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Sexta-feira, 1 de março de 2013 I Série — Número 60

XII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2012-2013)

REUNIÃOPLENÁRIADE28DEFEVEREIRODE 2013

Presidente: Ex.ma Sr.ª António Filipe Gaião Rodrigues

Secretários: Ex.mos

Srs. Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos Rosa Maria da Silva Bastos de Horta Albernaz

S U M Á R I O

O Presidente (António Filipe) declarou aberta a sessão

às 15 horas e 13 minutos. Deu-se conta da caducidade do processo relativo à

reapreciação do Decreto-Lei n.º 234/2012, de 30 de outubro, que procede à segunda alteração do Decreto-Lei n.º 175/2006, de 11 de agosto, que estabelece o regime do ensino do português no estrangeiro, no âmbito da apreciação parlamentar n.º 42/XII (2.ª) (PS).

Ao abrigo do artigo 72.º do Regimento, procedeu-se a um debate de atualidade, requerido pelo BE, sobre a dívida, a sua renegociação e a sétima avaliação da troica. Após a intervenção de abertura, proferida pela Deputada Catarina Martins (BE), usaram da palavra a Secretária de Estado do Tesouro (Maria Luís Albuquerque) e os Deputados João Oliveira (PCP), João Pinho de Almeida (CDS-PP), José Luís Ferreira (Os Verdes), Fernando Medina (PS) e Duarte Pacheco (PSD).

Deu-se conta da entrada na Mesa dos projetos de resolução n.

os 623 e 624/XII (2.ª) e do projeto de lei n.º

366/XII (2.ª). Em declaração política, o Deputado João Ramos (PCP)

criticou a atuação dos Ministérios da Economia e do Emprego e da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, bem como da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), em relação à fraude económica de venda de carne de cavalo por carne de vaca e apontou falhas nos sistemas de segurança alimentar e de sanidade animal, com potenciais riscos para a saúde pública.

Em declaração política, a Deputada Heloísa Apolónia (Os Verdes) insurgiu-se contra o projeto de construção de um terminal de contentores para a Trafaria.

Em declaração política, o Deputado Carlos Santos Silva (PSD) convocou todos os partidos a unirem-se em torno da

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clarificação da lei que permite usar planos poupança-reforma (PPR) para pagar crédito à habitação.

Em declaração política, o Deputado José Junqueiro (PS) acusou não só o Governo de ter falhado todas as previsões mas também o Primeiro-Ministro por não querer participar no debate de urgência, requerido pelo Grupo Parlamentar do PS, sobre alternativa para a saída da crise.

Em declaração política, o Deputado Artur Rêgo (CDS-PP) lembrou a situação atual do Algarve e, como uma das formas para criar riqueza na região, propôs políticas integradas e articuladas entre o ordenamento do território, a economia e a educação.

Foi discutida, na generalidade, a proposta de lei n.º 125/XII (2.ª) — Aprova os estatutos da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos. Usaram da palavra, a diverso título, além da Ministra da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (Assunção Cristas), os Deputados Pedro Farmhouse (PS), Fernando Marques (PSD), Paulo Sá (PCP), Helena Pinto (BE), Maurício Marques e Mário Magalhães (PSD), Margarida Neto (CDS-PP), Heloísa Apolónia (Os Verdes), António Leitão Amaro (PSD) e Altino Bessa (CDS-PP).

Após os Srs. Deputados Bruno Dias (PCP) e Luís Menezes (PSD) terem interpelado a Mesa acerca do cumprimento pelo Governo da norma regimental (artigo

124.º, n.º 3) que determina que as propostas de lei devem ser acompanhadas dos estudos, documentos e pareceres que as fundamentam, procedeu-se ao debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 128/XII (2.ª) — Estabelece o regime a que deve obedecer a implementação e utilização de sistemas de transportes inteligentes, transpondo a Diretiva 2010/40/UE, de 7 de julho, que estabelece um quadro para a implementação de sistemas de transporte inteligentes no transporte rodoviário, inclusive nas interfaces com outros modos de transporte, tendo intervindo, a diverso título, além do Secretário de Estado das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (Sérgio Monteiro), os Deputados Bruno Dias (PCP), João Paulo Viegas (CDS-PP), Adriano Rafael Moreira (PSD), Ana Drago (BE) e Ana Paula Vitorino (PS).

Foi ainda apreciada, na generalidade, a proposta de lei n.º 129/XII (2.ª) — Autoriza o Governo a rever o Regime Jurídico dos Organismos de Investimento Coletivo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 252/2003, de 17 de outubro, tendo-se pronunciado o Secretário de Estado das Finanças (Manuel Rodrigues) e os Deputados Elsa Cordeiro (PSD), Cecília Meireles (CDS-PP), Honório Novo (PCP), Pedro Filipe Soares (BE) e João Galamba (PS).

O Presidente (António Filipe) encerrou a sessão eram 18 horas e 45 minutos.

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O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, Srs. Jornalistas, está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 13 minutos.

Peço aos Srs. Agentes da autoridade o favor de abrirem as galerias.

Antes de entrarmos na ordem do dia, vou dar a palavra ao Sr. Secretário para proceder à leitura do

expediente.

Tem a palavra, Sr. Secretário.

O Sr. Secretário (Paulo Batista Santos): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, apenas para anunciar a

caducidade do processo relativo ao Decreto-Lei n.º 234/2012, de 30 de outubro, que procede à segunda

alteração do Decreto-Lei n.º 175/2006, de 11 de agosto, que estabelece o regime do ensino do português no

estrangeiro [apreciação parlamentar n.º 42/XII (2.ª) (PS)].

O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, vamos, então, dar início ao primeiro ponto da nossa

ordem de trabalhos com o debate de atualidade, requerido pelo BE, ao abrigo do artigo 72.º do Regimento,

sobre a dívida, a sua renegociação e a sétima avaliação da troica.

Para introduzir o debate tem a palavra a Sr.ª Deputada Catarina Martins.

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: A sétima avaliação da troica

começou, esta semana, marcada por uma charada, uma farsa e uma história da carochinha.

Uma charada porque, menos de uma semana depois de o Ministro das Finanças passar a defender mais

tempo para atingir as metas do défice, logo apareceu o Primeiro-Ministro para nos avisar que mais tempo

afinal não é mais tempo e que o Governo continua a defender o que sempre defendeu. Neste particular

universo linguístico do Governo, mais 12 meses para cumprir o défice não é mais tempo, é outra coisa

qualquer!

Uma farsa porque a avaliação da troica começa com o resultado já conhecido à partida: cortar nas

despesas sociais, e cortar muito. Pouco importa que Portugal seja já o País, em toda a Europa, onde as

despesas sociais mais desceram nos últimos dois anos. Foram menos 3700 milhões de euros em 2011 e

2012, mas o Governo quer ir ainda mais longe e cortar mais 4000 milhões de euros.

A história da carochinha, permanentemente repetida pelo PSD e pelo CDS, diz-nos que o Estado é gordo,

pesado e ineficiente. Há um único problema com esta lengalenga: tal como os números de Vítor Gaspar, não

bate certo.

Portugal, depois dos cortes efetuados a quatro mãos, pelo Governo e troica, gasta 4,9% em educação,

contra 6,2% dos países da OCDE. Na saúde acontece o mesmo, com a agravante de a percentagem da fatura

paga pelas famílias com os cuidados de saúde ser, em Portugal, quatro vezes superior à de França ou o triplo

da que pagam as famílias inglesas.

Resta o último bastião da demagogia governamental: os portugueses não podem pagar os salários de uma

função pública pesada e sem paralelo na Europa. Falso! O peso dos salários públicos não passa dos 10,4%

do produto, em Portugal, contra mais de 18% nos países nórdicos ou os 14% da média da zona euro.

Não foi o peso do Estado social que nos trouxe à crise, mas é a destruição deste pilar da democracia que

nos tem trazido à recessão em que nos encontramos. Menos Estado social não representa apenas uma

sociedade mais injusta, mas um País mais pobre e sem emprego.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr.as

e Srs. Deputados, 2013, o prometido ano da viragem económica,

tornou-se na terceira maior recessão desde 1975. Com o desemprego a quebrar todos os recordes e um nível

de pobreza galopante, o Governo apresenta-nos a sua solução: cortar ainda mais no investimento e nas

funções sociais do Estado, empobrecer ainda mais o País.

Na verdade, tudo a que o Governo se propõe é prolongar os prazos e as metas do défice, o que disse que

nunca faria, mas sem abdicar da imposição de mais medidas de austeridade em cima das que já estão em

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curso. Ou seja, o Governo quer mais tempo para mais austeridade, o que só pode resultar em mais recessão,

maior desemprego e mais pobreza. É a espiral recessiva, agora em dose dupla.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr.as

e Srs. Deputados, mais de um ano e meio depois da troica aterrar

em Portugal, está na altura de avaliar as suas políticas e as do Governo. Erraram sobre a recessão, erraram

sobre o desemprego, erraram na dívida, em nome da qual, supostamente, todos estes sacrifícios foram

impostos. O Memorando previa uma dívida pública 108% do PIB no final de 2013; ainda vamos no início do

ano e já vamos em mais de 122% e sempre a subir!

A dívida pública é, hoje, o principal encargo financeiro do País, a principal despesa do Estado. Custa mais

do que o Serviço Nacional de Saúde, muito mais do que a escola pública. Sim, para sair da crise é preciso

cortar, mas cortar na dívida e não no Estado social.

Dizemo-lo há dois anos e a realidade confirma-o: não há solução para sair da crise que não passe pela

renegociação. O único caminho é o da redução do principal encargo financeiro do País — a dívida pública. E

hoje, com a recessão tremenda que o Governo e a troica impuseram ao País, não adianta já apenas reduzir as

taxas de juro ou prolongar o tempo e o prazo para o pagamento da dívida. Não há já solução sem reduzir o

stock da dívida. Só essa redução permitirá, de forma sustentável, reduzir os juros que pagamos e que são a

principal dificuldade para equilibrar as contas públicas.

Sr.as

e Srs. Deputados, avaliação a avaliação da troica, o Governo espera que tudo esteja fechado para

comunicar ao País o que acordou. Avaliação a avaliação, o País fica pior, cresce o desemprego e aumenta a

recessão. Dirá depois que a avaliação foi positiva.

Por isso mesmo, o Bloco de Esquerda marcou para hoje este debate. O Governo tem de dizer o que está a

negociar, antes de o fazer e não depois. A democracia não se compadece com a política do facto consumado.

Sabemos que o Governo, depois de impor a maior carga fiscal de sempre, se prepara para diminuir

novamente os rendimentos, desta vez com cortes nos serviços públicos. Os cortes do Governo serão as

despesas adicionais das famílias: deixar sem nada quem já pouco tem. Mais impostos para uns, abandono

total para outros.

Vozes do BE: — Muito bem!

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — A democracia não é um jogo das escondidas nem um romance epistolar.

O Governo deve prestar contas e afirmar publicamente o rumo que trilha. A oposição deve afirmar a alternativa

que propõe. Alternativa em confronto, clareza nos rumos.

O Bloco de Esquerda é claro: só a renegociação pode permitir a libertação de fundos necessários a um

programa de estímulo à economia que inverta a espiral recessiva, que possibilite criar emprego, recuperar

salários e pensões, dinamizar o mercado interno, fazer crescer a economia. Só há saída da crise cortando na

dívida para investir no que cria emprego e crescimento económico.

O problema do País não é um problema de ritmo ou de calendário da austeridade. O problema dos cortes

sociais não é serem feitos aos duodécimos ou de uma só vez, mas empobrecerem o País e destruírem os

instrumentos de igualdade, seja em 2013, 2014 ou 2016.

O problema do País é o Programa do Governo e da troica. Ou mudamos rapidamente o rumo, ou Portugal

não sairá da crise.

Os milhares que no sábado, 2 de março, vão encher as ruas do País sabem que este Governo é incapaz

de tirar o País da crise. E fazem por Portugal o que este Governo é incapaz de fazer: mostrar à troica, à

Europa e ao mundo, que há um povo que não aceita ser espezinhado e que exige outro rumo. É a força da voz

de quem não se resigna que pode trazer a Portugal as condições nacionais e internacionais para uma

mudança de rumo essencial e que o Governo não sabe e não quer fazer.

Os milhares que cantam a Grândola ao Governo sabem bem que é tempo de mudança.

Aplausos do BE.

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Entretanto, assumiu a presidência a Presidente, Maria da Assunção Esteves.

A Sr.ª Presidente: — Para intervir, estão desde já inscritos a Sr.ª Secretária de Estado do Tesouro, o Sr.

Deputado João Oliveira, do PCP, e o Sr. Deputado Pinho de Almeida, do CDS-PP.

Tem a palavra, Sr.ª Secretária de Estado do Tesouro.

A Sr.ª Secretária de Estado do Tesouro (Maria Luís Albuquerque): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados:

Ouvi com atenção a intervenção da Sr.ª Deputada Catarina Martins relativamente a esta questão da

reestruturação da dívida. A preocupação do Governo, neste momento, como, aliás, desde o início do

Programa de Ajustamento, é a de levar a cabo as reformas estruturais de que o País precisa para resolver os

problemas de décadas que foram a verdadeira causa da situação em que agora nos encontramos, e é isso

que temos vindo a fazer desde o início do Programa de Ajustamento.

Como sabíamos desde o início, estas reformas estruturais implicam tempos difíceis. Vínhamos de uma

situação de enorme dificuldade financeira, em que o País perdeu o acesso ao financiamento de mercado e viu-

se forçado a pedir o apoio dos seus parceiros internacionais e do Fundo Monetário Internacional. É na

sequência dessa necessidade de ajuda que foi implementado um programa que tem, é verdade, medidas

difíceis para todos nós.

Todavia, importa perceber o muito que já foi feito e o muito que já se conseguiu. É verdade que as

reformas estruturais, pela sua natureza, demoram tempo a produzir efeitos e demora tempo até que as

pessoas sintam, no seu dia-a-dia, os efeitos dessas reformas. Mas elas estão a ser feitas e são elas que vão

permitir que a nossa economia volte a crescer, que volte a ser uma economia saudável, que volte a ser capaz

de criar emprego e que permita que, finalmente, acabe o Programa de Ajustamento.

Aproveito para esclarecer uma questão que talvez tenha gerado alguma confusão — a questão do mais

tempo que não é mais tempo. Quando se fala em mais tempo estamos a falar em mais um ano para atingir a

meta dos 3% do défice, de acordo com as regras europeias. O Programa de Ajustamento da troica é para

acabar em junho de 2014, como sempre foi o objetivo. O que o Governo diz é que é razoável esperar que

possa haver, da parte dos nossos parceiros europeus, a aceitação da ideia de que Portugal demore mais um

ano para atingir o objetivo orçamental de um défice inferior a 3% do produto interno bruto.

O Programa de Ajustamento que estamos neste momento a cumprir, cujo sétimo exame regular está a

correr desde o dia 25 de fevereiro, é para terminar em junho de 2014, como sempre esteve previsto, e o

Programa mantém-se nos 78 000 milhões de euros, tal como estabelecido desde o início. Foi exatamente isto

que o Governo quis dizer e é exatamente isso que se passa.

Um dos nossos grandes objetivos, neste momento, é continuar a consolidar o processo de regresso aos

mercados, porque esse é um passo essencial para que consigamos, em junho de 2014, terminar com sucesso

o Programa de Ajustamento. Isto não significa que o esfoço de ajustamento não tenha de continuar —

claramente que sim. As reformas são para continuar a ser prosseguidas, a bem do futuro coletivo de todos os

portugueses, mas é fundamental garantir condições de credibilidade e de confiança, interna e externa, para

que possamos ter um regresso sustentado ao financiamento de mercado que nos permita retomar uma

soberania plena.

A questão da renegociação é uma ameaça séria a todos estes objetivos. Não podemos pretender terminar

o Programa de Ajustamento com regresso ao financiamento de mercado e, ao mesmo tempo, dizer que não

estamos dispostos a pagar aos nossos credores. Isso só imporia aos portugueses mais sacrifícios, mais

difíceis, e manteria a troica em Portugal por tempo indeterminado. É esse o verdadeiro resultado de uma

proposta de reestruturação da dívida que o Governo rejeita.

O que pretendemos é, junto dos nossos parceiros europeus, suavizar o perfil de amortizações para facilitar

o processo de regresso aos mercados, e nada mais do que isso. Nunca estamos, em momento algum, a dizer

que os nossos credores não irão receber em pleno tudo o que emprestaram a Portugal, porque isso é que

garante, de facto, o regresso a uma situação de soberania plena, isso é que vai permitir que as condições de

financiamento da economia portuguesa melhorem. É muito importante que o Estado regresse aos mercados

para que haja uma referência adequada às condições de financiamento da economia, para que o crédito

chegue às pequenas e médias empresas, para que elas possam investir, para que possam criar emprego e

gerar riqueza.

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Este é o foco do trabalho do Governo e é nesse sentido que continuaremos empenhados.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira, do PCP.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, Sr.ª Secretária de Estado do

Tesouro: Longe vão os tempos em que o Ministro da Economia publicava obras noutros países criticando os

níveis recorde da dívida pública portuguesa e o seu peso sobre a economia nacional e ouvíamos a bancada

do PSD dizer que estava a hipotecar-se o futuro das novas gerações.

Longe vão os tempos em que, da bancada do CDS, o atual Ministro de Estado e dos Negócios

Estrangeiros criticava o então Primeiro-Ministro José Sócrates, porque tínhamos atingido níveis recordes de

dívida pública e porque os portugueses estavam a trabalhar para pagar os juros da dívida ao estrangeiro.

Longe vão também os tempos em que CDS, PSD e PS assinavam um pacto com a troica, afirmando que

assim se poria fim ao problema do endividamento do País.

Sr.as

e Srs. Deputados, Sr.ª Secretária de Estado: Quase dois anos depois de assinado o pacto com a

troica temos uma dívida maior que pesa mais sobre a nossa economia e que está a arruinar o País, a afundar

a nossa economia e a fazer alastrar a miséria. Quase dois anos depois de aplicação da política da troica está

provado que não é com a política da troica que vamos resolver os nossos problemas!

Ao fim de dois anos de aplicação da política da troica pelo Governo do PSD e do CDS está demonstrado

que a resolução da dívida não passa por cortes orçamentais, que a resolução dos problemas da dívida não

passa por hipotecar a capacidade de criação de riqueza do nosso País.

Ao fim de dois anos está provado que não é com mais tempo para fazer a mesma política que vamos

ultrapassar os problemas com que estamos confrontados, nem vai ser regressando aos mercados, sujeitando-

nos de novo à especulação, que vamos evitar arruinar novamente a nossa economia e, sobretudo, pôr os

dinheiros públicos, o dinheiro dos contribuintes a pagar a especulação financeira.

Não vai ser assim que vamos resolver os nossos problemas.

O Sr. Bernardino Soares: — Muito bem!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr.ª Secretária de Estado, o endividamento dos Estados não é uma doença

sem causas e sem cura. É o resultado da criação da moeda única; é o resultado das imposições que foram

colocadas ao financiamento dos Estados: é o resultado da especulação financeira feita através dos ditos

mercados e que permite a meia dúzia enriquecer à custa do dinheiro dos contribuintes dos países da União

Europeia; e é o resultado da intervenção dos Estados na crise financeira, cobrindo com dinheiro público dos

contribuintes os buracos da banca e do setor financeiro.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Por isso, a dívida cresceu, Sr.ª Secretária de Estado, não só em Portugal

mas na generalidade dos países da Europa.

Na Alemanha, a dívida passou de 65,2% para 82%; na Holanda, passou de 45% para 69%; em França, de

64% para 90%, em Inglaterra, de 44% para 89% e, em muitos outros países, Sr.ª Secretária de Estado,

registou-se este aumento da dívida pública não porque tivessem, como em Portugal, seguido determinadas

políticas, mas porque esta situação do endividamento dos Estados resulta de regras concretas que atingem

todos os países — não de uma forma igual, é certo. Portugal é atingido de uma forma mais dura e mais grave,

porque temos debilidades que outros países da União Europeia não têm, nomeadamente os países mais ricos

e mais poderosos a favor de quem esta União Europeia está construída e a favor de quem estas regras de

financiamento dos Estados foram determinadas.

Vozes do PCP: — Muito bem!

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O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr.ª Secretária de Estado, a solução não é esperarmos apenas por decisões

da União Europeia, há resoluções que tem de ser tomadas a nível europeu para ultrapassar muitos destes

problemas, nomeadamente decisões que têm a ver com o acesso dos Estados ao financiamento direto do

Banco Central Europeu. Mas não podemos ficar à espera eternamente de decisões que venham da União

Europeia para resolver os nossos problemas, nós temos, imediatamente, de proceder a uma renegociação da

nossa dívida pública, alargando prazos, juros e montantes e indexando o montante do juros que pagamos a

uma percentagem das nossas exportações de mercadorias, como o PCP tem proposto — uma percentagem

de 5%.

É necessário travar o desvio de dinheiro do País que está a ir parar aos cofres da banca e pô-lo ao serviço

da economia e da criação de emprego.

Precisamos de uma outra política económica: uma política que recupere para o País o que é do País e não

insista nas privatizações, uma política que apoie a produção nacional e não que continue a apoiar as

importações e a dependência externa do nosso País; precisamos de distribuir com justiça a riqueza e de

aumentar o poder de comprar, aumentando os salários e as pensões, em vez de recapitalizar bancos privados

com dinheiros públicos.

Sem isso, apesar de todos os cortes e apesar de todos os sacrifícios, a Sr.ª Secretária de Estado e o

Governo sabem que a nossa dívida tornar-se-á impagável. Precisamos, pois, de inverter o rumo que tem sido

seguido, Sr.ª Secretária de Estado.

Este pacto da troica e a política que o Governo está a executar já demonstraram que não vão resolver o

problema da dívida nem o problema do défice das contas públicas, e nós perguntamos: então, afinal de

contas, para que serve o pacto e para que serve esta política? Serve para cumprir um programa político

escondido, que o Governo está a executar sem ter mandato para o fazer, e serve para cumprir um programa

de transferência para o Orçamento do Estado (e daí para os bolsos dos portugueses) a dívida privada,

nomeadamente da banca e do setor financeiro.

O pacto da troica serve para impor o empobrecimento e o agravamento da exploração de quem trabalha,

serve para destruir as funções sociais do Estado e serve para entregar a meia dúzia de grupos e interesses

económicos as riquezas nacionais, nomeadamente empresas públicas em setores estratégicos para o nosso

desenvolvimento.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Por isso, apontamos um caminho: não há alteração da situação nem

resolução dos problemas nacionais sem a rutura com o pacto da troica, sem a rutura com a política de direita e

sem uma política alternativa de verdadeira defesa e promoção do crescimento económico, de valorização do

trabalho e dos trabalhadores e de redistribuição da riqueza.

Queremos saber hoje, nesta Assembleia e neste debate, quem está disposto a acompanhar-nos nesse

rumo alternativo para o País!

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Tentando dar a este debate

uma dimensão que, sinceramente, não foi percetível da intervenção inicial do Bloco de Esquerda, estará,

eventualmente, em causa uma questão de médio e longo prazos, que é a sustentabilidade da dívida pública

portuguesa, e uma questão de curto prazo, que é a sétima avaliação e o cumprimento do Programa de

Ajustamento por parte de Portugal.

São questões que, não tendo sido possível identificar na intervenção inicial do Bloco de Esquerda, são

suficientemente relevantes para merecerem a nossa preocupação e a expressão da nossa opinião.

A sustentabilidade da dívida pública portuguesa é, sem dúvida, uma preocupação. Dissemo-lo no passado

e, obviamente, tendo aumentado o peso dessa dívida, não poderíamos deixar de o dizer hoje: é uma

preocupação fundamental de Portugal a sustentabilidade da sua dívida.

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Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — E uma vez que a sustentabilidade da dívida depende do rácio

dessa mesma dívida em relação ao produto, só há duas maneiras de conseguir prosseguir um caminho de

sustentabilidade: por um lado, evitar o crescimento da dívida e, por outro lado, assegurar condições para que

esse crescimento vá permitindo uma evolução positiva do rácio da dívida sobre o produto e, assim, evitar o

crescimento da dívida.

Os Srs. Deputados não podem achar que a dívida é de geração espontânea, que não tem razões que a

causam. O défice é uma das principais razões do crescimento da dívida pública em Portugal.

O Sr. João Oliveira (PCP): — É falso, falso!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — O facto de termos uma das maiores dívidas da Europa não é

indiferente ao facto de sermos um dos únicos dois países que, nos últimos 30 anos, nunca teve um superavit

nas suas contas públicas e foi sempre acumulando défices.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Então, explique lá o caso de Espanha!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — É preciso perceber que se continuarmos a insistir em políticas

discricionárias que, elas próprias, aumentam o endividamento, obviamente que a sustentabilidade da nossa

dívida será cada vez menor.

Também é preciso ter noção de que não vale a pena criar ilusões sobre a questão dos juros. Se os juros

têm um peso cada vez maior não é porque o valor desses juros seja mais alto, mas porque a dívida é maior e

o seu volume continua a aumentar.

Convém deixar aqui um dado concreto: o valor médio dos juros da dívida pública portuguesa era de 4,3%

em 2011; o valor médio dos juros da dívida pública portuguesa é, hoje, de 3,6%, ou seja, é mentira o discurso

dos juros usurários. O problema está no volume da nossa dívida.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Bem lembrado!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — O facto de termos, neste momento, um Programa de

Ajustamento contribuiu para reduzir o valor médio dos juros a pagar por Portugal e não para aumentar o valor

médio desses juros. Portanto, convém ter o mínimo de responsabilidade quando fazemos este tipo de

discurso.

Vozes do PSD e do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Também convém dizer que, de 180 casos de reestruturação

da dívida de países de todo o mundo feitas nos últimos 35 anos, apenas um terço dessas reestruturações

incidiu sobre a redução do valor global da dívida, ou seja, a maioria das reestruturações — mais de dois terços

— de dívida feitas a nível mundial, têm a ver com os prazos e com as maturidades dessa mesma dívida.

Portanto, convém os senhores terem a noção disso quando vêm aqui vender ilusões.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — No fundo, o que está em causa é conseguirmos evitar um

aumento da dívida por dois caminhos: um deles é através do crescimento e através do nosso PIB; o outro é

através da redução do défice, evitando que o défice contribua para o aumento dessa dívida. Não é pouco!

Aliás, nos últimos 30 anos, nunca conseguimos ter um crescimento sustentado e nunca conseguimos ter um

superavit, o que nos dá bem a noção da tarefa que temos pela frente.

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Indo à questão de curto prazo — e é isto que tem de ser colocado em cima da mesa na sétima avaliação —

, é um facto indesmentível que a consolidação que o Programa de Ajustamento está a permitir é mais lenta do

que o que estava previsto inicialmente e também é indiscutível que a destruição de produto está a ser muito

mais pronunciada do que o previsto inicialmente.

Portanto, é impossível que Portugal ignore esta realidade. São os próprios responsáveis do FMI, da

Comissão Europeia e do BCE que o têm dito. A austeridade tem tido consequências mais profundas do que

aquilo que era previsto e não tem, sequer, permitido que o ajustamento, do ponto de vista das contas públicas,

seja tão rápido quanto o previsto. Foi por isso que o CDS, quando se dirigiu à troica, não nesta avaliação, mas

numa carta que escreveu na anterior — e que, curiosamente, é muito semelhante a outra que o Partido

Socialista veio a escrever mais tarde —,…

Risos do PS.

… referiu que nesta avaliação tem de estar em cima da mesa a questão do crescimento e a do emprego,

não porque sejam chavões sem qualquer conteúdo, mas porque estas são as razões através das quais

podemos inverter a situação em que estamos neste momento.

É através do crescimento do produto que faremos uma grande parte do percurso para tornar sustentável a

nossa dívida.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Mas a perspetiva é que haja o dobro de recessão!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — É por isso que, de uma forma responsável, mantendo os

nossos compromissos, apontamos claramente qual é o caminho, mas não caímos na tentação fácil de

prometer o que sabemos que é impossível.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

A Sr.ª Presidente: — Antes de dar a palavra ao próximo orador, informo que, entretanto, inscreveram-se os

Srs. Deputados Fernando Medina, do PS, e Duarte Pacheco, do PSD.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira, de Os Verdes.

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as

e Srs.

Deputados: Temos ouvido falar, com alguma frequência, em credibilidade, mas a verdade é que o Sr. Ministro

das Finanças reconheceu o falhanço do Orçamento do Estado para 2013.

Menos de dois meses depois da entrada em vigor do Orçamento, o Governo vê-se obrigado a proceder à

revisão do quadro macroeconómico na base do qual elaborou o Orçamento para este ano. Nem dois meses

passaram e o Governo já reconhece que errou nas suas previsões macroeconómicas: a previsão da queda do

PIB, passou de 1% para 2%, o que significa a duplicação do agravamento da queda do PIB. Afinal, a recessão

não é de 1%, mas é de quase 2%.

Depois, o Governo ainda diz que ganha credibilidade junto da troica. Pelos vistos, quanto mais o Governo

falha nas previsões, nas políticas e nos resultados, mais credibilidade ganha junto da troica, o que é, de facto,

surpreendente!

Esta credibilidade, que o Governo diz que vai ganhando junto da troica, só se entende se considerarmos

que quanto mais o Governo reduz o Estado mais alarga o mercado para os privados, que é exatamente o que

a troica pretende, daí os tais sinais positivos, de cada vez que há uma avaliação — de outra forma, não se

entende.

Assim como só desta forma se entende o que o Sr. Ministro das Finanças quer dizer quando fala de

credibilidade acumulada depois de seis exames regulares bem-sucedidos.

É estranho, muito estranho, que em sete avaliações ainda não tenham percebido que a política de

austeridade, em vez de promover o crescimento económico, está a destruir a nossa economia e a agravar as

condições de vida das pessoas. E cada vez que há uma avaliação, a situação está pior do que na avaliação

anterior!

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Está mais do que visto que com esta política não haverá crescimento económico; pelo contrário, a

recessão agravar-se-á.

Trata-se de uma política que se resume, praticamente, ao empobrecimento dos portugueses do ponto de

vista dos seus rendimentos, mas também ao empobrecimento dos seus direitos e, se fizermos bem as contas,

desde que a troica começou a tomar conta das operações, reduzindo o Governo a um moço de recados, a

situação tem vindo a agravar-se de dia para dia.

Desde a assinatura do Memorando até ao final deste ano, vamos assistir a uma queda do PIB de 7,7%, a

uma queda do investimento na ordem dos 50% e a uma queda da procura interna de 20%. Isto quando temos

o recorde na Europa em cortes sociais — 3700 milhões apenas entre 2010 e 2012 — e quando temos o

desemprego com números que deviam envergonhar o Governo.

Só em janeiro, em despedimentos coletivos, foram despedidos 35 trabalhadores por dia. Vou repetir: só no

mês passado, em despedimentos coletivos, foram despedidos 35 trabalhadores por dia! Ou seja, o Governo

não para de impor sacrifícios aos portugueses em nome da redução da dívida.

Porém, apesar dos dolorosos sacrifícios impostos, a dívida pública não para de crescer. O rácio de 120%

do PIB já foi ultrapassado, tendo o País uma dívida já superior a 200 000 milhões de euros. Por este caminho,

cada vez se torna mais evidente que a dívida vai entrar numa rota insustentável.

O Governo tem de assumir com toda a clareza e com sentido de responsabilidade os desastrosos

resultados da política de austeridade que está a impor aos portugueses. Os resultados destas políticas têm de

ser suficientes para se perceber que o caminho não é este, que é necessário mudar as políticas.

Sem uma mudança de políticas não há crescimento económico, porque a revisão do PIB não chega. É

necessário, repito, mudar de políticas, a começar pela renegociação da dívida, de forma a que uma parte do

que se paga em juros seja canalizada para investir na nossa economia, para colocar a economia a mexer e

dessa forma começarmos a produzir, criando riqueza, porque só criando riqueza é que se consegue ganhar

credibilidade externa.

Impõe-se, antes de mais, investir a sério na nossa economia, como forma de travar esta onda de falências,

como forma de travar o flagelo social do desemprego e como forma de criarmos riqueza, a única forma de

pagar dívidas. Se assim não for, teremos dor sem ajustamento.

Até agora, o Governo e a maioria PSD/CDS diziam que a renegociação não era necessária, porque as

medidas do Governo eram suficientes para dar resposta à crise. Mas diziam mais: diziam que renegociar a

dívida significava não pagar a dívida. Agora começam a perceber que, afinal, não era bem como diziam, e já

estão abertos a pedir mais tempo.

Ora, desta alteração de postura, por parte do Governo, podemos extrair duas conclusões: por um lado, que

as políticas do Governo falharam redondamente e, por outro lado, que o Governo, finalmente, compreendeu o

que há muito defendemos, isto é, que a renegociação da dívida é a única forma de a pagar.

Porém, a renegociação não se deve ficar apenas pelo alargamento do prazo, deve alargar-se, também, à

renegociação dos juros e dos montantes. Pode ser que esta inversão da posição do Governo, relativamente à

renegociação dos prazos, o leve a perceber que também é necessário renegociar os juros e os montantes.

Vamos aguardar com paciência democrática que esta mudança de posição do Governo evolua no sentido

de poder, também, renegociar os juros e os montantes, porque quanto mais tarde o Governo acordar para esta

inevitável necessidade, tanto pior para a nossa economia e tanto pior para os portugueses.

De facto, se Portugal vai regressar aos mercados, falta agora o mais importante, e o mais importante é que

os portugueses consigam ir ao verdadeiro mercado.

A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Medina, do PS.

O Sr. Fernando Medina (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Vivemos hoje, no nosso País, a

situação económica e social mais dramática da nossa democracia.

Vozes do PS: — Muito bem!

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O Sr. Fernando Medina (PS): — Eu meço bem as palavras: a situação atual não tem qualquer paralelo

nos 38 anos do nosso regime democrático, nem no período revolucionário, nem nas crises de 1978, nem nas

crises de 1983.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Altino Bessa (CDS-PP): — Convém identificar os responsáveis!

O Sr. Fernando Medina (PS): — E esta é a situação mais dramática porque enfrentamos, hoje, a recessão

mais profunda e prolongada que conhecemos nos nossos registos.

A economia decai há três anos consecutivos, quatro dos últimos cinco anos são passados em recessão, o

desemprego cresce há 16 trimestres seguidos e atinge hoje mais de 900 000 pessoas, o défice não está

controlado e a dívida aumenta para valores nunca vistos. Mas, porventura, o elemento mais dramático da

situação que vivemos é o facto de termos pela frente uma sociedade que se encontra profundamente

angustiada, amedrontada e com medo do futuro. Uma sociedade que sofre no presente, mas, acima de tudo,

uma sociedade que não vê caminho para a saída da situação com a qual estamos confrontados.

Vozes do PS: — É isso mesmo!

O Sr. Fernando Medina (PS): — É esta a situação dos mais desfavorecidos, que sofrem; é esta a situação

dos jovens que não veem saída para o futuro. E, porventura, o aspeto mais novo desta crise que vivemos é a

situação das classes médias, que, pela primeira vez no regime democrático, se encontram a empobrecer.

Aplausos do PS.

É o empobrecimento da perda direta de rendimentos, é o empobrecimento resultante do recuo do Estado

social, mas é, infelizmente e de forma mais corrosiva, o empobrecimento que resulta da fragilização das redes

familiares e geracionais que tanto marcaram a nossa sociedade e que tão importantes são para a manutenção

dos laços da coesão social, como os conhecemos.

Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, é por isso que a escolha da sétima avaliação e o que está em

causa em cima da mesa é muito claro: é a escolha entre prosseguir com uma estratégia que falhou ou mudar

para uma política económica credível que dê resposta à situação económica e social que nós vivemos. É, pois,

uma escolha simples, entre procurar ajustamentos pontuais, mas prosseguir num caminho do qual já

conhecemos os resultados, ou dar um sinal de esperança e de credibilidade para enfrentar as dificuldades

com que nos confrontamos.

Deixem-me ser, também sobre este ponto, muito claro: mais um ano para cumprir o défice orçamental,

diluir o corte dos 4000 milhões no tempo, mesmo que minorados com sinais no IRC ou no crédito, não são

uma alteração da política económica. Podem ser muita coisa, podem ser o reconhecimento dos erros, podem

ser — e são, seguramente — o fruto da realidade com que hoje todos nos confrontamos, mas sejamos claros:

não são uma alteração profunda da política económica!

Aplausos do PS.

E não são, Sr.as

e Srs. Deputados, por razões simples e claras.

Se as alterações forem aquelas que acabei de referir, significa que teremos austeridade adicional em 2013

e 2014, significa que não conseguiremos estabilizar as expetativas das famílias, significa que não

estancaremos o aumento do desemprego, significa que não conseguiremos estancar a queda da procura

interna e significa que não teremos capacidade para estancar o crescimento da nossa dívida.

Em síntese, se estamos hoje numa situação de recessão profunda e prolongada, se a sétima avaliação

trouxer estes resultados, Portugal manter-se-á numa recessão profunda e prolongada.

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Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, precisamos que da sétima avaliação resulte uma política

económica séria e credível para responder à situação com que estamos confrontados — e reafirmo a

dramática situação com que estamos confrontados.

É por isso que da sétima avaliação é essencial que saia uma política que estabilize a procura interna, que

seja capaz de estabilizar os rendimentos das famílias, de apoiar a recuperação do emprego e de estabilizar a

procura interna; uma política que interrompa o ciclo de austeridade destrutiva; uma política que dê sinais

claros de que a dívida é sustentável e sustentada do ponto de vista da nossa capacidade de pagar no baixo

crescimento;…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Qual é a política? Qual?!

O Sr. Fernando Medina (PS): — … uma política que seja capaz e que equacione de frente que a

competitividade de Portugal não é um problema de um País isolado, é a competitividade de um País dentro de

uma zona euro, dentro de uma moeda única e num espaço alargado, no qual todos nos encontramos.

Aplausos do PS.

Sr.ª Presidente, para terminar, gostaria de dizer que o Governo tem, hoje, uma responsabilidade enorme de

dar resposta à dramática situação económica e social com que nos confrontamos. Mas não tenhamos ilusões

(e vemos isto de forma clara por toda a Europa): se não houver uma resposta à dramática situação económica

e social que vivemos, daqui a uns tempos não estaremos a discutir uma crise económica e financeira,

estaremos a discutir a crise do regime democrático pelo qual tantos lutaram, durante 38 anos, para construir!

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Pacheco.

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as

Secretárias de Estado, Sr.as

e Srs. Deputados: O

crescimento económico não se alcança por decreto, o emprego não é criado com discursos.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — E é com a consciência desta realidade que nós devemos analisar a

situação portuguesa.

Se olharmos para trás, para abril de 2011, encontramos um País à beira da bancarrota, com níveis de

endividamento insustentáveis.

O Sr. João Oliveira (PCP): — E hoje estamos melhor?

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Mas, em abril de 2011, o que ruiu não foi só o Estado, foi todo o modelo

económico que estava assente na despesa pública, no excesso de endividamento e que por isso mesmo, ao

sugar rendimento ao setor privado da economia, resultou numa década de crescimento medíocre.

Portugal tinha perdido a credibilidade: sem a confiança dos credores,…

Vozes do PSD: — Bem lembrado!

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — … sem capacidade de se financiar nos mercados, foi obrigado a pedir

assistência financeira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Se o descaramento pagasse imposto!…

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O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Ao longo dos dois últimos anos, Srs. Deputados, o País viveu com uma

autonomia financeira reduzida, trimestralmente a prestar contas, a obter avaliações positivas do trabalho feito

e, por isso mesmo, a serem disponibilizadas parcelas do financiamento. Mas, para que isto acontecesse, o

País teve — e tem — de cumprir um doloroso Programa de Ajustamento Financeiro e Económico.

O Governo e toda a maioria têm estado a trabalhar para que Portugal possa libertar-se do condicionamento

que hoje vivemos para que o País possa iniciar um período de crescimento sustentável.

Para tal, é necessário muito trabalho: reconquistar a credibilidade perdida, conquistar a confiança dos

nossos financiadores…

O Sr. João Oliveira (PCP): — Está à vista!

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — … e, em simultâneo, lançar as bases de uma nova economia, reformar a

justiça, as leis de condicionamento, da concorrência e do licenciamento, a legislação laboral, e isso tem vindo

a ser feito.

Hoje, em fevereiro de 2013, mesmo num contexto internacional adverso, o País está em condições de

iniciar uma nova fase deste ajustamento.

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Muito bem!

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Fruto da determinação do caminho traçado, com as contas externas

equilibradas, reconquistada a confiança do mercado, reconquistada a capacidade de nos financiarmos

diretamente junto de credores,…

O Sr. João Oliveira (PCP): — Falso!

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — … podemos hoje, em fevereiro de 2013, protagonizar um ajustamento

orçamental mais suave, podemos ajustar a fiscalidade à promoção do investimento,…

O Sr. Luís Menezes (PSD): — Muito bem!

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — … podemos hoje contribuir para que o financiamento seja mais fácil e a

juros mais baixos para a maioria das empresas portuguesas.

O Sr. João Oliveira (PCP): — De que país é que está a falar?

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Hoje, porque os resultados financeiros já são mensuráveis e já são

sentidos macroeconomicamente, temos todos de fazer um esforço — Governo, economia — para que estes

resultados financeiros sejam sentidos de uma forma transparente pelas empresas e pelas famílias.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Isto para que a confiança recupere, para que o investimento aconteça e

para que o emprego seja criado.

Sempre acreditámos que quem cria emprego, quem faz crescer a economia é o setor privado. Ora, para

que o setor privado possa investir é necessário que as condições de financiamento estejam asseguradas e,

para que tal aconteça, o País tinha de reconquistar a credibilidade e o acesso aos mercados e isso foi

alcançado graças ao esforço destes dois anos de governação.

Vozes do PSD: — Muito bem!

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O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Este é o desafio com que todos estamos confrontados. A primeira batalha

está ganha, mas só mantendo a mesma determinação podemos vencer a guerra do crescimento económico e

do crescimento do emprego.

Protestos do PCP.

Esta é a obrigação do Governo, esta deve ser também a atitude da troica no âmbito da sétima avaliação e,

para este fim e com este objetivo, o Governo pode contar…

Protestos do PCP.

A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, peço que façam silêncio, para que o Sr. Deputado Duarte Pacheco

possa continuar no uso da palavra.

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Sr.ª Presidente, há Deputados que não querem ter o contacto com a

realidade, mas têm que a ouvir!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Protestos da Deputada do PS Isabel Moreira.

Sr.ª Presidente, porque este é o fim último — o crescimento e o emprego —, este Governo tem a

solidariedade desta bancada.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Catarina Martins.

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Secretária de Estado do Tesouro:

Ouvimos com atenção todas as intervenções aqui produzidas e, designadamente, ouvimos com alguma

perplexidade o discurso do PSD do «agora, sim, estamos no rumo, agora é que lá vamos». Será caso para

dizer que inventem mentiras novas, porque essa está gasta e ninguém está a ver qualquer luz ao fundo deste

túnel!

Também ouvimos o CDS dizer que defender um novo caminho significa ser-se vendedor de ilusões. Ora,

isto vindo de um partido que prometeu que era cortando nos gastos intermédios, nos clips e nos pioneses, que

se ia sair da crise… Sobre vendedores de ilusões e o CDS, julgo que estamos conversados.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Secretária de Estado diz-nos que sabiam, desde o início, da crise por que o País ia passar, que

sabiam, desde o início, da recessão e do desemprego. Mas a verdade é que erraram os números: o Governo

errou em todas as previsões; o Governo e todas as entidades que fazem parte da troica erraram em todas as

previsões!

Portanto, de duas, uma, Sr.ª Secretária de Estado: ou nos enganaram ou erraram.

Em qualquer dos casos, claramente, não podemos confiar na política e no rumo deste Governo, que não

acertou uma previsão, não acertou uma conta. Repito: ou nos estão a enganar ou erraram! Em ambos os

casos, não se pode confiar neste Governo, não se pode confiar na troica, não se pode confiar na negociação

em curso nesta sétima avaliação, porque sabemos que está acordado. Então, por que não nos dizem o que

está acordado? De que têm medo? Têm medo do que se vai passar no sábado, têm medo da manifestação,

têm medo das pessoas!?

Por que é que não dizem quantos mais desempregados haverá? Quantos funcionários públicos vão

despedir? O que é que vão cortar na escola pública? Como vai ficar o Serviço Nacional de Saúde: vão

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aumentar as taxas moderadoras? Vão cortar nos serviços prestados? O que é que vão fazer? E o que vai

acontecer com o subsídio de desemprego? O que vai acontecer com as prestações sociais? O que vão fazer

às reformas?

O que estão a esconder? Digam ao País o que acordaram com a troica, qual é o vosso plano! É isso que

hoje, neste debate, também tem de ficar bem claro, ou seja, o que é que estão a fazer ao País!

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado do Tesouro.

A Sr.ª Secretária de Estado do Tesouro: — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, também ouvi com

atenção as intervenções dos oradores.

De facto, a dívida que temos é pesada. E a dívida é a memória dos erros passados, é a memória dos

défices acumulados, é a memória dos anos do investimento público que não gerou crescimento, que gerou

défice e dívida.

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Sr.ª Secretária de Estado do Tesouro: — É essa a herança que temos e é essa herança que temos de

gerir.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Protestos do PS.

Durante mais de uma década, em particular na segunda metade da última década, a dívida pública

aumentou para o dobro e os défices foram sendo cada vez maiores, embora nem todos aparecessem nas

contas públicas. Mas aparecem-nos agora, na pior altura possível — e não foi por falta de aviso.

Protestos do PS.

Não é esse o caminho para a consolidação, não é continuar a gastar o que não temos.

De facto, há um ponto em que estou de acordo com os Srs. Deputados, nomeadamente com o Sr.

Deputado José Luís Ferreira: nós não queremos depender dos mercados, mas a única maneira de não

dependermos dos mercados é pedir-lhes menos dinheiro emprestado, é criarmos as condições para

precisarmos cada vez menos dos mercados. Esse é que é o caminho! Não é ter pedido ajuda e, agora, dizer

que não pagamos, porque não queremos pagar.

Protestos do Deputado do PCP João Oliveira.

Esse não é o caminho para Portugal. Não é esse o caminho que o Governo vai seguir!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Catarina Martins.

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr.ª Presidente, a Sr.ª Secretária de Estado não respondeu a nenhuma

das perguntas que lhe fiz.

O Governo não diz ao País o que está a fazer, não diz nada. Perguntámos: o que vai acontecer com a

escola pública? Não respondeu. O que vai acontecer com o Serviço Nacional de Saúde? Não respondeu. Vão

fazer despedimentos na função pública? Não respondeu. Vão cortar no subsídio de desemprego e nas

reformas? Não respondeu!

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O Governo esconde do País o que está a fazer, o Governo esconde-se do País, porque sabe que o País

não aprova as suas políticas, porque sabe que o País já percebeu que este caminho é um beco sem saída!

A Sr.ª Secretária de Estado esconde-se, não diz ao que vem, mas está à vista o que este Governo tem

feito! É verdade que a dívida é insustentável e é verdade que tivemos erros, muitos erros: 1000 milhões de

erros nos submarinos; 4000 milhões de erros no BPN; outros tantos milhões de erros nas parcerias público-

privadas!

Não é um erro a democracia e os instrumentos da igualdade. Não é um erro a escola pública, que é paga

pelos impostos de quem trabalha; não é um erro o Serviço Nacional da Saúde; não são erros as prestações

sociais. Não são erros, é democracia, são as funções sociais do Estado, e cortando aqui vamos ficar mais

pobres!

É porque têm cortado no Estado social que o País está pior. Quando cortarem na escola pública, quem já

não tem dinheiro para nada ainda vai ter de pagar a escola; quando cortarem na saúde, quem já não tem

dinheiro para nada vai ter ainda de pagar a saúde; quem já não tem dinheiro para nada fica sem proteção

social! E este é o caminho do abismo: o Estado não pagará nada, nenhum dos seus compromissos.

A Sr.ª Secretária de Estado reconheceu, numa entrevista ao Jornal de Negócios, que é preciso reestruturar

a dívida. Disse também que não gostava do termo — tem conotações negativas, não quer afugentar os

credores, porque terão perdas. É inevitável: se negociar juros ou prolongar as maturidades, os credores terão

perdas. É verdade! E têm de as ter, porque é aqui que se tem de cortar, pois a dívida é o principal problema do

País. Há, pois, que renegociar a dívida.

Um País que produz cada vez menos, que está cada vez mais pobre e que tem uma dívida crescente

nunca vai pagar a dívida — essa é a verdade!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Não sabe o que está a dizer!

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Agora, os senhores dizem que é preciso cortar 4000 milhões de euros no

Estado social, porque a dívida não é pagável desta forma, porque temos uma dívida grande; cortam os 4000

milhões, a recessão agrava-se e, depois, dirão: «Afinal, estamos piores, temos de cortar mais do que os 4000

milhões.» Isso não é sustentável!

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Isso não é verdade!

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Na verdade, o Governo terá sempre de reestruturar a dívida, o problema é

saber em que condições o vai fazer: se vai renegociar a dívida em condições de a economia crescer e de

proteger o Estado social, ou se o vai fazer numa altura em que a economia já está completamente colapsada,

em que o desemprego é a regra, em que destruiu os instrumentos da igualdade, da democracia — a escola

pública, o Serviço Nacional de Saúde, a proteção social.

O Governo será obrigado a renegociar mais tarde ou mais cedo. Se for por vontade do Governo, será mais

tarde, depois de destruir a escola pública, o Serviço Nacional de Saúde e a segurança social.

Esse é o caminho da destruição do Estado e é por isso que o Governo não diz o que deveria ter dito, isto é,

o que está a cortar — escola pública, Serviço Nacional de Saúde —, quantos serão os despedimentos e o que

vai fazer às reformas e ao subsídio de desemprego.

Estas perguntas ficaram sem resposta, hoje, de um Governo que tem medo de dizer o que está a fazer,

porque sabe que o País não aprova o caminho e vai sair à rua, no sábado, para dar um rotundo «não» ao

Governo e à troica!

Protestos do PSD.

O País avalia a troica, avalia o Governo e chumba-os!

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente: — Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Pacheco.

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O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as

Secretárias de Estado, Sr.as

e Srs. Deputados: Ficou

claro, nesta última intervenção e em todo este debate, que o único objetivo do Bloco de Esquerda com a

interpelação de hoje foi colar-se à manifestação que se realizará no próximo sábado,…

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — … procurando assim lutar pela sobrevivência política, pois está

mergulhado numa crise após a saída do Dr. Francisco Louçã.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Protestos do BE.

De uma forma real, dizer mal disseram muito, mas propostas concretas e realistas para o futuro de Portugal

o que apresentaram foi zero!

Vozes do PSD: — Zero! Zero!

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — É esse o vosso papel.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, termina aqui o debate de atualidade,

requerido pelo BE.

Antes de iniciarmos as declarações políticas, tem a palavra ao Sr. Secretário para dar conta das iniciativas

que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Paulo Batista Santos): — Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e

foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: projetos de resolução n.os

623/XII (2.ª) — Recomenda ao

Governo que dê condições para a sustentabilidade do projeto Orquestra Geração (CDS-PP e PSD), que baixa

à 8.ª Comissão, e 624/XII (2.ª) — Garante a informação aos potenciais beneficiários de medidas sociais nos

serviços de energia (BE), que baixa à 6.ª Comissão; e projeto de lei n.º 366/XII (2.ª) — Garante o direito de

acesso aos bens de primeira necessidade água e energia (Sexta alteração à Lei n.º 23/96, de 26 de julho —

Lei dos serviços públicos essenciais) (BE), que baixa igualmente à 6.ª Comissão.

Em termos de expediente, é tudo.

A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, prosseguimos com o segundo ponto da ordem do dia — declarações

políticas.

Estão já inscritos os Srs. Deputados João Ramos, do PCP, Heloísa Apolónia, de Os Verdes, Carlos Santos

Silva, do PSD, José Junqueiro, do PS, e Artur Rêgo, do CDS-PP. Conforme ficou combinado em Conferência

de Líderes, perante a complexidade da agenda de hoje, não haverá pedidos de esclarecimento em relação a

estas declarações políticas.

Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado João Ramos.

O Sr. João Ramos (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Em meados de janeiro, surgiram indícios de

uma fraude económica que viria a alastrar-se pela Europa de uma forma descontrolada. Inicialmente detetada

em Inglaterra veio a revelar-se um emaranhado que chegou até à Roménia. Uma mega fraude que vende

cavalo por vaca; uma fraude que furou os mecanismos de controlo alimentar europeus.

Vejamos o «filme» do problema em Portugal, neste mês de fevereiro.

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No dia 9, o Ministério da Economia e do Emprego disse que «não foram detetadas irregularidades

semelhantes às das notícias em Inglaterra e Irlanda», afirmação que foi feita depois de uma operação a nível

nacional, entre 22 e 24 de fevereiro, da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE).

No dia 14, o Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território disse que «não

foi detetada até ao momento em Portugal nenhuma situação semelhante à observada noutros países». A

ASAE está «a acompanhar e a monitorizar a situação».

No dia 15, a notificação do Sistema Comunitário de Alerta Rápido para a Alimentação dizia que a lasanha

de carne de cavalo proveniente de França, processada no Luxemburgo, com matéria-prima da Roménia, foi

distribuída em vários países da Europa, sendo Portugal um deles.

No dia 20, a ASAE, depois de «recolher e analisar amostras de alimentos junto de operadores económicos

nas duas últimas semanas», detetou «situações pontuais de vestígios de carne de cavalo».

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

O Sr. João Ramos (PCP): — No dia 22, a ASAE apreendeu 45 000 kg, mais de 6600 embalagens.

Na RTP, no mesmo dia, no jornal das 20 horas, António Nunes, inspetor-geral da ASAE, afirmou: «Já no

ano passado a ASAE tinha detetado uma situação destas» — isto é, em 2012. E acrescentou: «Há cerca de

15 dias nós já tínhamos detetado um local onde se faz produção nacional de carne trabalhada». Isto é, a 6 ou

7 de fevereiro.

No decorrer destes processos, a ASAE instaurou cinco processos-crime a empresas portuguesas e o

problema também já chegou à Madeira. Marcas como a Findus, a IKEA, a Nestlé, o Grupo Jerónimo Martins,

entre outros, com ou sem consciência disso, venderam alimentos desconformes.

Daqui podemos retirar algumas conclusões: ou os Ministérios da Economia e da Agricultura mentiram ou,

então, é a ASAE que está a mentir — ASAE que também «não fica bem na fotografia».

Já que já tinha havido um caso em 2012, por que não foi explorado do ponto de vista da pesquisa? Ou

alguém acredita que o problema começou em janeiro? Se nos dias 6 ou 7 de fevereiro já a ASAE tinha

detetado casos, como é que os Ministros Álvaro e Cristas, nos dias 9 e 14, disseram que não havia nada?! Se

no dia 15 de fevereiro o Sistema Comunitário disse que, em Portugal, havia lasanha contaminada, como é que

no dia 20 a ASAE fala de «situações pontuais com vestígios»? Aliás, foi logo desmentida pelas apreensões

noticiadas no dia 22.

Tudo isto precisa de ser cabalmente esclarecido em nome da segurança alimentar dos portugueses. Este é

um problema classificado como de exclusiva «fraude económica». Contudo, a realidade parece desmentir esta

abordagem. Esta fraude económica veio mostrar a falência de todo um sistema de segurança alimentar que

deveria garantir os direitos dos consumidores e pugnar pela saúde pública.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

O Sr. João Ramos (PCP): — O controlo agora feito tem vindo a mostrar também a presença de produtos

proibidos e nocivos.

Um estudo da DECO, realizado em talhos da grande Lisboa e do grande Porto, detetou a presença em

carne picada de sulfitos utilizados para dar aparência de frescura à carne, presentes na maioria das amostras

e em grande quantidade. Todas as amostras analisadas revelaram estar contaminadas com agentes

patogénicos e a carne era conservada a temperaturas desadequadas.

Afinal, ao contrário da renitência inicial dos ministérios em o reconhecerem, o problema estava instalado

em Portugal e há contornos de crimes de saúde pública e não apenas de fraude económica.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exatamente!

O Sr. João Ramos (PCP): — Entende o PCP que é fundamental o esclarecimento sobre os contornos

desta problemática e, por isso, apresentou um requerimento para se proceder à audição, na Comissão de

Agricultura e Mar, da DECO, da ASAE e do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária. O requerimento

foi aprovado, importa agora exigir a marcação rápida destas audições.

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Todavia, este problema não está desligado de outro bastante grave: o sistema de sanidade animal

atravessa graves problemas devido a incumprimentos por parte do Governo, estando em causa a elaboração

e o cumprimento dos planos de controlo e erradicação de zoonoses.

Passaram dois meses de 2013 e a Organização de Produtores Pecuários (OPP), para lá do atraso de

2012, nada sabe sobre o futuro em matéria de sanidade animal. Também as recolhas de sangue e

tuberculinas se têm reduzido de forma significativa.

Aliás, já em dezembro denunciávamos o não assegurar pelas direções regionais de agricultura das

tuberculinas, das vacinas REV1 e dos destacáveis dos passaportes sanitários.

A partir da década de 80 do século passado, o Estado foi passando a responsabilidade pela sanidade

animal para as organizações de produtores e agricultores, através dos agrupamentos de defesa sanitária.

Depois de passar as responsabilidades, agora corta no financiamento. O Governo deve às OPP (organizações

de produtores pecuários) todo o ano de 2012, num total de 12 milhões de euros. Estes atrasos levaram já à

falência de organizações.

Questionada pelo PCP, a Sr.ª Ministra foi incapaz de assumir um compromisso de pagamento, dizendo

apenas que tudo fará para pagar, em 2013, o ano de 2012. Poucas certezas para um setor que não pode

esperar!

A solução do Governo foi a criação de uma taxa a aplicar às grandes superfícies comerciais, que,

abusando do seu estatuto e contando com a reconhecida complacência do Estado para com os grandes

grupos económicos, ao contrário da perseguição às pequenas empresas, vieram já anunciar que não a

pagarão. Dos cerca de 12 milhões de euros necessários anualmente para suportar o sistema, o Governo só

conseguiu arrecadar 1 milhão com a referida taxa.

O pagamento do sistema de sanidade e as OPP não podem ficar reféns do cumprimento pela grande

distribuição dessa taxa. É completamente insuportável que a Ministra da Agricultura mantenha, há mais de um

ano, esta situação, com as consequências de evidentes riscos para a saúde animal e pública.

Em dezembro, a Comissão de Agricultura e Mar aprovou um requerimento do PCP para uma audição com

o secretário de Estado com responsabilidade política na matéria. Em mais de dois meses, o Governo ainda

não teve disponibilidade de vir à Assembleia prestar esclarecimentos. O PCP já requereu, como atrás

referimos, o alargamento do âmbito desta audição, juntando-lhe também as questões de saúde pública ligadas

à venda de cavalo por vaca e ao estudo da DECO (Defesa do Consumidor).

Este desinvestimento em sanidade animal vitima os laboratórios de Estado promovendo a realização, no

estrageiro, de análises que poderiam ser feitas em Portugal. Coloca também graves problemas aos

laboratórios privados com dívidas acumuladas que recuam a outubro do ano passado. A desculpa é a Lei dos

Compromissos.

O foguetório do sucesso das políticas de agricultura do Governo esconde uma realidade que pode vir a ser

dramática, do ponto de vista da segurança alimentar, da sanidade animal e de potenciais limitações à

comercialização dos nossos produtos pecuários — um problema sanitário causado por limitações impostas às

entidades com quem o Estado contratualiza serviços, que agora não paga.

Os riscos económicos são grandes e os riscos para a saúde pública não são menores. O PCP não se tem

cansado de alertar e de solicitar intervenção e só espera que não venha a ser necessário atribuir

responsabilidades políticas a quem tem permitido o avolumar dos problemas, mas, se eles surgirem, não

hesitará em fazê-lo.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

A Sr.ª Presidente: — Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, de Os

Verdes.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: O Governo anunciou

publicamente a intenção de construção de um megaterminal de contentores na Trafaria, no concelho de

Almada. É anunciado como um projeto incluído num plano de reestruturação do Porto de Lisboa, que

transferiria o terminal de contentores de Lisboa para a Trafaria, duplicando a sua capacidade de carga.

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Constitui, Sr.as

e Srs. Deputados, um megacrime ambiental e de sustentabilidade do desenvolvimento do Tejo

e da sua margem sul.

A construção deste megaporto na Trafaria implicaria obras hidrográficas de vulto, de aperfeiçoamento de

navegabilidade, em profundidade e largura, com implicações diretas no estuário do Tejo, na dinâmica regular

do próprio rio e de tudo o que comporta, até na capacidade de escoamento do rio para o mar.

A construção deste megaterminal de contentores implicaria também a construção de uma linha ferroviária

para transporte de mercadorias, da Trafaria ao Poceirão e que retornaria a Lisboa e à zona Norte via ramal de

Setil. Esta linha ferroviária atravessaria inevitavelmente zonas ambientalmente sensíveis, nomeadamente no

concelho de Almada, protegidas e classificadas, designadamente, no âmbito da Reserva Ecológica Nacional.

Para além disso, o megaporto exigiria uma frequente movimentação de transportes rodoviários pesados de

mercadorias, a chegar e a partir da vila da Trafaria.

E quais os impactos desta obra brutal sobre a Paisagem Protegida da Arriba Fóssil, designadamente na

zona da Trafaria?

Nada disto foi estudado ao nível dos seus impactos, nenhuma destas questões foi avaliada de modo a

aferir das consequências de um projeto desta dimensão que ocuparia centenas de hectares de plano de água

e de solo e que custaria, aproximadamente, segundo o anunciado pelo Governo, 600 milhões de euros.

Um megaprojeto de enormíssima dimensão e impacto, decidido politicamente, anunciado publicamente,

com promessa da realização de concurso público até final do ano em curso e que seria sujeito a uma

hipotética avaliação de impacte ambiental, não para decidir da realização ou não do projeto, mas, antes, para

o justificar e eufemizar. Esta lógica de desvirtuamento do papel da avaliação de impacte ambiental é de

repudiar e tudo o que nasce por via dessa deturpação de instrumentos ambientais é, por norma, um foco de

destruição muito significativo de valores e de estabilidade ecológica.

São 600 milhões de euros para destruir também o modelo de desenvolvimento pelo qual o município de

Almada se bate, sustentado numa dinamização económica de valorização dos espaços naturais e de

atividades compatíveis, com um turismo sustentável, com o desenvolvimento de indústrias de base

tecnológica, com a valorização do setor das pescas, das indústrias criativas e do desenvolvimento de micro,

pequenas e médias empresas de diversos setores, com reduzido impacto ambiental. É uma megaobra

anunciada pelo Governo que violaria o Plano Diretor Municipal de Almada e que não se encontra previsto no

planeamento de ordenamento territorial da região.

Este Governo, como outros anteriores, vive, Sr.as

e Srs. Deputados, obcecado pelas obras de grande

dimensão. Que cultura política é esta que só vê obra na grande obra e que recusa intervenção nas

pequenas/grandes dimensões da vida concreta das pessoas e da dinamização económica? Poder-se-ia dizer,

contudo, que este megaporto é determinante para o País porque não temos nenhum outro e que necessitamos

dessa dimensão portuária. É falso! No mesmíssimo distrito em que o Governo quer construir este

megaterminal de contentores, existe o porto de águas profundas de Sines.

E numa altura em que o desemprego é galopante, por responsabilidade direta do Governo e da sua política

de destruição da economia, acenará o Governo com o número de empregos, ainda que temporários, a criar

com a construção deste megaporto. Só em Almada, nos últimos anos, foram destruídos cerca de 50 000

postos de trabalho.

O País anseia por criação de emprego, sim, é verdade! Mas devolva-se e ponha-se o Arsenal do Alfeite ao

serviço da Marinha Portuguesa e muitos postos de trabalho serão recuperados; construa-se o tão prometido

hospital do Seixal e muitos postos de trabalho serão criados; promova-se a requalificação e a modernização

de tantas linhas ferroviárias pelo País, absolutamente necessárias, e muitos postos de trabalho serão

dinamizados; que se gira os numerosos projetos de requalificação do Arco Ribeirinho Sul e muitos postos de

trabalho serão criados; respeite-se o setor das pescas, da agricultura, do pequeno comércio e de tantos outros

setores e serão salvaguardados e recuperados milhares de postos de trabalho.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Muito bem!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Os Verdes condenam a

intenção do Governo de construção de um megaterminal de contentores na Trafaria.

Os Verdes condenam a forma como o Governo procura impor estes megaprojetos.

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Os Verdes condenam a forma como o Governo quer passar por cima de impactos ambientais, sociais,

económicos de uma obra desta dimensão, sem ouvir as populações e por cima do modelo de desenvolvimento

acordado entre a autarquia, os agentes económicos e a população do município.

Sr.as

e Srs. Deputados, é tempo de agir enquanto é tempo, na esperança de que o tempo deste Governo

seja curto, de modo a que não sobre tempo para cometer mais disparates!

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

A Sr.ª Presidente: — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Santos Silva, do

PSD.

O Sr. Carlos Santos Silva (PSD): — Ex.ma

Sr.ª Presidente da Assembleia da República, Sr.as

e Srs.

Deputados: Como é do conhecimento público, os planos poupança-reforma (PPR) foram idealizados,

enquanto produtos financeiros, como um complemento para facilitar a qualidade de vida depois da reforma ou

um substituto da mesma.

Este tipo de investimento também foi idealizado como uma forma de incentivo à poupança a longo prazo.

Em simultâneo, adaptou-se um incentivo fiscal inteligente que tornou estes produtos financeiros apelativos.

Para tal, os depositantes comprometeram-se a manter estes depósitos até à idade da reforma; de outra forma,

estavam obrigados a devolver ao Estado as compensações fiscais que auferiam.

No entanto, em situações específicas, como o desemprego de longa duração, incapacidade permanente

para o trabalho e doença grave, o legislador tornou possível o resgate antecipado dos PPR, sem a perda ou

devolução dos benefícios fiscais até aí obtidos, desde que não haja lugar a um resgate do montante em causa,

no prazo mínimo de cinco anos a contar da data das entregas.

É verdade que a rentabilidade da maioria dos PPR é usualmente baixa, variando entre 1,5% e 5%, com a

média a ficar pelos 3,5%. É verdade que, com o fim dos benefícios fiscais, o incentivo à poupança nestes

instrumentos financeiros deixou de ser tão atrativo.

Mas, Sr.as

e Srs. Deputados, os portugueses devem refletir acerca do seu futuro e sob a forma de

pouparem para a idade de reforma, caso queiram manter a qualidade de vida após a aposentação.

Estudos vários apontam para que o valor médio das pensões de reforma pago pela segurança social,

tendencialmente, venha a decrescer durante as próximas décadas. Sublinhe-se que esta perda de rendimento

após a reforma resulta das novas regras de cálculo do valor das pensões introduzidas a partir de 2006.

Mas, Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, neste momento de crise generalizada, em que milhares de

famílias de classe média, como sabemos, atravessam grandes dificuldades e enfrentam, em grande parte, o

drama de perder a sua casa, não pode esta Assembleia da República deixar de ter uma resposta para este

flagelo.

Nesta circunstância, foi meritório o projeto do Partido Socialista quando propôs integrar o tema do resgate

dos PPR no âmbito da discussão das iniciativas legislativas em torno da problemática do apoio às famílias em

grandes dificuldades no cumprimento dos seus créditos à habitação. Foi meritória e recolheu o apoio de todos

os partidos políticos neste Parlamento. Mas a realidade mostrou-se adversa à vontade dos homens: aquilo que

era uma boa iniciativa não se revelou totalmente adequada aos efeitos que prosseguia. A clara delimitação de

um qualquer enquadramento normativo é condição essencial para a sua aplicabilidade e para que todos os

efeitos jurídicos pretendidos sejam realmente aqueles que são produzidos.

Gostaria, ainda, de salientar que, em qualquer democracia que se pretenda moderna, a previsibilidade

jurídica é um bem precioso que importa realçar. Com isto não estou, obviamente, a fazer a apologia do

situacionismo, mas, antes, a importância de as reformas serem feitas de uma forma gradual e sustentada, não

criando ruturas desnecessárias.

São do conhecimento de todos os grupos parlamentares as denúncias provenientes quer de cidadãos quer

de associações de consumidores invocando a impossibilidade de mobilizar os seus PPR para os efeitos

previstos. As justificações têm sido as mais variadas: uns invocam que o impedimento resulta da recusa

expressa da banca com a alegada falta de clareza na regulamentação da lei; outros aduzem que foram

aconselhados a não efetuar o resgate por motivos de indefinição em matéria de regime fiscal aplicável.

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Relativamente à questão dos PPR, que preocupa tantos portugueses, apraz-me salientar o ambiente de

diálogo e de participação, no espírito de abertura de todas as instituições que foram ouvidas no âmbito das

audições parlamentares. De todas elas se retiraram elementos importantes que ajudaram esta Casa a chegar

a uma solução que pretendemos o mais justa possível, defendendo os interesses dos portugueses.

A necessidade da existência de uma clarificação nesta matéria — julgo poder afirmá-lo — é unânime entre

as forças políticas que constituem esta Câmara.

Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Compete a este Parlamento a responsabilidade política de clarificar

o objetivo do anterior articulado, o qual, não obstante todas as virtudes que importa não esquecer, não se

mostrou o mais consentâneo com as exigências com que se deparou.

Num tempo de tanta desconfiança para com os agentes políticos, importa dar todos os dias provas cabais

de que a prioridade é a resolução dos verdadeiros problemas dos portugueses e não a mera gestão de

interesses menores e de vaidades vãs.

O PSD, ciente desta responsabilidade, trouxe este assunto de magna importância para o centro do debate

político nacional, esperando que o espírito de colaboração e de diálogo para a clarificação deste regime

jurídico seja uma realidade.

Desta forma, Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, gostaria de anunciar a esta Câmara, e

concomitantemente aos portugueses, que, consequente com as suas preocupações e sentido de

responsabilidade, os partidos da maioria pretendem apresentar na próxima semana uma iniciativa legislativa

sobre a matéria em apreço. Gostaríamos, e faremos por isso, que a mesma possa ser subscrita por todos os

grupos parlamentares.

Há claramente vários pontos relativamente aos quais estamos de acordo e que merecem ser clarificados:

são abrangidos todos os tipos de crédito à habitação própria e permanente; estes reembolsos não podem

gerar alterações de spread; o reembolso deve pagar prestações, incluindo juros e despesas associadas às

prestações em atraso, bem como as prestações que se vierem a vencer.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — E as amortizações?

O Sr. Carlos Santos Silva (PSD): — Assim, convido todos os grupos parlamentares para que, na próxima

semana, possamos trabalhar em prol desta clarificação, que permite às famílias com PPR suportar

mensalmente os seus encargos com o crédito à habitação.

Com esta iniciativa, não pretendemos assumir a liderança do processo, mas apenas e tão-somente dar um

impulso legislativo que conduza, no final, à resolução urgente de um problema que afeta milhares e milhares

de portugueses.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado José Junqueiro, do PS.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: O Primeiro-Ministro e o seu

Governo falharam.

O Sr. Carlos Zorrinho (PS): — Muito bem!

O Sr. José Junqueiro (PS): — Os sacrifícios dos portugueses só serviram para o seu empobrecimento.

O Ministro de Estado e das Finanças já não tem credibilidade e também já só serve para aumentar o

empobrecimento dos portugueses. Falhou todos os objetivos: falhou o défice; falhou a dívida; falhou o

crescimento; falhou o desemprego. Agora, revê para o dobro a recessão que supostamente esperava e

anunciou, facto que significa mais desemprego para dezenas e dezenas de milhares de portugueses.

Protestos da Deputada do PSD Conceição Bessa Ruão.

É tempo de o Primeiro-Ministro falar verdade e parar de enganar os portugueses!

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Aplausos do PS.

Alguém do PSD muito conhecido, no início da semana, classificou como uma «bomba» a confissão do

Ministro das Finanças, Vítor Gaspar, sobre o falhanço de todas as suas projeções.

Assim, dois meses depois da entrada em vigor, aprovado pela maioria absoluta do PSD e do CDS, o

Orçamento do Estado para 2013 passou a ter um valor zero.

Em outubro, dissemos reiteradamente que os pressupostos do Orçamento do Estado para 2013 eram

irrealistas e que o mesmo não era credível nem exequível. Há uma semana, foi a vez da Comissão Europeia

— uma das partes da troica, não esqueçamos — rever em baixa todas as previsões. Todas, é como quem diz!

Todas não! Infelizmente, o défice, a dívida e o desemprego foram revistos em alta; os sacrifícios dos

portugueses também. Mais uma vez, tantos sacrifícios para coisa nenhuma.

Aplausos do PS.

Nessa mesma semana e dia, conheceram-se os dados da execução orçamental de janeiro. O Governo diz

que a execução correu bem e dá confiança para as metas do 1.º trimestre, mas os dados dizem exatamente o

contrário: a receita está a crescer 1% (o Orçamento previa 7,7%) e a despesa corrente cresce 14,3% (o

Orçamento previa 7,1%).

Em janeiro de 2012, o saldo era de 308 milhões de euros e agora há um défice de 31 milhões de euros.

Onde está, então, a consolidação?

A receita fiscal sobe 2,4%, muito por obra do aumento do IRS — aumento, aliás, escandaloso —, do corte

nos rendimentos do trabalho e no rendimento das pessoas. Assim, neste contexto irracional, o IVA cai 4%.

Na segurança social, as contribuições caem 2,6% e a despesa está a subir 7,8%, com o saldo a perder 80

milhões de euros num único mês.

A estratégia orçamental colapsou e o Governo deixa de ter estratégia orçamental. É a espiral recessiva e o

ciclo vicioso da austeridade, recessão e austeridade em todo o seu esplendor: mais défice, mais recessão,

mais dívida, mais desemprego.

Aplausos do PS.

Por muito que se procure, não há qualquer coincidência entre as previsões da Comissão Europeia e o

Documento de Estratégia Orçamental do Governo, o qual, aliás, convém relembrar, foi feito na

clandestinidade, nas costas da Assembleia da República.

E se quanto a Vítor Gaspar estamos conversados, na equipa da Economia a tragédia assume também

proporções inimagináveis. Talvez o Ministério precise de aplicar a si próprio o tal programa Revitalizar, se o

mesmo se dirigir a apoiar alguma ideia, uma que seja, que distinga a sua incompetência do profissionalismo

de uma equipa da ERA ou da REMAX. É que vender apartamentos, conhecer e trabalhar o mercado é matéria

para bons profissionais e não para membros do Governo, até por motivos curriculares sobejamente

conhecidos.

Diz o Primeiro-Ministro, com a ligeireza a que já nos habituou neste ambiente caótico, que o caminho

seguido é o correto, mas que afinal é preciso mais tempo. O líder do PS sempre defendeu que é necessário

mais tempo para consolidar as contas públicas e o Primeiro-Ministro sempre disse que mais tempo obrigava a

pedir mais dinheiro.

Apanhado no seu falhanço, tenta agora fazer uma confusão entre mais tempo para o programa da troica e

mais tempo para a consolidação das contas públicas. Pouca sorte do Primeiro-Ministro, porque o PS nunca

pediu mais tempo para o programa da troica mas, sim, para a consolidação das contas públicas.

Aplausos do PS.

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O Governo atualizou seis vezes o Memorando unilateralmente, sem consultar os partidos ou a Assembleia

da República, fez o mesmo com o Documento de Estratégia Orçamental em Bruxelas e decidiu, na

clandestinidade com a troica, em setembro, um corte de 4000 milhões de euros no Estado social.

O Primeiro-Ministro, Pedro Passos Coelho, disse, enquanto líder da oposição, em 15 de março de 2011, o

seguinte: «Isso é de uma deslealdade e de uma falta de respeito pelo País, pelos portugueses, pelas

instituições, suficientemente grave para pôr em causa a confiança que o País tem em quem o governa», por o

Governo ter ocultado as medidas que estava a negociar com Bruxelas. Pois, Sr. Primeiro-Ministro, a sua ação

governativa tem sido isso mesmo, de uma deslealdade e de uma falta de respeito pelo País, pelos

portugueses, pelas instituições, suficientemente grave para pôr em causa a confiança que o País tem em

quem o governa.

Aplausos do PS.

É isso que explica a dificuldade que o Primeiro-Ministro sente em enfrentar o debate de urgência proposto

pelo líder do PS, António José Seguro, sobre as alternativas para a saída da crise. O Primeiro-Ministro revela

insegurança mas, sobretudo, revela medo em enfrentar as propostas do PS e de António José Seguro.

Nalguns sítios está cercado pelas pessoas e aqui, no Parlamento, está cercado pelo falhanço.

O Primeiro-Ministro tem medo e foge ao debate. É tempo de governar, não é tempo de desertar. O PS e o

País tomam a devida nota.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Artur Rêgo, do CDS-PP.

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Podemos discordar quanto aos

remédios, quanto às soluções e quanto às causas para resolver a situação em que o País se encontra, mas do

que não podemos é discordar de factos, até pela natureza dos mesmos — factos são factos. E o facto é que a

economia portuguesa está em crise, está em recessão há muitos anos; o facto é que a taxa de desemprego

tem vindo a subir de há muitos anos a esta parte; o facto é que a economia portuguesa está estagnada, ou

praticamente estagnada, há, pelo menos, uma década.

Protestos do PS.

A verdade é que, olhando para o que é a realidade do País, descobrimos nos diversos setores erros e erros

transversais a todos eles e que afetaram, e afetam, o País.

Todos falamos que é preciso aumentar a produção para criar riqueza e emprego; todos falamos que é

preciso fazer crescer a agricultura; todos falamos que é preciso investir novamente no setor das pescas e

fazê-lo crescer; todos falamos no problema da educação e no problema dos jovens que, terminado o seu ciclo

educativo, não encontram emprego no mercado de trabalho, sendo que a taxa de desemprego dos jovens é

hoje perto de 40%. Esta é a realidade que temos.

Gostaria de, a propósito desta temática, dar o exemplo sintomático do que se passa na região do Algarve e

que uma reflexão sobre essa região pudesse ser considerada quase como uma reflexão-modelo, uma

reflexão-piloto sobre a realidade do País.

Como é possível que o Algarve, com a riqueza e o potencial que tem na agricultura, com a riqueza e o

potencial que tem nas pescas, com a riqueza e o potencial que tem no turismo, seja a região do País, neste

momento, com a maior taxa de desemprego;…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É graças ao seu Governo!

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — … seja, possivelmente, a região do País que, ao nível dos jovens, tem a

maior taxa de emigração? E falo em emigração não só para fora do País, mas também para outras regiões do

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País, para onde os jovens são obrigados a ir quando procuram emprego ou uma colocação ajustada às suas

qualificações académicas.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É o que o Passos Coelho manda fazer!

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — De facto, o Algarve merece reflexão, porque com a miragem do turismo e

com políticas erradas, com a miragem da indústria da construção e do imobiliário nos últimos 20 anos, votou-

se o Algarve à monocultura do turismo e do imobiliário. Ao primeiro abanão nestes setores, o Algarve, uma

região de enorme potencial e talvez, em termos de potencial e de riqueza, aquela que, tirando a região da

Grande Lisboa ou do Porto, poderia produzir maior riqueza para o País, está a sofrer mais gravemente os

efeitos desta crise.

Como é que se explica que o Algarve esteja nesta situação quando tem um potencial agrícola enorme?

Porque a agricultura foi abandonada, porque os terrenos foram abandonados em prol da especulação

imobiliária, porque sucessivamente foram feitos planos de ordenamento para o Algarve que densificaram a

ocupação na zona costeira e obrigaram ao abandono das zonas do interior, das zonas agrícolas.

No âmbito das pescas, subsidiou-se o abate de navios e de barcos de pesca, em vez de se subsidiar a

recuperação e a modernização da frota de pescas.

Na educação, como é possível uma região como a do Algarve, com este potencial natural, não ter, no seu

currículo educativo, uma escola de pescas, uma escola agrícola no regime curricular normal. As únicas

formações que há nesta área, com todo o respeito que temos por todas elas, serão, eventualmente, as

formações temporárias dadas pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional.

Vou contar-vos uma curta história que me relatou um armador que precisava de pescadores. Apareceram-

lhe pescadores certificados, com os cursos de pesca dados pelo Instituto de Emprego, e, quando ele lhes

disse que era para assinarem um contrato para uma campanha de quatro, cinco, seis meses no mar, fugiram

todos porque nunca tinham posto os pés no mar. Tinham o curso, mas nunca tinham posto os pés no mar. É

esta a realidade que temos!

Protestos da Deputada do PCP Rita Rato.

Como é possível uma região como a do Algarve ter transportes ferroviários obsoletos? Como é possível,

por exemplo, em relação à linha de caminho-de-ferro que liga Tunes a Lagos, portanto metade do Algarve,

com o investimento totalmente feito, a eletrificação não estar concluída porque falta unicamente levantar os

postes e pôr as catenárias?

É tudo isto que temos de corrigir. São todas estas políticas erradas que temos de corrigir.

Nós, CDS, iremos bater-nos para que, no Algarve, se faça, nem que seja como região-piloto e para mostrar

o que é preciso fazer para recuperar este País, uma política integrada, intersectorial, que permita o seu

desenvolvimento harmonioso; se insista no sentido de que, a nível escolar, se crie currículos escolares que

permitam aos jovens obter formações e capacitações adequadas à riqueza e ao potencial da própria região de

forma a que, acabado esse ciclo, tenham empregabilidade na própria região, desenvolvê-la e aí criar riqueza;

se permita desenvolver o transporte ferroviário facilitando as comunicações numa região que, pela sua

extensão, o aconselha, transporte, esse, cujo investimento já está feito, em detrimento de um transporte

rodoviário poluente e demasiado caro; se permita, no setor das pescas, potenciar todos os seus recursos e

incentivar o empreendedorismo e a criação e exploração da indústria do mar e exploração de empresas

ligadas aos bivalves, ligadas à pesca…

Entretanto, reassumiu a presidência o Vice-Presidente António Filipe.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, queira concluir.

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Irei concluir, Sr. Presidente.

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É isto que nos propomos fazer para o Algarve, é isto que o Algarve precisa: de políticas cruzadas, setoriais,

entre o ordenamento do território, a economia e a educação. Se tivermos sucesso nestas políticas para o

Algarve, fica apontado o caminho e o rumo a tomar para o resto do País.

Que não mais os diversos setores estejam mais de costas voltadas, mas que colaborem e cruzem os seus

conhecimentos entre si para que se possa obter o que queremos: o crescimento e o desenvolvimento do País.

Aplausos do CDS-PP.

Protestos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, concluídas as declarações políticas, vamos iniciar o

ponto 3 da ordem de trabalhos, que consiste na apreciação, na generalidade, da proposta de lei n.º 125/XII

(2.ª) — Aprova os estatutos da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos.

Para apresentar a proposta de lei, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do

Ordenamento do Território.

A Sr.ª Ministra da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (Assunção

Cristas): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Venho apresentar uma proposta de lei que deu entrada no

Parlamento já no final do ano passado, início deste ano, esteve em audição pública e que já tem sido objeto de

várias discussões, particularmente em sede de comissão parlamentar.

Esta proposta de lei transforma o nosso regulador do setor das águas, dos resíduos e do saneamento num

verdadeiro regulador autónomo, independente, com um estatuto renovado e, portanto, não seria exagerada se

dissesse que estamos perante o nascimento de um novo regulador, à semelhança de reguladores que são

entidades autónomas independentes e que não é o caso deste regulador atualmente existente no setor das

águas e de resíduos.

A ERSAR (Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos) já tinha e tem competências em

matéria da garantia da qualidade dos bens e dos serviços, mas ainda não tinha competências em matéria de

regulação económica. Eu diria que este objetivo de criar um regulador robusto, com capacidade de

intervenção e, por outro lado, com um âmbito de ação mais alargado é o primeiro objetivo desta proposta de

lei que o Governo apresenta.

Para tal, há um conjunto de alterações relevantes — e farei menção a algumas delas — quer no que

respeita aos seus poderes de atuação, como referi, juntando-se a componente da regulação económica, quer

no que respeita ao âmbito de ação, o qual não se cinge apenas aos sistemas multimunicipais ou a uma

recomendação, agora já em vigor, quanto aos sistemas municipais, mas chega a todos os domínios dos

sistemas, qualquer que seja a sua natureza e qualquer que seja o seu modo de gestão.

Apesar de tudo, a regulação económica tem uma configuração diferente no que respeita aos diferentes

sistemas e preserva totalmente a autonomia municipal quando se reserva um papel supletivo para a

determinação de tarifas da chamada «baixa». Esse papel, em primeira linha, é dos municípios, em

observância de um regulamento tarifário, e apenas em caso de incumprimento desse regulamento tarifário é

possível uma intervenção mais afirmativa por parte do regulador.

Existem alterações relevantes ao nível dos órgãos, ao nível da sua forma de nomeação, que reforçam as

garantias de autonomia e de independência em relação ao Governo e que também trazem um papel

particularmente relevante do Parlamento, através da sua comissão especializada, uma vez que a proposta de

nomes apresentada pelo Governo e também analisada no seio da CRESAP (Comissão de Recrutamento e

Seleção para a Administração Pública) com emissão de parecer, deve depois ser precedida de uma audição,

antes da nomeação, no Parlamento, com vista a escrutinar a adequação das pessoas indicadas para

exercerem funções de responsabilidade no regulador.

Também se prevê que o mandato do conselho de administração tenha uma duração de seis anos, não

renováveis, e a acrescer a este conjunto de garantias estarão aquelas que virão também para esta Casa no

seio da lei-quadro dos reguladores, que está em fase final de preparação pelo Governo. Para além do que

aqui está, há depois também a adequação a essas regras da lei-quadro dos reguladores.

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Reforça-se a capacidade de auto-organização da própria ERSAR, com possibilidade de ter autonomia

quanto à organização dos seus recursos humanos, tanto autonomia administrativa e financeira, como

autonomia também em relação ao seu património e igualmente, na medida em que utilize recursos próprios,

ser um sistema muito mais flexível do ponto de vista da própria despesa, o que é essencial quando se alarga

muito o âmbito da regulação e quando o trabalho é, de facto, muito específico, muito técnico e muito intenso e

se quer de elevadíssima qualidade.

Acresce um órgão à ERSAR, que terá um papel fundamental e que é o Conselho Tarifário, órgão que

acresce ao Conselho Consultivo e que tem um papel determinante na fixação do regulamento tarifário, na

fixação das tarifas, juntando um conjunto alargado de entidades que refletem todos os setores relevantes para

a fixação das tarifas.

Podia também dizer que, na fixação das tarifas, a lei determina quais serão os critérios essenciais. O artigo

6.º é muito claro nesta matéria ao referir: a recuperação económica e financeira; a proteção do recurso hídrico;

a promoção de um comportamento eficiente (uma poupança deste recurso); a questão da tarifa social, que é

particularmente relevante; e também a questão da sensibilidade à dimensão do agregado familiar, que é um

aspeto, para nós, de elementar justiça.

Para dispor de tempo para responder às questões dos Srs. Deputados, termino dizendo que, naturalmente,

sendo uma proposta de lei, está aberta aos melhoramentos que o Parlamento entenda por bem fazer, seja no

que respeita à linha de afixação do tarifário, que é um ponto muitíssimo relevante, quer seja, depois, à

articulação desta proposta de lei com aquilo que virá na própria lei-quadro dos reguladores.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr.ª Ministra, para pedir esclarecimentos, estão inscritos quatro Srs.

Deputados. Depois dirá como pretende responder.

Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Farmhouse.

O Sr. Pedro Farmhouse (PS): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, Sr.ª Secretária de Estado, Sr.ª

Ministra, como bem saberá, a discussão que fazemos esta tarde a propósito da alteração aos Estatutos da

Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos não pode ser indissociada da reestruturação dos

setores da água e dos resíduos que a Sr.ª Ministra tem, a todo o custo, contra tudo e contra todos, tentado

impor.

Por outro lado, a apresentação desta proposta de lei no Parlamento no passado dia 10 de janeiro não é

também ingénua: ela é prévia à apresentação, na Assembleia da República, da lei-quadro das entidades

reguladoras, a qual, segundo noticia hoje a imprensa, seria hoje alvo da sua terceira discussão e que, pelo que

a Sr.ª Ministra diz, deve estar quase pronta para ser aprovada.

A primeira pergunta que lhe coloco é o que falta para que a lei-quadro das entidades reguladoras seja

aprovada e para quando ela entrará nesta Casa?

A segunda pergunta que queria fazer à Sr.ª Ministra é por que motivo o Governo apresentou ao Parlamento

esta proposta de lei, a qual se deve subordinar à futura lei-quadro das entidades reguladoras sem que a

mesma tivesse sido aprovada?

Gostaria também de perguntar a que se deve esta total inversão de calendário. À pressa da Sr.ª Ministra

em proceder à privatização dos setores das águas e dos resíduos ou à desarticulação manifesta entre o seu

Ministério e o Ministério da Economia?

Por último, mas não menos importante: não estando o estatuto do regulador aprovado, havendo a

necessidade de consensualizar o que está previsto nesta proposta de lei com a futura lei-quadro, havendo

necessidade de tempo para a nomeação do conselho de administração, tempo necessário para o reforço de

efetivos do regulador, quando prevê a Sr.ª Ministra que a ERSAR tem condições para exercer plenamente as

suas funções? E, já agora: será depois do desmantelamento da Águas de Portugal? Ou será depois da venda

da EGF (Empresa Geral do Fomento) aos privados? Ou será ainda, depois da revisão do PERSU (Plano

Estratégico para os Resíduos Sólidos Urbanos), sempre prometida, mas eternamente adiada?

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente (António Filipe): — A Sr.ª Ministra informou a Mesa que responde em grupos de dois aos

pedidos de esclarecimento.

Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Marques.

O Sr. Fernando Marques (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Sr.ª Secretária de Estado, Sr.as

e Srs.

Deputados, a proposta de lei que o Governo hoje nos apresenta visa a alteração da natureza jurídica da

Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos com uma intenção clara de proceder ao reforço da

independência da ERSAR no exercício das respetivas funções, nomeadamente através da redução dos

poderes da tutela.

O Grupo Parlamentar do PSD louva, pois, esta iniciativa do Governo, que acentua a autonomia do

regulador face ao poder executivo, concedendo-lhe estatuto e meios para defender o interesse geral e os

interesses dos utilizadores, por um lado, e a salvaguarda da viabilidade económica das entidades gestoras,

por outro.

O relatório que a Comissão de Ambiente, Ordenamento do Território e Poder Local produziu, no início

desta Legislatura, por iniciativa do PSD sobre a qualidade e sustentabilidade dos serviços de abastecimento

de água e saneamento evidenciou os principais problemas do setor.

O planeamento inadequado, o sobredimensionamento dos sistemas e a seleção de soluções pouco

eficientes criando modelos multimunicipais do mesmo tipo para realidades demográficas e socioeconómicas

diferentes, levou a que no passado se tenham cometido erros que agora têm de ser corrigidos.

O elevado número de operadores e entidades gestoras (cerca de 500 entidades gestoras do Estado,

municipais, privados com gestão direta, delegada ou concessionada) conduziu a disparidades que importa

agora corrigir.

A disparidade tarifária, verificada sobretudo entre sistemas do litoral e interior, a ausência de dimensão e

escala, a não recuperação integral dos custos pelas tarifas e as ineficiências do sistema exigem medidas

urgentes, que este Governo está a levar a cabo.

A sustentabilidade financeira dos sistemas e a harmonização tarifária assumem, assim, uma importância

extrema.

Uma regulação forte e independente terá um papel importante na reestruturação do setor. Por isso,

concordamos com esta proposta.

O artigo 5.º desta proposta de lei prevê um conjunto de atribuições genéricas desta nova entidade e

atribuições de regulação estrutural e económica, nomeadamente de fiscalização e regulamentação mas

também de fixação de tarifas para os sistemas de titularidade do Estado e de titularidade municipal, nos casos

em que não se conformem com as disposições legais em vigor.

Concordamos com generalidade dos princípios de fixação de tarifas definidos no artigo 6.º, nomeadamente:

recuperação económico-financeira dos custos; preservação dos recursos naturais e de comportamentos

eficientes; definição de tarifa social e tarifas que privilegiem capitações de água mais justas e eficientes.

Pergunto, pois, Sr.ª Ministra, de que modo é que esta nova entidade vai compatibilizar o necessário

equilíbrio tarifário no País com a autonomia das entidades gestoras, nomeadamente os municípios, em fixar as

suas próprias tarifas e intervir nos seus territórios com tarifas sociais ou económicas.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para responder a estes dois pedidos de esclarecimento, tem a palavra

a Sr.ª Ministra da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território.

A Sr.ª Ministra da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território: — Sr.

Presidente, começo por agradecer aos Srs. Deputados Pedro Farmhouse e Fernando Marques as questões

colocadas.

Sr. Deputado Fernando Marques, de facto, traçou o retrato daquilo que é o setor, isto é, as fragilidades e as

necessidades de alteração e de reestruturação profunda de um setor que chegou a um ponto de rutura

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financeira e também de rutura do ponto de vista operacional, uma vez que as duas estão intimamente

relacionadas.

E, de facto, Sr. Deputado Pedro Farmhouse, esta proposta de lei insere-se num quadro que tem a ver com

toda uma reestruturação mais alargada deste setor.

O Sr. Deputado estará lembrado que, aquando das minhas idas ao Parlamento, de há um ano a esta parte,

fui sempre sinalizando o trabalho e o empenho que o Ministério colocava na preparação desta peça legislativa,

até porque entendíamos que devíamos começar por aqui a reestruturação do setor, dando um sinal muito

claro do que pretendemos nesta matéria.

Acontece, porém, que, ao mesmo tempo, o Governo preparava uma lei-quadro dos reguladores e, por isso,

aguardámos e afinámos esta proposta de lei, em articulação com a preparação dessa lei-quadro. Essa foi a

razão, aliás, pela qual sinalizei diversas vezes na comissão que não cumpriríamos o calendário inicialmente

previsto, mas esperaríamos mais pelo final do ano.

Foi entendimento do Governo que já havia suficiente ajustamento entre as duas propostas legislativas e

que seria possível, para não atrasar ainda mais as questões do setor das águas, avançar com a lei orgânica

da ERSAR.

Posso dizer-lhe que muitos aspetos que estão referidos nesta lei estão perfeitamente articulados. Há outros

que não precisam de estar articulados, porque a «lei-chapéu» regulará esses mesmos aspetos e, portanto,

não estão aqui, nem precisariam de estar.

Posso dizer-lhe também que, enquanto os outros reguladores serão ajustados através de decreto-lei, foi

meu entendimento e entendimento do Governo que, aqui, deveríamos trazer uma verdadeira proposta de lei,

até porque tem aspetos essenciais, como sejam os aspetos da fixação do tarifário, para os quais fazia e faz

todo o sentido ter um contributo muito construtivo da parte do Parlamento.

É essa a razão pela qual se dá mais tempo à lei orgânica da ERSAR, ela avança sem prejuízo de

pequenos detalhes que possam merecer articulação, aqui, em sede de especialidade.

Posso dizer-lhe, Sr. Deputado Pedro Farmhouse, que a ERSAR está a trabalhar. Está a trabalhar com o

atual quadro legislativo, cumprindo todas as suas funções. E, naturalmente, com este novo quadro legislativo,

verá reforçadas as possibilidades de melhor cumprimento a ter quanto a atribuições que serão mais alargadas.

Mas, quando tiver esse alargamento, que decorre da própria lei, também terá os meios próprios para o poder

fazer. Portanto, não estou preocupada com dificuldades de funcionamento da própria ERSAR, que funciona

bem e está de boa saúde.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Sá.

O Sr. Paulo Sá (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, permita-me que comece a minha intervenção

dizendo-lhe que, ontem, sentimos a sua falta na discussão do projeto de lei do PCP, de revogação da lei dos

despejos.

Focando-me agora na proposta de lei que a Sr.ª Ministra vem apresentar e defender hoje, o Governo

pretende alterar a natureza jurídica da ERSAR, dotando-a de amplos poderes, a saber: o contributo para a

formulação de políticas públicas para o setor das águas e resíduos; a fixação das tarifas, quer para os

sistemas de titularidade estatal quer para os sistemas municipais; a fiscalização, podendo aceder livremente a

todas as instalações das entidades gestoras; requisitar e reproduzir documentos; selar instalações,

inclusivamente; suspender atividades, etc. Enfim, um amplo conjunto de poderes é atribuído a esta entidade

reguladora.

Mas, entre estes poderes, destaca-se a possibilidade de fixação de tarifas. E esta é a questão central, Sr.ª

Ministra. A função primeira da ERSAR, em nosso entendimento, será o agravamento das tarifas, com o

objetivo de preparar o terreno para a privatização que o Governo pretende implementar a seguir.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

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O Sr. Paulo Sá (PCP): — É que, como a Sr.ª Ministra bem sabe, os privados só estarão interessados em

entrar neste negócio — porque para eles a água é um negócio — se lhes estiverem garantidos, à partida, sem

riscos, chorudos lucros. E a intenção do Governo é exatamente esta: reestruturar o setor, aumentar os preços

e as tarifas, garantindo que, quando os privados entrarem e tomarem conta dos sistemas multimunicipais,

terão os seus lucros garantidos.

Isto, como habitualmente, Sr.ª Ministra e Srs. Deputados da maioria, sempre à custa dos cidadãos, que

verão a sua fatura da água, do saneamento e dos resíduos aumentar brutalmente. E é esta a marca da política

do Governo: espoliar os portugueses dos seus direitos e dos seus rendimentos, transferindo parcelas

crescentes da riqueza nacional para os grandes grupos económicos e financeiros.

O que quero perguntar-lhe, Sr.ª Ministra, é o seguinte: sabendo nós que estes processos de privatização

dos serviços da água e resíduos conduzem sempre a aumentos brutais dos preços para os consumidores — e

sabemos isto pela experiência de outros países, onde este processo foi, no passado, levado a cabo —,

gostaria de saber se é capaz de quantificar aqui quão grande será este aumento brutal de preços para os

consumidores.

Sabendo nós também que estes processos de privatização sacrificam sempre os trabalhadores, em termos

de perda de direitos e de destruição de postos de trabalho, quero ainda perguntar-lhe, Sr.ª Ministra, se poderia

quantificar esta perda de postos de trabalho que resultarão inevitavelmente da privatização deste setor e da

sua entrega à exploração pelos privados.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena

Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, a senhora apresenta uma proposta de lei com

um modelo de regulação para o setor das águas e dos resíduos muito questionável (mas isto ficará para mais

tarde). E para não variar, o Governo não recolhe grandes apoios na sua proposta — basta ver, dos pareceres,

quantos são de rejeição pura e dura.

Mas, para já, quero colocar-lhe uma, e só uma, questão. Sr.ª Ministra, explique por que razão o Governo

vem propor que a ERSAR — agora, intitulada de «entidade independente», embora os seus órgãos estejam

completamente blindados em favor das nomeações e, portanto, da governamentalização — passe a ter

poderes para fixar as tarifas da água, competência hoje atribuída aos eleitos locais nos municípios. Porquê,

Sr.ª Ministra? Explique à Assembleia da República por que é que retira esta competência dos eleitos.

Eu poderia dizer e adiantar a minha explicação: talvez porque esta posposta de lei é uma peça (e só uma

peça) do puzzle que levará à privatização do setor das águas. Mas eu quero ouvir a explicação da Sr.ª

Ministra.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Há mais um pedido de esclarecimento, que, por lapso, não

registámos.

Pergunto se a Sr.ª Ministra pretende juntar os três pedidos de esclarecimento e responder a todos em

conjunto, ou se quer responder, de imediato.

A Sr.ª Ministra da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território: — Respondo, em

conjunto, aos três pedidos de esclarecimento, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado Maurício Marques.

O Sr. Maurício Marques (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Sr.as

e Srs. Deputados, o Plenário da

Assembleia da República discute hoje uma proposta de lei que aprova os estatutos da Entidade Reguladora

dos Serviços de Águas e Resíduos.

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Saúda-se o Governo por apresentar uma proposta de lei que reforça o papel do regulador do setor,

atribuindo-lhe mais competências, mais autonomia e mais poderes, nomeadamente de inspeção e

fiscalização, que a escassez dos recursos assim recomenda.

Sr.ª Ministra, nos últimos anos, foram evidentes os investimentos realizados no setor, tanto a nível de

resíduos como a nível de águas, o que se traduziu numa clara melhoria ambiental e de qualidade dos serviços

prestados.

Acontece que nem sempre houve a preocupação de sustentabilidade dos investimentos realizados — aliás,

não houve neste sector nem em nenhum outro, tendo o País atualmente autênticos «elefantes brancos», que

estamos todos a pagar.

No sector das águas, foram realizados investimentos em alta, completamente desajustados da realidade e

baseados em capacitações que não existem.

Para a realização de infraestruturas imprescindíveis à garantia de qualidade e quantidade de água e

saneamento foram os municípios obrigados à assinatura de contratos completamente desadequados, tendo-

lhes sido impostos caudais mínimos, que agora se verifica nada terem a ver com a realidade, implicando um

custo incomportável para os municípios. Este é um dos pontos de maior conflitualidade nos sistemas não

verticalizados.

Sr.ª Ministra, sendo atribuição da ERSAR a regulação e supervisão dos serviços de águas, de saneamento

de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos, promovendo o aumento da eficiência e da

eficácia na sua prestação, assegurando a existência de condições que permitam a obtenção do equilíbrio

económico e financeiro por parte das atividades dos sectores regulados, e sendo uma atribuição da ERSAR a

garantia de qualidade dos serviços a prestar, podemos contar com a ERSAR para regular a qualidade,

acessibilidade e sustentabilidade das concessões atribuídas, incluindo a privados?

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Agricultura, do Mar,

do Ambiente e do Ordenamento do Território.

A Sr.ª Ministra da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território: — Sr.

Presidente, Srs. Deputados, muito obrigado pelas vossas questões.

Sr. Deputado Maurício Marques, começo por lhe responder em primeiro lugar, porque referiu um aspeto

que se liga com as primeiras intervenções e que me permite responder em conjunto e que tem a ver com os

investimentos e com a falta de sustentabilidade do setor. Precisamente aí, temos o problema de toque de toda

esta reestruturação que está a ser feita no setor das águas. E esta peça legislativa, esta proposta de lei é uma

parte de tudo aquilo que precisa de ser feito.

Sr.ª Deputada Helena Pinto, quando me questiona sobre por que é necessário a ERSAR ir até ao nível dos

municípios, a minha resposta direta é esta: porque, com o sistema que temos separado de alta e de baixa,

aquilo que, na prática, acontece é que temos municípios que refletem tarifas aos seus munícipes em muitos

casos inferiores àquilo que têm de pagar em alta e que não refletem minimamente o custo dos próprios

serviços.

A Sr.ª Deputada sabe que as dívidas dos municípios aos setores em alta orçam, neste momento, mais de

500 milhões de euros? E, Sr.ª Deputada, não tem nada a ver com concessionar ou não concessionar águas e

com vender ou não vender a EGF. Trata-se de uma reestruturação e de um passo que tem de ser dado e que

teria de ser dado sempre, em benefício da sustentabilidade do setor e para podermos evitar a falência, como

está neste momento perfeitamente evidente, de sete ou oito sistemas multimunicipais.

Também aqui posso dizer-lhe que a proposta de lei, que virá ainda para o Parlamento, relativamente à

fatura detalhada, visa colmatar esse problema. Não é possível ter um preço da água em baixa que não reflita,

desde logo, aquilo que é o preço da água em alta.

Para além disso, aqueles princípios que se aplicam genericamente e que estão previstos na proposta de lei

que é apresentada, como sejam a eficiência no uso do recurso, a promoção da proteção do recurso, a

sensibilidade a uma tarifa social ou as questões da sensibilidade ao agregado familiar, são princípios que tanto

valem para a alta como para a baixa — e estou certa de que a Sr.ª Deputada concordará comigo.

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Sr. Deputado Paulo Sá, quero ainda dizer-lhe que esta questão das dívidas dos municípios é uma parte do

problema, que se prende com a tal questão da falta de sustentabilidade de muitos dos investimentos. Mas é

apenas uma parte. Estamos a falar do Grupo Águas de Portugal, com mais de 3000 milhões de euros de

dívida, que custam muito a pagar e que se refletem nas tarifas ou deveriam refletir-se nas tarifas, sob pena de

se refletirem em todos os contribuintes. É uma escolha, Sr. Deputado.

Quero dizer-lhe também que a intenção do Governo nesta matéria é muito clara: dar saúde económica e

financeira aos sistemas, para que melhor possam servir todos os cidadãos, e permitir que haja maior equilíbrio

entre tarifas, no interior e no litoral.

Posso dizer-lhe que, se nada for feito, Sr. Deputado, haverá um agravamento brutal das tarifas. Mas não é

em todo o País da mesma maneira. É no interior, onde as pessoas ganham menos, onde têm vidas mais

difíceis e onde é mais difícil fazer chegar a água a preços competitivos.

Por isso, a restruturação do sistema é essencial, para não haja esse aumento brutal e para que, nalguns

casos, haja mesmo diminuição de tarifas. Veja o que acontece no Alentejo, Sr. Deputado. Se o Alentejo aceitar

juntar-se ao sistema do Algarve, terá tarifas muitíssimo mais baixas, em benefício dos seus munícipes.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Vamos prosseguir com as intervenções, Srs. Deputados.

Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Pedro Farmhouse.

O Sr. Pedro Farmhouse (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do

Ordenamento do Território, Sr.as

e Srs. Deputados: Fomos confrontados esta manhã, como há pouco disse,

com notícias que dão conta de uma nova lei-quadro das entidades reguladoras, que seria aprovada em sede

de Conselho de Ministros e não o foi.

Nada que nos surpreenda. O Governo terá de submeter a nova lei-quadro ao Parlamento até março, como

se prevê no relatório da sexta avaliação ao Programa de Assistência Económica e Financeira.

O que nos surpreende é que tenhamos de discutir esta tarde a alteração ao Estatuto da Entidade

Reguladora dos Serviços de Água e Resíduos sem conhecer o conteúdo da lei-quadro à qual o Estatuto da

ERSAR terá de se submeter.

Sem querer recorrer a expressões populares, não posso deixar de dizer que este é bem o tipo de situação

que em bom português se chama «colocar o carro à frente dos bois».

Mas a lógica e a razoabilidade são algo que, infelizmente, não caracteriza a ação deste Governo e, muito

especialmente, do grande Ministério de Assunção Cristas, como foi comprovado hoje, através da apreciação

de uma proposta de lei que, nos grandes objetivos, como os do reforço e da independência, merece a nossa

concordância mas que, padecendo de vícios de forma, não podemos acompanhar, se a mesma não baixar à

respetiva comissão parlamentar sem votação.

Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, o calendário definido pela Sr.ª Ministra do Ambiente é muito pouco

inocente.

Seria lógico consolidar uma regulação forte, com condições para defender o interesse público, antes de

anunciar a privatização da Águas de Portugal e da Empresa Geral de Fomento. Mas o Governo preferiu

introduzir entropia no sistema, sem clarificar o papel dos municípios, sem redefinir os objetivos a atingir no

novo contexto de austeridade, sem atender à realidade dos nossos países parceiros e, sobretudo, sem

salvaguardar os interesses dos cidadãos.

Não é por isso despiciendo que, ao mesmo tempo que esta discussão tem lugar na Casa da democracia, a

mesma democracia permita que mais de 40 000 cidadãos apresentem uma iniciativa legislativa pela proteção

dos direitos individuais e comuns à água, porque os preocupa todo o conjunto de alterações em curso no

domínio da gestão dos recursos hídricos, bem como os prejuízos económicos, sociais e ambientais que

resultarão desta fúria privatizadora da Sr.ª Ministra e deste Governo.

Vozes do PS: — Muito bem!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Muito bem!

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O Sr. Pedro Farmhouse (PS): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, a discussão que fazemos esta

tarde a propósito da alteração ao Estatuto da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos não

pode ser dissociada da reestruturação dos sectores da água e dos resíduos que a Sr.ª Ministra tem, a todo o

custo, contra tudo e contra todos, tentado impor.

O Sr. Mota Andrade (PS): — Muito bem!

O Sr. Pedro Farmhouse (PS): — Para o Partido Socialista, uma regulação forte não se esgota na

aprovação de um estatuto com disposições de alguma independência da tutela e dos ciclos políticos.

Um regulador forte tem de dispor de efetivos humanos em número suficiente, com capacidade técnica

adequada às exigentes funções regulatórias, o que, mesmo depois da aprovação do Estatuto, e se não houver

restrições administrativas, demorará mais de dois a três anos a verificar-se.

É por tudo isto que somos do entendimento de que um dos pilares para garantir aos portugueses que o

processo de privatização decorrerá acautelando os seus interesses e não os interesses dos privados —

portugueses, brasileiros ou de outro qualquer país — ou as necessidades contabilísticas para compensar a

falta de receitas das políticas anticrescimento económico deste Governo neoliberal está longe de poder

desempenhar eficazmente a sua função.

Se não o soubermos fazer antecipadamente, o regulador será facilmente capturado por outros interesses

que não o interesse público.

O Sr. Mota Andrade (PS): — Muito bem!

O Sr. Pedro Farmhouse (PS): — O Partido Socialista não o permitirá!

De resto, a profusa bibliografia da especialidade salienta bem que a falta de capacitação dos reguladores é

um primeiro passo para a sua captura.

Por tudo isto, não estando ainda o estatuto aprovado, requerendo tempo para a sua promulgação, tempo

para a nomeação do conselho de administração, tempo para o lançamento de concursos para reforço de

efetivos e sua capacitação, importa esclarecer para quando prevê a Sr.ª Ministra ter o novo regulador com

condições para o pleno exercício das suas funções, funções de que o País não pode prescindir!

Por outro lado, antes da decisão de privatizar o que quer que seja — e bem sabemos o quanto a Sr.ª

Ministra deseja privatizar tudo —, é fundamental avaliar onde estamos e onde queremos chegar.

Quanto a isto, nem uma informação. O PERSU II (2007-2016) prevê a monitorização da sua

implementação e uma reavaliação a divulgar no ano de 2011, relativa ao final de 2010.

Este Governo está em funções há precisamente 618 dias e até agora nenhuma reflexão profissional e

sistematizada foi divulgada. É a verdadeira alta definição, Sr.as

e Srs. Deputados da maioria!

O Partido Socialista muito gostaria de saber como encara o Governo a privatização da EGF, um grupo

empresarial que muito contribuiu para os excelentes resultados na gestão dos resíduos urbanos, resultados

reconhecidos designadamente pela União Europeia e pela OCDE, sem previamente avaliar o plano estratégico

em vigor e sem o atualizar, se for caso disso, em consequência de eventuais desvios face ao previsto ou face

a novas exigências comunitárias a cumprir.

O que é feito do bom planeamento que o País tem seguido neste setor, envolvendo os principais atores,

com o é o caso das ONG e dos municípios?

A Sr.ª Ministra, que o é da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, é também a

Ministra do PERSU!

Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, o País merece saber que não disporá, no ano em curso, de um

regulador para arbitrar o processo de privatização e que todo o processo está a ser conduzido de pernas para

o ar, de forma incompetente, repito, incompetente, adivinhando-se problemas com o cumprimento de contratos

anteriormente celebrados com os municípios, o que, aumentando os riscos, terá como consequência a

diminuição do real valor dos ativos a privatizar.

Vozes do PS: — Muito bem!

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O Sr. Pedro Farmhouse (PS): — Lá virá um Sr. Deputado do CDS-PP defender a honra da Sr.ª Ministra e

outro Sr. Deputado do PSD recordar que o PS tinha, no seu Programa Eleitoral de 2011, a abertura do grupo

EGF a capitais privados.

Sim, Srs. Deputados, mas apenas em condições não lesivas do interesse do Estado e da qualidade destes

serviços essenciais ao cidadão. Em condições de sustentabilidade técnica, económica, social e ambiental!

O Sr. António Leitão Amaro (PSD): — É o caso!

O Sr. Pedro Farmhouse (PS): — Sr. Deputado, já sabemos que tudo o que dá lucro é para privatizar, na

opinião do PSD, porque o que dá prejuízo fica para o Estado. Já sabemos disso!

O Sr. Mota Andrade (PS): — Isso é verdade!

O Sr. Pedro Farmhouse (PS): — Infelizmente, o que retiramos deste debate não é a aposta no reforço da

independência do regulador, mas uma pressa desmedida na aprovação de uma proposta de lei que serve

apenas para suportar, à pressa, na privatização, sem acautelar a clareza da situação e comprometendo, por

essa via, a defesa do interesse público. Interesse público que engloba ativos como a Águas de Portugal e a

EGF, ativos que são um património nacional e não o feudo de um partido ou de uma coligação conjuntural.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Mário

Magalhães.

O Sr. Mário Magalhães (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do

Ordenamento do Território, Sr.as

e Srs. Deputados: A proposta de lei do Governo que aqui debatemos propõe

uma nova entidade reguladora dos serviços de água e resíduos, uma «nova» ERSAR.

Digo uma «nova» ERSAR, sim — uma expressão já usada hoje pela Sr.ª Ministra —, pois com esta

aprovação temos, na prática, uma nova entidade, que será mais forte e mais independente, porque vê

reforçadas as suas competências e alargado o âmbito e o exercício das mesmas e porque terá um reforço e

alargamento do âmbito de regulação quer dos na área dos serviços quer a nível ambiental.

Antes, o regulador recomendava, agora, terá competências de regulamentação. Antes, supervisionava as

tarifas, agora, não só acompanha a sua elaboração como pode inclusive fixá-las. Antes, tinha a

responsabilidade de garantir a qualidade da água, agora, acresce a responsabilidade de garantir a qualidade

do serviço prestado.

Estamos perante uma entidade mais forte porque, juntamente com os poderes de supervisão, regulação e

avaliação, são reforçados os poderes de inspeção, fiscalização, auditoria e os poderes sancionatórios.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Mário Magalhães (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, esta não é apenas uma entidade

mais forte. Esta é, sobretudo, e sublinho, mais independente. Uma entidade independente que protege os

utilizadores perante os possíveis abusos decorrentes do direito de exclusividade das entidades gestoras que

operam em regime de monopólio. Uma independência que protege os titulares dos serviços que querem ver

garantidas as condições de qualidade e eficiência das entidades gestoras. Uma independência que protege as

entidades gestoras, que reclamam regras claras e garantias de salvaguardada da sua viabilidade económico-

financeira.

De ora avante, Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, podemos afirmar que temos uma ERSAR mais forte

e mais independente, condição essencial para garantir a salvaguarda da igualdade, da transparência e da

equidade, quer da atividade quer das relações entre todos os sujeitos. Sim, porque o novo regulador abrange

todos os sistemas do sector.

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Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, para terminar a minha intervenção, permitam-me que aborde uma

matéria que consideramos essencial. Falo-vos do tarifário social e, em concreto, da sua implementação.

A água é um bem que tem de ser garantido a todos os portugueses. A consagração, na proposta de lei do

Governo, da obrigatoriedade de definição de uma tarifa social no âmbito dos regulamentos tarifários é um

importante mecanismo de proteção dos mais desfavorecidos, um exemplo de consciência social deste

Governo, que quer que ninguém fique de fora, que ninguém fique para trás.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Sá.

O Sr. Paulo Sá (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do

Ordenamento do Território, Sr.as

e Srs. Deputados: As privatizações são a marca da opção de classe de uma

prática política que favorece os interesses do grande capital monopolista e financeiro em detrimento da defesa

dos interesses dos trabalhadores e do País.

O Governo pretende avançar para a privatização dos serviços de abastecimento público de água, de

saneamento de águas residuais e de gestão de resíduos sólidos urbanos, concluindo um processo iniciado há

20 anos pelo governo de Cavaco Silva.

A água não é um bem qualquer, é um bem essencial à vida! Só uma gestão pública garante que todos têm

acesso à água e aos serviços de águas. O PCP rejeita a privatização do setor, entendendo que este deve ser

gerido exclusivamente por organismos públicos, na ótica de um serviço público e não na ótica de obtenção de

lucro.

Há um mês, o Governo apresentou na Assembleia da República uma proposta de lei que eliminou o último

obstáculo que impedia o controlo total por entidades privadas dos sistemas multimunicipais de abastecimento

de água, de saneamento de águas residuais e de gestão de resíduos sólidos urbanos. Com essa alteração

legislativa, estes sistemas poderão ser concessionados a empresas de capital maioritária ou integralmente

privado.

Contudo, a possibilidade de entregar aos privados o controlo dos serviços de águas e saneamento por via

da concessão só se concretizará se às entidades privadas que assumirão esse controlo for garantido a

obtenção de um lucro significativo. Ou seja, para poder privatizar, o Governo terá que criar condições para que

os custos de exploração dos sistemas multimunicipais de águas e resíduos possam ser integralmente

recuperados, objetivo que implicará, obviamente, o agravamento das tarifas. E é exatamente este objetivo que

preside à apresentação pelo Governo da iniciativa legislativa que visa alterar a natureza jurídica da Entidade

Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos, a ERSAR.

Tal como noutros setores que prestam serviços públicos essenciais, a entidade reguladora, alegadamente

independente, servirá os interesses dos operadores privados, garantindo a fixação de tarifas compatíveis com

elevados lucros. Tendo em conta a importância e o impacto que os serviços de águas e resíduos têm na

qualidade de vida das populações, os tarifários deveriam ter em conta as necessidades concretas dessas

populações e não a obtenção de lucros por parte dos privados que exploram esses serviços. Esta é a lógica

do serviço público, mas não é, obviamente, a lógica do Governo, que subordina as suas políticas aos

interesses dos grandes grupos económicos e financeiros.

Acresce ainda que, de acordo com a proposta do Governo, a ERSAR terá a atribuição de fixar as tarifas

dos sistemas de titularidade municipal, situação que representa uma inaceitável violação da autonomia do

poder local. A competência para a fixação de tarifas destes sistemas cabe aos órgãos municipais e não pode,

nem deve, ser usurpada pela ERSAR.

O PCP rejeita mais esta tentativa do Governo PSD/CDS de violação do princípio constitucional da

autonomia das autarquias locais e da descentralização democrática da Administração Pública, entendendo

que compete aos órgãos municipais, e só a estes, fixar as tarifas dos sistemas de águas e resíduos por si

geridos, no interesse das populações.

No processo de reconfiguração neoliberal do Estado, imposto pelas troicas interna e externa, no âmbito do

pacto de agressão, as entidades reguladoras ditas independentes, como a ERSAR, estão totalmente

capturadas pelos poderes económicos que deviam regular, atuam ao serviço desses poderes económicos,

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aparecendo como um «segundo governo», que não responde perante os cidadãos nem perante a Assembleia

da República.

Rejeitamos a opção do Governo de privatizar os serviços de águas e resíduos e de entregar a sua

regulação a uma entidade dita independente, reafirmando a nossa posição: o setor das águas e resíduos deve

ser gerido e regulado pelo Estado, nos seus diferentes níveis de poder, na ótica de um serviço público e no

interesse das populações.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Neto.

A Sr.ª Margarida Neto (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Sr.ª Secretária de Estado, Sr.as

Deputadas e Srs. Deputados: Esta proposta de lei tem como objeto aprovar a orgânica da Entidade

Reguladora dos Serviços de Água e Resíduos, concretizando a transformação da sua natureza — de instituto

público integrado na administração indireta do Estado numa entidade administrativa independente.

Anteriormente designado por IRAR (Instituto Regulador de Águas e Resíduos), desde a sua criação que

tem vindo a sofrer alterações através do alargamento das suas funções, bem como do seu âmbito e

abrangência de atuação, aumentado o seu espaço de intervenção regulatória.

Apesar da crescente importância que este regulador tem vindo a assumir, os desafios que se colocam

atualmente num setor estratégico que representa serviços públicos de interesse geral e que se encontra em

processo de restruturação, com prioridades para a resolução dos problemas ambientais de primeira geração e

incremento de sustentabilidade económico-financeira, justificam, mais do que nunca, o reforço dos poderes e

uma participação verdadeiramente ativa e independente da entidade reguladora ERSAR.

Pretende-se, assim, no atual contexto de reorganização do setor e no cumprimento do Memorando de

Entendimento, do Programa do XIX Governo Constitucional e do PREMAC (Plano de Redução e Melhoria da

Administração Central), alterar o estatuto jurídico da Entidade Reguladora dos Serviços de Água e Resíduos,

transformando-a numa nova geração de regulação, com mais autonomia para interferir de forma efetiva no

setor, com independência de atuação face ao poder executivo, central e local, com reforço de poderes,

designadamente na fixação de tarifas, representando, assim, o grande passo no caminho da sustentabilidade

do setor a longo prazo.

Desta nova configuração da ERSAR espera-se um papel interventivo na promoção das economias de

escala, gama e processo, contribuindo para aumentar o grande recuperação dos custos dos sistremas, função

que caberá ao novo órgão previsto nesta lei, o conselho tarifário, que deverá introduzir os mecanismos de

harmonização tarifária de maneira a fazer convergir as tarifas sobreavaliadas e sobredimensionadas para uma

tarifa justa, real e adequada que permita a efetiva sustentabilidade económico-financeira do setor.

As tarifas praticadas no setor apresentam hoje valores artificialmente baixos, orientadas por critérios não

económicos, não permitindo, desse modo, a recuperação dos custos de sistemas. Dão também um sinal

errado aos utilizadores finais e à gestão dos sistemas, não estimulando o uso eficiente da água nem o

combate às perdas de água, sendo o potencial de poupança em Portugal estimado em cerca de 100 milhões

de euros por ano.

O que se pretende é um maior reforço de intervenção e de exigência junto de todas as entidades gestoras

do setor das águas e resíduos ao nível de custos, de eficiência, de qualidade de serviço e de modelo de

reporting, assim como no acompanhamento e controlo das concessões a privados.

Sr.as

e Srs. Deputados, tendo em conta as características únicas da água como bem essencial à vida

humana, a ERSAR terá também uma importante função na definição das tarifas sociais destinada às franjas

da população mais desfavorecidas, de modo a atenuar o efeito dos impactos das correções tarifárias que são

inevitáveis e terão de ser feitas.

São ainda reforçados os poderes de autoridade sancionatórios e regulamentares da ERSAR para potenciar

a sua capacidade de atuação nos setores regulados através da atribuição de instrumentos fundamentais para

a atividade de regulação e supervisão das entidades prestadoras dos serviços de águas e resíduos.

Tal como sempre foi defendido pelo Grupo Parlamentar do CDS, só uma entidade reguladora

independente, com poderes reforçados, como esta proposta de lei prevê, poderá assegurar, com sucesso, a

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estratégia de reconfiguração do setor dos serviços de águas e resíduos, zelando pela qualidade na concessão,

execução, gestão e exploração dos sistemas e, simultaneamente, pela defesa dos direitos dos consumidores,

ao garantir o equilíbrio entre os preços socialmente aceitáveis, decorrentes das correções tarifárias que

importa fazer, e a necessidade de recuperação dos custos dos serviços prestados neste setor.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Esta proposta de lei hoje apresentada

pela Sr.ª Ministra está integrada no plano do Governo para o setor das águas e dos resíduos e esse plano tem

por objetivo privatizar um bem público essencial à vida como é a água. Bem pode a Sr.ª Ministra utilizar

truques de linguagem, dizendo que não é uma privatização mas uma concessão. Uma concessão de 50 anos!

Já se percebeu: é privatização, Sr.ª Ministra. Ponto final!

Estranho é que a proposta de lei e o discurso do Governo e, já agora, o discurso da bancada do PSD e do

CDS, nunca faça referência à água como um direito humano — foi assim que foi reconhecido pela Assembleia

Geral das Nações Unidas, em 2010, com o voto favorável de Portugal. Estranho ou talvez não… É que é este

o princípio do direito humano que deve nortear toda a política sobre a água e não as tarifas sociais para as

franjas, como disse a Sr.ª Deputada Margarida Neto. Não são franjas da sociedade, é o princípio que deve

nortear toda a política sobre a água, que não é nem uma mercadoria e muito menos um negócio.

Não votaremos a favor dos estatutos desta nova entidade, que ultrapassa os eleitos quanto a uma

competência exclusiva sua: a fixação de tarifas. A Sr.ª Ministra não respondeu à questão que lhe coloquei e

tem de dizer como é que contorna, inclusivamente, a Constituição portuguesa. Como é que retira o poder de

fixar as tarifas a quem teve o voto do povo e aquém foi eleito?

Também não acompanhamos os limitados princípios da fixação de tarifas. São muito limitados, Sr.ª

Ministra, e a tarifa social surge em último lugar.

Não acompanhamos os critérios para a designação dos membros do conselho de administração. Aliás,

Sr.as

e Srs. Deputados, chega a ser ridícula a audição em sede da Assembleia da República sem ser atribuído

nenhum poder à Assembleia da República, nem sequer de mera opinião, na nomeação dos administradores.

A Sr.ª Ministra da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território: — Está na

proposta!

A Sr.º Helena Pinto (BE): — Não, não está, Sr. ª Ministra. Está nas suas intenções, mas não está proposta

de lei.

Fica também por esclarecer o financiamento desta tal entidade que vai ser tão independente e, que, por

isso, vai ter de ter um financiamento. Ou será que Governo está a pensar repercutir no valor da fatura do

consumidor final o financiamento desta nova entidade?!

Em suma, o Governo apresenta uma entidade como independente mas bem governamentalizada e bem ao

jeito do caminho já iniciado para a privatização de um monopólio natural — é o próprio Governo que

reconhece a água como um monopólio natural — e, sobretudo, de um bem indispensável à vida, que não pode

sair do domínio público.

Aliás, melhor dizendo, é um direito humano — vamos começar as chamas as coisas pelo nome —, e é esta

a premissa para todas as políticas da água, a premissa que vai impedir a privatização.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Sr.ª Secretária de Estado, Sr. as

e

Srs. Deputados: O Governo apresenta hoje à Assembleia da República uma proposta de lei que, diz a Sr.ª

Ministra, terá como objetivo a criação de uma entidade independente reguladora do setor da água e resíduos.

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Ora, aqui está a primeira falsidade: não estamos perante uma proposta para criação de uma entidade

independente.

A Sr. ª Ministra sabe que a nomeação dos titulares deste órgão, desta entidade, desta ERSAR, é da

responsabilidade do Governo. Dirá, eventualmente, a Sr.ª Ministra, perante o artigo 19.º: «Não, mas esta

nomeação é acompanhada de um parecer da comissão de recrutamento e seleção da Administração Pública».

E nós dizemos: «Curiosamente, uma comissão totalmente dependente do Governo».

Por um lado, não se diz em lado nenhum que o parecer é vinculativo. Não é! Mas dirá, eventualmente, a

Sr.ª Ministra que ainda há uma outra parte, um outro crivo fundamental, porque há uma audição na

Assembleia da República para a nomeação destes elementos. Ora, uma audição é ouvir. Os senhores chegam

cá, nos ouvimos e vamos todos embora, alegres e contentes!

Portanto, Sr.ª Ministra, esta ERSAR que está a ser criada está totalmente na dependência do Governo, de

independente não tem rigorosamente nada!

Por isso, a verdadeira intenção do Governo é prosseguir uma política em que há um conjunto de peças que

têm de juntar-se. A ideia é fazer com que esta entidade contribua para a intenção de privatização da gestão

destes setores, e também para a privatização no caso dos resíduos, para que essa política seja bem sucedida,

na ótica do Governo. Esse é um grande objetivo.

Depois, vamos a uma parte fundamental dessa lógica de privatização, que é a questão dos tarifários. O que

é que a Sr.ª Ministra faz com esta proposta? Retira às autarquias o poder de fixação de tarifários e entrega-o à

entidade reguladora. Sr.ª Ministra, vai desculpar-nos mas é óbvio que não se trata de uma questão política.

Trata-se de retirar com todas as mãos a autonomia ao poder local, o que é absolutamente inadmissível, Sr.ª

Ministra.

A Sr.ª Ministra diz que não, a Associação Nacional dos Municípios Portugueses diz que sim e as diversas

entidades que estão no terreno nesta matéria e que proferiram pareceres que chegaram à Assembleia da

República dizem que sim, mas, eventualmente, a Sr. Ministra não terá tido oportunidade de os ler. Mas nem

precisávamos deles, Sr.ª Ministra, porque isto é demasiado óbvio.

Por exemplo, em sistemas municipais, os municípios gerem e devem ter o poder de fixação das suas

tarifas. Um município não é obrigado a ter a lógica que a Sr.ª Ministra tem. Um município tem de ter a

liberdade de aplicar tarifas que podem estar abaixo do custo real, o que pode ser uma opção política e a Sr.ª

Ministra não pode interferir nisso. A Sr.ª Ministra pode dizer que é errado, mas é a sua opção política.

Quer saber o que é que nós, Os Verdes, achamos que é errado? O que achamos que é errado é que a sua

política tarifária vá criar um custo muito acima do custo efetivamente real, porque a Sr.ª Ministra, com a sua

política de privatização, está a fazer com as pessoas paguem o sistema, paguem o serviço ao custo real e

paguem ainda, dentro do custo real, o lucro das empresas. Depois, eventualmente, vamos encontrar no site da

ERSAR uma coisa muito parecida com aquela que encontrámos na Entidade Reguladora dos Serviços

Energéticos (ERSE). É que, Sr.ª Ministra, as pessoas, em Portugal, já sabem o que é isto das entidades

reguladoras, que não regulam rigorosamente nada, apenas aplicam a política do Governo.

Mas o que é que diz a ERSE e dirá a ERSAR, ou, mesmo não dizendo, o que é que fará? As tarifas serão

estabelecidas por forma a proporcionar um montante de proveitos. Para quem? Para as entidades gestoras

privadas, claro!

Não, Sr. ª Ministra, Os Verdes dizem perentoriamente «não» à privatização da água.

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe):— Tem a palavra o Sr. Deputado António Leitão Amaro.

O Sr. António Leitão Amaro (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Srs. Secretários de Estado, Sr.as

e

Srs. Deputados, a proposta de lei é clara: é criada uma entidade verdadeiramente independente.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Não, não é!

O Sr. António Leitão Amaro (PSD): — O Parlamento, como não acontecia antes, é chamado a

pronunciar-se sobre a nomeação da administração desta entidade. É só ler!

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Não vou pedir a distribuição, mas o n.º 3 do artigo 19.º prevê essa audição e os Srs. Deputados não

gostam de ser ouvidos. Mas é isto estamos a fazer, a pronunciarmo-nos quando o Governo nos propõe, e é

assim em qualquer país normal em que há uma entidade administrativa independente que os parlamentos

participam. É assim, e muito bem, segundo a proposta do Governo, que a Assembleia da República passa a

ser consultada no processo de nomeação da administração da ERSAR.

O Sr. Paulo Sá (PCP): — E é vinculativa essa pronúncia?

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — E consequências dessa audição?!

O Sr. António Leitão Amaro (PSD): — Mas esta proposta de lei não apenas cumpre o Programa do

Governo, porque cria uma entidade verdadeiramente independente, como introduz, relativamente aos poderes

de fixação de tarifas, um poder muito relevante. E é muito relevante porquê? Porque hoje temos situações

ilegais.

Não é uma opção da ministra ou da maioria. É uma opção, desde logo, comunitária e é uma opção da lei

que aqui votámos o facto de as tarifas terem de cobrir integralmente os custos. Esta é uma norma comunitária

e é uma lei da Assembleia da República e, por isso, a ERSAR o que fará, tal como faz qualquer regulador em

setor monopolista, é impor aos operadores uma tarifa regulada.

Mas, mais: neste caso, o Governo, porque foi sensível à autonomia local, deu aos municípios a

possibilidade de serem eles a fixar as tarifas e a intervenção da ERSAR verificar-se-á apenas quando houver

uma decisão ilegal. E ilegal porquê? Porque não cumpre, entre outras decisões, a obrigação fundamental de

que as tarifas satisfaçam a cobertura integral dos custos.

Há uma coisa que os senhores não dizem e teimam sempre em esconder: é que quando as tarifas não

forem pagas pelos consumidores serão pagas pelos contribuintes!

Vozes do PSD: — Bem lembrado!

O Sr. António Leitão Amaro (PSD): — O que os senhores querem, afinal, é aumentar impostos. Nós

sabemos! Os senhores gostam disso, mas querem sempre fingir que, em algum sítio, há uma árvore das

patacas que faz nascer dinheiro.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Se há é para os privados!

O Sr. Paulo Sá (PCP): — Há uma árvore das patacas para o setor financeiro!”

O Sr. António Leitão Amaro (PSD): — Não! Os encargos que não são pagos pelos consumidores são

pagos pelos contribuintes e nós não concordamos com isso.

Este poder tarifário é importante, porque cumpre a lei neste ponto, porque traz também justiça social, com

a possibilidade de uma tarifa social, e porque cumpre as exigências ambientais de proteção dos recursos

hídricos e o aumento da eficiência e é, por isso, um poder importante.

Finalmente, queria dizer que não há violação da autonomia local porque é uma proposta justa e o Governo

e a Sr.ª Ministra estão de parabéns por nos apresentarem aqui este diploma.

Aplausos do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra o Sr. Deputado Altino Bessa.

O Sr. Altino Bessa (CDS-PP): — Sr. Presidente, em primeiro lugar, quero cumprimentar a Sr.ª Ministra e

os Srs. Secretários de Estado.

Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Antes de mais, quero felicitar a proposta que hoje o Governo aqui

nos traz e a abertura e disponibilidade que o CDS e, estou convicto, também PSD terão para eventuais

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melhoramentos, em sede de especialidade. Este é um fator positivo, pois queremos os contributos de todos os

que estão verdadeiramente interessados em melhorar esta lei que hoje nos é presente pelo Governo.

Quanto à audição pelo Parlamento dos membros da ERSAR, obviamente que é um sinal positivo, é um

avanço muito significativo e, obviamente também, esta proposta tinha de vir do Governo, sendo que me

parece que o papel fiscalizador do Parlamento nestas escolhas fica seguramente reforçado.

Gostaria de relembrar ao Partido Socialista o seu Programa do Governo, onde se dizia que «A valorização

dos nossos recursos hídricos e os serviços da água continuarão a caracterizar a política seguida nesta área,

com particular enfoque no desenvolvimento dos sistemas em baixa e no reforço da sustentabilidade

económica e financeira dos sistemas instalados.» Pergunto: propostas para resolver este problema

identificado no programa do Partido Socialista? Zero!

Mas no Programa deste Governo dizia-se: «Reorganizar o setor do abastecimento de água e saneamento

de águas residuais, com prioridade para a sustentabilidade económica e financeira do setor.» Ora, é aquilo

que está a ser feito por este Governo!

Dizia-se também: «Prosseguir e identificar a resolução do défice tarifário» — é aquilo que está a ser feito

por este Governo!

E ainda: «A revisão do sistema de tarifas e abertura à participação de entidades públicas, estatais ou

municipais, bem como de entidades privadas na gestão do sistema» — é isto que este Governo está a fazer!

Portanto, os eleitores não foram enganados quando votaram neste Governo.

Vozes do PCP: — Pouco!

O Sr. Altino Bessa (CDS-PP): — Mas também gostava de recordar ao Partido Socialista o Memorando de

Entendimento, que, no seu ponto 3.23, refere: «Preparar uma avaliação abrangente da estrutura de tarifas das

empresas públicas, a fim de reduzir o grau de subsidiação.» Onde é que estão as propostas do Partido

Socialista para esta matéria?

Para terminar, e porque disponho de pouco tempo, gostaria de recordar à Sr.ª Deputada Helena Pinto, que

disse não reconhecer grandes apoios à proposta do Governo, o parecer da DECO — que não sei se recebeu

hoje —, uma Associação a que os senhores, muitas vezes, gostam de fazer referência, que refere, em

conclusão, o seguinte: «Sem prejuízo do supraexposto, a DECO congratula-se claramente com a opção do

legislador, salientado a necessidade que o poder regulador seja efetivamente exercido tendo e conta a

garantia dos direitos e legítimos interesses dos consumidores». É exatamente isto que esse Governo está a

fazer!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, concluímos assim o debate desta proposta de lei,

que será votada no período regimental de votações que terá lugar amanhã.

Srs. Deputados, vamos passar ao ponto 4 da ordem de trabalhos, que consiste na apreciação da proposta

de lei n.º 128/XII (2.ª) — Estabelece o regime a que deve obedecer a implementação e utilização de sistemas

de transportes inteligentes, transpondo a Diretiva 2010/40/UE, de 7 de julho, que estabelece um quadro para a

implementação de sistemas de transporte inteligentes no transporte rodoviário, inclusive nas interfaces com

outros modos de transporte.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, para interpelar a Mesa relativamente à ordem do dia que

acabou de anunciar.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, Sr. Deputado.

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O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, o artigo 124.º do Regimento da Assembleia da República,

sobre os requisitos formais dos projetos e propostas de lei, estabelece, no seu n.º 3, que «As propostas de lei

devem ser acompanhadas dos estudos, documentos e pareceres que as tenham fundamentado.»

Ora, foi distribuída aos Deputados a Nota Técnica deste diploma, que dá conta — e a própria iniciativa

refere-o — que foram ouvidas diversas entidades, de que destaco a Comissão Nacional de Proteção de

Dados, sobre uma matéria que é altamente sensível relativamente ao controlo das deslocações e da

mobilidade dos cidadãos em geral.

Assim, o que coloco à sua consideração, Sr. Presidente, é que, salvo melhor opinião, este Plenário não

estará nas adequadas condições para proceder a este debate, na medida em que o Governo não está a

cumprir a norma regimental que obriga ao fornecimento destes pareceres e destas fundamentações.

É anunciado um conjunto de audições cuja informação não é facultada ao Parlamento e, nesse sentido,

queria colocar à Mesa o problema de estarmos agora, eventualmente, a iniciar um debate em Plenário

relativamente ao qual a Assembleia da República não estará nas melhores condições para o fazer, por falta de

informação do Governo e por falta de cumprimento do Regimento.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado, com o debate em curso, não podemos pôr em causa a

estabilidade da ordem do dia. Aliás, essa questão poderia ter sido dirimida antes, quando foi feito o

agendamento desta iniciativa em conferência de líderes.

Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Menezes.

O Sr. Luís Menezes (PSD): — Sr. Presidente, muito brevemente, apenas para dizer que o n.º 3 do artigo

124.º do Regimento da Assembleia da República diz que «As propostas de lei devem (…)» — devem! — «(…)

ser acompanhadas dos estudos, documentos e pareceres que as tenham fundamentado», ou seja, não há

nada, do nosso ponto de vista, que impeça que esta proposta em concreto seja discutida e,

subsequentemente, votada em período regimental de votações.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, o processo legislativo não termina hoje e, por isso,

esperamos que essa disposição regimental possa vir a ser cumprida no decurso do mesmo.

Tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias, pedindo-lhe que não prolongássemos este incidente.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Com certeza, Sr. Presidente, serei muito breve, sendo que talvez a Mesa

possa ajudar a esclarecer esta insólita interpretação do Regimento.

Não estamos perante uma recomendação regimental mas, sim, perante uma norma regimental, ou seja,

não é uma faculdade que o Governo tem de apresentar a fundamentação, é um dever que o Governo tem e

que tem de cumprir.

Assim, a ideia que temos é que nenhuma da documentação mencionada pelo próprio Governo, e que é seu

dever facultar à Assembleia da República, foi dada a conhecer à Assembleia da República, mas peço ao Sr.

Presidente a confirmação do que estou a dizer.

Todavia, acatando a decisão da Mesa de iniciar o debate, fá-lo-emos, mas, que saibamos, nenhum destes

pareceres e fundamentações foram divulgados.

Peço, pois, a confirmação desta informação, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado, não tenho essa confirmação, porque esses documentos

são enviados para a comissão competente.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Até agora, não recebemos nada!

O Sr. Presidente (António Filipe): — Se o Sr. Deputado diz que não foi recebida nenhuma documentação,

admito essa sua informação como verdadeira, mas, em todo o caso, o que entendi da interpelação do Sr.

Deputado Luís Menezes foi que, não pondo em causa que exista essa obrigatoriedade, considera é que ela

pode ser cumprida depois do debate na generalidade.

Foi este o entendimento que presumi…

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O Sr. Bruno Dias (PCP): — Não foi bem assim!

O Sr. Presidente (António Filipe): — Em todo o caso, a Mesa está confrontada com um agendamento que

foi feito em conferência de líderes e que só agora foi posto em causa, pelo que não estamos em condições de

retirar este ponto da ordem do dia e vamos proceder ao debate, na generalidade.

Em todo o caso, Sr. Deputado, fica feito o reparo relativamente à obrigatoriedade de dar cumprimento à

disposição regimental que obriga a junção de determinada documentação.

Assim sendo, vamos passar à apreciação da proposta de lei n.º 128/XII (2.ª) — Estabelece o regime a que

deve obedecer a implementação e utilização de sistemas de transportes inteligentes, transpondo a Diretiva

2010/40/UE, de 7 de julho, que estabelece um quadro para a implementação de sistemas de transporte

inteligentes no transporte rodoviário, inclusive nas interfaces com outros modos de transporte.

Para proceder à apresentação do diploma, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas,

Transportes e Comunicações.

O Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (Sérgio Monteiro): — Sr.

Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: O presente diploma visa transpor para o Direito interno a Diretiva

2010/40/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de julho, que estabelece um quadro para a

implementação de sistemas e serviços de transporte inteligentes no transporte rodoviário.

Os sistemas de transporte inteligentes são aplicações avançadas que se destinam a prestar serviços

inovadores no perímetro dos diferentes modos de transporte e de gestão de tráfego, permitindo uma melhor

informação dos utilizadores e uma utilização, por isso, mais segura, mais coordenada e mais inteligente da

rede de transportes, assim como aplicações de apoio à gestão de infraestruturas e à exploração de serviços

de transporte.

Esta Diretiva surge na sequência de um plano de ação elaborado e publicado pela Comissão Europeia e

estabelece um quadro comum de sistemas e serviços de transporte inteligente no transporte rodoviário, a fim

de garantir uma implementação coordenada efetiva destes sistemas em toda a União, designadamente

permitindo e garantindo a continuidade geográfica do sistema em toda a União e nas suas fronteiras externas.

A implementação do sistema em toda a União depende das ações a desenvolver pelos Estados-membros

por força da Diretiva, bem como da elaboração pela Comissão de especificações comuns e normas que

definam disposições e procedimentos mais pormenorizados em quatro grandes domínios: na utilização

otimizada dos dados relativos às vias, ao tráfego e às viagens; na gestão do tráfego e do transporte de

mercadorias; na segurança rodoviária; e, por fim, no domínio da interação entre os veículos e as

infraestruturas de transporte.

Com a transposição desta Diretiva ficam definidas ainda as prioridades para a implementação do sistema

em toda a Europa e a definição dos procedimentos para o estabelecimento das especificações e normas para

a implementação de futuros sistemas inteligentes de transporte, garantindo a sua interoperabilidade no espaço

da União, configurando uma oportunidade para as empresas e para o desenvolvimento dos setores da

investigação e inovação.

De qualquer forma, a transposição atempada de Diretivas, traduzida numa elevada percentagem de

diretivas relativas ao mercado interno transpostas agora e não transpostas em tempo útil para o Direito

nacional, cujas consequências, do ponto de vista reputacional, assumiriam não só implicações pecuniárias

muito relevantes para o País mas também uma degradação da sua imagem externa, permitem-nos, neste

caso, relevar factos: número de diretivas por transpor em junho de 2011 — 23; número de diretivas

transpostas — 21; diretivas transpostas que estavam em incumprimento — 6; diretivas transpostas que

entraram em incumprimento — 5; diplomas publicados — 21; processos em pré ou em contencioso não

relacionados com a não transposição de diretivas — 16; processos em pré ou em contencioso resolvidos —

10.

A transposição desta Diretiva é mais um corolário do reconhecimento das nossas obrigações para com o

País e a Europa, que aceitamos com satisfação, firmes no conhecimento de que nada satisfaz mais o espírito

do que entregarmo-nos todos a esta tarefa de regularizar também o passado.

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De facto, os nossos desafios, mas também os valores de que depende o sucesso do País, tais como o

trabalho árduo, a coragem, a tolerância e a lealdade, exigem de nós uma nova era de responsabilidade

também na transposição de diretivas, que assumimos com confiança.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Secretário de Estado das Obras Públicas, Transportes e

Comunicações, o pedido de esclarecimentos, muito concreto, que gostava de lhe fazer prende-se com a sua

não obrigatoriedade, nos termos da própria Diretiva. Isto sem discutirmos, agora, até que ponto as diretivas

são boas ou más.

Esta Diretiva, no próprio articulado, garante aos Estados-membros da União Europeia a faculdade de

decidirem sobre a implantação das aplicações e serviços do território. Assim, o Estado português não é

obrigado a implementar estes sistemas no território nacional, pelo que lhe pergunto o seguinte: o Governo

tenciona implementar e concretizar este sistema que o senhor aqui apresenta em Portugal? Quando? Como?

Em que condições? Estas perguntas são muito concretas e gostava que me esclarecesse.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado das Obras

Públicas, Transportes e Comunicações.

O Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas, Transportes e Comunicações: — Sr. Presidente, Sr.

Deputado Bruno Dias, a intenção do Governo com a transposição desta Diretiva foi estabelecer um quadro

geral para, depois, as aplicações em concreto serem decididas e discutidas.

O sistema de transporte inteligente exige interligação em toda a Europa, um pensamento e um

planeamento comuns para que eles sejam verdadeiramente úteis; caso contrário, se cada um dos Estados-

membros, sobretudo os periféricos, não estiver envolvido nesta discussão ficamos todos a perder. É como as

redes transeuropeias. Portanto, com a transposição desta Diretiva, é intenção do Governo criar um quadro

comum, no qual possa, a partir daqui, participar no desenvolvimento desses sistemas e, atempadamente,

decidir quais os sistemas a implementar, a que velocidade, com que regras, em função dos constrangimentos

orçamentais que tem.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Paulo

Viegas.

O Sr. João Paulo Viegas (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as

e Srs. Deputados:

A proposta de lei que hoje debatemos visa proceder à transposição da Diretiva 2010/40/UE, do Parlamento

Europeu e do Conselho, que estabelece um quadro para a implantação de sistemas de transporte inteligentes

no transporte rodoviário, inclusive nas interfaces com outros modos de transporte.

Podemos considerar que sistemas de transporte inteligente se referem a quase tudo o que permita resolver

problemas de trânsito, e que o primeiro STI (sistema de transporte inteligente) foi o semáforo. A primeira

aparição de um semáforo tem a data de 1920, nos Estados Unidos da América.

Contudo, a designação e consciencialização de STI surgiu umas décadas mais tarde, em meados dos anos

80, quando um grupo de académicos norte-americanos, juntamente com oficiais de transportes e

representantes do sector privado, se encontraram para discutir o futuro dos transportes a nível mundial. O

grande mote para o encontro era discutir formas para aumentar a eficiência e eficácia dos transportes e reduzir

o impacto ambiental.

O que aqui analisamos hoje é o início de um caminho quase inimaginável mas possível no futuro.

Já se imaginou como seria a nossa vida se, quando quiséssemos ir a uma loja da Baixa, o carro nos

dissesse exatamente onde está o lugar de estacionamento mais próximo?

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Já se imaginou, como seria a nossa vida se, quando estamos a caminho do trabalho, soubéssemos

antecipadamente que havia uma fila de trânsito de três horas e que, a cinco minutos do local onde me

encontro, há um estacionamento e um transporte público que me põe no local de trabalho em meia hora?

Sendo ainda mais ousado, já conseguiram imaginar como seria se, ao sairmos de casa, colocássemos no

GPS o local para onde pretendemos ir e o carro nos levasse lá, sem termos que conduzir?

O que aqui discutimos, hoje, ainda não nos vai levar a esta última constatação, mas é o início de um

caminho. Hoje, o que pretendemos, tal como pretendiam os académicos americanos nos anos 80, é alcançar

eficiência e eficácia.

A proposta que se discute visa uma aposta nas tecnologias da informação que incluirá as infraestruturas,

os veículos e os utilizadores. A gestão de forma avançada deste trinómio ajudará todos os utilizadores a

tomarem decisões de acordo com uma consciência de eficiência que não só é amiga do ambiente mas que é

também amiga do combate à conjuntura económica. Estamos aqui a falar de um claro combate ao

desperdício.

Uma outra vantagem, que não podemos esconder, prende-se com o facto de uma rede de informação e de

gestão das infraestruturas de viação permitir a opção pelo transporte público de forma integrada, dado que o

utente passa a ter a exata noção de onde encontra o quê e em quanto tempo.

Estando o mote lançado, há, assim, que prosseguir o caminho que deve ser traçado em conjunto com a

União Europeia. Este é um caminho que não pode esquecer o respeito pela privacidade dos cidadãos.

Após a fusão de vários institutos públicos no IMT, contamos que este organismo tenha todos os meios

humanos e técnicos necessários para concretizar a ideia, já que esta será a entidade responsável pela

coordenação, implementação e continuidade do sistema STI no nosso país.

Assim sendo e com estas ressalvas, o CDS enaltece o trabalho feito no âmbito desta transposição da

diretiva comunitária, mas, acima de tudo, fica na expetativa de que a União Europeia possa trabalhar esta

matéria de forma conjunta e cooperando permanentemente com as entidades responsáveis em cada país.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Rafael

Moreira.

O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as

e Srs.

Deputados, a base desta transposição, que hoje aqui debatemos, tem por fundamento o congestionamento

das nossas vias rodoviárias.

Constatou-se que este problema não se resolve com mais construção, com mais ferrovia, com mais

infraestrutura, a solução passa pela inovação. E, Sr. Deputado do Partido Comunista, neste campo, Portugal

«tem cartas a dar», como, por exemplo, a Via Verde. Este é um exemplo que merece ser transportado para

outros países.

Portanto, a solução não é só à custa de ferrovia, rodovia, aeroportos ou portos. Isso é importante, mas é

também através da inovação tecnológica, fazendo um interface entre os vários meios de transporte, que se

consegue otimizar. A Via Verde é o exemplo que lhe queria deixar, um exemplo do que podemos exportar para

os países da União Europeia, que facilita a circulação em todos os países.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, não podemos ficar embasbacados e

ofuscados perante uma imagem de modernidade para o século XXII. Estamos a falar de legislação portuguesa

e estamos a discutir se vamos ou não aprovar uma lei que vai possibilitar o acompanhamento e a

monitorização, em tempo real, do ponto de vista da mobilidade, desculpem a expressão, de «tudo o que

mexe».

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Ora, a forma como esta proposta de lei está apresentada levanta preocupações e reservas profundas,

nomeadamente até perante um Governo que tem a má consciência de apresentar uma proposta sem

fundamentação e sem qualquer parecer.

Qual é o problema de pensarmos melhor relativamente a um sistema que tem a possibilidade de controlar

as deslocações, em tempo real, não apenas de todos os veículos do sistema rodoviário mas de todos os

sistemas de transportes públicos, em que é possível determinar, em tempo real, a matriz, a origem e o destino

de todas as deslocações de passageiros, de todos os cidadãos, até dos peões? E isto num sistema que, nos

termos da própria lei e da Diretiva — o que só por si levanta também fundadas preocupações —, pode ser

construído, gerido, mantido, explorado por qualquer entidade pública ou privada?

Isto não deixa tranquilo qualquer cidadão que queira enquadrar o futuro neste setor e nos outros com

alguma segurança e com alguma liberdade para as populações.

Aquilo que suscitamos é que as tecnologias que garantam uma boa gestão da mobilidade, dos sistemas de

transportes públicos, da rede viária e acessibilidades podem e devem ser tomadas em consideração. O

problema é que, quer esta Diretiva comunitária, quer a forma como ela é transposta, vem estabelecer um

sistema europeu, um sistema único, interoperável, tecnológico, de conhecimento em tempo real das

deslocações que fazemos. Ora, uma coisa é a lei dizer que o sistema deve garantir o anonimato, outra coisa é

a plataforma tecnológica garantir e permitir um sistema em que o anonimato possa, eventualmente, ser

retirado.

Essas garantias levantam a exigência de que tal salvaguarda seja feita, mas essas garantias não existem

e, por isso, manifestamos aqui a nossa profunda preocupação.

É que perante um sistema desta complexidade, deste poder, inclusive, do ponto de vista tecnológico, há

numa circunstância em que, mesmo do ponto de vista da gestão e da titularidade dos próprios dados, o papel

do Estado fica muito arredado relativamente à própria autoridade que esta matéria exige, ao nível público e ao

nível da condução destes processos.

Por isso, coloquei uma questão ao Sr. Secretário de Estado dos Transportes, Obras Públicas e

Comunicações sobre a implementação concreta desse sistema. Porém, a resposta vaga, genérica,

simplificando em «logo se vê como e quando é que levamos à prática estes sistemas», muito em função dos

ditames de Bruxelas, levanta aqui preocupações fundadas que não podemos deixar de assinalar.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Depois de um debate que já teve aqui

uma história encantatória que começou com semáforo na regulação do trânsito e termina nesta espécie de

utopia tecnológica, em que será possível, no futuro, sabermos em tempo real exatamente onde está cada

veículo, seja um avião, seja um comboio, seja um barco, seja o automóvel de um cidadão privado, penso que

o problema está no encanto que a direita aqui demonstra com este género de utopia.

Refiro isto porque, de facto, mostra toda a capacidade e eficiência na gestão dos transportes e da

mobilidade em centros metropolitanos, e isso pode, certamente, parecer encantatório, mas também demonstra

toda a capacidade de controlo que tem quem fizer a monitorização destes movimentos dos cidadãos e de

instâncias privadas. Creio ser esta a questão principal e, por isso, a interpelação que antecedeu o debate

deste ponto da agenda foi importante.

Quando o Sr. Deputado Bruno Dias perguntou especificamente pelo parecer que foi dado pela Comissão

Nacional de Proteção de Dados, essa é que é a questão determinante. Isto porque, ao questionar, agora, o Sr.

Secretário de Estado sobre o que é que o Governo tenciona fazer com uma Diretiva deste estilo, que permite

incluir em cada veículo privado um chip que permita depois perceber, em tempo real, exatamente onde é que

está o veículo e o seu proprietário, a questão que tem de ser discutida prende-se com o que fazer com este

tipo de informação. Ora, o Sr. Secretário de Estado respondeu: «não sabemos, vamos pensar, ainda não

pensámos bem, será de acordo com aquela que for a estratégia do Governo e a disponibilidade orçamental».

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Portanto, aquilo que o Governo aqui traz com a proposta de um sistema, nesta grande batalha de produção

da transposição das diretivas europeias que o Sr. Secretário de Estado aqui nos enunciou, é «passem-nos um

cheque em branco», para depois os senhores fazerem aquilo que ainda não sabem exatamente o quê.

O Sr. Luís Menezes (PSD): — Nem sabe o que está a dizer!

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Portanto, Sr.as

e Srs. Deputados, creio que este é um debate sobre a liberdade e

sobre os dados que entendemos que é importante aferir, discutir, centralizar, gerir, e por parte de quem, a

nível de um sistema de monitorização de transportes.

Há uma lógica de eficiência, que penso que tem de ser, obviamente, discutida, e várias iniciativas têm

vindo a ser tomadas nesse domínio dos transportes, em Portugal. Mas há outra coisa, que é a mobilidade

privada dos cidadãos, e eu esperaria da direita uma preocupação, pelo menos, sobre o que vai acontecer

exatamente com esse sistema.

Portanto, Sr.as

e Srs. Deputados, ficamos preocupados com esta tentativa de nos pedirem aqui um «cheque

em branco». Uma coisa é trabalhar com a tecnologia para facilitar a mobilidade nas cidades, outra coisa é não

se saber exatamente do que se trata. E nós, Assembleia da República, não estamos, hoje, em condições de

discutir seriamente esta proposta, sem o parecer da Comissão Nacional de Proteção de Dados, e de dar este

«cheque em branco» ao Governo.

Assim, permitam-me deturpar aqui um pouco a famosa frase de Abraham Lincoln, que dizia que quando um

povo entende que pode sacrificar a sua liberdade em nome da eficiência, provavelmente, não merece nem

uma, nem outra.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Paula

Vitorino.

A Sr.ª Ana Paula Vitorino (PS): — Sr. Presidente, Sr.a Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares

e da Igualdade, Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, Caros Colegas:

Está fora de causa que efetivamente é necessário, a nível europeu, encontrar medidas de transporte

inteligentes que permitam ultrapassar toda a problemática do congestionamento, da coordenação intermodal,

do excesso de danos ambientais e da racionalização da utilização dos recursos energéticos. Todas essas

questões requerem medidas para além daquelas que existem hoje em dia. São, de facto, necessários

transportes e soluções inteligentes.

Mas, Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, há uma questão que é

relevante: a principal preocupação que se coloca face ao tipo de medidas que estão subjacentes — e muitas

delas estão testadas em muitas cidades, não só a nível europeu como a nível mundial — prende-se

exatamente com a questão das liberdades e dos direitos fundamentais.

Por isso, enquanto relatora do relatório que esteve subjacente a esta proposta de lei, alertei exatamente

para o facto de não ser possível procedermos a uma discussão na especialidade sem termos primeiro todos

os pareceres. Sr. Secretário de Estado, diria mesmo que o parecer da Comissão Nacional de Proteção de

Dados é fundamental, inclusive para a votação que ocorrerá amanhã. Portanto, apelo a que o mesmo seja

entregue ainda hoje, porque não é coisa de somenos.

Sr. Secretário de Estado, para além deste registo de preocupação, existem outras preocupações: não se

trata de ser mais um conjunto de boas ou más intenções, mas de poder servir unicamente para tapar

hipocrisias, porque na realidade já existem, hoje, soluções inteligentes desta natureza. Existem entidades

públicas e privadas que querem implementá-las, existem entidades que fizeram propostas para terem

financiamento do QREN e, relativamente a esse financiamento, nada foi dito ou então a resposta foi negativa.

Sr. Secretário de Estado, precisamos de estar na posse de soluções inteligentes, mas precisamos de ser

realistas e honestos em termos da nossa relação com a sociedade, portanto aguardamos a resposta de V.

Ex.ª.

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Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para uma segunda intervenção, o Sr. Deputado

Adriano Rafael Moreira.

O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as

e Srs.

Deputados: É consensual a necessidade de inovação. E, relativamente aos Srs. Deputados mais à esquerda,

queria tranquilizá-los, pois ainda estamos em Portugal, ainda estamos na União Europeia e as instituições

funcionam. Portanto, não temam que, de um momento para o outro, alguma das instituições dê, agora, em

facilitar atentados à liberdade dos cidadãos.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Já sabe como é que os alemães vão decidir isto?

O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — Nesse âmbito, estejam tranquilos.

Permitam-me ainda que vos diga o seguinte: como disse a Sr.ª Deputada Ana Paula Vitorino, e muito bem,

há soluções, como eu próprio exemplifiquei, nomeadamente a da Via Verde, que é necessário alargar, porque

é uma barreira à circulação o facto de a Via Verde não ser já um mecanismo a funcionar na União Europeia.

Com certeza., VV. Ex.as

partilham desta minha opinião.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado, faça favor de concluir.

O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — Vou já concluir, Sr. Presidente.

Há ainda outros mecanismos como, por exemplo, o que poderá permitir acompanhar a circulação das

mercadorias em todo o espaço comunitário.

Trata-se de um instrumento de fácil generalização, sendo necessário que avance para o âmbito multimodal

de complementaridade, independentemente dos meios de transporte.

Portanto, estando em sintonia, e havendo aqui um alargar de vontades no que diz respeito à

implementação da inovação, no restante confiamos nas instituições.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Também para uma segunda intervenção, tem a palavra a Sr.ª

Deputada Ana Paula Vitorino.

A Sr.ª Ana Paula Vitorino (PS): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Sr. Deputado Adriano Rafael

Moreira, só com muita imaginação é que se consegue concluir, depois de proferidas todas as intervenções,

que existe um grande consenso em torno da matéria. Não foi essa a minha interpretação.

Devo-lhe dizer-lhe que, da minha parte, até há uns tempos atrás, tinha mais fé nestas matérias. Mas sabe

qual é o problema, Sr. Deputado? É que está muito presente a discussão em torno dos chips nas matrículas. É

que a matrícula eletrónica, que os senhores tanto condenaram e tanto combateram, não é mais do que uma

das soluções previstas nesta diretiva! Como os senhores tanto disseram que isso era uma violação da

privacidade e que isso era «ter o Estado no banco de trás» que fiquei apreensiva! E é por isso que o PS quer

saber qual é o parecer da Comissão Nacional de Proteção de Dados, porque os senhores foram muito

veementes quando disseram que estas são soluções de big brother e que temos que ter muito cuidado com

elas.

Aplausos do PS.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Os chips, que saíram pela porta, regressam pela janela!

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para intervir, o Sr. Secretário de Estado das Obras

Públicas, Transportes e Comunicações.

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O Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas, Transportes e Comunicações: — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Vou procurar descansar a Câmara, e através da mesma os portugueses, dizendo duas

coisas.

Em primeiro lugar, queria dizer que, obviamente, os pareceres estarão disponíveis para a discussão na

especialidade. Aliás, julgo que neste momento já se encontram no Parlamento, pelo que deverão ser

oportunamente distribuídos.

Em segundo lugar, gostaria de dizer que a proposta de lei — que julgo que todos leram — diz

explicitamente que se aplicam as regras de proteção de dados pessoais tal como as regras de acesso e

reutilização de documentos administrativos, que hoje já estão previstos no ordenamento jurídico português.

Isto significa que todas as liberdades e garantias das pessoas estão absolutamente protegidas com esta

proposta de lei, como certamente terão ocasião de ver nos pareceres que já foram remetidos ao Parlamento.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Mas, nesse caso, há ou não anonimato?

O Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas, Transportes e Comunicações: — Mas também não é

de estranhar o conjunto de reações que aqui se verificaram, porque há sempre quem ache que modernidade é

sinónimo de atentado à liberdade, que depois vivemos com mais modernidade e que a modernidade

subsequente é um atentado à liberdade.

Vejamos se nos entendemos: esta diretiva estabelece regras comuns e, Srs. Deputados, a única forma de

influenciarmos a discussão a nível europeu é cumprirmos a nossa obrigação transpondo a diretiva e

participando ativamente no debate,…

O Sr. João Oliveira (PCP): — Diga lá se os alemães vão transpô-la!

O Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas, Transportes e Comunicações: — … para que

tenhamos um sistema verdadeiramente inteligente e integrador na Europa e para que não soframos, por

inércia, por ficarmos fora desta discussão, de um sistema que beneficiará toda a Europa e,

consequentemente, Portugal.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Os alemães vão transpor a diretiva?

O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, a proposta de lei que acabámos de apreciar será

votada amanhã, no período regimental de votações.

Vamos passar ao último ponto da ordem de trabalhos, que consta da apreciação, na generalidade, da

proposta de lei n.º 129/XII (2.ª) — Autoriza o Governo a rever o Regime Jurídico dos Organismos de

Investimento Coletivo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 252/2003, de 17 de outubro.

Tem a palavra, para apresentar a proposta de lei, o Sr. Secretário de Estado das Finanças.

O Sr. Secretário de Estado das Finanças (Manuel Rodrigues): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados:

Através da presente proposta de lei de autorização legislativa pretende-se aprovar a revisão do Regime

Jurídico dos Organismos de Investimento Coletivo, transpondo um conjunto de diretivas que regulam os

aspetos legislativos, regulamentares e administrativos de alguns destes organismos.

O anteprojeto do novo regime, que foi submetido aos Srs. Deputados, assenta em dois vetores essenciais:

por um lado, na dinamização do mercado comunitário dos organismos de investimento coletivo, que em

Portugal representam cerca 12 000 milhões de euros; por outro lado, no reforço significativo dos mecanismos

de proteção de investidores.

A principal medida do novo regime dos organismos de investimento coletivo refere-se ao passaporte

comunitário da sociedade gestora, que possibilita que as sociedades gestoras que estejam autorizadas a

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exercer a sua atividade em Portugal a exerçam noutros Estados-membros mediante o cumprimento de simples

requisitos de notificação.

O novo regime alinha as normas nacionais com as regras da União no que respeita aos procedimentos e

requisitos de autorização para a constituição de organismos de investimento coletivo, aos requisitos de capital

inicial e às necessidades de aumento dos fundos próprios em função do valor líquido global da carteira. Deste

modo, garantem-se as condições para o reconhecimento mútuo da autorização, potenciando a atividade

transfronteiriça.

Estas diretivas vêm, assim, permitir a comercialização transfronteiriça desses organismos de um modo

mais flexível, evoluindo para um regime onde é suficiente a notificação entre os reguladores de cada Estado-

membro. Desta forma, agiliza-se o mercado eliminando-se os prazos administrativos que constituíam,

necessariamente, um obstáculo.

No que se refere aos organismos de investimento coletivo, que seguem as estruturas de tipo principal e de

tipo alimentação, a diretiva vem possibilitar o investimento em organismos localizados no Estado-membro,

proporcionando assim uma outra forma mais flexível de internacionalização.

Adicionalmente, a alteração legislativa que se pretende ver autorizada por esta Câmara transpõe para o

ordenamento jurídico interno um modelo harmonizado de informação fundamental para o investidor,

uniformizando a informação nos diversos mercados e permitindo a tomada de decisões de investimento de

forma mais esclarecida.

Gostaria de concluir, sublinhando que o novo regime constitui um instrumento importante para garantir um

equilibrado e regular funcionamento do mercado e uma apropriada proteção dos investidores. Deste modo,

reforça-se igualmente a prevenção de conflitos de interesses atuando-se nos requisitos de independência dos

órgãos de administração e de fiscalização, na limitação de operações suscetíveis de gerarem conflitos de

interesses e na limitação ao investimento em ativos de partes relacionadas.

O novo regime importa para o nosso ordenamento as boas práticas internacionalmente aceites. A sua

adoção contribui para minimizar o risco dos investimentos realizados e reforça o princípio presente em todo o

regime, que é o da atuação no interesse exclusivo dos participantes.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elsa Cordeiro.

A Sr.ª Elsa Cordeiro (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da

Igualdade, Sr. Secretário de Estado das Finanças, que saúdo pela primeira vez que usa da palavra neste

Plenário, Sr.as

e Srs. Deputados: Através desta iniciativa, pretende o Governo autorização para transpor para a

ordem jurídica interna um novo Regime Jurídico dos Organismos de Investimento Coletivo. Com esta

transposição para a nossa ordem jurídica, garante-se a harmonização do conteúdo das informações

fundamentais destinadas aos investidores.

Impõem-se requisitos mínimos de capitais às entidades que não são instituições de crédito nem empresas

de investimento que atuam como depositários. Consagra-se para os agentes económicos nacionais

oportunidades idênticas àquelas disponibilizadas em praticamente todos os países da União Europeia,

eliminando-se assim assimetrias entre operadores no espaço comunitário e reforçando a competitividade da

economia portuguesa.

Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Em matéria de supervisão, passa-se a conferir exclusivamente à

Comissão de Mercado de Valores Mobiliários as funções de controlo das instituições de investimento coletivo

desde o momento da criação até ao da liquidação, permanecendo conferidas ao Banco de Portugal as funções

de controlo das entidades gestoras no que diz respeito às condições de solvabilidade e liquidez. Evita-se,

assim, a duplicação de competências em matéria de supervisão e aumenta-se a eficiência do controlo dos

fundos.

Outro ponto a realçar é que a crise financeira internacional em 2008 vem alertar para as deficiências

existentes nesta matéria, principalmente no que se refere aos deveres e à responsabilidade dos depositários.

Sim, porque a partir do momento de efetivação da transposição para a nossa ordem jurídica passa a haver

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uma partilha de riscos alargada às entidades de custódia quando, antes, esse risco era única e

exclusivamente suportado pelos investidores.

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Sr.ª Elsa Cordeiro (PSD): — E quem eram os mais afetados? Eram os pequenos investidores.

É este o objetivo desta iniciativa: reforçar a confiança dos investidores e aumentar a transparência e a

informação.

Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Esta é uma iniciativa que, seguramente, ninguém de boa-fé ousará

negar a sua importância, a sua necessidade e a sua oportunidade.

Aplausos do PSD.

O Sr. Honório Novo (PCP): — Se não soubesse o que está por detrás disso, era capaz de acreditar!

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília

Meireles.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Esta proposta de lei que o

Governo hoje nos apresenta vem solicitar a esta Casa autorização para criar um novo regime respeitante aos

organismos de investimento coletivo, ou seja, estamos a falar de organismos e de instituições que obtêm

capitais junto do público, junto de investidores ou junto de várias pessoas, e os utilizam no investimento

coletivo.

Este assunto já foi debatido muitas vezes no ordenamento jurídico português — aliás, os primeiros

instrumentos regulatórios destes organismos de investimento coletivo remontam a 1994 —, tendo havido um

novo regime em 2003, e cada um deles foi alterado inúmeras vezes. Aquilo que estamos agora a fazer é a

aprovar novamente um novo regime, que vem transpor quatro diretivas, cujo prazo, aliás, já está expirado.

Vamos, pois, por assim dizer, repor a normalidade regulatória no que toca ao Estado português.

As alterações que o Governo quer introduzir, e para as quais procura autorização, têm fundamentalmente a

ver, por um lado, com os requisitos de acesso ao exercício da gestão destes organismos e das suas atividades

conexas e, por outro, com o regime sancionatório, no caso de incumprimento do ordenamento jurídico, nesta

matéria imperativo.

Para isso é não só criado um novo regime jurídico para os organismos de investimento coletivo (OIC), mas

é também modificado quer o Código dos Valores Mobiliários quer o Regime Geral das Instituições de Crédito e

Sociedades Financeiras.

O que é que isto significa na prática? Significa uma maior capacidade de internacionalização para estes

organismos — e temos de nos lembrar que estamos num mercado em que os capitais circulam livremente — e

uma melhor conciliação de dois interesses que, nesta matéria, são fundamentais: por um lado, a promoção de

um mercado concorrencial e a dinamização deste mercado e, por outro, maior transparência para aqueles que

são os investidores (neste caso, quase os consumidores) destes fundos, tendo também isto particularmente

em conta aqueles que são os regulamentos que na União Europeia regem esta matéria e que reforçaram,

muito recentemente, desde pelo menos 2010, os deveres de informação aos investidores no que toca ao

investimento nestes organismos.

Por último, e muito importante, são os aspetos mencionados pelo Sr. Secretário de Estado das Finanças no

que toca à harmonização dos requisitos de capital mínimo e de fundos próprios que, ao mesmo tempo que

permitem a internacionalização, permitem também uma maior competitividade destes instrumentos.

Isto significa, assim, que, com a aprovação desta proposta de lei de autorização e posterior aprovação do

decreto-lei autorizado por parte do Governo, Portugal, por um lado, terá mais competitividade neste género de

instrumentos e, por outro, cumprirá as suas obrigações internacionais na transposição de diretivas.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

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O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

O Sr. Honório Novo (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª e Sr. Secretários de Estado: Esta proposta de lei de

autorização legislativa pretende, no fundamental, transpor, como já foi dito, quatro diretivas que determinam

modificações ao regime jurídico dos designados organismos de investimento coletivo em valores mobiliários e

respetivas entidades gestoras, isto é, que implicam alterações no regime jurídico dos fundos de investimento

mobiliários e nas suas sociedades gestoras.

Primeira nota sobre esta proposta de lei: o atraso inaceitável que envolve este conjunto de transposições,

Sr. Secretário de Estado, que se aproxima dos dois anos.

Outras notas, quanto à substância do que se pretende transpor: há um conjunto de sugestões e propostas

de alteração de algumas das entidades que foram consultadas sobre o projeto de decreto-lei que causam a

maior preocupação. A Associação Portuguesa de Bancos e a Associação Portuguesa de Fundos de

Investimento, Pensões e Patrimónios querem aliviar — é o termo apropriado para estas corporações dos

interesses financeiros — o que consideram imposições de normas e de requisitos mínimos, constantes da

proposta do novo regime jurídico que, na sua ótica (delas), são mais exigentes do que os constantes nos

textos das diretivas em transposição.

Vamos, assim, ficar muito atentos àquilo que nos vai dizer sobre a versão final, para verificarmos até que

ponto o Governo se prepara para dizer, ou não, ámen a este conjunto de reclamações das associações de

bancos e dos fundos de investimento mobiliários.

Também estamos particularmente atentos em verificar como é que o Governo vai reagir à exigência da

Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios feita a reboque e à boleia da

consulta pública desta proposta de autorização legislativa para repor um regime fiscal de privilégio completo e

irrestrito para os fundos de investimento mobiliário. Gostaríamos de ouvir a sua opinião, Sr. Secretário de

Estado.

Uma última nota, sob a forma de perguntas, que, naturalmente, em nada interessam à Associação

Portuguesa de Bancos nem à Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios.

Primeira pergunta: estará o Governo na disposição de inviabilizar, de todo, a existência de relações de

grupo entre a qualidade de gestor e a qualidade de depositário ou vai permitir que ela se mantenha? Isto é, vai

o Governo continuar a permitir que a sociedade gestora, o depositário e a entidade comercializadora possam

continuar a pertencer, no fundamental, ao mesmo grupo financeiro ou vão impedir isso?

Segunda pergunta: o Governo vai, ou não, combater e limitar a proliferação dos designados organismos de

investimento alternativos, isto é, vai, ou não, impor limitações às entidades gestoras dos organismos especiais

de investimento e impedir os abusos (o termo «abusos» é o adequado) dos Fundos Especiais de

Investimento?

Perceber o que é que o Governo pensa sobre este conjunto de questões é absolutamente determinante

para a posição final do PCP sobre esta matéria.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Filipe

Soares.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sobre este tema, que parece algo

estratosférico para a maior parte das pessoas, por ser um tema com uma vertente jurídica profunda mas

também do que é mais profundo da atividade do setor financeiro em Portugal e no mundo, queria, por um lado,

tentar enquadrar como é que ele aparece a nível europeu e queria também dar a opinião do Bloco de

Esquerda sobre como é transposto para o conteúdo nacional.

Sobre a parte europeia, percebemos que ainda está nas sequências do «tremor de terra» que foi a crise de

2007/2008, com as decorrências da crise financeira, da perceção que era clara e óbvia de que não havia quem

metesse a mão nos mercados financeiros e na tentativa de dar uma resposta à escala europeia a este

problema.

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Já muito foi dito sobre isso. É conhecida a opinião do Bloco de Esquerda de que muito ficou ainda por

fazer, mesmo a nível europeu, mas nesta transferência da responsabilidade do patamar europeu para o

patamar nacional é claro que ao Governo exigia-se bastante mais.

É certo que quem analisar os pareceres percebe que o Governo não agrada a gregos nem a troianos, mas

se nós percebemos que a resposta desta legislação deveria ser a de, por um lado, tornar mais transparente a

ação dos Fundos de Investimento Mobiliário e de, por outro lado, dar mais garantias às pessoas na sua

relação com esses fundos, vemos que havia um espaço que poderia ter sido feito mas que o Governo não fez.

O parecer da DECO é claro sobre isso. Diz-nos que os Fundos Especiais de Investimento, que são aqueles

que levam a que haja mais reclamações que chegam à DECO, não veem qualquer tipo de liberdade

restringida com esta proposta do Governo. Por isso, poderia ter-se ido mais além.

Por exemplo, quando vemos a velocidade quase vertiginosa de circulação de capitais, que é um dos

problemas que estes fundos de investimento encerram, porque são muito mais rápidos do que a velocidade de

quem deveria supervisionar a sua atividade na resposta, vemos que nada é feito sobre esta matéria. Mas,

verdade seja dita, até a própria opinião do CDS neste debate o diz. É que se o objetivo é a

internacionalização, então se a internacionalização é a desregulação este objetivo é também aquele que fica

em cima da mesa com esta proposta do Governo no que toca a estes produtos específicos.

É certo que não deixa de ter, noutros pontos, alguns avanços — reconhecemo-lo também. Mas é certo que

não vai onde deveria ir e com a força que deveria ter.

Da parte do Bloco de Esquerda, em sede de especialidade, haja abertura da maioria para isso,

apresentaremos propostas que defendam as pessoas de muitos dos produtos financeiros que estão em cima

da mesa. Haja, pois, abertura do Governo e da maioria para termos uma discussão franca, transparente, mas

a força também de não ceder aos fundos de investimento e aos interesses deste setor financeiro, que

teimosamente, e também por mão do Governo, tem imperado sobre os interesses do País e das pessoas.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Galamba.

O Sr. João Galamba (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª e Sr. Secretários de Estado, Sr.as

e Srs. Deputados: A

gestão de patrimónios coletivos realiza-se através de organismos de investimento coletivo, que podem revestir

a forma de fundos de investimento, mobiliário ou imobiliário, ou de sociedades de investimento, mobiliário ou

imobiliário também.

Estes instrumentos visam o aforro coletivo segundo um princípio de divisão de risco: é importante

assegurar que a respetiva gestão é feita no interesse exclusivo dos participantes, à luz da enorme difusão que

este tipo de instrumentos tem tido no universo da população e investidores.

O novo regime dos organismos de investimento coletivo, aqui proposto, vem proceder à transposição de

diretivas comunitárias, o que contribui para a uniformização da legislação nacional e comunitária.

O objetivo desta proposta é, de facto, sistematizar e ordenar requisitos de acesso e de exercício destas

atividades e, face à experiência mais recente e na situação atual, parece-nos uma iniciativa positiva que colhe

o apoio do Partido Socialista.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado das Finanças para uma

segunda intervenção.

O Sr. Secretário de Estado das Finanças: — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Ao concluir este

debate, e tendo presentes as intervenções proferidas, gostaria de reforçar o papel deste diploma em dois

vetores essenciais.

O primeiro é a atração de investimento e a promoção da concorrência, que um regime que é,

necessariamente, mais exigente, que tem, no fundo, um passaporte comunitário, e que permite um processo

de notificação simplificado, tem e produz obviamente um efeito da maior importância.

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O segundo vetor, que foi também aqui discutido, diz respeito à transparência e à prevenção dos conflitos

de interesses. E aí é absolutamente crítico aquilo que é a transposição das diretivas, mas neste diploma

também se foi mais longe no nível de exigência, no nível de transparência relativamente a várias dimensões:

por exemplo, ao nível dos requisitos relacionados com os auditores, à proibição de operações entre partes

relacionadas, suscetíveis de gerarem conflitos de interesses, assim como também na proibição de os OIC

terem ativos emitidos por entidades relacionadas de valor superior ao valor global líquido.

Neste sentido, esta é, realmente, uma plataforma de investimento relevante e a transposição deste pacote

de diretivas para o ordenamento jurídico português é, por isso, um aspeto decisivo na dinamização dos

mercados de fundos de investimento, permitindo às sociedades gestoras um espetro de atuação mais

abrangente na definição das suas estratégias e no desenvolvimento da sua atividade, favorecendo,

necessariamente, o investimento com efeito também no crescimento.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, damos assim por terminado o debate da proposta de

lei n.º 129/XII (2.ª), a qual será objeto de votação amanhã, no período regimental de votações.

A nossa próxima sessão plenária realizar-se-á amanhã, pelas 10 horas, consistindo a ordem de trabalhos

no seguinte: do primeiro ponto consta um debate de urgência, requerido pelo Grupo Parlamentar do PS, sobre

alternativa para a saída da crise; segue-se a apreciação conjunta, na generalidade, dos projetos de lei n.os

358/XII (2.ª) — Estabelece a amnistia pelo incumprimento de pagamento de propinas universitárias por

comprovada carência económica e introduz a isenção total de propinas no ano letivo de 2013/2014 (BE),

361/XII (2.ª) — Financiamento do ensino superior público (PCP) e 362/XII (2.ª) — Estabelece um regime

transitório de isenção do pagamento de propinas e de reforço da ação social direta e indireta aos estudantes

do ensino superior público (PCP). No final dos debates, terá lugar um período de votações regimentais.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 45 minutos.

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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