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Sexta-feira, 20 de novembro de 2015 I Série — Número 7

XIII LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2015-2016)

REUNIÃOPLENÁRIADE19DENOVEMBRODE 2015

Presidente: Ex.mo Sr. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues

Secretários: Ex.mos

Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Idália Maria Marques Salvador Serrão Moisés Salvador Coelho Ferreira

S U M Á R I O

O Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 6

minutos. O Deputado Nuno Magalhães (CDS-PP) interpelou a

Mesa sobre a não comparência de Deputados do PS, do BE, do PCP e de Os Verdes numa reunião do grupo de trabalho constituído para comemoração dos 40 anos do 25 de novembro, o que também suscitou o uso da palavra, ao abrigo da mesma figura regimental, dos Deputados Sérgio Azevedo (PSD), Carlos César (PS) e Luís Montenegro (PSD), tendo o Presidente e o Deputado Jorge Lacão (PS), que preside àquele grupo de trabalho, dado explicações e tendo ainda, também, interpelado a Mesa a Deputada Paula Teixeira da Cruz (PSD).

Foi apreciado o projeto de resolução n.º 2/XIII (1.ª) — Sobre a afirmação dos principais compromissos europeus de Portugal (PSD e CDS-PP), tendo-se pronunciado, a diverso título, além do Ministro dos Assuntos Parlamentares (Carlos Costa Neves), os Deputados Luís Montenegro (PSD), Jorge Duarte Costa (BE), Margarida Marques e Vitalino Canas (PS), Miguel Morgado (PSD), Isabel Pires (BE), Paula Santos (PCP) e Nuno Magalhães (CDS-PP).

Foram apreciados, na generalidade, e em conjunto, os projetos de lei n.

os 1/XIII (1.ª) — Revoga as leis que

humilham mulheres que recorrem à IVG (Revogação da Lei n.º 134/2015, de 7 de setembro, e da Lei n.º 136/2015, de 7 de setembro) (BE), 4/XIII (1.ª) — Restabelece o respeito pela dignidade das mulheres portuguesas e a salvaguarda da sua saúde sexual e reprodutiva, revogando as Leis n.

os

134/2015 e 136/2015, ambas de 7 de setembro (PS), 10/XIII (1.ª) — Elimina mecanismos de coação e condicionamento sobre as mulheres no acesso à interrupção voluntária da gravidez, revoga a Lei n.º 136/2015, de 7 de setembro, e repristina a Lei n.º 16/2007, de 17 de abril (PCP) e 14/XIII (1.ª) — Revoga a Lei n.º 134/2015, de 7 de setembro, e a Lei n.º 136/2015, de 7 de setembro, de modo a combater o aborto clandestino e a respeitar a dignidade das mulheres que decidem interromper voluntariamente a gravidez (Os Verdes). Usaram da palavra, a diverso título, os Deputados Catarina Martins (BE), Elza Pais (PS), Ricardo Baptista Leite (PSD), Teresa Caeiro (CDS-PP), Paula Santos (PCP), Heloísa Apolónia (Os Verdes), Susana Amador (PS), Isabel Galriça Neto (CDS-PP), Joana Mortágua (BE), Rita Rato (PCP) e Ana Catarina Mendonça Mendes (PS).

O Presidente encerrou a sessão eram 17 horas e 35 minutos.

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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 6 minutos.

Peço aos Srs. Agentes de Autoridade o favor de abrirem as galerias.

Srs. Deputados, hoje não há expediente.

Entretanto, inscreveram-se dois Srs. Deputados para interpelar a Mesa.

Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães para interpelar a Mesa, presumo que sobre a

condução dos trabalhos.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Presume bem, Sr. Presidente, porquanto tem a ver com a condução

dos trabalhos da Assembleia da República.

Ontem mesmo, no âmbito da Conferência de Líderes, o Sr. Presidente propôs, e bem, a constituição de um

grupo de trabalho, presidido pelo Sr. Vice-Presidente Jorge Lacão, que, de resto, esteve presente, para

podermos, na sequência de uma carta enviada pelos grupos parlamentares do PSD e do CDS, proceder à

avaliação das formas em que poderíamos comemorar o 25 de Novembro, nomeadamente os 40 anos do 25 de

Novembro, uma data importante para os portugueses, para todos quantos nesta Casa — e somos todos, creio

— prezam a liberdade.

Foi uma data confirmativa da liberdade que ganhámos no dia 25 de Abril de 1974. E foi aquela que permitiu

que a legitimidade democrática que nos permite estar aqui todos prevalecesse sobre a legitimidade

revolucionária. E foi também aquela data que permitiu que Portugal, hoje, seja um País plural, democrático e

europeu, do que, creio, também todos nós nos orgulhamos.

Ora, Sr. Presidente, perante a decisão de V. Ex.ª, à qual, de resto, de pronto, anuímos, e perante a

marcação célere da reunião por parte do Sr. Vice-Presidente Jorge Lacão, surpreendentemente, ou não, PCP,

BE e Os Verdes não compareceram, não justificaram a não comparência, desertaram e fugiram desta reunião.

Risos do BE, do PCP e de Os Verdes.

Não é surpreendente que isso aconteça. Mas mais surpreendente e talvez mau sinal, Sr. Presidente, é que

também o Partido Socialista não tenha aparecido, nem dado justificação. Mau sinal!

Vozes do PSD: — Eh!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — A nosso ver, trata-se de uma desautorização, de uma discriminação

e, sobretudo, de um desrespeito perante V. Ex.ª, Presidente da Assembleia da República, segunda figura do

Estado, que foi quem, em boa hora, e de forma que mereceu consenso do CDS e do PSD, sugeriu a

constituição deste grupo de trabalho.

Sr. Presidente, porque considero uma desautorização de V. Ex.ª, que não enobrece e que envergonha a

Assembleia da República na pessoa de V. Ex.ª, gostaria, nesta interpelação, de lhe perguntar o que pretende

fazer. É que já ouvimos falar de processos políticos em curso e temo que, se não reagirmos a tempo,

possamos mesmo dizer que estamos perante um processo revolucionário em curso.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para o mesmo efeito, o Sr. Deputado Sérgio Azevedo.

O Sr. Sérgio Azevedo (PSD): — Sr. Presidente, queria também dar-lhe nota de que, no âmbito do respeito

institucional e do bom funcionamento do Parlamento por que o Partido Social Democrata sempre pugnou,

também compareci hoje na reunião preparatória para a evocação do 25 de Novembro, uma decisão, de resto,

não só da Conferência de Líderes, portanto, dos partidos que consideram agora a sua participação inoportuna,

mas também do Sr. Presidente, em particular na criação desse grupo de trabalho.

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A este respeito, Sr. Presidente, deixe-me dizer-lhe que considero um paradoxo a não comparência numa

reunião que resultou de uma decisão que, julgo, foi consensual em Conferência de Líderes, e, acima de tudo,

quero prestar-lhe a minha solidariedade face ao desrespeito demonstrado para com

V. Ex.ª por parte destes grupos parlamentares.

Devo ainda dizer, Sr. Presidente, o seguinte: nunca pensei, em 2015, com 34 anos de idade, assistir

novamente à reedição da frente de unidade revolucionária. Que o Partido Comunista Português e o Bloco de

Esquerda, por questões ideológicas e que respeitamos, não queiram evocar o 25 de Novembro,

compreendemos. Mas que o Partido Socialista, partido pilar da implementação da democracia em Portugal,

partido pilar da consolidação da democracia em Portugal, partido central na história do 25 de Novembro, em

Portugal, esteja acorrentado ideologicamente pelo Partido Comunista Português e pelo Bloco de Esquerda,

essa situação, Sr. Presidente, se me permite, não só envergonha a democracia como envergonha os

fundadores do Partido Socialista.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Sr. Presidente, queria dirigir-lhe, a si, uma palavra muito especial e pedir-lhe que tome diligências e que

faça cumprir a sua decisão para que, ainda hoje mesmo, por respeito pelo bom funcionamento das

instituições, pelo bom nome do Parlamento e pela dignidade da democracia, o grupo de trabalho para a

evocação do 25 de Novembro possa reunir.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para interpelar a Mesa, tem palavra o Sr. Deputado Carlos César.

O Sr. Carlos César (PS): — Sr. Presidente, também no sentido de interpelar a Mesa, quero salientar que,

a este propósito, não existem precedentes de comemoração desses acontecimentos nesta Assembleia.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

E escuso de dizer que o 25 de Novembro foi bem mais civilizado do que essas reações absurdas que VV.

Ex.as

estão a ter.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Peço aos Srs. Deputados para se ouvirem uns aos outros.

O Sr. Carlos César (PS): — Sr. Presidente, a minha interpelação é no sentido de transmitir a V. Ex.ª que o

Partido Socialista, neste Parlamento, não será cúmplice de exercícios lúdicos, gratuitos, inúteis e quase

infantis sobre acontecimentos de relevância nacional.

Aplausos do PS e do BE.

Todos sabemos a posição que cada um dos partidos tem sobre esses e outros acontecimentos. E a

excecionalidade que a essa matéria o PSD e o CDS pretendem conferir é tudo menos uma comemoração

digna e tudo mais uma extrapolação, que visa, única e exclusivamente, a jogatana política.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

É isso que o Partido Social Democrata e o CDS pretendem nesta Assembleia.

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Aplausos do PS.

Nós não podemos contemporizar com a ideia de transformar o Parlamento num palco de jogatana política e

politiqueira.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

Gostava ainda de dizer ao Sr. Deputado do PSD Sérgio Azevedo que nós, Partido Socialista, não estamos

acorrentados a ninguém,…

Vozes do PSD: — Não estão?!…

O Sr. Carlos César (PS): — … nem ao PCP, nem ao Bloco de Esquerda, nem a Os Verdes. E muito

menos estamos acorrentados a quem, nessa altura, fez muito menos pela liberdade do que fez o Partido

Socialista.

Aplausos do PS.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Luís Montenegro, pede a palavra para que efeito?

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Sr. Presidente, é também para uma interpelação à Mesa no seguinte

sentido: o Sr. Deputado Carlos César acabou de dizer uma enormidade que não pode passar em claro. Disse

o Sr. Deputado que, no 25 de Novembro, o comportamento dos respetivos protagonistas foi bem mais

civilizado do que foram as reações absurdas dos Deputados àquilo que ele estava a dizer.

Quero dizer-lhe, Sr. Deputado Carlos César, que repudio em absoluto as suas declarações.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

E por várias razões.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Luís Montenegro, o Sr. Deputado não está a fazer uma interpelação à

Mesa, mas a dar uma resposta ao Sr. Deputado Carlos César.

Peço-lhe que conclua.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Se o Sr. Presidente me der a oportunidade, posso explicar por que é

que se trata de uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: — Não, Sr. Deputado. Dou-lhe a oportunidade de concluir a sua interpelação à Mesa.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Sr. Presidente, peço-lhe que me deixe explicar à Mesa por que é que

uso a figura da interpelação. É que era à Mesa que competia dizer isto ao Sr. Deputado Carlos César.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Nos debates parlamentares, Sr. Presidente, há muita emoção. Há, de facto, que respeitar o orador, mas há

também que respeitar os apartes das bancadas. E aqui não há inocentes: em todas as bancadas, quando um

orador está no uso da palavra, há reações, Sr. Deputado Carlos César. E as reações dos Deputados da

bancada do PSD não são diferentes…

O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua a sua interpelação à Mesa, que não está a ser feita.

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O Sr. Luís Montenegro (PSD): — … das reações dos Deputados da bancada do Partido Socialista.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — É preciso que todos compreendamos isto, Sr. Presidente. E o Sr.

Presidente tem de ter mão naquilo que é este tipo de considerações.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, é para uma interpelação à Mesa, no sentido de

prestar um esclarecimento ao Sr. Deputado Carlos César e fazer um pedido a V. Ex.ª.

O esclarecimento é o seguinte: o Sr. Deputado Carlos César, talvez por ter estado noutras funções noutros

lugares, invoca a ausência de precedentes. Pois estes acontecimentos têm lugar em 25 de novembro. E, em

25 de novembro, como o Sr. Presidente e os Deputados mais antigos desta Casa bem sabem, normalmente o

Parlamento está em trabalhos de Orçamento do Estado — este é, em primeiro lugar, um esclarecimento para

a boa condução dos trabalhos.

Em segundo lugar, não é verdade que não tenham sido apresentadas propostas para comemorar as datas

dos 10.º, 20.º ou 30.º aniversários. Foram apresentadas propostas, nomeadamente por esta bancada, e foram

rejeitadas pela maioria da Assembleia, que nós respeitamos.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Façam isso no Caldas!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Faça o senhor na Coreia do Norte!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, o que lhe peço é que tome uma posição…

O Sr. Presidente: — Entramos na interpelação à Mesa, não é verdade, Sr. Deputado?

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — É, sim, Sr. Presidente.

O que lhe peço, Sr. Presidente, é que tome uma posição muito clara perante o facto de termos um líder

parlamentar do Partido Socialista que adjetiva uma decisão sua, da Conferência de Líderes, e por proposta

sua, de constituição de um grupo de trabalho, de jogatana política.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Sr. Presidente, eu não votei em V. Ex.ª, mas não admito que nenhum Deputado desta Casa qualifique uma

decisão de V. Ex.ª, eleito bem ou mal, e contra o meu voto, de jogatana política. É que foi precisamente em

nome disso que aqueles que fizeram o 25 de Novembro lutaram, e lutaram a muito custo, e é esses que

queremos evocar.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Não é uma jogatana política! É uma decisão de V. Ex.ª, que nós cumprimos, que o Sr. Vice-Presidente

Jorge Lacão cumpriu, pontualmente e a horas, e que o Sr. Deputado Carlos César qualifica de jogatana

política.

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Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Uma decisão sua, Sr. Presidente — e peço a opinião de V. Ex.ª sobre isso —, pode merecer a nossa

concordância ou a nossa discordância, a nossa aprovação ou o nosso repúdio, mas jamais será uma jogatana

política.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Faça a festa no Caldas!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Era isso, de resto, que estava em causa no 25 de Novembro.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, sinto-me no dever de explicar tudo o que se passou sobre a questão

da «comemoração» — entre aspas —, ou assinalamento da data do 25 de Novembro.

Vozes do PSD: — Entre aspas?!

O Sr. Presidente: — Sim, entre aspas, porque foi dito na carta do PSD e do CDS, mais ninguém se referiu

nestes termos.

O que se passou foi que, já há muito tempo, há três ou quatro semanas, o Sr. Deputado Nuno Magalhães

disse que ia entregar ao Presidente da Assembleia da República uma proposta para uma comemoração —

sem aspas — do 25 de Novembro.

Acontece que não o fez durante um período largo. Deixaram-se passar todos os agendamentos na

Conferência de Líderes, inclusivamente para o tal dia 25 de novembro, sem que nada tivesse acontecido, e

anteontem, na véspera da Conferência de Líderes, recebi uma carta, assinada pelo Sr. Deputado Nuno

Magalhães e pelo Sr. Deputado Luís Montenegro, em nome do CDS e do PSD, respetivamente, dizendo que a

agenda estava já confirmada, mas que, complementarmente, se poderia assinalar a data do 25 de Novembro

e — já não me lembro exatamente quais eram os termos, mas penso que eram estes — até propunham que

se fizesse uma conferência ou um debate.

Ontem, em Conferência de Líderes, aquilo que eu fiz — e é um facto, que foi acordado por todas as

bancadas…

Vozes do PSD: — Ah!…

O Sr. Presidente: — Aquilo que eu fiz — e que foi acordado por todas as bancadas — foi pedir ao Sr. Vice-

Presidente Jorge Lacão, que com toda a sua generosidade aceitou, que presidisse a um grupo de trabalho

que, até ao final da sessão de sexta-feira, pudesse apresentar ao Presidente da Assembleia da República

propostas sobre o que se deveria fazer.

A Assembleia da República, como os senhores disseram, é um órgão com uma grande importância na vida

democrática e no Estado português e, em seis dias, não pode preparar nada de condigno, a menos que não

lhe dê a devida importância. Portanto, a arbitragem entre o que se podia fazer e aquilo que estava no espírito

dos Deputados que o requereram teria de ser feita nesse grupo de trabalho.

Fui informado hoje, durante a manhã, que vários grupos parlamentares — foi o caso dos Deputados João

Oliveira e Carlos César — não iriam enviar nenhum representante a essa reunião, o que lamentei, porque se o

tivessem feito ontem ter-se-ia escolhido outro método qualquer para responder à solicitação do PSD e do

CDS.

De qualquer forma, como o prazo só termina amanhã, propunha que não avançássemos neste debate em

Plenário, porque estamos a fazer algo que não foi pedido por ninguém, que é discutir em Plenário o 25 de

Novembro de 1975, 40 anos depois. Se quisessem tê-lo feito, poderiam ter agendado essa discussão para

esse dia.

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Se o Sr. Vice-Presidente Jorge Lacão não se quiser pronunciar, prosseguiria com o ponto seguinte da

ordem do dia e esperava até amanhã pelo relatório escrito — que é como estas coisas se fazem — elaborado

pelo Vice-Presidente que ficou encarregado de desenvolver estes trabalhos, que são difíceis, pelos vistos.

O Sr. Carlos César (PS): — Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Julgo que será para responder a algo que tenha sido dito sobre a sua intervenção e

não sobre a condução dos trabalhos.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos César (PS): — Sr. Presidente, gostaria de interpelar a Mesa para clarificar o meu

entendimento.

Penso que ouvi bem o que o Sr. Presidente da Assembleia disse, isto é, que a proposta de comemoração

do 25 de Novembro tinha sido anunciada pelo Sr. Deputado Nuno Magalhães em Conferência de Líderes,

tendo sido remetida em carta timbrada pelos Grupos Parlamentares do PSD e do CDS-PP. Ora, foi justamente

a isso que me referi como um ato de jogatana política.

O Sr. Presidente: — Penso que está tudo claro. Até amanhã à hora do almoço espero um relatório escrito

sobre esta questão por parte do Sr. Vice-Presidente Jorge Lacão, que teve a bondade de se encarregar deste

tema.

O Sr. Jorge Lacão (PS): — Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lacão (PS): — Sr. Presidente, se consentir que eu fale ainda sobre o tema em apreço, para

que não fique qualquer dúvida instalada em nenhum Deputado da Câmara, sem prejuízo de, oficialmente, dar

a informação devida ao Sr. Presidente, compete-me registar, para que conste, que na reunião do grupo de

trabalho compareceu o Sr. Deputado Sérgio Azevedo, em representação do PSD, e o Sr. Nuno Magalhães,

em representação do CDS-PP, tendo sido informado, da parte dos outros grupos parlamentares, através do

gabinete do Sr. Presidente, que não compareceriam à reunião.

Em substância, será essa a informação que darei depois, formalmente, ao Sr. Presidente.

A Sr.ª Paula Teixeira da Cruz (PSD): — Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Para que efeito, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Paula Teixeira da Cruz (PSD): — Sr. Presidente, gostaria de ter o mesmo tratamento com que V.

Ex.ª se dirige aos outros membros desta Câmara. Isto por um lado.

Por outro lado, igualmente interpelando a Mesa, gostaria de solicitar uma igualdade de tratamento para

com todas as bancadas parlamentares.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, desde o primeiro dia da minha eleição é isso que estou a fazer.

Obrigado por reforçá-lo!

Aplausos do PS.

A Sr.ª Paula Teixeira da Cruz (PSD): — Não me parece, não me parece!

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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, entramos no primeiro ponto da ordem do dia, que consta do debate

do projeto de resolução n.º 2/XIII (1.ª) — Sobre a afirmação dos principais compromissos europeus de

Portugal (PSD e CDS-PP).

Tem palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Luís Montenegro.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretario de Estado, Sr.as

e Srs.

Deputados: Nos últimos quatro anos, Portugal enfrentou e superou importantes desafios — pediu ajuda

externa, cumpriu um Memorando de Entendimento exigentíssimo e recuperou a autonomia financeira,

regressou aos mercados e financia-se hoje aos mais baixos juros de sempre; saiu da recessão económica e

iniciou um ciclo de crescimento da economia que se quer possa ser duradouro; inverteu o ciclo de crescimento

do desemprego, que se prolongou por mais de uma década, e regista, há quase três anos, uma trajetória de

descida do desemprego; alcançou excedentes externos e reforçou o crescimento das exportações, que hoje

representam cerca de 43% do produto interno bruto.

Todos estes desafios foram superados num contexto de definhamento económico da Europa e da crise das

dívidas soberanas, que levaram a que se tivessem de reformular as regras da governação económica e

financeira da Europa.

Portugal, um dos países mais vulneráveis à crise, conquistou, neste período, credibilidade e confiança.

Essa credibilidade e confiança são determinantes para o financiamento do Estado e da economia, são

determinantes para a saúde financeira do Estado que garante os recursos que podem salvaguardar o Estado

social, são determinantes para captar investimento, para acrescentar competitividade, para viabilizar negócios,

para conquistar mercados e exportar, para criar e manter muitos postos de trabalho.

Ora, na atual situação política portuguesa, agravada pela decisão inédita de todos os partidos da oposição

que perderam as eleições pela primeira vez se terem juntado e rejeitado o Programa do Governo saído das

eleições, mesmo antes de ele começar a ser executado, a Assembleia da República tem a especial e

indeclinável responsabilidade de dar ao mundo e à Europa uma palavra de tranquilidade, uma palavra de

compromisso e de responsabilidade. Essa palavra é simples, mas é também fundamental para garantir e

preservar a credibilidade e a confiança de Portugal.

Sem subterfúgios, sem malabarismos retóricos, o que esta proposta de resolução pede aos Deputados é o

seguinte: em primeiro lugar, continuam ou não empenhados na participação plena de Portugal na União

Europeia e na zona euro? Em segundo lugar, continuam ou não empenhados na implementação da união

bancária que reclamaram e em que participámos todos ativamente? O Governo de Portugal, alguns

Deputados — refiro em especial a Deputada ao Parlamento Europeu Elisa Ferreira, que foi fundamental para a

formulação final das regras da união bancária — continuam ou não empenhados em dar-lhe sequência?

Em terceiro lugar, continuam ou não empenhados em cumprir o Tratado Orçamental e as demais regras

europeias de vigilância orçamental?

Em quarto lugar, continuam ou não a rejeitar propostas unilaterais de restruturação de dívidas públicas

nacionais de algum Estado-membro da União Europeia?

O que se vos pede é que respondam sem tibiezas a estas questões. Se o fizerem positivamente, talvez

possamos contribuir, se não mesmo garantir, para a credibilidade e a confiança no Estado português.

Com isso, poderemos ter mais economia, poderemos ter mais emprego, poderemos ter mais saúde

financeira do Estado e poderemos salvaguardar o Estado social. Se o não fizerem, se rejeitarem os termos

desta resolução, assumirão, Srs. Deputados, a responsabilidade pela incerteza e, no futuro, pelas

consequências que daí decorrem. É este o exercício simples para o qual desafiamos todas as bancadas e

todos os Deputados.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Sr. Deputados Jorge Duarte Costa e

Margarida Marques.

Entretanto, o Sr. Deputado Luís Montenegro informou a Mesa de que pretende responder em conjunto.

Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Duarte Costa.

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O Sr. Jorge Duarte Costa (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Montenegro, o PSD agendou este

debate para fazer uma revelação absoluta: que o PS, o Bloco de Esquerda e o PCP têm visões diferentes

acerca da construção europeia. Peço a todos que contenham a vossa surpresa. Estou em condições de

confirmar a notícia. Até havia rumores acerca disso há algum tempo e na última campanha eleitoral foi isso

que se ouviu!

Risos do BE.

O agendamento deste debate é o primeiro de vários «números» de jogo político com que a direita está a

tentar preencher este tempo que faz perder ao País. Mas a verdadeira dificuldade que está à vista neste

debate é no terreno da direita, porque há duas visões que se chocam nesta situação política acerca da

inserção europeia de Portugal.

Uma é a que o Governo de direita ainda em funções mostrou e pôs em prática nos últimos quatro anos; um

Governo que quis ir além da troica, subordinado, obediente, que agradeceu cada castigo que o País recebeu

de Bruxelas e de Berlim.

A outra visão é a que se abre com a possibilidade de Bruxelas vir a conhecer um Governo que seja e que

se comporte muito simplesmente como o Governo português, um Governo que se reconhece na Constituição

da República, que reconhece o contrato social que ela estabelece e que se bate pelo cumprimento desse

compromisso que o País tem para com a sua população.

Em breve, teremos — e ninguém acredita que possa ser de outra maneira — um Governo vinculado a um

programa de recuperação dos salários, das pensões, e que não voltará à senda da privatização do País. Pode

haver — e há, certamente —, até nestas bancadas, expetativas diferentes sobre o acolhimento que um

Governo assim pode ter junto das instituições europeias. Mas, neste debate, é a direita que tem de responder

sobre a sua diferença. Em Bruxelas, Portugal passará a estar representado por um Governo comprometido

com o fim do ciclo de empobrecimento, com a reposição dos rendimentos do trabalho e das pensões.

É preciso que respondam: quando esse Governo enfrentar as pressões europeias, quando se manifestar a

obsessão «austeritária» dos governos conservadores contra Portugal, nessa altura onde vos vamos

encontrar? No papel de queixinhas, como há dias o Deputado Paulo Rangel, em pleno Parlamento Europeu,

chamava a atenção para os perigos que pode representar a nova maioria parlamentar?

O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Duarte Costa (BE): — Esse debate europeu começou hoje. Vamos ver-vos do lado da

resolução da emergência social ou do lado das pressões contra o País, do lado da chantagem contra Portuga,

e do lado que vem sendo o do autoritarismo europeu?

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Marques, do

PS.

A Sr.ª Margarida Marques (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Montenegro, o projeto de resolução

que está a ser discutido evidencia uma visão redutora dos compromissos europeus e dos tratados. É uma

visão redutora nas políticas e no método ou na ausência dele.

Em relação às políticas, o anterior Governo procurou habituar-nos a elas, mas não nos resignámos.

Cumpriremos os compromissos europeus, mas não como os senhores o fizeram.

Vozes do PS: — Muito bem!

A Sr.ª Margarida Marques (PS): — Os compromissos que constam deste projeto de resolução são, sem

dúvida, importantes no processo de construção europeia. Mas a questão que coloco é a seguinte: porquê só

estes compromissos?

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Estranhamos que os Grupos Parlamentares do PSD e do CDS não se preocupem com o impacto das

políticas e, sobretudo, com o impacto destas políticas, as que os senhores escolheram para fazer parte deste

projeto de resolução.

O PSD e o CDS não se preocupam quando o impacto das políticas não respeita outros princípios e

compromissos determinados pelos tratados.

Cito o exemplo dos direitos sociais plasmados na Carta dos Direitos Fundamentais, parte integrante do

Tratado de Lisboa, com o «oupting out» do Reino Unido e da Polónia, mas não com o de Portugal.

O Sr. António Costa (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Margarida Marques (PS): — Na vossa lista de compromissos, esqueceram princípios e

compromissos que estão definidos no n.º 3 do artigo 4.º do Tratado da União Europeia, como o combate à

exclusão social, a promoção da proteção social, da solidariedade entre gerações, da coesão económica, social

e territorial. Estes são princípios e compromissos da União Europeia.

Sr. Deputado Luís Montenegro, é estranho que só tenham olhado para o n.º 4 do mesmo artigo. É que este

princípio, o de que «a União estabelece uma união económica e monetária cuja moeda é o euro», faz parte do

mesmo artigo que versa sobre os princípios que acabei de enunciar.

Vozes do PS: — Muito bem!

A Sr.ª Margarida Marques (PS): — Valorizando um ponto, esquecendo outro ponto do mesmo artigo, é

evidente que não se trata de uma questão formal, mas de uma questão política. Trata-se de uma escolha

política.

O Sr. Presidente: — Já ultrapassou o seu tempo, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Margarida Marques (PS): — Termino já, Sr. Presidente.

Quanto ao método, Sr. Deputado Luís Montenegro, o PS e um governo do PS respeitarão os

compromissos europeus, mas saberão, no quadro da flexibilidade que é dado pelos tratados, pelos normativos

e procedimentos — e recorro à lista que consta do vosso projeto de resolução — da União Económica e

Monetária, do Pacto de Estabilidade e Crescimento, do Semestre Europeu, do Plano de Investimento para a

Europa, afirmar e negociar os interesses de Portugal na União Europeia.

Este projeto de resolução reafirma compromissos, mas nada diz sobre a forma e o método de lidar com

eles. E a forma como os senhores lidaram com eles, enquanto governo, só nos pode deixar preocupações.

Os senhores caíram — e termino, Sr. Presidente — no mesmo erro em que caiu, inicialmente, a própria

União Europeia. A União Europeia desvalorizou, ao início, a dimensão social nas estratégias de combate à

crise, mas percebeu, a meio caminho, que era necessário valorizar a dimensão social no combate à crise. Os

Srs. Deputados ainda não perceberam!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada Margarida Marques, fui um pouco mais flexível com a questão do

tempo porque está a ser descontado no tempo global do Partido Socialista e, portanto, posso ter essa

permissividade.

Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Montenegro.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Costa e Sr.ª Deputada Margarida

Marques, agradeço as questões que me colocaram.

O Sr. Deputado Jorge Costa disse que este projeto de resolução é, no fundo, um jogo político. Deixe-me

dizer-lhe que é de rir V. Ex.ª vir a este debate dizer que o que está em causa é um jogo político, que a

afirmação dos principais compromissos políticos do Estado português perante a União Europeia é um jogo

político. É de rir quando estamos perante uma circunstância em que o jogo político entre os partidos da

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oposição, esse, sim, é que verdadeiramente põe em causa o cumprimento das principais obrigações do

Estado português.

O Sr. Sérgio Azevedo (PSD): — Bem lembrado!

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Jogo político foi aquele que o Sr. Deputado confirmou, aliás, dizendo-se

— e eu confirmo — sem surpresa. É que o Bloco de Esquerda mantém uma posição completamente diferente

da do Partido Socialista.

Portanto, voltando ao jogo político, devolvo-lhe a questão. O Sr. Deputado perguntou onde estará o PSD se

um hipotético governo liderado pelo Partido Socialista tiver de ir à Europa negociar e se vamos secundar ou

sustentar as posições de um governo hipotético do Partido Socialista?! Sr. Deputado, se chegar a haver um

governo liderado pelo Partido Socialista na sequência das últimas eleições legislativas, quem tem de o apoiar

são aqueles que andaram a negociar acordos bilaterais com o Partido Socialista e que afirmaram aqui

conjuntamente o derrube do Governo.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

É sobre si e o seu partido, Sr. Deputado Jorge Costa, sobre o PCP, sobre Os Verdes e sobre o PAN que

recai a responsabilidade de sustentar politicamente o Governo e todo o seu posicionamento mesmo em

matéria europeia. Mas é evidente que, a julgar pela amostra que o Sr. Deputado aqui evidenciou, é mesmo

uma solução muito instável, muito inconsistente e, diria mesmo, inconsequente. Só pode ser inconsequente! É

esta, pelo menos, a nossa visão, Sr. Deputado.

Sr.ª Deputada Margarida Marques, colocou questões que poderiam complementar o nosso projeto de

resolução. Interpretei, enfim, a sua questão como uma concordância com os pontos que constam deste projeto

de resolução.

Seria bom que o Partido Socialista pudesse votar favoravelmente este projeto de resolução e, porventura,

que reservasse à sua própria iniciativa, no futuro, a apresentação das omissões que detetou nele. Nós cá

estaremos para fazer esse debate convosco.

Mas o que é importante, hoje, é saber o que pensa o Partido Socialista sobre o que é fundamental nas

opções estratégicas de Portugal para salvaguardarmos a nossa economia e o seu crescimento, a manutenção

e a criação de postos de trabalho.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vitalino Canas, do PS.

O Sr. Vitalino Canas (PS): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Não há momentos maus para

reafirmar a adesão e a fidelidade a valores e a compromissos, particularmente quando se trata dos valores e

dos compromissos inerentes à construção europeia.

O PS nunca perderá uma oportunidade para reiterar o que ninguém ignora: somos o partido que, nos

momentos mais marcantes da construção europeia, esteve sempre na linha da frente, desde a adesão de

Portugal.

Não sendo legítimo duvidar, pela sua história e pela sua prática, da posição do Partido Socialista em

relação ao passado e ao futuro da construção europeia, o projeto de resolução que está em discussão, a bem

dizer, é, sobretudo, uma oportunidade para o PSD e o CDS. É uma oportunidade para anunciarem que

renunciam ao alinhamento por uma visão radical e financista, que presidiu à política europeia dos últimos

quatro anos com dano significativo dos valores fundamentais do projeto europeu e do interesse nacional; e é

uma oportunidade para reafirmarem a sua fidelidade a esse projeto e aos compromissos que dele resultam.

Essa reafirmação impõe-se.

Nos dias que correm, se Portugal é mencionado nos corredores de Bruxelas e é publicamente criticado é

pelo facto de o Governo do PSD e do CDS não ter cumprido os compromissos inerentes ao Semestre

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Europeu, apresentando, como era seu dever, as linhas gerais de um orçamento do Estado dentro do prazo

fixado por aquelas regras.

Por causa da deliberada tentativa de o Governo esconder as intenções para 2016 (e quando vemos a

monumental encenação montada em torno da devolução da contribuição extraordinária, percebemos

porquê…), Portugal está em risco de ser sancionado e pode, inclusive, colocar em risco a saída do

procedimento dos défices excessivos.

Além disso, a reafirmação da fidelidade aos compromissos europeus impõe-se porque se têm sucedido

declarações dos líderes do PSD e do CDS-PP, e agora mesmo confirmadas pelo Sr. Deputado Luís

Montenegro, que, na sua ambiguidade e até primarismo, dão a entender que, se não houver um governo

deles, irão estar contra tudo o que vier de outro governo. Entenda-se: mesmo aquilo que vise cumprir os

compromissos europeus, não terá a sua anuência nem participação.

Mesmo quando esteve na oposição, nunca o Partido Socialista se furtou a contribuir para o pleno

cumprimento dos compromissos europeus e até a apoiar os seus desenvolvimentos, como aconteceu com o

tratado orçamental. Aparentemente, não é essa a postura do PSD e do CDS. Para o PSD e o CDS, a

fidelidade à Europa varia consoante o governo que haja. Isso, sim, a não ser alterado, configurará um

inequívoco afastamento desses partidos do trajeto europeu que Portugal tem seguido.

Srs. Deputados do PSD e do CDS, têm hoje, aqui, uma soberana oportunidade, que já começou a perder-

se tendo em conta o que disse o Sr. Deputado Luís Montenegro, para retificar essa posição assumida pelos

vossos líderes aquando da discussão do Programa do Governo. A bem da imagem de Portugal na União

Europeia, aproveitem-na e afirmem claramente que continuarão a votar pela Europa qualquer que seja o

governo do País.

Este debate poderia ser também uma boa oportunidade para corrigir uma visão insuficiente, reducionista e

deturpada que os partidos da direita deste Hemiciclo têm da construção europeia.

O projeto de resolução espelha essa visão, desde logo porque esquece, por completo, os compromissos

fundamentais que têm mantido a Europa unida ao longo dos anos, não obstante as crises, os sobressaltos, as

dificuldades e as mudanças de ventos políticos.

Como é possível que um projeto sobre compromissos europeus não contenha uma única palavra —

sublinho, uma única palavra — sobre os compromissos de solidariedade, de coesão e de construção de um

espaço de paz, de segurança e de justiça?

O que o projeto de resolução denota é que os seus autores veem a Europa como um palco em que só

relevam os mecanismos monetários, financeiros e económicos. Quem ler o texto fica com a grave sensação

de que a Europa se esgota no Tratado Orçamental, no Pacto de Estabilidade e Crescimento, no Semestre

Europeu e pouco mais, como, aliás, também já foi referido pela minha camarada Margarida Marques.

Aplausos do PS.

Mas, Srs. Deputados, o projeto europeu é muito mais do que isso. O Partido Socialista nunca se poderia

resignar a uma visão tão redutora e tão pobre da Europa.

O projeto de resolução omite, além disso, importantes vetores do compromisso europeu na sua

configuração atual; nada diz sobre a Europa social e sobre os seus princípios, que constituem pilares

fundamentais da construção europeia; omite que, hoje, é oficialmente aceite que a aplicação do tratado

orçamental seja feita de acordo com uma leitura inteligente, o que tem um significado muito preciso, como

ainda há dias lembrou o Comissário Moscovici; desconsidera que há um compromisso a favor do lançamento

de políticas de crescimento e de criação de emprego, bem expresso no chamado «plano Juncker» e nem

sequer mereceu uma referência; é, além de mais, omisso em relação à vital necessidade de prosseguir com o

aperfeiçoamento de mecanismos que permitam a redução das assimetrias resultantes de uma arquitetura

incompleta da União Económica e Monetária.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. Vitalino Canas (PS): — Se o tempo permitisse, Sr. Presidente, muitas outras omissões,

insuficiências e até deficiências poderiam ser apontadas.

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Para terminar, queria dizer que, perante isto, como é tradicional nesta Assembleia quando estão em causa

questões europeias, o Partido Socialista convidou o PSD a trabalhar no sentido de incorporar alterações que

atenuariam algumas destas insuficiências e omissões do projeto de resolução, mas este recusou liminarmente

qualquer possibilidade de entendimento. Ora, isso reforça a ideia de que, com este projeto de resolução, não

se pretende realmente a reafirmação de um consenso europeu, mesmo na sua expressão mínima e cada vez

mais distante, como é visível na postura radical da direita. Este projeto de resolução é simplesmente o

instrumento com o qual os partidos que integraram o PàF pretendiam vãmente demonstrar que o PS se

desviou da rota europeísta de sempre.

O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Vitalino Canas (PS): — Todavia, como diz o nosso povo — e estou a terminar, Sr. Presidente —, o

PSD e o CDS «foram buscar lã e saíram tosquiados», porque o conteúdo deste projeto de resolução e a

prática dos dois partidos nos últimos tempos apenas reforçam dúvidas sobre a sua compreensão e adesão ao

projeto europeu, tal como ele é efetivamente.

Eram os senhores que, nesta ocasião, deveriam demonstrar que o projeto europeu é um ideal para todas

as ocasiões…

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço-lhe que conclua.

O Sr. Vitalino Canas (PS): — … e não um meio circunstancial de obtenção de efeitos políticos menores. E

nisso, lamento dizer, falharam dramaticamente.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Morgado, do PSD.

O Sr. Miguel Morgado (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Vitalino Canas…

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, desculpe interrompê-lo, mas o Sr. Deputado Vitalino Canas não dispõe

de tempo para responder. Não sei se o PSD lhe cede algum tempo?

Vozes do PSD: — Não!

O Sr. Presidente: — Então, Sr. Deputado Miguel Morgado, faça favor de fazer a pergunta, que ficará no

ar…

O Sr. Miguel Morgado (PSD): — Ficará na consciência de todos os Srs. Deputados, Sr. Presidente.

Queria dirigir-me ao Sr. Deputado Vitalino Canas, que disse que o PSD e o CDS estariam aqui a perder

uma oportunidade, que não nos parece que assim seja, porque esta é uma oportunidade de clarificação que,

entretanto, se converteu numa necessidade urgente de clarificação e, com franqueza, depois de ouvir a

intervenção do Deputado Vitalino Canas, lamento constatar que a sua intervenção serviu mais para

obscurecer e menos para clarificar.

Esse momento de clarificação, para nós, é urgente, não apenas por causa dos nossos parceiros europeus

nem por causa da confiança externa de que o nosso Estado e a nossa economia dependem, mas porque, em

primeiro lugar e sobretudo, os portugueses têm o direito de saber com o que podem contar.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Miguel Morgado (PSD): — Nós vivemos dias em que foram oferecidas todo o tipo de interpretações

dos resultados eleitorais do dia 4 de outubro. Todavia, há uma interpretação que, julgo, ninguém pode

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contestar: mais de 70% dos eleitores portugueses optaram pela prossecução do caminho europeu e votaram

contra a rutura com a Europa.

O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Muito bem!

O Sr. Miguel Morgado (PSD): — E estes portugueses, todos os portugueses, têm o direito de saber com o

que podem contar por parte de todos os partidos políticos, nomeadamente por parte do PS.

Só mais uma nota: esta clarificação não se compadece com proclamações vazias. A vinculação aos

compromissos europeus, a estes concretos que nomeámos aqui e a outros, depende de uma prática, eles não

são uma retórica.

Por isso, a pergunta que eu teria reservado para o Deputado Vitalino Canas, se ele tivesse tempo para

responder, é muito simples: nas escolhas concretas, nas decisões políticas a que o PS será chamado a tomar,

na oposição ou num hipotético Governo, a prioridade que o PS dará será ao cumprimento dos compromissos

europeus, ou será, em contrapartida, manter-se acorrentado às posições do PCP e do Bloco de Esquerda?

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Miguel Morgado, como o Sr. Deputado Vitalino Canas não dispõe de

tempo para responder, o que o Sr. Deputado fez foi uma intervenção, a descontar no tempo do PSD.

Em nome do Governo, tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, a

quem aproveito para saudar.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Carlos Costa Neves): — Sr. Presidente, começo por

agradecer o seu cumprimento e por saudar todas as Sr.as

Deputadas e todos os Srs. Deputados que exercem

funções nesta Legislatura.

Não serão as circunstâncias anómalas do atual momento da nossa vida política que afastarão o Governo

do cumprimento dos seus deveres nesta Assembleia e de afirmar, sempre que necessário, as opções

fundamentais do País e da democracia.

Ninguém estranhe, por isso, que o Governo intervenha num debate que se destina a reafirmar os

compromissos europeus de Portugal, ocasião a que atribuo importância e atualidade.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Faço parte do XX Governo Constitucional e assumo a continuidade: desde

o primeiro minuto da história dos governos democráticos, desde o nosso pedido de adesão à então

Comunidade Económica Europeia ou, como era conhecida, CEE que os compromissos europeus definem a

democracia que somos e ainda mais a democracia que queremos ser.

Sucessivos governos, integrados pelo PS, pelo PSD e pelo CDS, sempre responderam nesta Assembleia,

com clareza e coerência, pela defesa e pelo aprofundamento desses compromissos.

Para que não se perca a memória política, é preciso recordar que a opção europeia de Portugal foi uma

escolha, não uma inevitabilidade. E continua a ser uma escolha, não uma inevitabilidade.

Foi uma escolha de um modelo de organização política e de sociedade, baseado no Estado de direito, nas

liberdades políticas e económicas, na democracia pluralista, na economia social de mercado e também no

alinhamento ocidental sem reservas — repito, sem reservas. Foi uma escolha desse modelo, foi uma escolha

desses princípios.

Quando falamos dos compromissos europeus, não temos apenas em mente os tratados para onde esses

compromissos foram vertidos. Falamos, sim, das opções fundamentais da nossa democracia. Falamos, assim,

desta opção europeia, que foi, de facto, uma escolha. E, como decorrência lógica dessa escolha, foi também

uma recusa. Sim, Sr.as

Deputadas e Srs. Deputados, a recusa de experiências políticas que subalternizassem

aqueles valores essenciais, a recusa do isolamento, a recusa da cumplicidade tática, normalmente, ou, sendo

mais preciso no nosso caso, a recusa do terceiro-mundismo, que alguns têm, como sempre tiveram e,

infelizmente, mantêm e manterão como alternativa prioritária.

Que ninguém duvide que a opção europeia impediu que Portugal se transformasse, no contexto das

décadas 70 e 80 do século passado, numa democracia internacionalmente agnóstica e desalinhada. Tal como

impede, em pleno século XXI, aquilo que representaria hoje um significativo desalinhamento, um novo

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afastamento, uma nociva ausência das comunidades de valores políticos e económicos, onde queremos estar

inseridos, onde a maioria dos portugueses quer estar inserido.

Sr.as

e Srs. Deputados, da opção europeia afirmou uma vez Francisco Sá Carneiro que seria, e cito, «um

projeto nacional e não uma posição partidária». Dir-se-á, de outra maneira e à luz dos tempos que vivemos,

que nenhuma posição partidária poderia enfraquecer aquilo que é, foi sempre, um projeto nacional.

Há 30 anos, repito, há 30 anos, nesta Câmara, ao encerrar o debate histórico que antecedeu a adesão,

Mário Soares afirmou, e volto a citar: «A integração de Portugal na CEE, por representar uma viragem

histórica na vida do País, deveria ser objeto da votação unânime desta Câmara, à semelhança do que

aconteceu na nossa vizinha Espanha».

Dir-se-á, de outra maneira, que a opção europeia, enquanto projeto nacional e enquanto projeto

interpartidário, dependeria sempre do apoio inequívoco e livre das forças políticas, dos consensos de que elas

fossem capazes, da estabilidade e fiabilidade das suas decisões. Só assim o País apareceria unido e

empenhado na sua concretização. Isto porque a opção europeia foi uma escolha, foi também uma escolha de

quem a escolheu, dos partidos que souberam aliar-se para a abraçar e para a defender, como o demonstra um

histórico de votações favoráveis a todos os tratados europeus, bem como a adesão consciente dos

portugueses, que mantiveram, ao longo do tempo, a rara sabedoria de não permitir que esta opção ficasse

cativa das ilusões do radicalismo e sectarismo políticos.

Não pretendo dizer que a opção europeia de Portugal está hoje em risco. Os portugueses nunca o

permitiriam. Mas quero dizer que a liberdade e a clareza que conduziram as principais forças políticas, durante

30 anos, a subscrever e desenvolver o projeto europeu e os seus desenvolvimentos não são, em 2015, iguais

às que conhecemos e que nos habituámos a ter como seguras.

Perante as declarações passadas do Secretário-Geral do Partido Socialista e de bom número dos seus

atuais acompanhantes, perante a insólita dependência em que se colocou junto de partidos que têm

proclamadamente como objetivo estratégico a reversão dos nossos compromissos europeus, há razões de

sobra para duvidarmos da estabilidade desses compromissos e para desconfiarmos do que pode vir aí.

De repente, voltaram as sombras terceiro-mundistas, revestidas de uma retórica «syrizista» de

«insubmissão» às instituições, de que os partidos europeístas responsáveis e moderados sempre se

distanciaram.

O preço a pagar será elevado. Será pago em confiança. A confiança, em primeiro lugar, dos portugueses,

das famílias, das empresas.

É fundamental que, junto das famílias e das empresas, não se instale de novo a desconfiança e a

descrença; que conservemos junto dos investidores nacionais e externos a confiança que desbaratámos uma

vez e que tanto custou readquirir, a confiança que readquirimos junto dos nossos parceiros europeus. Porque

estivemos no primeiro plano das reformas institucionais no quadro europeu, reiterando assim o nosso

compromisso de pertença à União Europeia e ao seu núcleo mais avançado de integração, a área do euro.

Porque ratificámos o tratado orçamental, com o apoio de mais de 80% dos Deputados. Porque não nos

declarámos inspirados quando, na Grécia, ascendeu ao governo um partido determinado a reverter todos os

compromissos europeus. Pelo contrário, soubemos mostrar inequivocamente que aquele não seria, em caso

algum, o nosso caminho. É fundamental que assim continue a ser, sem reservas mentais.

Não nos deixemos enganar por quem se atreve a fazer experiências quando na Europa a segurança

internacional volta a impor aos Estados um módico basilar de realismo, contra os novos autoritarismos, contra

a instabilidade, contra o terrorismo. Os políticos não podem jogar aos dados, convencidos de que terão a sorte

que faltou a outros. Devem preservar, acima de tudo, os compromissos que souberam erigir.

Sr.as

e Srs. Deputados, é isto que um governante entende que vos deve dizer nesta altura, não dizendo

mais do que outros governantes já afirmaram no passado, recente ou remoto, não aspirando a mais do que

exprimir a convicção de que sobre este tema — os compromissos europeus de Portugal — não pode haver

equívocos, não pode haver dúvidas, não pode haver aventuras.

Estes compromissos são o nosso presente e o nosso futuro.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

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O Sr. Presidente: — Não havendo pedidos de esclarecimento, tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª

Deputada Isabel Pires, do Bloco de Esquerda.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: A discussão sobre a Europa e sobre o

projeto europeu é um debate sempre pertinente, mas deve ser um debate sério e crítico, coisa que não nos é

proposta hoje pelo PSD e pelo CDS.

O projeto que nos apresentam não traz nada de novo, não responde a nenhum debate em curso neste

momento na Europa e não pretende sequer discutir a própria Europa. Serve apenas e só para o jogo político

marcado pelo desespero do PSD e do CDS. É uma espécie de renovação de votos para a fotografia, que não

será por amor mas apenas por conveniência política.

Esta é a proposta e o debate dos mesmos PSD e CDS que, durante quatro anos, foram subservientes às

ordens de Merkel, daqueles que acham que à Europa da austeridade não se pode mudar uma única vírgula,

que as regras europeias são gravadas na rocha e que os cortes são o único objetivo das políticas públicas. E é

por causa desse seguidismo cego que o PSD e o CDS nos apresentam um projeto sem crítica à

burocratização da União Europeia, à degradação da democracia, à falta da participação popular e à

proliferação de espaços de decisão que fogem ao escrutínio. Falta até a crítica à Europa que se fecha em

muros, que nega valores fundamentais, como o da solidariedade entre os povos, ou que cala e consente a

agenda extremista de direita de vários governos europeus.

O Bloco de Esquerda não tem uma visão imobilista da Europa, nem desistimos, como europeístas

convictos que somos, de lutar por uma Europa que valha a pena, que não diga que os bancos são mais

importantes do que as pessoas, que se una na solidariedade entre os povos e na melhoria concreta da vida

das pessoas.

Aplausos do BE.

A Europa de hoje está a fragmentar-se. Esta é a Europa de Merkel e Schäuble, Juncker e Dijsselbloem. A

Europa em que há países de primeira e países de segunda.

Os países de primeira moldam as regras à sua vontade, mas também as violam quando e porque querem;

os países de segunda são sempre obedientes, sempre subservientes, para quem as regras são draconianas.

É isto que vemos acontecer com o tratado orçamental. Não é novidade que o Bloco de Esquerda sempre

se opôs a este Tratado. É um Tratado que não foi referendado pelos povos, nem tão-pouco a sua discussão

existiu na esfera pública, por mais tentativas que fossem feitas, e elas foram!

O tratado orçamental é, assim, um instrumento de imposição e obrigação que paira sobre os países da

Europa, obrigando-os a cumprirem metas para o défice e para a dívida que são, virtualmente, impossíveis de

cumprir. E em nome destas metas são os povos sujeitos a pesados planos de austeridade, como temos

assistido, provocando desemprego, corte de rendimentos do trabalho, corte de pensões, destruição do Serviço

Nacional de Saúde e de educação, o abandono completo do Estado social.

PSD e CDS não questionam o tratado orçamental, porque esta é a sua melhor desculpa para a sua

verdadeira agenda política e ai de quem ouse questionar uma vírgula que seja do documento.

No entanto, convém reavivar a memória do PSD e do CDS sobre posições, não tão longínquas quanto isso,

de alguns dos seus dirigentes: Manuela Ferreira Leite referiu que as exigências do tratado orçamental são

inexequíveis e que, a serem concretizáveis, serão «muito penosas». Dizia ela o seguinte: «Não há política

orçamental que resista a uma tal restrição orçamental». Que ousadia, realmente!

Mas também Bagão Félix, ex-Ministro das Finanças, disse: «O tratado orçamental foi criado para não ser

cumprido».

Sr.as

e Srs. Deputados do PSD e do CDS, são figuras de referência da vossa área política que proferiram

estas declarações. O que lhes dizem?! Ou, mais simplesmente, o que dizem às pessoas? Se um governo

quiser mudar na Europa a política de empobrecimento, estarão de que lado? Do lado de Ferreira Leite e

Bagão Félix, que dizem que o tratado orçamental é irresponsável? Ou do lado de Merkel que diz que é para

cumprir, custe o que custar? Esta é a verdadeira pergunta a que PSD e CDS deveriam responder e não o

fazem. Já conhecemos o currículo dos defensores do tratado orçamental: «custe o que custar».

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O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Ao mesmo tempo que as populações são sacrificadas, os bancos são salvos, a

dívida dispara, a vida das pessoas é destruída e rompe-se o contrato social. E tudo para chegar a 2015 e

Portugal ter apenas a quarta dívida mais alta da OCDE, uma dívida que, neste momento, ultrapassa os 130%

do PIB, mais do que há quatro anos. E se, de facto, queremos aprofundar o debate sobre a Europa, devemos

falar dos seus erros, aprender com eles e tentar mudar.

Lembremos novamente Ferreira Leite e Bagão Félix. Essas vozes insuspeitas defenderam uma

reestruturação da dívida no quadro europeu. Não só eles mas também Freitas do Amaral ou João Cravinho,

ou já nos esquecemos do Manifesto dos 70?

Da esquerda à direita, muitos se juntaram em torno de uma posição que pudesse dar início a uma

discussão séria sobre a possibilidade de uma reestruturação da dívida, pilar essencial para o crescimento

económico. Não é, portanto, sério promover um debate sobre a Europa, que se nega a discutir a Europa, mas

esse tem sido sempre o objetivo da direita.

Num outro tema, a gravidade da situação dos refugiados pôs a descoberto a incapacidade europeia para

agir como um todo quando a crise é humanitária. As posições xenófobas e de fecho, violento, de fronteiras

assim o demonstram e há que combater este discurso. É, de facto, hora de debater a Europa, mas de forma

séria, de forma responsável, criticando quando é necessário criticar. É preciso derrubar os muros, também

mentais, que têm sido construídos.

Concluindo, esse foi o contributo do Bloco de Esquerda para este debate, um contributo construtivo.

Entretanto, assumiu a presidência o Vice-Presidente Jorge Lacão.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, queira concluir.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Termino já, Sr. Presidente.

Do lado do PSD e CDS nada acrescentaram à subserviência conhecida. Propõem-se usar os instrumentos

europeus para continuar a atacar os direitos das pessoas, mas falham no essencial, que são as propostas

alternativas concretas. É pena, porque este debate poderia ter servido para mais do que animar a agenda

partidária de quem perdeu as eleições.

Aplausos do BE e de alguns Deputados do PS.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Santos.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, PSD e CDS trouxeram a debate, na

Assembleia da República, uma iniciativa sem sentido, porque quer seja aprovada ou rejeitada o seu resultado

é o mesmo — é nulo. Isto é, independentemente do resultado da sua votação, o projeto de resolução

apresentado por PSD e CDS, sobre a afirmação dos principais compromissos europeus, não terá nenhuma

consequência prática ou impacto na nossa realidade. Estamos, portanto, perante um não debate, uma não

discussão, cujo resultado não terá qualquer consequência quanto às matérias que são objeto de discussão.

PSD e CDS sabem que a iniciativa que agendaram não visa qualquer objetivo relativamente à substância

do projeto de resolução. Esta iniciativa tem, somente, um objetivo oportunista, que PSD e CDS reconhecem

nas declarações que foram proferindo nos últimos dias.

Importa, assim, denunciar as reais intenções que levaram PSD e CDS a agendar este debate demagógico

e oportunista.

Sr. Presidente e Srs. Deputados, é evidente que o propósito do PSD e do CDS não era suscitar um debate

sério sobre as matérias relacionadas com a União Europeia ou com a União Económica e Monetária mas, sim,

como os próprios afirmaram publicamente, procurar identificar contradições entre as posições que cada força

política foi afirmando ao longo do tempo.

Da nossa parte, não iremos corresponder à vossa intenção. Não há contradições para explorar, como era o

vosso desiderato, porque ninguém foi obrigado a alterar a sua posição sobre cada uma das matérias que

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identificaram neste debate. E para que não subsistam dúvidas, reafirmamo-lo novamente, o PCP mantém as

suas posições sobre cada uma das matérias que constam do projeto de resolução.

O PCP não abdicou, nem abdica, do seu projeto político para os trabalhadores, o povo e o País; o PCP não

abdicou, nem abdica, da sua análise e das posições políticas que assumiu acerca das mais variadas matérias,

incluindo as questões abordadas neste projeto de resolução.

O PCP não alterou a sua análise e reflexão sobre as consequências da adesão de Portugal à CEE, à União

Europeia, à União Económica e Monetária, do processo que se desenrolou nos últimos anos e dos seus

impactos profundamente negativos no plano económico, social, cultural e ambiental do nosso País. Mantemos

a nossa apreciação quanto ao processo que se aprofundou nos últimos anos com a imposição de um conjunto

de instrumentos a nível da União Europeia que constituem verdadeiros constrangimentos no exercício do

direito ao desenvolvimento dos países, retirando, simultaneamente, enormes fatias da sua soberania e

independência nacionais e exigimos responsabilidades a PSD e CDS pelo que nos últimos quatro anos

fizeram contra os interesses do País.

Mantemos a nossa apreciação quanto ao processo de aprofundamento deste caminho, com o contributo

decisivo do Governo PSD/CDS que foi derrotado nas urnas no passado dia 4 de outubro, que trouxe a

Portugal mais pobreza, mais desigualdades, mais dependência e uma maior fragilização da nossa economia.

Mantemos a nossa apreciação e exigimos responsabilidades ao PSD e ao CDS pelo que, nos últimos

quatro anos, fizeram no aprofundamento de todos estes problemas.

São o PSD e o CDS que têm de explicar hoje por que é que, contrariamente ao que tinha sido prometido,

Portugal não se aproximou das condições de vida dos países mais desenvolvidos, tendo-se verificado na

realidade uma tendência de afastamento, estando hoje na cauda dos países da União Europeia num conjunto

significativo de indicadores de desenvolvimento económico e social.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, nada disto, o PSD e o CDS queriam

discutir seriamente. Queriam apenas, de forma desesperada e oportunista, encontrar um exercício que

contribuísse para os resgatar da derrota eleitoral que sofreram.

O que se torna relevante, afinal, neste debate, é o desespero e a desorientação que se instalaram no PSD

e no CDS por continuarem a recusar aceitar essa derrota eleitoral que sofreram. O agendamento deste debate

com uma não discussão é apenas isso mesmo, um exercício de desespero e oportunismo para resgatar PSD

e CDS da derrota eleitoral que sofreram e para isso não contarão com o PCP.

Aplausos do PCP.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Derrota?!

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as

e Srs. Deputados:

Talvez valha a pena recentrar o debate e explicar a quem nos está a ouvir o que estamos a debater, porquanto

os últimos discursos em nada versaram sobre este mesmo tema.

O que está em causa é, tão simplesmente, uma recomendação do PSD e do CDS para que a Assembleia

da República possa reafirmar a vontade nacional de cumprir tratados internacionais e de dar execução ao

artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa, tão citada por alguns e, pelos vistos, muito pouca

praticada, e que diz isso mesmo, que os tratados são para serem cumpridos.

Então, o que é que nós estamos aqui a discutir? Estamos a discutir um projeto de resolução no sentido de

que a Assembleia da República possa reafirmar a vontade nacional empenhada na participação plena de

Portugal na União Europeia e, em particular, na União Económica e Monetária, possa reafirmar o cumprimento

das regras dos tratados europeus que vinculam o Estado português às regras comuns que deles decorrem e

que voluntariamente nós assumimos, bem como a inclusão de Portugal na união bancária, na defesa da

implementação plena dessa mesma união, previsto e reconhecido pelos Parlamentos nacionais e pelo Tratado

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de Lisboa, assinado, em Portugal, em 2009, pelo anterior governo do Partido Socialista, um Tratado celebrado,

negociado e bem negociado pela diplomacia portuguesa.

O projeto de resolução é também no sentido de a Assembleia reafirmar e sublinhar a nossa vinculação ao

tratado orçamental, que até ao dia 4 de outubro deste ano era sufragado por, pelo menos, 80% desta Câmara,

dos Deputados representados pelos respetivos partidos, veremos como votarão, veremos como sexta-feira,

assim será, ou não, veremos e clarificaremos se Portugal se mantém, ou não, nesta esteira.

Para terminar, o projeto de resolução é ainda no sentido de a Assembleia reafirmar o compromisso do

Estado português com o cumprimento do Pacto de Estabilidade e Crescimento e rejeitar propostas de

reestruturação unilateral das dívidas públicas nacionais dos Estados-membros da União Europeia, como, de

resto, foi feito e aconteceu, por exemplo, num outro Estado-membro da União Europeia, como a Grécia, com

os resultados previstos.

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Sr.as

e Srs. Deputados, não é mais, nem é menos, é isto que

está em causa. Concordam, ou não, e da vossa votação poderemos daí retirar conclusões, com os

compromissos internacionais assumidos por Portugal, com os tratados assumidos por Portugal, no âmbito do

tratado orçamental, da união bancária, da não reestruturação da dívida, do Pacto de Estabilidade? É tão

simples quanto isto!

Perguntarão alguns: «Mas, se isso já decorre do artigo 8.º, n.os

3 e 4, da Constituição da República

Portuguesa, que, inclusivamente, motivou uma revisão constitucional, qual é a necessidade dos partidos da

coligação, PSD e CDS, apresentarem um projeto de resolução, que, no fundo, compromete a Assembleia da

República e o Governo a cumprirem com a Constituição?».

O Sr. João Oliveira (PCP): — Estou desejoso de ouvir essa resposta!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — O Sr. Deputado João Oliveira quer ouvir a resposta, pois eu vou dá-

la.

De facto, se até ao dia 4 de outubro de 2015 isso não estava em causa, e não estava em causa porquê?

Porque o Partido Socialista, o Partido Social Democrata e o CDS estavam de acordo com estas matérias, com

o cumprimento destes Tratados, agora, com o parece que, diz-se que, assinaram-se uns papéis que, tudo isto

está em causa. Derrubaram-se muros de Berlim! Como dizia aqui, e bem, ontem, o meu colega Deputado

Telmo Correia, provavelmente, ter-se-á derrubado um suposto e imaginário muro de Lisboa. A tradição já não

é o que era, as convenções valem o que valem.

Portanto, em nome daquilo que é essencial em democracia, clareza e transparência, no âmbito dessa

clareza e transparência, perante essas supostas quedas de muros, perante essa suposta quebra de tradições,

de convenções e até de convicções políticas, por aquilo que temos vindo a assistir nos últimos dias, aliás, já

hoje mesmo aqui falámos do 25 de Novembro, os portugueses exigem, a nosso ver, que se saiba se existe ou

não consenso em torno de matérias como a União Europeia e os tratados da União Europeia, nomeadamente

o tratado orçamental, em que dois terços dos portugueses votaram. É isto que está em causa. Dir-me-ão: nada

disto seria necessário antes de 4 de outubro deste ano. Não! De facto, se calhar, não seria necessário. Então,

Sr. Presidente, o que é que terá mudado? Creio que é muito fácil, da parte dos portugueses, perceberem o

que mudou. O que mudou foi o Partido Socialista, pois não basta proclamar-se como o partido mais europeísta

de todos, como gostam de dizer. De resto, neste sentido, e perante a troica de esquerda e da esquerda mais à

esquerda que se pretende formar, não deixa de ser interessante o silêncio do Dr. Mário Soares,…

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — … o tal «pai» do europeísmo, que nos levou, e bem, à União

Europeia. Não deixa de ser curioso!

Mas, na verdade, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o que importa, hoje, perceber, o que importa que

aqueles portugueses que votaram, nomeadamente aqueles dois terços que acreditam na União Europeia,

percebam, é se os dois terços em quem aqueles que acreditam na União Europeia votaram, os dois terços

deste Parlamento, continuam, também eles, a acreditar na União Europeia e nos tratados daí resultantes. Isso

é clareza e transparência e isso é essencial à democracia!

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Dir-me-á o Sr. Presidente: «o Sr. Deputado estará, de alguma forma, a exagerar, estará, de alguma forma,

a ser excessivo». Pois bem, cito aqui os outros dois líderes da troica, que se anuncia à esquerda e à esquerda

mais à esquerda, e até de forma bastante insinuante para com outras instituições, como o Presidente da

República.

A Sr.ª Deputada Catarina Martins diz que, e passo a citar, «o tratado orçamental é uma batota sobre a

democracia», «os cidadãos portugueses têm o direito de se pronunciar sobre as suas consequências através

de um referendo», representa uma «chantagem e uma gigantesca transferência de rendimento do trabalho

para o capital» e, por isso, — estou a citá-la, Sr.ª Deputada Catarina Martins! — …

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — E muito bem!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — … é preciso «desobedecer à Europa» e «rasgar com as políticas de

austeridade». Estará o Partido Socialista de acordo com isto? Isto não me surpreende da parte de V. Ex.ª, Sr.ª

Deputada Catarina Martins, não me surpreende da parte do Bloco de Esquerda, é coerente, de resto, aliás,

citei-a.

O que era importante saber neste debate, não para o CDS ou PSD mas para os portugueses, era se o

Partido Socialista está, ou não, de acordo em que é preciso desobedecer à Europa, em que é preciso

denunciar a «batota» que é o tratado orçamental, a «chantagem» que constitui o tratado orçamental. Também

é preciso saber se o Partido Socialista concorda com aquilo que, por exemplo, o Secretário-Geral do PCP,

Jerónimo de Sousa, disse, há bem pouco tempo, concretamente em abril deste ano, que foi o seguinte: «O

PCP propõe uma política alternativa. Já não podemos dizer o mesmo do PS, que tem um drama: está

prisioneiro da sua assinatura do pacto de agressão, da política do Programa de Estabilidade e Crescimento,

da sua identificação…» — sublinho — «… com as políticas da União Europeia. (…) Nós temos uma proposta

de rutura com esta política». Isto foi dito por Jerónimo de Sousa em abril de 2015.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Será verdade?!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Não foi, Srs. Deputados, em 1976! Não foi em tempos idos, foi

mesmo neste ano. Estarão os Deputados do Partido Socialista e o Grupo Parlamentar do Partido Socialista de

acordo com estas declarações dos líderes dos partidos com os quais pretendem fazer coligação?! Agora, que

os «muros» foram derrubados, o derrube desses «muros» foi a este ponto?! Vamos, ou não, denunciar estes

tratados? Estamos, ou não, de acordo com estes tratados? É uma pergunta que interessa não ao PSD, não ao

CDS, mas aos portugueses, aos dois terços de portugueses que acreditam na Europa, na União Europeia, no

tratado orçamental e na política europeia.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Por isso, não deixa de ser extraordinário, Sr. Presidente e Sr.as

e

Srs. Deputados, que, perante isto, o Sr. Deputado Vitalino Canas, em nome do Partido Socialista, ache que é

uma visão redutora da União Europeia. São uma visão redutora da União Europeia os tratados fundadores da

União Europeia?! Qual é, então, a posição do Partido Socialista? Nós ficámos à espera! Foram 10 minutos ou,

melhor, foram 12 minutos e 11 segundos, sem que o Sr. Deputado reafirmasse o compromisso do Partido

Socialista com esta matéria, sem que dissesse, preto no branco, que o Partido Socialista estava e estará com

esta matéria.

Vozes do PS: — É logo a primeira frase!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — E é precisamente para isso que este debate serve! Para quem

questione a utilidade, não há maior utilidade, em democracia, do que a clareza e a transparência, e é para isso

que este debate serve!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

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O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Srs. Deputados, não havendo mais pedidos de palavra para este ponto,

considero terminado o debate do projeto de resolução n.º 2/XIII (1.ª).

Passamos ao segundo ponto da nossa ordem de trabalhos, que é o da apreciação conjunta, na

generalidade, dos projetos de lei n.os

1/XIII (1.ª) — Revoga as leis que humilham mulheres que recorrem à IVG

(Revogação da Lei n.º 134/2015, de 7 de setembro, e da Lei n.º 136/2015, de 7 de setembro) (BE), 4/XIII (1.ª)

— Restabelece o respeito pela dignidade das mulheres portuguesas e a salvaguarda da sua saúde sexual e

reprodutiva, revogando as Leis n.os

134/2015 e 136/2015, ambas de 7 de setembro (PS), 10/XIII (1.ª) —

Elimina mecanismos de coação e condicionamento sobre as mulheres no acesso à interrupção voluntária da

gravidez, revoga a Lei n.º 136/2015, de 7 de setembro, e repristina a Lei n.º 16/2007, de 17 de abril (PCP) e

14/XIII (1.ª) — Revoga a Lei n.º 134/2015, de 7 de setembro, e a Lei n.º 136/2015, de 7 de setembro, de modo

a combater o aborto clandestino e a respeitar a dignidade das mulheres que decidem interromper

voluntariamente a gravidez (Os Verdes).

Por ordem de apresentação das iniciativas em debate, irá usar da palavra, em primeiro lugar, para uma

intervenção, a Sr.ª Deputada Catarina Martins.

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: No final da última Legislatura, a

então maioria de direita decidiu fazer a alteração da legislação sobre a interrupção voluntária da gravidez,

escondendo essas alterações na ideia de que se estava a mexer nas taxas moderadoras — sobre a justiça ou

injustiça das taxas moderadoras discutiremos numa outra altura. De facto, as alterações legislativas nada

tinham a ver com taxas moderadoras mas, sim, com castigar, menorizar e condicionar as mulheres e as suas

escolhas.

Vozes do BE: — Muito bem!

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Por isso, agora, no início de uma nova Legislatura, com uma nova

maioria, aqui estou a apresentar o projeto de lei n.º 1 desta Legislatura, que é um projeto de lei para resgatar

os direitos das mulheres e, portanto, para resgatar dignidade.

Aplausos do BE, do PS e do PCP.

Sei que se disse muito sobre as alterações que foram feitas no final da anterior Legislatura, mas julgo que é

bom explicá-las, porque acho que, na confusão de tanto do que foi dito, se calhar, perdeu-se exatamente o

significado de cada uma das alterações, e é percebendo essas alterações que se percebe hoje a urgência de

as revogar.

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — A primeira alteração foi a introdução de taxas moderadoras em consultas

sobre planeamento familiar, mas só sobre determinado ato médico e só sobre determinadas razões desse ato

médico. Ou seja, o que a direita decidiu foi que, a partir de agora, uma mulher que decida interromper

voluntariamente a gravidez tem de dizer, na secretaria do centro de saúde, que não só decidiu interromper

voluntariamente a gravidez como decidiu fazê-lo por um motivo específico, porque alguns motivos estão

isentos de taxas e outros não.

Sendo as consultas de planeamento familiar consultas em que há isenção de taxa moderadora, a direita

obriga cada mulher que decidir interromper voluntariamente a gravidez a mostrar o seu registo médico, como

não se verifica em nenhum outro procedimento. Agora, do ponto de vista administrativo, a mulher é obrigada a

dizer o que decidiu fazer e por que é que o decidiu fazer.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Que disparate! É um total desconhecimento!

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A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Não fica entre ela e o seu médico — não! —, é todo o sistema

administrativo que fica a saber das razões da mulher. Não acontece com mais nenhum cidadão! Não há, neste

País, nenhum ato médico a que um homem seja sujeito que obrigue a revelar ao mundo esse ato e as suas

razões. Portanto, isto é uma forma de castigar as mulheres que decidem fazer interrupção voluntária da

gravidez, designadamente aquelas que decidam fazê-lo por um motivo que não seja nem a violação, nem a

malformação do feto ou que decidam não revelar esse motivo, como se as mulheres fossem obrigadas a dizer

a todo o mundo o motivo que as leva a uma decisão tão complicada como a da interrupção voluntária da

gravidez. É por isso que é um castigo e não tem a ver com taxas moderadoras.

A segunda parte das alterações tem a ver com o facto de as mulheres passarem a ter aconselhamento

obrigatório. Mais uma vez, não há nenhum outro exemplo na legislação portuguesa em que alguém seja

obrigado a sujeitar-se a um procedimento médico que não pediu ou a uma terapia que não quis, quando está

na posse de todas as suas faculdades. Não acontece! Não há nenhum motivo que faça um homem deste País

ser sujeito a um procedimento, a um acompanhamento, a uma forma terapêutica que não escolheu. Mas, para

a direita, as mulheres que decidirem interromper voluntariamente a gravidez são mulheres menores. Ou as

mulheres serão todas menores?! É que são obrigadas a ter esse acompanhamento, mesmo que não o

queiram.

Vejam bem: a lei já previa o acompanhamento psicológico e social a todas as mulheres que o quisessem, e

ainda bem, porque as mulheres devem ser acompanhadas, se quiserem. A diferença está em se estabelecer,

ao arrepio de tudo o que é liberdade neste País, que um determinado ato médico não pode ser recusado, tem

de ser obrigatório, e que as mulheres são obrigadas a ele, quer queiram ou não queiram. Isto é menorizar as

mulheres!

Vozes do BE: — Muito bem!

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Em terceiro lugar, há, nas alterações feitas pela direita, uma tentativa

inaceitável de condicionar as decisões das mulheres, da pior forma, da forma mais dissimulada. Do pior, do

inaceitável em democracia! O que a direita diz é que as mulheres, quando decidem interromper

voluntariamente a gravidez, têm de anunciar ao mundo que o fazem e os seus motivos, porque é assim que se

decide se pagam, ou não, taxa moderadora. Estas mulheres são obrigadas a aconselhamento, o que significa

que, nos meios mais pequenos, não têm a mínima proteção de confidencialidade das suas decisões, mas os

profissionais de saúde que forem objetores de consciência em relação à interrupção voluntária da gravidez, ou

seja, aqueles profissionais de saúde que se recusem a participar nesse ato médico, que sejam contra,

independentemente das razões do caso concreto, não são obrigados a dizê-lo. Mais: podem fazer parte dos

grupos de aconselhamento, agora obrigatórios. Isto significa que uma mulher, numa situação tão difícil, tão

complicada da sua vida, quando pensa e decide que a interrupção voluntária da gravidez é a escolha que tem

pela frente, ao procurar aconselhamento, não tem ao seu dispor pessoas claras. Ou seja, as pessoas com

quem, de facto, fala não estão predispostas para analisar aquele caso concreto, com aquela mulher, ou para a

ajudar,…

Protestos do PSD e do CDS-PP.

… porque, independentemente do caso concreto, são pessoas que defendem que a interrupção voluntária

da gravidez nunca pode acontecer. Portanto, isto não é aconselhamento, isto é doutrinar as mulheres, é limitar

a sua capacidade, é condicionar a sua escolha.

Aplausos do BE, do PS e do PCP.

Não é admissível! Não é admissível que às mulheres seja imposto revelar tudo — os seus motivos, o ato

médico a que se sujeitam —, que nada seja respeitado e que possa haver alguns que, escondidos sob a capa

técnica, tenham, de facto, uma agenda ideológica para impor a essas mulheres e lhes retirem a possibilidade

da escolha.

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É por isso que estas alterações têm de ser revogadas e é por isso que este dia é muito importante, porque

quem acredita na democracia por inteiro, acredita na liberdade por inteiro, de homens e de mulheres.

Não podemos permitir uma lei que castiga, que menoriza e que condiciona as mulheres nas suas decisões.

Mais: revogar as alterações da direita é também a forma de respeitar o que foi o processo democrático em

Portugal sobre esta matéria, a decisão do referendo, que tornou possível a interrupção voluntária da gravidez

legal, que fez acabar a vergonha dos julgamentos das mulheres, que acabou com as lesões e as mortes das

mulheres por abortos clandestinos, que fez diminuir o número de abortos em Portugal e fazer com que

possamos orgulharmo-nos de sermos dos países onde menos mulheres são confrontadas com uma escolha

tão difícil e que, com certeza, nenhuma gostará de fazer.

É porque as mulheres têm direito a decidir, porque respeitamos o que o País decidiu, que hoje — hoje! —,

temos de revogar as alterações da direita que ofendem todas as mulheres.

Mas direi mais: hoje é o dia em que começamos também a sarar as fraturas que a direita quis abrir na

nossa sociedade.

Aplausos do BE, do PS, do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — A Mesa não regista pedidos de esclarecimentos à oradora.

Assim sendo, dou a palavra à Sr.ª Deputada Elza Pais, para uma intervenção.

A Sr.ª Elza Pais (PS): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Hoje, volta a fazer-se justiça neste

Parlamento. Vamos revogar as vergonhosas alterações que foram impostas, no final da última legislatura, a

uma lei que pôs fim ao aborto clandestino, a uma lei que salvaguardada a saúde sexual e reprodutiva das

mulheres.

Hoje, é o dia da revogação dessas alterações, de leis menores que quiserem adulterar o sentido e o valor

de uma lei maior, de uma lei humanista, a lei da interrupção voluntária da gravidez.

Aplausos do PS e do BE.

Vamos voltar a afirmar, aqui, a dignidade das mulheres e a sua liberdade de decidir sem tutelas patriarcais,

mas também, como a lei queria que acontecesse, sem tutelas do Estado.

Hoje, voltamos a dar sentido ao sacrifício de tantas e tantas mulheres que percorreram os corredores do

aborto clandestino, pagando muitas com a própria vida e, outras, com uma saúde sexual e reprodutiva que

ficou irremediavelmente afetada.

É pelas mulheres, é pelos seus direitos, que hoje aqui estamos a dizer: basta!

Quiseram patologizar as opções livres das mulheres. Quiseram manipular e condicionar a sua

autodeterminação, obrigando-as a falsos apoios que elas não pediram. Quiseram negar-lhes o direito à livre

escolha. Quiseram, desta vez, pôr o Estado a tutelar as mulheres, em acompanhamentos psicológicos e

sociais obrigatórios, mesmo quando elas não os queriam, atribuindo-lhes um estatuto de menoridade que

refutamos.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Elza Pais (PS): — Quiseram retirar a IVG da saúde materno-infantil, onde estava, e bem, para a

taxar com taxas moderadoras e, desse modo, cortar a liberdade de escolha.

Quiseram impor consultas obrigatórias de planeamento familiar compulsivas — compulsivas, mesmo, só se

o fizessem amarrando as mulheres.

Foram tão longe na vontade de manipular que, não tendo os serviços as declarações de objeção de

consciência — manifesto atropelo ao Código Deontológico —, ficam diminuídos na sua capacidade de

organizar uma resposta, em tempo útil. E, aqui, o tempo conta: nas 10 semanas previstas na lei contam todos

os dias, pelo que qualquer atraso pode ser fatal no acesso a essa resposta.

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — É verdade!

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A Sr.ª Elza Pais (PS): — Tudo, tudo fizeram para travar um dos maiores avanços civilizacionais que Abril

nos deu, uma lei humanista, uma lei que acrescentou saúde e dignidade à vida das mulheres.

Tudo, tudo fizeram para perturbar uma lei que estava a ser bem aplicada, sem sobressaltos, com

resultados visíveis ao nível da redução do número de abortos clandestinos e de abortos repetidos.

Aplausos do PS e do BE.

Ao nível dos abortos clandestinos, Portugal tem uma taxa de 1%, estando mesmo atrás da Itália, da França

e da Espanha, sinal de que a lei estava a funcionar e a ser bem aplicada.

Hoje, a nova maioria deste Parlamento diz: não, não e não, a alterações que quiseram travar os avanços

civilizacionais, a alterações que são um atentado aos direitos humanos e à dignidade das mulheres.

Quiseram ganhar, em secretaria, o que tinham perdido na consulta popular do referendo.

Aplausos do PS e do BE.

E a isso, Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, chama-se desrespeito pelo instituto do referendo e pelas

decisões livres e democráticas de um povo. Essas alterações constituem uma limitação à liberdade.

Protestos da Deputada do PSD Conceição Bessa Ruão.

E a liberdade, Sr.ª Deputada, como dizia Mandela, só será atingida quando as mulheres se libertarem de

toda a opressão.

Hoje, volta a cumprir-se a consulta popular do referendo, volta a cumprir-se Abril.

Voltamos a cumprir os compromissos internacionais assumidos no Cairo, em Viena e em Pequim, e a

afirmar que os direitos das mulheres constituem uma parte inalienável, integral e indivisível dos Direitos

Humanos Universais.

Aplausos do PS e do BE.

Hoje, cumprimos aquilo que aqui dissemos, em julho passado: o primeiro projeto de lei do Partido Socialista

desta Legislatura está aqui a ser apresentado para revogarmos as alterações a uma lei que seriam contra a

saúde sexual e reprodutiva das mulheres. Vamos revogar as alterações da vergonha e da opressão das

mulheres.

As mulheres não querem privilégios, querem direitos, como já dizia Elina Guimarães, há muitos, muitos

anos. O sonho de uma sociedade mais justa e igualitária não ficará — não ficará mesmo! — mais uma vez

adiado. Já há demasiadas desilusões na história para que se acrescente também mais esta.

Sempre pelas mulheres, sempre, e pela sua dignidade. Como diz Simone de Beauvoir: «Que nada nos

limite. Que nada nos defina. Que a Liberdade seja a nossa própria substância.»

Aplausos do PS, do BE, do PCP e de Os Verdes.

Entretanto, reassumiu a presidência o Presidente, Ferro Rodrigues.

O Sr. Presidente: — A Mesa regista dois pedidos de esclarecimento, a formular pelos Srs. Deputados

Ricardo Baptista Leite, do PSD, e Teresa Caeiro, do CDS-PP.

Pergunto à Sr.ª Deputada Elza Pais como pretende responder.

A Sr.ª Elza Pais (PS): — Em conjunto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Assim sendo, dou a palavra ao Sr. Deputado Ricardo Baptista Leite.

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O Sr. Ricardo Baptista Leite (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, de facto, conhecidas que

são as posições do Partido Comunista e do Bloco de Esquerda contra a existência de todas e quaisquer taxas

moderadoras no Serviço Nacional de Saúde, decidimos dirigir as questões diretamente ao Partido Socialista.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Ricardo Baptista Leite (PSD): — O PS tem tido uma posição favorável à existência de taxas

moderadoras, tendo até ido mais além de nós, nesta matéria, no passado.

Vozes do PS: — Falso!

O Sr. Ricardo Baptista Leite (PSD): — À luz desse passado, a vossa posição, hoje, suscita, de facto, as

mais profundas dúvidas, que gostaria de ver esclarecidas nesta Câmara.

Pergunto-lhe, pois, Sr.ª Deputada Elza Pais: tem o Partido Socialista a perceção de que a introdução de

uma taxa moderadora no valor de 7,75 € em nada viola o princípio básico referendado, que garante o acesso

de todas as mulheres ao serviço de interrupção voluntária da gravidez, assegurado em condições de

segurança pelo Estado?

Tem o PS a noção de que todas as mulheres menores ou com situação de insuficiência económica estão

isentas de pagar qualquer taxa e que, atualmente, quase 70% da nossa população está isenta de pagar

qualquer taxa moderadora no Serviço Nacional de Saúde?

Mas levantam-se ainda questões que vão para além das taxas moderadoras. Nesse âmbito, e para termos

um cabal esclarecimento sobre a vossa posição, pergunto-lhe, Sr.ª Deputada, o seguinte: considera o Partido

Socialista que a interrupção voluntária da gravidez deve ser considerada como uma componente integrante

das políticas públicas de planeamento familiar? É esse o vosso entendimento? E julga o Partido Socialista que

o ato de uma interrupção voluntária da gravidez possa ser equiparado a uma gestação plena, isto é, a uma

gravidez que se pretende que chegue ao seu termo e da qual possa nascer uma criança?

Não considera o Partido Socialista que o ato da interrupção voluntária de uma gravidez pode ter sérias

consequências psicológicas para a mulher e que o Estado deve ser obrigado a assegurar condições de

acompanhamento psicológico?

Protestos do BE.

Parecem-nos questões fundamentais que, face ao projeto de lei que hoje apresentam e que marca um

importante retrocesso nesta matéria, exigem respostas claras.

Mas há ainda avanços do foro social que ficam prejudicados, com o vosso projeto.

Nesse sentido, pergunto-lhe também, Sr.ª Deputada Elza Pais, o seguinte: não reconhece o Partido

Socialista que a condição económica e social da mulher é, muitas vezes, o fator predisponente que a leva a

procurar a interrupção voluntária da gravidez como uma solução e que, nesse sentido, o Estado deve

assegurar, obrigatoriamente, o acompanhamento pelos serviços sociais a todas essas mulheres?

Protestos do PS e do BE.

Estas questões, pela importância que têm em todas as vidas que estão aqui em causa, exigem uma

resposta devidamente ponderada pelo Partido Socialista.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Ricardo Baptista Leite (PSD): — É nossa convicção que, feita essa ponderação, chegarão à

conclusão de que as leis atualmente em vigor asseguram, precisamente, o cumprimento do estabelecido no

referendo de 2007 e salvaguardam a dignidade da mulher.

Aplausos do PSD e de Deputados do CDS-PP.

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O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, aproveito para o saudar nesta minha primeira

intervenção, nesta Legislatura, bem como a todas e todos os Srs. Deputados.

Sr.ª Deputada Elza Pais, como aqui já foi dito pelo Sr. Deputado Ricardo Baptista Leite, penso que seria de

esperar que o Bloco de Esquerda, o PCP e Os Verdes tivessem como prioritário na sua agenda política a

apresentação de diplomas tal como o fizeram: o primeiro projeto de lei a entrar na Assembleia da República,

nesta Legislatura, foi do Bloco de Esquerda, para revogar a aplicação de taxas moderadoras, de 7,75 €, para a

interrupção voluntária da gravidez, por opção da mulher.

Protestos do PS, do BE e de Os Verdes.

Agora, dirijo-me à Sr.ª Deputada Elza Pais, como membro de um partido que é o principal partido da

oposição e que pretende fazer governo. Sr.ª Deputada, devo dizer-lhe que isto demonstra bem qual é a

hierarquia de prioridades do Partido Socialista.

Vozes do CDS-PP e do PSD: — Muito bem!

Vozes do PS: — É bem verdade!…

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — As duas primeiras iniciativas que os senhores apresentam, no

Parlamento, são para revogar uma taxa moderadora de 7,75 €,…

Protestos do PS, do BE e do PCP.

… para a interrupção voluntária da gravidez a pedido da mulher, e a reposição dos feriados nacionais que

tinham sido suspensos. Esta é que é a vossa mundividência! Os senhores não têm uma visão para o mundo!

Os senhores têm um libreto de uma opereta!

Aplausos do CDS-PP.

O Partido Socialista, que nos habituámos a conhecer como um partido estruturante e fundamental de

Portugal, tem estas duas prioridades para a XIII Legislatura. Isto ficará e a História julgar-vos-á!

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr.ª Deputada!…

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Queria dizer-lhe que, de facto, ficamos estupefactos por ver que os

senhores não têm como prioridade medidas para o crescimento económico,…

Vozes do PS, do BE e de Os Verdes: — Ah!…

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — … que não tenham apresentado iniciativas para diminuir o

desemprego, para aumentar a segurança das pessoas, para uma melhor qualidade, acesso e sustentabilidade

do Serviço Nacional de Saúde, para mais investimento na investigação ou nos assuntos europeus, com tudo o

que está acontecer à nossa volta. Não! É a interrupção voluntária da gravidez, 7,75 €, o que preocupa os

senhores!

Queria colocar as seguintes questões, Sr.ª Deputada Elza Pais: se os senhores consideram que isto é um

ato médico como qualquer outro, então, peço que me responda se estão dispostos a revogar a aplicação de

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todas as taxas moderadoras para outros atos, como sejam a reanimação cardiorrespiratória, mamografias,

ressonâncias magnéticas, raio X…

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Seria coerente!

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — … ecocardiogramas, aplicação de aparelhos de gesso, entre outros, de

uma lista que farei distribuir mais uma vez e que são outros atos médicos aos quais são aplicadas taxas

moderadoras. Responda-me com um sim ou com um não, Sr.ª Deputada. Se a interrupção voluntária da

gravidez…

O Sr. João Oliveira (PCP): — Ainda vota a favor da revogação…

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Não, Sr. Deputado, não estamos a falar nem de perseguições, nem da

revogação da lei em vigor.

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Ai não?

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Isto é uma questão de equilíbrio e de justiça.

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Consultas compulsivas são o quê?

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Só para acabar, Sr.ª Deputada, responda-me: se a Sr.ª Deputada não

assumir aqui o compromisso, em nome do PS, de que vão revogar todas as taxas moderadoras, assumiremos

que se trata de uma questão exclusivamente ideológica e mais nada.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. João Oliveira (PCP): — É evidente que a discussão é ideológica.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, agradeço as saudações à Mesa. Tem a palavra, para responder, a Sr.ª

Deputada Elza Pais.

A Sr.ª Elza Pais (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Ricardo Baptista Leite, Sr.ª Deputada Teresa Caeiro,

o Sr. Deputado Ricardo Baptista Leite não ouviu ou não quis ouvir a minha intervenção.

O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Responda às questões, uma à uma.

A Sr.ª Elza Pais (PS): — O que disse é um desafio à sua e à minha inteligência, porque o que vai

acontecer em relação às taxas moderadoras é que elas vão rebentar com o sigilo do ato, e é isso que não

queremos.

Aplausos do PS e do PCP.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Não conhece o sigilo profissional?

A Sr.ª Elza Pais (PS): — Percebe, Sr. Deputado? Ainda não percebeu ou já percebeu e faz de conta que

não quer perceber?!

Sr.ª Deputada Teresa Caeiro, com todo o respeito que lhe tenho, a sua intervenção não foi séria. Uma

coisa é acompanhamento voluntário, outra coisa é acompanhamento obrigatório.

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Com certeza!

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Aplausos do PS, do BE, do PCP e de Os Verdes.

A Sr.ª Elza Pais (PS): — As mulheres não precisam de ser tuteladas pelo Estado para terem o

acompanhamento que desejam ter. E devem ter a liberdade total para decidir se o querem, ou não, em função

daquilo que querem fazer às suas vidas.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Os senhores são uma farsa!

A Sr.ª Elza Pais (PS): — A senhora não foi séria, Sr.ª Deputada, e sim, digo-lhe sim, temos a defesa dos

Direitos Humanos como uma das nossas primeiras e grandes prioridades.

Aplausos do PS e do BE.

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Santos.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O debate sobre as questões da interrupção

voluntária da gravidez (IVG) que hoje realizamos na Assembleia da República é de uma enorme importância

para as mulheres portuguesas.

O que está em causa e o que se exige é a reposição do anterior quadro legal em matéria de interrupção

voluntária da gravidez, pondo fim ao profundo retrocesso iniciado por PSD e CDS-PP em matéria de direitos

sexuais e reprodutivos e quanto à livre opção das mulheres.

Nós assumimos o compromisso eleitoral de, no início desta Legislatura, propormos uma iniciativa legislativa

para eliminar os mecanismos de coação e condicionamento sobre as mulheres no acesso à IVG.

Porém, mais do que o compromisso assumido, que hoje honramos, a apresentação do projeto de lei que

revoga as alterações impostas no final da anterior legislatura, trata-se de repor a dignidade das mulheres e

direitos fundamentais.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi absolutamente vergonhoso tudo o que envolveu o processo legislativo,

um verdadeiro golpe legislativo, como tivemos oportunidade na altura de denunciar, que levou à alteração da

lei da IVG com a introdução de mecanismos para condicionar e limitar a livre opção das mulheres e a

imposição de taxas moderadoras.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Trata-se de um processo que, obviamente, não esteve e não está desligado

de sectores da direita, revanchistas, que pretendiam fazer um ajuste de contas com a decisão soberana e

progressista do povo português, que até hoje continuam a não aceitar essa decisão e que, por falta de

coragem política, não assumem a sua verdadeira conceção em relação à IVG, mas procuram introduzir

obstáculos que dificultam o acesso das mulheres aos direitos sexuais e reprodutivos, nos quais se integra o

acesso à IVG, como estava anteriormente plasmado na lei.

PSD e CDS-PP tornaram obrigatório o que deve ser facultativo.

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Ouviram?

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — O acompanhamento psicológico e o acompanhamento por técnicos do

serviço social devem continuar disponíveis para as mulheres que o solicitem e não deve ser um

acompanhamento compulsivo, ignorando a vontade da mulher.

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Muito bem!

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A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Mas não ficaram por aqui. PSD e CDS-PP permitiram que os objetores de

consciência pudessem realizar consultas, sendo eles próprios elementos de coação junto das mulheres que

pretendam interromper voluntariamente uma gravidez.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Muito bem!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — E ainda impuseram taxas moderadoras. Relembramos que ainda a lei que

habilitava a sua cobrança não tinha sido publicada em Diário da República e já o Governo tinha anunciado o

seu montante — tal era a pressa de consumar a decisão.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Exatamente!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — A posição do PCP em relação às taxas moderadoras, mais do que o seu

montante, é uma questão de princípio. Nós defendemos a sua revogação, por terem um caráter limitador no

acesso à saúde, para além de que a prestação de cuidados de saúde no âmbito do planeamento familiar até

estava isenta de taxas moderadoras exatamente porque a saúde da mulher, em todas as suas dimensões e ao

longo do seu ciclo de vida, constitui um direito universal.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os partidos de direita justificaram as alterações introduzidas ao quadro

legal da IVG recorrendo a falsos argumentos, para justificar o que não tem justificação.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Bem lembrado!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Afirmaram a necessidade de aperfeiçoar o quadro legal, quando não havia

nenhum elemento concreto que indiciasse a desadequação da lei em vigor na altura, para esconder as suas

reais intenções, que em nada se interligam com a melhoria da lei, que, no essencial, está pacificada na

sociedade portuguesa, mas, sim, com o objetivo de condicionar a tomada de decisão das mulheres que

pretendam realizar uma IVG, em função dos condicionalismos introduzidos, incluindo os de natureza

económica.

Apesar de continuarem a usar e a abusar, seja de forma direta ou indireta, do estafado argumento de a IVG

ser utilizada como método contracetivo, a realidade desmente-o cabalmente.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Muito bem!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Há três dados que são muito claros: primeiro, nos últimos anos verificou-se

uma redução do número de IVG realizadas em Portugal; segundo, o número de IVG em Portugal é muito

inferior ao dos países da Europa, e terceiro, a esmagadora maioria das mulheres que recorrem à IVG fizeram-

no pela primeira vez (mais de 70%) e são também mulheres que se encontram em situação de desemprego,

não têm rendimentos ou auferem de baixos rendimentos.

Outro dos argumentos, absolutamente demagógico, referia-se à natalidade. Não é a IVG que impede as

famílias de terem os filhos que desejam. O que verdadeiramente impede e condiciona a decisão de as famílias

terem filhos, e o número de filhos que desejam ter, está relacionado com a degradação das condições

económicas e sociais, como a instabilidade no emprego, a precariedade nos contratos — com contratos ao

mês à semana e até ao dia —, os baixos salários, a redução na proteção social e o insuficiente apoio à

infância, resultantes das políticas de PSD e CDS-PP, que hipocritamente dificultaram o acesso à interrupção

voluntária da gravidez.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: A iniciativa que o PCP propõe na Assembleia da República põe fim às

conceções retrógradas e reacionárias sobre as mulheres e o seu papel na sociedade.

Faz parte do passado, e é lá que deve permanecer, o flagelo do aborto clandestino. Mas não esquecemos

o drama de milhares de mulheres, entre elas mulheres trabalhadoras, mulheres com baixos rendimentos, que

se sujeitavam à realização de interrupções da gravidez em condições indignas e humilhantes, colocando em

causa a sua integridade física, o que, em muitas situações, custou a sua própria vida.

Não queremos que esta realidade volte nos nossos dias.

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É justo que recordemos hoje, neste debate, a luta de milhares e milhares de mulheres no nosso País,

durante décadas, pela garantia dos direitos sexuais e reprodutivos, pelo direito à saúde, pelo direito à

dignidade e à liberdade de optar e decidir em consciência.

É justo que recordemos a vontade inequívoca dos portugueses no referendo em 2007, que deve continuar

a ser respeitado e que não pode ser desvirtuado administrativamente, como PSD e CDS-PP fizeram no final

da anterior Legislatura.

Mas, mais uma vez, as mulheres e o povo português deram a resposta, alterando a correlação de forças na

Assembleia da República, na sequência do resultado eleitoral, o que permite hoje estarmos já a travar um

debate que visará repor os direitos e a dignidade das mulheres portuguesas.

Aplausos do PCP, do PS, do BE e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Até ao final da legislatura

passada, estava em vigor um regime relativo à interrupção voluntária da gravidez, por opção da mulher,

durante as primeiras 10 semanas e estava tudo tranquilo e a dar resultados positivos.

Veja-se que estava a ser garantido o desígnio nacional de combate ao aborto clandestino, veja-se que o

número de abortos, ao contrário do que se dizia, não disparou nem aumentou, e as mortes ou as

complicações relativas a mulheres que praticam o aborto diminuíram substancialmente por essa interrupção

da gravidez se fazer de forma assistida. Isto são resultados extraordinariamente positivos.

Para além do mais, houve um aumento substancial de consultas de planeamento familiar por iniciativa das

mulheres. Tudo resultados extraordinariamente positivos!

Eis senão quando, no final da legislatura passada, a direita, Sr.ª Deputada Teresa Caeiro, que, pelos vistos,

não tinha mais nada que fazer nem com que se preocupar, em Portugal, decidiu fazer uma alteração à lei e,

em julho do ano passado, fizeram aprovar nesta mesma Câmara dois diplomas legais de forma absolutamente

despropositada.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Os senhores é que parece que não têm mais nada que fazer!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Aquilo que consideraram fundamental foi que as mulheres que

praticam a interrupção voluntária da gravidez passassem a pagar taxas moderadoras,…

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — 7 euros!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — …que fossem acompanhadas obrigatoriamente, inclinando esse

acompanhamento para a desistência da interrupção voluntária gravidez.

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Ora bem!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Não se tratou de garantir apoio voluntário e informação clínica e

isenta às mulheres, na medida em que isso já estava contemplado e consagrado na lei, mas, sim, de regressar

à lógica da penalização e da humilhação das mulheres. E, como se não bastasse, entram os objetores de

consciência para influenciar estas mulheres na sua decisão, para participar em todo o processo.

No fundo, Sr.as

e Srs. Deputados, como se as mulheres portuguesas não soubessem o que fazem e não

fossem livres, nas suas consciências, relativamente às opções que fazem. É um desrespeito profundo pelas

mulheres aquilo que resultou das alterações que os senhores fizeram ao regime da interrupção voluntária da

gravidez.

Aplausos do PS.

Foi uma humilhação às mulheres portuguesas.

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O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.as

e Srs. Deputados, aquilo que Os Verdes disseram nesse

debate de final de julho do ano passado foi o seguinte, e estou a citar-me: «imediatamente no início da

próxima legislatura é preciso corrigir esta asneira. E Os Verdes tudo farão para revogar aquilo que os

senhores hoje querem aprovar.»

E aqui estamos nós, Sr.as

e Srs. Deputados, a cumprir a nossa palavra. No início de uma outra Legislatura,

apresentámos um projeto de lei justamente nesse sentido e vamos revogar o que os senhores aprovaram.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Os senhores não têm mais nada para apresentar!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Olhe, Sr.ª Deputada Teresa Caeiro, podia agora estar aqui muito

confrangida porque apresentei um pacote de 10 iniciativas legislativas relativas a questões que consideramos

importantes resolver com celeridade em Portugal, entre as quais esta iniciativa legislativa.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Foi a primeira!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Olhe, não sei se foi a primeira, se a segunda, se a terceira dos

10, porque entregámos os 10 projetos em conjunto. Mas veja lá, Sr.ª Deputada, se será essa a questão

relevante para discutir neste debate.

Neste debate o que importa é o seguinte: estamos no início de uma nova Legislatura, com um novo quadro

parlamentar, com nova representatividade parlamentar das diversas forças políticas e este regime não pode

ficar em vigor nem mais um dia! Revogue-se já, Sr.ª Deputada! É essa a nossa obrigação, é esse o nosso

dever para com as mulheres portuguesas.

Aplausos do BE, do PCP e de Deputados do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Susana Amador.

A Sr.ª Susana Amador (PS): — Sr. Presidente, distinta Mesa, Sr.as

Deputadas e Srs. Deputados: Para o

Partido Socialista, estas alterações operadas à Lei n.º 16/2007 são inaceitáveis, incompreensíveis e indignas.

Como compreender o caráter compulsivo e a obrigatoriedade de dois acompanhamentos, o psicológico e o

social, da mulher?

Como julgar esta marca de controlo externo que se pauta por quatro obrigatoriedades, que tornam o

processo de reflexão, que deve ser livre e esclarecido, num processo de coação, em que o caráter obrigatório

de acompanhamento psicológico e social é, acima de tudo, uma transmissão à mulher e à sociedade de que

algo está errado com ela.

Não aceitamos o envolvimento no processo de objetores de consciência; não aceitamos a não

obrigatoriedade de conhecimento público do estatuto de objetor de consciência. A transparência é um

imperativo na Administração Pública e no SNS.

Acima de tudo, o que queremos transmitir neste debate é que precisamos de políticas de educação para a

saúde que incluam a educação sexual e a saúde sexual reprodutiva, que incluam programas de planeamento

familiar e sem fidelização para os métodos contracetivos.

Infelizmente, a última alteração da matriz curricular operada por Nuno Crato acabou por desvalorizar a

educação para a cidadania, onde caberiam, também, estas matérias.

Estas alterações, que são iníquas, acima de tudo, representam uma visão tutelada, tendenciosa e restritiva

da autonomia da mulher.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!

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A Sr.ª Susana Amador (PS): — É essa visão de subalternização e de menorização que repudiamos. É

esse preconceito ideológico que revogamos, hoje, aqui. É esse retrocesso que estamos a corrigir.

A Sr.ª Elza Pais (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Susana Amador (PS): — É essa reposição de justiça, dignidade e liberdade que efetuamos hoje.

Prometemos que o faríamos e estamos a cumprir o nosso compromisso, que vai ao encontro da história do

Partido Socialista e da defesa dos direitos das mulheres.

No dia 4 de outubro, nasceu aqui um novo quadro parlamentar, em que os direitos das mulheres, a sua

dignidade e a proteção da saúde sexual e reprodutiva serão respeitados e reconhecidos, não de forma

somente proclamatória ou demagógica, mas de forma «inteira e limpa» e, acima de tudo, efetiva. Habituem-se!

Aplausos do PS e de Deputados do BE.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Isabel Galriça Neto.

A Sr.ª Isabel Galriça Neto (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: O debate de hoje é sobre

a proposta de revogação de duas leis recentes, que entraram em vigor a 1 de outubro. Entenderam as

bancadas do PS, de Os Verdes, do PCP e do Bloco de Esquerda que as mulheres que recorrem à interrupção

da gravidez, por opção, até às 10 semanas devem voltar a ser isentas de taxas moderadoras e que o

acompanhamento psicossocial pelos serviços de saúde no período de reflexão não deve ser obrigatório. É

sobre isto que trata este debate e não sobre distorções e inverdades múltiplas que já aqui se apresentaram

por parte de outras bancadas.

Para nós, este debate nunca foi um processo de intenções nem nunca esteve em causa a reabertura da

discussão sobre a despenalização do aborto.

Para nós, este é um debate que exige serenidade, verdade, respeito pela diversidade de opiniões e de

convicções, porque para nós e em democracia não há convicções de primeira e outras de segunda, consoante

o quadrante político de onde provêm.

Aplausos do CDS-PP.

Aliás, gostaria de dizer que, para nós, a defesa da dignidade das mulheres não é propriedade de nenhuma

destas bancadas…

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Mas é prática só de algumas!

A Sr.ª Isabel Galriça Neto (CDS-PP): — … e que, nesta bancada, não as respeitamos menos do que nas

vossas.

Assim sendo, nada nos impede, por isso mesmo, de aqui reafirmarmos, serenamente, ao lado de milhares

de homens e de mulheres portuguesas, as nossas convicções.

Para nós, o cerne destas leis, o cerne deste debate prende-se com três aspetos. O primeiro, é a

valorização positiva que o Estado deve fazer da maternidade e da paternidade, nomeadamente numa situação

que é habitualmente dramática para as mulheres e em que o Estado não deve deixar de as apoiar através da

oferta de soluções múltiplas que possam evitar a realização de um aborto.

O segundo aspeto central prende-se com questões de equidade e de justiça social, aliás já aqui referidas,

recusando um tratamento preferencial para a IVG relativamente a outros atos médicos. Convém lembrar,

porque parece estar esquecido, que os critérios de isenção de pagamento das taxas moderadoras se

mantiveram, neste caso, nomeadamente nas situações de insuficiência económica e de desemprego, em que

nunca as mulheres tiveram de pagar taxa moderadora para realizar IVG e também convém lembrar que os

exames e as consultas anteriores e posteriores à interrupção voluntária da gravidez continuaram a ser isentos.

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Um último aspeto, que é central neste debate, é sobre o valor da informação e do esclarecimento e do

verdadeiro consentimento informado, o moderno,…

A Sr.ª Elza Pais (PS): — Qual moderno?! Obrigatório!

A Sr.ª Isabel Galriça Neto (CDS-PP): — … o que se pratica nos serviços de saúde portugueses ou que se

deseja praticar e que nunca coartará a liberdade de decisão da mulher.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isabel Galriça Neto (CDS-PP): — Vou já concluir, Sr. Presidente.

Antes, em nosso entender, amplia essa mesma liberdade. E parece-nos, de facto, que neste debate não

somos nós quem menoriza a capacidade de decisão das mulheres,…

Protestos da Deputada do PS Isabel Alves Moreira.

… nem tão pouco estaremos a diabolizar a intervenção ética de profissionais de saúde que, a favor ou

contra o aborto, devem tomar em todo este processo.

Parece-nos pertinente, para concluir,…

O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isabel Galriça Neto (CDS-PP): — Vou concluir, Sr. Presidente.

Como estava a dizer, parece-nos pertinente relembrar que no acórdão do Tribunal Constitucional, a

propósito do referendo de 2007, era dito que a admissibilidade constitucional do reconhecimento da licitude da

interrupção voluntária da gravidez, realizada por opção da mulher, não pode, porém, ser interpretada como

aceitação de que a Lei Fundamental consagra o aborto como método de planeamento familiar ou de controlo

da natalidade.

O Sr. Presidente: — Tem mesmo de concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isabel Galriça Neto (CDS-PP): — Antes, medidas como estas, que se afiguram particularmente

importantes, são medidas que, de facto, podem ir no sentido da obrigatoriedade — e era o Tribunal

Constitucional que o dizia — de uma prévia consulta de aconselhamento.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr.ª Deputada, mas já ultrapassou há muito o seu tempo.

A Sr.ª Isabel Galriça Neto (CDS-PP): — Assim sendo, e agradecendo a compreensão do Sr. Presidente,…

O Sr. Presidente: — Compreensão tenho, mas o tempo é que já está há muito ultrapassado.

A Sr.ª Isabel Galriça Neto (CDS-PP): — Estou a concluir, Sr. Presidente.

Urge valorizar a maternidade e a paternidade em todas as suas vertentes.

Queria, de facto, concluir, dizendo só o seguinte: em democracia e em debates como este, estamos a

assistir demasiadamente a uma ideia de que há donos do regime…

O Sr. Presidente: — Sr. Deputada, tem mesmo de concluir.

A Sr.ª Isabel Galriça Neto (CDS-PP): — … e não toleraremos que se cole sistematicamente à esquerda

uma ideia de superioridade e de nobreza moral e que em relação aos outros, os do centro e os da direita, se

desvalorize e se desqualifique sistematicamente.

Muito obrigada, Sr. Presidente.

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Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma nova intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Susana Amador, do PS.

A Sr.ª Susana Amador (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Isabel Galriça Neto: Quero

referir-me, acima de tudo, ao porquê desta necessidade de mudar uma lei, que foi uma lei que, durante oito

anos, funcionou de forma cristalina; uma lei que funcionou exemplarmente; uma lei que reduziu o número e

aumentou a qualidade das interrupções voluntárias da gravidez, com uma taxa de repetição de abortos de 1%,

portanto houve menos abortos repetidos.

Porquê alterar uma lei que reduziu drasticamente o número de mortes por complicações resultantes ou

associadas ao aborto, uma lei que resolveu um problema social e de saúde pública e, acima de tudo, porquê

alterar uma lei que estava legitimada por um referendo, uma lei que tinha um sufrágio universal que a

alavancou do ponto de vista da sociedade? Esta é uma questão de sociedade, é uma questão de todos e de

todas, é uma questão de direitos humanos.

Para o Partido Socialista, a modernidade não pode ser a compulsão, a modernidade não pode ser a

obrigatoriedade. A modernidade é, acima de tudo, fazermos avançar os direitos das mulheres e não operar

retrocessos civilizacionais, como aconteceu com estas duas alterações legislativas. A esse retrocesso o PS

disse que não em julho e diz que não hoje, aqui, acompanhado desta nova maioria, que defende os direitos

humanos e os direitos das mulheres.

Aplausos do PS e de Deputados do BE e do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Baptista Leite, do PSD.

O Sr. Ricardo Baptista Leite (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: No momento em que o País

atravessa uma profunda crise política, resultante do não reconhecimento da derrota eleitoral por parte do

Secretário-Geral do Partido Socialista, a primeira prioridade dos partidos políticos à esquerda do Hemiciclo é

revogar as leis que criam uma taxa moderadora para a realização da interrupção voluntária da gravidez.

São precisamente estes quatro partidos que invocam ter uma solução coesa e sólida para a governação do

País — PS, PCP, Os Verdes e BE — que, apesar de aparentemente concordarem até com a matéria em

causa, foram mais uma vez incapazes de apresentar um único projeto de lei conjunto.

Protestos do BE e do PCP.

Mais: as leis que os partidos das esquerdas pretendem agora revogar foram aprovadas há pouco mais de

quatro meses. Publicadas que foram, há cerca de um mês — a 1 de outubro deste ano —, leis aprovadas por

um Parlamento em plenas funções, compreende-se bem que para as esquerdas as decisões que emanam da

Assembleia da República, sede da democracia representativa, são apenas para respeitar caso as esquerdas

estejam de acordo com as mesmas.

Protestos do BE e do PCP.

Um conceito diferente de democracia, ao qual nos tínhamos habituado, vindo do lado da extrema-

esquerda, mas que agora contaminou pelo menos parte do Partido Socialista.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Vocês perderam a maioria!

O Sr. Ricardo Baptista Leite (PSD): — Com esta nova prática, percebemos que, às mãos do Partido

Socialista, caiu mais uma tradição. A regra não escrita para que os legisladores tivessem respeito pela

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estabilidade legislativa desvanece-se e percebemos que o argumento da estabilidade apenas se aplica

quando os partidos da esquerda concordam com as leis em causa. Quando a esquerda não concorda, vale

tudo, e isso para nós é inaceitável.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Protestos do BE e do PCP.

Que fique claro que repudiamos a ligeireza com que estes partidos estão a abordar o processo legislativo e

que reiteramos que, para o PSD, os princípios da estabilidade e da previsibilidade são fundamentais numa

democracia que se quer plena e desenvolvida.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Há de explicar essa argumentação!

O Sr. Ricardo Baptista Leite (PSD): — Mas vamos à substância da discussão de hoje.

Em abono da verdade, que fique claro: depois do referendo de 2007, o PSD nunca colocou a hipótese de

voltarmos ao passado e resgatar o debate da criminalização do aborto.

Vozes do PS e do BE: — Ah!

O Sr. Ricardo Baptista Leite (PSD): — O que se sucedeu em julho passado, no seguimento de uma

iniciativa legislativa que envolveu mais de 45 000 cidadãos portugueses, foi que a Assembleia da República

aprovou a introdução de uma taxa moderadora devida nos casos de interrupção voluntária da gravidez e ainda

um conjunto alargado de apoios psicológicos e sociais às mulheres que recorrem às consultas de IVG.

São estas alterações que os partidos à esquerda pretendem hoje revogar.

Como pude recordar na minha primeira intervenção, os comunistas e bloquistas são, por princípio, contra a

existência de quaisquer taxas moderadoras — estas ou outras quaisquer.

Já o Partido Socialista, na última vez que assumiu responsabilidades governativas no nosso País, até taxas

moderadoras quis impor aos doentes que ficassem internados nos hospitais.

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Vocês não?!

O Sr. Ricardo Baptista Leite (PSD): — Teve de ser a maioria PSD/CDS, em pleno programa de

ajustamento financeiro, a desenvolver mecanismos que protegessem os cidadãos em situação de

vulnerabilidade económica e social.

Decidimos isentar todos os cidadãos com comprovada condição de insuficiência económica e ainda todos

os cidadãos menores, todos os cidadãos refugiados no nosso País, para além de todas as grávidas e de todas

as consultas de planeamento familiar.

Por força destas decisões, dos cerca de 4 milhões de cidadãos, que estavam isentos em 2011, hoje temos

quase 7 milhões de portugueses que não pagam qualquer taxa moderadora.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Protestos do PS, do BE e do PCP.

Essa é uma realidade que se aplica igualmente à IVG.

Mais ainda: no caso da IVG, garante-se que todo o acompanhamento médico até ao ato da interrupção da

gravidez é gratuito, bem como a consulta posterior ou a consulta de seguimento.

A introdução da taxa moderadora para a realização da IVG é um ato que respeita o princípio da igualdade e

da equidade entre cidadãos portugueses que utilizam o Serviço Nacional de Saúde e o valor aplicado é o

correspondente ao de uma consulta de especialidade.

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Na prática, o que ocorre hoje é o pagamento de 7,75 € por parte das mulheres no momento da IVG, sendo

que apenas têm de pagar aquelas que tenham condição económica que o permita e que sejam maiores de

idade.

Ou seja, a contrario, mulheres com condição de insuficiência económica, ou que sejam menores de idade,

não pagam qualquer taxa moderadora.

Aceitar que a interrupção voluntária da gravidez não tenha nenhuma taxa moderadora associada seria

equiparar a IVG a um qualquer outro método anticoncecional, o que, para nós, é totalmente inaceitável.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Invocar que a existência desta taxa constitui uma barreira no acesso aos serviços de interrupção voluntária

da gravidez constitui, por si só, uma falácia e um instrumento de demagogia populista na qual não nos

reconhecemos.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Ricardo Baptista Leite (PSD): — Pretendem igualmente os autores dos projetos de lei hoje em

discussão revogar a obrigatoriedade da existência de consultas de apoio psicológico e de acompanhamento

pelos serviços sociais às mulheres que recorrem aos serviços de IVG.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sacuda o mofo da cabeça!

O Sr. Ricardo Baptista Leite (PSD): — Não se compreende como é que os partidos da esquerda querem

retirar ao Estado esta sua obrigação de assegurar este acompanhamento às mulheres, preferindo deixá-las à

sua sorte.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Protestos do PS.

Esta posição é ainda mais gravosa se tivermos em conta as conclusões do relatório da Inspeção-Geral das

Atividades em Saúde, de 2013, realizada em 18 estabelecimentos do SNS onde se pratica a IVG no nosso

País.

Este relatório apresentou importantes propostas que visam «a otimização do acesso às consultas de apoio

psicológico e social que não estão a ser devidamente garantidas». Estas propostas foram incorporadas na lei

que hoje os partidos à esquerda querem revogar.

Protestos do PCP.

Não aceitamos que as mulheres que optem por recorrer às consultas de interrupção voluntária da gravidez

voltem a ficar numa situação de profunda vulnerabilidade e de isolamento social.

Para terminar, permitam-me ainda uma nota pessoal, como médico.

Considero inaceitável a forma irrefletida como os partidos à esquerda têm defendido que o consentimento

informado da mulher que recorre à consulta da IVG possa ser considerado uma forma de pressão no sentido

de prosseguir com a gravidez. A IVG é um ato irreversível com consequências físicas e psicológicas e quem

toma esta decisão tem o direito de saber quais são.

Protestos da Deputada do PS Isabel Moreira.

Mais, qualquer médico, independentemente das suas convicções, tem a obrigação de facultar esta

informação antes de a mulher decidir definitivamente se pretende interromper a sua gravidez. Querer impedir

que médicos — que fizeram o juramento de Hipócrates — exerçam a sua profissão por serem objetores de

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consciência constitui uma violação grave dos direitos individuais destes profissionais e uma ingerência do

Estado na relação sagrada entre os médicos e os cidadãos.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: A desconfiança e a perseguição são típicas de regimes ditatoriais,

contra os quais lutaremos sempre.

O Sr. Presidente: — Já ultrapassou o seu tempo, Sr. Deputado.

O Sr. Ricardo Baptista Leite (PSD): — Vou já terminar, Sr. Presidente.

Em nome da honorabilidade desta Assembleia da República, mas acima de tudo em nome da dignidade

das mulheres que poderão vir a ter de recorrer à interrupção voluntária da gravidez, apelo ao Partido Socialista

que não aprove este retrocesso civilizacional.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Joana Mortágua.

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Queria apenas — e, desta vez, sim

— recentrar o debate onde ele deve estar e lembrar as bancadas da direta de que este não é um debate sobre

taxas moderadoras, nem sobre Serviço Nacional de Saúde.

Vozes do PSD e do CDS-PP: — É, é!

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Este é um debate sobre um direito fundamental das mulheres, que estava

consagrado numa lei que vocês alteraram para recuar. Quem alterou a estabilidade foram as vossas

bancadas. Este é um debate sobre o direito das mulheres de poderem fazer uma escolha na privacidade da

sua decisão, sem que a sua escolha seja dada a conhecer através de um ato administrativo e sem que sejam

obrigadas a ter aconselhamento psicológico quando não o desejam. É que aqui, deste lado, considera-se que

as mulheres têm perfeita capacidade para decidir sobre a sua vida e as suas escolhas, sem serem obrigadas a

ter aconselhamento.

Aplausos do BE e do PS.

Não são menores! São cidadãs com capacidade para decidir sobre as suas vidas.

Aplausos do BE e do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Rita Rato.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Galriça Neto, do CDS, a defesa

dos direitos das mulheres não é uma questão de proclamação, é uma questão de prática. E a prática do PSD

e do CDS não é de defesa dos direitos das mulheres, é de ataque aos direitos das mulheres.

Protestos da Deputada do CDS-PP Teresa Caeiro.

Quem aprova medidas de limitação do acesso das mulheres aos cuidados de saúde sexuais e reprodutivos

não está a defender a dignidade das mulheres, está a atacar a sua dignidade, está a atacar um direito

fundamental.

Aplausos do PCP, do PS e do BE.

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As intervenções do PSD e do CDS são reveladoras, e são reveladoras do ajuste de contas que PSD e CDS

queriam fazer com o referendo de 2007 e com a decisão soberana do povo português relativamente à

despenalização da interrupção voluntária da gravidez.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — À boleia da taxa moderadora, o que vem atrás é um aspeto revanchista,

retrógrado e profundamente reacionário relativamente à emancipação e à autonomia social das mulheres. E

isso é uma marca do PSD e do CDS.

Aplausos do PCP, do PS e do BE.

Ficará para sempre na história que PSD e CDS aproveitaram a última oportunidade que tinham, o último

dia de votações nesta Casa, Sr.ª Deputada Teresa Caeiro — e com tantos problemas no País! —, para atacar,

mais uma vez, os direitos das mulheres.

Protestos da Deputada do CDS-PP Teresa Caeiro.

Um Governo que, durante quatro anos, atirou para o desemprego, para a precariedade, para a pobreza e

para a emigração milhares de mulheres, aprovou, no último dia da anterior Legislatura, uma outra medida que

humilha as mulheres, uma medida de menorização das mulheres e da sua livre escolha quanto à saúde sexual

e reprodutiva.

Protestos da Deputada do CDS-PP Teresa Caeiro.

PSD e CDS quiseram impor um ajuste de contas com aquilo que foi uma conquista progressista das

mulheres e do País. O problema do aborto é uma matéria de saúde pública e, por isso mesmo, representou

uma conquista civilizacional para o nosso País.

Mas vem de longe esta vontade da direita de ajuste de contas com os direitos sexuais e reprodutivos das

mulheres. Lembramo-nos bem quando, em 2002, o então Ministro Paulo Portas era Ministro da Defesa e

mandou corvetas da Marinha proibir o barco da Women on Waves de aportar no nosso País.

Era a direita e o Ministro da Defesa, Paulo Portas, quem impedia que um barco aportasse aqui e

denunciasse o problema dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.

Aplausos do PCP, do PS e do BE.

Lembramo-nos também quando, num Governo da AD, setores do PSD e do CDS diziam, na altura, que,

com dinheiros da UNESCO, se estavam a esterilizar mulheres em aldeias portuguesas. Pois bem, Sr.

Deputado Ricardo Baptista Leite, este discurso da esterilização de mulheres com dinheiros da UNESCO foi em

1980, mas a sua intervenção hoje, naquela tribuna, em 2015, não lhe fica muito atrás, e deixa muito a desejar

em matéria de «reacionarice».

Aplausos do PCP, do PS e do BE.

Vozes do PSD: — Eh!

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Da parte do PCP, sabemos que a luta pelos direitos sexuais e reprodutivos das

mulheres, a luta pela despenalização da interrupção voluntária da gravidez é parte integrante da luta maior das

mulheres portuguesas, da luta pela sua emancipação, pela sua autonomia económica, social e cultural.

O Sr. Presidente: — Já ultrapassou o seu tempo, Sr.ª Deputada.

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A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Termino, Sr. Presidente, dizendo apenas isto: foi essa luta, essa mesma luta

que derrotou o PSD e o CDS, o anterior Governo, e impôs um caminho que há de ser de progresso e de

justiça social.

E é com isso que os senhores não se conformam.

Aplausos do PCP, do PS e do BE.

O Sr. Presidente: — Os Verdes e o PAN cederam, cada um, 1 minuto ao Partido Socialista, pelo que a Sr.ª

Deputada Ana Catrina Mendonça Mendes beneficia dessa cedência.

Tem a palavra, Sr.ª Deputada, para uma intervenção.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça Mendes (PS): — Já agradeci pessoalmente a cedência do tempo, Sr.

Presidente, pelo que, neste momento, queria apenas recentrar o debate, dizendo que, há oito anos e há doze

anos, quando aqui, nesta Câmara, tive o privilégio de discutir a interrupção voluntária da gravidez, não por

qualquer questão apenas ideológica mas, essencialmente, por uma defesa dos direitos humanos daquelas que

eram impelidas, muitas vezes pagando com a sua vida, a recorrer ao aborto clandestino,…

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça Mendes (PS): — … nessa altura tive o privilégio de estar ao lado de

pessoas mais moderadas do PSD, como o Sr. Deputado Rui Rio ou como a Sr.ª Deputada, até agora

Presidente da Assembleia da República, Assunção Esteves, na defesa dos direitos humanos dos homens e

mulheres deste País.

Srs. Deputados, é para mim particularmente difícil assistir a um debate como aquele a que assistimos aqui

esta tarde. Sem excessos é o que requerem as mulheres que se veem confrontadas com a necessidade de

decidir interromper uma gravidez. Não se trata de uma veleidade, não se trata sequer de uma leviandade;

trata-se de uma necessidade, muitas vezes de uma angústia muito grande, que deixa marcas para o resto das

suas vidas.

Aplausos do PS e de Os Verdes.

E, Srs. Deputados da direita, nós estamos contra a introdução das taxas moderadoras, sim, porque elas

introduzem uma discriminação e abrem um espaço à devassa da vida privada, que não devia acontecer.

Aplausos do PS, do BE e de Os Verdes.

E somos contra as consultas obrigatórias, sim, porque entendemos que a interrupção voluntária da

gravidez é demasiado grave, é demasiado intimista e pessoal, é, muitas vezes, uma decisão solitária e difícil

de tomar…

O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça Mendes (PS): — … e a sua dor não pode ser ultrapassada pela

obrigatoriedade de uma consulta que foi objeto de uma grande discussão, na especialidade, neste Parlamento

e que não aceitámos introduzir na lei.

Quero terminar, Sr. Presidente, com a sua benevolência, dizendo o seguinte: a lei da interrupção voluntária

da gravidez foi uma lei referendada pelo povo, obteve a maioria no referendo. Respeitemos todos aqueles que

optaram por isso e não tentemos novamente que este Parlamento — ao longo dos anos, a direita tem tentado

— altere o que o referendo decidiu: acabar com o aborto clandestino e devolver a dignidade às mulheres que a

ele recorrem.

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Aplausos do PS e do BE.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, chegámos ao fim dos nossos trabalhos de hoje. A próxima reunião

plenária terá lugar amanhã, pelas 10 horas, com a seguinte ordem do dia: apreciação do projeto de resolução

n.º 5/XIII (1.ª) — Orientações fundamentais da política externa portuguesa (PSD e CDS-PP); debate conjunto,

na generalidade, dos projetos de lei n.os

2/XIII (1.ª) — Eliminação da impossibilidade legal de adoção por

casais do mesmo sexo (Primeira alteração à Lei n.º 9/2010, de 31 de maio, e segunda alteração à Lei n.º

7/2001, de 11 de maio) (BE), 5/XIII (1.ª) — Elimina as discriminações no acesso à adoção, apadrinhamento

civil e demais relações jurídicas familiares, procedendo à segunda alteração à Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, e

à primeira alteração à Lei n.º 9/2010, de 31 de maio (PS), 11/XIII (1.ª) — Alarga as famílias com capacidade de

adoção, alterando a Lei n.º 9/2010, de 31 de maio, e a Lei n.º 7/2001, de 11 de maio (Os Verdes), 28/XIII (1.ª)

— Assegura a igualdade de direitos no acesso à adoção e apadrinhamento civil por casais do mesmo sexo,

procedendo à segunda alteração à Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, e à primeira alteração à Lei n.º 9/2010, de 31

de maio (PAN) e 31/XIII (1.ª) — Altera o Código do Registo Civil, tendo em conta a adoção, a procriação

medicamente assistida e o apadrinhamento civil por casais do mesmo sexo (BE).

Serão ainda discutidos os projetos de resolução n.os

3/XIII (1.ª) — Plano Ferroviário Nacional (Os Verdes) e

7/XIII (1.ª) — Recomenda ao Governo a elaboração de um plano ferroviário nacional (BE).

Haverá votações regimentais às 12 horas.

Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 35 minutos.

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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