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I SÉRIE — NÚMERO 115

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(no mar, nas estradas, nos ares), em expansão contínua e inquietante, ou ainda com os crimes de rapto e

sequestro. (…) ou o ressurgimento dos tráficos de seres humanos através da prostituição, do tráfico de órgãos

ou do trabalho ilegal (trabalho infantil, trabalho clandestino)».

O parecer dado pelo Conselho Superior de Magistratura no âmbito deste processo legislativo de

transposição da Diretiva para a ordem interna espelha bem a expansão e internacionalização do crime de

tráfico de seres humanos entre nós, o que, deste ponto de vista, o projeto de lei n.º 427/XII (2.ª) sempre seria

de saudar.

Por outro lado, e acentuando o facto de Portugal ter ultrapassado o prazo limite de transposição para a

ordem interna da presente Diretiva, a iniciativa legislativa dos Grupos Parlamentares do PSD e do CDS-PP

teve o mérito de procurar concretizar orientações de política criminal que reclamam a articulação entre os

Estados-membros da União Europeia.

Já não posso, porém, acompanhar as soluções normativas nela consagradas.

A transposição de uma diretiva europeia para a ordem interna pode cumprir-se em toda a sua extensão, ou,

por outras palavras, cumprir todos os objetivos nela fixados, sem que se comprometam princípios

fundamentais — no caso, de Direito Penal —, em particular quando emanados diretamente da Lei

Fundamental.

O n.º 3 do artigo 2.º da Diretiva, ao referir-se às condutas que no âmbito do tráfico de seres humanos

devem ser puníveis, define um núcleo de ações que devem merecer equivalente valoração jurídico-penal no

espaço europeu. Nesse sentido, estabelece que «A exploração inclui, no mínimo, a exploração da prostituição

de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, incluindo a mendicidade, a

escravatura ou práticas equiparáveis à escravatura, a servidão, a exploração de atividades criminosas, bem

como a remoção de órgãos».

O sentido da Diretiva é, precisamente, o de harmonizar os sistemas jurídico-penais em matéria de tráfico

de seres humanos, pese embora em muitos Estados-membros, de que Portugal é exemplo, já tenham

integrado nos respetivos códigos penais a quase totalidade das condutas ali descritas.

Ora, o projeto de lei n.º 427/XII alarga — como é claramente é assumido na sua exposição de motivos —

«o âmbito da incriminação do tráfico de pessoas para qualquer tipo de exploração. O escopo da intervenção

do artigo 160.º do Código Penal deixa, assim, de estar limitado a formas de exploração específicas, que

passam a ter natureza exemplificativa».

Em conformidade, o n.º 1 do artigo 160.º passa a ter a seguinte redação: «Quem oferecer, entregar,

recrutar, aliciar, aceitar, transportar, alojar ou acolher pessoa para fins de exploração, incluindo a exploração

sexual, a exploração do trabalho, a escravidão ou a extração de órgãos: a) Por meio de violência, rapto ou

ameaça grave; b) Através de ardil ou manobra fraudulenta; c) Com abuso de autoridade resultante de uma

relação de dependência hierárquica, económica, de trabalho ou familiar; d) Aproveitando-se de incapacidade

psíquica ou de situação de especial vulnerabilidade da vítima; ou e) Mediante a obtenção do consentimento da

pessoa que tem o controlo sobre a vítima é punido com pena de prisão de três a dez anos.»

Optou-se, assim, pela criação de um tipo penal aberto, ampliando a punibilidade a qualquer forma de

exploração, sendo a exploração sexual, a exploração do trabalho, a escravidão ou a extração de órgãos

meramente exemplificativas.

Poderia considerar-se que estas formas de exploração específicas dão ao intérprete suficiente conteúdo

concretizador dos bens jurídicos que a norma visa tutelar.

Contudo, se dúvidas houvesse quanto às dificuldades de concretização das condutas subsumíveis ao

conceito de «exploração», o parecer do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), obtido neste

processo legislativo — que aplaude esta alteração legislativa — é nesse sentido esclarecedor.

Com efeito, pode ler-se neste parecer: «Aplaude-se, pela sua assinalável relevância, a extensão a qualquer

tipo de exploração (conceito indeterminado que a doutrina e a jurisprudência deverão concretizar, tendo,

porém, como referência inultrapassável os exemplos padrão). Na redação proposta, as situações de

exploração enunciadas são meramente exemplificativas. Mas, o princípio da tipicidade penal impõe que sejam

enunciadas praticamente todos os exemplos padrão que neste momento seja possível identificar como

podendo integrar-se naquele conceito indeterminado. (…) Compreendendo que a descrição típica pode incluir

qualquer situação de exploração, impõe-se, em consonância como o que se diz na exposição de motivos e

para acautelar inabalavelmente o princípio da tipicidade, incluir no leque das situações típicas de exploração a

mendicidade forçada.

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