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I SÉRIE — NÚMERO 59

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O que queremos criminalizar não é a riqueza nem a obtenção de riqueza. O que queremos criminalizar é a

obtenção ilícita, criminosa e ilegítima de riqueza por parte de alguns, roubando recursos de todos. É isso que

queremos criminalizar.

Não temos, nessa matéria, nenhum preconceito. E, se me permitem, usaria uma frase célebre de Mark

Twain, que é a seguinte: «A riqueza é sempre muito difícil de tolerar, sobretudo se for a riqueza dos outros».

Não temos, portanto, esse preconceito em relação à riqueza.

Sabemos que, nesta matéria, encontramos dificuldades, designadamente do ponto de vista constitucional,

e estas dificuldades levaram-nos a ponderar qual o caminho a seguir, ou seja, perante as dificuldades,

inclusivamente a dificuldade constitucional, como é que poderíamos resolver esta matéria.

Já vos disse que não escolhemos apresentar exatamente o mesmo projeto mas com outra linguagem. Não

foi esse o nosso caminho. Se assim não foi, quais eram as alternativas?

A primeira alternativa, a mais óbvia, era não fazer nada, ou seja, deixar tudo como estava, reconhecer a

dificuldade constitucional e não ter mais nenhuma ação sobre esta matéria.

A segunda alternativa — e essa era uma hipótese que chegámos a ponderar — era a de concentrarmos a

nossa proposta numa solução que fosse essencialmente fiscal. É, nalguma medida, o que fazem outras forças

políticas, designadamente o Bloco de Esquerda e também o PCP, quando apresentam projetos que têm

incidência sobretudo na matéria fiscal.

Devo dizer que, desse ponto de vista, existiriam, nas leituras que fizemos, outros caminhos mais simples e

mais diretos. E reconheço até que seguir uma via estritamente fiscal seria talvez a forma mais fácil de abordar

este caminho e esta mesma matéria. Mas também não foi essa a solução que escolhemos, mesmo sabendo

que podia ser uma solução baseada, por exemplo, nas manifestações de fortuna. Mas não fomos por aí.

A terceira hipótese era fingir que estávamos muito interessados, dizer que também tínhamos um projeto,

apresentar uma coisa que não tem nada a ver com nada, que não muda praticamente nada e, com isso, fingir

que estávamos a participar no debate ou que estávamos interessados no enriquecimento ilícito. Essa é, mais

ou menos, a solução do Partido Socialista, mas também não quisemos ir por aí.

Não escolhemos nenhuma destas opções, ou seja, não procurámos um caminho ao lado e insistimos na

criminalização do enriquecimento ilícito procurando, como aqui foi explicado, responder às questões do

Tribunal Constitucional. Como? Em primeiro lugar, tornando clara a definição de um tipo criminal e tornando-o

mais objetivo, procurando partir de um conceito concreto, que é o do acréscimo patrimonial sempre que ele

seja incompatível com as declarações de rendimentos em dois anos subsequentes, escolhendo esses dois

anos em relação à prática do crime e comparando um com o outro, como é evidente, e alargando também a

fruição, porque se não esvaziaríamos, obviamente, a eficácia deste tipo criminal. Aí procurámos objetivar.

Por outro lado, quisemos tornar mais claro o bem jurídico a proteger. Fazemo-lo de forma detalhada. Já

aqui foi explicado, perguntado e respondido, mas diria que deste bem jurídico há dois aspetos que são

fundamentais. Em primeiro lugar, destacamos a proteção dos interesses fundamentais do Estado, que

sabemos quais são, e dentro desses interesses o bem a proteger, em relação à vida em comunidade, a

confiança e a credibilidade do próprio Estado. Por outro lado, a obrigação de transparência dos titulares de

cargos políticos e de altos funcionários, mas também a obrigação de transparência de todos os cidadãos nas

suas declarações. É aí que se centra o bem jurídico e é aí que procurámos clarificar, também, dando resposta

às dúvidas do Tribunal Constitucional. Por isso, partindo de um tipo de crime que não é estritamente fiscal,

centramos a objetivação desse tipo criminal, depois, na avaliação fiscal e na avaliação das declarações.

Por último, pretendemos responder também, de forma objetiva, à questão da presunção de inocência.

Tínhamos procurado no projeto anterior que, protegendo os honestos, pudesse haver uma explicação do

património por parte do próprio. Como isso foi considerado como inversão do ónus da prova, neste momento e

este projeto não implica nenhuma afirmação de inocência do próprio e, portanto, desse ponto de vista não

inverte, na nossa opinião, o ónus da prova.

Salvaguardamos assim, como disse, os comportamentos honestos, legítimos, bem como as fontes de

rendimento legítimas que estão, de resto, previstas no nosso projeto, como sejam, por exemplo, as

liberalidades, designadamente as doações e as sucessões.

Temos a noção da dificuldade que um projeto deste tipo tem sempre no equilíbrio de valores entre

privacidade e património, por um lado, e transparência, por outro, entre liberdade individual e capacidade de