

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — A terminar, direi que Os Verdes entendem que é imperioso

investir a sério no ensino e na promoção da nossa língua e da nossa cultura no estrangeiro, mas também é

necessário respeitar a Constituição e os direitos dos portugueses que se encontram espalhados pelo mundo.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Consideramos que o ensino do Português no estrangeiro deve

manter-se gratuito, como sempre foi, porque só assim se promove o uso e a difusão da nossa língua, a língua

portuguesa.

Neste sentido, Os Verdes apresentam uma iniciativa legislativa com vista a proceder à cessação de

vigência do Decreto-Lei n.º 234/2012, de 30 de outubro.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Ramos,

do PCP.

O Sr. João Ramos (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado das Comunidades

Portuguesas: Em outubro passado, foi publicado o decreto-lei que introduz a propina no ensino do Português

no estrangeiro e o PCP já apresentou propostas de alteração no âmbito da apreciação parlamentar.

A publicação desta legislação é uma parte do processo de legitimação de uma grande trapalhada em torno

deste ensino. O Sr. Secretário de Estado começou por anunciar a oferta dos manuais escolares para, dois dias

depois, ficarmos a saber que pretendia introduzir uma propina, esquecendo-se que não tinha cobertura legal

para tal intenção.

Verificou-se, posteriormente, que os manuais oferecidos custariam cinco vezes menos do que os 120 € que

se pretendia inicialmente cobrar.

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O Sr. João Oliveira (PCP): — Bem lembrado!

O Sr. João Ramos (PCP): — Na necessidade de justificar a cobrança da propina, disse, depois, que a

mesma serviria para certificação dos cursos, esquecendo que já houve certificação.

A certificação que agora criam serve para justificar a cobrança de propina. Exemplo disso é a realização de

um exame anual quando o sistema de avaliação aplicado, o Quadro de Referência para o Ensino Português

no Estrangeiro (QUAREPE), determina que, em alguns níveis, sejam necessários três anos para que o aluno

possa transitar de nível. Isto já para não referir que o QUAREPE pode ser adequado para a avaliação de

adultos que aprendam uma língua estrangeira, mas não na circunstância de aprendizagem de uma língua

materna. Ainda mais porque este sistema não é aplicado em nenhum outro sistema de ensino, o que torna

incompatível a articulação da avaliação deste alunos, se necessitarem de transitar de sistema.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Exatamente!

O Sr. João Ramos (PCP): — Como uma das dificuldades de certificar se prendia com a inexistência de

currículos escolares, empreendeu-se, no âmbito do Camões — Instituto da Cooperação e da Língua, a tarefa

de criar currículos, num processo em que não ouviu quem mais experiência tem sobre a matéria — os

professores do ensino do Português no estrangeiro. Daí que se tenham esquecido que existem alunos que

estão no nível da alfabetização.

Esta legislação introduz uma propina que trata, de forma diferenciada, os portugueses que aprendem a

nossa língua materna em Portugal e os que a aprendem no estrangeiro.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Exatamente!

O Sr. João Ramos (PCP): — Ainda mais: trata de forma desigual os portugueses e lusodescendentes, em

função da modalidade de ensino que frequentem, quer seja integrado ou paralelo.

Os alunos que aprendem língua e cultura portuguesas, integrado no sistema de ensino do país onde

residem, apesar de o professor ser suportado pelo Estado português, não pagam propina, e muito bem. Os

alunos que aprendem português num sistema paralelo já têm de pagar propina.

É inadmissível que o mesmo Governo que tanto usa as remessas dos emigrantes para, abusivamente, as

relacionar com uma hipotética sintonia com as políticas do Governo retribua com a imposição do pagamento

de um direito que a Constituição classifica como gratuito.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Exatamente!

O Sr. João Ramos (PCP): — A introdução da propina é mais um passo no sentido da destruição do ensino

do Português no estrangeiro.

Consideramos ilegítima a cobrança de propinas a estes alunos e, por isso, propomos a eliminação dos

artigos que a instituem.

Aproveitamos para propor alterações que melhorem as condições para quem ensina e para quem aprende

e, assim, introduzimos medidas para limitar o número de ciclos de cada curso ou para reduzir o horário letivo,

quando tal não seja possível.

Aproveitamos também para clarificar o direito dos professores a receberem atempadamente os gastos com

as deslocações — propostas, estas, que já entregámos na Mesa.

Esperamos, com estas propostas, poder atenuar as dificuldades do ensino do Português no estrangeiro,

impostas por opções políticas incorretas.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Helena

Pinto, do Bloco de Esquerda.

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A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da

Igualdade, Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, José Cesário: Estamos, hoje, aqui a

debater um assunto que, penso, lhe é caro, relembrando as suas intervenções na anterior legislatura sobre

esta matéria.

Este Decreto-Lei tem, logo no seu preâmbulo, uma frase muito elucidativa. Diz o seguinte: «O XIX Governo

Constitucional elegeu o ensino do Português como âncora da política da diáspora». É extraordinário, Sr.

Secretário de Estado! De facto, é uma frase muito bonita, mas a seguir, quando começamos a ler, vemos que

o conteúdo do Decreto-Lei vai exatamente no sentido contrário,…

O Sr. João Oliveira (PCP): — Pois claro!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — … ao introduzir a cobrança de taxas a que chama, preto no branco, «propina»

— está lá escrito, com todas as letras.

Sr. Secretário de Estado, se me permite, a justificação das certificações, dos manuais escolares, é uma

justificação muito atrapalhada para introduzir uma propina que vai pôr em causa um princípio universal, porque

é disso que estamos a falar, de um princípio universal, em relação ao ensino do Português. Por isso, introduz

uma inaceitável discriminação!

O ensino do Português é gratuito no território nacional e é taxado, com uma propina, para os portugueses

residentes no estrangeiro. Não vale a pena estarmos aqui a falar dos estrangeiros que querem aprender

português. Falemos dos portugueses residentes no estrangeiro.

Nada justifica isto, Sr. Secretário de Estado! Aliás, estou ansiosa por ouvir a sua intervenção para que

justifique, primeiro, quanto é que se ganha com isto e, segundo, quais são as vantagens para as comunidades

portuguesas na diáspora. Não consigo vislumbrá-las.

Não admira, portanto, o grande descontentamento que se gerou entre as comunidades portuguesas

residentes no estrangeiro, que, aliás, o Sr. Secretário de Estado conhece, e bem.

O ensino do Português é a promoção da língua e, como tal, da cultura portuguesa — ninguém tem dúvidas

sobre isso. Mas, junto das comunidades portuguesas, é um fator estruturante: contribui decisivamente para o

desenvolvimento social dessas comunidades e para o reforço do sentimento de pertença. Só isto bastava para

ser gratuito! Só isto! Não era preciso mais nada, Sr. Secretário de Estado!

Portanto, nada justifica o fim da gratuitidade do ensino do Português. Nada! Absolutamente nada! E penso

que a Assembleia da República, os Deputados e as Deputadas, nomeadamente os Deputados eleitos pelo

círculo eleitoral da Europa e pelo círculo eleitoral Fora da Europa, têm aqui a oportunidade de corrigir esta

injustiça, que vai contra o espírito da Constituição e que acabaria por consagrar, na lei, uma discriminação

inaceitável para os emigrantes portugueses.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para encerrar o debate, visto que os partidos não dispõem de mais

tempo para intervir, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas.

O Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas (José Cesário): — Sr. Presidente, Sr.ª

Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade, Sr.as

e Srs. Deputados: Não deixa de ser

curioso que o Partido Socialista tenha solicitado a apreciação parlamentar de um decreto-lei que foi negociado

com os diversos sindicatos de professores e que recolheu o consenso entre todos.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas: — Atas assinadas com todas as federações

sindicais: Federação Nacional de Professores (FENPROF), Federação Nacional da Educação (FNE), Sindicato

dos Professores Portugueses nas Comunidades Lusíadas (SPCL), Sindicato dos Professores no Estrangeiro

(SPE), Sindicato Nacional e Democrático dos Professores (SINDEP), Sindicato Nacional dos Profissionais da

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Educação (SINAPE). Será porque o decreto-lei é mau? Será que as soluções que estamos a adotar e a

implementar não servem o futuro da educação e do ensino do Português no estrangeiro?

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Não!

O Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas: — Não é isso que está em causa.

O que está em causa, Sr.as

e Srs. Deputados, é que a política que estamos a desenvolver incomoda o

Partido Socialista.

Protestos do PS.

Incomoda o Partido Socialista, por exemplo, que tenhamos conseguido o acordo com os sindicatos dos

professores; incomoda o Partido Socialista, quando adotamos medidas cujo objetivo é mais qualidade e mais

exigência;…

Vozes do PSD: — Muito bem!

Protestos da Deputada do BE Helena Pinto.

O Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas: — … incomoda o Partido Socialista que

façamos avaliação e certificação das aprendizagens, porque isso implica exigência, mais qualidade; incomoda

o Partido Socialista que tenhamos já, neste momento, a ser executado um plano de incentivo à leitura para

crianças e para jovens com livros de autores portugueses, com 719 bibliotecas que estão, neste momento, a

ser distribuídas por toda a rede do EPE (Ensino do Português no Estrangeiro), porque o Partido Socialista não

foi capaz de o fazer quando foi Governo;…

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Protestos do PS.

… incomoda o Partido Socialista que estejamos a desenvolver medidas no domínio da formação de

professores, no domínio do apoio às experiências educativas, nos países fora da Europa (América do Norte,

Venezuela, Austrália), com a distribuição de manuais escolares, nomeação de novas coordenações, porque o

Partido Socialista enganou os portugueses, disse que faria isso, e não fez;…

Protestos do PS.

… incomoda o Partido Socialista que estejamos agora a simplificar os mecanismos dos concursos, a

facilitar a vida aos professores, a mobilizá-los realmente para o ensino do Português no estrangeiro, porque o

PS, com a conivência da esquerda parlamentar, que fala muito mas não faz nada,…

Protestos do PCP.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Ora, essa!…

O Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas: — … não o fez.

O que está em causa, Sr.as

e Srs. Deputados, é sermos capazes de desenvolver um modelo de ensino do

português no estrangeiro que sirva realmente as nossas crianças, os jovens que querem aprender português,

mas com ensino de qualidade.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Sr. Secretário de Estado, peço-lhe que conclua.

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O Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas: — É pela qualidade que aqui estamos e é

em nome da qualidade que vamos prosseguir esta reforma.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Vozes do PCP e do BE: — E a propina?!

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Srs. Deputados, concluímos este ponto da nossa ordem do dia,

pelo que vamos passar ao quinto ponto, que consiste na apreciação conjunta, na generalidade, dos projetos

de lei n.os

285/XII (2.ª) — Clarifica os contratos a prazo, protegendo os trabalhadores (Quarta alteração à Lei

n.º 7/2009, de 12 fevereiro, que aprova a revisão do Código do Trabalho) (BE) e 331/XII (2.ª) — Combate a

precariedade laboral e reforça a proteção dos trabalhadores na contratação a termo (PCP).

Para apresentar o projeto de lei n.º 285/XII (2.ª), tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Aiveca, do Bloco

de Esquerda.

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda traz, de novo,

a debate um projeto de lei com propósitos muito claros relativamente àquilo que é a selvajaria da

precariedade, nomeadamente o uso e abuso dos contratos a termo.

Com este projeto de lei — tantas vezes aqui nos acusam de não termos propostas! —, o Bloco de

Esquerda traz, mais uma vez, propostas concretas, credíveis e que têm como consequência acabar com uma

contratação a prazo que, de facto, não é admissível.

O que queremos impedir é que se contrate a prazo para funções permanentes; o que propomos é que o

tempo do contrato a prazo seja reduzido para o máximo de um ano; o que pretendemos, com este projeto de

lei, é clarificar no Código do Trabalho — e fazemos alterações a cinco artigos concretos que versam sobre

esta temática — a admissibilidade de contrato a prazo, não permitindo, por exemplo, que a substituição de um

trabalhador ilegitimamente despedido seja feita por um trabalhador a prazo.

Com este projeto de lei, queremos também combater o desemprego. É que nós sabemos que mais

precariedade significa mais desemprego e nós queremos proteger o emprego.

Vozes do BE: — Muito bem!

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Por último, Sr.as

e Srs. Deputados, queremos promover a competitividade e

a produtividade, aliás, tantas vezes embandeirada e, permitam-me, em arco, pela direita, porque, de facto,

medidas concretas para esta promoção não existem. Sabemos bem que não é facilitando os despedimentos,

não é fazendo uma sangria do capital humano e dos seus conhecimentos que se promove a competitividade e

a produtividade; é exatamente ao contrário.

São estas propostas concretas que queremos discutir. É a estas propostas concretas que as bancadas que

sustentam o Governo devem hoje responder.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para apresentar o projeto de lei n.º 331/XII (2.ª), tem a palavra a

Sr.ª Deputada Rita Rato, do PCP.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos hoje oportunidade de, mais uma vez,

retomar aqui a discussão em torno da questão do agravamento da pobreza, porque sabemos bem que a

precariedade é um fator de agravamento dessa realidade.

Sabemos também que, desde a apresentação do Programa do Governo, ficou clarinho como a água que o

Governo não assumia como um objetivo o combate à precariedade e aos falsos recibos verdes. Muito pelo

contrário, desencadeou um conjunto de medidas que vieram a ser aprovadas pelo PSD e pelo CDS no sentido

de sedimentar algumas situações, que já seriam ilegais, de recurso à precariedade.

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Sabemos também que no nosso País existem mais de 1,2 milhões de trabalhadores com vínculo precário

— contratos a termo e o uso ilegal à precaridade; trabalho encapotado em regime de prestação de serviços;

falsos recibos verdes; estágios não remunerados. É um conjunto de medidas inaceitáveis que acabam por

sedimentar o agravamento da exploração dos trabalhadores e a instabilidade laboral e pessoal na vida de

milhares e milhares de homens e mulheres.

Entendemos, por isso, que, mais uma vez, é importante confrontar a Assembleia da República e pedir ao

PS, ao PSD e ao CDS, designadamente, que digam se estão do lado daqueles que, ao longo dos anos, têm

recorrido ilegalmente à precariedade (e sabemos que o fazem porque isso significa mais lucro ao fim do mês,

pois um trabalhador a prazo sai mais barato ao patrão do que um trabalhador efetivo) ou se, pelo contrário, há

da sua parte vontade de reconhecer, de uma vez por todas, que os contratos a prazo têm de ser exceção e

não podem ser a regra.

Entendemos que é muito importante que se façam alterações, designadamente para que a um posto de

trabalho permanente corresponda um vínculo efetivo. Por isso, propomos no nosso projeto de lei a eliminação

das normas que permitem o recurso à contratação a termo como regra; a eliminação da possibilidade de

contração a termo nos casos de lançamento de nova atividade de duração incerta; que seja assegurado ao

trabalhador contratado a termo ter preferência na admissão para funções idênticas em posto de trabalho

permanente; o aumento do prazo durante o qual não pode haver contratação a termo para o mesmo posto de

trabalho.

Fazemos estas propostas porque sabemos que a realidade lá fora é a selvajaria, é dizer a um trabalhador

que fica em casa três meses e que passado algum tempo o contratam outra vez exatamente para a mesma

função. Os Srs. Deputados sabem que isto acontece, como nós sabemos.

Entendemos que esta realidade é inaceitável e não pode continuar a acontecer no nosso País,

designadamente entre os mais jovens, mas também entre os mais velhos, que, depois de uma situação de

desemprego, voltam ao mercado de trabalho mas com um contrato a prazo. Esta é uma situação inaceitável,

sendo urgente erradicá-la.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano

Rafael Moreira, do PSD.

O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começarei por assinalar o facto

de estarmos perante propostas concretas, o que não é normal nem habitual da parte dos proponentes —

temos de reconhecer.

Protestos da Deputada do PCP Rita Rato.

Para além do formalismo, temos também de assinalar, sem dúvida, o conteúdo, pois escolherem uma

matéria meritória e que merece a nossa atenção.

Porém, Srs. Deputados, é necessário ter em atenção a conjuntura. Assim, é preciso corrigir um pouco o

que foi referido pela Sr.ª Deputada Rita Rato, dizendo-lhe que lá fora a realidade é o desemprego — esta é

que é, infelizmente, a realidade!

Ora, à data de hoje, a conjuntura obriga-nos que centremos as atenções na contratação e não em criar

obstáculos a essa contratação.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — É isso que estamos a fazer!

O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — No entanto, e como a Sr.ª Deputada Mariana Aiveca lembrar-se-á,

tive o cuidado, como relator do parecer relativo ao projeto de lei do Bloco de Esquerda, de dar um sinal e de o

deixar para memória futura, algo que até foi considerado uma metodologia nova de elaboração de pareceres,

atendendo precisamente à importância desta matéria.

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Numa conjuntura, que se espera acontecer em breve, de crescimento, a matéria dos contratos a prazo tem

de ser visitada. Fica aqui, portanto, o sinal de que partilhamos da vossa preocupação. Porém, à data de hoje,

não é possível o que pretendem e não se adequa à realidade.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Mas porquê?

O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — Selecionei dois exemplos para lhe dar, Sr.ª Deputada.

O primeiro é para demonstrar-lhe que a vossa proposta não tem congruência, não se adequa à realidade.

Ambos os diplomas querem impedir, nos casos de início de uma nova atividade, de duração incerta, a

celebração de contratos de duração incerta. Ora, esta é precisamente uma das realidades a que mais se

adequa o contrato a prazo de duração incerta, pelo que há aqui uma falha grave.

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Não. Tem um limite!

O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — Reconhecemos que um dia, mais tarde, deveremos debater esta

questão, mas hoje seria gravíssimo e muito complicado explicar aos desempregados que um empresário que

quisesse lançar uma nova iniciativa objetivamente de duração incerta não poderia contratar trabalhadores cujo

final do seu contrato coincidisse com essa atividade.

Passo a um segundo exemplo, Sr.ª Deputada. Pretendem os diplomas em análise, nomeadamente, de uma

forma expressa, a iniciativa do Bloco de Esquerda, reduzir a duração de todos os contratos para 12 meses.

Lembro-lhe, Sr.ª Deputada, o debate que tivemos aqui em dezembro de 2011. À data de hoje está em vigor

uma legislação extraordinária…

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — É má!

O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — … que veio prorrogar os contratos de trabalho até 31 de

dezembro de 2014 para adequar à realidade atual, para adequar às dificuldades que as empresas estão a

atravessar, a realidade do mercado de trabalho.

Sr.as

Deputadas, há hoje um desajustamento muito grande entre a procura e a oferta. Temos de ajudar a

procura a ter sucesso e a reingressar no mercado de trabalho o mais rápido possível.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís

Ferreira, de Os Verdes.

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A precariedade tem vindo a

instalar-se na realidade laboral portuguesa a um ritmo assustador. Ano após ano, são vários os estudos e

relatórios de diferentes entidades que não só colocam Portugal no top dos países em termos da precariedade

laboral como destacam claramente que esta é uma realidade que continua a crescer e a assumir níveis

preocupantes. Uma realidade, aliás, que ganhou uma nova dimensão com as políticas, as medidas e as

opções do atual Governo. Políticas que estão a contribuir para aumentar o desemprego, que estão a deixar

milhares e milhares de desempregados sem qualquer apoio social e que estão a generalizar a precariedade.

Há, assim, uma tentativa deliberada por parte do Governo, o que, aliás, ficou hoje visível pela intervenção

da parte da bancada do Partido Social Democrata, de tornar a precariedade a regra nas relações laborais.

Exige-se, por isso, um combate sério contra este grave problema, até porque o aumento da precariedade faz

aumentar o desemprego, o que significa que, combatendo a precariedade, também estamos a combater o

desemprego.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Está a ouvir?!

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O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Acresce ainda que os trabalhadores precários apresentam

salários mais baixos do que os restantes, porque, de facto, o trabalho precário é sempre um fator de

discriminação e condena o trabalhador a uma completa desproteção.

A precariedade, que atinge sobretudo as mulheres e os jovens, é socialmente injusta e degradante,

afetando o próprio País na sua produtividade e no seu desenvolvimento, de resto, creio que não é necessário

um grande esforço para os partidos da maioria o perceberem. Mesmo assim, o recurso aos contratos a prazo

tem vindo a representar uma prática recorrente, usual e quase institucionalizada como forma de

desresponsabilizar a entidade patronal e acentuar a precariedade de quem se vê forçado a trabalhar sem

direitos.

Por outro lado, assistimos, por parte de muitas entidades empregadoras, a uma utilização abusiva dos

contratos a prazo. De facto, estes contratos apenas deveriam ter lugar para a satisfação de necessidades

temporárias das empresas mas, na maioria dos casos, são utlizados para preencher postos de trabalho e

funções permanentes. Ora, os contratos a prazo que visam satisfazer estas necessidades não são

materialmente contratos a prazo, são uma fraude, uma mentira.

A nosso ver, esta Assembleia não pode ficar indiferente ao que se está a passar e dizer que tem que ver

com a crise, que é conjuntural e que mais para a frente veremos. Não. Esta Assembleia deverá proceder a um

verdadeiro combate no sentido de acabar com a falsidade e a mentira contratual nas relações laborais.

Do que se trata, de facto, é de colocar verdade no vínculo estabelecido nas relações laborais. Nesta

circunstância, esta Assembleia só pode fazer uma de duas coisas: ou finge que não se passa nada — é

certamente o que vai fazer a maioria — e mantém a mentira nas relações laborais; ou assume o seu combate

pela verdade e coloca ordem no abuso que tem vindo a instalar-se nas relações laborais.

Lembro-me de ouvir um Sr. Deputado do PSD dizer, no início da Legislatura, que nada ficará para trás.

Então, não deixemos a verdade para trás e combatemos a precariedade.

Pela parte de Os Verdes, decidimo-nos pela afirmação da verdade nas relações laborais e, nesse sentido,

acompanhamos os objetivos dos dois projetos de lei agora em discussão.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Artur Rêgo,

do CDS-PP.

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP e o Bloco de Esquerda apresentam

à Câmara dois projetos de lei com um fim comum. Diz o Bloco de Esquerda que o seu projeto de lei tem em

vista clarificar os contratos a prazo, protegendo os trabalhadores; diz o PCP que apresenta o seu projeto para

combater a precariedade laboral e reforçar a proteção dos trabalhadores.

Referindo-me ao projeto do Bloco de Esquerda, como é que este partido se propõe atingir o fim referido?

Impede a substituição de um trabalhador despedido que impugne o seu despedimento,…

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Despedimento ilícito! Leia!

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — … ou seja, impede que seja contratado outro trabalhador, impõe e obriga

que o posto de trabalho existente fique vazio e improdutivo.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Então, por que é que foi despedido?

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Dado que o tecido empresarial português é maioritariamente constituído

por micro e pequenas empresas, compromete com essa imposição a viabilidade de muitas empresas e postos

de trabalho de outros trabalhadores.

Impõe que o período de duração da exceção não exceda seis meses. Portanto, o Bloco de Esquerda vem

dizer, à partida, que aquilo que é imponderável, indeterminado…

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Sazonal!

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O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — … e que aprioristicamente não se sabe quanto tempo vai durar, vai durar

seis meses. Portanto, se o cliente de uma empresa celebrar um contrato excecional e fizer uma encomenda

que leve a um pico de produção durante oito meses, a empresa não pode contratar excecionalmente

trabalhadores por oito meses porque o Bloco de Esquerda diz que só o pode fazer por seis meses.

O diploma impede novas empresas e novos negócios, que ainda não se sabe se serão viáveis e se irão

vingar, de contratar trabalhadores com contrato a termos resolutivo, condenando, portanto, muitas dessas

iniciativas de empreendedorismo a nem sequer arrancarem.

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Porquê?

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — É que, para além do risco de arrancar com um novo negócio e da

imprevisibilidade de esse negócio vingar ou não, impede-se que os empreendedores possam fazer contratos

de trabalho ajustados a essa realidade,…

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Contratos a um ano!

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — … levando a que muitos desistam da sua intenção.

Impede, ainda, a contratação, neste regime, de pessoas que estejam à procura do primeiro emprego e de

desempregados de longa duração, ou seja, veda a estas pessoas — é o que está objetivamente na proposta

do Bloco de Esquerda — o acesso a este mercado de trabalho, que sempre é melhor do que estarem

desempregados.

Finalmente, a proposta reduz para 12 meses o período máximo de duração do contrato de trabalho,

substituindo-se assim — porque entendem que sabem mais disto do que a concertação social — à

concertação social,…

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — A concertação social não é legisladora!

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — … aos parceiros sociais e, nomeadamente, à central sindical UGT, que

veio dizer que era uma boa medida e que salvou milhares de postos de trabalho em Portugal permitir-se a

prorrogação excecional destes contratos.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — No que se refere ao projeto de lei do Partido Comunista Português, mutatis

mutandis aquilo que já aqui disse, ao que acrescento ainda um aspeto.

O Partido Comunista Português apresenta o seu projeto de lei com a epígrafe «Combate a precariedade

laboral e reforça a proteção dos trabalhadores».

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — E propõe, para isso, entre outras medidas, a revogação do artigo 112.º da

Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro. Como este artigo se refere a atividades e a tarefas de muito curta duração e

a contratos até 15 dias, precisamente para responder a isso, e como independentemente da vontade do

Partido Comunista Português essas atividades e essas tarefas vão continuar a existir, ao proibir este tipo de

contratos, o que o Partido Comunista Português está efetivamente a fazer é empurrar os trabalhadores para a

precariedade e para o falso recibo verde.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Está enganado!

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — É que, de outra maneira, não poderão ser contratados.

Aplausos do CDS-PP.

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O Sr. João Oliveira (PCP): — O trabalho é que pode ser organizado de outra maneira!

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Paulo

Pedrosa.

O Sr. João Paulo Pedrosa (PS): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Através dos projetos de lei n.os

285/XII (2.ª), do BE, e 331/XII (2.ª), do PCP, uma vez mais, é proposto a esta Assembleia um conjunto de

alterações quanto ao regime jurídico da contratação a termo.

Trata-se de propostas já amplamente discutidas nesta Câmara e em relação às quais a posição do Partido

Socialista também é conhecida e é a seguinte: os contratos a termo respondem a necessidades pontuais e

temporárias das empresas. Portanto, o que é preciso combater não é tanto o regime dos contratos a termo

mas, sim, o abuso dessa contratação.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Já ouvi desculpas melhores!

O Sr. João Paulo Pedrosa (PS): — O Partido Socialista entende que o essencial é o combate a esse

abuso, o que se faz com o reforço e o aumento da fiscalização, que tem de ser uma fiscalização efetiva, por

parte da ACT (Autoridade para as Condições do Trabalho) e também com uma atitude vigilante e de denúncia

por parte das associações sindicais, que têm um papel fundamental nessa denúncia.

Alterar agora o regime da contratação a termo, como propõem o Partido Comunista Português e o Bloco de

Esquerda, pode dar origem a um regime perigoso e podemos estar a correr um risco grave, tendo em conta

que temos mais de 1 milhão de desempregados e um conjunto de falências que se sucedem todos os dias.

Portanto, não sabemos quais seriam as alterações e as implicações no regime do emprego, em Portugal —

e isso é o essencial e tem de ser salvaguardado.

Assim sendo, a posição do Partido Socialista é muito clara e centra-se em três questões: primeiro, temos

de responder com emprego às necessidades temporárias das empresas; segundo, temos de combater

eficazmente os abusos e as fugas à lei; e terceiro, temos de salvaguardar os direitos dos trabalhadores, no

que diz respeito à reforma, à formação profissional e ao acesso às prestações sociais.

Para concluir, diria o seguinte: mais do que questionar o regime dos contratos a termo, devíamos era

pugnar por um amplo consenso nacional em torno de um grande objetivo. E esse objetivo é o de encontrar

respostas eficazes e efetivas no combate ao falso trabalho independente e à economia informal, essas, sim,

as verdadeiras chagas da precarização, em Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma segunda intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada

Mariana Aiveca.

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Quero fazer duas ou três

observações à intervenção do Sr. Deputado Artur Rêgo.

Em primeiro lugar, o Sr. Deputado, amanhã, terá muita oportunidade para explicar a epígrafe de um projeto

de resolução que os senhores apresentaram e que diz «Pelo relançamento do emprego e por boas práticas de

contratação laboral».

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Exatamente!

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Amanhã, então, ajustaremos contas sobre o que o senhor tem a dizer

acerca deste projeto de resolução assim tão concreto.

Depois, o Sr. Deputado disse uma série de coisas que o senhor sabe que são, permita-me a expressão, um

disparate. É que estar a dizer que o Bloco de Esquerda se quer substituir à concertação social, quando

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estamos a discutir iniciativas legislativas, só pode ser disparate, e o senhor sabe que está a dizer um

disparate. É que quem tem a capacidade legislativa não é a concertação social, é esta Câmara.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Então, não serve para nada!

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Portanto, tudo isso é disparatado.

Depois, teceu aqui uma série de considerações que não são verdadeiras. Justiça seja feita ao PSD, que,

bem mais atrapalhado com a iniciativa legislativa, «embrulhou» um bocado as suas propostas, mas o CDS

veio em sua salvação e disse uma série de disparates.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Concluo já, Sr. Presidente.

Portanto, o objeto desta nossa iniciativa é muito claro. Queremos acabar com a selvajaria que são os

contratos a prazo, cujos contratados são os primeiros a ser despedidos.

A lei que os senhores aqui fizeram, há alguns meses, não criou mais emprego — essa é a realidade pura e

dura. Por isso, os senhores não venham dizer que é acabando com os contratos a prazo que respondem ao

problema do desemprego. É falso! Estão a enganar as pessoas e estão a tentar fazer passar os jovens

(porque são eles os mais afetados) por tolos.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Todos sabemos que o contrato a prazo é, em primeiro lugar, um

passaporte para o desemprego — vejam os dados do IEFP. E essa é a vossa responsabilidade.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Também para uma segunda intervenção, tem a palavra a Sr.ª

Deputada Rita Rato.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Os discursos do PSD, do CDS e,

infelizmente, também do PS fazem-me lembrar uma expressão da minha terra, que diz «mais vale ser ranhoso

do que ter nariz».

Risos do PCP.

É que, de facto, é disso que se trata. É que os Srs. Deputados vêm aqui dizer que o desemprego nada tem

a ver com a precariedade,…

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Eu não disse isso!

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — … quando nós sabemos que, de facto, a maior parte das situações de

desemprego derivam de situações de precariedade.

Portanto, era importante sublinhar que o que os Srs. Deputados aqui estão a dizer é que o caminho é o

recurso ilegal à precariedade. O caminho é que, para um posto de trabalho permanente, seja contratado um

trabalhador a prazo.

E não é por acaso que o Sr. Deputado do Partido Socialista tem a opinião que tem, porque também importa

aqui recordar que os contratos a prazo foram uma invenção de um governo do PS,…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — É verdade!

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — … mas que PSD e CDS nunca quiseram corrigir.

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I SÉRIE — NÚMERO 45

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Aliás, a importância desta matéria até exigia outro nível de seriedade ao nível das afirmações que aqui

foram feitas. É que nós não estamos aqui a dizer que a contratação a prazo não deve existir.

Vozes do CDS-PP: — Ah!

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Dizemos é que deve existir para situações tipificadas na lei.

Vozes do CDS-PP: — Claro!

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Portanto, deve existir apenas quando se trata de substituição de trabalhadores.

Quando, por exemplo, uma trabalhadora entra em licença de maternidade, naturalmente tem de ser

substituída.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — E será naturalmente substituída por um trabalhador com contrato a prazo.

Agora, o que não podemos aceitar é que o patronato e o Governo se recusem, por exemplo, a reduzir os

custos de contexto de uma empresa com energia ou com telecomunicações, e a única coisa que veem para

reduzir são os custos de trabalho e o salário dos trabalhadores. É que está provado que isto não chega.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Tem mesmo de concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Termino já, Sr. Presidente.

E, mais uma vez, aqui fica provado que PS, PSD e CDS querem agravar o desemprego e a precariedade.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Também para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr.

Deputado João Paulo Pedrosa.

O Sr. João Paulo Pedrosa (PS): — Sr. Presidente, vou ser muito breve. Quero só dizer que o Partido

Socialista se congratula pelo facto de a Sr.ª Deputada Rita Rato, tecendo uma crítica ao Partido Socialista, lhe

ter feito um elogio, porque foi repetir exatamente aquela que foi a intervenção do Partido Socialista sobre esta

matéria. Até tomei nota daquilo que a Sr.ª Deputada disse: o recurso ao trabalho a termo é para «situações

tipificadas na lei». Ora, é justamente isso que o Partido Socialista defende.

Para nós, a questão essencial nesta matéria, uma vez que não podemos «tapar o sol com a peneira», é

esta: o grande consenso nacional que tem de ser feito é em torno da luta contra o falso trabalho independente

e a economia informal, porque essa é a verdadeira precariedade.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Está, assim, concluído o debate, na generalidade, dos projetos de

lei n.os

285/XII (2.ª) — Clarifica os contratos a prazo, protegendo os trabalhadores (Quarta alteração à Lei n.º

7/2009, de 12 fevereiro, que aprova a revisão do Código do Trabalho) (BE) e 331/XII (2.ª) — Combate a

precariedade laboral e reforça a proteção dos trabalhadores na contratação a termo (PCP).

Tem a palavra a Sr.ª Secretária Maria Paula Cardoso para fazer um anúncio.

A Sr.ª Secretária (Maria Paula Cardoso): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, deram entrada na

Mesa várias propostas de alteração, apresentadas pelo PS e pelo PCP, à apreciação parlamentar n.º 42/XII

(2.ª) — Relativa ao Decreto-Lei n.º 234/2012, de 30 de outubro, que procede à segunda alteração do Decreto-

Lei n.º 165/2006, de 11 de agosto, que estabelece o regime do ensino do Português no estrangeiro, e ainda o

projeto de resolução n.º 588/XII (2.ª) — Cessação da vigência do Decreto-Lei n.º 234/2012, de 30 de outubro,

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25 DE JANEIRO DE 2013

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que procede à segunda alteração do Decreto-Lei n.º 165/2006, de 11 de agosto, que estabelece o regime do

ensino do Português no estrangeiro (Os Verdes).

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Srs. Deputados, convém não esquecer que, no fim da nossa

sessão, há a Cerimónia de Evocação do Dia de Memória do Holocausto, no Salão Nobre.

A próxima reunião plenária terá lugar amanhã, às 10 horas, com a seguinte ordem do dia: do ponto 1

consta a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 123/XII (2.ª) — Procede à segunda alteração à Lei

n.º 88-A/97, de 25 de julho, que regula o regime de acesso da iniciativa económica privada a determinadas

atividades económicas, e do projeto de lei n.º 332/XII (2.ª) — Veda o acesso de empresas privadas às

atividades económicas de abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais e de gestão de

resíduos sólidos urbanos (PCP), conjuntamente com o projeto de resolução n.º 583/XII (2.ª) — Realização de

um referendo nacional à privatização do setor do abastecimento de água e saneamento (BE).

Do ponto 2 consta o debate, na generalidade, dos projetos de lei n.os

142/XII (1.ª) — Lei contra a

precariedade (Iniciativa legislativa de cidadãos), 284/XII (2.ª) — Combate os falsos recibos verdes e

desenvolve os poderes da Autoridade para as Condições do Trabalho (BE), 315/XII (2.ª) — Combate os falsos

recibos verdes, convertendo-os em contratos efetivos (PCP), 316/XII (2.ª) — Criminaliza o recurso aos falsos

recibos verdes (PCP) e 337/XII (2.ª) — Restringe o recurso a trabalho temporário e combate o falso trabalho

temporário (Quinta alteração à Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro) (BE), conjuntamente com o projeto de

resolução n.º 578/XII (2.ª) — Pelo relançamento do emprego e por boas práticas de contratação laboral (PSD

e CDS-PP).

Do ponto 3 consta a apreciação da petição n.º 118/XII (1.ª) — Apresentada por utentes de saúde dos

concelhos de Alcobaça e Nazaré, solicitando à Assembleia da República a manutenção em atividade plena da

Unidade Hospitalar de Alcobaça, em conjunto com os projetos de resolução n.os

496/XII (2.ª) — Recomenda

ao Governo a suspensão do processo de reorganização dos cuidados hospitalares na região Oeste (PS) e

584/XII (2.ª) — Recomenda ao Governo a manutenção em funcionamento do Hospital de Alcobaça (BE).

Às 12 horas, terão lugar votações regimentais.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 22 minutos.

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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