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Quinta-feira, 28 de maio de 2015 I Série — Número 91

XII LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2014-2015)

REUNIÃOPLENÁRIADE27DEMAIODE 2015

Presidente: Ex.ma Sr.ª Maria da Assunção Andrade Esteves

Secretários: Ex.mos

Srs. Pedro Filipe dos Santos Alves Rosa Maria da Silva Bastos de Horta Albernaz

S U M Á R I O

A Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 6

minutos. Deu-se conta da entrada na Mesa dos projetos de lei n.

os

946 a 956 e 958 a 965/XII (4.ª), dos projetos de resolução n.

os 1485 a 1493/XII (4.ª), da proposta de resolução n.º

114/XII (4.ª) e das propostas de lei n.os

334 e 335/XII (4.ª). A Presidente procedeu à leitura de uma mensagem do

Presidente da República sobre a promulgação do Decreto n.º 320/XII — Segunda alteração à Lei n.º 62/98, de 1 de setembro, que regula o disposto no artigo 82.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, sobre a compensação equitativa relativa à cópia privada.

Ao abrigo do artigo 72.º do Regimento, procedeu-se a um debate de atualidade, requerido pelo PS, sobre o tema «Ameaça feita pelo Governo de cortes nas pensões». Após ter aberto o debate o Deputado Vieira da Silva (PS), pronunciaram-se, a diverso título, além daquele orador, a Ministra de Estado e das Finanças (Maria Luís Albuquerque) e os Deputados João Oliveira (PCP), Mariana Aiveca (BE), José Luís Ferreira (Os Verdes), Adão Silva (PSD) e Cecília Meireles (CDS-PP).

Foi discutida, na generalidade, a proposta de lei n.º 331XII (4.ª) — Autoriza o Governo a rever o Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, o Código dos Contratos Públicos, o Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, a Lei de Participação Procedimental e de Ação Popular, o Regime Jurídico da Tutela Administrativa, a Lei de Acesso aos Documentos Administrativos e a Lei de Acesso à Informação sobre Ambiente. Usaram da palavra, a diverso título, além da Ministra da Justiça (Paula Teixeira da Cruz), os Deputados Pedro Delgado Alves (PS), Cecília Honório (BE), António Filipe (PCP), Hugo Velosa (PSD) e Teresa Anjinho (CDS-PP).

Procedeu-se ao debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 325/XII (4.ª) — Procede à 37.ª alteração ao Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, transpondo integralmente as Diretivas 2008/99/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de novembro de 2008, relativa à proteção do ambiente através do direito penal, e 2009/123/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de outubro de 2009, que

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altera a Diretiva 2005/35/CE relativa à poluição por navios e à introdução de sanções em caso de infrações. Intervieram, além da Ministra da Justiça, os Deputados Luís Fazenda (BE), Carlos Peixoto (PSD), Isabel Oneto (PS), Miguel Tiago (PCP), Telmo Correia (CDS-PP) e Heloísa Apolónia (Os Verdes).

A proposta de lei n.º 324/XII (4.ª) — Procede à terceira alteração à Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, que estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas e os projetos de lei n.

os 959/XII (4.ª) — Primeira

alteração à Lei n.º 104/2009, de 14 de setembro – Regime de concessão de indemnização às vítimas de crimes violentos e de violência doméstica (PCP) e 961/XII (4.ª) — Altera a Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, reforçando a proteção das vítimas de violência doméstica (BE) foram discutidos, na generalidade, conjuntamente. Produziram

intervenções, a diverso título, além da Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade (Teresa Morais) e do Secretário de Estado da Administração Interna (João Pinho de Almeida), os Deputados Rita Rato (PCP), Cecília Honório (BE), Teresa Anjinho (CDS-PP), Carla Rodrigues (PSD), Elza Pais (PS) e Francisca Almeida (PSD).

Foi ainda apreciada, na generalidade, a proposta de lei n.º 327/XII (4.ª) — Define as regras do financiamento das associações humanitárias de bombeiros no continente, enquanto entidades detentoras de corpos de bombeiros, sobre a qual se pronunciaram a Ministra da Administração Interna (Anabela Rodrigues), o Secretário de Estado da Administração Interna (João Pinho de Almeida) e os Deputados Andreia Neto (PSD), António Filipe (PCP), Telmo Correia (CDS-PP), Isabel Oneto (PS) e Cecília Honório (BE).

O Presidente (Miranda Calha) encerrou a sessão eram 19 horas e 1 minuto.

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A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, Srs. Ministros, Srs. Secretários de Estado, Srs. Jornalistas, está

aberta a sessão.

Eram 15 horas e 6 minutos.

Srs. Agentes da autoridade, podem abrir as galerias.

Vou dar a palavra ao Sr. Secretário, Deputado Pedro Alves, para fazer o favor de anunciar o expediente.

O Sr. Secretário (Pedro Alves): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa e foram

aceites pela Sr.ª Presidente os projetos de lei n.os

: 946/XII (4.ª) — Criação da freguesia de Palhais, no

concelho do Barreiro, distrito de Setúbal (PCP), 947/XII (4.ª) — Criação da freguesia do Barreiro, no concelho

do Barreiro, distrito de Setúbal (PCP), 948/XII (4.ª) — Criação da freguesia da Verderena, no concelho do

Barreiro, distrito de Setúbal (PCP), 949/XII (4.ª) — Criação da freguesia de Ourondo, no concelho da Covilhã,

distrito de Castelo Branco (PCP), 950/XII (4.ª) — Criação da freguesia de Casegas, no concelho da Covilhã,

distrito de Castelo Branco (PCP), 951/XII (4.ª) — Criação da freguesia de Tramaga, no concelho de Ponte de

Sor, distrito de Portalegre (PCP), 952/XII (4.ª) — Criação da freguesia de Vale de Açor, no concelho de Ponte

de Sor, distrito de Portalegre (PCP), 953/XII (4.ª) — Criação da freguesia de Ponte de Sor, no concelho de

Ponte de Sor, distrito de Portalegre (PCP), 954/XII (4.ª) — Criação da freguesia de Chouto, no concelho da

Chamusca, distrito de Santarém (PCP), 955/XII (4.ª) — Criação da freguesia de Parreira, no concelho da

Chamusca, distrito de Santarém (PCP), 956/XII (4.ª) — Criação da freguesia da Foz do Douro, no concelho do

Porto, distrito do Porto (PCP), 958/XII (4.ª) — Criação da freguesia de Massarelos, no concelho do Porto,

distrito do Porto (PCP), 959/XII (4.ª) — Primeira alteração à Lei n.º 104/2009, de 14 de setembro – Regime de

concessão de indemnização às vítimas de crimes violentos e de violência doméstica (PCP), 960/XII (4.ª) —

Altera o Código dos Valores Mobiliários, garantindo uma maior proteção aos pequenos investidores (BE), que

baixa à 5.ª Comissão, 961/XII (4.ª) — Altera a Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, reforçando a proteção das

vítimas de violência doméstica (BE), que baixa à 1.ª Comissão, 962/XII (4.ª) — Reforça as obrigações de

supervisão pelo Banco de Portugal e a transparência na realização de auditorias a instituições de crédito e

sociedades financeiras (trigésima sexta alteração ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades

Financeiras) (PCP), que baixa à 5.ª Comissão, 963/XII (4.ª) — Altera o Regime Geral das Instituições de

Crédito e Sociedades Financeiras e o enquadramento legal do Conselho Nacional de Supervisores

Financeiros, prevendo medidas específicas com vista ao reforço da estabilidade do sistema financeiro

português (PS), que baixa à 5.ª Comissão, 964/XII (4.ª) — Regula o acesso e o exercício da atividade dos

peritos avaliadores de imóveis que prestem serviços a entidades do sistema financeiro nacional (PSD e CDS-

PP), que baixa à 5.ª Comissão e 965/XII (4.ª) — Altera as leis eleitorais, permitindo o voto antecipado a

doentes que estejam impossibilitados de se deslocar ou de se deslocar pelos seus próprios meios às mesas

de voto (BE), que baixa à 1.ª Comissão.

Deram igualmente entrada na Mesa os projetos de resolução n.os

: 1485/XII (4.ª) — Propõe o

prolongamento do regime transitório para a conclusão da obtenção do grau de Doutor e contratação efetiva

com vínculo público dos docentes do ensino superior público (PCP), que baixa à 8.ª Comissão, 1486/XII (4.ª)

— Recomenda ao Governo a intervenção urgente na recuperação e valorização da mata do Buçaco e seu

património arquitetónico, tendo em vista o seu reconhecimento como património mundial da humanidade (PS),

que baixa à 8.ª Comissão, 1487/XII (4.ª) — Determina a recomposição e imobilização dos ativos detidos pelo

Grupo Espírito Santo, o Banco Espírito Santo e os membros do Conselho Superior do GES (PCP), 1488/XII

(4.ª) — Determina o controlo público das instituições de crédito e sociedades financeiras com relevo para a

política económica e o sistema financeiro português, considerando a segregação de componentes financeiras

e não financeiras em grupos mistos (PCP), 1489/XII (4.ª) — Recomenda ao Governo a adoção de um conjunto

de diligências com vista ao reforço da estabilidade do sistema financeiro português (PS), 1490/XII (4.ª) —

Recomenda ao Governo a implementação de medidas restritivas na comercialização de produtos financeiros

de risco por parte das instituições de crédito e sociedades financeiras (PSD e CDS-PP), 1491/XII (4.ª) —

Recomenda ao Governo a assunção de esforços na esfera supranacional para tornar o sistema financeiro

mais transparente (PSD e CDS-PP), 1492/XII (4.ª) — Recomenda ao Governo a implementação de medidas

que promovam e garantam uma eficiente colaboração e articulação entre as várias entidades de supervisão

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financeira — Banco de Portugal, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e Autoridade de Supervisão de

Seguros e Fundos de Pensões (ASF) (PSD e CDS-PP) e 1493/XII (4.ª) — Recomenda ao Governo a

implementação de medidas urgentes que conduzam ao aumento da literacia financeira no curto prazo (PSD e

CDS-PP).

Deram ainda entrada na Mesa a proposta de resolução n.º 114/XII (4.ª) — Aprova o Acordo relativo à

Transferência e Mutualização das Contribuições para o Fundo Único de Resolução, assinado em Bruxelas, em

21 de maio de 2014, que baixa à 2.ª Comissão, em conexão com a 5.ª Comissão, e as propostas de lei n.os

334/XII (4.ª) — Aprova o Regime Jurídico da Supervisão de Auditoria, transpondo a Diretiva 2014/56/UE, do

Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, que altera a Diretiva 2006/43/CE, relativa à

revisão legal das contas anuais e consolidadas, e assegura a execução, na ordem jurídica interna, do

Regulamento (UE) n.º 537/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativo aos

requisitos específicos para a revisão legal de contas das entidades de interesse público, que baixa à 5.ª

Comissão, e 335/XII (4.ª) — Transpõe a Diretiva 2013/11/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de

maio de 2013, sobre a resolução alternativa de litígios de consumo, estabelece o enquadramento jurídico dos

mecanismos de resolução extrajudicial de litígios de consumo, que baixa à 1.ª Comissão, em conexão com a

6.ª Comissão.

É tudo, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, o Sr. Presidente da República enviou à Assembleia da República

uma mensagem a propósito da segunda alteração à Lei n.º 62/98, de 1 de setembro, que regula o disposto no

artigo 82.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, sobre a compensação equitativa relativa à

cópia privada.

A mensagem é a seguinte:

«Tendo promulgado, para ser publicado como lei, o Decreto n.º 320/XII da Assembleia da República, o qual

aprova a ‘Segunda alteração à Lei n.º 62/98, de 1 de setembro, que regula o disposto no artigo 82.º do Código

do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, sobre a compensação equitativa relativa à cópia privada’ entendi

dirigir a essa Assembleia, no uso da faculdade prevista na alínea d) do artigo 133.º da Constituição, a seguinte

mensagem:

1 — Promulguei o presente Decreto após ter sido confirmado por maioria absoluta dos Deputados em

efetividade de funções, conforme o disposto no artigo 136.º, n.º 2, da Constituição.

2 — Sem prejuízo dos fundamentos constantes da mensagem que acompanhava a devolução, sem

promulgação, do Decreto n.º 320/XII, existem elementos que deveriam ter justificado uma reponderação das

soluções constantes do regime aprovado.

3 — Com efeito, o Tribunal de Justiça da União Europeia, no recente acórdão de 5 de março (C-463/12,

Copydan Båndkopi) não só recusou que a adoção da compensação equitativa por cópia privada resulte de

uma imposição da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, como

afirmou a necessidade de conformar a legislação nacional ao disposto naquela diretiva, limitando os excessos

da lei da cópia privada em matéria de compensação equitativa.

Afirmou o Tribunal de Justiça da União Europeia no acórdão citado que, embora a Diretiva em causa não

impeça a aprovação de uma lei da cópia privada que imponha a obrigação de compensação equitativa pela

aquisição de dispositivos, tal compensação está sujeita a apertados limites.

Em qualquer caso, resulta inequívoco do acórdão que os Estados possuem ampla liberdade para

aprovarem ou não legislação nesta matéria.

4 — Por outro lado, a Comissão enviou — em 6 de maio de 2015 — uma comunicação ao Parlamento

Europeu, Conselho, Comité Económico e Social e Comité das Regiões, na qual defende uma estratégia única

para o mercado digital europeu.

Neste documento, a Comissão compromete-se a apresentar, ainda durante o ano de 2015, iniciativas

legislativas para alcançar esse objetivo, designadamente no domínio da portabilidade digital, estabelecimento

de regras claras para o comércio transfronteiriço de dados e medidas de proteção da propriedade intelectual e

compensação dos autores.

Nestes termos, considero que, na regulação da matéria relativa à cópia privada aprovada pela Assembleia

da República, não foi feita uma adequada e equilibrada ponderação de todos os interesses em presença,

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atendendo, nomeadamente, à necessidade de assegurar uma efetiva e real proteção dos direitos dos autores

e criadores que não implique custos injustificados para os consumidores nem afete o desenvolvimento da

economia digital, setor de importância estratégica para Portugal num contexto de grande competitividade à

escala global.

Palácio de Belém, 25 de maio de 2015

O Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva».

Srs. Deputados, vamos passar ao segundo ponto da nossa ordem de trabalhos, que consta de um debate

de atualidade, requerido pelo PS, ao abrigo do artigo 72.º do Regimento da Assembleia da República, sobre o

tema «Ameaça feita pelo Governo de cortes nas pensões».

Uma vez que o debate é da iniciativa do PS, cabe a este partido a primeira intervenção, pelo que dou a

palavra ao Sr. Deputado Vieira da Silva.

O Sr. Vieira da Silva (PS): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as

e Srs. Deputados: A maioria

PSD/CDS aprovou, em 24 de abril, uma resolução parlamentar de apoio ao Programa de Estabilidade

apresentado pelo Governo em 17 de abril.

Esse Programa descreve o enquadramento macroeconómico e orçamental de médio prazo para Portugal,

sendo, conforme afirmou o próprio Governo, decisivo «para a adequada articulação das políticas económicas

e orçamentais».

Tem como objetivo a definição de uma estratégia orçamental para o período 2015 a 2019, que, de acordo

com o Governo, «respeitando o enquadramento europeu aplicável e o princípio de sustentabilidade das

finanças públicas», permite «o desagravamento gradual dos sacrifícios exigidos aos portugueses».

Aliás, sacrifícios «exigidos» aos portugueses que se transformaram em sacrifícios «solicitados» aos

portugueses, na versão do Programa de Estabilidade remetido para Bruxelas.

Pois bem, está claramente expresso neste documento que o quadro orçamental previsto para o quadriénio

pressupõe a concretização de um conjunto de medidas nos sistemas de pensões que produzam um impacto

permanente de 600 milhões de euros.

É, pois, indiscutível que a maioria e o Governo tomaram uma decisão sobre o sistema de pensões,

quantificaram essa decisão e integraram essa decisão na comunicação à Comissão Europeia.

Não há, pois, artifício de dialética parlamentar ou estratégia mediática que possa esconder este facto — o

montante e o objetivo.

Foi dito, é certo, que a concretização desta decisão não estava estabilizada, mas o essencial, o objetivo e o

valor ninguém os pode negar.

Aplausos do PS.

E, para que não restassem dúvidas, terá sido simulada, de acordo com o Governo, a proposta já rejeitada

pelo Tribunal Constitucional — corte de 372 milhões de euros nas pensões em pagamento e aumento de taxas

e impostos para o restante.

Sr.a Presidente, Sr.

as e Srs. Deputados: Desconhecemos se o Governo estimou o efeito desta medida na

economia, desconhecemos até qual será o seu efeito líquido em matéria orçamental. Mas algo sabemos da

experiência recente: o corte das pensões em pagamento foi das medidas mais recessivas que a economia

portuguesa viveu ao longo dos anos deste Governo.

Aplausos do PS.

E sabemos algo mais. Sabemos que o rendimento dos pensionistas não foi apenas afetado pelos cortes

das pensões. O enorme aumento de impostos, levado a cabo pela maioria PSD/CDS, teve nos pensionistas

um alvo privilegiado.

Apenas um exemplo: uma pensão de 1000 € de um pensionista isolado viu crescer o seu IRS, entre 2011 e

2015, 2,7 vezes. O efeito fiscal, só o efeito fiscal, cortou na pensão nominal desse cidadão cerca de 8 %,

nestes anos.

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É tempo de perceber que os rendimentos de pensões são hoje, mais do que nunca, não apenas

rendimentos de pensionistas mas, sim, uma base fundamental para as famílias, muitas vezes para três

gerações de cidadãos.

Aplausos do PS.

A insistência da maioria nesta receita mostra a sua fidelidade ao modelo de ajustamento de Vítor Gaspar,

mostra que o pós-troica não mudou a crença de uma austeridade a todo o custo e com alvos escolhidos.

Ninguém nega que assistimos, desde a grande recessão de 2008/2009, a uma degradação significativa dos

sistemas de pensões. Mas há que saber identificar as causas e os agentes dessa degradação.

A recessão económica e as erradas políticas de ajustamento, inspiradas no logro da austeridade

expansionista, produziram uma brutal destruição de emprego, sem paralelo em tempo de paz (600 000 postos

de trabalho); uma queda prolongada dos salários; e uma fragilização das relações laborais. E tudo isto retirou

milhares de milhões de euros ao sistema de segurança social.

Aplausos do PS.

Não foi o crescimento das prestações sociais que degradou o equilíbrio do sistema, foi antes a instabilidade

e o recuo da sua base económica de sustentação: o emprego e os salários.

O que está verdadeiramente em causa na posição da maioria é a utilização dos sistemas de pensões ao

serviço de uma estratégia orçamental que desvaloriza a necessidade de uma mais rápida recuperação da

economia e do emprego.

É por isso que a estimativa de emprego para 2019 se situa 120 000 postos de trabalho abaixo da previsão

que este Governo tinha feito para 2015.

Aplausos do PS.

Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as

e Srs. Deputados: A maioria insiste na tentativa de

associar o Partido Socialista a uma estratégia de redução das prestações sociais, que já se provou ser

orçamentalmente ineficaz e economicamente desastrosa.

Aplausos do PS.

Não somos parceiros para essa estratégia. Não é socialmente aceitável, nem economicamente justificável

que se renove a ameaça de cortar mais as pensões atribuídas.

Não somos parte de uma política que já esta a provocar mais instabilidade, mais incerteza nas famílias e

mais incerteza na economia.

O tempo é o de mobilizar o País para uma recuperação económica que, sustentadamente, garanta mais

emprego e mais rendimento. Tal é possível sem comprometer a nossa participação ativa na União Económica

e Monetária.

É para essa política, sim, que Portugal precisa de compromissos: no plano da concertação social e no

plano político.

É desta forma que o PS se apresenta perante os portugueses, nas próximas eleições legislativas,

consciente das dificuldades, em particular as da proteção social, e sabendo que não há soluções miraculosas,

mas sabendo igualmente que as soluções desta maioria e deste Governo já mostraram que não servem o

futuro do País.

Por essa razão, o País quer mudar de políticas, quer mudar de Governo.

E não há política de medo que possa impedir o País de mudar.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças.

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A Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças (Maria Luís Albuquerque): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs.

Deputados, Srs. Deputados do Partido Socialista, o Governo, através da minha pessoa ou de qualquer outro

dos membros do Governo, não disse que tem de haver cortes nas pensões.

Risos do PS.

Nós temos um problema de sustentabilidade da segurança social, que, aliás, já está reconhecido pelo

próprio Partido Socialista. É já um avanço que o Partido Socialista reconheça que há um problema de

sustentabilidade da segurança social, porque, até há bem pouco tempo, nem isso era reconhecido.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Na verdade, aquilo que sabemos hoje é que há um conjunto de soluções que não são passíveis de ser

implementadas, porque o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre propostas de solução que o Governo

apresentou. Mas não foi por isso que o problema desapareceu. O problema continua a existir. E é a esse

reconhecimento que está no Programa de Estabilidade, ou seja, que existe um problema de sustentabilidade

da segurança social, que importa dar resposta.

E, precisamente porque a segurança social é algo que legitimamente nos preocupa a todos, essa resposta

é não só importante como urgente.

Aquilo que o PS faz, curiosamente reconhecendo que há um problema de sustentabilidade na segurança

social, é apresentar um conjunto de propostas que o agravam de uma forma que, seja qual for a fonte dos

cálculos, é sempre muito superior a 11 000 milhões de euros, a que vêm juntar ainda uma proposta de

descapitalizar os fundos da segurança social em mais 1400 milhões de euros para afetar à reabilitação

urbana.

Protestos do PS.

Isso, Srs. Deputados, o que faz é agravar o problema da segurança social e não resolvê-lo.

Aquilo que o Governo quer fazer é encarar esse problema de frente e obter o amplo consenso que o

problema merece. É que estamos a falar de um problema para as gerações atuais e para as gerações futuras,

e isso implica uma atitude de responsabilidade, de consenso alargado, que envolva naturalmente os parceiros

sociais, para encontrarmos a solução para este problema.

E não é com uma estratégia de querer dizer que o Governo tem um desenho fechado, que não tem — o

que foi dito, repetido e reiterado e está escrito com todas as letras no Programa de Estabilidade —, que o

problema se resolve.

Só podemos lamentar que o Partido Socialista gaste o tempo a acusar o Governo de coisas que

manifestamente não são verdadeiras, em vez de responder aos nossos apelos e de se sentar ao nosso lado

para encontrar a solução que resolva o problema dos portugueses em tempo útil.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O que o Partido Socialista pretende é manter esta incerteza até depois das eleições, uma estratégia a que,

aliás, já estamos habituados e que é esta: prometemos umas coisas e depois das eleições logo se vê.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Risos do PS.

O Sr. João Galamba (PS): — É preciso ter lata!

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A Sr.ª Presidente: — Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos à Sr.ª Ministra, os Srs. Deputados João

Oliveira, do PCP, Mariana Aiveca, do Bloco de Esquerda, e José Luís Ferreira, de Os Verdes.

A Sr.ª Ministra informou a Mesa que responderá, em conjunto, aos pedidos de esclarecimento.

Tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra das Finanças, julgo que, por muitas tentativas

que a Sr.ª Ministra faça, não há nenhum português que não duvide daquela que é verdadeiramente a intenção

do Governo em relação às pensões.

Não chegavam já quatro anos de cortes nas pensões, Sr.ª Ministra, como também estamos ainda todos

lembrados daquilo que significava o projeto de convergência das pensões, apresentado por este Governo,

para cortar pensões com a intenção de perpetuar os cortes.

E também estamos todos lembrados daquilo que o Governo escreveu na página 39 do Programa de

Estabilidade, relativamente ao corte dos 600 milhões de euros. E não venha dizer, Sr.ª Ministra, que a

preocupação era com as receitas, porque o que aí se diz não deixa clara essa intenção. Deixa, sim, em aberto

a possibilidade de se cortar nas pensões. Mais, ao longo de todo o Programa de Estabilidade, essa perspetiva

de redução do montante com as pensões continua colocada.

Portanto, Sr.ª Ministra, relativamente às intenções do Governo, por muito que os senhores agora tentem

desfazer a ideia que já criaram, está claro qual é a intenção do Governo.

Quero ainda dizer-lhe o seguinte: compreendemos bem que tentem encontrar no Partido Socialista um

aliado para esse fim. A aplicação do fator de sustentabilidade para aumentar a idade da reforma e a aplicação

da condição de recursos para cortar prestações sociais foi o desenvolvimento que este Governo do PSD e do

CDS deu a medidas aprovadas pelo anterior, em vez de as contrariarem e de as reverterem. Portanto,

percebemos que os senhores queiram fazer essa aliança.

Mas, Sr.ª Ministra das Finanças, quero dizer-lhe uma coisa com muita clareza: com o PCP, os senhores

não contam, nem para cortar pensões,…

Protestos do PSD.

… nem para condicionar a discussão sobre a sustentabilidade da segurança social aos cortes.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Percebemos que o Governo queira fazer a discussão da sustentabilidade da

segurança social debaixo da ameaça de cortes nas pensões e de cortes nas prestações sociais.

Compreendemos que o Governo queira fazer a discussão desta forma.

Mas nós recusamos fazer a discussão nestes termos. Nós queremos discutir a segurança social em função

de objetivos de política de proteção social, de objetivos de combate à pobreza, de apoio aos desempregados,

de apoio àqueles que precisam de proteção social em situação de doença, de valorização das condições de

vida dos pensionistas.

Por isso, Sr.ª Ministra, a questão muito concreta que queria colocar-lhe é a seguinte: que medidas de

aumento da receita da segurança social é que os senhores consideraram antes de fazerem contas aos cortes?

Que medidas, por exemplo, de recuperação da dívida à segurança social, que os senhores permitiram que

aumentasse em quase 4000 milhões de euros, é que os senhores consideraram antes de considerarem os

cortes?

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Boa pergunta!

O Sr. João Oliveira (PCP): — A Sr.ª Ministra das Finanças, por acaso, fez contas ao que significava uma

política económica de combate ao desemprego no aumento das receitas da segurança social?

A Sr.ª Ministra já se deu conta de que, se os senhores aplicassem políticas económicas de criação de

emprego e se a taxa de desemprego se reduzisse para metade, o impacto disso na segurança social era de

mais de 1500 milhões de euros de aumento da receita?

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Para concluir, Sr.ª Ministra, queria deixar-lhe este desafio: o Grupo Parlamentar do PCP entrega, hoje, na

Assembleia da República um projeto de lei com vista à ampliação das fontes de financiamento da segurança

social com base na contribuição das empresas a partir do valor acrescentado líquido. Esse é um contributo

concreto que o PCP dá para que aumentem as receitas da segurança social, garantindo princípios de

solidariedade, para garantir o caráter público, universal e solidário da segurança social, assegurando as

receitas necessárias a uma verdadeira política social de combate aos problemas e de desenvolvimento do

País.

Queria perguntar à Sr.ª Ministra das Finanças que resposta é que tem a dar a essa proposta em concreto.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente: — Tem agora a palavra, para pedir esclarecimentos, pelo Bloco de Esquerda, a Sr.ª

Deputada Mariana Aiveca.

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças, veio dizer-nos que

o Governo não disse que vai haver corte nas pensões. Mas o Governo já disse há vários meses — e o Bloco

de Esquerda já o questionou bastas vezes nesse sentido — onde é que vai cortar os 600 milhões de euros.

Sr.ª Ministra, nós já não acreditamos na palavra do Governo, porque, em 2011, disseram que não iam

cortar nem em salários nem em pensões. Chegados ao Governo, cortaram salários e pensões e agora vêm

dizer-nos «cortamos 600 milhões» — esse é um dado adquirido desde o Orçamento do Estado. Disseram que

não iam cortar nas pensões e que não tinham um desenho fechado.

Impõe-se, de uma vez por todas, Sr.ª Ministra, que diga ao Parlamento e ao País onde é que vai cortar os

600 milhões.

Depois, a Sr.ª Ministra diz-nos que há um problema de sustentabilidade da segurança social e que, para

isso, este Governo já tomou várias medidas, a primeira das quais foi exatamente cortar nas pensões — e não

cortou mais porque o Tribunal Constitucional não deixou! A segunda foi a de aumentar o fator de

sustentabilidade, ou seja, a idade de acesso à pensão, sendo preciso trabalhar mais para ter a mesma

pensão.

Sr.ª Ministra, o problema é real e exige uma discussão séria, mas sem resolver os quatro problemas

principais que influem diretamente na sustentabilidade da segurança social — desemprego, precariedade,

emigração e cortes nos salários (estes foram os quatro fatores fundamentais do programa de austeridade que

contribuiu para o estado atual da segurança social) — a segurança social afunda-se.

Paralelamente à resolução destes problemas, é, de facto, necessário encontrar novas formas de

financiamento da segurança social, desde logo proceder à taxação das grandes fortunas e, seguidamente,

arranjar formas de taxar as empresas pelo seu valor acrescentado. Estas, sim, são propostas que teremos de

discutir no futuro, com toda a seriedade.

Sr.ª Ministra, não vale a pena continuar a dizer que não vai cortar quando já disse que se trata de um corte

de 600 milhões. Anda nesta senda do «diz-que-disse»… Aliás, nesta semana assistimos a episódios

lamentáveis da Sr.ª Ministra a dizer uma coisa e a ser corrigida a seguir.

Reafirmo a pergunta que lhe fiz inicialmente: afinal, onde é que é o corte?

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra do Estado e das Finanças, todos

sabemos, o Governo sabe, a Sr.ª Ministra também sabe que a sustentabilidade da segurança social não

depende dos cortes nas reformas, mas, sim, da necessidade de diversificar as fontes de financiamento da

segurança social, da criação de emprego, da valorização dos salários e do combate à precariedade.

Mas já percebemos que o Governo não está disponível para assumir estas medidas. É mais fácil voltar a

cortar nas reformas e, convenhamos, também está mais em sintonia com a orientação deste Governo, que

não tem um mínimo de sensibilidade social nem um pingo de vergonha.

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Portanto, a sustentabilidade da segurança social é apenas o argumento, é apenas o pretexto, porque o

objetivo é voltar a cortar o já magro rendimento das pessoas reformadas, que andaram uma vida a descontar

no pressuposto de que o Estado cumprisse a sua palavra. E desta vez são mais 600 milhões de euros.

O Governo pretende, assim, voltar a alterar as regras a meio do jogo, a dar o dito pelo não dito e a faltar à

palavra.

Mais uma vez constatamos que, para este Governo, os compromissos que o Estado assumiu para com os

reformados não são para cumprir, não valem nada. Os últimos compromissos para respeitar são os

compromissos que o Governo assumiu com a troica e com os senhores do dinheiro. Esses, sim, são para

respeitar.

O Governo que andou três anos a fazer crer aos portugueses que quando terminasse o período de

assistência financeira reporia os valores dos cortes nas reformas é o mesmo Governo que, afinal, não só

transforma os cortes, que eram provisórios, em definitivos. Portanto, não repõe os valores dos cortes, como

pretende cortar ainda mais nas reformas.

De facto, este Governo não conhece limites. Não tem qualquer respeito pelas pessoas, não tem qualquer

respeito pelos reformados e continua a ignorar as decisões do Tribunal Constitucional, que, como a Sr.ª

Ministra bem sabe, já considerou os cortes nas reformas como desconformes com o nosso texto

constitucional.

É uma vergonha, Sr.ª Ministra! É uma vergonha para os portugueses, para os reformados e até para o

Estado de direito, com quem este Governo — já se percebeu — convive muito mal.

Mas há uma dúvida: como é que pode a Sr.ª Ministra das Finanças vir dizer na segunda-feira o contrário do

que disse no domingo, isto é, que, afinal, o Governo não tem nenhuma proposta desenhada?! Como pode o

Sr. Ministro da Solidariedade, Emprego e Segurança Social vir dizer que o Governo não tem nenhuma

proposta em debate sobre esta matéria quando todos sabemos que o Governo, no Documento de Estabilidade

Orçamental, que enviou para Bruxelas, fez constar uma poupança de 600 milhões de euros no sistema de

pensões? É mais uma prova de que o Governo continua a recorrer à mentira. Não tarda até fazem inveja ao

Pinóquio…!

Mas também é a prova do mais completo desnorte deste Governo a Sr.ª Ministra das Finanças dizer uma

coisa num dia e no dia a seguir ser desautorizada pelo Ministro da Solidariedade, Emprego e Segurança

Social, que disse exatamente o contrário.

Sr.ª Ministra, já confirmou aqui que, nos documentos que foram entregues pelo Governo à União Europeia,

o Governo fez prever uma poupança de 600 milhões de euros no sistema de pensões. É importante que a Sr.ª

Ministra o tenha confirmado, porque permite-nos perceber o alcance das suas palavras quando diz que o

Governo não tem nenhuma proposta desenhada sobre o corte das pensões de 600 milhões de euros.

Portanto, pergunto: a Sr.ª Ministra confirma que, afinal, não temos desenho mas que vamos ter cortes nas

reformas? É isso, Sr.ª Ministra?

A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem, a palavra a Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças.

A Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças: — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, vou começar por fazer

referência a uma coisa que disse o Sr. Deputado José Luís Ferreira e que não posso deixar de sentir como

uma falta de respeito para com este Governo. Disse o Sr. Deputado que a sustentabilidade da segurança

social é um pretexto para cortar reformas.

Sr. Deputado, o problema da sustentabilidade da segurança social é claro: o Governo não tem vontade de

cortar reformas ou rendimentos. O Governo tomou medidas difíceis quando elas foram indispensáveis para

assegurar o presente e o futuro de todos os portugueses.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Protestos do Deputado de Os Verdes José Luís Ferreira.

E é uma falta de respeito o Sr. Deputado sugerir outra coisa!

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Quanto às perguntas concretas que os Srs. Deputados colocaram, começo por responder ao Sr. Deputado

João Oliveira.

Mais uma vez, aquilo que está no Programa de Estabilidade é o compromisso de um impacto positivo de

600 milhões de euros sobre a conta da segurança social, com a combinação entre receita e despesa, que

pode ficar com novas receitas, havendo consenso idealmente com todos os partidos, mas com maior peso do

maior partido da oposição. É isso que está dito e escrito e que tem sido sistematicamente repetido.

Portanto, Sr.ª Deputada Mariana Aiveca, não há nenhuma decisão, não há nenhum desenho de corte de

reformas.

Não vale a pena continuarem a agitar o «papão» para fugirem à discussão daquilo que é verdadeiramente

importante, que é haver um consenso sobre a reforma da segurança social, a bem de todos. E o Partido

Socialista, que tem propostas que só agravam o problema, recusa sentar-se connosco antes das eleições

naquela que seria uma atitude verdadeiramente responsável, para nos apresentarmos a eleições com uma

proposta consensualizada que pudesse ser discutida com os parceiros sociais e que, essa sim, pudesse

verdadeiramente trazer informação, tranquilidade e capacidade de os portugueses votarem plenamente

informados.

Reiteramos o que dissemos e estamos disponíveis para nos sentar, hoje, se for o caso, à procura dessa

solução para a sustentabilidade da segurança social.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Adão Silva.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as

e Srs. Deputados, começo por

referir algo que me parece muito estranho: o Bloco de Esquerda, o PCP e o Partido Ecologista «Os Verdes»

colocaram questões à Sr.ª Ministra depois da sua intervenção. O PS não colocou — aparentemente está

completamente esclarecido sobre esta matéria —, pelo que começamos por estranhar esta posição de silêncio

do Partido Socialista.

É que o debate de hoje deve ser marcado sobretudo por dois princípios, dois valores: a verdade e a

coragem.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Ora!

O Sr. Adão Silva (PSD): — Sobre a questão da verdade do sistema de pensões que temos em Portugal,

temos um sistema de repartição que funciona bem se houver um aumento significativo da economia, criação

de emprego, baixa do desemprego e equilíbrio a nível demográfico, situações que, em Portugal, há alguns

anos não têm acontecido.

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Pois não! É austeridade!

O Sr. Adão Silva (PSD): — Por outro lado, funciona bem se houver saldos no sistema de segurança social.

Pois bem, em 2007 houve um défice de 135 milhões de euros; em 2009, de 217 milhões de euros; e em 2010

de 123 milhões de euros. Isto é, antes da crise já havia défice no sistema previdencial da segurança social.

Claro que quando o Governo tomou posse, para suprir este défice introduziu 4600 milhões de euros para

que a situação fosse sustentável.

Mas também é preciso dizer a verdade às pessoas: os responsáveis do Partido Socialista não venham

agitar «papões», falem a verdade às pessoas e aos contribuintes. O sistema, tal como está, é insustentável. O

sistema só iria romper em 2015, de acordo com os anúncios que o Sr. Deputado Vieira da Silva fazia há uns

anos. Agora, o tempo é bem mais curto; já não dá até 2050 Mais: a manutenção de um sistema de pensões

que pague os atuais pensionistas e não defraude os atuais contribuintes e futuros pensionistas é um propósito

que todos assumimos.

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O PS propõe cortar, entre 2016 e 2026 — imagine-se! — 14 000 milhões na segurança social. Mas não fica

por aí: diz que no Fundo de Estabilização Financeira, que já vai em 14 000 milhões, cortam também 10% —

mais 1400 milhões de euros. Até 2016, o PS propõe-se cortar 15 400 milhões de euros!

Como é que é possível sustentar o sistema de segurança social com este tipo de cortes em relação ao

dinheiro que já lá existe ou que, porventura, para lá será encaminhado?

O Partido Socialista está a trocar o certo pelo incerto, está a trocar a verdade pela fantasia.

O PS adiou o problema, grave, fugindo às responsabilidades que tem neste processo, e de alguma maneira

tenta escamotear a situação, «empurrando com a barriga» a ver se isto dá até aos meses de

setembro/outubro, sem dizer a sua verdade. Ora, isto não é falar a verdade, porque esconde a verdade hoje e

esconde a verdade de tempos bem recentes.

Vale a pena ler aqui algo que é de almanaque: o Partido Socialista, na segunda versão de programa de

eleitoral — já vai na segunda versão — diz que a questão das pensões ficou fora do programa da troica, que

não viu necessidade de tomar medidas de reforço da sustentabilidade da segurança social. Srs. Deputados,

então, mas o que é que dizia o documento original de 17 de maio de 2011, na página 2? Dizia: «Será

introduzida, em 2012, uma contribuição especial sobre as pensões acima de 1500 €». Portanto, não se

percebe esta situação.

Mas, para além da verdade que é preciso contar e de se evitarem os «papões», é preciso que haja

coragem, Srs. Deputados!

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Coragem só se for para ir mais abaixo!

O Sr. Adão Silva (PSD): — Desde logo, é preciso perceber que o Tribunal Constitucional diz que é preciso

haver uma reforma estrutural das pensões. Esta reforma tem de ser feita, com certeza, pelo PS, pelo PSD,

pelo CDS, pelos parceiros sociais, por todos os responsáveis políticos e partidários, algo parecido, numa

lógica de compromisso, como foi feito em Espanha, em 1994, com o Pacto de Toledo.

O PS não pode continuar a fazer propostas vagas, parecendo que em algumas coisas muda, mas deixando

ficar tudo na mesma. Não são aceitáveis proclamações de bravata, dizendo que não querem cortar nas

pensões em pagamento. Por exemplo, cortaram em todas em 2010, incluindo nas pensões mínimas.

Por isso, digo-lhes, Srs. Deputados, que é preciso que haja coragem e não exercício de oportunismo

político por estarem a chegar as eleições.

Ontem, o Sr. Deputado Vieira da Silva disse que a maioria não se devia esconder atrás do Partido

Socialista. Sr. Deputado, para quem levou o País à bancarrota, para quem teve, como nós tivemos, coragem e

denodo para reerguer o País, é bastante ingrato dizer que a maioria se está a esconder atrás do PS.

Sr. Deputado Ferro Rodrigues, dou-lhe um conselho: não insultem a inteligência dos portugueses.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Meireles.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as

e Srs. Deputados:

Creio que é importante que este debate ocorra com alguma serenidade, porque a verdade é que estamos a

falar de mais de 3 milhões de pessoas que olharão para aqui e procurarão perceber o que está a acontecer

por detrás da retórica política e, muitas vezes, da conveniente e manipuladora retórica política. E são pessoas

para quem a confiança, a segurança e a certeza em relação ao que se vai passar no presente e no futuro são

particularmente importantes.

Assim sendo, é importante dizer, uma vez mais, que não há rigorosamente proposta nenhuma em cima da

mesa a ser discutida.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Mais: do ponto de vista da segurança social e das pensões, qualquer

alteração implica, necessariamente, um consenso alargado, designadamente alargado ao Partido Socialista,

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paz social e concertação social. Isto tem de ficar muito clarinho, porque foi exatamente isto que foi dito no

Programa de Estabilidade e é o que sempre tem sido dito aqui.

Compreendemos que quando as eleições se aproximam seja interessante, por parte do Partido Socialista,

agitar o medo, a insegurança e a incerteza. Compreendemos que é conveniente, mas não é verdadeiro, Srs.

Deputados. Por mais que se queira criar uma cortina de fumo e lançar a insegurança,…

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): A Sr.ª Ministra das Finanças é que lançou a insegurança!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — … não é sobre os partidos da maioria, é sobre os mais de 3 milhões

de pensionistas que nos estão a ver em casa e que ficam sem perceber o que se está a passar. Esse é que é

o problema.

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Ah, pois é!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Percebemos que possa ser conveniente, mas não é verdadeiro, nem

intelectualmente, nem politicamente honesto.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Em segundo lugar, e uma vez que estamos a falar do problema da

sustentabilidade da segurança social, queria dizer que esse é um problema que afeta quem está, neste

momento, no sistema, mas também quem está a trabalhar e que terá ou não acesso ao sistema. E o PS

parece reconhecer, em alguns momentos — pelo menos nos dias bons, embora não seja em todos,

naturalmente —, que há um problema real.

O que me faz alguma confusão é que o Partido Socialista, depois, não seja capaz de retirar uma

consequência daí. Os senhores não são, pura e simplesmente, capazes de dizer o que desejam do sistema e

de apresentarem propostas alternativas. Já nem falo em serem capazes de apresentarem propostas, falo em

sentarem-se com outros partidos ou com o Governo e tentarem encontrar uma solução minimamente

consensual. É isso que o PS não é capaz de fazer.

E, mais, quando o PS apresenta propostas, elas variam entre duas coisas: uma coisa é dizer que, sim,

senhor, há um problema de sustentabilidade e, portanto, vão baixar a TSU, o que significa, por assim dizer,

que vão cortar, de forma substancial, nas receitas da segurança social. E o problema da sustentabilidade?

Bom, dizem: «Não fazemos a mínima ideia de como se irá resolver no ano que vem e daqui a 10 anos as

pessoas receberão pensões menores e está o assunto terminado».

O Sr. João Oliveira (PCP): — Quem viu o CDS e quem o vê! Haja vergonha!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Depois, há ainda a segunda parte: quando se pergunta como é que

se resolve o problema da própria sustentabilidade e das pensões que temos de pagar no ano que vem,

respondem «é muito simples, a economia resolve, o crescimento económico resolve.»

Srs. Deputados, o crescimento económico é, sem dúvida, resposta para muitas perguntas. Mas pergunto:

quantas vezes mais Portugal terá de passar por aquilo que já passou até os senhores perceberem que

crescimento económico a sério não é como estão a dizer?

A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Não dá para se tomarem medidas conjunturais, medidas que duram

um ano ou dois, e imaginar que isso resolve todos os problemas. Não resolve, cria problemas!

Pergunto: quantas vezes mais Portugal terá de passar por aquilo que passou até os senhores perceberem

que a vossa receita, pura e simplesmente, não funciona?

Aplausos do CDS-PP.

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A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira da Silva.

O Sr. Vieira da Silva (PS): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as

e Srs. Deputados: Vamos,

então, falar de verdade.

Vozes do PSD e do CDS-PP: — Ah!

O Sr. Vieira da Silva (PS): — Há uma verdade indiscutível: se outro mérito não tivesse este debate de

urgência marcado pelo Partido Socialista, pelo menos teve o mérito de pôr de acordo, aparentemente, o PSD

e o CDS sobre a medida das pensões.

Aplausos do PS.

É certo que esse acordo não foi suficiente para que se sentassem lado a lado na bancada do Governo,…

Aplausos do PS.

… mas já permitiu que viessem dizer que não há nenhuma medida em cima da mesa.

Não há nenhuma medida em cima da mesa?! A Sr.ª Ministra disse que estão previstas no Programa de

Estabilidade medidas com impacto no sistema de pensões — agora já falou na segurança social — numa

dimensão de 600 milhões e o exemplo que utilizou para simular foi o da proposta rejeitada pelo Tribunal

Constitucional — belo exemplo! —, que tinha um corte de 472 milhões de euros das pensões em pagamento.

Face a isto, a Sr.ª Ministra vem dizer que estamos a provocar a instabilidade e o CDS vem dizer que estamos

a ameaçar os pensionistas?! Não, Sr.ª Ministra, quem ameaçou os pensionistas foi a Sr.ª Ministra, e mais do

que uma vez!

Aplausos do PS.

Portanto, era expectável que saíssemos daqui com uma verdade um pouco mais adequada à realidade. A

maioria tem um projeto, tem um objetivo e tem uma meta que está clara no Programa de Estabilidade.

Sobre a sustentabilidade da segurança social, Sr.as

e Srs. Deputados, o Partido Socialista tem uma

história…

A Sr.ª Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade (Teresa Morais): — E que

história!

O Sr. Vieira da Silva (PS): — … e tem um passado na defesa da sustentabilidade da segurança social.

Aplausos do PS.

Mais: o PS tem um passado de coragem na defesa da sustentabilidade da segurança social!

Curiosamente, quando se tratou de aprovar medidas de defesa dessa sustentabilidade, não vi nenhuma

bancada com a coragem de as apoiar.

Aplausos do PS.

Então, era apenas o plafonamento, era a liberdade de escolha, era «o futuro é bom para todos», era a

coragem para defender o fator de sustentabilidade e era a coragem para defender uma reforma da segurança

social a pensar no futuro!

Aplausos do PS.

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Finalmente, Sr.as

e Srs. Deputados, ninguém aqui teve coragem de rebater um argumento essencial. A Sr.ª

Ministra fez um apelo para que nos sentemos ao seu lado, mas não apelou ao Partido Socialista para discutir

consigo quando resolveu cortar salários, pensões e subsídios de férias e de Natal. A Sr.ª Ministra nem sequer

entendeu que essas medidas, que foram tomadas ao arrepio de todos os compromissos eleitorais da maioria e

ao arrepio dos compromissos do Governo — que disse, pela voz do Primeiro-Ministro, que não era necessário

mais do que o que estava escrito no Memorando de Entendimento —, fizeram o contrário, e os senhores não

foram capazes de reconhecer que a única hipótese que foi útil para que essas medidas não fossem

dramáticas foram as decisões do Tribunal Constitucional. É que essas medidas foram aquelas que levaram a

economia para a pior recessão das últimas décadas — 4% em 2012! É da sua responsabilidade, Sr.ª Ministra!

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, a Mesa não regista mais inscrições. Aguardamos, pois, que os

grupos parlamentares, se assim o entenderem, inscrevam os seus oradores, porque ainda dispõem de tempo.

Pausa.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Sr.ª Ministra das Finanças, vamos lá

um pouco mais ao fundo da questão e à exatidão das palavras.

Os senhores escreveram no Programa de Estabilidade «combinação entre medidas de redução de

despesa ou de acréscimo de receita». Sr.ª Ministra, em matéria de pensões, redução de despesa significa

cortes nas pensões. Foi o que os senhores andaram a fazer durante quatro anos! Se os senhores não queriam

considerar cortes nas pensões, escreviam só «aumento de receita» e não consideravam a redução de

despesa.

Aplausos do PCP.

Os senhores têm de assumir a vossa responsabilidade em relação ao que fizeram durante estes quatro

anos e em relação ao que querem fazer no futuro.

O Sr. António Filipe (PCP): — Muito bem!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo e, em

particular, Sr.ª Ministra das Finanças, os senhores insistem na criação de uma ideia de insustentabilidade na

segurança social desligada da vossa política económica, desligada da vossa ação direta na criação de uma

massa imensa de desempregados e na vossa ação direta na destruição das condições em relação às quais

depende a sustentabilidade da segurança social.

Os senhores têm de assumir as vossas responsabilidades e têm de atuar em conformidade, porque, sem

se corrigir o erro da política económica, sem se corrigir as opções da política económica, sem se corrigir as

opções de uma economia assente em baixos salários, nunca resolverão o problema da sustentabilidade da

segurança social.

Mas os senhores não estão interessados em garantir a sustentabilidade da segurança social. Esse é o

pretexto que usam para continuarem a reduzir as condições de vida das pessoas, para continuarem a reduzir

a proteção social dos desempregados e para, dessa forma, conseguirem reduzir os salários em Portugal. Os

senhores não têm interesse em assegurar a sustentabilidade da segurança social, porque isso faz parte das

opções estratégicas de empobrecimento e de exploração que os senhores têm para o País.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Muito bem!

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O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr.ª Ministra das Finanças, esta discussão é sempre feita debaixo da

ameaça dos cortes, da ameaça das reduções, da ameaça do aumento da idade da reforma. Este argumentário

não é novo, já aconteceu anteriormente com outros governos e, inclusivamente, com anteriores governos do

Partido Socialista, tendo havido cortes no subsídio de desemprego, aumento da idade da reforma com a

aprovação do fator de sustentabilidade, cortes no abono de família e cortes nas prestações sociais por via da

condição de recursos.

E continuou a ser assim com o vosso Governo, continuou a ser assim com mais cortes nas pensões, com

cortes sucessivos nos subsídios de desemprego e no subsídio social de desemprego, com mais cortes no

abono de família, com cortes no rendimento social de inserção, com o aumento da idade da reforma também

por aplicação do fator de sustentabilidade.

Sr.ª Ministra, uns e outros querem que tudo continue a ser como antes. Quer por via da redução das

receitas, que é proposta pelo Partido Socialista com a redução da TSU (taxa social única), quer por via da

opção da coligação de insistir na aplicação do fator de sustentabilidade de cortes nas pensões e nas

prestações sociais, os senhores querem que as coisas continuem na mesma.

A Sr.ª Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado João Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Concluo, Sr.ª Presidente.

Sr.ª Ministra, a discussão da sustentabilidade da segurança social não pode ser feita apenas em função de

objetivos de cortes, tem de ser feita em função de objetivos de política social.

Os senhores querem fazer as contas aos cortes, nós queremos fazer as contas ao número de

desempregados a quem é preciso garantir subsídio, ao número de pobres a quem é preciso tirar da pobreza,

ao valor das pensões que é preciso aumentar para garantir aos que trabalharam uma vida inteira condições de

dignidade e de valorização por aquilo que fizeram.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Uma parte das propostas que apresentámos, Sr.ª Ministra, vai dar hoje

entrada na Assembleia da República, com a proposta relativamente ao valor acrescentado líquido.

Gostávamos ainda, até ao final do debate, de perceber qual é a disponibilidade do Governo em discutir o

aumento das receitas da segurança social para garantir a sua sustentabilidade.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, peço-lhes que respeitem os tempos.

Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Aiveca.

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Sr.ª Ministra, há um elefante no meio da

sala, e continua.

A Sr.ª Ministra disse-nos que tem de haver um impacto positivo no saldo da segurança social de 600

milhões.

Então, se não nos apresenta aqui nenhum plano de combate ao desemprego, nenhum plano de combate à

precariedade, nenhum plano que resolva o problema da emigração e da imigração, nenhum plano

relativamente à economia paralela, nenhum plano alternativo de fontes de financiamento da segurança social,

significa que não vai buscar esse saldo pelo lado da receita, tem de haver cortes. A pergunta que lhe fizemos

é clara: cortes onde?

E agora retomo o discurso da Sr.ª Deputada Cecília Meireles, que, creio, nos disse, e muito bem, que há

três milhões de pessoas com os olhos postos na última semana de informação e contrainformação do Governo

sobre as pensões — repito, três milhões de pensionistas. Creio que a Sr.ª Deputada Cecília Meireles só falhou

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numa coisa: no gesto. Dirigiu-se para as bancadas dos grupos parlamentares quando o recado era direitinho

para a bancada do Governo.

Vozes do BE: — Muito bem!

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Eu até subscrevo todo esse recado de serenidade no sentido de acautelar

a confiança dos três milhões de pensionistas!

Portanto, a Sr.ª Ministra continua, de facto, sem ter a capacidade de responder aos três milhões de

pensionistas, ao País e ao Parlamento. Que malabarismo vai fazer para ter 600 milhões de impacto positivo na

segurança social, sem ser com cortes nas pensões?! E reafirmo o que disse inicialmente: a história que já

vivemos demonstra que a palavra do Governo vale pouco, pois quando disse que não ia cortar pensões, foi

quando cortou pensões.

Olhe, Sr.ª Ministra, parece aquele presidente de determinado clube quando dá uma conferência de

imprensa a dizer que tem confiança no treinador: significa que já lhe fez a carta de despedimento. É a mesma

coisa.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Quando a senhora vem dizer que não se cortam pensões é porque tem o

plano claríssimo de cortar mais pensões.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, não há mais inscrições na Mesa. Não sei se alguém pretende

inscrever-se…

Pausa.

Tem a palavra a Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças para uma intervenção.

A Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças: — Sr.ª Presidente, eu tinha a expetativa de que pudesse ter

respondido às questões colocadas pelos Srs. Deputados, mas, como não ouvem aquilo que eu digo e insistem

na interpretação e num processo de intenções, lamento. Espero, no entanto, que os portugueses possam ter

ouvido qual é, mais uma vez, a posição do Governo relativamente a esta matéria. Há um problema de

sustentabilidade na segurança social que é importante e urgente resolver. Queremos um consenso no

Parlamento, queremos discutir com os parceiros sociais uma solução para esse problema…

O Sr. João Oliveira (PCP): — Qual?!

A Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças: — … e estamos abertos, em qualquer momento, para iniciar

essa discussão. Se os partidos da oposição, nomeadamente o Partido Socialista, não o quiserem fazer, não

há nada que possamos obrigar.

Uma última nota sobre o Programa de Estabilidade, que os Srs. Deputados terão lido, espero. O Programa

de Estabilidade apresenta toda uma estratégia complementada pelo Programa Nacional de Reformas para o

crescimento da economia e para a criação de emprego. Contudo, como os Srs. Deputados bem sabem, não

basta desejar e não decretar, estão lá as medidas, as reformas e os impactos previsíveis, num cenário credível

e prudente, para continuarmos na senda do crescimento e da criação de emprego.

Temos, no entanto, problemas profundos que exigem consensos sobre outras matérias e outras soluções.

Mais uma vez, reitero a disponibilidade do Governo, na expetativa de que o Partido Socialista possa

corresponder favoravelmente ainda antes das eleições, para que possamos todos partir para esse ato com o

devido esclarecimento sobre que consenso é possível encontrar. Isto porque, Srs. Deputados, a razão pela

qual os portugueses nos elegem e a responsabilidade que exigem de nós é que não ponhamos os interesses

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da campanha eleitoral à frente dos interesses dos portugueses e nos sentemos para definir o que é

importante, antes de nos apresentarmos a votos.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. João Galamba (PS): — Os senhores é que têm de concretizar a vossa proposta, porque nós já

concretizamos a nossa!

A Sr.ª Presidente: — Uma vez que ainda dispõe de tempo, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira da Silva

para uma intervenção.

O Sr. Vieira da Silva (PS): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as

e Srs. Deputados: Em

conclusão, há uma dúvida que ficou esclarecida neste debate.

De facto, a proposta da maioria e do Governo, relativamente aos próximos anos, no que toca ao sistema de

pensões consiste numa de duas situações: ou corte nas pensões, como já propuseram e o Tribunal

Constitucional não aceitou, ou, então, aumentos da carga fiscal ou contributiva. Foi essa a proposta que

fizeram e por mais voltas que queiram dar nunca conseguirão retirar essa ideia de todos os que ouviram o

Governo.

Aplausos do PS.

Sr.ª Ministra, há um ponto em que não é possível nenhuma convergência e tem a ver com o corte das

prestações sociais, nomeadamente das pensões atribuídas, o corte retrospetivo pelas condições do contrato

social, do contrato que o Estado fez com cada um dos trabalhadores, mas também porque, como a vossa

história mostrou, esses cortes tiveram um efeito profundamente nefasto na economia portuguesa e até na

sustentabilidade das contas públicas e do sistema da segurança social.

Estaremos disponíveis para o debate em qualquer circunstância, mas agora, Sr.ª Ministra, o debate é entre

as forças políticas e os partidos.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): — Muito bem!

O Sr. Vieira da Silva (PS): — Os senhores podem criticar as nossas propostas, nós criticamos o Governo.

Estamos à espera das propostas dos partidos da maioria, que vão agora em coligação, para poderem ser

discutidas.

Quando os senhores tiverem a coragem de pôr no papel quais são as vossas propostas para a segurança

social, para a sustentabilidade, para a política orçamental, estaremos a discuti-las…

Aplausos do PS.

… e, Sr.ª Ministra, estaremos sentados, todos nós, no único lugar onde os portugueses nos querem ver

sentados a debater, antes das eleições, para que os portugueses possam escolher em função das propostas

que apresentarmos.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Vieira da Silva (PS): — É esse o debate, é aí que nós estabelecemos os nossos compromissos com

as portuguesas e os portugueses. Os senhores estabelecerão os vossos e os portugueses irão escolher.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — Tem, ainda, a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Meireles para uma intervenção.

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A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as

e Srs. Deputados:

Lembrou aqui o Sr. Deputado Vieira da Silva que o PS tem um passado.

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — E o CDS também tem!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Deputado como nós, aliás, todos os portugueses sabemos que

têm!… É um passado que todos ainda hoje pagamos bem caro e esteja certo de que não o esqueceremos,

infelizmente!

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

Protestos do PS.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Mas não deixa de ser extraordinário que este debate ainda não ia a

meio — debate em que houve uma tentativa clara de agitar o fantasma de um corte e de criar uma cortina de

fumo — e já os senhores tinham percebido…

O Sr. João Galamba (PS): — O CDS desaparece!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Deputado, o CDS, como vê, está aqui.

O Sr. João Galamba (PS): — E o Ministro onde é que está? Está escondido?!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Desculpe que lhe diga, mas, com toda a franqueza, não deixa de ser

uma tentativa desesperada, depois de não terem conseguido passar a mensagem do fantasma do corte, virem

agora, com a política, diria mais, com a politiquice mais pura e dura, disfarçar esse falhanço. É uma tentativa,

mas não é feliz, digo-lhe já, e não vai colar.

Por último, termino dizendo o seguinte: o Partido Socialista pode tentar as vezes que entender ter o

monopólio do coração e do cuidado com os pensionistas, mas os pensionistas portugueses têm memória…

O Sr. João Galamba (PS): — Pois têm!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Com certeza que têm. E, nesta bancada, orgulhamo-nos muito das

nossas memórias e daquelas que têm os pensionistas.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — O que pergunto a mim própria é se as bancadas que congelaram

pensões mínimas, sociais e rurais de mais de 1 milhão de pensionistas terão também orgulho nessas

memórias,…

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

…se as bancadas que conduziram Portugal a uma situação que obrigou a sacrifícios desta natureza

também terão orgulho nessas memórias. Eu penso que não e que, desse ponto de vista, vos ficava bem algum

reconhecimento de que foram cometidos erros graves, do ponto de vista do Partido Socialista.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, concluímos o debate de atualidade, requerido pelo Partido

Socialista, nos termos do artigo 72.º do Regimento, e apresento, uma vez mais, os cumprimentos da Mesa à

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Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças, ao Sr. Ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares e ao Sr.

Secretário de Estado da Solidariedade e da Segurança Social.

Passamos ao ponto 3 da nossa ordem do dia, com a apreciação, na generalidade, da proposta de lei n.º

331/XII (4.ª) — Autoriza o Governo a rever o Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o Estatuto dos

Tribunais Administrativos e Fiscais, o Código dos Contratos Públicos, o Regime Jurídico da Urbanização e da

Edificação, a Lei de Participação Procedimental e de Ação Popular, o Regime Jurídico da Tutela

Administrativa, a Lei de Acesso aos Documentos Administrativos e a Lei de Acesso à Informação sobre

Ambiente.

Para apresentar a proposta de lei, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Justiça, a quem dou as boas-vindas.

A Sr.ª Ministra da Justiça (Paula Teixeira da Cruz): — Sr.ª Presidente, apresento-lhe os meus

cumprimentos e aos demais Membros da Mesa, Sr.as

e Srs. Deputados: O Direito Processual Administrativo

constitui um elemento indispensável para a caracterização da ordem jurídica integrante de um autêntico

Estado de direito.

É a análise desse acervo de normas e de princípios que permite revelar, nomeadamente, a qualidade do

relacionamento entre a Administração e os particulares e a intensificação da fiscalização dos litígios que os

opõem.

Ora, só um Estado que permita e garanta que a legalidade das suas decisões possa ser escrutinada por

tribunais independentes no âmbito de um processo justo e equitativo, em que os cidadãos se assumem como

autênticos sujeitos do processo, dotados de estatuto igualitário de direitos e deveres, é que pode ser

qualificado como um verdadeiro Estado de direito.

Daí o presente pedido de autorização legislativa.

A modernização do nosso sistema de contencioso administrativo, que durante demasiado tempo esteve

quase exclusivamente limitado ao recurso contencioso de anulação, como sabemos, conheceu um impulso

com a entrada em vigor dos diplomas que deram corpo à reforma de 2002-2004, indo ao encontro das

exigências constitucionais naquele domínio.

Não obstante o papel decisivo da referida reforma, a jurisprudência e a doutrina têm vindo a desenvolver e

a acentuar a necessidade de rever algumas das soluções nela consagradas.

Volvidos mais de 10 anos desde a entrada em vigor do Código de Processo nos Tribunais Administrativos

(CPTA) e do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), o Ministério da Justiça entendeu que

chegou o momento de proceder a uma revisão substancial e dar resposta aos problemas que a evolução dos

tempos tem vindo a colocar.

Começando pelo CPTA, o projeto de revisão deste diploma foi moldado em torno de quatro vetores

fundamentais.

A primeira característica prende-se com a procura de uma maior eficácia e racionalidade na tramitação e

resolução dos processos sujeitos à jurisdição administrativa.

Neste contexto, foram criados novos regimes jurídicos, orientados com maior simplificação, e introduzidos

mecanismos de flexibilização, em linha com o que temos feito em todas as áreas processuais.

A este respeito, importa começar por destacar o facto de se contemplar uma tramitação única de processo,

isto é, a dualidade de ações termina e, no que respeita aos processos declarativos não urgentes, passa a

existir um único processo, a ação administrativa.

A observância de uma estrutura processual comum, no âmbito da qual passam a caber todos os pedidos

antes distribuídos entre ambos os meios processuais inexistentes, permite uma mais fácil apreensão das

regras, ao eliminar diferenças, pondo-se, assim, termo a dificuldades que, no passado, se fizeram sentir na

interpretação das mesmas.

Por outro lado, no plano dos poderes reconhecidos ao juiz administrativo, foi introduzida uma nova

disposição que atribui ao julgador amplos poderes de gestão processual, à semelhança do que se fez no

Código de Processo Civil (CPC), permitindo-lhe recusar o que for impertinente ou meramente dilatório e adotar

mecanismos de simplificação e agilização.

Considerando o propósito fundamental de se alcançar uma justiça material sobre o fundo das causas, é

conferido ao juiz o poder de providenciar oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais

ou de atos necessários à regularização da instância.

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Este papel na remoção de obstáculos formais e na procura da composição definitiva do litígio também se

manifesta na possibilidade de o juiz permitir a substituição das petições de intimação para proteção de direitos,

liberdades e garantias por outros meios cautelares.

A este propósito, importa destacar a criação de uma nova forma de processo urgente, dirigida

especificamente a oferecer uma resposta célere e integrada aos litígios respeitantes aos procedimentos de

massa, como acontece com os concursos de pessoal, e com os procedimentos de recrutamento, que tantas

vezes congestionam o funcionamento dos tribunais.

Ao abrigo deste regime, as pretensões diversas poderão ser concentradas e apreciadas num único

processo, perante um único tribunal, garantindo-se, assim, celeridade e coerência de decisões.

O segundo vetor decorre da necessidade de harmonizar a disciplina deste diploma com a recente reforma

do Código de Processo Civil e com o novo Código do Procedimento Administrativo (CPA).

Tendo em conta o princípio da unidade do ordenamento, não se compreenderia que o sistema processual

administrativo não estivesse em linha com os demais sistemas processuais.

Nestes termos, as soluções acolhidas no novo Código de Processo Civil projetam-se neste Código.

Quero, ainda, referir, Srs. Deputados, que a influência do CPC é também notória ao nível dos recursos.

Por sua vez, a necessidade de harmonizar o CPTA com os regimes e com a revisão introduzida no Código

de Procedimento Administrativo determinou a alteração de normas respeitantes à anulação e alteração do ato

impugnado e do respetivo processo impugnatório.

O terceiro vetor prende-se com o propósito de rever o regime da tutela cautelar, aperfeiçoando as soluções

atualmente consagradas.

Assim, foi alargado o elenco dos tipos de providências cautelares.

Além disso, foi expressamente consagrada a possibilidade de, na pendência do processo cautelar, o

requerente proceder à substituição ou ampliação do pedido, em virtude de alteração superveniente dos

pressupostos de facto ou de direito.

Importa ainda destacar a alteração respeitante à adoção de um único critério de decisão de providências

cautelares, que tantas entropias vinha causando.

Finalmente, o quarto vetor prende-se com um esforço de clarificação de algumas matérias, cuja aplicação

prática suscitava dúvidas na doutrina e na jurisprudência.

Assim, no que respeita à perspetiva em que se inserem as alterações promovidas, no domínio da

legitimidade passa a poder sanar-se a ilegitimidade de uma forma mais garantística para os particulares.

No que concerne ao ETAF, amplia-se o âmbito de atos que estão submetidos à jurisdição administrativa.

Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: A revisão destes diplomas é um passo muito importante.

Peço, todavia, aos Srs. Deputados, uma vez que se trata de um lapso, a eliminação, no texto da

autorização legislativa, da alínea h) do artigo 3.º da lei de autorização legislativa, mantendo-se, pois, a atual

redação do artigo 24.º do ETAF, com exclusão da alusão ao Supremo Tribunal Militar, porque já foi extinto.

Quero agradecer publicamente à Comissão para a revisão destes diplomas, presidida pelo Sr. Prof. Doutor

Fausto de Quadros, com todos os demais elementos, o trabalho efetuado e os contributos recebidos.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — A Mesa regista a inscrição dos Srs. Deputados Pedro Delgado Alves, do PS, Cecília

Honório, do Bloco de Esquerda, e António Filipe, do PCP, para formularem perguntas à Sr.ª Ministra, que,

segundo me foi informado, responderá em conjunto.

Assim, tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado Pedro Delgado Alves.

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra da Justiça, ao debatermos esta temática

do contencioso administrativo, temos, de certa maneira, uma sensação de déjà-vu, em termos de más práticas

legislativas nesta Câmara.

É que, efetivamente, evidenciamos, hoje, uma reedição do procedimento atabalhoado, apressado, não

participado, que presidiu também à revisão do Código do Procedimento Administrativo.

O Sr. José Magalhães (PS): — Bem lembrado!

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O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — E se é certo que há um acordo, penso até que generalizado, entre

todas as bancadas em relação a muitos dos eixos que a Sr.ª Ministra referiu — de facto, o contencioso

administrativo é essencial para o exercício de direitos fundamentais dos administrados, assim como é

necessária uma atualização para compatibilização com o Código do Procedimento Administrativo, com o

Código de Processo Civil, com o próprio Código dos Contratos Públicos (CCP), que também é posterior à

legislação do contencioso administrativo, e também é útil e relevante proceder a uma atualização da lei em

função das orientações jurisprudenciais e dos trabalhos doutrinais —, o que é facto é que é perplexizante

depararmo-nos, novamente, com uma lei de autorização legislativa, entregue, neste Parlamento, a uma

escassa semana do momento do debate na generalidade, o que, mais uma vez, empobrece o debate

parlamentar, que deve ser rico, deve permitir audições em sede de comissão, deve permitir, como se fez,

precisamente, em 2002 e em 2004, trazer ao Parlamento os especialistas que trabalharam na comissão de

elaboração da proposta, auscultar a Academia, auscultar os conselhos superiores, auscultar a Ordem dos

Advogados, em relação às versões que virão a ser aprovadas em definitivo.

Bem sei, Sr.ª Ministra, que entregou um conjunto extenso de pareceres, mas não refletem a versão final,

que é aquela que é hoje apresentada em anexo à proposta de lei. Aliás, algumas das críticas foram objeto de

atenção e, portanto, houve lugar à alteração do diploma, mas é efetivamente um desafio que deixamos à Sr.ª

Ministra, no sentido de que abdique desta metodologia, pouco participativa, de elaboração de um documento

estruturante, até diria mais, de seis documentos estruturantes para a ordem jurídica. E estamos a falar da

alteração do CPTA, da alteração do ETAF, de uma alteração da lei de ação popular, de uma alteração ao

Código dos Contratos Públicos, de uma alteração à lei da tutela administrativa, de uma alteração à Lei de

Acesso aos Documentos Administrativos, portanto, dos pilares do ordenamento jurídico-administrativo, para lá

do Código do Procedimento Administrativo. E temos de os discutir de forma apressada, sem a devida

ponderação e sem que esta Câmara os possa apreciar com o detalhe que teve em 2002 e em 2004. Mesmo

na revisão intercalar do CPTA e do ETAF, que antecedeu a sua entrada em vigor, em 2003, mesmo aí, o

processo foi bem mais participado, bem mais abrangente e bem mais sólido do que aquele que hoje nos é

apresentado.

Por outro lado, temos ainda uma perplexidade adicional, também já típica de algumas revisões e de

algumas reformas administrativas, que é a desconexão ao nível da entrada em vigor de todos estes diplomas.

A Sr.ª Ministra da Justiça: — Não leu!

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — O prazo de 60 dias de vacatio legis para a introdução de alterações

muito significativas, que dizem respeito a uma reconfiguração dos meios processuais, à fusão num único meio

processual daqueles que eram os até agora existentes e num contexto em que ainda nos deparamos com as

dores de crescimento da implementação das restantes reformas no setor, não nos parece efetivamente

suficiente.

Por isso, deixamos o desafio, e esta é a minha primeira pergunta, sem prejuízo de outras questões de

âmbito substantivo a que regressaremos no âmbito do debate: há ou não possibilidade de esta Câmara, este

Parlamento, poder, efetivamente, fazer um debate sério, estruturado, com a ponderação que este assunto

merece, nomeadamente através da apreciação de uma proposta de lei, de modo a, sem constrangimentos e

sem qualquer dificuldade, poder analisar em condições uma reforma do contencioso administrativo?!

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — Claro que o tempo usado pelo Sr. Deputado Pedro Delgado Alves é imputado no

tempo global de que o Partido Socialista dispõe para este debate, mas para uma distribuição equilibrada será

bom que nos aproximemos dos tempos regimentais normais.

Para formular perguntas, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Honório.

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A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra da Justiça, deu aqui inúmeras explicações,

mas, do nosso ponto de vista, falta uma, que é a primeira, ou seja, por que é que a Sr.ª Ministra da Justiça

escolheu não trazer aqui uma proposta de lei.

O Sr. José Magalhães (PS): — Claro!

A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Do nosso ponto de vista, quando os eleitos e as eleitas são convocados

para votar uma autorização legislativa, que é aquilo que faremos, sobre algumas matérias que são reserva

absoluta da Assembleia da República, e estamos a falar do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e

de normas relativas ao estatuto dos juízes destes mesmos tribunais, se isto não é uma caricatura do

Parlamento, Sr.ª Ministra da Justiça, não sei o que seja.

Portanto, Sr.ª Ministra, dê-nos essa explicação.

Nesse sentido, quero invocar aquele que deveria ser um parecer obrigatório do próprio Conselho Superior

dos Tribunais Administrativos e Fiscais, e que nós não conhecemos porque não fizemos audições, não temos

pareceres,…

A Sr.ª Ministra da Justiça: — Estão publicados no site!

A Sr.ª Cecília Honório (BE): — … não tivemos oportunidade desse processo de consulta aberto a todas as

entidades — e este parecer é, no mínimo, obrigatório —, mas, relativamente ao projeto inicial, dizia esse

Conselho que se corre o risco de uma «motorização» legislativa, quando se passa da lei para um decreto, e o

mesmo risco acontece quanto à própria «motorização» do poder judicial.

Portanto, Sr.ª Ministra da Justiça, quero que nos dê uma explicação clara sobre esta matéria, que é de uma

enorme sensibilidade.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente: — Ainda para formular perguntas, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra da Justiça, a questão que temos de colocar

agora, sem prejuízo de depois, na intervenção que faremos, abordarmos questões de conteúdo desta proposta

de lei, é a de que, quando se apresenta uma proposta de lei para uma reforma desta envergadura a um mês

do final constitucional da sessão legislativa, está, obviamente, a inviabilizar-se um debate parlamentar

minimamente adequado. Não é possível que, numa matéria destas, possa haver uma discussão com a

profundidade que se impõe e com as audições que seria necessário realizar pela Assembleia da República a

um mês do final da Legislatura. Não é, manifestamente, possível! Aliás, lembramo-nos do debate que houve

aqui, em 2002, em que a Assembleia da República teve oportunidade de ouvir o Professor Mário Aroso de

Almeida — que era um dos autores materiais da proposta de lei apresentada na altura —, em que ouvimos

muitos especialistas e, portanto, tivemos oportunidade de realizar um debate adequado sobre esta matéria,

que, manifestamente, neste período, não é possível.

Portanto, em relação a esta questão de saber se teria sido adequado apresentar uma proposta de lei

material ou uma proposta de autorização legislativa, o Governo até poderia responder muito simplesmente:

«Como é que queriam uma proposta de lei material para discutir esta matéria a um mês do final da

Legislatura?! Portanto, está aqui a autorização legislativa». E, convenhamos, se em relação à maior parte

destas matérias, seguramente, é constitucional fazê-lo por autorização legislativa, já poderá não ser verdade

no que se refere à matéria respeitante ao estatuto dos juízes que tem sido considerada matéria de reserva

absoluta, como, aliás, se salienta no parecer apresentado pela Associação Sindical dos Juízes Portugueses.

Mas não podemos deixar de lembrar que dos oito diplomas, cuja alteração se propõe, seis deles estão,

neste momento, regulados por lei da Assembleia da República, sendo que a lei relativa à ação popular nasceu

de uma iniciativa parlamentar na V Legislatura.

Portanto, parece-nos inadequado que esta revisão seja feita exclusivamente por via de autorização

legislativa e também nos parece muito duvidoso que algumas matérias que aqui estão reguladas não sejam de

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reserva absoluta da Assembleia da República. Aquilo que nos parece mais significativo é que não é a um mês

do final da Legislatura que o Governo propõe à Assembleia da República uma reforma desta envergadura e

com esta importância.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Ministra da Justiça para responder.

A Sr.ª Ministra da Justiça: — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado António Filipe, eu vou trabalhar até ao último

dia como trabalhei no primeiro, dentro dos limites constitucionais.

O Sr. António Filipe (PCP): — Mas não nos deixa trabalhar a nós!

A Sr.ª Ministra da Justiça: — O senhor, se quiser, trabalha!

Eu continuarei e, se eu posso trabalhar no primeiro dia como no último, o senhor também pode…

O Sr. João Oliveira (PCP): — A Sr.ª Ministra devia ter vergonha!

A Sr.ª Ministra da Justiça: — … e todos os Srs. Deputados podem!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Protestos de Deputados do PCP, batendo com as mãos nos tampos das bancadas.

Os senhores sejam democratas, se faz favor.

Quanto às más práticas e quanto à reserva, os Srs. Deputados juraram cumprir a Constituição, que, pelos

vistos, não conhecem. É só ler o artigo 165.º, n.º 1, alínea p), para ver que esta matéria não é de reserva

exclusiva. Passo a ler: «É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes

matérias, salvo autorização ao Governo: (…) p) Organização e competência dos tribunais, do Ministério

Público e estatuto dos respetivos magistrados, bem como das entidades não jurisdicionais de composição de

conflitos; (…)».

Portanto, Srs. Deputados, a Constituição é muito clara sobre esta matéria e os senhores juraram cumpri-la.

Quanto à oportunidade ou não, compete, naturalmente, ao Parlamento conceder ou não as autorizações

solicitadas.

Relativamente às questões suscitadas pela Sr.ª Deputada Cecília Honório, direi que os pareceres estão

todos publicados no site da Assembleia.

Quero sossegar o Sr. Deputado António Filipe dizendo-lhe que o Professor Mário Aroso integrou esta

Comissão, assim como a integraram os maiores especialistas.

Portanto, e repito, Srs. Deputados, eu trabalharei no último dia como trabalhei no primeiro, dentro dos

limites constitucionais.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. António Filipe (PCP): — Peço a palavra, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente: — Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr.ª Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa sobre o

andamento dos trabalhos deste processo legislativo.

A Sr.ª Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.

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O Sr. António Filipe (PCP): — Sr.ª Presidente, a Sr.ª Ministra insinuou que nós não queríamos trabalhar

até ao último dia da Legislatura, dizendo que ela o faria e que nós devíamos fazer o mesmo.

Não tenha dúvida nenhuma, Sr.ª Ministra, de que trabalharemos até ao último dia das nossas funções, mas

queríamos trabalhar adequadamente. Mas para trabalharmos adequadamente era bom que o Governo tivesse

feito o seu trabalho e apresentado atempadamente a proposta de lei, e isso o Governo não fez.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Delgado Alves.

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Na sequência da intervenção da Sr.ª

Ministra, relativamente à questão da constitucionalidade, acho notável que nos recorde a nós, Parlamento, que

jurámos cumprir a Constituição, que temos de conhecê-la.

De facto, essa afirmação vinda de um membro do Governo que, se calhar, é recordista em declarações de

inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional e cujo conhecimento da Constituição seguramente, em muitos

casos, não está ao nível de um aluno de 1.º ano de Direito Constitucional, não deixa de ser surpreendente.

Aplausos do PS.

Mas, já agora, procurando apontar aquilo que é indicado no parecer da Associação Sindical dos Juízes

Portugueses, que é quanto ao estatuto dos juízes, não quanto ao Estatuto dos Tribunais Administrativos e

Fiscais, efetivamente, o ETAF contempla matérias que se integram na alínea p) do n.º 1 do artigo 165.º da

Constituição e, consequentemente, podem ser objeto de autorização legislativa.

Contudo, o ETAF comporta também matérias que dizem respeito ao estatuto individual dos magistrados

que, da última vez que visitámos a Constituição, ainda eram titulares de órgãos de soberania e,

consequentemente, enquadram-se na alínea e) do artigo 164.º, matéria de reserva absoluta,

consequentemente insuscetível de delegação de competência.

Tinha também algumas observações a fazer… Aliás, aparentemente, há um silêncio não digo

ensurdecedor, mas há, pelo menos, uma falta de vontade de trabalhar da parte da maioria que até este

momento não quis intervir no debate e cujas opiniões sobre a matéria aguardamos com expectativa…

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Até ao último minuto!

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — … até ao último segundo do debate, com certeza. Estamos ansiosos

por ouvir o que a maioria tem para nos dizer.

Mas também é importante, já que não temos outras oportunidades, não deixar de sublinhar que alguns dos

objetivos que se pretende alcançar com esta reforma, nomeadamente no que respeita ao reforço das garantias

dos particulares, está longe de estar alcançado. Referimo-nos às providências cautelares, à legitimidade e,

também, a matérias que dizem respeito a uma oportunidade perdida que esta reforma também podia

representar e não representa, não sei se por escassez de tempo, se por falta de vontade. Por que é que não

estamos a rever de forma estrutural a lei de ação popular para que ela não seja apenas remendada para dar

resposta a alguns problemas que o CPTA coloca?

Efetivamente, há muitas questões que permanecem em aberto e que não estão resolvidas nesta alteração

legislativa.

Mas, como disse, estou curioso para ouvir o que a maioria tem para nos dizer e, portanto, aguardo também

que o debate prossiga nesse sentido.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hugo Velosa.

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O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra da Justiça, Sr.ª Secretária de Estado dos

Assuntos Parlamentares e da Igualdade, Sr.as

e Srs. Deputados: Já que o Sr. Deputado Pedro Delgado Alves

acusou alguém (quem não sei!) de não querer trabalhar, eu estava à espera que nos dissesse alguma coisa

sobre o conteúdo destas propostas.

O Sr. José Magalhães (PS): — E disse!

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Só disse agora, no fim, sobre a lei de ação popular. Muito bem, se o Partido

Socialista acha que a lei de ação popular devia ser alterada, além das alterações processuais, porque aqui

tratamos só de mudanças processuais, adjetivas e não substanciais, o Sr. Deputado poderia ter dito alguma

coisa a esta Câmara para podermos debater o conteúdo das propostas. Eu, na minha intervenção, vou tentar

dizer alguma coisa sobre o conteúdo das propostas.

Portanto, aos Srs. Deputados que levantaram esta questão procedimental gostaria de dizer o seguinte: VV.

Ex.as

não tenham dúvidas de que, desde logo, há aqui, e posso dizê-lo, algo de diferente daquilo que se

passou com o CPA. Com o CPA os Deputados fizeram o debate e, no dia das votações, fizeram as três

votações.

Queria agora dizer a VV. Ex.as

que vão ter oportunidade de discutir estas matérias na especialidade.

O Sr. José Magalhães (PS): — Isso é positivo!

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — E nós achamos que seria muito bom que, na especialidade, não se viesse só

dizer assim: «Não, o Governo não quer trabalhar. Os Deputados da maioria não se inscrevem. Os Deputados

não querem trabalhar sobre esta matéria!» Não tenham problemas, porque vamos fazê-lo e vamos debater

estas matérias na especialidade.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Muito bem!

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Portanto, o melhor é passarmos à questão substancial. E a questão

substancial, deixem-me que vos diga, tem muito a ver com algo… Refiro-me mais ao Partido Socialista que

enquanto foi Governo e teve a pasta da Justiça se habituou a não cumprir com aquilo que constava do seu

Programa. Este Governo, mesmo atacado por essa forma, tem uma vantagem: está a cumprir tudo o que

estava no seu Programa, nomeadamente nesta matéria, que é das poucas que faltam relativamente àquelas

que estavam no Programa do Governo.

Portanto, acho que lá fora toda a gente entende. Nós, Deputados, obviamente, temos de ter a possibilidade

de discutir estas matérias e vamos tê-la. Mas, pelas primeiras intervenções que hoje se fizeram, parece que os

Srs. Deputados não leram todos os pareceres que já estão no site da Assembleia da República.

O Sr. José Magalhães (PS): — Lemos, lemos!

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — São sobre o anteprojeto?! É verdade.

A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Ah, pois é!

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Não temos os pareceres sobre esta proposta de lei? Não temos, mas vamos

obtê-los para saber o que as entidades que obrigatoriamente têm de ser ouvidas vão fazer. Vamos aguardar

esses pareceres e, obviamente, ter em atenção o que nos dizem, nomeadamente o que nos diz o Conselho

Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, cujos magistrados se dedicam concretamente a estas

matérias, do ponto de vista da atuação judiciária.

Srs. Deputados, estamos a perder, por razões procedimentais, a oportunidade de debater aqui os aspetos

positivos. Aliás — e chamo a atenção para isto —, Srs. Deputados, leiam os pareceres e verão o rol de

aspetos positivos que esses pareceres das principais entidades relacionadas com esta matéria, e que são as

entidades que têm de se pronunciar obrigatoriamente sobre esta matéria, apontam. Vão lá e leiam o que lá

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está: em geral, a reforma é oportuna; é positiva; não encontram aspetos completamente inaceitáveis; dão

sugestões, etc., etc.

Portanto, no essencial, a reforma que estamos aqui a fazer é bem feita. Temos de felicitar a comissão que

trabalhou nesta matéria porque, efetivamente, nestas alterações ao Código de Processo nos Tribunais

Administrativos e Fiscais e ao Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, fez um excelente trabalho.

Por exemplo, a questão que aqui levantam — esta é procedimental, mas terei de o dizer — de que esta

matéria poderá ser de reserva absoluta, Srs. Deputados, essas questões só se entendem do ponto de vista da

defesa corporativa, digamos assim, porque esta matéria é, obviamente, de reserva relativa. Nós não estamos

aqui perante matéria — e a Sr.ª Ministra já leu até a norma constitucional que se aplica — de reserva absoluta,

porque se estivéssemos, obviamente, isso seria inaceitável.

Portanto, Srs. Deputados, temos de dizer muito claramente que a reforma vai no sentido certo.

Li pareceres, nomeadamente o último que a Associação Sindical dos Magistrados Judiciais enviou após a

entrada da proposta de lei e aquilo que se diz é que a reforma é oportuna e positiva, que se resolvem vários

problemas no funcionamento do processo administrativo e fiscal, como o fim do regime dualista, criando-se só

uma ação, que se cria um regime para as ações urgentes e para os processos em que há muitos autores,

portanto, em massa, esses processos também têm aqui uma solução.

E, mais, também diz que é uma reforma que mexe positivamente nas providências cautelares, que se

aposta mais no sistema não judicial de solução dos problemas, da arbitragem, mas aí obviamente há quem

concorde e há quem não concorde. Por exemplo, este cidadão que aqui está, que sou eu, concorda

absolutamente que se aposte na arbitragem, porque é uma forma de resolver corretamente e de acordo com

as partes a solução de problemas que são submetidos a tribunal.

Portanto, Srs. Deputados, do ponto de vista do PSD, não temos nenhum problema de consciência

relativamente a querer trabalhar ou de não trabalhar. Trabalhamos e vamos trabalhar!

Vamos discutir esta matéria como proposta de autorização legislativa, mas, depois do trabalho que aqui

está feito, não peçam a ninguém que se façam meses e meses de audições para resolver normas, repito, de

caráter processual, que não de caráter substancial, e obviamente que estaremos disponíveis para essa

discussão, porque é assim que entendemos que tudo deve ser feito.

Para terminar, Sr.ª Presidente, gostaria de dizer que o que aqui está em jogo é o problema de se saber

quem cumpre e quem não cumpre aquilo que põe no seu programa de Governo.

Deixem-me que vos diga o seguinte: se calhar, muitos Deputados já se habituaram a que não se cumpra

aquilo que está no programa de Governo. A Sr.ª Ministra da Justiça, neste caso, está a cumprir uma das

últimas matérias que prometeu no seu programa. E isso, parece, os Srs. Deputados não estão habituados a

ver e a enaltecer, porque era isso que devia ser feito, neste momento.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: — Tem, de novo, a palavra o Sr. Deputado Pedro Delgado Alves para uma intervenção.

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: É bom ver que o Sr.

Deputado Hugo Velosa pronunciou-se sobre questões substantivas do diploma, é positivo, evidentemente,

mas não entenda de forma errada o que está a ser transmitido pela oposição neste debate.

É que a questão de como discutimos a reforma do contencioso administrativo não é irrelevante, porque

significa duas coisas: quer a forma como o Governo encara a reforma; quer a forma como o Governo encara o

Parlamento e a capacidade de os Deputados fazerem com que o seu trabalho incida nas normas que vão

entrar em vigor e que vão ser determinantes para a garantia dos direitos dos administrados. E aquilo que

temos, em muitos casos, é uma formulação genérica de uma lei de autorização legislativa, em que nós,

Deputados, somos capazes de responder à chamada e de alterar de forma sustentada, alargada, com um

debate público, mobilizador do Parlamento, como ocorreu em 2002, como não está a ocorrer agora e como,

aliás, também não ocorreu a propósito da revisão do Código do Procedimento Administrativo.

Queria, também, deixar algumas referências sobre as reservas que temos em relação a diversas alterações

propostas no Código do Procedimento Administrativo, nomeadamente em sede de providências cautelares.

Apesar do anúncio de que está a reforçar-se a capacidade de oferecer garantias aos particulares, há aspetos

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que são particularmente preocupantes no que diz respeito, nomeadamente, às causas de decretamento das

providências cautelares.

Em primeiro lugar, porque se elimina uma das grandes conquistas do contencioso administrativo de 2002-

2004, o que resultava da alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do Código, que era a possibilidade de decretamento

da providência quando fosse manifesta a ilegalidade do ato praticado. Obviamente, fazer-se suprimir esta

referência é uma quebra significativa na proteção da legalidade objetiva e na proteção dos direitos subjetivos

dos administrados.

Paralelamente, faz também mais do que isso: unificando-se os critérios para decretar as providências,

sejam elas conservatórias ou antecipatórias, opta-se pelo último critério que devia ser o selecionado para o

decretamento das providências, que é a manifestação de um grau elevado de probabilidade do vencimento da

causa principal, o que é, precisamente, inversão até de qual era o regime do decretamento das providências

antes da reforma de 2002.

Portanto, não só andamos para trás, para um momento anterior ao que tinha representado uma mais-valia

para os particulares, como recuamos algumas décadas na proteção em sede cautelar que, obviamente, é

fundamental para assegurar a utilidade da lide e para assegurar o desfecho definitivo para os particulares.

Em sede de legitimidade, como eu há pouco dizia, ficam por resolver uma série de questões na articulação

entre a forma de legitimação popular e vários mecanismos que continuam no Código sem a devida conexão.

Nomeadamente, ao nível da impugnação de normas, em que voltamos a manter dois regimes: um, para a

declaração com força obrigatória geral, e outro, para a declaração com efeitos circunscritos ao caso, mas em

que, não obstante este facto, remetemos para a lei de ação popular, que determina, como efeito automático de

estarmos perante uma ação popular, efeitos genéricos das decisões. Mais uma vez, penso eu, uma

oportunidade perdida, pelo menos até este momento, porque poderá haver, evidentemente, no debate que se

segue, oportunidade para rever a matéria.

Por outro lado, também em sede de legitimidade, detetamos — escondida não com o rabo de fora, mas

talvez com um bocadinho da cauda de fora —, uma restrição na legitimidade processual no que respeita aos

órgãos das autarquias locais quanto à possibilidade de impugnarem decisões praticadas pelos outros órgãos

das respetivas entidades. Hoje, é possível a uma assembleia municipal ou a uma câmara municipal, qualquer

uma delas, ter legitimidade para a impugnação de qualquer ato praticado pelo outro órgão autárquico.

O que aqui nos é apresentado hoje apenas quando está em causa o exercício das suas próprias

competências é que qualquer um dos órgãos autárquicos pode impugnar decisões dos outros. Há uma

restrição objetiva, clara, do que é, até hoje, uma legitimidade totalmente aberta e que também reduz a

capacidade de escrutínio, por via dos tribunais administrativos, da legalidade das decisões da Administração,

no plano autárquico. Também nos parece que tem de ser revista, sob pena de prejudicar o que foi,

tradicionalmente — aliás, esta é uma medida que não é, sequer, da revisão recente --, uma medida que nos

acompanha desde o século XIX, é do contencioso administrativo mais antigo que podemos apresentar.

Trata-se de alguns exemplos ilustrativos de problemas que a reforma comporta. Não serão, evidentemente,

traves mestras do sistema, não é por aqui que o sistema se esboroará, mas uma reforma com esta dimensão

e com esta importância, como foi dito e como posso repetir, não se faz na reta final de uma legislatura, não se

faz sem a devida participação, na Assembleia, e, seguramente, não se faz também enviando pareceres que

nem sequer correspondem ao que, efetivamente, está a ser debatido e em relação ao qual nem sequer há a

garantia de que venham a ser aqueles que vão ser aprovados em Conselho de Ministros, uma vez municiado

o Governo com a autorização legislativa competente.

Portanto, reiteramos o apelo: faça-se a reforma em condições, transforme-se a proposta de autorização

legislativa numa proposta de lei e discutamo-la com o tempo e com a dignidade que esta reforma merece.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Anjinho.

A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra, Sr.ª Secretária de Estado, Sr.as

e Srs.

Deputados: Refletindo sobre o sistema e a prática decorrente da anterior reforma, que constituiu, sem dúvida,

como, aliás, também foi referido, um marco histórico de modernização da justiça administrativa, não podemos

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deixar de registar e de acompanhar a necessidade subjacente à apresentação da iniciativa legislativa em

discussão.

Resumidamente, aperfeiçoar, clarificar, harmonizar e, mais, garantir a maior transparência e publicidade a

toda a justiça, incluindo aquela que resulta dos tribunais arbitrais em matérias administrativas; em suma,

valorizar a justiça administrativa em Portugal.

Para quem acompanha estas matérias, facilmente conclui que as opções legislativas que ora se

apresentam são, aliás, fruto de um trabalho especializado e construídas com base em pontos que foram

previamente identificados pela doutrina e também pela jurisprudência.

Tal, naturalmente, não significa, nem poderia significar, nem seria, diria, desejável um unanimismo nas

soluções, Sr. Deputado Pedro Delgado Alves, aliás, como é próprio de qualquer saudável processo de

construção.

O que acabamos de afirmar é, por exemplo, evidente na questão da opção em torno da forma única de

ação, solução consagrada agora pelo legislador versus o regime das duas ações administrativas atualmente

em vigor.

Ora, independentemente de compreendermos alguma desconfiança que possa persistir em relação à

consagração de uma única forma de processo, na nossa opinião, são mais as virtualidades que reconhecemos

poderem advir de um processo unificado, sem rigidez na tramitação, do que na manutenção de um modelo

dual.

Pese embora a distinta natureza da relação jurídico-administrativa de que emergem os litígios, uma única

matriz torna mais fácil o conhecimento das regras ao esbater e ao eliminar as diferenças. Introduz-se,

portanto, um fator de segurança e um fator de certeza, mais ainda se tivermos em conta a reafirmação, em

sede de processo administrativo, do princípio da adequação processual.

Estamos, aliás, perante uma salutar aproximação à recente reforma do Código de Processo Civil, sem,

contudo, como não poderia deixar de ser, ignorar o significado e o alcance diferenciados que alguns princípios

e instrumentos têm no processo civil versus processo administrativo.

Como já muitos referiram, raciocínio que acompanhamos, a flexibilidade dinâmica que permitirá que o juiz

possa determinar, ouvidas as partes e no inteiro respeito por uma igualdade de armas, quais os trâmites que

melhor conduzem a uma decisão final informada, célere e justa, é, obviamente, de louvar. Flexibilidade que,

naturalmente, deverá sempre conter-se dentro dos limites jurídicos do princípio do processo equitativo e nos

limites materiais do bom senso do julgador. Ou seja, e como ficou muito presente na discussão aquando do

Código de Processo Civil, será também a prática judiciária a determinar o bom e o mau uso destes

instrumentos.

Louvam-se, igualmente, outras alterações que já foram aqui referidas, como as que se desenham para o

contencioso pré-contratual, procurando-o conformar à Diretiva Recursos, bem como as introduzidas em

matéria de tutela cautelar, aqui divergindo frontalmente da opinião do Sr. Deputado Pedro Delgado Alves.

Mais uma nota sobre a opção feita pelo legislador pelo modelo de juiz singular nos processos que tramitem

em 1.ª instância. Sem embargo do reconhecimento das vantagens teóricas da colegialidade, dificilmente

acompanhamos as críticas que vão sendo aduzidas à solução consagrada, que, de resto, reabilitam uma

discussão já tida nesta Casa, aquando da aprovação do Código de Processo Civil

Ora, no contencioso administrativo é ainda mais nítido que a lentidão faz com que a justiça tardia deixe de

ser justiça. Uma análise séria e serena dos resultados da aplicação do CPTA revela-nos — divergências à

parte quanto às questões das estatísticas — um número de pendências com que os operadores não podem,

de modo algum, conformar-se.

Por isso, entendemos que aqui igualmente se justifica a adoção de uma solução capaz de contribuir para

evitar, como já muitos disseram, que a justiça fique curta pelo excesso de tempo em que se realiza.

Finalmente, uma breve referência às alterações ao Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais,

salientando o alargamento da jurisdição administrativa a outros litígios que, pela sua natureza, têm por objeto

verdadeiras relações jurídico-administrativas.

Cabe realçar a atitude prudente do Governo no quadro dos ilícitos de mera ordenação social, abrangendo,

nesta fase, apenas os referentes à matéria do urbanismo, ficando os demais a aguardar o desenvolvimento da

execução da reforma dos tribunais administrativos.

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Em suma, não obstante as dúvidas que estas matérias, até pela sua complexidade, podem suscitar, estou

certa, atendendo às alterações introduzidas, de que estamos perante mais um importante passo no contexto

da reforma da justiça, uma revisão que vai, aliás, no sentido de assegurar aquilo que tanto queremos:

celeridade e eficácia na resolução dos litígios jurídico-administrativos.

É, sem dúvida, uma revisão fundamental para restaurar a confiança e a credibilidade dos cidadãos no

Estado e na administração da justiça, hipotecada, aliás, Sr.ª Ministra, por um passado de reformas adiadas e

também pela falta de coragem política na assunção de decisões.

Bem anda o Governo e melhor ficará o Estado!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra, Sr.ª Secretária de Estado, Srs. Deputados: Há

uma matéria que nos parece que deveria merecer uma atenta discussão a propósito destas alterações

apresentadas à lei de processo nos tribunais administrativos e que tem a ver com o recurso à arbitragem.

Ainda neste mês de abril, fomos confrontados com a notícia de que o Estado vai ter de pagar 150 milhões

de euros à Brisa porque assim foi decidido num tribunal arbitral. Ou seja, a Brisa queixou-se pela introdução

de portagens na concessão da Costa de Prata e o Estado vai ter de lhe pagar uma indemnização de 150

milhões de euros e isso foi aceite por um tribunal arbitral.

Todos nós temos na memória a amarga experiência do navio Atlântida, em que, recorrendo a um tribunal

arbitral, o Estado desistiu de litigar. Ou seja, o Governo dos Açores não quis o navio e o tribunal arbitral

decidiu que os Estaleiros Navais de Viana do Castelo não só tinham de ficar com o navio a apodrecer como

ainda tinham de indemnizar o Governo Regional dos Açores em 40 milhões de euros. O que aconteceu foi

que, extintos os Estaleiros Navais de Viana, o navio foi vendido a preço de sucata a um particular que, por sua

vez, já o conseguiu vender por mais do triplo do preço por que o comprou.

Protestos da Deputada do PSD Ângela Guerra.

Todos nós temos, ainda, a amarga experiência do que foi o recurso aos tribunais arbitrais no caso do

hospital Amadora-Sintra.

Ora bem, isto para dizer o quê? Para dizer que contestamos vivamente que, em matéria de direito

administrativo e, mais ainda, se pensarmos que, nesta proposta de lei, se prevê que a validade dos atos

administrativos possa ser submetida a tribunais arbitrais, estamos aqui a subverter completamente o princípio

da legalidade administrativa…

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

O Sr. António Filipe (PCP): — … de uma forma que, do nosso ponto de vista, suscita as maiores reservas

quanto à sua constitucionalidade. Porque o Estado tem de defender o interesse público, o Estado não pode

atuar como se fosse um particular, prescindindo dos seus direitos e prescindindo de uma avaliação da

legalidade dos atos do próprio Estado e da legalidade das relações jurídicas que se estabelecem entre o

Estado e os particulares.

O recurso à arbitragem é um recurso dos ricos. A arbitragem, em matéria fiscal, é um exemplo mais do que

elucidativo disso mesmo. Se um pobre cidadão deixar de pagar o IMI, levam-lhe couro e cabelo; se for um

grande devedor ao Estado, recorre à arbitragem e a dívida fica meio por meio e assistimos a um escandaloso

perdão fiscal.

Devo dizer que concordamos que o parecer que nos foi enviado pela Associação Sindical dos Juízes

Portugueses, o qual suscita as maiores dúvidas sobre esta possibilidade que se prevê de alargamento do

recurso à arbitragem, tanto mais que, em determinada disposição desta proposta de lei, se prevê que o Estado

possa ter de aceitar prescindir da possibilidade de recurso aos tribunais administrativos.

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Ora bem, se isso é aceitável, apesar de muito discutível, nas relações entre privados, do nosso ponto de

vista, é absolutamente inaceitável que o Estado possa admitir um compromisso arbitral de não recurso aos

tribunais administrativos para resolver os seus litígios.

Esta é uma matéria sobre a qual pensamos que, em nome da transparência no funcionamento do Estado e

até em nome — e vou dizer as palavras — do combate à corrupção, deveríamos ter os maiores cuidados. Do

nosso ponto de vista, o Estado, em caso algum, deveria recorrer à arbitragem, porque o que está em causa é

a idoneidade do Estado e o respeito pelo princípio da legalidade.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Honório.

A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, Sr.ª Ministra da Justiça: Ainda tive,

por algum tempo, a esperança que a Sr.ª Ministra da Justiça, relativamente ao procedimento, viesse dizer:

«Bom, enfim, não tive tempo, desculpem lá!». Mas, afinal, a Sr.ª Ministra preferiu considerar que o problema é

dos Deputados e Deputadas que não querem trabalhar.

Neste contexto, eu até teria vontade de lhe perguntar, relativamente a uma matéria urgente que diz respeito

aos estatutos das magistraturas, se a Sr.ª Ministra também está a pensar fazê-las por decreto.

Mas gostaria de deixar algumas questões sobre o conteúdo do que aqui apreciamos, nomeadamente em

relação ao Código de Processo dos Tribunais Administrativos.

A primeira pergunta, que é a mais importante, é se aquilo que analisamos responde à necessidade de

maior eficiência da justiça administrativa e fiscal.

Vou recorrer ao único parecer, da Associação Sindical de Juízes Portugueses, que é feito a partir da

proposta final que hoje analisamos. E cito: «Não se anteveem soluções decisivas para agilizar e tornar mais

eficiente a justiça administrativa, no reconhecimento de que há alguns aspetos positivos». No reconhecimento,

também, Sr.ª Ministra, através dos pareceres sobre o anteprojeto, de que há matérias sobre as quais não há

um consenso absoluto, matérias que têm a ver com as providências cautelares, do regime de providências

cautelares que aqui apresentou, ou ainda com o fim do regime dualista da ação administrativa, em que, como

sabe, não há um consenso inequívoco.

A segunda questão tem a ver com os recursos humanos. Pergunto-lhe se estes são os suficientes para

responder às mudanças aqui expostas. Se há juízes em número suficiente — parece-nos que não, Sr.ª

Ministra da Justiça, é essa a informação que temos. Pergunto-lhe, por exemplo, relativamente ao alargamento

de competências previsto, em que estes tribunais podem julgar contraordenações em matéria de urbanismo,

se se fez uma avaliação do impacto que isto pode ter nestes mesmos tribunais e dos recursos necessários.

A terceira questão, Sr.ª Ministra, refere-se a dúvidas de constitucionalidade quanto à atribuição de

autorização para rever as competências dos tribunais arbitrais que passam a apreciar a validade dos atos

administrativos.

Parece-nos tudo isto muito preocupante. Se olharmos com atenção para os artigos 180.º a 187.º, que são

relativos à arbitragem e aos centros de arbitragem, vemos que nas suas mãos ficarão matérias tão sensíveis

como o emprego público, os sistemas públicos de proteção social ou mesmo o urbanismo. Há aqui um

caminho de privatização da justiça e de desresponsabilização do próprio Estado que nos merece a maior

preocupação.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Justiça.

A Sr.ª Ministra da Justiça: — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, o Governo encara a reforma nos termos

constitucionais, no âmbito da tutela jurisdicional efetiva.

Relativamente aos tribunais arbitrais, eles estão previstos, como VV. Ex.as

sabem, na Constituição e são

considerados como verdadeiros tribunais.

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Sr. Deputado António Filipe, sugeria que visse as tabelas de preço da arbitragem tributária, para ver que

qualquer cidadão a ela pode recorrer. Não é propriamente um sistema igual às arbitragens ad hoc ou

institucionalizadas em centros de arbitragem.

Sr.ª Deputada Cecília Honório, quanto aos recursos humanos, diria que se onde V. Ex.ª tinha um coletivo

passa a ter juiz singular, tem libertação óbvia de recursos humanos. Isso parece-me evidente, não precisamos

de fazer grandes contas.

Finalmente, Sr. Deputado Pedro Delgado Alves, como bem sabe, era muito difícil alguém conseguir obter o

decretamento de uma providência com base na alínea a) do artigo 120.º. E foi exatamente no âmbito do

reforço das garantias dos particulares que se eliminou a referida alínea e se optou pela solução que aqui está

consagrada.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — Não há mais inscrições na Mesa, pelo que dou por terminado o debate relativo à

proposta de lei n.º 331/XII (4.ª).

Na nossa ordem do dia segue-se a apreciação, na generalidade, da proposta de lei n.º 325/XII (4.ª) —

Procede à 37.ª alteração ao Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro,

transpondo integralmente as Diretivas 2008/99/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de

novembro de 2008, relativa à proteção do ambiente através do direito penal, e 2009/123/CE, do Parlamento

Europeu e do Conselho, de 21 de outubro de 2009, que altera a Diretiva 2005/35/CE relativa à poluição por

navios e à introdução de sanções em caso de infrações.

Para apresentar a referida proposta de lei, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Justiça.

A Sr.ª Ministra da Justiça: — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Esta proposta de lei procede à 37.ª

alteração ao Código Penal, como é sabido. Por outro lado, através da presente proposta de lei, pretende-se

aperfeiçoar a redação das normas introduzidas no Código Penal pela Lei n.º 56/2011, de 15 de novembro, em

matéria de direito penal do ambiente, com o objetivo de dar pleno cumprimento ao disposto nos atos

comunitários que determinaram aquela introdução no Código Penal.

Assim, procede-se ao ajustamento da previsão legal dos crimes de dano contra a natureza e de poluição,

salientando-se, em particular, neste último, a autonomização dos crimes de descargas de substâncias

poluentes por navio, das quais resulte, isolada ou reiteradamente, deterioração da qualidade da água.

Importa ainda destacar o agravamento das molduras penais aplicáveis a estes crimes, através da

eliminação na previsão do crime de poluição das penas de multa que eram cominadas, em alternativa às

penas de prisão, reforçando-se, assim, a tutela do ambiente na vertente penal, em coerência com a relevância

estrutural de que se reveste, para todos nós, esta matéria.

A proteção do ambiente é um objetivo, razão pela qual, na proposta de lei que define os objetivos e as

prioridades da política criminal, incluímos também os crimes de incêndio florestal e os crimes contra o

ambiente no elenco dos crimes de prevenção prioritária.

Sr.as

Deputadas e Srs. Deputados: O Governo tem vindo a apresentar à Assembleia da República

propostas de lei nas áreas do direito penal, do direito processual penal e da cooperação judiciária internacional

cujo escopo é claro, robustecer a tutela dos direitos dos cidadãos e promover a segurança e o bem-estar das

populações.

A presente proposta de lei, que altera o Código Penal, visa alcançar esse desiderato no plano da proteção

do ambiente, condição indispensável à preservação da qualidade de vida pelas múltiplas incidências sobre

direitos de natureza pessoal e patrimonial que se impõe assegurar.

É um imperativo que, creio, unirá todo este Parlamento.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Entretanto, assumiu a presidência o Vice-Presidente Miranda Calha.

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O Sr. Presidente: — Não temos inscrições na Mesa. Nenhum Sr. Deputado se inscreve para intervir em

relação a este ponto da nossa ordem de trabalhos?

Pausa.

O Sr. Deputado Luís Fazenda acaba de se inscrever para uma intervenção. Muito obrigado por ter-se

inscrito, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as

e Srs. Deputados: Esperava

ouvir outras doutas opiniões antes de emitir a minha humilde opinião, mas ela é para expressar concordância

genérica com esta proposta de lei, que é uma tradução de orientações e diretivas comunitárias que faziam

falta.

Toda a história dos crimes ambientais entrecruza-se muito com a tragédia do Prestige e com todas as

consequências e todos os debates que, na lei, os tribunais tiveram acerca disso. Devo chamar a atenção para

o seguinte: o desenho do crime de descarga poluente de navio é uma arma forte, muito forte. Esperemos que

as autoridades tenham a capacidade de acompanhar o desenho do crime, porque, em Portugal, infelizmente, é

uma circunstância que ocorre com imensa frequência e, na forma como está estabelecido nesta proposta de

lei, basta que ela altere a qualidade da água, portanto, tem uma incidência larguíssima. Como tal, nessa

medida, creio que tem um efeito importante do ponto de vista preventivo e, em última instância, repressivo.

Portanto, a minha intervenção é apenas para dizer que acompanhamos esta proposta de lei. Entendemos

que é necessário que, na nossa lei penal, estes crimes ambientais estejam mais tipificados, acompanhamos a

legislação europeia acerca disso e, sobretudo, que veja a luz do dia, de modo prático, e que as autoridades

tenham também competências, capacidades e formação para aplicar este novo desenho de crimes

ambientais.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Miranda Calha): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Carlos

Peixoto.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as

e Srs. Deputados: Penso

que se consolidou a ideia de que está em curso um combate alargadíssimo, diria mesmo global, naturalmente

mais trabalhado na União Europeia do que noutros pontos do mundo, contra as alterações climáticas e a favor

da preservação da biodiversidade, em benefício do ambiente e da redução dos índices de poluição.

Trata-se de uma luta que não tem fronteiras, não tem ideologias e, naturalmente, também não tem partidos,

como, aliás, aqui ficou expresso pela posição do Bloco de Esquerda, que deu a sua concordância genérica

relativamente a estas alterações ao Código Penal, e como, aliás, já tinha ficado bem saliente no outro debate

anterior, quando se transpôs verdadeiramente e originalmente a diretiva, em 2011, em que o Partido Socialista

também votou favoravelmente a transposição dessa diretiva.

Portanto, o que aqui queremos expressar, Sr.ª Ministra é, em primeiro lugar, louvar a iniciativa, que reforça

a penalização dos crimes ambientais, dos chamados delitos ecológicos, que comprometem e afrontam, de

forma muitas vezes irreversível, os direitos valiosíssimos da vida humana, nomeadamente aqueles que todos

nós temos de viver num ambiente sadio e equilibrado.

O Governo, com esta iniciativa, respeita não só estas diretivas mas, essencialmente, dá resposta, penso

eu, a quatro questões.

Em primeiro lugar, percebeu que há uma necessidade coletiva muito grande de prevenir e reprimir

atentados ambientais.

Em segundo lugar, percebeu também que é necessário proteger a contribuição do setor marítimo para a

construção e para a compreensão da construção europeia.

Em terceiro lugar, penso que também está subjacente a esta transposição uma potenciação da economia

do mar, que é muito importante num país como o nosso, que é banhado por mar.

Em quarto lugar, também penso que é decisiva a aposta num crescimento inteligente e inclusivo.

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Portanto, Sr.ª Ministra, o Grupo Parlamentar do PSD concorda naturalmente com o alargamento das

possibilidades de incriminação que é feito agora no Código Penal e com a adesão que o Governo faz à cada

vez maior desaprovação social suscitada por estas condutas.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Miranda Calha): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Oneto.

A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Sr.ª Secretária de Estado, Sr.as

e Srs.

Deputados: O Partido Socialista também acompanha esta iniciativa legislativa, no sentido de salvaguardar as

questões ambientais, nomeadamente aquela que agora se afere em relação à poluição por navios. Portanto,

cremos que tudo o que seja no sentido de aprofundar a tutela penal relativamente a estes comportamentos

merece o nosso acordo.

Sr.ª Ministra, naturalmente, há uma questão de forma, que é o facto de estarmos a legislar no Código Penal

a conta-gotas, porque temos em curso neste momento uma outra alteração ao Código Penal, temos esta — e

devemos alertar e estar atentos, nomeadamente em sede de especialidade — e o efeito da legislação a conta-

gotas nos códigos, nomeadamente no Código Penal, tem como consequência…

Protestos do Deputado do PSD Carlos Peixoto.

Não, não, em termos de matéria de fundo, já demos o nosso acordo, Sr. Deputado, refiro-me à forma do

procedimento.

É que, quando se alteram códigos, nomeadamente a conta-gotas, o resultado é não haver um equilíbrio,

que temos de procurar aqui fazer, entre as molduras penais. E é nesse sentido que chamo a atenção para

que, quando este diploma baixar à comissão, possamos aferir as molduras penais no sentido do seu equilíbrio

com outros bens jurídicos de igual dignidade e que devem também merecer uma tutela penal.

É esse aviso, esse alerta que o Partido Socialista aqui deixa, no sentido de que acompanhamos esta

proposta de lei mas temos de atender às molduras penais que aqui estão previstas, no sentido do seu

equilíbrio com os demais bens jurídicos tutelados.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Miranda Calha): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Tiago.

O Sr. MiguelTiago (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em primeiro

lugar, e sem ter uma discordância de fundo quanto ao diploma, apesar de também não ter uma muito

entusiástica adesão, relembramos que o facto de ser uma transposição de uma diretiva não tem

necessariamente de ser assinalado positivamente, em particular numa área em que as diretivas não podem

incidir, que é precisamente o Direito Penal.

Sobre o conteúdo desta proposta de lei apresentada pelo Governo, trata-se de aperfeiçoar um regime

penal já existente, tipificar um novo crime e agravar as penas num outro.

Sobre esta matéria, e apesar de não termos nenhum elemento que nos possa, para já, neste debate na

generalidade, fazer questionar a moldura penal proposta — e reservamos também esse espaço para a

especialidade —, há algumas notas que o PCP entende poderem ser, desde já, úteis para fazermos um

debate sobre a penalização e o crime no âmbito ambiental e contra valores ambientais.

Por maiores e mais penalizadoras que sejam as molduras penais, enquanto continuarmos a ver o problema

do ambiente e o bem jurídico ambiente e valores ambientais apenas neste prisma, não vamos conseguir dar

resposta aos verdadeiros problemas com que estamos confrontados. De facto, enquanto não atentarmos ao

reforço dos meios do ICNF (Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas), da GNR e da Polícia

Marítima (no caso, principalmente no que toca às descargas poluentes por navios), enquanto não resolvermos

a exiguidade de meios e o enquadramento jurídico dessas instituições, enquanto não lhes dermos os

instrumentos para que possam atuar na prevenção mas também na deteção do crime e, depois, na

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prossecução do processo resultante dessa identificação do crime, não vamos resolver o problema. Não é

apenas atirando molduras penais mais agravadas para as leis que vamos resolver o problema.

Portanto, independentemente disso — e é claro que uma coisa tem de caminhar a par com a outra —, o

PCP chama a atenção para estas questões, sem que, claro, se furte a poder contribuir, na especialidade, para

o debate, a melhoria e até o aprofundamento das molduras penais propostas e da tipificação do crime agora

aqui proposta, que é, aliás, no que toca aos habitats não protegidos, um avanço, até mesmo em relação à

diretiva. Mas, também neste caso, sem os meios, com a escassez que temos de vigilantes da natureza e com

a incapacidade da GNR para estar no terreno, vamos continuar a ver os crimes ambientais já só depois de

terem sido cometidos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Miranda Calha): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Justiça, Sr.ª Secretária de Estado, Sr.as

e Srs. Deputados: Quando o Sr. Presidente, há pouco, pedia aos Srs. Deputados que se inscrevessem e nós

não o fizemos, estávamos só, a favor do debate e do contraditório, à procura de ouvir primeiro as críticas para

depois podermos, sendo o caso, fazer o contraditório.

Devo dizer, Sr. Presidente, que não há problema com isso, porque não houve críticas que justificassem

esse mesmo contraditório.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Ainda não intervim!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Ah, ainda falta ouvir a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia! Falha minha!

Falha minha, Sr.ª Deputada, mas não menor consideração.

Mas, não havendo essa possibilidade até agora, limito-me a sublinhar a consensualidade que se verificou

nesta matéria, Sr. Presidente, que é uma matéria do Código Penal.

O Sr. Deputado Miguel Tiago dizia agora que esta matéria, por si só, não resolve e que é necessária a

prevenção. Sim, assim será, mas uma coisa não tem forçosamente a ver com a outra, como temos dito muitas

vezes. Podemos até concordar que, de facto, a prevenção, os meios e a capacidade de atuação são muito

importantes. No entanto, isso não impede que se possa também mexer no Código Penal. Portanto, não vejo

que, por aí, haja problema.

Há uma outra divergência, mais soberanista, digamos, que é a questão de saber se podemos ou não

mexer no nosso Código Penal em função de decisões do Parlamento Europeu e do Conselho Europeu. É o

caso. E, por isso mesmo, aqui não temos outra opção senão obviamente dar azo a esta transposição.

De resto, é evidente que esta transposição decorre já da Lei n.º 56/2011, de 15 de novembro. Portanto,

estamos, no fundo, a fazer uma clarificação, uma retificação, um acerto, em relação a uma transposição que já

foi feita anteriormente e na qual o Estado português é convocado para fazer essa retificação e esse mesmo

acerto. Portanto, é só disso que estamos agora aqui a tratar.

O objetivo é claro: uma proteção mais eficaz do ambiente. Este tema é atual, de atualidade, e deve

merecer a nossa preocupação, agravando molduras penais em relação a crimes ambientais, tipificando os

casos em que esse agravamento se deve aplicar e, por outro lado, harmonizando, designadamente no caso do

crime relativo à poluição marítima, matéria que tanto nos deve preocupar, com a qual temos sido tantas vezes

confrontados — e confrontados com tanta gravidade — e na qual é preciso uma harmonização europeia,

porque os países costeiros, designadamente, como é o caso de Portugal, terão de ter uma natural

preocupação com estes crimes de poluição marítima e com a sua gravidade.

Sem querer ser também muito crítica, porque não foi, a Sr.ª Deputada Isabel Oneto dizia, e bem, que temos

de ter algum cuidado, porque estamos a mexer em matéria penal, designadamente no Código Penal, a conta-

gotas. Bom, mas quando estamos a tratar de uma matéria específica que decorre da transposição de diretivas,

Sr.ª Deputada, isso é um bocadinho inevitável. Podemos dizer: «Não mexemos». Não, temos de mexer! Pode

é ser feita uma ponderação para que as molduras penais sejam adequadas — e essa ponderação

seguramente está feita ou não deixará de ser feita.

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Termino como comecei, dizendo que, no fundo, em relação ao artigo 278.º, estamos a clarificar os casos

em que temos este agravamento das molduras penais em relação a crimes ambientais e, depois, temos uma

harmonização no crime da poluição marítima, que parece da maior importância. Por isso, sublinhando o

consenso até aqui gerado pela Câmara, quero deixar, também da parte do CDS, a nossa concordância sobre

esta matéria.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (Miranda Calha): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa

Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Telmo Correia, começo pela sua

intervenção. Sabe qual foi o problema no seu discurso? É que o Sr. Deputado toma as oposições pela prática

que conhece da sua maioria, que é a seguinte: tudo o que vem das oposições é para rejeitar. E, então, achou

que tudo aquilo que vinha do Governo é para ser rejeitado pelas oposições.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Isso não é verdade!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Ora, aqui está a prova daquilo que dizemos muitas vezes: quando

as coisas estão certas, nós votamos a favor, Sr. Deputado. Não tenha quaisquer dúvidas!

E agora, dirijo-me à Sr.ª Ministra da Justiça para dizer que Os Verdes vão votar favoravelmente esta

proposta de lei que o Governo aqui apresenta à Assembleia da República.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — A Sr.ª Deputada é das mais concordantes!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Agora, também não quero deixar de realçar aqui algumas coisas

e talvez até aproveitar a presença da Sr.ª Ministra, que não é Ministra do Ambiente, mas Ministra da Justiça,

mas, porque nós, Os Verdes, consideramos que as matérias ambientais devem, de facto, ser matérias

transversais na governação, é importante que algumas coisas sejam ditas, mesmo que estejamos a discutir

algumas especificidades.

Sr.ª Ministra, estamos a falar do agravamento da moldura penal de descargas poluentes por navios. Ora,

quero dizer-lhe, Sr.ª Ministra, que o sistema de vigilância, em Portugal, não está a funcionar. O sistema de

vigilância marítimo não está a funcionar. Está quebrado, Sr.ª Ministra, está coxo! Portanto, há aqui um fator

fundamental ao nível da prevenção que nos fragiliza imenso. E a Sr.ª Ministra já está a jusante, não é

verdade? A Sr.ª Ministra já está no final da carreira relativamente a todo um percurso que possa vir a seguir-

se, mas aquilo que está antes, Sr.ª Ministra, é extraordinariamente importante. E a Sr.ª Ministra, que tem

responsabilidade pela matéria das penas e da criminalização, deve chamar a atenção da Sr.ª Ministra da

Agricultura para isto que lhe estou a dizer. É que tudo isto deve ter um fio condutor.

Quero também dizer que acho extraordinariamente importante — na minha perspetiva, é um salto

qualitativo que se dá aqui — a preservação, se assim lhe posso chamar (porque acho que também é um fator

de preservação), de algumas componentes da biodiversidade, não apenas em habitats protegidos mas

também em habitats não protegidos.

Precisamos de quebrar esta lógica das fronteiras das áreas protegidas e entender que a biodiversidade não

tem fronteiras, corre muito para além de tudo aquilo que é área classificada, e que as espécies não se

restringem àquelas que estão classificadas na sua importância, quer por serem únicas, quer por estarem em

vias de extinção, e por aí fora.

Ou seja, há toda uma dimensão da biodiversidade que é extraordinariamente importante para a nossa vida,

para a nossa segurança, até daquilo que é desconhecido hoje para nós e que, num futuro próximo ou mais

longínquo, pode vir a ser conhecido, e dela poderemos vir a retirar inúmeros benefícios, como, por exemplo,

ao nível de medicamentos, e por aí fora.

A biodiversidade é uma caixinha de surpresas, mas extraordinariamente importante para o futuro da

humanidade. E nós temos cuidado muito pouco dela, Sr.as

e Srs. Deputados.

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O que queria aqui reafirmar é que este salto para os habitats não protegidos é extraordinariamente

importante, no sentido de alargar a nossa perspetiva do «cuidar de». Acho que é um salto extraordinariamente

importante.

O Sr. Presidente (Miranda Calha): — Queira terminar, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Termino, Sr. Presidente.

Portanto, Sr. Deputado Telmo Correia, o Sr. Deputado não estava confiante, mas aqui a unanimidade

também foi atingida. Está a ver? Não faltou muito.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Miranda Calha): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Justiça.

A Sr.ª Ministra da Justiça: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, relativamente à sua

intervenção e a algumas das intervenções anteriores, gostaria de clarificar, em primeiro lugar, que aqui não se

tratou da mera transposição de uma diretiva porque autonomizámos a descarga em termos que não estavam

previstos na diretiva.

Em segundo lugar, o facto de protegermos os habitats que não estão protegidos do ponto de vista jurídico

também não era uma imposição. E a não possibilidade de conversão em multa também não era propriamente

uma imposição.

Portanto, houve aqui por parte do Governo um esforço redobrado, no sentido de proteção do ambiente.

Quanto ao referido pela Sr.ª Deputada Isabel Oneto, só espero, Sr.ª Deputada, que a harmonização das

molduras penais não se perca na tradução. É que, na verdade, está perfeitamente harmonizado, foi estudado

e as molduras penais também são uma forma de prevenção geral. As molduras penais são uma forma de

prevenção geral de crimes.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Miranda Calha): — Não havendo mais inscrições, está concluído o debate, na

generalidade, da proposta de lei n.º 325/XII (4.ª).

Vamos passar ao ponto seguinte da ordem do dia, de que consta a discussão conjunta, na generalidade,

da proposta de lei n.º 324/XII (4.ª) — Procede à terceira alteração à Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, que

estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas

vítimas e dos projetos de lei n.os

959/XII (4.ª) — Primeira alteração à Lei n.º 104/2009, de 14 de setembro –

Regime de concessão de indemnização às vítimas de crimes violentos e de violência doméstica (PCP) e

961/XII (4.ª) — Altera a Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, reforçando a proteção das vítimas de violência

doméstica (BE).

Para apresentar a proposta de lei, tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e

da Igualdade.

A Sr.ª Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade (Teresa Morais): — Sr.

Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: O Governo traz hoje a debate a proposta de lei n.º 324/XII (4.ª), que

pretende introduzir alterações à Lei n.º 112/2009, relativa ao regime jurídico da prevenção da violência

doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas.

Esta proposta justifica-se pela necessidade de expurgar a lei de inutilidades, de clarificar algumas das suas

normas que sempre suscitaram dúvidas e mal-entendidos, de trazer para o quadro legal realidades novas que

foram sendo criadas ao longo dos últimos anos, em resposta a problemas identificados. A proposta justifica-se

ainda pela oportunidade de introduzir na lei figuras inovadoras em Portugal mas experimentadas no direito

comparado.

São exemplos destes objetivos, pela ordem enunciada: a revogação do encontro restaurativo, previsto no

artigo 39.º, questionável desde a sua consagração, e hoje manifestamente contrário às disposições da

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Convenção de Istambul; a clarificação da rede pública de apoio a vítimas no que se refere às instituições de

atendimento, na atual redação designadas por centros especializados e núcleos de atendimento, numa

tipologia complexa e confusa, que muitas vezes as próprias instituições não entendiam; a integração na rede

pública da resposta de acolhimento de emergência para vítimas da violência doméstica em vagas criadas em

casa-abrigo ou em estruturas autónomas, trazendo assim para a tipologia legal uma solução nova que conta já

com 130 novas vagas; a criação da equipa de análise retrospetiva de homicídios em violência doméstica,

constituída por representantes de organismos públicos, de entidades locais e de organismos da sociedade

civil, envolvidos em cada caso analisado, objeto de decisão judicial transitada em julgado, com o objetivo de

aprofundar o conhecimento detalhado de cada ocorrência e daí retirando informação útil à melhor prevenção e

intervenção futuras.

Outras alterações se propõem a que se atribui igual relevância, designadamente, a inclusão na lei do

atendimento prioritário a vítimas em condições de privacidade, praticado pelo IEFP (Instituto de Emprego e

Formação Profissional), bem como o acesso prioritário a ofertas de emprego; o alargamento do universo dos

bens suscetíveis de serem retirados pela vítima em caso de saída do domicílio aos bens não apenas de filhas

e filhos menores mas de pessoas maiores de idade que dela dependam; a criação da base de dados de

violência doméstica; o reforço da intervenção das forças de segurança, prevendo-se a elaboração de um plano

individualizado de segurança para as vítimas e uma intensificação da articulação destas forças com todas as

estruturas que integram a rede pública.

Refiro ainda a retirada da lei do caráter excecional da prorrogação da medida de teleassistência para além

dos seis meses. Para que seja prorrogada não precisa de ser invocada uma circunstância excecional, bastará,

a partir da aprovação desta proposta, que a proteção da vítima continue a justificar a existência dessa medida.

Sublinho, por último, que os órgãos de polícia criminal passam a poder fazer o encaminhamento direto das

vítimas para as estruturas de acolhimento de emergência, na sequência de pedido da vítima e de acordo com

a avaliação de risco.

O que nos motiva, Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, é a vontade de retirar conclusões da experiência

adquirida no terreno e do intenso trabalho desenvolvido pelo Governo em parcerias fundamentais com

organizações da sociedade, autarquias e entidades dos setores envolvidos, propondo, no final desta

Legislatura, que a lei seja mais clara, mais completa e mais apta a responder às necessidades desta realidade

resistente, mas dinâmica, que é a violência doméstica.

Esta violência, que afeta crianças e pessoas idosas de ambos os sexos mas que tem nas mulheres a

esmagadora maioria das suas vítimas, exige de nós uma atitude persistente e pró-ativa, que a mantenha no

centro do debate público como violação persistente e insuportável dos direitos humanos, tornando-a cada vez

mais intolerável por parte da sociedade portuguesa, que tão permissiva foi com ela durante tantas anos.

E se é verdade que o País continua a ter na violência doméstica um problema sério, também é verdade

que nunca se falou tanto desta violência, nunca se fez tanto para a desocultar,…

A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade: — … nunca se sensibilizou e

formou tanta gente para esta luta e nunca houve tantos meios e tantas respostas disponíveis para a prevenção

da violência doméstica e para a proteção e posterior autonomização das suas vítimas.

O Governo está seguro do contributo sistemático, sério e empenhado que tem dado para este combate e

esta proposta de lei é apenas mais uma frente desse esforço, agora na vertente normativa.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Miranda Calha): — Para apresentar, o projeto de lei n.º 959/XII (4.ª), tem a palavra a Sr.ª

Deputada Rita Rato.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, a violência doméstica, apesar das medidas que

têm vindo a ser tomadas ao longo dos anos, continua a marcar de forma hedionda a vida de muitas famílias,

afetando particularmente mulheres e crianças.

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Para o Partido Comunista Português, devem ser consideradas todas as medidas efetivas que previnam a

violência, inibam os seus efeitos, protejam as vítimas e erradiquem fenómenos de agressão, humilhação e

opressão.

Para isso, o Estado tem a obrigação constitucional de assegurar os meios materiais e humanos

adequados, em formação e número suficiente, para que, nas diversas dimensões de abordagem deste flagelo,

no domínio da prevenção, acompanhamento e erradicação e também ao nível do sistema de justiça e dos

profissionais necessários, estes funcionários judiciais ou técnicos das equipas multidisciplinares de apoio aos

tribunais sejam uma realidade efetiva.

O PCP reconhece como importante a necessidade de reforço da proteção às vítimas e, por isso, apresenta

esta iniciativa legislativa com o objetivo de avançar com elementos que preencham lacunas existentes na Lei

n.º 104/2009, de 14 de setembro, que aprovou o regime de concessão de indemnização às vítimas de crimes

violentos e de violência doméstica.

Com esta iniciativa, o PCP propõe a introdução de maior clareza ao conceito de crime violento; a definição

de que a indemnização a conceder à vítima tem o valor do salário mínimo nacional e a possibilidade de

concessão de indemnização a vítimas de violência doméstica através de uma única prestação e a garantia de

que o secretariado de apoio administrativo à Comissão funcione com três membros a tempo inteiro, sendo um

deles seja jurista para apoio ao trabalho processual.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, hoje as vítimas de violência doméstica têm direito à concessão de uma

indemnização pelo Estado quando se encontrem preenchidos cumulativamente os seguintes requisitos:

quando esteja em causa o crime de violência doméstica e quando se incorra em situação de grave carência

económica em consequência deste crime.

Esta iniciativa do PCP pretende ser um contributo no reforço da proteção das vítimas de violência

doméstica, através da garantia das condições materiais e humanas adequadas e do aumento do valor mensal

da indemnização a atribuir às vítimas.

O compromisso do PCP é o da erradicação de todas as formas de violência sobre as mulheres.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Miranda Calha): — Para apresentar o projeto de lei n.º 961/XII (4.ª), tem a palavra a Sr.ª

Deputada Cecília Honório.

A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Secretária de Estado, que saúdo,

aprovámos, por iniciativa do Bloco de Esquerda, há 15 anos, com os votos favoráveis do PSD, do PS, do PCP

e de Os Verdes, a alteração ao artigo 152.º do Código Penal, tornando a violência doméstica um crime

público.

Voltando um pouco atrás, o Deputado Luís Fazenda disse então, e cito: «Não desconhecemos que esta

medida só por si não combate o flagelo. Mas era urgente um sinal forte». E dêmo-lo. Então defendemos que

esta alteração ao Código Penal exigia muitas outras medidas, como o afastamento do agressor de casa, a

criação de casas-abrigo, estruturas de atendimento para as vítimas, apoio às associações que trabalhavam no

terreno, formação específica para todos os intervenientes, prioridade na habitação social.

Só o CDS entendia que esta iniciativa era errada porque não atendia à vontade da vítima. Perguntava

então o CDS, o único partido a votar contra, pela voz da Deputada Celeste Cardona: «E para onde vai a Maria,

que leva tareias do António mas está desempregada e tem dois filhos? O que fazer com ela?».

Muito se fez desde então, nomeadamente, as casas-abrigo, que também propusemos, mas a questão

central continua a ser a da autonomização das vítimas.

À pergunta «Para onde vai a Maria?» continuamos a responder: «O António que saia». E o projeto de lei

que hoje apresentamos é mais um passo nesse sentido, ao abrir a possibilidade de detenção do agressor fora

de flagrante delito, ao permitir o afastamento do agressor pela autoridade policial e ao vincular a suspensão de

pena de prisão a regras de conduta ou a regime de prova, acompanhando, aliás, em parte, as propostas que a

maioria propôs consagrar no Código Penal.

A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — Há mudanças no CDS!

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A Sr. Cecília Honório (BE): — Há mudanças no CDS, é verdade.

Saudamos a iniciativa do PCP como pertinente e oportuna e vemos nesta proposta de lei alterações

significativas, sem prejuízo de propostas que possamos fazer.

Há aspetos positivos, como o reforço da proteção policial das vítimas, o plano individualizado de

segurança, a análise retrospetiva do homicídio no quadro da violência doméstica e a prioridade no acesso às

ofertas de emprego — o problema está mesmo na falta de políticas para a criação de emprego —, a

atualização da rede nacional de apoio à vítima, a definição de competências da CIG (Comissão para a

Cidadania e a Igualdade de Género) e do ISS (Instituto da Segurança Social), se bem que não conseguimos

entender por que é que não há especificação de todas as estruturas de atendimento, os centros de

atendimento, os núcleos de apoio à vítima, os gabinetes de apoio à vítima, porque são estruturas que têm uma

identidade própria e, nesse sentido, parece-nos que seria oportuno continuar a consagrá-las na proposta de

lei.

Porém, não nos enganemos, e vou citar por alto as palavras muito recentes de um Procurador: «Nós

podemos melhorar, e muito, a lei, estamos nesse caminho, mas se não existirem os recursos humanos

ajustados para uma justiça célere, podemos mexer muito na lei que o essencial está nessa obrigação de a

justiça responder a estas vítimas». Nesse sentido, o Bloco de Esquerda está, como sempre, neste combate,

nesta luta pela melhoria desta lei e pelo combate a este flagelo que continua a fazer tantas vítimas no nosso

País.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Miranda Calha): — Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos à Sr.ª Secretária de

Estado, as Sr.as

Deputadas Teresa Anjinho, do CDS-PP, e Carla Rodrigues, do PSD.

Tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Anjinho.

A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.a e Sr. Secretário de Estado, Sr.

as e Srs.

Deputados, a discussão da presente proposta de lei, cuja importância é indiscutível, volta a trazer a Plenário

um tema que, sendo recorrente, permanecente dramaticamente atual.

Não obstante a maior atenção do legislador ou do executor, o fenómeno da violência doméstica continua a

registar números preocupantes.

É verdade, e todos o devemos reconhecer, que parte da expressão da realidade em inúmeras reconduz-se

a uma maior visibilidade do problema, a uma maior eficácia do sistema e, por isso mesmo, a um aumento da

confiança nas instituições.

Mas a maior verdade, Sr.ª Secretária de Estado, Sr.as

e Srs. Deputados, é que o drama continua e, ao lado

dos números e das suas interpretações, estão vidas de pessoas que não podemos ignorar.

Estamos a fazer mais e melhor. Não o reconhecer ou não o dizer seria desvalorizar o trabalho e a

dedicação, que aproveito, aliás, para enaltecer, de todos os agentes do sistema. Mas temos de prosseguir. A

violência doméstica é um fenómeno complexo que, por isso, exige uma resposta complexa, uma atenção

permanente, nomeadamente por parte do próprio legislador.

Apesar do número de participações, os dados da Direcção-Geral da Administração Interna apontam para

taxas de arquivamento acima dos 75%. São dos crimes mais difíceis de investigar. A obtenção de prova

depende muito do testemunho da vítima, vítima esta que durante a investigação, não raras vezes, opta por

ficar em silêncio — um silêncio que tanto pode ter origem na culpa ou na dependência emocional face ao

agressor como resultar de justificações mais simples, como seja, exatamente, a falta de segurança.

Para colaborar, a vítima precisa de se sentir segura. A este propósito, creio que há uma inovação

introduzida nesta proposta de lei que pode contribuir para a melhoria da eficácia do sistema: a criação dos

planos individuais de segurança.

Por isso, Sr.ª Secretária de Estado, a minha pergunta é muito simples: em que é que consiste e como é

que serão operacionalizados estes planos individualizados de segurança?

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Ainda a este respeito, e porque considero que foi uma inovação muito importante da avaliação de risco,

queria fazer outra pergunta: já há dados para fazer um acompanhamento, uma monitorização e avaliação

destas novas fichas aprovadas em novembro?

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Miranda Calha): — A Mesa foi informada que a Sr.ª Secretária de Estado responderá em

conjunto. Assim, para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Carla Rodrigues.

A Sr.ª Carla Rodrigues (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, a violência doméstica é um

fardo. É um fardo para as vítimas, que o carregam com sofrimento; é um fardo para a sociedade, porque

nenhuma sociedade é suficientemente desenvolvida enquanto padecer deste drama; e é um fardo para os

decisores políticos. E deixem-me dizer que é um fardo para todos os decisores políticos, Sr.ª Deputada Cecília

Honório, sejam eles do BE, do PCP, do PSD, do CDS. Justiça seja feita, todos os partidos políticos

representados nesta Casa se têm empenhado no combate a este drama.

Todos os decisores políticos percebem que, por muito que se faça neste combate, a realidade está ainda

longe do que desejaríamos. E digo «por muito que se faça» porque, efetivamente, muito se tem feito,

sobretudo nestes últimos quatro anos de Legislatura.

O tempo dedicado a este debate será sempre escasso para elencar tudo o que foi feito no âmbito da

prevenção e do combate à violência doméstica. Por isso, vou centrar-me apenas em dois aspetos parcelares

do diploma que o Governo hoje nos traz à discussão, os quais penso que são eloquentes: a prevenção, por

um lado, e a proteção e autonomização das vítimas, por outro.

No âmbito da prevenção, realço o papel das forças de segurança, da PSP e da GNR, e das inúmeras

ações de formação que têm sido realizadas desde 2012 para estes profissionais sobre violência doméstica.

Pergunto-lhe, Sr.ª Secretária de Estado, se tem números sobre o universo de efetivos que já foram

abrangidos por estas ações de formação, as quais abrangeram também magistrados, profissionais de saúde e

técnicos de apoio à vítima, um pouco por todo o País.

Em relação à proteção e autonomização das vítimas, foi dada uma atenção especial a um aspeto, a uma

nova fase na vida da vítima, ao recomeço.

Pergunto, então, à Sr.ª Secretária de Estado se tem dados sobre esta extraordinária medida que é «A

Escola Vai à Casa-Abrigo».

A casa-abrigo fornece não apenas abrigo, não apenas proteção, não apenas acolhimento, fornece também

instrução, fornece ferramentas, fornece novas armas para que a vítima regresse a uma nova vida, tenha uma

nova esperança e tenha uma nova oportunidade.

Relativamente a esta extraordinária medida, pergunto à Sr.ª Secretária de Estado se tem dados sobre o

impacto desta medida na vida das vítimas.

Outra medida que também é extraordinária e que gostaria de realçar, tem a ver com a prioridade no acesso

a ofertas de emprego e com o atendimento prioritário, bem como a privacidade, nos centros de emprego. É de

elementar justiça haver prioridade, privacidade, emprego, formação profissional. Enfim, uma vida nova para as

vítimas.

Sr.ª Secretária de Estado, pergunto: qual o feedback da implementação destas medidas no terreno? Que

dados é que nos pode avançar?

Tudo o que pudermos fazer para aliviar este fardo será sempre pouco perante este fardo tão grande das

vítimas de violência doméstica.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Miranda Calha): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado dos

Assuntos Parlamentares e da Igualdade.

A Sr.ª Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade: — Sr. Presidente, para além

de agradecer as questões colocadas pelas Sr.as

Deputadas Teresa Anjinho e Carla Rodrigues, queria pedir,

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antecipadamente, a sua autorização para, a dado momento, passar a palavra ao meu colega Secretário de

Estado da Administração Interna, que poderá, com maior detalhe, referir-se à matéria do plano individualizado

de segurança, ao ponto da situação sobre a ficha de avaliação de risco, que as forças de segurança têm

implementado desde novembro de 2014, e aos dados relativos à formação das forças de segurança.

Sr.ª Deputada Teresa Anjinho, queria dizer-lhe que, evidentemente, tem toda a razão quando fala de um

fenómeno muito complexo e quando se refere aos números do arquivamento.

Sabemos que as vítimas demoram, em média, 13 anos a tomarem a decisão de, finalmente, se desligaram

e se autonomizarem dos seus agressores. Muitas, ao longo desse período, fazem diversas tentativas falhadas

e, embora se trate de um crime público, na verdade, se não houver facilidade na recolha de prova, nem

colaboração por parte das vítimas, o processo acabará por morrer por si próprio, sem poder ser consequente.

Não deixa também de ser verdade que, algumas vezes, o processo morre por outro tipo de razões, morre

sem uma condenação. Mas aí estamos a falar do facto de haver um conjunto muito grande de penas de

condenação que, apesar de tudo, não são penas de prisão efetiva, são penas que acabam em suspensão em

89% dos casos, como prova um estudo recente da Universidade de Coimbra.

Portanto, o processo não chega ao termo a que gostaríamos, que era ver os agressores devidamente

punidos, porque, em muitos casos, a suspensão da pena não traz proteção suficiente à vítima e deixa o

agressor em liberdade.

Quanto a isso, é conhecida a minha posição e é também sabido que a maioria tem propostas feitas a esse

respeito, em que associa precisamente a necessidade de ponderação de medidas de proteção da vítima à

medida de suspensão da pena.

Quanto às questões focadas pela Sr.ª Deputada Carla Rodrigues, queria sublinhar que os temas que

escolheu relativamente às matérias integradas na lei são fundamentais, porque a lei não previa, até agora, a

própria medida que o IEFP (Instituto do Emprego e Formação Profissional) tem em curso quanto à aplicação

de uma prioridade no atendimento reservado às vítimas de violência doméstica e à colocação dessas vítimas

em postos de trabalho.

Sr.ª Deputada, posso dizer-lhe que, desde que esta medida está em curso, ela já teve em conta e ajudou

1243 vítimas. E todas estas mulheres tiveram, nos 84 pontos focais do IEFP no País, atendimento prioritário e

reservado.

Queria também dizer-lhe que o projeto «A Escola Vai à Casa-Abrigo» é novo, entrou em funcionamento

este ano e, neste momento, envolve 14 casas-abrigo em projeto-piloto. Nessas 14 casas, estão 21 docentes

colocados pelo Ministério da Educação, de acordo com o perfil e com a adequada seleção que foi feita para

esta função. Estão envolvidas neste projeto, neste momento, 82 mulheres.

Esta foi mais uma ideia que surgiu das visitas ao terreno e às casas-abrigo e do facto de se perceber que,

quando as mulheres, por razões de segurança, não podem sair da casa-abrigo, o tempo de acolhimento pode

ser um tempo perdido se a escola não for à casa-abrigo.

Sr. Presidente, peço-lhe o favor de me permitir a passagem da palavra ao meu colega Secretário de Estado

da Administração Interna.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Miranda Calha): — Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Interna.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Interna (João Pinho de Almeida): — Sr. Presidente, Sr.ª

Deputada Teresa Anjinho, colocou duas questões, tendo sido a primeira sobre o plano individual de

segurança.

Disse a Sr.ª Deputada, e muito bem, que a vítima, para colaborar, tem de se sentir segura, e esse é

exatamente o objetivo dos planos individuais de segurança.

Pretende-se, pois, com indicações muito claras, transmitidas pessoalmente às vítimas, poder, de alguma

forma, preparar a vítima, no que for possível, para uma série de situações com que terá de lidar.

Isso passa por, em primeiro lugar, definir três perfis tipo, que têm já determinadas, à partida, as indicações

que são dadas, mas não se prescinde do contacto individualizado e da adaptação específica para cada caso.

Estes perfis servem para orientar as forças de segurança numa primeira abordagem e numa primeira

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avaliação e são para situações em que a vítima não pretende terminar a relação ou sair de casa nos seis

meses subsequentes, para os casos em que a vítima pretende terminar a relação ou sair de casa nos seis

meses seguintes ou para os casos em que a vítima já não vive com o agressor. Portanto, são três realidades

claramente distintas e que têm, logo à partida, um programa definido previamente.

De que constam estes programas? Da segurança durante o ato violento ou após a agressão e de

indicações sobre essa realidade; da segurança e do bem-estar psicológico; de contactos importantes a ter pela

vítima para imediatamente poder agir; da segurança diária quando vive com o agressor; de questões tão

simples como a lista de documentos que deve levar em caso de querer sair repentinamente de casa ou as

medidas de segurança que deve ter para, depois de tomar essa decisão e de a concretizar, poder lidar com a

situação.

No fundo, isto permite às forças de segurança que, de uma forma simples, informem cada uma das vítimas

de uma série de procedimentos que as podem proteger e que podem ser decisivos nesse contexto.

O Sr. Presidente (Miranda Calha): — Queira concluir, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Interna: — Sr. Presidente, vou terminar rapidamente.

Quanto à questão das fichas individualizadas, elas são, naturalmente, a base destes planos. Já foi feito um

questionário, por parte da Secretaria Geral do Ministério da Administração Interna, a 38 comandos das forças

de segurança, tendo sido identificadas 8700 primeiras avaliações e 6900 reavaliações feitas pelas forças de

segurança desde novembro.

Posso dizer-lhe, por exemplo, que o nível de risco atribuído nas primeiras avaliações foi de 25,8% nos

casos de nível baixo, 48% nos casos de nível médio e 26,2% nos casos de nível elevado.

No que diz respeito à formação, questão que a Sr.ª Deputada Carla Rodrigues colocou, nos últimos três

anos foram formados 225 formadores nas forças de segurança e, ao nível de elementos policiais, foram

formados 10 996 na PSP e 13 006 na GNR.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Miranda Calha): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elza Pais.

A Sr.ª Elza Pais (PS): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as

e Srs. Deputados: A violência

doméstica é uma realidade atroz que ainda não vencemos, pese embora todo o esforço que temos vindo a

fazer e que tem sido transversal a todos os governos ao longo destes 15 anos, desde que foi definida, em

2000, como crime público.

Hoje, continuam a morrer, em média, 40 mulheres por ano, assassinadas pelos parceiros com quem viviam

ou com quem já tinham deixado de viver, e são 27 000 as vítimas que têm coragem de apresentar queixa às

forças de segurança.

Quero aqui dizer que o PS sempre esteve, está e estará na linha da frente deste combate. E lembro só

alguns dados: crime público — presente! —, novo tipo legal de crime, alargando, inclusivamente, o conceito a

novas realidades, nomeadamente às relações íntimas entre pessoas do mesmo sexo, quando ainda nem

sequer tínhamos aprovado o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e a Lei n.º 112/2009.

Esta Lei, cujas propostas de alteração hoje discutimos, dá conta, justamente, da prioridade que o Partido

Socialista dá ao combate à violência doméstica e, em 2009, constituiu um avanço legislativo significativo e

ímpar, assente em princípios da igualdade, em princípios da autonomia da vontade, em princípios da proteção

da vítima nos diversos domínios da sua vida e da sua relação com a sociedade, desde o trabalho até à saúde,

etc.

A Lei n.º 112/2009 apresentou, por isso, uma mudança paradigmática: a violência doméstica deixou, neste

momento e por força da lei, de ser apenas uma questão de família para passar a ser uma questão de direitos

humanos.

O Sr. José Magalhães (PS): — Muito bem!

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A Sr.ª Elza Pais (PS): — A violência doméstica é uma violência de género,…

A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — Sempre foi!

A Sr.ª Elza Pais (PS): — … porque está enraizada em desigualdades entre homens e mulheres que são

estruturais e em relações de poder que, por mais que as combatamos e muito temos feito por isso, persistem.

Daí que o nosso combate não possa ter tréguas.

Nesta linha, a Convenção de Istambul vem também consolidar a visão que nós já propúnhamos nesta lei e,

ao mesmo tempo, vem propor formas abrangentes e integradas para a combater, tal como a lei de 2009

previa.

Foi muito difícil construir este puzzle de intervenções, para o qual muito contribuíram os OPC (órgãos de

polícia criminal), as ONG (organizações não governamentais), os Conselhos Superiores de Magistratura do

Ministério Público, uma audição alargada a uma sociedade que se implicou, e este Parlamento também, na

construção desta lei, que se pretendia abrangente e global.

Nada ficou por equacionar, desde a natureza urgente, desde a detenção fora de flagrante delito, que

infelizmente não se faz, desde meios eletrónicos de controlo à distância, que felizmente se está a fazer, e bem

— foi feito quer pelo anterior Governo, quer por este Governo, e que muitas mortes, apesar de continuarem a

ser muitas, têm prevenido. Refiro ainda o tratamento de agressores, a rede de proteção das vítimas, apoios

sociais diversos e não posso deixar de mencionar a isenção das taxas moderadoras para as vítimas de

violência doméstica e algo muito inovador, que também continua por cumprir, que é a educação para a

cidadania.

Mas, apesar de tudo ter sido equacionado, nem tudo tem sido cumprido, o que é normal com qualquer lei, e

esta não foge a esta regra porque a aplicação das leis fica sempre muito aquém dos objetivos e dos princípios

que elas enunciam.

A Subcomissão da Igualdade tem feito, a este nível, um trabalho muito exaustivo e muito intenso e tem

promovido audições diversas, quer com o Conselho Superior da Magistratura, quer com o Conselho Superior

do Ministério Público, com a Ordem dos Advogados, com a PGR, com organizações não governamentais e

com peritos da área, para perceber — isto é muito importante — o que é que nos falta fazer, depois de tudo o

que já fizemos (e tem sido muito), numa intervenção transversal e global, para combater este flagelo.

O PS saúda, por isso, a iniciativa do Governo e saúda também as iniciativas do Bloco de Esquerda e do

PCP no sentido de se melhorar a lei, pois as melhorias são sempre bem-vindas, e de se melhorar também a

lei da indemnização a vítimas de violência doméstica no sentido do aprofundamento do conhecimento e no

sentido do reforço da proteção das vítimas, bem como na recolha de dados para uma análise rigorosa sobre

estas realidades. Temos algumas reservas relativamente a alguns aspetos, mas manifestamos toda a

disponibilidade para fazermos essa discussão na especialidade.

Há um tema que nos é caro e que foi novamente aqui introduzido pelo Bloco de Esquerda, que tem que ver

com o afastamento urgente do agressor. O agressor tem de se afastar em tempo útil, porque, se não, de nada

vale termos medidas para afastar a vítima. Temos de afastar o agressor!

A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Elza Pais (PS): — O PS, consciente da urgência dessa necessidade, também já apresentou nesta

sessão legislativa projetos, que, lamentavelmente, foram chumbados, tendo sido inclusivamente inviabilizada a

sua discussão. Mas a vida é assim, e continuamos a dar os nossos contributos para melhorar os projetos que

estão em cima da mesa.

Para nós, Partido Socialista, este é o centro nevrálgico do combate para evitar os homicídios conjugais. Ou

encontramos uma solução para afastar o agressor em tempo útil, como propõe o Bloco e como tinha proposto

o PS, ou então não conseguimos, de todo, travar esta batalha…

O Sr. José Magalhães (PS): — Muito bem!

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A Sr.ª Elza Pais (PS): — … e as mulheres continuam a morrer, assassinadas, à porta de casa, dentro ou

fora dela, pelas pessoas com quem decidiram viver.

Uma sociedade, Sr. Presidente, só é verdadeiramente democrática e livre quando não houver mulheres

que tenham medo de viver porque têm medo de ser assassinadas pelos homens com quem escolheram viver.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Miranda Calha): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Francisca

Almeida.

A Sr.ª Francisca Almeida (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as

e Srs. Deputados:

Nunca como hoje o crime de violência doméstica teve tanta visibilidade, nunca como hoje foi tão clara a

desocultação do fenómeno e nunca como hoje se mobilizaram tantos esforços quer da parte do Governo, quer

da parte do Parlamento, quer da parte da sociedade civil no combate, prioritário e decidido, a este tipo de

violência.

Apesar disso, a crueza dos números não pode deixar de, renovadamente, nos interpelar e de nos unir no

desenvolvimento de políticas de prevenção, de uma estrutura de apoio às vítimas mais capaz e mais flexível e

de um quadro jurídico-penal mais adequado a esta realidade.

Isso mesmo tem motivado este Governo e esta maioria e creio que todos nesta Câmara, inclusivamente o

próprio Partido Socialista, reconhecem que desde a aprovação da lei da violência doméstica muitíssimo se tem

feito no âmbito da prevenção e do combate a esta forma de violência.

Com efeito, foi com este Governo que, pela primeira vez, foi criado o acolhimento de emergência — que

ganha agora, de resto, consagração legal — com 130 vagas nas casas de abrigo da rede pública. Foi com

este Governo que, pela primeira vez, se instituiu o serviço de transporte de vítimas de violência doméstica e

dos seus filhos, para garantir que são transportadas em adequadas condições de segurança das estruturas de

atendimento para as casas de abrigo. E foram melhoradas as condições de habitabilidade e de conforto de

todas as casas de abrigo da rede pública.

Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, esta lei reflete, igualmente, uma aposta decisiva deste Governo na

autonomização das vítimas. Pela primeira vez, foi atribuída a cada uma das entidades gestoras das casas de

abrigo uma subvenção destinada a apoiar as vítimas no momento da sua saída. E foi ainda criado, como já

aqui foi referido, o projeto «A escola vai à casa de abrigo» com os números muitíssimo relevantes a que aludiu

a Sr.ª Secretária de Estado.

Careciam, contudo — bem sabemos —, de consagração legal as medidas no apoio à habitação, pois já

hoje são disponibilizadas às vítimas habitações a baixo custo, quer através dos municípios solidários, quer

através dos protocolos entre a CIG (Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género) e o IHRU (Instituto

da Habitação e da Reabilitação Urbana). Esse acesso em condições privilegiadas fica agora plasmado na lei.

No mesmo sentido, Sr.as

e Srs. Deputados, sublinhamos a consagração da prioridade que é dada às

vítimas nos centros de emprego, com atendimento prioritário reservado e, demonstrado o sucesso dessa

iniciativa — a Sr.ª Secretária de Estado já aqui apontou os números —, ganha agora expressa consagração

legal.

Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, uma palavra também para dar nota do projeto que aqui apresentou a

maioria e que foi, de resto, aprovado na generalidade e que altera o quadro penal e processual penal,

reforçando decisivamente a proteção das vítimas de violência doméstica. Um projeto a que, de resto, creio, o

Bloco de Esquerda vem agora, de alguma forma, responder e complementar com o projeto que apresenta.

Em relação ao projeto que a Sr.ª Deputada Elza Pais apresentou, gostaria de lhe dizer que ele foi

chumbado porque era redundante e inconstitucional e, portanto, não significava um contributo que pudesse ser

juridicamente aceitável nesta Câmara. Aliás, isso mesmo diziam os pareceres que aqui foram recebidos.

Vozes do PSD: — Muito bem!

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A Sr.ª Francisca Almeida (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, a lei que aqui hoje discutimos

vem consagrar, em termos legislativos, um trabalho que há muito vem sendo feito, mas que, paralelamente,

inova em aspetos que são considerados decisivos por quem, no terreno, trabalha com este tipo de problema.

É o caso do evidente reforço da intervenção dos órgãos de polícia, do reconhecimento do direito de a

vítima retirar da sua residência não só os seus bens e os dos seus filhos menores, mas também os de pessoa

maior que tenha a seu cargo e a criação da equipa de análise retrospetiva de homicídio em violência

doméstica, para se poder, de facto, assinar e monitorizar novos procedimentos e metodologias de natureza

preventiva.

Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, é em boa hora que o Governo assume alterar, pontual mas

cirurgicamente, a lei da violência doméstica. Torna-a mais clara para todos, mais operacional para as polícias,

para as estruturas de atendimento e de acolhimento mas, sobretudo, mais capaz de assegurar uma efetiva

proteção da vítima. Para esse desiderato contará, naturalmente, com o contributo do Grupo Parlamentar do

PSD.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Miranda Calha): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Rita Rato.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as

e Srs. Deputados: Gostaria de

tecer algumas considerações gerais, começando por dizer que o PCP acompanha os objetivos da proposta de

lei e do projeto de lei do Bloco de Esquerda aqui em discussão, porque entendemos que contribuem para a

proteção das vítimas.

Relativamente à proposta de lei, entendemos que muitas das matérias de aperfeiçoamento e de

atualização da lei, são medidas que têm vindo a ser tomadas e que, de certa forma, ficam consagradas neste

diploma, mas entendemos também que o principal obstáculo à lei não é a sua necessidade de

aperfeiçoamento, que por essa via hoje aqui discutimos, mas, sobretudo, as condições de aplicação da lei.

Por diversas vezes, temos sido alertados, por parte das organizações, quanto à necessidade de garantir

que não estamos perante a «revitimização». Isto porque muitas vezes nos dizem que o tempo da justiça não é

o tempo das vítimas. E as vítimas são confrontadas com um sofrimento que se agudiza e persiste exatamente

porque, muitas vezes, as condições de funcionamento dos tribunais não permitem intervir a tempo e horas,

prolongando estas situações.

Outras matérias que aqui queríamos trazer prendem-se com a atribuição do estatuto de vítima. Tivemos

oportunidade de colocar a questão à Sr.ª Secretária de Estado sobre o facto de existirem delegações da

segurança social que demoram meses a atribuir o estatuto de vítima e com isso a atrasar o andamento dos

processos, colocando estas mulheres em situações verdadeiramente negativas.

No que diz respeito às condições económicas e sociais, não podemos deixar de alertar para o seguinte: o

PCP tem identificado como melhorias importantes todas as matérias que contribuem para o reforço das

vítimas, mas também temos tido sempre o cuidado e a obrigação de alertar para que, num contexto de

agravamento da pobreza e da exclusão social, as mulheres, e neste caso as vítimas, ficam mais vulneráveis

todos os tipos de violência. Por isso, não podemos deixar de alertar para os impactos do desemprego, da

pobreza e da dependência económica das mulheres face aos agressores e de como isso contribui para o

agravamento destas situações.

Por isso é que, no plano da discussão das leis hoje aqui em discussão, o PCP acompanha os objetivos

mas entendemos que a erradicação de todas as formas de violência sobre as mulheres, designadamente no

plano económico e social, exige também uma outra política que garanta condições de vida dignas a todas. É

esse o compromisso do PCP na lei e na vida e, por isso, entendemos que são importantes os passos que

tardam a ser dados, porque é na lei e na vida que têm de ser assegurados.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Miranda Calha): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília

Honório.

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A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Saúdo os termos em que este

debate ocorreu. Reconheço que houve, na intervenção inicial do PSD, alguma irritação, no entanto só apontei

factos. Factos são factos, e é facto que o CDS votou contra na altura, embora haja uma evolução

reconhecível.

É certo que a iniciativa de tornar a violência doméstica um crime público foi nossa, tendo obtido uma larga

maioria aquando da sua aprovação nesta Casa.

Gostaria, entretanto, de sublinhar duas questões.

Em primeiro lugar, quero reconhecer que a Lei n.º 112/2009 foi um avanço muito grande, que é uma lei boa

e que com esta proposta de lei é atualizada e melhorada em algumas vertentes. Deixo esta questão de fundo

sem qualquer espécie de cinismo.

Sabemos que é uma lei boa, muitas vezes não aplicada e muitas vezes mal conhecida — a Sr.ª Secretária

de Estado bem sabe disso.

A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — É verdade!

A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Portanto, a dúvida de fundo é se será desta vez que esta lei é para aplicar,

para proteger as vítimas, para pôr no terreno, com todos os artigos que ela tem.

A segunda questão tem a ver com o que disse a Sr.ª Deputada Carla Rodrigues sobre os decisores

políticos terem responsabilidade. É disso mesmo que estamos hoje a falar e eu registei que não houve da

parte da maioria qualquer nota sobre os demais diplomas, nomeadamente sobre o projeto de lei do Bloco de

Esquerda, e sobre a questão premente, do nosso ponto de vista, de, por um lado, agilizar a detenção fora de

flagrante delito e, por outro lado, encontrarmos a formulação mais adequada à urgência do afastamento do

agressor.

Deixo-vos, pois, o convite a que esta reflexão possa ser feita e amadurecida, como as vítimas exigem e

merecem.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Miranda Calha): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa

Anjinho.

A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as

e Srs. Deputados: A

violência doméstica é, malogradamente, e independentemente de toda a atenção, compromisso e

investimento que tem merecido, uma realidade mundial e nacional.

De privado a público, é um problema que subsiste e que, como todos bem sabemos, tem particular

incidência nas mulheres.

É para mim evidente — e ao longo desta Legislatura tenho-o dito sucessivas vezes — que governos,

Parlamento e organizações relevantes devem ser, de forma coordenada e integrada, firmes na atuação,

aproveitando sinergias nacionais, mas também internacionais, seja ao nível da prevenção, da repressão e,

muito em particular, da proteção e apoio à vítima.

Durante quase quatro anos, em circunstâncias que todos facilmente reconhecemos como extremamente

difíceis, foi para nós, e para mim em particular, muito grato perceber como, a todos os níveis, esta visão e esta

estratégia esteve sempre presente nas políticas públicas em vigor e o tema da violência doméstica

permaneceu nas prioridades de reflexão e também de ação.

Renovação com reforço e reforço com inovação, numa notável e consequente abertura à sociedade civil.

Maior eficácia, maior transparência, maior responsabilização.

Sumariamente, e sabendo que muito ficará por dizer, ao nível da proteção da vítima, falo de novas

subvenções aos núcleos de atendimento; de novas vagas de acolhimento de emergência; de transporte de

emergência; do sistema de teleassistência; do alargamento das ações de formação; do número de aparelhos

de vigilância eletrónica.

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No quadro da autonomização e capacitação das vítimas, falo da criação de um novo fundo, a ser gerido

pelas casas de abrigo; da facilitação no acesso à habitação, seja com protocolos celebrados com os

municípios, seja com o próprio Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU); da facilitação no

acesso ao emprego e à formação; e, não menos importante, como já foi aqui referido, do programa «A escola

vai à casa de abrigo».

Medidas, todas elas, muito importantes, exatamente na matéria da tal dita integração social e inserção

socioprofissional, para permitir às vítimas o desejável recomeço.

Foi, aliás, reforçada a formação dos profissionais que intervêm nesta área, como também já aqui foi

referido, e muitas outras foram as medidas adotadas em matéria de consciencialização.

Hoje, com a apresentação desta proposta de lei, e atento a todo o percurso trilhado, o Governo dá um

importante passo, que rotulo de estrutural, para melhoramento da arquitetura legal subjacente à prevenção e

ao combate à violência doméstica. De melhoramento e de atualização, de clarificação, de reforço e de

consolidação de estratégias, numa lei que volta, assim, Sr.ª Deputada Cecília Honório, a ganhar a devida

centralidade.

Em suma, e não querendo com isto desvalorizar o passado, a verdade é que nunca, como hoje, a violência

foi tão falada, foi tão debatida e merecedora de um investimento público tão atento, estrutural e transversal.

Assim se compreende a inevitável frustração dos números.

É por isso que, com poucas dúvidas, hoje volto a afirmar o que sempre afirmei: é um facto que ao Estado

cabe o importante papel da definição das políticas públicas, mas também é um facto que este desafio não

poderá nunca ser alcançado apenas por esta via, dizendo-nos respeito a todos, num importante dever de

cidadania e que começa, desde logo, por uma importante alteração de mentalidades, acompanhada de uma

mudança corajosa de atitudes e formas de estar individuais, que possa, desde logo, começar por considerar a

violência como algo que nunca deve ser tolerado.

Por isso, é com persistência, continuidade e aperfeiçoamento que, naturalmente, se diz «bem-vindos» a

todos os partidos e se saúda esta proposta de lei, acabando com aquilo que, naturalmente, todos devemos

reconhecer: este é um caminho que se faz caminhando.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (Miranda Calha): — Ainda para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elza

Pais.

A Sr.ª Elza Pais (PS): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Para finalizar,

gostaria de dizer que, pela primeira vez, estamos a discutir a solução para o agressor se afastar da residência

onde agride e pode matar a sua vítima. Há sempre uma primeira vez nas intervenções públicas, mas isso não

deve desmobilizar-nos do combate conjunto e transversal que sobre estas matérias tem de ser feito.

A luta não começou ontem, nem com este Governo, nem com o Governo do PS, começou há muitos,

muitos anos, com as organizações não governamentais, com as feministas que vieram para a rua dizer: «Há

aqui uma forte violação dos direitos humanos das mulheres, por isso criem políticas públicas para as proteger

e integrar».

Portanto, é uma luta que vai continuar. Ninguém deverá ter a ousadia de a reivindicar, julgo eu; devemos

ter a humildade de perceber que cada nova etapa é um contributo neste complexo edifício de combate, de

prevenção e, ao fim e ao cabo, de ajuda às vítimas para sobreviverem e construírem um novo projeto de vida.

Mas avançámos neste paradigma de forma indiscutível. Aliás, o PSD e o CDS chegaram a este paradigma

tardiamente.

Vozes do PSD e do CDS-PP: — Oh!…

A Sr.ª Elza Pais (PS): — Ainda bem que o fizeram, porque o Conselho da Europa e a Convenção de

Istambul vêm, de facto, consolidar esta visão.

Gostava de dizer que é preciso avançarmos, e temos de avançar na lógica da educação para a cidadania.

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O Sr. José Magalhães (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Elza Pais (PS): — Precisamos de construir novas feminilidades, precisamos de construir novas

masculinidades, e é aqui que o caminho ainda não está a ser feito.

O Sr. Presidente (Miranda Calha): — Queira concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Elza Pais (PS): — Já foi iniciado, com os programas contra a violência no namoro — sobre isso

muito haveria a dizer, os resultados têm sido muito positivos —, mas é pouco.

O Sr. Presidente (Miranda Calha): — Queira concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Elza Pais (PS): — Temos de ensinar os nossos jovens rapazes no exercício do poder sem recurso à

violência; temos de ensinar as nossas jovens raparigas no exercício da afirmação recusando a submissão.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Miranda Calha): — Para uma intervenção, beneficiando de 1 minuto cedido pelo Grupo

Parlamentar do CDS-PP, tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da

Igualdade.

A Sr.ª Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade: — Sr. Presidente, Srs.

Deputados: Quero, antes de mais, agradecer e saudar o consenso que parece existir em torno das propostas

hoje, aqui, apresentadas, designadamente da proposta apresentada pelo Governo, e gostaria de fazer também

alguns sublinhados finais.

Em primeiro lugar, quero lembrar à Sr.ª Deputada Elza Pais que, de facto, foi com a criação da natureza

pública do crime e não com a lei da violência doméstica que o crime deixou de ser visto como uma questão

familiar. A grande barreira foi ultrapassar a natureza privada e assumir a natureza jurídica pública do crime.

A Lei n.º 112/2009 é uma lei importante, mas não teve, obviamente, a relevância de trazer este crime para

a esfera daquilo que deve ser, naturalmente, denunciado e perseguido, independentemente do interesse dos

particulares.

Quero também lembrar que toda a gente está de acordo — isso foi aqui referido diversas vezes — que é

preciso afastar o agressor da residência. Mas lembro também que a medida de afastamento do agressor da

residência está na lei, e está na lei, como está no Código, há muitos anos.

A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Não é assim! Ouça a GNR!

A Sr.ª Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade: — Portanto, não é por

querermos voltar a pôr na lei aquilo que já lá está que vamos resolver um problema que ainda não foi

resolvido. E, para isso, o Governo tem feito tudo aquilo que está ao seu alcance, designadamente através da

formação e da sensibilização dos magistrados para a utilização de uma figura que já existe e que eles aplicam

muito pouco. Daí que, muitas vezes, em ações com o Centro de Estudos Judiciários e com a PGR, eu devolva

às próprias magistraturas a pergunta que me é feita, a mim, com muita frequência. Muitas vezes as pessoas

perguntam: «Mas por que é que os juízes não dizem que o agressor é que tem de sair e deixam que saia a

vítima?» Pois os juízes têm na mão essa decisão, é uma decisão judicial, a de afastamento do agressor.

Aquilo que o Bloco propõe, aliás, é coisa diferente daquilo que propunha o PS. Não vamos confundir as

coisas! As propostas não são iguais e, desse ponto de vista, quero saudar o Bloco de Esquerda, porque

podemos concordar que a proposta estica os limites da constitucionalidade das medidas de polícia que

apresenta,…

O Sr. Presidente (Miranda Calha): — Queira concluir, Sr.ª Secretária de Estado.

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A Sr.ª Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade: — … mas não é uma

proposta tosca nem está mal feita. É uma questão de princípio querer ou não aceitá-la.

Sr. Presidente, vou concluir, dizendo apenas o seguinte: o Partido Socialista, desta vez, numa intervenção

mais consensual, que saúdo, não deixou, em todo o caso, de fazer uma reedição da sua célebre teoria do

apagão. Apagou quatro anos de políticas públicas, esqueceu tudo o que foi feito nestes quatro anos,…

O Sr. Presidente (Miranda Calha): — Queira concluir, Sr.ª Secretária de Estado.

A Sr.ª Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade: — … as medidas que nunca

ninguém tinha discernido, que nunca ninguém tinha considerado importantes e que foram tomadas.

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Sr.ª Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade: — Estão aí, à vista de toda a

gente, mas o Partido Socialista não consegue reconhecê-las, é superior às suas forças.

Termino, Sr. Presidente, dizendo apenas, e porque essa notícia não teve suficiente destaque público, mas

julgo que o Parlamento gostará de o saber e saudar, que se verificou a eleição de uma portuguesa, a

Procuradora Helena Leitão, para o GREVIO (Group of Experts on Action against Violence against Women and

Domestic Violence), organismo que vigiará a implementação da Convenção de Istambul, tendo Portugal sido

um dos países cuja candidatura foi votada por todos os países eleitores. Portanto, uma das 10 peritas eleitas

para o GREVIO é uma portuguesa, a Procuradora Helena Leitão.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Miranda Calha): — Sr.ª Secretária de Estado, queria também lembrar-lhe que, sendo

Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares, compreende bem as regras do Regimento da Assembleia

da República.

A Sr.ª Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade: — Muito bem!

O Sr. Presidente (Miranda Calha): — Srs. Deputados, chegámos ao fim deste ponto da nossa ordem de

trabalhos, pelo que vamos passar ao debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 327/XII (4.ª) — Define as

regras do financiamento das associações humanitárias de bombeiros no continente, enquanto entidades

detentoras de corpos de bombeiros.

Para apresentar a proposta de lei, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Administração Interna.

A Sr.ª Ministra da Administração Interna (Anabela Rodrigues): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados:

Os bombeiros portugueses constituem um caso único no panorama internacional e são um exemplo notório de

coragem, solidariedade, dedicação abnegada, espírito de missão e de entreajuda, na procura do bem comum.

Se o reconhecimento público dos nossos bombeiros é notório, deverá ter consequências na estabilidade e

na transparência do financiamento das suas associações.

Neste contexto, apresentamos hoje a esta Assembleia uma lei de financiamento das associações

humanitárias detentoras de corpos de bombeiros.

Entendeu o Governo que, dada a relevância da matéria, ainda que pudesse legislar por decreto ou portaria,

a força de lei da Assembleia da República valorizaria o objetivo pretendido.

Com a presente proposta, pretendemos ir além dos apoios e subsídios avulsos, definidos através de

despachos e protocolos, que foram, ao longo do tempo, estruturando as responsabilidades do Estado nesta

matéria.

Impõe-se que o financiamento da administração central às associações humanitárias seja mais

transparente e previsível e mais adequado à realidade de cada corporação de bombeiros. Para tal, foram

definidos cinco critérios fundamentais a ter em conta na caracterização de cada corpo de bombeiros: área

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abrangida, habitantes abrangidos, índice de risco da área de atuação, número de ocorrências registadas e

número de elementos do quadro ativo e de comando.

Assim, pretendemos uma definição mais clara e objetiva das verbas a atribuir a cada associação

humanitária de bombeiros voluntários, assente em fatores de operacionalidade mais adaptados às

necessidades e ao contexto de cada associação.

Para além disto, entendeu o Governo que, no momento em que se fazia esta alteração legislativa, se

justificava aumentar o valor global do financiamento às associações humanitárias, no sentido de estas terem

maior capacidade para responderem às dificuldades financeiras que enfrentam. Um aumento de 12% significa,

no contexto atual, um esforço orçamental significativo, sendo ainda de realçar que a lei contém uma cláusula

que garante que todas as associações receberão, em 2015, mais do que receberam em 2014.

Este é, pois, um momento significativo na relação entre o Estado e as associações humanitárias de

bombeiros voluntários.

O Governo assume o seu compromisso ao apresentar esta proposta, estando certo de que o Parlamento

se associará a este reconhecimento da relevância dos bombeiros portugueses.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Miranda Calha): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Andreia Neto.

A Sr.ª Andreia Neto (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Administração Interna, Srs. Secretários de

Estado, Sr.as

e Srs. Deputados: Num mandato tão exigente como este tem sido, em que foi necessário tomar

um conjunto de medidas difíceis, mas necessárias, posso afirmar que este é, para mim, um momento

especialmente gratificante.

É hoje o dia em que o Governo traz a debate na Assembleia da República a concretização de um projeto,

um projeto ambicioso e meritório e que vai no melhor sentido dos interesses e dos anseios das associações

humanitárias de bombeiros.

Se há instituições ou associações que nos devem merecer respeito e admiração são garantidamente os

corpos de bombeiros, enquanto agentes de proteção civil e principais responsáveis pelo socorro e proteção de

pessoas e bens e que estão no terreno 365 dias ao serviço das populações.

E, aqui chegados, permitam-me dirigir um cumprimento a todas as corporações de bombeiros e um

especial cumprimento às corporações dos bombeiros de Santo Tirso, com quem tive o privilégio de partilhar,

há dias, as cerimónias de evocação do Dia do Bombeiro no município. Bem hajam pelo que fazem.

Sr.as

e Srs. Deputados, pela nobre missão que os bombeiros desenvolvem abnegadamente é justo este

reconhecimento de todos, seja do Governo, seja da Assembleia da República, a todos estes homens e

mulheres que diariamente, no terreno, servem com dedicação, com empenhamento e com sacrifício pessoal o

bem-estar das populações.

É justo o reconhecimento e a valorização que o Governo vem hoje aqui prestar à atividade dos corpos dos

bombeiros e às quais, naturalmente, o PSD se associa com enorme convicção.

É notório e visível que este diploma reforça claramente a concretização de um modelo de financiamento,

pautado por claros critérios e com a ambição assumida de obtenção de melhoria da capacidade operacional

das associações humanitárias.

Ademais, e também no bom sentido, reforçam-se as medidas de transparência de atribuição do

financiamento público.

Ainda, e não menos importante, Sr.ª Ministra, Sr.as

e Srs. Deputados, contempla procedimentos de apoio

financeiro que tornam mais previsível e programável a atividade e a missão dos corpos de bombeiros.

O PSD alimenta a natural expetativa de que este diploma hoje apresentado, pelos méritos evidentes que

encerra, irá recolher nesta Câmara o apoio generalizado.

Termino reforçando que o PSD — e saudando a Sr.a Ministra da Administração Interna e o Sr. Secretário

de Estado, a quem digo que é sempre um gosto renovado reencontrar nesta Casa que também foi sua —

apoia convictamente esta medida na certeza de que ela representa um claro benefício de valorização e

reconhecimento para as associações humanitárias.

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Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Miranda Calha): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra e Sr.ª e Sr. Secretário de Estado, Srs.

Deputados: Nós queríamos, no início da nossa intervenção neste debate, saudar não só os bombeiros de

Portugal mas também os bombeiros e os dirigentes da Liga dos Bombeiros Portugueses que se encontram a

assistir a este debate.

Os bombeiros portugueses prestam um serviço de valor inestimável no apoio às populações, valor, aliás,

reconhecido por esta Assembleia quando, há uns anos, lhes atribuiu o Prémio dos Direitos Humanos.

Portanto, esse reconhecimento deve ter como contrapartida o comprometimento do Estado no financiamento

adequado dos corpos de bombeiros.

Os bombeiros prestam um serviço inestimável em caso de catástrofes naturais, mas também em situações

mais correntes com que somos confrontados todos os anos e em algumas situações que ocorrem quase

diariamente de fogos florestais, de incêndios urbanos, de inundações, de acidentes do mais diverso tipo, de

transporte de doentes e sinistrados… Há um serviço público fundamental que é prestado pelos bombeiros e

onde as associações de bombeiros não profissionais assumem um papel fundamental.

Portanto, para além da componente de bombeiros profissionais, também temos os bombeiros voluntários

que constituem um corpo fundamental ao qual o Estado deve o merecido reconhecimento e um

comprometimento.

Nós queremos dizer que esta proposta de lei, tendo em consideração que, desde há muitos anos, o

comprometimento público do financiamento público dos bombeiros tem vindo a degradar-se, particularmente

desde 1987, é uma oportunidade, de certo modo, perdida para que se possa estabelecer um quadro estável e

plurianual para o financiamento dos bombeiros.

Dir-se-á que há aqui alguma recuperação relativamente à situação mais grave que se viveu nos últimos

anos em que chegámos a ser confrontados com associações de bombeiros a anunciar fechar portas por

inviabilidade financeira. De qualquer forma, aquilo que considerávamos essencial — e esta proposta de lei não

vai nesse caminho — é que se pudesse estabelecer, para além da estabilidade de um financiamento anual

público por parte do Estado aos corpos de bombeiros, segundo critérios transparentes, um quadro financeiro

plurianual de apoio à modernização de instalações e equipamentos dos corpos de bombeiros.

Parece-nos uma oportunidade que se perde e que seria importante que não se perdesse. Ou seja, o

Estado não deve preocupar-se apenas, embora naturalmente tenha de se preocupar, em garantir condições

de financiamento regular que permitam a sobrevivência e o funcionamento adequado das associações de

bombeiros. Tendo em conta a situação difícil que atravessam muitas instituições, dever-se-ia estabelecer um

quadro plurianual de comprometimento do Estado no financiamento dos corpos de bombeiros não apenas no

que diz respeito ao financiamento corrente, mas, sobretudo, para criar condições estruturais para que, no seu

conjunto, os bombeiros portugueses pudessem responder com toda a eficácia àquilo que socialmente deles se

exige. Isto porque muito abnegadamente eles vão enfrentando todas as dificuldades com que se deparam no

dia a dia.

O Sr. Presidente (Miranda Calha): — Queira terminar, Sr. Deputado.

O Sr. António Filipe (PCP): — Termino, Sr. Presidente.

Portanto, quer parecer-nos que esta proposta de lei, embora possa constituir um progresso em alguns

aspetos, peca por alguma insuficiência, sobretudo porque consideramos que é uma oportunidade perdida por

não conseguir um comprometimento financeiro do Estado mais estável relativamente aos corpos de

bombeiros.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Miranda Calha): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

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O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, e nos mesmos

termos que foi feito pelos oradores antecedentes, queria saudar os corpos de bombeiros, a Liga, as

associações de bombeiros voluntários e também, obviamente, os bombeiros profissionais aqui presentes.

Nós temos, de facto, um sistema misto e, em qualquer caso, o País, a comunidade enquanto tal, deve uma

palavra de sentida gratidão em relação a tudo aquilo que os bombeiros nos têm dado, muitas vezes em

circunstâncias e em momentos muito difíceis. Basta recordar a comoção que o País vive tantas vezes e que

nós aqui, no Parlamento, refletimos aquando das épocas de fogos e das perdas de vidas humanas, de jovens,

muitas vezes, em circunstâncias absolutamente dramáticas.

A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — Bem lembrado!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Essa palavra de gratidão em relação aos bombeiros não deve ser só

uma palavra de gratidão ou de reconhecimento nessas circunstâncias, mas, sim, um esforço permanente de

apoio, de consolidação dos meios e da capacidade, como aqui foi dito e sublinhado bem noutras intervenções,

designadamente na intervenção da Sr.ª Deputada Andreia Neto.

Esse esforço, do meu ponto de vista, tem sido feito e nós temos de alguma forma de reconhecer que o

Governo tem tido esse cuidado e tem feito esse esforço.

Tem sido feito um esforço para pagar atrasados que existiam, designadamente no âmbito do Programa

Permanente de Cooperação (PPC); tem sido feito um esforço para que os pagamentos a fazer,

designadamente às associações sejam— e devem ser! — feitos de forma atempada e têm, até nalguns casos

de necessidade, sido feitos alguns adiantamentos.

É também de saudar, é um dado positivo, que tenha havido um reforço de verbas. Por exemplo, no ano de

2014, esse reforço de verbas foi à volta dos 11% e isso é um dado que me parece relevante e muito positivo

do ponto de vista do apoio de que estas associações necessitam.

Agora, estamos aqui perante um novo modelo de financiamento que, como foi dito, pode não ser a

resolução de todos os problemas, mas registo que, designadamente, o Sr. Deputado António Filipe

reconheceu como sendo um passo positivo. E é importante que este seja um passo positivo. Porquê? Por tudo

aquilo que já aqui foi dito: os bombeiros, sejam os profissionais, sejam os voluntários, têm um papel estrutural

no nosso sistema de proteção civil, na resposta a situações como a dos incêndios, na resposta a catástrofes,

em geral, na resposta, como foi lembrado, a acidentes e a outro tipo de situações. Se não fosse esta malha de

proteção civil, o País estaria desprotegido.

É, pois, muito importante que haja uma lei que tenha condições de estabilidade e, sobretudo, de

previsibilidade no seu financiamento, porque não é possível organizar o trabalho, não é possível adotar os

meios, se não houver o mínimo de previsibilidade no financiamento destas instituições e, obviamente, se esse

financiamento não for sustentável.

Por isso esta proposta é positiva. Destaco, por exemplo, a avaliação desse mesmo financiamento em

termos de medidas de risco e em termos de indexação a um orçamento de referência como está na proposta.

O Sr. Presidente (Miranda Calha): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Vou terminar, Sr. Presidente.

Não me peçam, Srs. Deputados, para explicar a fórmula que está contida na proposta para esse mesmo

orçamento de referência, é uma fórmula complexa, mas que, com uma leitura atenta, é previsível.

Termino, Sr. Presidente, como comecei, dizendo que é bom que esse financiamento seja garantido, é bom

que ele seja sustentável, porque não nos podemos só lembrar dos bombeiros em momentos trágicos e em

momentos dramáticos. Temos de garantir o apoio permanente e no dia a dia e, desse ponto de vista, esta

proposta é positiva.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (Miranda Calha): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Oneto.

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A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Sr.ª Secretária de Estado, Sr. Secretário de

Estado, Sr.as

e Srs. Deputados: Cumprimento os bombeiros aqui presentes, profissionais, voluntários, a Liga

de Bombeiros e todos os corpos de bombeiros do País.

Vejamos, acima de tudo, aquilo que estamos aqui a tratar. Aos bombeiros é pedido que cumpram uma

tarefa que constitucionalmente é imposta ao Estado: a proteção dos nossos cidadãos — artigo 9.º da

Constituição. É disso que estamos aqui a tratar e é nesta perspetiva que acho que temos de encarar aquilo

que pedimos e aquilo que os nossos bombeiros fazem.

Portanto, esta relação que o Estado tem de ter com os bombeiros é atribuir-lhes a função pública que

compete ao Estado e que é exercida pelos corpos de bombeiros profissionais ou voluntários. Isto significa que

lhes é exigido um grau de profissionalismo que não pode confundir-se com a sua qualidade de bombeiros

voluntários no exercício da sua função. São bombeiros profissionais que, em nome do Estado, atuam na

proteção do cidadão.

Creio que é nesta perspetiva que devemos encarar aquilo que é hoje a função dos bombeiros,

nomeadamente dos bombeiros voluntários, na medida em que este regime se aplica às associações

humanitárias detentoras de corpos de bombeiros e, portanto, creio que é nesta perspetiva que devemos

analisar o seu financiamento.

Obviamente que este regime que hoje nos é trazido pelo Governo densifica os critérios relativamente à

atribuição de verbas, mas não plasma aquilo que a nossa Lei de Bases de Proteção Civil e o nosso sistema de

proteção civil impõem, que é o apelo ao patamar municipal.

Como é que isto se reflete nesta lei? Reflete-se não só na ausência total de responsabilidade dos

municípios, como também na utilização das cartas de risco nacionais, quando aqui deveriam estar plasmadas

as cartas de risco municipais para definir os critérios de risco. Isto porque a área de intervenção é a área de

intervenção definida no risco municipal e o resultado desta situação, pese embora o mérito da proposta —

mérito esse que eu não retiro —, é fácil: o distrito do Porto não tem área florestal, mas vão ter o índice de

ponderação de 30% dos incêndios florestais as duas corporações voluntárias como qualquer corporação. O

Sr. Secretário de Estado está a abanar com a cabeça. Terá oportunidade de explicar, com certeza.

O rio Douro tem 200 000 turistas por ano. Não vejo nesta proposta de lei nenhuma situação tipificada

relativamente a esta situação.

Ora bem, se isto estivesse à escala municipal, certamente que o risco e a atribuição das verbas em função

do risco… Sr. Secretário de Estado, numa escala que tem 1/250 000, o senhor anda com uma agulha à

procura do risco.

O Sr. Presidente (Miranda Calha): — Queira concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Esta é uma oportunidade boa para refletirmos relativamente à resposta que o

regime quer dar, mas, acima de tudo, temos de considerar que o bombeiro, quando sai do quartel, sai em

nome do Estado, assumindo uma função do Estado, e, portanto, o risco tem de ser avaliado e o seu

financiamento tem de ser avaliado em função do risco efetivo e não do risco projetado.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Miranda Calha): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília

Honório.

A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Administração Interna, Sr.ª e Sr.

Secretários de Estado: O Bloco de Esquerda saúda todas as mulheres e todos os homens dos corpos de

bombeiros das associações humanitárias e todos os bombeiros que têm esta espinhosa missão de cumprir um

serviço público indispensável a todos nós e, muitas vezes, pouco reconhecido. Fazem-no com um sentido de

altruísmo, de entrega, que é preciso aqui reconhecer, valorizar — bem sei que estamos numa época em que

falamos mais neles e nelas —, cumprindo múltiplas funções que já foram aqui reconhecidas.

Nós diríamos que esta proposta de lei chega tarde, aliás, o Sr. Secretário de Estado já a tinha anunciado

em outubro de 2014.

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Reconhecemos que os bombeiros voluntários precisam de um modelo de financiamento digno e estável há

muito esperado e que há múltiplas corporações em situações de rutura e de desespero, o que é perfeitamente

inaceitável.

A própria Liga — e saúdo todos os representantes aqui presentes —, que participou ativamente na

elaboração desta proposta, reconhece que a proposta é um passo importante, mas também reconhece que ela

está aquém das expectativas. Ora, a nossa preocupação é exatamente essa. A proposta de financiamento

chega? É suficiente? É uma resposta adequada? Bom, em nosso entendimento, precisamos de ouvir mais

gente, mais entidades, no reconhecimento de que a proposta de lei tem aspetos relevantes.

Esta proposta reconhece o papel fundamental dos corpos de bombeiros das associações humanitárias na

proteção civil, tal como já estava, aliás, consagrado no próprio programa de cooperação; estende a previsão

da Portaria n.º 76/2013, com os indicadores de risco e desempenho, que são agora reforçados na fórmula que

está no artigo 4.º e, ao mesmo tempo, não pode haver uma previsão superior a uma variação de 10% do

orçamento — é um aspeto que se releva na proposta de lei — ; recebe, ainda, apoio do Estado através dos

programas de apoio infraestrutural e do apoio de equipamento, e era bom que soubéssemos exatamente o

que isto significa.

É uma proposta de lei há muito esperada, mas não deixa de subsistir a incerteza se a correção que é

ensaiada no papel corresponde às exigências da realidade de cada corporação, se as soluções serão justas

para as necessidades reconhecidas, nomeadamente quando não se tem em conta, por exemplo, um dado

importante, que é o dos elevados investimentos que muitas corporações fizeram. Este aspeto não é

contemplado nesta fórmula tão complexa que, evidentemente, não podemos aqui explicar.

Do nosso ponto de vista, no plano da avaliação e da fiscalização, nomeadamente pela Autoridade Nacional

da Proteção Civil, se elas forem bem feitas, é evidente que é um aspeto que relevamos como positivo e

pertinente.

Porém, a maior preocupação que subsiste é se este modelo de financiamento, aquele que é aguardado

pelas corporações, é a resposta justa a cada situação. É sobre isto que precisávamos de ter certezas.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Miranda Calha): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Secretário de Estado da

Administração Interna.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Interna: — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Sr.ª Secretária de

Estado, Sr.as

e Srs. Deputados: A Sr.ª Deputada Cecília Honório colocou o ponto exatamente onde ele deve

estar, o de saber se esta lei é suficiente e adequada.

Ora, essa discussão só é possível porque temos em cima da mesa uma proposta de lei. Até agora, o que

se discutia era o seguinte: «Vai algum dia existir uma lei de financiamento das associações humanitárias

detentoras de corpos de bombeiros ou vamos continuar na discricionariedade de uma portaria anual, com

critérios que estão longe de ser transparentes?».

Por outro lado, permite-se esta discussão porque o Governo, podendo legislar esta matéria por decreto-lei,

optou por trazê-la à Assembleia da República exatamente para permitir aquilo que a Sr.ª Deputada aqui disse:

um amplo debate, ouvir todas as entidades que o Parlamento entender por bem ouvir.

O Governo teve o impulso de iniciar o processo legislativo, que, de facto, esperava há anos, relativamente

à lei de financiamento. O Governo não tem a pretensão de saber tudo sobre a solução. O Governo trabalhou

esta proposta com a Liga de Bombeiros Portugueses, mas está perfeitamente disponível para questões que

venham a ser aqui consideradas e a introduzir alterações.

O maior património desta lei, para futuro, será o maior consenso que se conseguir neste Parlamento,

porque para que os bombeiros portugueses possam beneficiar de uma lei de financiamento que cumpra esse

objetivo da estabilidade, é fundamental saber que, do ponto de vista das diversas forças políticas, houve a

capacidade de gerar um consenso nessa solução que aqui se aprove.

A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — Muito bem!

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O Sr. Secretário de Estado da Administração Interna: — Ao Sr. Deputado António Filipe, que colocou

uma questão importante, a do financiamento estrutural, devo dizer que ele consta do artigo 6.º da proposta de

lei, quer através do programa de apoio de infraestruturas, quer através do programa de apoio de

equipamentos.

Portanto, a proposta de lei tem o financiamento anual nas transferências correntes, mas tem também a

previsão do financiamento estrutural, através destes dois programas.

O que tem acontecido nos últimos anos, como é do conhecimento público, é que estes programas têm sido

substituídos pelas candidaturas a fundos europeus que, naturalmente, têm permitido, e de uma forma muito

relevante, requalificar e construir novos quartéis, reequipar ao nível de viaturas, equipar ao nível de proteção

individual, equipar ao nível de comunicações. Portanto, cumprir exatamente os objetivos que aqui referiu.

O Sr. Presidente (Miranda Calha): — Queira concluir, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Interna: — Vou terminar, Sr. Presidente.

Respondendo agora à Sr.ª Deputada Isabel Oneto, devo dizer que o pilar municipal não consta porque a

Associação Nacional de Municípios Portugueses não esteve disponível para que constasse. O Governo

considerou, inclusivamente, pela primeira vez, a hipótese de dar outro salto, que, no futuro, deve ser dado, de

a administração central financiar os corpos de bombeiros dos municípios, sejam sapadores ou municipais. E

teríamos estado disponíveis para isso se a Associação Nacional de Municípios Portugueses também estivesse

disponível para se comprometer com um financiamento mínimo às associações humanitárias dos seus

municípios.

Em relação ao risco, Sr.ª Deputada, é uma questão que pode perfeitamente debater-se na especialidade e,

se encontrarmos um critério melhor, por que não? Nós já temos cinco que são transparentes; se num deles

pudermos afinar, melhor ainda.

O Sr. Presidente (Miranda Calha): — Queira concluir, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Interna: — Vou terminar, Sr. Presidente.

O que eu queria aqui salvaguardar é que, do consenso que se gerar neste Parlamento, permitir-se-á não só

ter definitivamente uma lei estável, com critérios transparentes, mas também um aumento de 12% no primeiro

ano, a garantia de que todas as associações humanitárias vão receber mais do que o que receberam no ano

passado e a garantia de estabilidade, no futuro.

O Sr. Presidente (Miranda Calha): — Queira concluir, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Interna: — Acho que já não é pouco para um trabalho que

é do Parlamento e não apenas do Governo, naturalmente.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Miranda Calha): — Srs. Deputados, chegados ao final do debate, na generalidade, da

proposta de lei n.º 327/XII (4.ª), agradeço a presença de membros do Governo, esperando que cumpram o

Regimento, no futuro.

A próxima reunião plenária terá lugar amanhã, às 15 horas, cuja ordem do dia consta do debate da

interpelação n.º 22/XII (4.ª) — Sobre precariedade laboral (BE).

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 1 minuto.

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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