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I SÉRIE — NÚMERO 17

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Lamento que o Partido Socialista tenha desertado deste terreno de pressão e de negociação, não usando

devidamente a liberdade e o poder de influência construtiva de um partido da oposição. Se o PS, na

generalidade, se tivesse abstido, em lugar de votar contra o Orçamento do Estado para 2014, e houvesse

sinalizado prioritariamente esta questão, manteria, no debate na especialidade, uma importante arma política

de pressão e de negociação. Poderia indicar que, no final, manteria a abstenção ou passaria para o voto

contra, consoante ocorresse, ou não ocorresse, melhoria relevante do tratamento de aposentados,

pensionistas e reformados na Lei do Orçamento. Assim, deixou-os também entregues à sua sorte.

O mesmo pode dizer-se dos outros partidos da oposição ou de todos os que votaram contra. Mas a

responsabilidade é, a meu ver, maior, no tocante ao Partido Socialista, enquanto partido candidato a governar.

Trégua política por Portugal.

A situação do país é muito crítica e difícil — é já um lugar-comum repeti-lo. O que, infelizmente, não é

lugar-comum é o sentido de responsabilidade coletiva dos principais atores políticos, nomeadamente dos

partidos com assento parlamentar. Nenhum está exonerado do dever de salvar Portugal.

Infelizmente, algumas opções erradas e insuficientemente amadurecidas têm vindo a ampliar o leque de

questões que, pelas injustiças que geram, carecerão de revisão e correção na primeira oportunidade. Existe

crescente consciência disso, incluindo no espaço da atual maioria parlamentar. Vai-se compondo um stock de

matérias a rever e reconsiderar, em devido tempo.

É sabido que não estou de acordo com a falta de debate que tem existido dentro da maioria e dos partidos

que a integram, na preparação e calibragem de medidas sensíveis que, depois, temos de votar. Falo pelo

meu. Creio que isso nos enfraquece, além de ser impróprio da democracia. Não é, por exemplo, difícil

entrever, de algum modo, na proposta de Orçamento do Estado para 2014 o eco e o rasto da famosa “questão

dos 4 mil milhões de euros” que tanto animou a especulação pública desde o último trimestre de 2013,

aquando da sexta revisão da troica. Ora, fez-se muito ruído, mas nenhuma luz. Um ano foi mais do que tempo

para que os partidos e os seus quadros, órgãos e dirigentes pudessem inteirar-se devidamente do problema,

avaliar alternativas de resposta, sopesar vantagens e inconvenientes, calibrar coletivamente as grandes linhas

das propostas. Não houve vontade para isso. Não se trata de defender que os partidos fizessem o que é tarefa

final e responsabilidade preponderante do Governo — mas trata-se de defender participação e de sustentar

um quadro que é conforme à elementar função social dos partidos e ajude até o Governo na composição de

propostas que são de escolha múltipla e nunca são de escolha fácil.

Creio mesmo que a falta de densificação interna de propostas e caminhos, que são sempre de avaliação

crítica, tem contribuído para o insucesso parcial final junto do Tribunal Constitucional. Não é fácil a tarefa de

ninguém no percurso deste caminho estreito. E não há uma só escolha — podendo também dizer-se que não

existe uma escolha que seja absolutamente boa. São muito difíceis e complexas as ponderações a fazer e

muito críticos os equilíbrios a aceitar e estabelecer. Por isso, o acordo do Tribunal Constitucional é dez vezes

mais improvável, quando a construção política decorreu deficientemente e, no espaço da própria maioria, se

ouvem tenores qualificados a exautorar de alto a baixo algumas das opções. Isso é o eco de insuficiente

amadurecimento democrático e participativo das escolhas finais — um defeito grave do funcionamento do

sistema, ou melhor, do seu não funcionamento. Não se construiu, pelo debate informado, aberto e participado,

a convicção de que se construíram as melhores soluções e os melhores equilíbrios. O diálogo político deve

recomendar-se entre partidos, é certo. Mas deve existir também dentro dos partidos e, em geral, no seu

espaço político próprio.

O reconhecimento destas falhas, concorde-se ou não se concorde com a minha opinião, ou a natural

divergência de pontos de vista e de ideias entre partidos pode levar — e leva efetivamente — a discordâncias,

ligeiras ou profundas, com a proposta de Orçamento do Estado para 2014. Mas isso não significa que quem

quer que seja possa pôr-se de capa relativamente ao esforço coletivo que, para bem do país e para mais

precoce alívio de todos, deve ser coletivamente assumido.

Uma coisa é sinalizar a diferença e apontar alternativa ou alternativas. Outra coisa é fazer de conta de que

o problema global não existe.

Vivemos tempos tão exigentes e tão críticos que os portugueses nos pedem a todos uma trégua política no

interesse geral: que os atores políticos saibam confrontar-se, mas sem porem em causa ou em crise os

objetivos gerais incontornáveis e sabendo até, ao contrário, agir de forma a melhorar o crédito externo do país.

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