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I SÉRIE — NÚMERO 109

82

«(…) 2. No que diz respeito à admissão de membros investidores, está em causa a possibilidade de serem

admitidos como membros de uma cooperativa meros investidores, desconsiderando-se assim, por completa, a

participação pessoal na própria atividade produtivo-cooperativizada (de produtor ou de utilizador) como

condição necessária para a possibilidade de se ser membro de uma cooperativa.

Sublinhe-se que não se trata de conceder poderes de controlo, quanto à transparência da gestão das

cooperativas, a investidores com um estatuto obrigacionista, como já acontece no Código Cooperativo vigente,

a partir da detenção de títulos de investimento. Trata-se de introduzir os investidores no cerne da vida e do

poder das cooperativas, para o partilharem como se fossem cooperadores, descaracterizando nessa medida a

sua natureza histórica e a sua identidade estrutural.

Vai assim abrir-se a porta a um novo tipo de protagonistas que entram na cooperativa, não apenas para

partilharem responsabilidades pela produção de bens e/ou serviços, mas para, primordialmente, rentabilizarem

o capital de que são titulares e reproduzi-lo, bem como ao poder que lhe é inerente. Mas a lucratividade dentro

da lógica inerente às empresas capitalistas, especialmente às de média e de grande dimensão económicas,

não é separável de uma procura de mais poder, de um maior domínio, que por sua vez potencie a

possibilidade de serem auferidos mais lucros.

Por isso, a convivência, no cerne do poder cooperativo, de membros investidores com cooperadores, está

estruturalmente condenada ao risco elevado de acabar com a natureza cooperativa da empresa, ou pela sua

destruição ou pela sua banalização radical. E a forma cooperativa de uma empresa é profundamente

descaracterizada, quando, numa cooperativa do primeiro grau, deixe de vigorar a vertente da identidade

cooperativa que impõe a regra um cooperador-um voto.

Deste modo, se a ordem jurídico-cooperativa portuguesa passasse por uma transformação qualitativa para

permitir o caminho em causa, estar-se-ia a quebrar um consenso jurídico, quer no plano da jurisdição

constitucional, quer consequentemente no domínio da legislação comum, que remonta a 1976 com a entrada

em vigor da Constituição da República Portuguesa (CRP); e que foi sublinhado, em 1997, pela unanimidade

reunida em alterações introduzidas pela revisão constitucional então ocorrida, na parte do art.º 82 que rege o

sector cooperativo e social. Este consenso jurídico foi, aliás, reforçado pela aprovação na Assembleia da

República (AR) do atual Código Cooperativo, cuja revisão está por sua vez agora em curso.

(…)

Indo ao fundo da questão temos que ter em conta que, nos termos do art.º 82 da CRP, no seu n.º 4, ‘O

sector cooperativo e social compreende especificamente: a) Os meios de produção possuídos e geridos por

cooperativas, em obediência aos princípios cooperativos’. Foi reiteradamente entendido desde 1976, e

expressa ou tacitamente aceite por todas as AR posteriores com poder constituinte que o usaram, que estes

princípios eram naturalmente os que a Aliança Cooperativa Internacional (ACI) viesse sucessivamente

assumindo.

Materializando sintomaticamente esse consenso, o art.º 3 do projeto do CC em análise transcreve na

esteira da sua versão anterior, o elenco mais recente dos princípios cooperativos aprovada em Manchester no

Congresso do Centenário da ACI em 1995. E nos termos do 2.º princípio transcrito no referido art.º 3,

consagrado à ‘gestão democrática pelos membros’. ‘As cooperativas são organizações democráticas geridas

pelos seus membros, os quais participam ativamente na formulação das suas políticas e na tomada de

decisões. Os homens e as mulheres que exerçam funções como representantes eleitos são responsáveis

perante o conjunto dos membros que os elegeram. Nas cooperativas do primeiro grau, os membros têm iguais

direitos de voto (um membro, um voto), estando as cooperativas de outros graus organizadas também de uma

forma democrática.’

Uma leitura comparada dos textos em causa torna evidente que a consagração no Código Cooperativo do

voto plural, contrariando inequivocamente o princípio da administração democrática, na parte em que ele diz

que ‘nas cooperativas do primeiro grau, os membros têm iguais direitos de voto (um membro, um voto)’ é

claramente inconstitucional.

Sendo assim, é inútil escalpelizar em que medida acentuam ou atenuam os efeitos negativos do voto plural

os vários aspetos sobre ele consagrados nos outros números do art.º 94 do Projeto. A inconstitucionalidade do

número um apaga a utilidade de todos os outros números do mesmo artigo. Isso ocorre também com todas as

propostas de alteração que pressuponham a admissibilidade do voto plural, mesmo de outros artigos.

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