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Quinta-feira, 9 de março de 2017 I Série — Número 60

XIII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2016-2017)

REUNIÃOPLENÁRIADE8DEMARÇODE 2017

Presidente: Ex.mo Sr. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues

Secretários: Ex.mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Idália Maria Marques Salvador Serrão Sandra Maria Pereira Pontedeira

S U M Á R I O

O Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 1

minuto. Deu-se conta da entrada na Mesa dos projetos de lei n.os

428 a 435/XIII (2.) e dos projetos de resolução n.os 692 a 715/XIII (2.ª).

Ao abrigo da alínea a) do n.º 2 do artigo 224.º do Regimento, teve lugar o debate quinzenal com o Primeiro-Ministro (António Costa), sobre crescimento económico sustentado.

Após o Primeiro-Ministro ter proferido uma intervenção inicial, respondeu às perguntas formuladas pelos Deputados Pedro Passos Coelho (PSD) — que exerceu também a defesa da honra, tendo depois os Deputados Luís Montenegro (PSD) e Carlos César (PS) defendido a honra das respetivas bancadas —, Catarina Martins (BE), Assunção Cristas (CDS-PP), Jerónimo de Sousa (PCP), Heloísa Apolónia (Os Verdes), André Silva (PAN) e Carlos César (PS).

De seguida, teve lugar o debate preparatório do próximo Conselho Europeu, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo

4.º da Lei de Acompanhamento, Apreciação e Pronúncia pela Assembleia da República no âmbito do Processo de Construção da União Europeia, no qual intervieram, além do Primeiro-Ministro, que abriu o debate, os Deputados Miguel Morgado (PSD), Catarina Martins (BE), Pedro Mota Soares (CDS-PP), João Oliveira (PCP), Heloísa Apolónia (Os Verdes) e Vitalino Canas (PS). No encerramento do debate, usou, de novo, da palavra o Primeiro-Ministro.

Procedeu-se à apreciação do Relatório sobre o Progresso da Igualdade entre Mulheres e Homens no Trabalho, no Emprego e na Formação Profissional — 2015, juntamente, na generalidade, com os projetos de lei n.os 214/XIII (1.ª) — Reforça a licença parental inicial até 210 dias, alarga o período de licença parental em caso de nascimento prematuro e estende a dispensa para amamentação e aleitação ao acompanhamento à criança até aos três anos de idade, promovendo uma alteração ao Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro (Os Verdes), 344/XIII (2.ª) — Protege a trabalhadora grávida, puérpera ou lactante no período experimental, tornando obrigatório

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parecer prévio da CITE em caso de denúncia do contrato de trabalho por parte da entidade empregadora (BE), 354/XIII (2.ª) — Reforça a proteção das trabalhadoras grávidas, puérperas e lactantes e de trabalhadores no gozo de licença parental e procede à alteração do Código do Trabalho e da Lei do Trabalho em Funções Públicas (PCP), 430/XIII (2.ª) — Aprova medidas de transparência com vista à eliminação das desigualdades salariais entre homens e mulheres (PSD) e 431/XIII (2.ª) — Procede à 11.ª alteração à Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que aprova o Código do Trabalho, flexibilizando a licença parental exclusiva do pai e alargando o gozo da licença parental complementar e da licença para assistência a filho aos avós (CDS-PP) e com os projetos de resolução n.os 697/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo que tome medidas para maior valorização da participação das mulheres nas forças e serviços de segurança (PCP), 701/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo a adoção de medidas com vista à eliminação das desigualdades salariais entre homens e mulheres (PSD), 702/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo que desenvolva uma política de incentivos para as empresas que promovam a igualdade de género (CDS-PP), 703/XIII (2.ª) — Flexibilização dos horários das creches através de acordos de cooperação com a segurança social, incentivos à

sua constituição por parte das empresas e promoção de acordos entre estabelecimentos de infância e entidades empregadoras (CDS-PP), 704/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo o aumento de três para cinco ciclos de tratamentos de procriação medicamente assistida, comparticipados pelo Serviço Nacional de Saúde (CDS-PP), 711/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo o combate à discriminação das mulheres e a promoção da igualdade de género nas forças de segurança (BE), 713/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo a adoção de medidas que promovam a transparência das remunerações com vista à eliminação das desigualdades salariais entre homens e mulheres (PS) e 715/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo a adoção de medidas de promoção da conciliação entre a vida profissional, familiar e pessoal (PS).

Intervieram, além do Presidente e do Secretário de Estado do Emprego (Miguel Cabrita), os Deputados Heloísa Apolónia (Os Verdes), Sandra Cunha (BE), Rita Rato (PCP), Ângela Guerra (PSD), Vânia Dias da Silva (CDS-PP), Wanda Guimarães e Carla Tavares (PS), André Silva (PAN) e José Moura Soeiro (BE).

O Presidente (José de Matos Correia) encerrou a sessão eram 14 horas e 3 minutos.

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O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Funcionários, Sr.as e Srs. Jornalistas, vamos dar

início à sessão.

Eram 10 horas e 1 minuto.

Peço aos Srs. Agentes da autoridade o favor de abrirem as galerias.

Antes de entrarmos na ordem do dia, o Sr. Secretário Deputado Duarte Pacheco vai proceder à leitura do

expediente.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram

admitidas, várias iniciativas legislativas.

Deram entrada os projetos de lei n.os 428/XIII (2.ª) — Nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro (Lei da

Nacionalidade) (PCP), que baixa à 1.ª Comissão, 429/XIII (2.ª) — Aprova o regime de regularização de cidadãos

estrangeiros indocumentados (PCP), que baixa à 1.ª Comissão, 430/XIII (2.ª) — Aprova medidas de

transparência com vista à eliminação das desigualdades salariais entre homens e mulheres (PSD), 431/XIII (2.ª)

— Procede à 11.ª alteração à Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que aprova o Código do Trabalho, flexibilizando

a licença parental exclusiva do pai e alargando o gozo da licença parental complementar e da licença para

assistência a filho aos avós (CDS-PP), 432/XIII (2.ª) — Altera a Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, relativa

ao regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e proteção e assistência das suas vítimas (PAN),

433/XIII (2.ª) — Alteração à Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, aprovada pela Lei Orgânica n.º

1/2001, de 14 de agosto, e alterada pelas Leis Orgânicas n.º 5-A/2001, de 26 de novembro, n.º 3/2005, de 29

de agosto, n.º 3/2010, de 15 de dezembro, e n.º 1/2011, de 30 de novembro, e pela Lei n.º 72-A/2015, de 23 de

julho (PS e PSD), 434/XIII (2.ª) — Garante o direito de declaração conjunta das despesas com dependentes

para efeitos de IRS (BE), que baixa à 5.ª Comissão, e 435/XIII (2.ª) — Procede à alteração dos limites territoriais

das freguesias de Delães e Oliveira São Mateus do município de Vila Nova de Famalicão (PSD), que baixa à

11.ª Comissão.

Deram ainda entrada os projetos de resolução n.os 692/XIII (2.ª) — Recomenda o fim das propinas no ensino

superior público (PCP), 693/XIII (2.ª) — Produção de fármacos para doentes oncológicos, através do Laboratório

Militar, de produtos químicos e farmacêuticos (BE), que baixa à 9.ª Comissão, 694/XIII (2.ª) — Beneficiação da

EN223 entre o nó de Arrifana do IC2 e o nó de Santa Maria da Feira da A1, servindo o eixo industrial que envolve

os concelhos de Oliveira de Azeméis, S. João da Madeira, Santa Maria da Feira e Arouca (PSD), que baixa à

6.ª Comissão, 695/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo que intervenha de forma a potenciar as características

do Santuário de Nossa Senhora da Lapa enquanto produto de interesse económico e turístico, de âmbito

religioso (CDS-PP), que baixa à 6.ª Comissão, 696/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo a adoção de medidas

para combater o abandono escolar no ensino superior (PCP), 697/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo que tome

medidas para maior valorização da participação das mulheres nas forças e serviços de segurança (PCP),

698/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo que promova medidas de combate ao abandono escolar no ensino

superior (CDS-PP), 699/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo um estudo sobre insucesso e abandono no ensino

superior, para melhor definição de políticas de combate a esses fenómenos (PS), 700/XIII (2.ª) — Recomenda

ao Governo a inclusão dos dados estatísticos sobre violência no namoro no Relatório Anual de Segurança

Interna (PS), 701/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo a adoção de medidas com vista à eliminação das

desigualdades salariais entre homens e mulheres (PSD), 702/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo que

desenvolva uma política de incentivos para as empresas que promovam a igualdade de género (CDS-PP),

703/XIII (2.ª) — Flexibilização dos horários das creches através de acordos de cooperação com a segurança

social, incentivos à sua constituição por parte das empresas e promoção de acordos entre estabelecimentos de

infância e entidades empregadoras (CDS-PP), 704/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo o aumento de três para

cinco ciclos de tratamentos de procriação medicamente assistida comparticipados pelo Serviço Nacional de

Saúde (CDS-PP), 705/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo que diligencie pelo redimensionamento de

pressupostos na aplicação do regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e proteção e

assistência das suas vítimas (PAN), 706/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo que promova a melhoria das

condições de saúde mental, em ambiente laboral, nas forças e serviços de segurança, criando um programa de

promoção da resiliência psicológica dos operacionais (PAN), 707/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo o reforço

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das medidas de apoio aos estudantes do ensino superior como forma de combate ao abandono escolar (PAN),

708/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo que restabeleça o regime de apoio à manutenção de raças autóctones

em risco, voltando a permitir candidaturas e aumentos de efetivos na medida 7.8.1 do PDR 2020 (BE), que baixa

à 7.ª Comissão, 709/XIII (2.ª) — Medidas para o aprofundamento de mecanismos de ação social e de combate

ao abandono escolar no ensino superior (BE), 710/XIII (2.ª) — Recomenda a capacitação das forças de

segurança para a proteção às vítimas de violência doméstica (BE), 711/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo o

combate à discriminação das mulheres e a promoção da igualdade de género nas forças de segurança (BE),

712/XIII (2.ª) — Recomenda que o novo modelo de gestão das áreas protegidas seja definido pela Assembleia

da República com base em proposta do Governo (Os Verdes), que baixa à 11.ª Comissão, 713/XIII (2.ª) —

Recomenda ao Governo a adoção de medidas que promovam a transparência das remunerações com vista à

eliminação das desigualdades salariais entre homens e mulheres (PS), 714/XIII (2.ª) — Reforço de medidas que

combatam a violência doméstica (Os Verdes) e 715/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo a adoção de medidas

de promoção da conciliação entre a vida profissional, familiar e pessoal (PS).

O Sr. Presidente: — Vamos iniciar a ordem do dia, cujo primeiro ponto consta do debate quinzenal com o

Sr. Primeiro-Ministro, ao abrigo da alínea a) do n.º 2 do artigo 224.º do Regimento, sobre crescimento económico

sustentado. Cumprimento o Sr. Primeiro-Ministro e os Membros do Governo.

Para abrir o debate, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro (António Costa): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A realidade impôs-se ao

pessimismo e hoje ninguém pode deixar de reconhecer os progressos obtidos pelo nosso País, ao longo do

último ano. Seja nas contas públicas, no mercado de trabalho, na atividade económica ou na confiança, os bons

indicadores sobre Portugal confirmaram-se.

Aplausos do PS.

No quarto trimestre de 2016, Portugal registou um crescimento homólogo de 2%, acima da média da zona

euro; a taxa de desemprego baixou, em dezembro de 2016, para 10,2%, com uma criação líquida de 118 000

postos de trabalho, durante o ano de 2016.

Aplausos do PS.

A confiança dos consumidores voltou a atingir, em fevereiro, o valor máximo desde o ano de 2000, e os

últimos dados confirmam a recuperação do investimento, que cresceu 4,6% no último trimestre. As exportações

continuam a dar claros sinais de recuperação, com um crescimento de 4,4%, no conjunto do ano, com uma clara

aceleração no segundo semestre, registando, no último trimestre de 2016, um crescimento homólogo de 6,4%.

E a balança de bens e serviços registou, em 2016, um excedente de 900 milhões de euros acima do registado

em 2015.

Tudo isto no mesmo ano em que registamos um défice orçamental não superior a 2,1%, o mais baixo da

nossa vida democrática, com um saldo primário superior a 2% do produto.

Aplausos do PS.

Mas estes bons resultados não nos podem desviar da necessidade de continuar a trabalhar. Temos bem

noção dos desafios que enfrentamos e não nos contentamos em demonstrar que, afinal, havia mesmo alternativa

à austeridade da anterior maioria e que era aritmética e politicamente possível cumprir todos os nossos

compromissos.

Aplausos do PS.

Estes resultados são antes a oportunidade para fazermos o que tem de ser feito, ou seja, resolvermos os

problemas estruturais que têm limitado a capacidade de crescimento do nosso País desde o princípio do século.

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Se quisermos romper com os 0,2% de média de crescimento anual dos últimos 15 anos, temos de investir

naquilo que faz a diferença e que sintetizámos no Programa Nacional de Reformas.

Hoje, não vou falar-vos de novo dos seis pilares do Programa Nacional de Reformas —…

Risos do Deputado do PSD Hugo Lopes Soares.

… esteja descansado, Sr. Deputado Hugo Lopes Soares — e vou concentrar-me em dois que são centrais

para o modelo de desenvolvimento que defendemos: a inovação e a qualificação.

Como aqui anunciei há um mês, apresentámos, no passado dia 23 de fevereiro, o Programa Interface.

Para promover a inovação, é fundamental a cooperação entre as empresas e as entidades do sistema

científico e tecnológico. É preciso trazer o conhecimento que existe nas nossas instituições de ensino superior

de investigação e nos centros tecnológicos para as empresas e, com isso, criar mais valor.

É este o desígnio que nos propomos alcançar com este Programa Interface: reforçar o trabalho em rede entre

instituições do ensino superior, centros de interface e empresas.

O Programa integra o reforço dos centros de interface tecnológico, que pretendemos que passem a apoiar

40 000 empresas, e de linhas de apoio à investigação aplicada em projetos de laboratórios colaborativos.

Em paralelo com o Programa Interface, vamos dinamizar a criação de clubes de fornecedores, como forma

de apoiar a integração das PME portuguesas em cadeias de valor globais, promovendo a sua

internacionalização. O Clube de Fornecedores Bosch, que envolve a Universidade do Minho e 36 pequenas e

médias empresas portuguesas, foi o primeiro a ser constituído.

Aquilo que nos permitirá sustentar um salto em frente, ser competitivos, ter capacidade de

internacionalização, de crescer e de criar emprego de qualidade, é investir na inovação. A comprová-lo temos,

aliás, a história dos setores que, ao longo dos anos, contrariaram a média de baixo crescimento, porque

souberam arriscar, fazendo diferente. Aqueles setores tradicionais que, há 30 anos, alguns precipitadamente

consideraram sem futuro, como o calçado, o têxtil ou o agroalimentar, revelaram-se exemplos de excelência e

de prosperidade, exatamente porque souberam investir na inovação.

Mas se a chave do nosso futuro está na inovação, a primeira condição para que a inovação seja possível é

a qualificação dos nossos recursos humanos.

O País tem ouvido falar muito de défices ao longo dos últimos anos, mas o maior défice estrutural que temos

é o défice das qualificações. Infelizmente, os números não mentem: cerca de 29% da população entre os 25 e

os 64 anos não completou o 3.º ciclo do ensino básico e 53% das pessoas desta faixa etária não completaram

o ensino secundário, valor muito acima dos 23% da média da União Europeia. Este é mesmo o grande défice

que diferencia Portugal do resto da Europa.

Aplausos do PS.

Foi por isso que lançámos na passada segunda-feira, como aqui tinha anunciado, o programa Qualifica, que

retoma o investimento na qualificação dos cidadãos ao longo da vida, infelizmente abandonado durante alguns

anos. Este Programa assegura a orientação e o acompanhamento personalizados, proporcionando respostas à

medida das necessidades de cada pessoa, valorizando a aprendizagem ao longo da vida e complementando-a

com a formação e a aquisição de novas competências. Mais qualificação significa melhor emprego, mas mais

qualificação significa também maior produtividade para as empresas e empresas mais produtivas significam

uma economia mais competitiva.

Para cumprir o desafio do País com a inovação contamos com a geração mais nova, aquela que sabemos

ser a mais qualificada que o País já formou, mas não podemos ignorar que, nesta mesma geração, ainda temos

20% de jovens que continuam a não concluir o ensino secundário.

Não queremos deixar de contar também com as gerações anteriores, aquelas que não tiveram as

oportunidades que as novas gerações têm mas que têm de ter a possibilidade de se realizar plenamente e de

que o País precisa e não pode prescindir para prosseguir o caminho do desenvolvimento.

Todos têm direito a ter uma oportunidade: os mais velhos, que não tiveram a possibilidade de continuar a

estudar, e os mais novos, que não concluíram o ensino secundário, os portugueses que vivem nas grandes

cidades, onde a oferta formativa é grande, e os que vivem no interior, em que a aposta nas qualificações é

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decisiva, todos têm, a partir desta semana, uma porta aberta para melhorar o seu futuro. Ninguém pode ficar

para trás e não nos resignamos a deixar quem quer que seja para trás.

Aplausos do PS.

Estamos, assim, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a romper o círculo vicioso de procurar um atalho

para a competitividade fomentando a precariedade e apostando nos baixos salários. Nenhum país se

desenvolve assim. A chave para o nosso desenvolvimento está na qualificação e no combate à precariedade,

condições da inovação.

Mas, numa economia forte e mais próspera, a qualidade no mercado de trabalho é fundamental e isso implica

combater todas as desigualdades ainda persistentes.

O Sr. Presidente: — Já ultrapassou o seu tempo, Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Vou já concluir, Sr. Presidente.

Aliás, neste Dia Internacional da Mulher não posso deixar de aqui recordar duas das marcas mais

persistentes dessa desigualdade: o acesso a tarefas e a funções de direção e a desigualdade salarial entre

homens e mulheres.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — São apenas mais dois parágrafos, Sr. Presidente.

Foi por isso que apresentámos, em sede de concertação social, a Agenda para a Igualdade no Mercado de

Trabalho e nas Empresas, na qual se incluem medidas que visam a paridade nos cargos de decisão, matéria

sobre a qual o Governo já apresentou aqui, na Assembleia da República, uma proposta, e a igualdade salarial

entre mulheres e homens, matéria sobre a qual nos comprometemos a apresentar uma proposta aos parceiros

sociais até ao próximo dia 1 de maio.

Aplausos do PS.

Mas este é um desafio que nos envolve a todos. Não é só um desafio do Governo, das autarquias, das

regiões, das universidades ou das empresas, é um desafio de todos nós e que depende de todos. Apenas com

todos será possível termos mais crescimento, melhor emprego e maior igualdade.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, do Grupo Parlamentar do PSD,

para fazer perguntas.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Dr. António Costa,…

O Sr. João Galamba (PS): — Sr. Dr. António Costa?! Acho que é Sr. Primeiro-Ministro!

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — … o Governo trouxe-nos aqui uma visão sobre o que se está a passar

no País e o que se deseja para o futuro.

Gostaria de dizer que não partilhamos da satisfação que o Governo exibe quando os resultados que são

observados ficam aquém daquilo a que o Governo se comprometeu…

O Sr. João Galamba (PS): — Mas ficam muito além daquilo que o senhor achava possível!

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O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — … e ficam aquém daquilo a que o Governo se comprometeu em

matéria de transparência. Estes resultados deveriam ser, por isso, motivo de maior explicitação por parte do Sr.

Primeiro-Ministro.

Infelizmente, os resultados, em concreto os que se referem ao crescimento, ficam aquém daquilo a que o

Governo se propôs, mas o Governo exibe sempre a mesma circunstância, que é a de manifestar regozijo por as

coisas, afinal, não serem piores. Quando as agências de rating mantêm a notação de Portugal em lixo, o

Governo festeja porque as agências de notação não fazem um downgrade maior. Mas nós gostávamos de ver

o Governo a festejar a subida do rating da República e não a sua manutenção, quando o Governo está em

funções há um ano e meio, praticamente.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sempre nas mãos das agências de rating!

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Na verdade, quando olhamos para a situação do lado do crescimento,

percebemos que este desacelerou em relação ao ano anterior; percebemos que, apesar do valor que invoca

para o último trimestre do ano, o investimento contraiu durante todo o ano de 2016, e no último trimestre de

2016 cresceu menos, em termos homólogos, do que já tinha crescido no último trimestre de 2015 — depois,

contraiu em todos os trimestres seguintes até ao último de 2016. Estou a citar as estatísticas que vêm do Instituto

Nacional de Estatística (INE).

O Sr. Ministro das Finanças abana muito a cabeça porque, provavelmente, não lê as estatísticas oficiais…

O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Ora!

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — … e está sempre a dizer que não, como se isso mudasse a realidade.

Aplausos do PSD.

Mas essa é a realidade! Os números que são divulgados pelo INE, e foram divulgados ainda nesta semana,

mostram claramente que o crescimento do investimento no último trimestre de 2016…

O Sr. João Galamba (PS): — É o melhor dos últimos sete anos!

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — … foi, em termos homólogos, inferior ao crescimento do investimento

no último trimestre de 2015. E, quando tomamos o ano todo, então, é simples: o investimento cresceu mais de

4% em 2015 e contraiu durante todo o ano de 2016.

Ora, Sr. Primeiro-Ministro, quando os termos de troca se deterioram em relação ao ano anterior — foram

positivos, felizmente, mas menos positivos do que no ano anterior —, quando a dívida pública do País cresce

em rácio do PIB (produto interno bruto), quando o saldo estrutural não melhora, salvam-se, portanto, o

comportamento do emprego e a balança externa.

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — Milagre!

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Mas já sabemos que a balança externa não melhorou por causa do

Governo, porque o Governo deu um contributo negativo para a balança externa do País.

Protestos do PS.

E, na verdade, como já tive ocasião de dizer aqui, aquilo que é apresentado como um bom resultado do

emprego não é um indicador avançado do que vai acontecer mas um eco que temos do que já aconteceu.

Portanto, Sr. Primeiro-Ministro, infelizmente, não partilhamos da visão idílica que o senhor aqui quer traçar,

antes pelo contrário. E porquê? Porque podia o ano de 2016 não ter sido um ano tão bom quanto todos

desejaríamos e quanto o Governo desejaria, certamente, mas sabemos que o Governo não está estruturalmente

a fazer o que devia para aumentar o potencial da economia e para nos pôr a crescer ainda mais intensamente.

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E isso é o que interessa, porque se não crescermos o suficiente — como o senhor dizia, e muito bem — não é

possível lutar tão fortemente contra as desigualdades, não é possível ter uma sociedade mais equitativa. Mas o

Governo não o está a fazer, não se conhece dimensão estrutural de transformação da economia, pelo contrário,

todos os dados recolhidos por organizações que se especializaram justamente em fazer esse tipo de avaliação…

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (Pedro Nuno Santos): — Quais organizações?!

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — … apontam negativamente para a falta de reformismo do Governo.

Não há nenhum processo de reforma do Estado que sustente, também do ponto de vista da despesa pública, o

corte que o Governo empreendeu durante o ano de 2016.

Hoje já sabemos, pelas contas que vêm sendo publicadas, que o défice se terá reduzido sem medidas one-

off cerca de 0,4% relativamente ao ano anterior.

Risos do Deputado do PS João Galamba.

Quando olhamos, depois, para a promessa do Governo do lado do investimento público, verificamos que

deveríamos ter em conta que o Governo reduziu no investimento metade de um ponto percentual do PIB…

O Sr. João Galamba (PS): — Vai para aí uma confusão!…

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — … e cortou cerca de 0,2% na despesa corrente sem qualquer review

da despesa pública, que tinha sido prometida pelo Ministro das Finanças.

O Sr. João Oliveira (PCP): — O Sr. Deputado já arrebatou o coração da Dr.ª Teodora Cardoso!

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Significa isto, portanto, Sr. Primeiro-Ministro, que, se ao saldo sem

medidas one-off, sem medidas extraordinárias, somássemos aquele que era o compromisso do Governo na

despesa que ficou de realizar nos programas orçamentais e no investimento público, o resultado, em vez de ser

um saldo melhor em 0,4%, seria qualquer coisa como 3,2% de défice.

Risos do Deputado do PS João Galamba.

Isto se o Governo tivesse cumprido aquele que era o seu orçamento nas diversas áreas de despesa,

nomeadamente no que respeita ao investimento público. Portanto, não há sustentação nesta matéria.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Já deve ter uma SMS da Dr.ª Teodora Cardoso a felicitá-lo!

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Diz aqui o Sr. Deputado do Partido Comunista, num aparte, e muito

bem: é verdade, o Conselho das Finanças Públicas denunciou este artificialismo. Talvez por isso a maioria não

goste do Conselho das Finanças Públicas,…

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — … não goste daqueles que, com independência, dizem aquilo que se

passa ao País.

Aplausos do PSD.

Portanto, Sr. Primeiro-Ministro, não só o Governo não está a fazer nada do que é importante em termos

estruturais para que as coisas possam mudar, como não se vê, naquilo que o Governo também considerava

importante fazer, qualquer desenvolvimento.

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Já sabemos que vai haver um Programa Qualifica e um Programa Interface, mas era melhor convencer-se o

Sr. Ministro da Educação a meter na gaveta a reforma curricular que está a preparar, porque essa, sim, vai ser

um retrocesso gigantesco para as qualificações dos portugueses no futuro.

Aplausos do PSD.

Podia começar a lutar por melhor crescimento e por melhores qualificações substituindo a política que está

a fazer na área da educação.

Mas nada foi feito no que respeita à recapitalização das empresas e à conversão de dívida em capital e,

apesar de ser um compromisso do Primeiro-Ministro já há um ano, nada foi feito no que respeita à criação de

um veículo para gerir o malparado.

Ora, o Sr. Primeiro-Ministro veio dizer ainda recentemente que havia novidades sobre isso, porque

estaríamos muito perto de chegar a um entendimento na União Europeia para termos uma tal solução, e

pergunto ao Sr. Primeiro-Ministro qual é essa solução.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, percebo que não esteja

satisfeito, porque sabemos bem que está frustrado por todas as suas previsões durante o ano de 2016 terem

sido um redondo fracasso.

Aplausos do PS.

A sua frustração é a demonstração aritmética do erro da sua estratégia política durante todo o ano de 2016.

Durante todo o ano de 2016, o Sr. Deputado e o seu partido limitaram-se a dizer que o País só iria colher

tempestades e que todas as tragédias aconteceriam ao País, que iríamos ter as sete pragas do Inferno e que

até o Diabo havia de aparecer. A verdade, Sr. Deputado, é que o ano de 2016 foi correndo, nenhuma dessas

tragédias aconteceu, estamos em março e o Diabo continua sem ser visto em Portugal.

Aplausos do PS.

Por isso, Sr. Deputado, tendo V. Ex.ª tido como estratégia que tudo o que seria bom para País seria mau

para si, é natural que, com os resultados que têm sido bons para o País, esteja frustrado e insatisfeito por serem

maus para si.

Mas garanto-lhe que o País não deseja estar pior para que o senhor fique melhor. A nossa ambição e a

ambição de todos os portugueses é continuar a melhorar o País, mesmo que isso signifique continuar a piorar

o seu desempenho político. Tenho pena, mas estamos cá para melhorar o País e não para tratar da sua boa

imagem política.

Aplausos do PS.

Sr. Deputado, os números têm a enorme vantagem de não permitirem duas leituras. Durante o ano de 2015,

a economia foi desacelerando. No primeiro trimestre crescia, em termos homólogos, 1,6% e saiu do ano a

crescer 1,4%, ou seja, menos do que no início do ano. Progressivamente, ao longo de 2015, o crescimento foi

desacelerando.

O que aconteceu em 2016?

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — A bancarrota?!

O Sr. Primeiro-Ministro: — Foi precisamente o inverso, o crescimento foi progressivamente acelerando.

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No primeiro trimestre, em termos homólogos, o crescimento foi de 1%. No quarto trimestre, o crescimento

homólogo foi de 2%. Portanto, ao longo do ano, duplicámos o crescimento, durante o ano acelerámos o

crescimento.

Aplausos do PS.

O Sr. Deputado Pedro Passos Coelho diz que em 2016 podíamos ter tido um melhor resultado. Podíamos!

Se tivéssemos tido um ponto de partida melhor teríamos tido um ponto de chegada também melhor.

Agora, com toda a franqueza, o Sr. Deputado, que durante quatro anos governou o País e não o retirou da

classificação de lixo, vem censurar-nos porque num ano, num quarto de período da sua governação, obtivemos

resultados que não alcançou durante quatro anos?!

Aplausos do PS.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Deputado há de verificar que todas as entidades, desde logo as agências de rating, quando se

pronunciam sobre Portugal, o que registam é que, relativamente ao que depende diretamente da atividade do

Governo, como o controlo das finanças públicas, os números também não mentem: o nosso défice foi o mais

baixo dos últimos 42 anos, inclusive dos quatro anos da sua governação, Sr. Deputado!

Aplausos do PS.

Protestos do Deputado do PSD Pedro Passos Coelho.

Eu sei que isso o incomoda muito…

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Não incomoda nada!

O Sr. Primeiro-Ministro: — Repito, eu sei que isso incomoda muito o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho,

mas, quando o Sr. Deputado pretende desvalorizar com as medidas de natureza não repetível, então, façamos

a leitura integral das medidas não repetíveis, quer das que aumentaram a receita, quer das que aumentaram os

nossos encargos.

Ora, se tiver em conta só os reembolsos que tivemos de fazer no ano passado de retenções indevidas feitas

pelo seu Governo para disfarçar uma má execução orçamental de 2015,…

Aplausos do PS.

… o que verificamos é que, entre o encaixe extraordinário e o desembolso extraordinário de 900 milhões de

euros, tivemos, em medidas extraordinárias, um agravamento do défice em 0,1% e não um benefício de 0,3%,

porque é necessário acrescentar e deduzir àquilo que recebemos a mais aquilo que também tivemos de pagar

a mais, por conta das retenções indevidas que o seu Governo fez.

Aplausos do PS.

Sr. Deputado, o nosso Programa Nacional de Reformas tem seis pilares e tem vindo a ser declinado de

acordo com o Programa de Governo e com a nossa estratégia e visão de médio prazo em diversos programas.

E temos anunciado aqui, sempre, todos os meses, o calendário…

Risos do Deputado do PSD Hugo Lopes Soares.

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O Sr. Deputado Hugo Soares até se incomoda sempre que falo disto e diz: «Lá vem anunciar o Programa!».

Eu já disse que nunca perderei a oportunidade de, mensalmente, prestar contas sobre a execução do nosso

Programa Nacional de Reformas. Nós somos um Governo de contas certas e prestamos contas à Assembleia

da República.

Aplausos do PS.

O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Já vimos esse estilo!

O Sr. Primeiro-Ministro: — Por isso, o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho também se recordará que o

Programa Capitalizar já foi apresentado e foi anunciado que em março teríamos o pacote legislativo concluído,

para que entre em vigor no próximo dia 1 de julho.

Posso ainda dizer-lhe que dentro de 15 dias será colocado em apreciação pública o conjunto do pacote

legislativo do Programa Capitalizar, desde o tema das insolvências ao tema dos incentivos fiscais, à criação de

novos mercados financeiros dirigidos às pequenas e médias empresas, precisamente para responder ao

problema da capitalização das empresas.

Da mesma forma, continuamos a trabalhar com o Banco de Portugal e com as instituições europeias para

encontrar uma boa resposta a um problema que, finalmente, o apoquenta, mas que foi ignorado durante os

quatro anos da sua governação, que é a situação do crédito malparado, que, de facto, asfixia o nosso sistema

financeiro e, ao asfixiar o sistema financeiro, asfixia a nossa economia.

Temos um calendário de reuniões com a DGComp e com o Banco Central Europeu e temos a expectativa

de podermos rapidamente concluir um acordo com as instituições europeias, porque seria, aliás, muito

contraditório a Comissão Europeia sinalizar como um problema estrutural do País o elevado nível de crédito

malparado e a mesma Comissão Europeia inviabilizar qualquer solução para resolver esse problema estrutural

do País.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para fazer perguntas, tem novamente a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Sr. Presidente, quero perguntar ao Sr. Primeiro-Ministro se tem mais

alguma coisa para além do calendário.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Autocolante!

O Sr. Presidente: — Sr. Primeiro-Ministro, tem a palavra para responder.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, não percebi o que o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho quer

saber.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Sr. Presidente, o Primeiro-Ministro anda a falar de uma solução há

um ano. Veio aqui dizer que tem um calendário de reuniões e eu pergunto se, além de um calendário, tem

alguma coisa que possamos apreciar ou discutir.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para responder, tema a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado, para já, temos duas coisas: primeiro, a vontade

de não esconder um problema que o senhor escondeu e, segundo, a vontade de o resolver.

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Aplausos do PS.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

Juntamente com o Banco de Portugal, temos trabalhado várias soluções. Quando tivermos uma solução final,

aprovada pela Comissão Europeia, dir-lhe-ei qual é a solução e o senhor, certamente, ficará desiludido, porque

cumprirá a sua função de ficar sempre desiludido de cada vez que resolvemos um problema do País. Mas

garanto-lhe que isso me estimula muito.

Aplausos do PS.

O Sr. Pedro Alves (PSD): — É só conversa!

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Sr. Presidente, fica demonstrado que o Sr. Primeiro-Ministro gosta

muito de fazer insinuações mas gosta muito pouco de falar ou de discutir materialmente o que é suscitado nos

debates, no Parlamento e fora dele.

O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Muito bem!

O Sr. João Galamba (PS): — É sempre o mesmo! Mas quer agora discutir o quê?!

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — O Sr. Primeiro-Ministro veio aqui dizer que nós gostávamos de ficar

sempre desiludidos. Está enganado! Não faço processos de intenção em relação a ninguém, mas exijo àqueles

que fazem esses processos de intenção, quando eles se revelam infundados, que, pelo menos, peçam desculpa

pelas intenções que lançaram na praça pública.

Aplausos do PSD.

O senhor veio aqui, várias vezes, desde que é Primeiro-Ministro, fazer processos de intenção, o último dos

quais foi neste debate quinzenal.

Pois bem, Sr. Primeiro-Ministro, hoje sabemos que sobre as transferências que foram feitas para offshore

não existe nada que envolva responsabilidade política do Governo.

O Sr. João Galamba (PS): — Não, não!…

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Sabemos mais…

Risos do PS e do Primeiro-Ministro.

É, o senhor pode rir-se. Eu sei que o senhor gosta de se rir,…

O Sr. Presidente — Sr. Deputado, já ultrapassou o seu tempo.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Ultrapassei o meu tempo mas ainda não ultrapassei o tempo que o

Primeiro-Ministro excedeu na sua intervenção inicial, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente — Também avisei o Sr. Primeiro-Ministro que tinha ultrapassado o tempo, como sabe.

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O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Sr. Presidente, deixe-me dizer ao Sr. Primeiro-Ministro o seguinte:

sabemos hoje que mais de metade do que supostamente não passou pelo crivo do fisco deveria ter passado já

depois de o Governo que eu liderei ter cessado funções.

Sabemos mais: sabemos que não há nenhuma ligação entre a publicação de estatísticas e o problema que

foi detetado.

Vozes do PS: — Não, não! Não é verdade! Há ligação, há!

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Eu sei que gostam muito de se agarrar a todas as tábuas de salvação.

Mas, na verdade, há uma grande diferença que nos separa…

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Vou já concluir, Sr. Presidente.

Como estava a dizer, há uma grande diferença que nos separa. É que eu sei discutir por que é que o Governo

falou no que eram as suas ambições,…

O Sr. Presidente: — Tem mesmo de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — … mas não digo que o Governo queria falhar nas suas metas.

Os senhores andaram durante quatro anos, depois de terem lançado o País na bancarrota, a proferir

insinuações e a fazer comparações entre o que não é comparável, o que é intelectualmente desonesto,…

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço que respeite os tempos.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — … e o senhor repete-o aqui em cada debate parlamentar e não pede,

sequer, desculpa por tentar enlamear as pessoas que estiveram no seu lugar, antes de o senhor o ter ocupado.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro, António Costa.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, agradeço as suas

perguntas.

Confesso que o Sr. Deputado consegue sempre surpreender-me pela desfaçatez.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

Há 15 dias, o senhor esteve aqui a insultar-me, pôs o seu líder parlamentar a insultar-me, fez fugas para a

comunicação social de reuniões do seu grupo parlamentar onde me chamou vil, soez, reles e outros mimos de

boa linguagem política.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

A senhora líder do CDS permitiu-se ofender a comunicação social,…

A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Oh!

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O Sr. Primeiro-Ministro: — … dizendo que uma notícia do Público tinha sido «plantada» pelo Governo.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Sr. Primeiro-Ministro, peço-lhe o favor de concluir.

O Sr. Primeiro-Ministro: — E depois…

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, eu gostaria de concluir, mas preciso de condições.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: — Não se sabem comportar!

O Sr. Primeiro-Ministro: — Como estava a dizer, depois de 15 dias em que todo o País percebeu o que

aconteceu, até V. Ex.ª, Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, depois de me insultar, depois de pôr em causa o

Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República e toda a gente, no passado sábado, viu-se

forçado a fazer esta coisa extraordinária: criticar o seu próprio Governo e o seu próprio Secretário de Estado

pelas responsabilidades. E em vez de vir aqui, hoje, pedir desculpa, ainda queria que fosse eu a pedir-lhe

desculpa?! É preciso muita desfaçatez, Sr. Deputado!

Aplausos do PS.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado Pedro Passos Coelho pede a palavra para que efeito?

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — É para a defesa da honra, Sr. Presidente.

Vozes do PS: — Ah!…

O Sr. Presidente: — Pode justificar a que se deve esse pedido de defesa da honra, se faz favor?

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Sr. Presidente, nunca pensei que tivesse de invocar esta figura

regimental para responder a um Primeiro-Ministro nesta Câmara. Mas, Sr. Presidente, há limites para a

desonestidade no debate político.

Protestos do PS.

Neste Parlamento, confrontei sempre o Primeiro-Ministro com resultados de política. Confrontei sempre o

Primeiro-Ministro com as suas próprias promessas. Perguntei ao Primeiro-Ministro, por várias vezes, as

diligências que o Governo fazia para obter os resultados com que se tinha comprometido. Discuti sempre com

lealdade parlamentar …

O Sr. Filipe Neto Brandão (PS): — E, já agora, a defesa da honra? Isto é alguma defesa da honra?

O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Então, não foi pedido para justificar?

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O Sr. JoãoGalamba (PS): — Está a justificar o quê?

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Se me permitirem, gostaria de concluir.

Repito: discuti sempre com lealdade parlamentar e respeito pessoal e institucional todas as diferenças de

política. Desafio o Sr. Primeiro-Ministro a provar que eu alguma vez o tenha insultado.

Mas vou dizer-lhe uma coisa, diretamente: não basta fazer afirmações como o senhor fez, por várias vezes,

responsabilizando-me pela resolução do Banco Espírito Santo.

Protestos do PS.

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — É isso mesmo!

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Ainda hoje — repare bem, ainda hoje! — o Sr. Dr. António Costa me

vem responsabilizar,…

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — … repito, ainda hoje o Sr. Dr. António Costa me veio responsabilizar

pelo anterior Governo reter indevidamente dinheiro dos portugueses — em retenções do IRS, presumo que

fosse a isso que se estivesse a referir — naquilo que é o cumprimento da lei. O senhor não perde uma

oportunidade para desqualificar os seus adversários, para fazer comentários de natureza pessoal,…

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, já ultrapassou o seu tempo. Peço-lhe para concluir, se faz favor.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — … e vem aqui acusar o líder do PSD de o denegrir, de o insultar?!

O Sr. Presidente: — Faça favor de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Sr. Presidente, concluo dizendo que nunca, nem nos tempos de pior

memória…

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado. Tem mesmo de concluir. O tempo destinado a defesa da

honra já foi ultrapassado.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — … de debates truculentos parlamentares, ouvi um Primeiro-Ministro

ofender gratuitamente tantas pessoas e ao mesmo tempo tantas instituições.

Aplausos do PSD, de pé.

O Sr. João Galamba (PS): — E a honra? Onde é que está a defesa da honra?

O Sr. Presidente: — Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, ficou claro, na sua

intervenção, que V. Ex.ª foi incapaz de referir onde é que eu o ofendi.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Exatamente!

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O Sr. Primeiro-Ministro: — É que, de facto, V. Ex.ª não usou da palavra para defender a sua honra. O Sr.

Deputado usou da palavra para mais um episódio da encenação que procura construir sobre a crispação e a

degradação do ambiente parlamentar.

Aplausos do PS.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Apoiado!

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sei bem que V. Ex.ª não está satisfeito com o facto de o País, hoje, viver um

bom clima de cooperação entre órgãos de soberania. Não está satisfeito de o País viver, hoje, um bom clima de

paz social…

Protestos do Deputado do PSD Pedro Passos Coelho.

Sr. Deputado, não perca outra vez a cabeça, como no último debate! Pelo menos intervale um debate para

perder a cabeça. Sr. Deputado, mantenha a serenidade. Mantenha a serenidade!

Aplausos do PS.

Protestos do PSD, batendo com as mãos nos tampos das bancadas.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — O senhor não tem nível!

O Sr. Presidente: — Sr. Primeiro-Ministro, peço-lhe para continuar, se faz favor.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, eu ouvi-o em silêncio.

Portanto, neste clima que lhe desagrada,…

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Não desagrada nada!

O Sr. Primeiro-Ministro: — … procura construir a teoria de que há crispação, mas não há qualquer crispação

no País, nem há sequer nenhuma crispação na Assembleia da República, o que há é uma bancada ressabiada

pelo facto de ter falhado tudo e não suportar os sucessos do País.

Aplausos do PS, de pé.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: — Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Para defesa da honra da bancada, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: De uma forma muito telegráfica,

gostaria de dizer que a bancada do PSD não está ressabiada com nada!

Aplausos de Deputados do PSD.

Vozes do PS: — Oh!

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O Sr. Luís Montenegro (PSD): — A bancada do PSD, que tem 89 Deputados, que, a juntar com os

Deputados do CDS, venceram as últimas eleições legislativas,…

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. HélderAmaral (CDS-PP): — Não percebem nada de nada! Não percebem nada de números!

Vozes do PS: — Ah! É isso! Estão ressabiados!

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, peço que deixem o Sr. Deputado Luís Montenegro terminar a defesa

da honra da bancada.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — A bancada do PSD, que suportou aqui o Governo anterior, que recebeu

como ponto de partida — ainda hoje se falou aqui disso — um País na pré-bancarrota, em recessão económica

e que deixou o País a crescer na economia e a crescer no emprego,…

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço para concluir.

O Sr. João Galamba (PS): — Isto não é defesa da honra! Onde é que está a defesa da honra?!

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — …, repito, a bancada do PSD não fica insatisfeita quando o País cresce,

o que a bancada do PSD quer é ter um debate político com nível, sem estas insinuações que o Primeiro-Ministro

aqui repete e que nem a dar explicações sobre uma defesa da honra é capaz de evitar, porque o Primeiro-

Ministro é mal-educado com aqueles que aqui representam o povo português.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS, batendo com as mãos nos tampos das bancadas.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Nós representamos uma parte significativa do povo de Portugal e exigimos

respeito às instituições e ao Primeiro-Ministro de Portugal.

Aplausos do PSD e do CDS-PP, de pé.

O Sr. Presidente: — Sr. Primeiro-Ministro, tem a palavra para dar explicações, se o quiser.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Montenegro, ainda bem que estes debates

são transmitidos para todo o País e que todo o País pôde ouvir o que eu disse e o que V. Ex.ª disse.

Aplausos do PS.

Vozes do PSD: — Pois é!…

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Deputado, eu, que tenho consideração por si há muito tempo, registo

simplesmente, à conta do manifesto enervamento que evidenciou na sua intervenção, a forma como se me

dirigiu neste debate.

Aplausos do PS.

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Mas, Sr. Deputado, perceberá que de um líder de uma bancada que ainda há 15 dias se referiu a mim como

sendo vil, ordinário, reles e soez eu não receba lições de boa educação.

Aplausos do PS, de pé.

Protestos do PSD.

O Sr. Carlos César (PS): — Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Carlos César, pede a palavra para que efeito?

O Sr. Carlos César (PS): — Sr. Presidente, peço a palavra para exercer a defesa da honra.

Risos do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos César (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, gostaria apenas de dizer o seguinte: há

quem se sinta e quem não se sinta ofendido em circunstâncias como as presentes.

A razão pela qual uso da palavra é para salientar que o Partido Socialista se sente ofendido quando se

transforma esta Assembleia naquilo que ela não é ou, pelo menos, não devia ser, um espaço de insulto,…

Protestos do PSD.

…um espaço de intolerância e um espaço de guerrilha mediática.

Aplausos do PS.

Esta Assembleia está confrontada com um comportamento sistemático e repetido do PSD que é insultuoso

para o Governo, que é de desconsideração pelo trabalho parlamentar e que é, também por isso, insultuoso para

o Partido Socialista.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Carlos César (PS): — O PSD perde a cabeça quando tudo lhe corre mal e dificilmente alguém pode

invocar honra, ou terá uma honra muito escassa, quando não é capaz de pedir desculpa, neste Plenário e

publicamente, quando insulta um Primeiro-Ministro, designando-o por reles, soez ou vil. Aí é que está a falta de

honra!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Catarina Martins, do Grupo Parlamentar do Bloco de

Esquerda, para colocar as suas perguntas.

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, parece-me que aquilo a que acabámos

de assistir aqui, no debate quinzenal, não fica bem a ninguém na Assembleia da República, e penso que

ninguém percebe.

Vozes do BE: — Muito bem!

Aplausos de Deputados do PS.

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A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Há, no entanto, uma coisa que fica clara: quanto mais tempo passa sobre

a derrota da direita nas eleições de 2015 e sobre a capacidade de trabalho de uma outra maioria, mais sem

argumentos, mais desesperada, eventualmente mais ressabiada, devo dizê-lo — perdoe-me, Sr. Deputado, mas

é o que está à vista —, fica a bancada do PSD. Teremos, talvez, de saber viver com isso, mas digo-lhe

sinceramente que acho que não está a fazer nenhum bom serviço ao País com esta crispação ou com esta

forma de fazer o debate.

Aplausos do BE e do PS.

Mas vamos ao concreto. No Bloco de Esquerda, como é sabido, aliás, sempre soubemos fazer oposição com

a energia que achámos necessária, nunca escondemos divergências com nenhum governo e com este também

não. Achamos que é assim o debate político, não somos de paninhos quentes, mas achamos que tem de ser

sobre a vida das pessoas. Alguém tem de perceber do que é que estamos aqui a falar e, muito sinceramente,

acho que ninguém percebeu nada dos últimos momentos. Falemos português, falemos de coisas concretas,

para começar.

Do debate anterior há talvez uma observação que merece alguma nota do Bloco de Esquerda, que é a

seguinte: sobre offshore há muito ainda a saber e o Bloco de Esquerda cá está não só para saber o que se

passou mas para fazer as alterações legislativas necessárias para que não volte a acontecer.

Vozes do BE: — Muito bem!

A Sr.ª CatarinaMartins (BE): — Porém, o que sabemos é que Paulo Núncio veio aqui à Assembleia da

República dizer que não quis a publicação das transferências, não explicou por que é que não a quis e o facto

de terem pedido essa publicação fez com que os erros fossem detetados mais tarde. Essa é a única certeza

que nós temos até agora.

Aplausos do BE.

É por isso, e talvez porque à medida que o tempo passa os erros do anterior Governo são mais claros, que

fica a direita tão nervosa, mas nem a divergência é ofensa nem a democracia significa que há instituições

intocáveis ou que há qualquer tipo de dirigente que não pode ter crítica. E é por isso, também, que não aceitamos

o que foi dito na última semana pelo PSD sobre as posições do Bloco de Esquerda em relação ao Banco de

Portugal. O Banco de Portugal não está acima de crítica e criticá-lo não é atentar contra a independência do

supervisor.

No caso do Bloco de Esquerda, critica-se o Governador do Banco de Portugal precisamente porque ele se

mostrou incapaz de independência.

Vozes do BE: — Muito bem!

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Não foi independente dos banqueiros porque lhes fez todos os favores e

não foi independente do Governo do PSD/CDS porque arrastou o problema do BES para ajudar à farsa da saída

limpa da mesma forma que arrastou o problema do BANIF para ajudar às eleições de 2015.

Aplausos do BE.

É por isso que Carlos Costa, por muito que queira explicar hoje, e explique, não conseguirá nem apagar os

erros do passado nem sossegar o País sobre o futuro e também é por isso que não tem condições para

continuar.

Aplausos do BE.

Sr. Primeiro-Ministro, tinha pensado iniciar este debate sobre políticas concretas com o tema do dia.

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Hoje, é Dia da Mulher, houve avanços em Portugal, seguramente, mas há muitas áreas em que temos de

trabalhar.

No nosso País, a cada semana que passa uma mulher é assassinada ou é vítima de tentativa de homicídio

pelo seu companheiro ou ex-companheiro.

As mulheres, em Portugal, são mais vítimas de pobreza, são mais precárias e todos os anos lhes é retirado

dois meses de salário face a um homem com trabalho igual. As poucas mulheres que conseguem cargos de

chefia sabem que vão ganhar menos quatro meses de salário em relação a um homem que desempenhe as

mesmas funções.

Portanto, falar do Dia da Mulher é, seguramente, falar das condições em que as mulheres trabalham no

nosso País.

O Sr. PedroFilipeSoares (BE): — Muito bem!

A Sr.ª CatarinaMartins (BE): — Sr. Primeiro-Ministro, há duas questões muito concretas que queria abordar

sobre os direitos das mulheres relacionados com a maternidade e o trabalho.

A primeira é relativa ao Instituto Camões, porque o Estado tem de dar o exemplo. Recentemente, tivemos a

denúncia de que o Instituto Camões obriga as mulheres que são mães na primavera a escolherem entre a

licença da maternidade e o gozo de férias. Isto não é aceitável e tem de parar!

Por outro lado, Sr. Primeiro-Ministro, e porque o direito à maternidade deve ser defendido no público como

no privado, daqui a pouco vamos debater uma iniciativa do Bloco de Esquerda no sentido de que a proibição do

despedimento de grávidas se estenda também aos períodos experimentais, porque, neste País, há mulheres a

serem despedidas por estarem grávidas. Queria saber, portanto, se o Governo assume o compromisso de parar

com este abuso.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Catarina Martins, efetivamente, sabemos que a

direita tem um problema com a aritmética. Aliás, foi por isso que considerou que seria aritmeticamente impossível

cumprir-se o objetivo do défice definido na proposta de Orçamento e foi por isso também que ainda não percebeu

um outro problema aritmético, que é o da Assembleia da República não acabar no corredor que separa a

bancada do PS das bancadas que estão à sua esquerda e, porque não acaba ali, os Deputados do PCP, do

Bloco de Esquerda e de Os Verdes contam aritmeticamente para uma maioria que existe nesta Assembleia e

que afirma a direita em minoria nesta Casa.

Aplausos do PS.

Este é que é o problema político que a direita não quer assumir. A minoria em que está nesta Câmara resulta

da minoria em que está no País.

Há, de facto, uma questão com o Banco de Portugal e eu percebo bem a razão pela qual o PSD e, em

particular, o seu líder tomam tão rapidamente as dores sobre reportagens que surgem relativas à atuação do

Banco de Portugal.

Naquela reportagem, como todos teremos percebido, reportam-se a factos anteriores à designação, pelo

anterior Governo, do atual Governador. Portanto, o PSD, verdadeiramente, não vem defender o atual

Governador, o PSD vem defender-se a si próprio por ter feito a recondução do Governador apesar de tudo aquilo

que tem vindo a público e que já constava da Comissão de Inquérito.

O Governo não tem de se pronunciar sobre as decisões que foram então tomadas. Eu próprio, como é sabido,

enquanto líder do PS, pronunciei-me, na altura própria, sobre essa matéria. Hoje, como Primeiro-Ministro,

cumpre-me estritamente fazer o que qualquer Governo deve fazer, que é trabalhar de uma forma leal e

construtiva com as instituições que existem e que estão em funções.

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Aliás, ainda hoje, o Sr. Governador do Banco de Portugal, numa entrevista, reconheceu que o Governo tem

uma relação institucional e correta com o Banco de Portugal. Não poderia deixar de ser assim.

Sr.ª Deputada Catarina Martins, quanto à questão do Instituto Camões, vou saber o que se passa, pois não

tenho informação. Obviamente que a lei é aplicável por igual em todos os lugares e assim será necessariamente

no Instituto Camões.

Sobre o período experimental, ele, em si, não comporta a figura do despedimento. Não sei, em concreto, o

que é que propõe o Bloco de Esquerda, mas o que me parece, por igualdade de circunstâncias, é que as

mulheres que estão grávidas durante o período experimental não podem ser prejudicadas.

Portanto, não creio que se trate de uma questão de não despedimento, trata-se, porventura, de prorrogar o

período experimental ou o período experimental poder ser completado, concluído, executado numa fase em que

a licença de maternidade não ponha em causa a função própria desse período. Por definição, quem está de

licença não pode estar, obviamente, no exercício da atividade, que pressupõe a existência do período

experimental.

Se é isso — e note-se que não conheço em concreto esta situação —, parece-me absolutamente razoável.

Aliás, devo assegurar um princípio: também no período experimental, há que proteger o direito à maternidade.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Catarina Martins.

A Sr.ª CatarinaMartins (BE): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, terei gosto em fazer-lhe chegar os

documentos do Instituto Camões.

Registo que podemos ter avanços importantes em todo o mundo do trabalho para proteger as mulheres

quando engravidam. Acho que esta é boa notícia e o Dia da Mulher deve ser comemorado com notícias reais

para a vida concreta das mulheres e o seu direito à igualdade.

O Sr. JoséManuelPureza (BE): — Muito bem!

A Sr.ª CatarinaMartins (BE): — Sr. Primeiro-Ministro, pegando numa frase que disse há pouco — «a

qualidade no mercado de trabalho é fundamental» — e tendo em conta a necessidade de proteção contra a

precariedade de todos e de todas, embora saibamos que as mulheres sofrem sempre mais e são mais vítimas

de precariedade, coloco-lhe uma pergunta: quando é que vamos ter na lei a promessa que está escrita na página

23 do Programa do Governo e que visa repor a lei de 2009, que foi suspensa pelo PSD e pelo CDS, de agravar

as contribuições para a segurança social das empresas que têm rotatividade a mais de trabalhadores?

O Ministro das Finanças, que na altura era um economista que estava a fazer o programa do Partido

Socialista, dizia que esta medida poderia, no primeiro ano, dar uma receita de 350 milhões de euros, ou seja,

combater a precariedade e aumentar receitas. Vamos avançar?

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Catarina Martins, vamos avançar. Aliás, no acordo

de concertação social que foi assinado está previsto que, ao longo deste ano, essa matéria seja objeto de

negociação no quadro da concertação social. Por isso, sim, vamos avançar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Catarina Martins.

A Sr.ª CatarinaMartins (BE): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, espero bem que o Programa do

Governo valha mais do que eventuais bloqueios na concertação social. Se há acordo em que, para combater a

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precariedade ou para garantir direitos das mulheres, seja preciso mexer na legislação laboral, vamos lá, então,

mexer na legislação laboral.

Não podemos deixar o País parado ou deixar que o abuso continue a prolongar-se no tempo à espera que

os patrões percebam que afinal se têm portado mal. Os patrões têm-se mesmo portado mal, Sr. Primeiro-

Ministro, e é por isso que é preciso atuar na legislação laboral.

Aplausos do BE.

Sr. Primeiro-Ministro, deixo-lhe duas notas — bem sei que o meu tempo está esgotado, Sr. Presidente, mas

não irei usar seguramente de tanta tolerância como intervenientes anteriores usaram — sobre matérias que nos

preocupam.

Em primeiro lugar, sobre o descongelamento das carreiras da função pública. O compromisso é o de

descongelar as carreiras, que foram congeladas com determinadas regras, pelo que se presume que, quando

forem descongelas, as expectativas das pessoas sejam respeitadas.

Como sabe, na função pública, também é bom não brincar com a dependência de chefias, porque a

transparência é algo muito importante e as progressões automáticas não existem para proteção de cada

funcionário, mas são seguramente importantíssimas para a proteção de toda a democracia e para combater

todos os clientelismos.

Em segundo lugar, Sr. Primeiro-Ministro, não posso deixar de referir que foi agora publicado — e com isto

termino muito brevemente, Sr. Presidente — o aumento da idade da reforma para 2018, que passará para os

66 anos e 4 meses, ou seja, mais um mês.

Sabemos que temos posições divergentes sobre essa matéria — não vou agora debatê-las, nem tenho tempo

—, mas há o compromisso de acabar com a dupla penalização nas reformas antecipadas e também o

compromisso de haver uma fórmula de cálculo que proteja as carreiras contributivas muito longas, as de quem

começou a trabalhar muito jovem e nunca mais se consegue reformar.

O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª CatarinaMartins (BE): — Termino, Sr. Presidente.

Sr. Primeiro-Ministro, não se compreende que estejamos a ver a idade da reforma a aumentar e que esses

dois compromissos não estejam já executados.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Catarina Martins, recordar-se-á que, no último ou

no penúltimo debate a propósito da reforma do Estado, sublinhei bem que, para nós, a reforma do Estado tem

três dimensões fundamentais: uma, tem a ver com a descentralização; outra, tem a ver com a simplificação

administrativa; e outra, tem a ver com a valorização das carreiras na função pública.

A devolução aos funcionários públicos da confiança do direito à carreira tem diferentes dimensões, sendo

que uma foi muito importante e simbólica: tivemos o cuidado de pôr a presidir à CReSAP (Comissão de

Recrutamento e Seleção para a Administração Pública Portuguesa) não mais um professor universitário

estranho à Administração Pública, mas alguém que tem uma longa e diversificada carreira na Administração

Pública, servindo diferentes ministérios. Quisemos dar um sinal claro de que confiamos na Administração

Pública, pelo que pusemos a presidir ao órgão que dá pareceres sobre as escolhas das funções de direção na

Administração Pública alguém que vem da própria Administração e que tem uma longa carreira e experiência.

Sr.ª Deputada, nesse debate, também falei precisamente da necessidade de descongelar as carreiras em

2018. Isso está no Programa do Governo e é o que será executado durante o ano de 2018.

Repusemos os vencimentos, vamos agora tratar do descongelamento das carreiras e é por isso que está

programada com os diferentes sindicatos a negociação para regular como vamos proceder ao descongelamento

das carreiras a partir do ano de 2018.

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Quanto às carreiras longas, o Sr. Ministro do Trabalho tem, neste momento, um trabalho concluído, vai iniciar

diferentes reuniões de trabalho e creio que hoje haverá uma reunião de trabalho com a bancada do Bloco de

Esquerda sobre essa matéria.

Portanto, iremos, também aqui, avançar e concretizar aquilo que consta do Programa do Governo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para formular perguntas, tem a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Cristas, em nome

do Grupo Parlamentar do CDS-PP.

A Sr.ª AssunçãoCristas (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, ia começar por abordar um

outro assunto, mas, em virtude da intervenção inicial que aqui fez, creio que é relevante perguntar-lhe sobre a

parte que não focou nessa intervenção inicial. Há duas notas em relação aos quais gostaria de chamar a sua

atenção.

A primeira tem a ver com o facto de o Sr. Primeiro-Ministro vir dizer ao Parlamento que o investimento está

muito bem e a recuperar. Mas, Sr. Primeiro-Ministro, as contas do INE (Instituto Nacional de Estatística),

publicadas no dia 3 deste mês, mostram que o investimento recuou no ano passado, em termos reais, 0,9%.

Gostaria de o ouvir sobre esta questão, porque destoa do cenário cor-de-rosa e da pintura muito bonita que

faz sempre, mas que é sempre parcial nesta Casa.

O Sr. HélderAmaral (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª AssunçãoCristas (CDS-PP): — A segunda nota que queria deixar — e esta é fresquinha porque é

desta manhã — tem a ver, mais uma vez, com os juros da dívida pública.

Hoje, houve uma emissão a 9 anos, a qual levou a juros de quase 4%. Em agosto, a emissão tinha sido a

juros de 3% e agora de quase 4% — passaram seis meses.

Sr. Primeiro-Ministro, o que é que tem a dizer sobre isto? O que é que tem a dizer aos portugueses que vão

ter de pagar estes juros? E o que é que tem a dizer sobre como é que isto encaixa na sua visão cor-de-rosa de

Portugal?

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para responder, o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Assunção Cristas, o investimento, ao longo do

ano passado, esteve sempre a aumentar, tendo concluído no quarto trimestre com um aumento de 4,6% e quer

o investimento direto estrangeiro, quer o investimento nacional estiveram sempre a aumentar.

Os dados que temos verificado já de 2017 demostram bem que esse investimento está a prosseguir. Os

dados sobre criação de emprego, os dados sobre importações de máquinas e equipamentos demonstram bem

que as empresas estão, felizmente, a investir. E estão a fazê-lo, desde logo, porque conseguimos descongelar

o programa Portugal 2020. Quando chegámos ao Governo, através desse programa, chegou às empresas 4

milhões de euros e nós, nos primeiros 100 dias, conseguimos fixar a primeira meta nos 100 milhões de euros,

quando chegámos ao final do ano ultrapassámos a meta dos 460 milhões de euros e, neste ano, iremos apoiar

as empresas em mais de 1000 milhões de euros para suportar o investimento empresarial.

Portanto, quer o investimento estrangeiro quer o investimento nacional estão a aumentar e, se a Sr.ª

Deputada for verificar, vai poder constatar que, em particular, empresas estrangeiras que há muitos anos estão

em Portugal, como a Siemens, a Bosch, a Volkswagen ou a Renault, todas elas têm estado a aumentar, e

significativamente, o seu investimento, criando novas linhas ou lançando novos produtos.

Como sabe, as taxas de juro têm estado a subir em todos os mercados e, se for comparar a nossa taxa de

juro a 10 anos a partir do momento em que entrámos para o euro, verificará que foram raros os meses em que

tivemos taxas de juro inferiores às que estão a ser praticadas atualmente.

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A colocação de dívida que foi feita por parte do Instituto de Gestão do Crédito Público foi num montante

bastante elevado, situou-se, aliás, nos valores médios que eram expetáveis.

Portanto, o que temos de continuar a fazer é dar confiança aos mercados mantendo uma boa trajetória de

redução do défice, como fizemos no ano passado, em que tivemos o melhor défice de 42 anos da nossa vida

democrática; obtendo um saldo primário de 2% assegurando, assim, a confiança da nossa capacidade de

responder à nossa dívida; reduzimos, no ano passado, em 1 ponto percentual a dívida líquida; a dívida bruta,

neste momento, já está inferior à do início de 2016 e, como sabe, em 2016 só não reduziu por causa do impacto

BANIF e do esforço de capitalização da Caixa Geral de Depósitos.

Por isso, temos boas razões para estar atentos, mas confiantes na capacidade do País de gerir e solver a

sua dívida pública.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Cristas.

A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, quando o oiço — e ouvi-o com

muita atenção —, fico extraordinariamente preocupada. E sabe porquê? Porque o Sr. Primeiro-Ministro vem

dizer-nos que o investimento está muito bem, mas o INE — são contas nacionais e eu pergunto se é o INE que

está errado — diz-nos que, em 2015, o investimento aumentou 4,6% e, em 2016, diminuiu 0,9%. Diminuiu. Foi

menos, não foi mais! Foi menos! Não percebo como é que o Sr. Primeiro-Ministro me dá essa resposta. De

duas, uma: ou tem de me dizer que o INE está enganado e que errou ou, então, tem de explicar as coisas de

outra forma.

Portanto, em relação a contas nacionais de 2016, o investimento diminuiu. Contra tudo aquilo que os

senhores sempre disseram e que diziam acreditar e que estava no Orçamento do Estado Sabemos que o

investimento público diminuiu 10%, mas agora não é só o público, é todo o investimento. Fico preocupada

quando oiço a sua resposta. Gostaria de acreditar nela, espero que o investimento retome, mas fico muito

preocupada.

Fico também muito preocupada quando o oiço falar sobre a dívida e dizer que isto está muito bem. Sr.

Primeiro-Ministro, a dívida não está muito bem; a dívida aumentou no seu Governo. A dívida vinha numa

trajetória descendente e aumentou.

Por outro lado, os juros da dívida não estão muito bem. E não me venha dizer que no resto dos países é

assim. Sabe porquê? Porque, em 2015, distávamos zero vírgula qualquer coisa pontos de Espanha e agora

distamos 2,5 pontos.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Ora bem!

A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Afinal, o que é que há de tão diferente? O que é que aconteceu em

Portugal que não aconteceu em Espanha? Aconteceu um Governo, o seu, apoiado nas esquerdas radicais, que

não dá confiança aos mercados, as pessoas e os mercados olham para o País com desconfiança. É por isso

que, agora, fazem pagar o juro mais alto. Portanto, fico preocupada.

Fico também preocupada — terceira nota de preocupação — quando o oiço dizer que temos o défice mais

baixo de 42 anos de democracia portuguesa. Sabe porquê? Porque isso também dizia o seu antecessor José

Sócrates.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Bem lembrado!

A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — O seu antecessor José Sócrates, em notícia de 2008, dizia: «Défice

de 2,6% ‘o mais baixo da democracia portuguesa’», e regozijava-se com este resultado.

Portanto, de cada vez que o Sr. Primeiro-Ministro usa a mesma expressão, usa a mesma linguagem, usa o

mesmo argumento a minha preocupação vai crescendo exponencialmente.

Aplausos do CDS-PP.

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Sr. Primeiro-Ministro, deixe-me passar para um tema que tem merecido a atenção e a preocupação do CDS

ao longo de muitos anos e que motivará, amanhã, uma interpelação ao Governo. Certamente, amanhã haverá

tempo para detalhar, mas, hoje, não queria perder esta oportunidade para lhe perguntar qual é o pensamento

do Governo sobre supervisão bancária.

Recordo-me que nos foi anunciado que o Governo estaria a trabalhar nessa matéria e traria propostas a esta

Casa. Pois bem, mais de um ano volvido, Sr. Primeiro-Ministro, não oiço nenhuma ideia do Governo. Zero ideias

do Governo! Só oiço ideias sobre nomes, oiço discussões na praça pública sobre nomes, o que também me

preocupa, porque isso sugere aqui, como em relação ao Conselho de Finanças Públicas, uma certa

partidarização de instituições que deveriam ser absolutamente autónomas e independentes.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Exatamente!

A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Mas o que quero perguntar-lhe é sobre quais são as ideias que o

Governo tem em relação a esta matéria.

Devo dizer-lhe que andamos a trabalhar há largos meses — aliás, esta foi uma matéria que destaquei como

prioritária no Congresso do CDS — e traremos a esta Casa várias propostas muito concretas para melhorar a

supervisão, porque entendemos que as coisas não correram como deveriam ou como poderiam ter corrido.

Portanto, vamos apresentar, proactiva e positivamente, um conjunto muito relevante de alterações, mas eu

gostava de saber a posição do Governo.

Já agora, Sr. Primeiro-Ministro, gostava de saber o que pensa sobre a proposta, que é velha no CDS e que,

em tempos, já teve também um pensamento semelhante do lado do Partido Socialista, de nomeação dos

reguladores da área financeira que, na nossa perspetiva, deve ser feita pelo Presidente da República.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, se não se importa, vou começar pelo fim.

Primeiro, em matéria de supervisão, o grupo de trabalho coordenado pelo Sr. Dr. Carlos Tavares entregou,

creio que na semana passada, ao Sr. Ministro das Finanças o seu relatório, amanhã haverá uma interpelação

ao Governo promovida pelo CDS e, nessa altura, o Sr. Ministro das Finanças cá estará e apresentará

sinteticamente a posição do Governo sobre essa matéria.

Quanto a nomeações e sobre a alteração das formas de designação, como sabe, a proposta foi apresentada

por mim enquanto Secretário-Geral do Partido Socialista mas, na altura, não mereceu a concordância da então

maioria, porque implicava uma revisão constitucional para poder reforçar as competências do Sr. Presidente da

República. Felizmente, apesar de tudo, houve algum consenso e foi possível alterar o processo de nomeação

dos membros da administração, que é, aliás, o que está a ocorrer.

Relativamente ao investimento, os números que citou do INE são do investimento total, ou seja, têm em

conta o investimento empresarial e o investimento público. Aquilo que, de facto, reduziu foi o investimento público

e aquilo que tem a ver com a confiança, ou seja, o investimento privado, como eu disse, subiu e, portanto, como

o INE diz, confirma-se que o investimento privado subiu.

Portanto, o investimento não baixou por uma questão de confiança; baixou por uma questão de política

orçamental.

Devo dizer que fico agradado em verificar que a Sr.ª Deputada é uma Deputada mais Keynesiana e que

gostaria que tivéssemos sido mais keynesianos do que fomos.

Risos da Deputada do CDS-PP Assunção Cristas.

Posso assegurar que também gostaríamos de ter sido mais keynesianos, mas fico confortado por saber que

neste ano, em que já aumentámos 20% o investimento público, isso merecerá, certamente, o aplauso do CDS,

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porque o CDS entende que é fundamental aumentarmos o investimento público. Fico muito satisfeito com isso!

Quanto ao investimento privado, esse subiu.

Relativamente à dívida, Sr.ª Deputada, como sabe, nos quatro anos anteriores, que coincidiram com a sua

passagem pelo Governo, a dívida pública aumentou 30 pontos percentuais. No ano passado, a dívida pública

estabilizou, a dívida líquida até diminuiu e a dívida bruta teve um ligeiro aumento explicado pelo impacto da

herança BANIF e da herança Caixa Geral de Depósitos.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — E a herança que vocês nos deixaram é «ótima»!…

O Sr. Primeiro-Ministro: — Este ano, com a antecipação, que, aliás, já foi feita, de amortizações da dívida

ao FMI, já temos uma dívida bruta inferior àquela que existia quando entrámos em funções.

Finalmente, sobre confiança, Sr.ª Deputada, os números não mentem.

A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Pois não!

O Sr. Primeiro-Ministro: — Os números da confiança estão a um nível recorde que não tínhamos desde o

ano 2000, repito, desde o ano 2000, Sr.ª Deputada!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem, ainda, a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Cristas.

A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, a confiança dos investidores

não a vemos exatamente assim.

Mas deixe-me dizer-lhe o seguinte: o meu papel é fiscalizar que o Governo cumpre aquilo com que se

compromete. Portanto, não confundo as funções. Deste lado, o meu papel é este, e é isso que farei o tempo

todo, Sr. Primeiro-Ministro!

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — E, já agora, vale a pena olhar para aquele que era o cenário

macroeconómico do Programa Eleitoral do Partido Socialista — o «cenário Centeno» —, onde se prometia 2,4%

de crescimento para 2016 e 3,1% de crescimento para 2017. É sempre bom lembrar isto! Nesse impacto

macroeconómico do Programa Eleitoral havia um cenário central inicial, que é como quem diz: «Se eles lá

continuarem, é isto que vai acontecer». Ora, esse cenário central do «se eles lá continuarem» dizia que, em

2016, iríamos ter 1,7% de crescimento…

Vozes do CDS-PP: — Ah…!

A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Ah, que coisa extraordinária!

Como estava a dizer, esse cenário central referia que, em 2016, iríamos ter 1,7% de crescimento, ou seja,

acima daquilo que os senhores conseguiram, os 1,4%, e que, em 2017, iríamos ter 1,7%, ou seja, um valor

acima daquilo que os senhores previram no Orçamento do Estado, os 1,5%.

Portanto, Sr. Primeiro-Ministro, lamento, mas é minha função — e eu não a declino —, de todas as vezes

que aqui vem, confrontá-lo com as suas escolhas e com as suas opções.

E, já agora, queria lembrar que, de facto, o senhor incumpre radicalmente a sua promessa — e isso também

é extraordinário e eu gostava de saber o que é que o PCP e o Bloco de Esquerda dizem — quando assume mea

culpa de uma redução brutal do investimento público.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

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A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Portanto, o senhor acabou de nos dizer que, de facto, se o

investimento só diminuiu 0,9%, isso ainda foi à conta de algum investimento privado, porque o público não deu

nenhum empurrão, nem deu nenhuma ajuda. Cá estaremos para ver o investimento mais baixo da história da

nossa democracia!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Sr. Primeiro-Ministro,…

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, tem de terminar.

A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Sr. Presidente, peço-lhe a mesma condescendência que teve para

com os Deputados que me precederam…

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, tem de ser proporcional…

A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — … e deixe-me fazer duas perguntas finais.

A primeira, que toca com o que referiu no início, tem a ver com a educação. Desafio-o, Sr. Primeiro-Ministro,

a fazer uma reforma curricular debatida, refletida, consensualizada, com tempo e que possa ter uma estabilidade

de seis anos. Aquilo que o Governo se prepara para fazer apressadamente, a meio do ano, não serve os

portugueses, não serve os alunos, não serve as famílias e a escola.

Portanto, desafio-o, Sr. Primeiro-Ministro, a ir na linha do CDS, ou seja, a debater, a consensualizar e a

garantir seis anos de estabilidade, no mínimo, para essa reforma.

Por fim, Sr. Primeiro-Ministro, gostava de saber — hoje, no Dia Internacional da Mulher — se é desta vez

que vamos poder aprovar as propostas apresentadas pelo CDS nesta Câmara,…

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, tem de terminar.

A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — … porque todas as que apresentámos anteriormente foram

chumbadas com o voto contra do Partido Socialista.

Assim, voltaremos a apresentar algumas propostas que têm a ver, por exemplo, com o equilíbrio dos papéis

entre o pai e a mãe, o homem e a mulher…

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, tem de terminar.

A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — … e com o aumento da licença parental para o pai, de forma a que

as mulheres não fiquem sobrecarregadas mas possam, efetivamente, repartir tarefas.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Assunção Cristas, primeiro, convém nunca

esquecer que as previsões que foram feitas no princípio de 2015 pressupunham que esse ano iria continuar a

ser de crescimento económico.

Ora, aquilo que todos viemos a saber é que o segundo semestre de 2015 foi um ano de forte desaceleramento

da economia,…

Protestos do Deputado do PSD Pedro Passos Coelho,

… que essa tendência só se inverteu ao longo do ano de 2016 e, por isso, de facto, o ponto de partida foi

bastante diverso.

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A Sr.ª Deputada saberá que na Assembleia da República o Governo não vota e que o Governo respeita a

autonomia do Grupo Parlamentar do Partido Socialista.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Pela enésima vez lhe direi que, quando quiser saber o voto do Grupo

Parlamentar do PS, terá de perguntar ao líder parlamentar do PS, que, certamente, terá o melhor gosto em

poder responder-lhe.

Aplausos do PS.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Pois, responde quando lhe convém…!

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Vou concluir, Sr. Presidente.

Sr.ª Deputada Assunção Cristas, depois far-lhe-ei chegar uma versão impressa, mas, se me der um segundo

de atenção, poderá ver neste gráfico que lhe mostro a evolução das taxas de juro desde 1993…

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — … e verificar que os momentos em que tivemos uma taxa de juro inferior àquela

que atualmente existe são absolutamente episódicos ao longo da nossa história.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Primeiro-Ministro. Tem de concluir.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr.ª Deputada, vou enviar-lhe os números para que possa verificar qual tem sido

a evolução da taxa de juro desde 1993 até agora.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para formular perguntas, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, em nome

do Grupo Parlamentar do PCP.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, antes de me referir ao tema em

debate neste debate quinzenal, gostaria de saudar as mulheres portuguesas neste dia de comemoração mundial

e aproveitar a oportunidade para reafirmar a nossa preocupação quanto à situação da mulher portuguesa, isto

é, em relação aos baixos salários, à precariedade, à desregulação dos horários, às discriminações e à violência

de que são vítimas no trabalho ou na sociedade, nomeadamente na maternidade, e os seus problemas sempre

por resolver. Isto apesar dos avanços alcançados com a Revolução de Abril.

Invoco: há 43 anos negociávamos o contrato coletivo dos metalúrgicos. Tinha lá uma norma em que se

afirmava, nessa cláusula, que qualquer mulher que trabalhasse o mesmo ou melhor do que os homens receberia

sempre menos 10% no seu salário. A norma foi revogada, mas, hoje, continuamos a deparar-nos com muitas

situações em que as mulheres continuam a ser prejudicadas ao nível dos seus salários.

A igualdade está longe de ser uma realidade na vida da esmagadora maioria das mulheres portuguesas e

há um grande esforço a fazer para combater e prevenir as diversas discriminações de que as mulheres são

vítimas no trabalho, na família e na sociedade.

Hoje, é dia de comemoração. Que seja tempo de concretização da igualdade.

Aplausos do PCP e de Deputados do PS.

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O Sr. Primeiro-Ministro trouxe aqui a questão do crescimento económico sustentável do País. É uma questão

que nos é cara e que temos, nestes últimos anos de regressão e estagnação económica, bem evidente desde

a entrada no euro, colocado no centro da nossa intervenção, em contraponto com as orientações que têm sido

dominantes no País.

Sim, precisamos de garantir um crescimento económico, mas ele não se garante de forma sustentada com

opções políticas que fazem da redução do défice a questão primeira da ação governativa, não se faz à custa da

redução do investimento público, do investimento necessário quer para o desenvolvimento de setores produtivos

nacionais, quer para assegurar as infraestruturas necessárias ao desenvolvimento do País, não se garante com

a desvalorização da força do trabalho como única variável do ajustamento macroeconómico. O crescimento

sustentado precisa da elevação das condições de vida do povo como alavanca desse crescimento.

Os avanços verificados nesta nova fase da vida política nacional foram a prova provada da importância do

trabalho e dos trabalhadores.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Não se garante persistindo nas privatizações, na liberalização de

mercados públicos, na desregulamentação de mercados onde dominam as PME (pequenas e médias empresas)

mantendo o papel dominante do setor financeiro tal como está. Não caminharemos para o crescimento

sustentado se não se fizer a rutura com estes eixos estratégicos, o que significa fazer rutura com o poder do

capital monopolista.

A proposta do PCP é pelo desenvolvimento, de que uma das dimensões é o crescimento sustentado. Isto

significa, do nosso ponto de vista, a promoção da produção nacional e dos setores produtivos, o apoio ao setor

cooperativo e às micro, pequenas e médias empresas, com medidas de apoio financeiro ao investimento e de

apoio ao crédito, de redução dos preços dos fatores de produção, nomeadamente na energia e nos

combustíveis. Estamos a pensar nos agricultores, estamos a pensar nos pescadores, que aguardam com

expectativa a concretização de algumas medidas que estão perspetivadas.

Sr. Primeiro-Ministro, isto significa também a necessidade da valorização dos salários, do combate à

precariedade, da reposição de direitos laborais por alteração das leis de trabalho, a defesa do desenvolvimento

qualitativo dos sistemas de saúde, do ensino e da segurança social.

Estas são questões importantes para um crescimento económico sustentável, sobre os quais é importante

também ouvir o Governo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, em primeiro lugar, associamo-

nos, obviamente, à saudação que fez às mulheres portuguesas e à preocupação que manifestou no sentido da

igualdade.

Há 40 anos a reforma do Código Civil deu um passo gigantesco na mudança da nossa vida em sociedade.

Outras evoluções tivemos posteriormente, desde logo, com a Lei da Paridade. Alargámos o conceito de

igualdade a outras áreas da vida, mas persiste a desigualdade de género entre homem e mulher e, em particular,

no mercado de trabalho.

Por isso, a paridade no poder de decisão e a igualdade salarial são questões centrais, a par das medidas

necessárias à conciliação quer para os homens, quer para as mulheres entre a vida familiar e a vida profissional.

Quando refiro que é para o homem e para a mulher, quero dizer que não alteraremos profundamente os

papéis de cada um na família se essas medidas de conciliação não forem dirigidas necessariamente a ambos

os géneros, porque só assim poderemos ter uma alteração e ir construindo uma nova cultura de relações dentro

da família.

Sr. Deputado, creio que é hoje consensual na sociedade portuguesa, e não só, que há um problema de

relacionamento entre a moeda única e a convergência, hoje isso é muito manifesto. Mesmo para aqueles que,

como eu, consideram que, no processo de construção europeia, a defesa da moeda única é essencial, não

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tenho a menor dúvida de que a melhor forma de a defender é criarmos condições para que seja possível a

convergência económica. Isso implica uma reforma da zona euro, uma reforma que previna riscos, que responda

a choques assimétricos e, sobretudo, que dote a zona euro de uma capacidade orçamental própria que permita

financiar o programa de convergência.

Devo dizer que não temos o défice como a primeira das prioridades, nem como o alfa ou o ómega da nossa

política, mas uma boa gestão das finanças públicas é essencial — aliás, as câmaras municipais do PCP são

bem reconhecidas por serem bons exemplos de boa gestão pública. A Câmara Municipal de Almada, por

exemplo, não sei se ainda é mas foi durante muitos anos a Câmara que tinha melhores condições financeiras

em relação aos 308 municípios do País e, portanto, não é objetivo de ninguém ter o défice pelo défice.

Porém, era absolutamente essencial, no ano passado e neste ano, fazer o «teste do algodão» e provar bem

que não era pelo facto de repor salários, de repor pensões, de reduzir a carga fiscal, de repor os apoios sociais

e os instrumentos de combate à pobreza que poríamos em causa a trajetória de consolidação das finanças

públicas.

O que provámos no ano passado, em conjunto, foi que o programa da direita não foi imposto nem necessário;

foi um programa querido, desejado, implementado por motivos ideológicos e não determinado com o controlo

das finanças públicas.

Por isso, tendo cumprido tudo aquilo que acordámos, designadamente com o PCP, tendo executado o

Orçamento que foi viabilizado na Assembleia da República, conseguimos ter um melhor défice do que aquele

que a direita teve.

Também é por isso que, neste ano, estamos a prosseguir a política de reposição de rendimentos para

melhorar as condições de vida das pessoas; por isso, aumentámos em 20% o investimento público e temos de

prosseguir esta trajetória e bater-nos quer em Portugal, quer no contexto europeu para haver um novo quadro

na zona euro que seja amigo do crescimento, amigo do emprego e que nos permita ter, de novo, condições para

uma maior convergência económica. Sim, essa batalha temos de a travar, mesmo que não estejamos de acordo

sobre o euro, no seu conjunto. No entanto, há uma matéria sobre a qual estamos de acordo: exista ou não euro,

a convergência é essencial. Diria que é mesmo essencial para poder existir o euro.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Peço às pessoas que estão de pé na Sala o favor de se sentarem para podermos

continuar os trabalhos com o mínimo de condições.

Tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, sim, existe divergência em relação

não só ao tempo como ao modo nestes grandes constrangimentos que hoje existem na nossa economia, tais

como a questão do peso da dívida e do serviço da dívida, a questão da necessidade de nos libertarmos da

submissão ao euro, a questão, fundamental, da necessidade do controlo público dos setores estratégicos,

designadamente da banca, e também na política fiscal queremos justiça fiscal e não a continuação da fraude,

da evasão do grande capital a caminho de qualquer offshore.

Sobre os 10 000 milhões de euros que voaram do País para offshore, ainda é necessário apurar por completo

a extensão do problema, mas o que já está claro é a confirmação da política de dois pesos e duas medidas do

Governo PSD/CDS, que esmagou os trabalhadores e o povo com impostos e obrigações, enquanto deixava sair

do País aqueles 10 000 milhões sem controlo tributário, sem tratar de ver se havia fraude, crime ou impostos a

pagar.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — E digo isto, Sr. Primeiro-Ministro, porque os portugueses — e são mais

do que aqueles que se possa pensar — não percebem dos mecanismos e dos esquemas que permitem esta

situação, mas sentem que isto é uma pouca-vergonha, que nesta matéria o crime compensa.

Por isso mesmo, Sr. Primeiro-Ministro, consideramos que, tendo em conta este sentimento de indignação —

justo — da maioria dos portugueses, é tempo de continuar a averiguar sem fugir à questão de fundo.

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Bem podemos inventar mecanismos de controlo, de aperto, mas enquanto existirem os offshore, países como

o nosso estão sempre a ser sangrados em vida com esta fuga de capitais, com esta fuga dos lucros ganhos

aqui, no nosso País.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro para responder.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, é indiscutível que é preciso

esclarecer tudo o que há por esclarecer sobre aquilo que foi descoberto a partir do momento em que este

Governo mandou a administração fiscal publicar os dados que o anterior Governo tinha mandado a

administração fiscal não publicar. Foi a partir dessa publicação que foi possível apurar tudo e saber que temos

um problema e que é necessário que esse problema seja absolutamente esclarecido.

Protestos do Deputado do PSD Pedro Passos Coelho.

Se há condição essencial para a vida em sociedade é toda a gente sentir que há um sentimento de justiça

na forma como são partilhados os encargos, em particular os encargos em matéria fiscal.

Aquilo que as pessoas percebem bem é que houve um tempo em que se era muito forte com os fracos, mas

muito fraco com os fortes.

O Sr. Filipe Anacoreta Correia (CDS-PP): — Está a falar do Sócrates, não?!

O Sr. Primeiro-Ministro: — Isso é absolutamente inaceitável e tem de ser corrigido porque é esse sentimento

de justiça que pode reforçar os laços de cidadania entre todos.

Mas não se trata só de combater os offshore, trata-se também de termos uma melhor harmonização fiscal

no quadro da União Europeia, porque aquilo a que temos assistido no quadro da União Europeia é a uma

competição muito desigual entre vários Estados a poderem criar condições de atratividade fiscal à custa daquilo

que é o rendimento efetivamente gerado noutros Estados-membros. E quando vemos o lucro obtido pelas

compras que fazemos em alguns dos nossos supermercados gerarem receita não nos nossos cofres públicos

mas nos cofres públicos da Holanda,…

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — … de facto, entendemos que há aqui um problema de grave distorção de

lealdade na concorrência entre os diferentes países. E a União Europeia, para ser mais justa, também tem de

ser capaz de pôr termo a esta concorrência desleal de países, como a Holanda, relativamente a outros países.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para formular perguntas, tem, agora, a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, em

nome do Grupo Parlamentar de Os Verdes.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, vamos ver como me consigo

controlar para lhe colocar três questões que julgo serem muito importantes.

A primeira prende-se, em primeiro lugar, com as podridões do sistema capitalista e o perigo de ter um

Governo subserviente às manhas deste sistema capitalista. E, relativamente à matéria dos offshore, Sr.

Primeiro-Ministro, no último debate quinzenal, Os Verdes vieram aqui afirmar que era preciso apurar

responsabilidades de vária ordem, incluindo responsabilidades políticas.

O ex-Secretário de Estado Paulo Núncio, do CDS, já veio assumir uma parte dessas responsabilidades

políticas,…

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O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Não está atualizada!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — … mas, de facto, aquilo que é profundamente revoltante é perceber

que houve um Governo que fechava os olhos aos milhões que saíam do País para os offshore e, ao mesmo

tempo, sacrificava os portugueses de grande forma, abrindo, arregalando os olhos completamente a qualquer

falha, mínima, que qualquer cidadão português tivesse com o fisco. Isto é absolutamente deplorável e revoltante.

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

Por outro lado, Sr. Primeiro-Ministro, também é revoltante perceber como os reguladores nos trazem sempre

mundos de garantias, promessas de garantias, e afinal descobre-se, tão recorrentemente, que os reguladores

não regulam absolutamente nada e, Sr. Primeiro-Ministro, também têm manhas no âmbito deste sistema

capitalista.

É revoltante perceber que, com as falhas graves de supervisão que o atual Governador do Banco de Portugal

já demonstrava no exercício das suas funções, o Governo PSD/CDS fez a sua recondução da forma mais limpa,

da forma mais linear, querendo, portanto, «tapar o sol com a peneira», Sr. Primeiro-Ministro. Gostava de

reafirmar aqui que, na nossa perspetiva, este Governador do Banco de Portugal não tem condições para

continuar no exercício do seu cargo, tal a gravidade e a sequência de falhas de supervisão que já foram por

várias vezes demonstradas.

Segunda questão: Sr. Primeiro-Ministro, o rio Tejo não é um cano de esgoto e não pode continuar a ser visto

como um cano de esgoto.

Sabemos que há empresas profundamente poluidoras, designadamente a Celtejo, que já têm planos para a

requalificação dos seus sistemas de tratamento, mas, até lá, Sr. Primeiro-Ministro, continuam a fazer do Tejo

um profundo cano de esgoto. E, até que essa requalificação seja feita, o que é que vamos fazer? Vamos

continuar a assistir a um Tejo castanho, a um Tejo estragado pelas descargas ilegais e acentuadas dessas

empresas poluidoras?! Aquilo que temos perguntado é que medidas prevê o Governo aplicar, a curtíssimo prazo,

designadamente no âmbito da monitorização e da fiscalização, para que o Tejo deixe de ser um cano de esgoto.

Por outro lado, e por último, Sr. Primeiro-Ministro, sobre a igualdade entre mulheres e homens e a

necessidade de garantir direitos às mulheres, Os Verdes também já apresentaram, e vai ser discutido, um

conjunto de iniciativas, nomeadamente no âmbito dos direitos do trabalho e naquilo que se refere à licença

parental e ao alargamento da licença parental,…

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — … mas também — e termino mesmo, Sr. Presidente — no âmbito

de uma questão que continua a ser gravíssima no nosso País e recorrente demais, que é a da violência

doméstica. E, nesta matéria, Sr. Primeiro-Ministro, podemos melhorar muito a legislação,…

O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — … mas uma coisa é aquilo que está na lei, outra coisa é a realidade.

E a fiscalização, a formação dos agentes de segurança é também uma questão determinante.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Gostava de saber que respostas concretas, não legislativas, mas

no âmbito administrativo, digamos assim, no terreno, dos agentes que atuam, é que o Governo tem para esta

matéria…

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, tem de concluir.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — … do combate ao flagelo da violência doméstica.

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Aplausos de Os Verdes e do PCP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, vou procurar centrar-me nas

duas últimas questões, para ver se consigo responder no tempo de que disponho.

Vamos começar pelo Tejo. Em 2016, foram realizadas ações de fiscalização e inspeção em 234 operadores

económicos, foram recolhidas várias amostras e foram emitidos vários mandatos e várias notificações, tendo

sido feitas três participações criminais ao Ministério Público.

Em 2016, conseguiu-se aumentar significativamente a fiscalização no conjunto da bacia hidrográfica.

Recentemente, depois da denúncia sobre dois casos, em 9 e 10 de fevereiro, a APA (Agência Portuguesa

do Ambiente) levantou autos de notícia relativamente a duas situações, a da Centroliva e a da fossa da zona

industrial de Vila Velha de Rodão.

Vai também ser instituído, no âmbito da IGAMAOT (Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e

do Ordenamento do Território), um piquete de emergência, de forma a dar resposta pronta a todas as situações

de denúncia que vão surgindo e que exigem uma resposta imediata para que as amostras sejam recolhidas o

mais cedo possível e possam ser identificados aqueles que são responsáveis pelas emissões poluentes.

Quanto à violência doméstica, está a ser incrementada a formação dos agentes, porque sabemos bem como

a boa articulação entre as CPCJ (Comissão de Proteção de Crianças e Jovens) e a deteção precoce através

dos agentes são absolutamente essenciais para poder valorizar testemunhos e evitar que seja mantida uma

relação relativamente à qual se vem mais tarde a verificar que, muitas vezes, se chega tarde demais, porque

não foram devidamente valorizados, no momento próprio, os sinais de perigo.

Mas sejamos claros: este é o tipo de crime que, mais do que da polícia, exige a mobilização de toda a

sociedade, porque as mais das vezes se pratica dentro de cada uma das casas. É fundamental que as

vizinhanças e a própria consciência familiar não consintam no silenciar, no perdoar, no adiar dos sinais de

violência.

Ainda no ano passado, pude assistir a uma exposição de fotografia que esteve patente em várias zonas do

País, de uma fotógrafa da Visão, creio, que retratava vários casos de homicídio de mulheres e, em todos eles

ou na sua esmagadora maioria, a morte não tinha sido a primeira ocorrência, quase todos tinham tido

complacência prolongada, perdão ou distração por parte de quem não se podia ter distraído.

De facto, temos de intervir no sentido de uma mobilização conjunta da sociedade.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Aquele velho ditado de que «entre marido e mulher não se mete a colher» é um

ditado que, de uma vez por todas, tem de ser banido da nossa vida em sociedade…

Aplausos do PS.

… porque tem sido muito responsável pela cumplicidade coletiva em muitos homicídios, e não podemos

consentir nessa cumplicidade.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para formular perguntas, tem a palavra o Sr. Deputado André Silva, em nome do PN.

O Sr. André Silva (PAN): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, no âmbito do quadro da descentralização

de competências do Estado para as autarquias, o Governo pretende transferir para as CCDR (comissões de

coordenação e desenvolvimento regional) matérias como o ordenamento do território, o ambiente, a proteção

da natureza, a saúde pública ou o bem-estar animal.

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O Governo defende que as CCDR, órgãos sem legitimidade política eleitoral, sejam dirigidas por autarcas

que, por sua vez, vão fiscalizar outros autarcas. Ou seja, para que quem nos esteja a ouvir perceba o que está

em causa, teremos presidentes de câmara a fiscalizarem-se a eles próprios.

Neste modelo, teremos órgãos sem pluralidade política, dirigidos por presidentes de câmara, legitimados

para decidir os destinos dos municípios em matérias como tauromaquia, jogos de fortuna e azar, gestão das

áreas protegidas, proteção animal ou, mesmo, segurança alimentar. Mas, e quem é que os fiscaliza? Eles

mesmos!… E a cereja no topo do bolo é o facto de estes conselhos diretivos não responderem perante o

Governo. De acordo com a proposta que os senhores já agendaram para apreciação no dia 16, o Governo não

terá qualquer tutela ou, sequer, poder de revogação das decisões tomadas.

Com esta municipalização, como é que se garante a aplicação transversal e uniforme da legislação nacional

em todo o território? Como é que se impede que as agendas políticas e os interesses económicos não se

sobreponham sempre a matérias como a saúde pública, a preservação ambiental ou a proteção animal?

Sr. Primeiro-Ministro, vai legitimar um esquema onde a raposa fica a guardar o galinheiro?!

O Sr. Presidente: — Sr. Primeiro-Ministro, para responder, tem a palavra.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado André Silva, perdoar-me-á, mas não o acompanho

nessa sua visão de que os autarcas são a raposa que come as galinhas que estão no galinheiro.

Aplausos de Deputados do PS.

Pelo contrário, a visão que tenho do poder local democrático ao longo destes 40 anos é a de que o País deve

muito aos autarcas um trabalho fundamental, designadamente em matéria de ordenamento do território, em

matéria de saneamento, em matéria de melhoria da qualidade ambiental do território no tratamento dos resíduos

sólidos. Aliás, se houve avanços em matéria de ambiente ao longo destes 40 anos, em Portugal, Portugal deve-

o, sobretudo, aos seus autarcas.

Portanto, confiar naqueles que provaram bem é, simplesmente, dar melhores condições para que possam

fazer ainda melhor.

Convém não confundir as coisas, porque a legislação nacional tem de ser aplicada uniformemente em todo

o País, mas a própria legislação já prevê que haja adequação da sua aplicação diferenciada, designadamente

tendo em conta os usos e costumes de cada terra. Pode ser discutível, mas é a regra que existe, e existe, por

exemplo, em matéria tauromáquica. Mas é bom que assim seja, porque isso permite que, em municípios, como,

por exemplo, o de Viana do Castelo, o Presidente da Câmara Municipal tenha proibido a existência de práticas

tauromáquicas e noutros concelhos, designadamente na região do Ribatejo, pelo contrário, os municípios

estejam associados na Secção dos Municípios com Atividade Taurina, de forma a valorizarem um espetáculo

que entendem ser uma componente cultural importante dessa região.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — E digo isto com todo o à-vontade de não só não ser aficionado como também

não ser apreciador do espetáculo tauromáquico. Porém, a tolerância implica respeitarmos o gosto dos outros

até ao limite daquilo que é tolerável.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Conhece, aliás, bons exemplos — e não vou invocar alguns, porque seria

vitupério fazê-lo em causa própria — de municípios que têm adotado boas práticas, e boas práticas na

transformação de gatis e canis em verdadeiras casas de animais, na difusão da política de adoção ou na

interdição de circos com uso de animais.

O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Primeiro-Ministro.

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O Sr. Primeiro-Ministro: — Há boas práticas que têm estado a ser instaladas no País e devemo-las,

sobretudo, à forma como as autarquias têm sabido gerir o seu território.

Quem fiscaliza o autarca? Ah, isso, é o cidadão!

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Vou já terminar, Sr. Presidente.

Há uma coisa de que não pode ter quaisquer dúvidas, Sr. Deputado: quanto mais próximo está o poder mais

sujeito está ao escrutínio e à fiscalização do cidadão. E, em democracia, é sempre o cidadão que é soberano

no controlo de quem, como nós, exerce o poder em seu nome.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para formular perguntas, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos César, em nome do

Grupo Parlamentar do PS.

O Sr. Carlos César (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, nesta ocasião em que se comemora o

Dia Internacional da Mulher, queria começar por saudar, em nome do Partido Socialista, todas as mulheres

portuguesas e, desde logo, as Sr.as Deputadas e todas as mulheres que, no exercício das mais diversas funções

na Assembleia da República, nos ajudam nos nossos trabalhos e ajudam à qualidade do desempenho

parlamentar.

Aplausos do PS.

Bem sabemos, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, que, em matéria de igualdade, têm sido muitos

os progressos alcançados nos últimos anos, mas sabemos que também há um longo caminho a fazer. Tivemos

avanços significativos na Lei da Paridade; nas questões envolventes da saúde sexual e reprodutiva; nas

questões do combate à violência e ao tráfico de seres humanos; em matérias laborais, da licença de

parentalidade, da conciliação da vida profissional e familiar, do reforço dos abonos de família e de outras

prestações. Bem sabemos também que, neste último ano, foi possível impedir reversões importantes que se

configuravam em matéria de situações como, por exemplo, as da IVG (interrupção voluntária da gravidez).

Avançámos, também, na adoção por casais do mesmo sexo e ainda em aspetos envolventes da procriação

medicamente assistida para todas as mulheres.

Perspetivam-se, também nesta mesma linha de continuidade, uma representação mais equilibrada do género

nos órgãos de gestão das empresas do sector público empresarial e das empresas cotadas em bolsa; o fim de

restrições à Lei da Paridade nas pequenas freguesias e municípios, no âmbito da legislação eleitoral autárquica;

a definição de uma estratégia de educação para a cidadania, em que relevam as questões de igualdade do

género; a regulação das responsabilidades parentais em situação de violência doméstica; o combate à violência

no namoro ou às desigualdades salariais; e outros instrumentos de facilitação da condição da mulher no trabalho,

como, por exemplo, progressos que devíamos fazer no âmbito da substituição de trabalhadoras grávidas ou em

casos de adoção, adotando programas como o programa premiado, no âmbito europeu, designado Berço de

Emprego, que vigora há alguns anos na Região Autónoma dos Açores, permitindo que a entidade patronal possa

proceder a essa substituição sem perda do posto de trabalho originário da mulher.

Queria, por fim, dizer-vos que o Partido Socialista se envolverá nestes processos com sentido de

contemporaneidade, com sentido de responsabilidade e com humanismo, um humanismo que informa quem

não se conforma. É essa a história que queremos para nós, para continuarmos a ser um grande partido das

mulheres portuguesas.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, faço uma brevíssima referência também ao desígnio da

descentralização. Sobre essa matéria queria, Sr. Primeiro-Ministro, apenas dizer que um dia compreender-se-á

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melhor o valor da descentralização efetiva para a unidade e para a eficiência do Estado. Historicamente, aliás,

essa unidade só foi afetada quando recusámos a descentralização e foi sempre reforçada quando a adotámos.

Para já, avançaremos certamente no desejado e, a seu tempo, não deixaremos de avançar para o desejável. O

PS, também neste caso, assume-se como um grande partido da descentralização de agora e da

descentralização do futuro.

Aplausos do PS.

Sr. Primeiro-Ministro, como bem aqui divulgou, os últimos indicadores económicos e sociais, especialmente

relativos ao quarto trimestre, revelam a consolidação de um percurso positivo que temos vindo a fazer. Um

percurso positivo confirmado, apesar, por exemplo, das previsões do Conselho das Finanças Públicas que, em

meados do segundo semestre de 2016, dizia que vários indicadores do PIB (produto interno bruto) estavam em

regressão e que o emprego estaria a diminuir. Provou-se, assim, o oposto às previsões e, sobretudo, provou-se

que o trabalho desenvolvido pelo atual Governo fez com que a nossa economia crescesse, que o nosso

investimento crescesse, que a confiança dos empresários crescesse, que a confiança dos consumidores

crescesse e que o emprego crescesse e que o desemprego diminuísse.

Aplausos do PS.

Esse é um património indiscutível do atual Governo.

O lançamento de vários programas, do programa Qualifica, do programa Estratégia para a Indústria 4.0, do

programa Interface, do programa Capitalizar, e outros, permite, justamente, consolidar e incrementar este

percurso que estamos a fazer.

Em síntese, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro: reduzimos o défice; melhorámos a economia;

melhorámos as exportações; melhorámos o investimento; melhorámos a confiança dos empresários e dos

consumidores; temos mais emprego e diminuímos o desemprego. Nada disto caiu do céu. Tudo isto aconteceu

durante o mandato do Governo, e com a ação do Governo, que a oposição esconjurou.

Aplausos do PS.

Conseguimos melhor e vamos fazer ainda melhor!

Faço uma breve referência, Sr.as e Srs. Deputados, ao processo das offshore, para dizer que aguardaremos

os relatórios e as investigações em curso, designadamente no âmbito da Inspeção-Geral de Finanças. Mas, há

que registar o que, efetivamente, não é tão superficial quanto isso: um Secretário de Estado que começa por

excluir-se de responsabilidade e acaba por culpabilizar-se; um Secretário de Estado que começa por dizer que

tinha dúvidas e acaba por dizer que a transparência beneficia o infrator — afinal, foi mesmo a publicação dessas

transferências que suscitou as discrepâncias de que se fala, em milhares de milhões de euros —; um Secretário

de Estado que diz que só ele é que sabia que não sabia dos movimentos para os offshore e da lei da rolha que

aplicou, mas, afinal, o gabinete do Ministro ou da Ministra das Finanças já sabiam, por comunicação do

Secretário de Estado. Não tarda que se perceba que o que a Ministra das Finanças sabia o Primeiro-Ministro de

então não podia também deixar de saber.

Aplausos do PS.

Esta é a história de um Governo ao qual, de certeza, não faltam outras histórias semelhantes. Mas esta

questão dos offshore demonstrou, sobretudo, que este Governo teve uma opção política, teve uma política fiscal:

a política de perseguição dos cidadãos; a política de perseguição, até concedo, da pequena fraude, deixando

de fora tudo quanto podia ser relevante e todos quantos podiam ser importantes.

Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Deputados, aproveito para usar, aritmética e proporcionalmente, o meu

tempo excedente, que é de 2 minutos e 11 segundos.

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Sr. Primeiro-Ministro, podemos, e devemos, de facto, aproveitar o debate que está previsto, por iniciativa do

CDS, para uma análise mais profunda das questões da supervisão e bem assim, também, na sequência de um

relatório do grupo de trabalho, que o Governo já recebeu.

Gostava, no entanto, numa apreciação final, de lembrar o seguinte: o líder do PSD criticou a esquerda

parlamentar por conviver mal com os reguladores e fazer declarações hostis. Não me admira que defenda a

situação da supervisão e os seus protagonistas, no caso de omissões no seguimento da situação bancária que

se foi degradando ao longo dos anos. É que as falhas da regulação e da supervisão foram, em segunda

instância, também falhas da governação, que é como quem diz falhas dele próprio, do PSD e do Governo que

integrou.

Fala de falta de cultura democrática. Não é falta de cultura democrática reiterar o entendimento de que o

Banco de Portugal não foi suficientemente atento, não agiu atempadamente, tal como o Governo anterior. As

palavras são para usar. Essa foi a realidade e essa realidade não pode ser escondida por nenhuma razão.

Aplausos do PS.

E essa realidade teve como resultado, em muitos casos que agitaram — e agitam, ainda hoje — o nosso

setor financeiro, as piores consequências e prejuízos para milhares de clientes de bancos, para milhares de

famílias desses clientes e, em geral, para os contribuintes portugueses.

Parece que, na sua democracia seletiva,…

Vozes do PSD: — A sério?! Democracia seletiva?!

O Sr. Carlos César (PS): — … o líder do PSD pode dar-se ao luxo de insultar o Primeiro-Ministro, como fez

a propósito dos offshore; de criticar o Presidente da República, como fez quando o Presidente da República

reconheceu os méritos do Governo no desempenho económico;…

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado já ultrapassou o prazo de tolerância proporcional, pelo que lhe peço para

concluir.

Vozes do PSD: — Já ultrapassou o prazo!

O Sr. Carlos César (PS): — … pode desconsiderar o Presidente da Assembleia da República, acusando-o

de parcialidade; e até investe contra os membros do seu anterior Governo, no caso Paulo Núncio, para a lama

não lhe salpicar os pés.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos César (PS): — Termino, Sr. Presidente da Assembleia da República, lembrando o seguinte:

onde estavam esses cuidados, da parte do líder do PSD, quando insultou o Tribunal Constitucional?!

Aplausos do PS.

Quando disse que, caso o Tribunal Constitucional continuasse a decidir assim, deveria haver substituição

dos juízes? Isso é que é falta de cultura democrática!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos César, a reforma feita há 40 anos do Código

Civil — que importa hoje recordar e celebrar — demonstra bem como muitas vezes na vida política a atenção

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se centra em aspetos institucionais, muitos deles, aliás, com uma enorme artificialidade, e poucas vezes dá

atenção àquilo que é essencial na vida e no quotidiano das pessoas.

Sobre a justiça, ao longo destes 40 anos, houve muitos debates bastante apaixonados sobre diversos temas.

Mas, nestes 40 anos, em política de justiça, nada de mais importante foi feito do que a reforma do Código Civil

de 1977.

Aplausos do PS.

Permitam-me, aqui, evocar a memória de um homem, que, aliás, honrou esta Assembleia da República e

prestigiou a vida política portuguesa como seu Presidente, que era, então, Ministro da Justiça, o Dr. António

Almeida Santos, e que presidiu a esta reforma do Código Civil.

Aplausos do PS.

Gostaria de evocar também a Comissão de Reforma presidida por uma notável jurista que, infelizmente, já

nos deixou, a Prof.ª Isabel Maria Magalhães Colaço.

Aplausos do PS.

Contou também, em particular no domínio do direito da família, com o contributo de uma jurista de exceção,

que, felizmente, está ainda entre nós, a Dr.ª Leonor Beleza, a quem devemos grande parte do Código Civil, em

matéria de família.

Aplausos do PS.

Esta é a mais importante reforma feita nos últimos 40 ano na área da justiça, porque foi aquela que mais

profundamente alterou a vida, o dia a dia das pessoas, das famílias, em geral, e, em particular, das mulheres.

É, de facto, isso que justifica e que tem de estar sempre no centro das nossas preocupações: as pessoas.

É por isso que a direita desvaloriza muito aquilo que de fundamental aconteceu no ano passado. Temos

todos boas razões para estar satisfeitos com o facto de termos o melhor défice em 42 anos de democracia e de

podermos ter tido um crescimento superior ao da média europeia. Mas, verdadeiramente, aquilo que de mais

relevante aconteceu no tempo novo, que marcou a nova Legislatura, foram dois factos essenciais. O primeiro

diz respeito ao emprego, com a criação de 118 000 postos de trabalho, em termos líquidos, o que significa que

há mais 118 000 pessoas a trabalhar em Portugal e que não estão no desemprego.

Aplausos do PS.

Mas há, sobretudo, algo de novo que é respirar-se hoje na sociedade portuguesa um novo clima, um clima

de confiança e de tranquilidade.

Quando o INE refere que temos um nível de confiança que atingiu máximos que não alcançávamos desde

2000, por que é que será? Isto acontece, desde logo, porque as famílias deixaram de acordar naquelas tensão

e angústia permanentes de, ao ligar o rádio, não saber se iam ouvir a notícia de que o Governo lhes ia cortar

mais uma vez a pensão ou o salário, ou que a Sr.ª Ministra das Finanças lhes ia aumentar mais uma vez os

impostos sobre o trabalho.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Não se esqueça do que está a dizer!

O Sr. Primeiro-Ministro: — Essa angústia, felizmente, desapareceu da sociedade portuguesa e hoje as

famílias encaram o seu futuro com confiança.

Aplausos do PS.

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É por isso que os jovens hoje não têm dúvidas de que vale a pena investir na sua educação, já que o modelo

de desenvolvimento que temos assenta na qualificação e na inovação, não no empobrecimento ou na

precariedade. Por isso, a mensagem do Governo hoje não é: «Emigrem, se querem futuro». É, pelo contrário:

«Estudem, melhorem as vossas qualificações, porque, assim, podem ter emprego de maior qualidade». Temos

de ter empresas mais inovadoras, que criem emprego de melhor qualidade, para terem mais produtividade e

para termos uma economia mais competitiva.

Aplausos do PS.

É esta mudança de paradigma do modelo de desenvolvimento, é esta mudança da visão de médio prazo

sobre o futuro do País que marcam, de facto, uma fronteira entre o tempo novo, que esta maioria abriu, e o

tempo velho, que encerrou com a velha maioria.

Isso leva a velha maioria a reagir da pior forma, mas aqui, sejamos justos, o PSD reage pior no contexto da

ex-maioria. O CDS ainda faz algum esforço — e hoje, em particular, quero registar isso mesmo — de colocar o

debate em termos de diferenciação política, como é normal, com um diálogo civilizado, correto, não crispado,

mas de confronto de ideias, como é próprio num regime democrático.

A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Não há paciência!

O Sr. Primeiro-Ministro: — Infelizmente, este bom exemplo do CDS não é seguido pelo seu antigo parceiro

de coligação que se empenha, pelo contrário, dia a dia, na degradação artificial do clima político existente em

Portugal, do bom clima de diálogo que existe nesta Assembleia da República, onde, pela primeira vez,.…

Aplausos do PS.

…temos uma maioria não só plural, como serena.

E é tão evidente confrontar a serenidade que se vê nas bancadas de Os Verdes, do Bloco de Esquerda, do

PCP, do PS e até do CDS-PP,…

O Sr. João Galamba (PS): — E do PAN!

O Sr. Primeiro-Ministro: — E do PAN!

Aplausos do PS.

… e a exaltação permanente que existe na bancada do PSD!

É altura de se reconciliarem com a vida e, sobretudo, com o País,…

Vozes do PSD: — Oh!

O Sr. Primeiro-Ministro: — … porque o País anseia pela colaboração e pelo empenho de todos.

É extraordinário ver como a agressividade não é só com o Governo —a mim chamam-me tudo, mas só é

ofendido quem se deixa ofender —, é com o Presidente da Assembleia da República, é até com o Presidente

da República que, para quem, às vezes, ouça a direita falar, até parece que foi o candidato de Os Verdes, do

Bloco de Esquerda, do PCP ou do PS à Presidência da República!

Aplausos do PS.

Há algo de pouco sadio nesta crispação artificial. Bem sei que o PSD tem uma velha tradição de confrontação

e desprezo pelas entidades de controlo e fiscalização.

Risos do PSD.

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Ela remonta aos tempos das forças de bloqueio e continuou, porque todos nos lembramos bem do que é que

o meu antecessor dizia sobre o Tribunal Constitucional durante os quatro anos de guerrilha e confronto

constitucional permanente animados pela anterior maioria.

Aplausos do PS.

E é notável o incómodo que sentem perante a comunicação social livre,…

Protestos do PSD.

…porque sempre que a comunicação social trata de algum tema que é incómodo para a anterior maioria, o

que é que é dito?

O Sr. Filipe Neto Brandão (PS): — Dizem que são plantadas!

O Sr. Primeiro-Ministro: — O que é dito é que essas notícias são plantadas pelo Governo.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Quem manda SMS aos jornalistas é você!

O Sr. Primeiro-Ministro: — Como se a comunicação social não fosse um conjunto de entidades livres e

estivessem a ser sujeitas a esse tipo de influência.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Se calhar sabem bem do que falam!

O Sr. Primeiro-Ministro: — É isso! Se calhar sabem do que é que falam!

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — De facto, aqui também houve uma mudança e todas as bancadas deviam

meditar profundamente sobre o editorial do jornal Público do dia seguinte ao último debate quinzenal pela lição

do que é uma imprensa livre, crítica dos poderes vigentes em Portugal e de todos os poderes que governaram

o nosso País.

A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Devia, devia!

O Sr. Primeiro-Ministro: — É tempo de se habituarem a viver com as entidades fiscalizadoras e de não as

verem sempre como forças de bloqueio,…

A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Gostava de saber a quem é que a carapuça assenta!

O Sr. Primeiro-Ministro: — … porque é na tensão e na confrontação democrática que os países mais

desenvolvidos encontram as melhores condições para o seu desenvolvimento.

O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — É por isso que, no fundo, todos gostamos de viver em democracia, Dr. Passos

Coelho.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Terminamos, assim, o primeiro ponto da nossa ordem de trabalhos.

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Vamos passar ao segundo ponto que consiste no debate, com a participação do Primeiro-Ministro,

preparatório do próximo Conselho Europeu, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei de

Acompanhamento, Apreciação e Pronúncia pela Assembleia da República, no âmbito do processo de

construção europeia.

Para abrir o debate, em nome do Governo, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaria de dizer que

agenda do próximo Conselho Europeu já é conhecida, mas aquilo que marcará definitivamente o debate europeu

dos próximos tempos é o Livro Branco sobre o Futuro da Europa, da Comissão Europeia.

Queria saudar a Comissão Europeia pela iniciativa de ter apresentado um Livro Branco. Bem sei que alguns

gostariam de que o Livro fosse fechado, com uma proposta concreta e não com vários cenários em aberto.

A simples existência, no atual contexto, de um Livro Branco com cinco cenários parece-me particularmente

positiva. Em primeiro lugar, porque é um sinal inequívoco da Comissão Europeia de que não se conforma, nem

se deixa paralisar pelas profundas divisões existentes no Conselho, nem pelo calendário eleitoral que vai marcar

vários Estados-membros ao longo deste ano. Em segundo lugar, porque é uma oportunidade de confrontar todos

os responsáveis políticos, toda a sociedade europeia com diferentes cenários alternativos. Por muito bizarros

que possam parecer, a verdade é que nenhum deles deixa de ter defensores à mesa dos 27 Estados que

pretendem permanecer na União Europeia.

Entendemos que o Livro Branco deve partir do diagnóstico que é feito, que é claro e corajoso, e as respostas

que temos de dar têm de estar à altura deste diagnóstico do qual sublinho, em particular, algo que me parece

muito positivo: pela primeira vez é claramente assumido não só a necessidade de completar a União Económica

e Monetária, mas também de relançar a convergência económica e social como condição da própria

sustentabilidade do euro.

Ora, se este é o diagnóstico, a terapêutica tem de ser consequente e não é possível termos uma evolução

da União Europeia que não tenha a convergência económica, o combate à periferização como uma pedra

fundamental do seu futuro.

Há cerca de 20 anos, quando foi batizado o euro como nome da moeda única, o então Primeiro-Ministro,

António Guterres, teve oportunidade de parafrasear a Bíblia dizendo: «Euro, tu és euro e sobre ti construiremos

o futuro da Europa».

Para nós é claro que, se queremos que o euro seja a base do futuro da Europa, não é possível construir nada

sobre o euro sem previamente o consolidarmos. Para termos um euro consolidado temos de ter uma união

bancária concluída, temos de ter mecanismos de resposta aos choques assimétricos e uma capacidade

orçamental que permita financiar as políticas de convergência. Isso é fundamental para podermos ter uma base

sobre o futuro da Europa.

Os cinco cenários são diferenciados, mas centram-se verdadeiramente em duas perspetivas: uma é a

perspetiva de retrocesso para que a União seja um mero mercado interno que é o cenário dois. Temos uma

segunda perspetiva assente num progresso de mera continuidade, no cenário um, de geometria variável, no

cenário três, e outros cenários de progresso com outro fundamento mais focado, no cenário quatro, e mais

aberto, no cenário cinco.

Como diz a própria Comissão Europeia, nenhum destes cenários é um cenário fechado e o futuro deve,

desejavelmente, permitir combinar o melhor de cada um e evitar o pior que todos têm.

Para nós, é muito claro que o retrocesso é inaceitável. Aquilo de que a Europa precisa, aquilo de que os

cidadãos europeus precisam, aquilo de que a economia europeia precisa não se salva com o retrocesso ao

mero mercado interno.

A simples continuidade é um erro e é um erro perigoso, porque manifestamente fazer mais do mesmo não

nos permite responder aos desafios que carecem de resposta.

A geometria variável pode ser um mal menor, mas é seguramente um caminho perigoso, sobretudo se

assentar em cenários que não são coerentes, permitindo que uns se agrupem em torno do euro, outros em torno

da defesa, outros ainda em torno da segurança interna, sem que haja uma lógica identitária que lhe dê

consistência.

Quanto aos cenários quatro e cinco, obviamente, é preciso ter em conta realisticamente as perspetivas de

evolução. Para nós, é claro, é bom que a Europa se possa focar no essencial e onde apresenta uma mais-valia,

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mas temos de nos entender sobre aquilo que é essencial. Os exemplos dados, a política social, a política de

coesão ou de desenvolvimento regional, são logo três exemplos daquilo de que não podemos prescindir porque

são fundamentais para o futuro da União Europeia.

Por isso, desejaria que nos pudéssemos focar no que é essencial e o que é essencial é podermos ter uma

política social que ajude a União Europeia a contribuir positivamente para regular a globalização e não termos

nem o protecionismo nem o capitalismo desregulado que hoje temos.

Temos de ter uma maior cooperação em política de defesa para fazermos face às ameaças que são externas,

não desvalorizando a componente europeia da NATO e em articulação com ela. Temos de ter mais cooperação

policial e judicial entre os serviços de informações, maior prevenção dos fenómenos de radicalização para

enfrentarmos a ameaça terrorista. Temos de concentrar os nossos esforços para termos um euro sólido, que só

existirá se tivermos uma política de convergência efetiva que assegure estabilidade no conjunto da zona euro.

É por isso que é necessário completar a união bancária, é preciso termos mecanismos de resposta aos

choques assimétricos, é preciso termos uma diminuição dos custos da dívida com a transformação do ESM

(European Stability Mechanism) num verdadeiro fundo monetário europeu.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Necessitamos de ter uma capacidade orçamental própria de forma a podermos

ter mais e melhor investimento que permita retomar a convergência.

Portanto, o que é que temos de fazer? Temos de debater com espírito aberto, temos de reafirmar a nossa

vontade de reforçar a Europa, de não recuar, temos de afirmar a nossa vontade de nos focar no que é

essencial,…

O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — … mas não nos enganarmos sobre o que é essencial e o que é essencial é

termos mais convergência, com mais direitos sociais, com um euro que seja, efetivamente, mais plural para

servir a prosperidade partilhada entre todos os Estados-membros.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Morgado, do PSD.

O Sr. Miguel Morgado (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Ouvindo

a intervenção do Sr. Primeiro-Ministro e olhando para o projeto de conclusões da próxima reunião do Conselho

Europeu, diria que a conclusão — e dado que o Sr. Primeiro-Ministro não deu importância nenhuma à próxima

reunião do Conselho Europeu — é a de que este Conselho Europeu é meramente para cumprir calendário. Aliás,

olhando para o projeto de conclusões apenas vemos repisar ideias e decisões previamente tomadas.

É verdade que há uma alusão à conclusão da união bancária, mas remete para o final de 2017 a examinação

de tudo isto e, se olharmos para o documento de suporte do Conselho Europeu, verificamos que utiliza

exatamente a mesma expressão do projeto de conclusões, apontando, na união bancária, para uma redução e

partilha de riscos do sistema financeiro.

O documento de suporte concretiza e fala mesmo na criação de um mecanismo de garantia de depósitos.

Só que o projeto de conclusões não o menciona, pelo que podemos concluir que estamos perante mais um

retrocesso, como temos visto no último ano.

Posso estar desatualizado, porque o único projeto de conclusões que pude consultar o foi o que veio

referenciado na imprensa europeia. O Governo deve ter-se esquecido de enviar para os partidos o projeto de

conclusões, mas quando se fala no envolvimento dos parlamentos nacionais na discussão europeia estes

pequenos detalhes são importantes e, portanto, apelava ao Governo que compense esta amnésia permanente

e que passe a enviar atempadamente aos partidos o projeto de conclusões do Conselho Europeu.

Ainda sou do tempo em que a grande ameaça que se dizia pairar sobre o futuro da União Europeia era a da

criação de um diretório, um diretório informal. Como o Primeiro-Ministro fez questão de mencionar, o Livro

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Branco e, sobretudo, a reunião que teve lugar esta semana entre os chefes de Estado e de governo — italianos,

franceses, alemão e espanhol —, vista daqui, de Portugal, leva-nos a pensar que o que aconteceu em Versalhes,

se não é a criação de um diretório, é algo muito parecido. E, ironia das ironias, o Primeiro-Ministro anda tão

atarefado a reunir com os países do sul e, veja-se bem, os três maiores países do sul foram a correr juntar-se à

Alemanha para a formação desse diretório.

O que é que disse esse diretório esta semana? Disse que a Europa precisa de caminhar a várias velocidades.

É muito importante perceber o que isto significa.

Admito que esta indefinição tenha até afetado o Governo. Ainda ontem, o Ministro das Finanças dizia que

Portugal rejeitava uma Europa a várias velocidades, e não muitos minutos depois, o Primeiro-Ministro fazia uma

declaração contrária, a dizer que Portugal, afinal, não temia uma Europa a várias velocidades e até queria estar

no pelotão de um projeto desse tipo.

Esta indefinição tem de ser sanada, por uma razão muito simples: uma Europa a duas velocidades, ou a

várias velocidades, já existe. Existe entre os países que pertencem à união monetária e os que não pertencem;

entre os que pertencem ao espaço Schengen e os que não pertencem; entre os que têm e os que não têm

cláusulas de opt-out. Portanto, é preciso saber o que isto traz de novo.

É o apelo a uma utilização mais intensa do mecanismo de cooperação reforçada? Bem, há iniciativas no

contexto da cooperação reforçada, como, por exemplo, a instituição de uma taxa sobre transações financeiras,

que já foi levada a cabo há uns anos e, aparentemente, está parada. É de supor que esta Europa a várias

velocidades seja para ser travada dentro da zona euro? Mas isso seria um desenvolvimento não só indesejável,

mas perigoso, porque levaria à fragmentação e não a uma maior unidade da Europa. Aliás, isso seria a

verdadeira Europa à la carte, e foi esse o título utilizado por alguma imprensa, sobretudo francesa, no rescaldo

da cimeira do tal diretório.

Não nos podemos esquecer que essa seria a posição mais contraditória que a União Europeia poderia ter,

na medida em que, quando o Reino Unido andou a fazer as várias negociações para preparar o referendo sobre

a sua saída ou não da União Europeia, andámos a dizer-lhe que ele não poderia ter uma Europa à la carte. E

agora vem um diretório dizer-nos que, se calhar, é esse o caminho. É preciso definir, com muito cuidado, o que

é que isto quer dizer.

O diretório só foi explícito numa questão, a da defesa, e aqui é preciso acrescentar já que uma união da

defesa que queira substitui-se ao pilar da NATO, desistindo da relação transatlântica, não será uma união de

defesa, mas uma união de fraqueza. Portanto, se for essa a intenção, também teremos de rejeitar esse projeto.

Mas o Sr. Primeiro-Ministro disse que queria estar no pelotão da frente, o que quer que significasse esta

coisa da Europa a várias velocidades. Aliás, essa é a prática da política portuguesa, praticamente desde que

aderimos à CEE, estarmos no pelotão da frente da integração europeia. Portanto, haveria aqui apenas uma

mera continuidade.

Vale a pena dizer que temos de ser muito cautelosos se o desejo de pertencer ao pelotão da frente

representar, para o futuro, colocar o País perante uma escolha falsa e essa escolha falsa é entre o retrocesso

da integração ou a construção de um superestado federal. Quanto a isso temos de dizer já que essa escolha é

falsa.

Voltamos a dizer o que já dissemos na sexta-feira, no debate em que esteve presente o Sr. Ministro dos

Negócios Estrangeiros: «A Europa tem de prosseguir o caminho do justo meio entre o retrocesso e a construção

do superestado federal, um justo meio de integração realista». Sabemos exatamente quais são os problemas

concretos dos europeus, quais são as melhores soluções para os debelar, sabemos quais são as necessidades

amplamente diagnosticadas e discutidas e é para aí que temos de caminhar.

Se, no futuro, a cimeira do diretório vier a revelar-se, afinal de contas e apenas, uma fuga para a frente — é

preciso perceber que uma fuga para a frente é sempre uma fuga —, a imagem que se quis deixar transparecer,

uma imagem salutar de força e confiança, será não de força e de confiança, mas apenas de desconfiança, de

ressentimento e de fraqueza.

Pergunto ao Sr. Primeiro-Ministro se concorda com o PSD nesta visão de todo este problema.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Catarina Martins, do Grupo Parlamentar do Bloco de

Esquerda.

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro: De facto, ninguém leva a sério as

promessas de renascimento da Europa, pois não?

Temos um Livro Branco com cinco cenários que, de facto, foram criados para que todos aceitássemos um

deles. Ou seja, Jean-Claude Juncker pensou muito sobre a situação da Europa, viu que o motor estava avariado

e decidiu que era melhor falar da caixa de velocidades, para não olhar para nenhum dos problemas que

verdadeiramente existem na Europa.

A coisa é de tal forma caricata que depois temos Angela Merkel em eleições, Hollande que vai deixar de ser

primeiro-ministro, um silencioso Rajoy e um primeiro-ministro italiano de passagem, que se juntam e dizem:

«Não, não vamos falar de nenhum dos problemas, o que vamos falar é de velocidades». Velocidades, para

onde?

Tudo isto é de tal forma caricato que, mesmo em Portugal, num dia o Ministro Centeno diz que nunca aceitará

uma Europa a várias velocidades e no dia seguinte o Sr. Primeiro-Ministro diz que quer estar no pelotão da

frente.

A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Mas o Ministro Centeno é sempre assim!

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Estas contradições só são possíveis e ninguém se espanta porque, de facto,

ninguém leva a sério o discurso sobre o renascimento da Europa.

Mas nós, no Bloco de Esquerda, levamos muito a sério este discurso e o que está a ser proposto. Não pelos

cenários que estão em cima da mesa, mas pelo que eles significam, pelo que, na verdade, politicamente está

em cima da mesa. E politicamente, o problema não são os cinco cenários de que nos falam. Politicamente, o

que isto significa é que a Europa prepara-se para acabar com os fundos de coesão, é formalmente o anúncio

da Europa da divergência e também a afirmação de que o único discurso que junta chefes de Estado da Europa,

hoje, é o discurso securitário, ou seja, que a Europa se rendeu ao discurso de Donald Trump. É isso que vai

estar em cima da mesa na cimeira e é isso que é preocupante.

Senão vejamos: quando o centro, dizem-nos, são as questões da segurança e vemos o que querem fazer

na Diretiva de Retorno, no momento em que se deveriam comemorar 60 anos de alguma ideia que alguns, pelo

menos, acreditaram que seria fundadora de uma Europa de paz, uma Europa que deveria ter aprendido com as

guerras, uma Europa que tantos refugiados teve, temos a tristeza imensa de ver que tudo o que faz é juntar-se

para dizer que a Diretiva de Retorno deve ser implementada da forma mais cruel, ou seja, mantendo os

refugiados e refugiadas nos centros de detenção até eles serem repatriados, incluindo crianças, incluindo

menores desacompanhados. Há lá forma mais cruel de a Europa se juntar, depois das décadas em que deveria

ter aprendido com a guerra, do que se juntar para dizer que, afinal, guerra é a palavra que conhece e o que quer

é mandar embora todos os refugiados e refugiadas que fogem da guerra?!

Aplausos do BE.

Temos famílias inteiras em campos de refugiados, menores desacompanhados e a Europa junta-se para

dizer: «Deixem-nos estar em centros de detenção até serem mandados voltar para trás, para a guerra de onde

fugiram, para a fome de onde fugiram».

É a maior vergonha e a maior desintegração de qualquer projeto de paz na Europa, porque a Europa não

estará seguramente em paz se achar que a guerra é o caminho normal de todos os seus vizinhos.

Sr. Primeiro-Ministro, esta Europa a várias velocidades, entendamo-nos, significa que a ideia da

convergência não existe, morreu! Os fundos de coesão vão acabar, é esse o caminho. O que nos estão a dizer

agora é que Portugal cumpre metas de défice impossíveis, não reestrutura a dívida porque a Europa não quer

e ainda quer ficar num pelotão da frente, em que não há fundos de coesão. Onde é que há investimento? Mas

ficamos sempre com as piores partes da Europa?!

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Se há alguma coisa que o euro nos deve ter ensinado é que ficar no pelotão da frente significou para Portugal

empobrecimento, endividamento e privatizações. E quando temos, em cinco cenários, a ausência completa da

expressão «Estado social», devemos perceber que este pelotão da frente não nos serve, seguramente.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — O que o euro nos ensinou até agora é que querer «dar passos maiores do

que a perna» não é avançar mais depressa, é espalharmo-nos ao comprido.

Por isso, Sr. Primeiro-Ministro, pelotão da frente? Europa a várias velocidades? Vamos mesmo entrar no

campeonato do correr para o fundo, quando a Europa corre para o abismo. Queremos mesmo ir à frente?

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares, do Grupo Parlamentar do CDS-PP.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados:

Sr. Primeiro-Ministro, antes de mais, permita-me só que faça uma breve consideração sobre o comentário que

o senhor há pouco fez sobre a comunicação social.

O Primeiro-Ministro que comenta isso sobre a comunicação social é o mesmo que enviava SMS polémicas

a diretores-adjuntos do jornal Expresso?

A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Ora bem!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — O Primeiro-Ministro que hoje fala de editoriais é o mesmo que teve

um editorial dirigido exatamente a si, que tinha como título É a liberdade, António Costa?

Mais uma vez percebemos que para este Governo o problema é sempre o mensageiro. Não é, Sr. Primeiro-

Ministro. O problema, para a bancada do CDS, é quem passa as notícias e quem tenta colocá-las. Não consta

que alguma vez, na bancada do CDS, alguém tenha enviado umSMS a um jornalista a fazer pressão ou uma

ameaça.

Risos do PCP.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Vocês são uns artistas!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Permita-me agora, Sr. Primeiro-Ministro, falar mais concretamente

sobre o Conselho Europeu que vai realizar-se a partir de amanhã. É um Conselho que acontece numa altura

muito delicada para a Europa, confrontado com o fenómeno do Brexit, com uma crise humanitária de refugiados,

à qual a Europa ainda não conseguiu dar resposta, confrontado com um problema muito sério à sua segurança

— temos terrorismo dentro da nossa fronteira —, confrontado com um problema sério da crise do euro, cuja

arquitetura ainda não está fechada e isso está a dificultar, e muito, o crescimento das economias europeias, o

financiamento das economias europeias mas, muito especialmente, da economia portuguesa, e é também a

primeira reunião depois da apresentação do Livro Branco sobre o Futuro da União Europeia.

Quero dizer-lhe, muito claramente, que esta discussão sobre o Livro Branco não pode significar o adiamento

de decisões vitais para Portugal e para a Europa, como, por exemplo, a da conclusão da União Económica e

Monetária, muito especialmente do mecanismo de supervisão dos depósitos, que é fundamental para voltar a

dar confiança à banca e, acima de tudo, permitir que o sistema bancário possa virar-se mais para o

financiamento da nossa economia.

Reconhecemos, certamente, pelo menos, o mérito — até para sermos simpáticos — de este Livro Branco

chamar à colação a discussão entre todos os europeus. Certamente que isso poderá ter o seu mérito, mas não

pode é significar o adiamento, por mais nove meses, de decisões que já estão tomadas e que têm de ser

asseguradas, porque são vitais para o dia a dia dos europeus em Portugal, em Espanha e em todos os países

da Europa.

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Sabemos que a crise da zona euro foi dolorosa e a sua resolução não é nada que possamos dar por definitiva.

Gerou, aliás, uma fratura cultural e política entre o que muitas vezes se designa, de forma simplista, por países

do sul e países do norte da Europa e, acima de tudo, minou a confiança como uma função básica na Europa

entre os Estados-membros.

Por isso mesmo, como alguém há pouco sustentava o que a Europa agora precisa é de alinhar as

expectativas com a realidade, e é nesse equilíbrio que as respostas políticas que precisamos têm de ser

encontradas. Como dizia há pouco, garantir efetivamente as medidas que já estão acordadas, mas que ainda

não estão realizadas: concretizar a União económica e monetária, designadamente o sistema europeu de seguro

de depósitos, que é fundamental para aumentar o financiamento da economia; garantir a troca de informações

entre os serviços de segurança dos Estados-membros; aumentar o prazo e o montante do Plano Juncker;

promover mais iniciativas a nível europeu que possam ajudar os Estados-membros a contrariar as elevadas

taxas de desemprego, especialmente o desemprego jovem e o desemprego de longa duração; ou restaurar o

sistema de Schengen.

Quero, por isso mesmo, Sr. Primeiro-Ministro, fazer-lhe duas perguntas muito focadas. A primeira pergunta

tem a ver com o que está previsto no programa de trabalho da Comissão para 2017, a saber, a iniciativa para a

juventude, conhecida como Iniciativa Emprego Jovem. Gostaria de saber que progressos é que o Governo quer

registar já este ano com a implementação desta iniciativa e se o Governo prevê, de alguma forma, o reforço

deste plano para dinamizar o apoio a desempregados de longa duração.

Depois quero também sinalizar a urgência de reforçarmos as interconexões de gás e de eletricidade, cujo

adiamento continua a ser muito prejudicial para Portugal e para Espanha, mas falo sobretudo do caso português.

Que progressos é que se realizaram desde a última vez que este assunto esteve em cima da mesa do Conselho

e, na lógica do mercado único, o que é que o Governo vai dizer sobre esta matéria no Conselho de amanhã?

A última pergunta, Sr. Primeiro-Ministro, tem a ver com o quadro de segurança de que V. Ex.ª falou. Uma

das matérias que está neste momento em cima da mesa é a execução de um plano concreto sobre segurança

e defesa. E o Presidente Juncker anunciou um Fundo Europeu de Defesa, que seria financiado em cerca de

5500 milhões de euros, cabendo 500 milhões de euros à União e 5000 milhões de euros aos Estados-membros.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Concluo já, Sr. Presidente.

A minha pergunta é a seguinte: qual vai ser o critério adotado para definir o patamar cooperativo entre os

Estados? A Portugal, se o critério for o critério europeu, caberia uma fatia de 60 milhões de euros por ano, o

que, somado ao que nós já contribuímos para a Agência Europeia de Defesa, daria um valor até superior ao

valor com o qual contribuímos para a NATO.

Nesse sentido, pergunto-lhe qual é o critério da participação de cada um dos Estados-membros.

Aplausos do CDS-PP.1

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs.

Deputados: Perante as enormíssimas e crescentes contradições que a União Europeia carrega no seu bojo, o

que é cada vez mais difícil de esconder, o projeto de conclusões do Conselho apresenta a velha insistência nas

mesmas receitas de sempre, cada vez mais em rota de colisão com as necessidades do nosso País e os direitos

do nosso povo.

Este rumo não tem futuro. Podem lançar-se livros brancos e podem fazer-se cimeiras de poderosos para

tentar forçar este caminho, mas não será assim que se resolverão os problemas dos povos. E muito menos com

a manutenção do euro e da União Económica e Monetária que servem os interesses dos países mais poderosos,

mas afundam países como Portugal. E menos ainda com a ideia de uma Europa a várias velocidades e dos

pelotões da frente, que já no passado foram invocados, nomeadamente, a propósito do euro, e que apenas

serviram para que Portugal fosse colocado na linha da frente da liquidação de direitos sociais, do

empobrecimento e do agravamento da dependência externa.

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Nos cinco cenários apresentados pela Comissão, falta um. E esse é o cenário da rotura com uma União

Europeia cada vez mais contrária aos interesses de Portugal, do nosso povo e de todos os povos da Europa. É

o cenário da libertação de Portugal da submissão ao euro e da recuperação da nossa soberania.

É nesse sexto cenário que reside o futuro de uma Europa de paz, cooperação e solidariedade, e não uma

União Europeia de exploração, retrocesso, imposição e guerra.

Veja-se a opção que é feita no projeto de conclusões do Conselho quanto ao que é considerado urgente e

ao que é adiado. Aposta-se no militarismo e na deriva securitária, enquanto os problemas económicos e sociais,

que atingem os países e os povos, são adiados para as calendas. Está lá escrito: corra-se no aumento dos

gastos militares e na operacionalização da chamada «estratégia global militarista» da União Europeia, mas adie-

se para novembro a discussão sobre crescimento e empregos justos.

Quase que poderíamos resumir o projeto de conclusões do Conselho Europeu numa única frase: pouco ou

nada de novo e, no que é novo, mais do mesmo ou pior ainda.

Desde logo, no que toca às questões económicas e sociais, o Conselho Europeu irá aprovar as linhas de

política económica da zona euro e as ditas «recomendações e prioridades para os planos nacionais de

reformas» e para os ditos «programas de estabilidade e convergência», ou seja, a bateria de chantagem e

imposição que bem conhecemos.

O projeto de conclusões repete ainda a ladainha da necessidade das reformas estruturais, do

aprofundamento do mercado único, nomeadamente do mercado único digital, e da finalização da união bancária.

Sobre a união bancária, Sr. Primeiro-Ministro, a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos e a recente

discussão sobre o Governador do Banco de Portugal demonstram bem quais os verdadeiros objetivos por detrás

deste processo de concentração do sistema financeiro no plano europeu e confirmam e necessidade de

recuperarmos a nossa soberania monetária, e também na supervisão bancária, colocando sob controlo nacional

o Banco de Portugal, que está transformado numa sucursal do Banco Central Europeu.

A união bancária não pretende tão-pouco prevenir que sejam os cidadãos a pagar os buracos da banca.

Veja-se a recente proposta da autoridade bancária europeia de criar um veículo financeiro para o crédito

malparado. Além de constatar a falácia que é a união bancária, esta proposta constitui uma nova forma,

complementar à união bancária, de pôr o povo a pagar os desmandos do capital financeiro e os prejuízos da

banca.

Simultaneamente, o Conselho repete a sua profissão de fé nos tratados de livre comércio e saúda a

aprovação do CETA (Comprehensive Economic and Trade Agreement) pelo Parlamento Europeu. Sobre esta

questão, Sr. Primeiro-Ministro, queremos reiterar-lhe a nossa frontal oposição a este acordo, que vai prejudicar

duramente o nosso País em vários sectores económicos nacionais e que é um atentado aos direitos laborais e

sociais dos portugueses. É um desrespeito pela democracia e a soberania nacional dar acordo à entrada em

vigor do CETA, sem o necessário processo de ratificação.

Duas últimas notas sobre o tão falado reforço do Plano Juncker. A primeira é que nem uma palavra sobre o

orçamento da União Europeia, em ano de revisão intercalar; e a segunda é que os fundos europeus se mantêm

no seu mínimo histórico. E as perguntas são inevitáveis: está o Governo de acordo com as regras do Plano

Juncker? Concorda com a subjugação dos parcos recursos da coesão a planos, como o Juncker, orientados

para as PPP (parcerias público-privadas) e para instrumentos financeiros que beneficiam, em primeiro lugar, os

mesmos de sempre? E como é que explica as teses fantasiosas sobre capacidade orçamental da zona euro,

quando o silêncio sobre o orçamento é de chumbo?

O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo e Srs.

Deputados, concluo, dizendo que estas são questões a que o Governo deve dar resposta, mas que não podem

fazer esquecer a questão de fundo, a da construção de uma outra Europa, dos trabalhadores e dos povos, uma

Europa de paz, cooperação e solidariedade.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

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A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, acho que, neste debate,

valeria a pena reafirmar um desafio feito por um colíder de Os Verdes europeus. O desafio era justamente o de

tentar perceber o quanto este Livro Branco poderá entusiasmar os cidadãos dos diversos países da União

Europeia. E parece que a resposta é óbvia: não entusiasma. É que as propostas, os desafios, os cenários nele

colocados estão, de facto, distantes da realidade e dos problemas concretos dos cidadãos.

Acho que, à medida que se vão construindo documentos e, infelizmente, políticas e medidas na União

Europeia, esse fosso se vai agravando cada vez mais.

E quando temos, designadamente, propostas ou cenários que vincam uma componente, já aqui referida, de

militarismo, de defesa, de securitarismo, é evidente que isto não diz nada às pessoas. As pessoas procuram

outras soluções para a sua vida concreta e para a sua vivência social e comunitária. E essas respostas a União

Europeia não tem dado ao longo dos anos, nem está disposta a dar.

Por exemplo, o Sr. Primeiro-Ministro vincou muito a questão da convergência económica e social. Mas como,

Sr. Primeiro-Ministro, se aquilo que a União Europeia tem feito é liquidar a nossa produção nacional, a nossa

capacidade de atividade produtiva, designadamente, sustentável? Mas que cambalhota se vai dar para que seja

diferente? Não, não é essa a solução que é proposta!

De facto, aquilo que a União Europeia fez e as políticas que desenvolveu foram justamente no sentido de

cavar mais o fosso das divergências económicas e sociais entre os diversos países da União Europeia.

Em termos da legislação ambiental, não há dúvida de que se produziu muito ao nível da União Europeia, de

que foram transpostas muitas diretivas para lançar um quadro mais robusto em termos da legislação ambiental,

mas, depois, como dissemos noutros debates, uma coisa é a legislação e outra coisa é a prática. Através dos

fundos europeus e da aplicação dos fundos comunitários, o que se fez foram muitas agressões ao ambiente e

à sustentabilidade do território e da vida das pessoas.

Não há qualquer dúvida sobre isso.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Termino, Sr. Presidente.

Rematando mesmo, e nesta sequência, depois vêm aqueles acordos de livre comércio, como o CETA, por

exemplo, onde se pedem convergências, quando, de facto, aquilo que se propõe são bases de piores salários

e de piores padrões ambientais.

O Sr. Presidente: — Tem mesmo de concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Este não é o rumo certo, Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Vitalino Canas.

O Sr. Vitalino Canas (PS): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs.

Deputados: O projeto de conclusões do Conselho Europeu começa com uma nota de otimismo, sublinhando os

sinais encorajadores das economias dos 28. Os sinais de otimismo não têm sido frequentes nos últimos anos e,

por isso, este merece relevo, não obstante as nuvens negras que pairam sobre os céus europeus, ali para os

lados de França e da Holanda e de outros Estados onde surtos populistas toldam os processos democráticos.

Portugal e o Governo português contribuem, sem dúvida, para esse otimismo, como ficou patente no debate

de hoje de manhã.

Todavia, para que tal otimismo possa assentar, no futuro, em alicerces sólidos, e não em fatores

circunstanciais, há trabalhos a fazer.

O mais basilar é definir um rumo e um horizonte compreensíveis pelos cidadãos e inequívocos para quem

decide. Um rumo e um horizonte que honrem as raízes da União Europeia e os seus princípios.

A Comissão Europeia apresentou o Livro Branco sobre o Futuro da Europa, que pautará o debate nos

próximos meses — saudamos esse Livro Branco. Os cenários apresentados são claros e diferenciados, mas,

muito possivelmente, o desenho final conjugará contributos de vários deles.

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Quem conhece as posições do Partido Socialista não espera outra coisa a não ser a rejeição da simples

manutenção do status quo, sem arrojo nem visão, e do retrocesso para um mercado comum, abandonando os

objetivos da coesão. Manter o satus quo é aceitar uma União Económica e Monetária incompleta, mais propensa

a acentuar as assimetrias do que a atenuá-las ou a suprimi-las.

A União Europeia deve, portanto, avançar.

Não é impossível que haja geometrias variáveis, com quem quiser ir mais longe em certas áreas, como já

sucede com o euro, o espaço Schengen e a política de defesa ou, no futuro, com o Gabinete do Procurador

Público Europeu.

Mas, como o Sr. Primeiro-Ministro já acentuou, essas geometrias variáveis não podem ser a regra e não

podem obedecer a uma simples lógica de diretório ou de exclusão de Estados-membros, só porque são médios

ou pequenos, ou periféricos, ou têm algumas dificuldades.

E essa União Europeia tem de avançar com equilíbrio entre várias dimensões.

Certamente, a diversificação e acentuação das ameaças internas e externas levam a que muitos cidadãos

exijam da União Europeia maior capacidade para os proteger. Quer ao nível da segurança interna, incluindo o

controlo das fronteiras, quer ao nível da defesa e da política externas, a União Europeia deve dar passos

decisivos para assumir maiores responsabilidades.

Todavia, a evolução futura não pode ser no sentido da concentração nessas funções (que, ao nível interno,

designaríamos como as clássicas funções de soberania), como decorre de um dos cenários do Livro Branco,

esquecendo a vocação da União Europeia para promover coesão, prosperidade e crescimento económico.

A essa luz, o Partido Socialista saúda a decisão da extensão do Plano Juncker, a persistência das políticas

de abertura ao exterior, designadamente através de acordos comerciais (e sublinho aqui o acordo do Canadá e

o do MERCOSUL), bem como a reiterada manifestação da intenção de completar a união bancária, de modo a

que os riscos sejam reduzidos e partilhados e a que o sector financeiro possa cumprir adequadamente o seu

papel financiador e dinamizador do investimento produtivo.

Por outro lado, apoiamos o objetivo de repartição mais equitativa dos benefícios do crescimento e de um pilar

de direitos sociais, realçamos a importância da Cimeira Social de novembro deste ano e insistimos na

necessidade do funcionamento de um mercado de energia totalmente interligado.

Uma Europa mais senhora e segura do seu projeto e do seu rumo é também uma Europa mais capaz de

levar estabilidade às suas fronteiras do leste e do sul e de receber condignamente aqueles que nela procuram

refúgio.

Assinalamos com satisfação que Portugal é um dos Estados-membros que cumpre mais rapidamente e com

qualidade as obrigações que assumiu de recolocação de pessoas provenientes da Grécia e de Itália. Do número

de pessoas que nos comprometemos a receber, 25% já estão entre nós, condignamente alojadas.

Porém, esta é uma pequena gota de água num enorme oceano. A situação do Mediterrâneo oriental parece

estável, não deixando de ser sintomático que nem sequer haja referências ao acordo com a Turquia no projeto

de conclusões que conhecemos, embora se saiba que esse acordo está a ser cumprido pelas autoridades desse

país com alguma hesitação, mas o Mediterrâneo central vive situações críticas que exigem grande empenho.

Regozijamo-nos pelo facto de a Presidência maltesa, a primeira de um país do sul da Europa desde o início de

2015, ter potenciado algumas iniciativas que permitem acorrer a questões vitais na relação da União Europeia

com o sul.

Sr. Primeiro-Ministro, deixo uma última palavra para um tema que, porventura, terá desenvolvimentos neste

Conselho Europeu, o tema da designação do presidente do Conselho Europeu.

O Partido Socialista preza a estabilidade, independentemente de posicionamentos político-partidários. Mas,

se não for possível dar esse sinal de estabilidade, é vital que a Europa escolha um estadista para o exercício

das funções de presidente do Conselho Europeu, alguém com peso institucional, internacionalmente

reconhecido, com experiência na condução dos destinos de um Estado-membro e sem aspirações imediatas a

um papel relevante na vida interna do seu país.

Em última análise, Sr. Primeiro-Ministro, é vital que seja sempre, mas sempre, um intérprete empenhado no

projeto europeu e capaz de contribuir para os enormes trabalhos que a Europa tem pela frente.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: — Para encerrar o debate, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro, António Costa.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Vou centrar-me nas questões que me

parecem ser as mais relevantes.

Se não fosse Primeiro-Ministro, provavelmente socorrer-me-ia do mesmo vocabulário que o Sr. Deputado

Miguel Morgado usou na forma como qualificou este Conselho. Por isso, procurei centrar a minha intervenção

naquilo que me parece essencial debatermos hoje, o Livro Branco que a Comissão Europeia pôs em cima da

mesa, convidando toda a opinião pública a debatê-lo.

Em primeiro lugar, queria dizer que considero ser muito importante neste momento que, em diferentes

formatos, os Estados-membros procurem aprofundar o diálogo. Registo, aliás, com muita satisfação que, depois

de termos feito a segunda edição da cimeira dos países do sul, que o PSD tanto desvalorizou, tenha sido

requalificada como diretório uma reunião de quatro Estados-membros, três dos quais participaram precisamente

na cimeira dos países do sul.

Protestos do Deputado do PSD Miguel Morgado.

Percebo, portanto, que os países do sul, ou seja, a França, a Itália e a Espanha, quando vêm a Lisboa são

Estados menores, quando recebem a Sr.ª Merkel em Paris já são um verdadeiro diretório. Está definida a visão

do PSD sobre os relacionamentos entre Estados.

Aplausos do PS.

O Sr. Miguel Morgado (PSD): — Tem é de pensar nas suas próprias palavras!

O Sr. Primeiro-Ministro: — Aquilo que registo como positivo desta reunião é que foi defendida uma

geometria variável mas aberta, tendo vários dos participantes dito expressamente que não visam excluir

ninguém e, designadamente, não visam excluir Portugal. Ainda ontem pudemos ouvir o Ministro da Economia e

das Finanças da França dizer aqui, em Lisboa, que Portugal é muito bem-vindo.

Gostaria de ser claro, repetindo o que disse há pouco: uma Europa de geometria variável pode ser um mal

menor, mas é sempre um perigo. E é um mal menor porque tem um efeito potencialmente dissolvente, que é

tanto mais dissolvente quanto menos coerência essa geometria tenha e haja uns Estados que se agrupam no

euro, outros Estados que se agrupam na segurança e na defesa, outros Estados que se agrupam noutras

matérias. Mas não posso ignorar que, entre os Estados-membros, há hoje Estados que não só não querem

avançar, como querem mesmo recuar, e ou ficamos num bloqueio total ou abrimos uma porta para podermos

avançar. Eu prefiro, obviamente, que haja uma porta em que possamos avançar todos; não podendo avançar

todos, acho que deviam poder avançar aqueles que querem.

Aquilo que eu disse — e utilizei precisamente uma velha expressão cavaquista para ficar claro que não

estava a dizer nada de novo — foi que a estratégia de Portugal tem sido estar no pelotão da frente, estar sempre

naquilo que também podemos designar por núcleo duro, a linha da frente do avanço e do progresso na União

Europeia.

Há quem diga que estamos a correr para o abismo, mas temos é de fugir de correr para o abismo. Recuso-

me a conformar-me com a ideia de que a Europa está condenada e acho que nos devemos empenhar em não

deixar de procurar salvar aquela que foi a criação mais importante que o ser humano produziu à escala global

nos últimos 60 anos e que foi garante de 60 anos de paz e de prosperidade num continente que, durante séculos,

foi dividido pela guerra.

Aplausos do PS.

Não sei, no meu melhor otimismo, se posso ter a certeza, daqui a 10 anos, de que tenhamos tido resultados

a salvar a Europa. Mas uma coisa da qual não tenho dúvidas é que hoje não temos o direito de desistir de tentar

salvar a Europa.

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E o que é que significa salvar a Europa? Significa, de facto, recusar essa Europa da divergência. Por isso,

em todos os cenários, a eliminação dos fundos de coesão e a não inclusão em nenhum deles — ou melhor, num

dos cenários isso prevê-se, efetivamente — da dotação de uma capacidade orçamental própria da zona euro

que permita financiar a convergência é um cenário que não podemos aceitar, mas é incrementar um cenário

que é fundamental para podermos salvar a Europa.

O Sr. Vitalino Canas (PS): — Muito bem!

O Sr. Primeiro-Ministro: — Apostar no Fundo Europeu de Desenvolvimento para África, fazer acordos com

os países que estão na origem dos fenómenos migratórios, contribuindo para a paz, para a democracia e para

o desenvolvimento como condição essencial para atacar na raiz esses fenómenos migratórios, é, sim, uma

política fundamental para a qual precisamos da Europa.

Como é que teríamos uma agenda climática sem a União Europeia? Como é que poderíamos ter um comércio

mundial mais justo se cada país negociasse, individualmente, com as grandes potências? Não teríamos! Temos

de ter uma União Europeia com uma capacidade efetiva de ter uma política comercial que permita, à escala

global, regular a globalização e contribuir para criar condições para termos um mecanismo de comércio

internacional mais justo.

Não confundimos aquelas que são as posições de alguns Estados-membros, e até algumas recomendações

de alguns comissários, com a política de refugiados que queremos defender, que defendemos e que pomos em

prática, e é nessa que, verdadeiramente, temos de nos concentrar.

Portanto, insisto na ideia de que a Europa que queremos deve ser uma Europa o mais ampla possível, uma

Europa o mais participada possível, o mais democraticamente controlada possível, mas também não deve ser

uma Europa que seja uma fuga para a frente, uma Europa que dê um passo maior do que a perna. Por isso,

tenho insistido que não podemos avançar com novas ambições, designadamente na área da defesa, sem

previamente resolvermos o que está por resolver. E o que está por resolver de essencial, o grande elefante que

não podemos fingir que não está dentro da sala, tem mesmo a ver com a União Económica e Monetária e com

a necessidade de convergência, nas suas diferentes vertentes.

Claro que é necessário completar a união bancária e, para completar a união bancária, é necessário,

designadamente, um fundo de garantia comum de depósitos. É evidente que não teremos nunca estabilidade

no conjunto da zona euro se a divergência económica e social continuar a aprofundar-se e se não fizermos o

esforço de diminuir as divergências e retomarmos uma trajetória de convergência, o que implica uma nova

política e uma nova visão. É evidente que, para nós, não há verdadeiramente União Económica sem uma Europa

social, mas a Europa social não só não está morta como dá sinais de vida.

O Parlamento Europeu aprovou recentemente — uma aprovação, aliás, que dividiu o PPE (Partido Popular

Europeu) — um relatório da Deputada Maria João Rodrigues sobre o pilar social da união económica e social.

Vamos ter em novembro, em Gotemburgo, por iniciativa do Governo sueco com o apoio da Comissão, uma

cimeira precisamente sobre a política social.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Para lá do Livro Branco, a Comissão Europeia comprometeu-se a declinar até

junho, num conjunto de documentos sectoriais, áreas sectoriais da maior importância, desde o pilar social àquilo

que deve ser o futuro da União Económica e Monetária e da política de convergência.

Portanto, não passamos um cheque em branco ao Livro Branco, mas participamos de uma forma construtiva,

positiva neste debate. Não renunciamos à partida a tentar salvar a Europa deste caminho que a conduzirá ao

abismo se não fizer as reformas de que necessita para poder voltar a ser um espaço de paz e de prosperidade

partilhada para todos os povos europeus.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Damos, assim, por encerrado o debate preparatório do Conselho Europeu, com a

participação do Sr. Primeiro-Ministro.

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Do terceiro ponto da ordem de trabalhos consta a apreciação do Relatório sobre o Progresso da Igualdade

entre Mulheres e Homens no Trabalho, no Emprego e na Formação Profissional — 2015, juntamente, na

generalidade, com os projetos de lei n.os 214/XIII (1.ª) — Reforça a licença parental inicial até 210 dias, alarga o

período de licença parental em caso de nascimento prematuro e estende a dispensa para amamentação e

aleitação ao acompanhamento à criança até aos três anos de idade, promovendo uma alteração ao Código do

Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro (Os Verdes), 344/XIII (2.ª) — Protege a trabalhadora

grávida, puérpera ou lactante no período experimental, tornando obrigatório parecer prévio da CITE em caso de

denúncia do contrato de trabalho por parte da entidade empregadora (BE), 354/XIII (2.ª) — Reforça a proteção

das trabalhadoras grávidas, puérperas e lactantes e de trabalhadores no gozo de licença parental e procede à

alteração do Código do Trabalho e da Lei do Trabalho em Funções Públicas (PCP), 430/XIII (2.ª) — Aprova

medidas de transparência com vista à eliminação das desigualdades salariais entre homens e mulheres (PSD)

e 431/XIII — Procede à 11.ª alteração à Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que aprova o Código do Trabalho,

flexibilizando a licença parental exclusiva do pai e alargando o gozo da licença parental complementar e da

licença para assistência a filho aos avós (CDS-PP) e com os projetos de resolução n.os 697/XIII (2.ª) —

Recomenda ao Governo que tome medidas para maior valorização da participação das mulheres nas forças e

serviços de segurança (PCP), 701/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo a adoção de medidas com vista à

eliminação das desigualdades salariais entre homens e mulheres (PSD), 702/XIII (2.ª) — Recomenda ao

Governo que desenvolva uma política de incentivos para as empresas que promovam a igualdade de género

(CDS-PP), 703/XIII (2.ª) — Flexibilização dos horários das creches através de acordos de cooperação com a

segurança social, incentivos à sua constituição por parte das empresas e promoção de acordos entre

estabelecimentos de infância e entidades empregadoras (CDS-PP), 704/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo o

aumento de três para cinco ciclos de tratamentos de procriação medicamente assistida, comparticipados pelo

Serviço Nacional de Saúde (CDS-PP), 711/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo o combate à discriminação das

mulheres e a promoção da igualdade de género nas forças de segurança (BE), 713/XIII (2.ª) — Recomenda ao

Governo a adoção de medidas que promovam a transparência das remunerações com vista à eliminação das

desigualdades salariais entre homens e mulheres (PS) e 715/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo a adoção de

medidas de promoção da conciliação entre a vida profissional, familiar e pessoal (PS).

Relativamente a este ponto, queria deixar umas breves palavras de introdução.

Celebra-se hoje mais um Dia Internacional da Mulher, que não é um dia como os outros, muito menos um

tema como os outros. Estamos a falar de uma questão civilizacional, do direito à igualdade, ao reconhecimento,

à emancipação de metade da Humanidade. Claro que avançámos muito em matéria de igualdade desde o 25

de Abril. Mal fora que assim não fosse ao fim de mais de 40 anos de democracia.

Assinalamos hoje mesmo os 40 anos da reforma do Código Civil que estabeleceu a igualdade entre a mulher

e o homem na família, mas nunca podemos dar por adquiridos os direitos conquistados, temos de lhes dar

tradução prática e temos de os defender no espaço público contra as recorrentes dinâmicas do preconceito. Em

matéria de igualdade, uma coisa é a igualdade perante a lei, que é muito importante, outra coisa é a

concretização do espírito da lei na realidade social.

É esse o desafio com que hoje nos confrontamos. Há muito caminho a trilhar no que se refere à igualdade

entre a mulher e o homem, não apenas na família mas também no emprego, nas relações laborais e salariais

ou no acesso a cargos dirigentes, em particular no setor privado.

Temos hoje em discussão um conjunto de matérias muito relevantes para a causa da igualdade, da iniciativa

dos diferentes grupos parlamentares. Julgo que é com este espírito de iniciativa que honramos a causa da

igualdade, uma causa da democracia e dos direitos humanos que honra o Parlamento e os parlamentares.

Vamos, pois, entrar no terceiro ponto da ordem do dia.

Para uma primeira intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Emprego, Miguel Cabrita.

O Sr. Secretário de Estado do Emprego (Miguel Cabrita): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O

Governo apresenta hoje a esta Assembleia um Relatório, ao abrigo da Lei n.º 10/2001, que integra o contributo

de diferentes organismos que, de maneira direta ou indireta, desenvolvem atividade relevante na promoção da

igualdade entre homens e mulheres no emprego e no mercado de trabalho.

Gostaria de dirigir uma palavra especial à CIG (Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género), que

faz agora 40 anos de existência, e à CITE (Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego), em relação

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à qual vale a pena sublinhar a importância de ser um órgão colegial tripartido e de ter como missão precisamente

estas áreas.

Aplausos do PS e do BE.

Reúne-se anualmente neste Relatório um conjunto de indicadores para avaliar os progressos da igualdade

no mercado de trabalho em Portugal. O Relatório em apreciação demonstra que continuamos a ter assimetrias

muito significativas, é certo que com progressos, mas são progressos que ainda revelam insuficiências perante

as quais não podemos cruzar os braços, desde logo na representação nos órgãos de administração de

empresas. De facto, esta proporção tem vindo a aumentar, de 4% em 2003 para 13% em 2015. É um avanço

relevante, mas, com uma base de partida quase residual, estamos ainda muito longe de ter um equilíbrio. É

também esse o caso da desigualdade salarial. Apesar das mudanças, as mulheres continuam a ter salários

médios inferiores aos dos homens, um padrão que não pode deixar de nos preocupar.

Matérias como a igualdade e a não discriminação são questões que, juridicamente, quer em termos nacionais

quer em termos internacionais, há muito que estão resolvidas, mas as disparidades, na prática, continuam a

existir. Verificamos que a remuneração média mensal base no setor privado diminuiu ligeiramente de 2013 para

2014, mas que se manteve inalterada em 2015, segundo dados publicados já depois deste Relatório, não tendo

havido, pois, progressão.

Mais: quando olhamos para 2014, percebemos que a diminuição das desigualdades esteve relacionada com

o facto de o ajustamento salarial em baixa ter incidido com mais acuidade nos homens. Os salários dos homens

diminuíram 0,9% em 2014, enquanto os das mulheres sofreram uma diminuição de 0,5%. Os salários foram

menos desiguais, mas mais baixos para todos e para todas.

Mais ainda: quando olhamos para os dados do Eurostat, Portugal revela um aumento dos padrões de

desigualdade de género nas empresas com 10 ou mais trabalhadores, uma tendência diversa daquela que

encontramos ao nível europeu.

Sabemos que o tecido empresarial português é constituído sobretudo por microempresas que têm níveis

salariais mais baixos e também uma maior incidência de trabalhadores com o salário mínimo. É por isso que o

aumento do salário mínimo é uma aposta importante para que a igualdade se promova, não na redução de

salários, mas no aumento dos salários, em particular dos mais baixos, porque a proporção de mulheres

abrangidas pelo salário mínimo é muito superior à dos homens e o aumento do salário mínimo promove a

igualdade da elevação de níveis salariais logo pela base.

Por outro lado, temos ainda questões relevantes de disparidades e de segregação profissional em diferentes

setores. Há, ainda, um significativo desequilíbrio que viola os valores da meritocracia e da equidade, centrais

nas sociedades democráticas.

Precisamos de corrigir estes desequilíbrios através de uma estratégia global, desde logo com maior equidade

nos percursos de educação e de formação, porque a segregação profissional só pode ser combatida a partir da

base, desde logo a partir de um trabalho cultural e de sensibilização. Mas também temos de ter instrumentos

concretos e, pelas razões já expostas, o Governo está a dar passos significativos nestas matérias. O aumento

do salário mínimo é absolutamente um fator chave neste trajeto, com os aumentos de 2016 e de 2017, de 5%

em cada ano, a concorrer para mitigar o gap salarial desde a base.

Aplausos da Deputada do PS Sónia Fertuzinhos.

Mas não é apenas na base salarial que temos de falar, temos também de falar no topo das decisões, e é por

isso que o Governo aprovou, recentemente, um regime de representação mais equilibrada de homens e de

mulheres no topo das decisões empresariais, quer seja no setor empresarial do Estado, quer seja nas empresas

cotadas em bolsa.

Esperamos que o Relatório que hoje aqui apresentamos seja uma base importante, uma base útil —

esperamos! — para os debates sobre a igualdade entre homens e mulheres, e queremos melhorá-lo no futuro

de modo a incluir mais e melhor informação que sustente também melhores tomadas de decisão de todos os

atores políticos.

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Aplausos do PS.

Entretanto, assumiu a presidência o Vice-Presidente José de Matos Correia.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, do Partido

Ecologista «Os Verdes».

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.ª e Sr. Secretários de Estado, Sr.as e Srs.

Deputados: Este Relatório sobre o Progresso da Igualdade entre Mulheres e Homens no Trabalho, no Emprego

e na Formação Profissional — 2015 vem demonstrar que no Dia Internacional da Mulher, no ano de 2017, ainda

precisamos muito de discutir as matérias da igualdade e da não discriminação das mulheres.

De facto, elas são ou continuam a ser as maiores vítimas do desemprego, as maiores vítimas da

precariedade, as maiores vítimas dos baixos salários e, em relação a estes, é notória ainda a profunda

desigualdade, para trabalho igual, dos salários entre as mulheres e os homens.

Não há dúvida também que no mundo do trabalho as mulheres são ainda profundamente discriminadas em

função da maternidade, e essa é uma questão absolutamente inconcebível para o Partido Ecologista «Os

Verdes».

Nesse sentido, Os Verdes entenderam assinalar este Dia Internacional da Mulher com a apresentação de

várias iniciativas legislativas, algumas sobre a violência doméstica, que julgo ser uma matéria relativamente à

qual devemos continuar a intervir intensamente, quer ao nível legislativo, quer ao nível administrativo e da

resposta no terreno.

Os Verdes entenderam também juntar a este pacote de propostas que hoje, aqui, são discutidas um diploma

concreto para procurar contribuir para a erradicação da discriminação das mulheres no trabalho em função da

maternidade, justamente numa lógica de promoção de uma maior igualdade entre a mãe e o pai no

acompanhamento das crianças

Nesse sentido, aquilo que Os Verdes propõem é que a licença parental inicial passe para 180 dias, a gozar

pela mãe, garantindo condições para que esta possa amamentar o seu filho durante os primeiros seis meses de

vida.

A Organização Mundial de Saúde aconselha a que, se possível, a alimentação das crianças nos primeiros

seis meses de vida seja feita exclusivamente à base da amamentação, com benefícios evidentes ao nível da

saúde da criança e da mãe. O Estado tem, pois, a obrigação de garantir que a nossa sociedade se organiza,

designadamente ao nível laboral, de modo a permitir essa prerrogativa.

Propomos ainda o alargamento da licença parental gozada pelo pai para 60 dias, 30 dos quais imediatamente

após o nascimento, de modo a envolver ambos os progenitores, de uma forma mais presente, no período que

se segue ao nascimento do filho.

Neste projeto de lei que hoje apresentamos, Os Verdes propõem também que, em caso de nascimento

prematuro, a licença parental seja alargada aos dias de internamento do filho, contando, para efeitos práticos, a

partir do momento em que o bebé tem alta. Julgamos que os bebés prematuros requerem um acompanhamento

muito particular que não pode ser descurado e que requer uma presença forte de ambos os progenitores.

Por fim, o Partido Ecologista «Os Verdes» propõe que a dispensa de duas horas de trabalho, em regra,

atualmente prevista apenas para efeitos de amamentação ou aleitamento seja alargada ao acompanhamento à

criança, independentemente de esta estar a ser amamentada ou aleitada.

A Ordem dos Médicos tem alertado para esta questão, tendo inclusivamente lançado uma petição pública, e

denunciado a forma manifestamente indigna como certas trabalhadoras foram obrigadas a provar que estavam

a amamentar, por via de expressão mamária ou de análises bioquímicas.

A amamentação deve, sempre que possível, ser prolongada para além dos seis meses, já com a introdução

de outros alimentos. Mas, independentemente dessa questão, o acompanhamento da criança até aos três anos,

de uma forma mais presente, por parte de ambos os progenitores, é fundamental para o seu bem-estar e, em

bom rigor, também para o relacionamento mais saudável entre os pais e a crianças.

E, mais do que isso, quando as famílias têm melhores condições de presença entre os seus membros, geram-

se melhores condições emocionais, que rapidamente se repercutem numa melhor produtividade no trabalho.

Todos ficam, portanto, a ganhar com a proposta que Os Verdes hoje apresentam à Assembleia da República e

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que tem em conta, como referi, os saberes transmitidos pela Organização Mundial de Saúde e pela Ordem dos

Médicos.

As crianças, os progenitores, as entidades empregadoras e, consequentemente, a sociedade em geral,

ficarão a ganhar no caso de esta proposta ser aprovada. Esperamos, portanto, que haja concordância de todos

os grupos parlamentares nesse sentido.

Sr.as e Srs. Deputados, temos uma grande responsabilidade para que as mulheres, em pleno século XXI,

não sejam discriminadas no trabalho em função das matérias da maternidade.

Aplausos do BE e do PCP.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Em nome do Bloco de Esquerda, tem agora a palavra a Sr.ª

Deputada Sandra Cunha, para intervir.

A Sr.ª Sandra Cunha (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.as Deputadas, Srs. Membros do Governo:

Celebramos hoje, aqui, o Dia Internacional das Mulheres, naquilo que este dia significa em termos de conquistas

e avanços alcançados na promoção dos direitos das mulheres e da igualdade de género, mas também no que

respeita ao que ainda nos falta fazer, ao caminho que ainda nos falta percorrer.

Esse caminho é mais ou menos longo e mais ou menos sinuoso consoante o país, a cultura, o apoio social

ou o regime político onde esta luta se concretiza. E, por isso, importa lembrar que a luta das mulheres é, e tem

de ser, internacional.

Não podemos aceitar que os direitos mais fundamentais das mulheres sejam uma questão de sorte — sorte

com o país onde se nasce, com a cultura, com a religião ou com a família.

A nossa tem de ser a luta de todas as mulheres: trabalhadoras, desempregadas, imigrantes, refugiadas,

casadas, solteiras, mães, inférteis, escolarizadas, analfabetas, muçulmanas, católicas, judaicas, ateias,

lésbicas, transsexuais. Toda e qualquer mulher, em qualquer parte do mundo, exige o nosso maior empenho e

a nossa mais profunda solidariedade.

Em Portugal, são conhecidos por todos e por todas nós os avanços alcançados nesta luta, bem como aquilo

que falta fazer. Esta análise está plasmada nos vários relatórios, pareceres e estudos sobre esta matéria.

A violência doméstica e a violência no namoro, a tragédia dos femícidios, as diferenças salariais e as

dificuldades no acesso aos cargos de liderança e tomada de decisão, a participação política, a conciliação entre

trabalho e família, a partilha das tarefas domésticas, a discriminação quotidiana, o paternalismo, a

condescendência, os estereótipos de género, sabemos bem onde temos de trabalhar e como. Prova disso são

os projetos que hoje estão aqui em discussão.

Esta responsabilidade que recai sobre nós, a responsabilidade de garantir direitos e de garantir a igualdade

entre cidadãos e cidadãs, é das maiores responsabilidades que alguém pode ter.

Não podemos desprezar a responsabilidade que recai sobre nós enquanto Deputados e Deputadas mas

também enquanto homens e mulheres, enquanto cidadãos e cidadãs, que é a responsabilidade de transferir a

igualdade da lei para a vida. E uma das maiores dificuldades que este desígnio enfrenta é a discriminação

internalizada, aquela que naturaliza e normaliza o paternalismo, o machismo, a condescendência, que considera

normal e natural que as mulheres tenham de provar, a todo o momento, o quanto valem ou que valem o mesmo

do que os homens para legitimar o acesso aos direitos e ao tratamento que a estes é garantido à partida, que

rejeita a existência de obstáculos, barreiras e discriminações várias.

E porque esta é uma realidade mais passível de acontecer nos espaços com estruturas mais hierarquizadas

e com um funcionamento mais rígido e que, durante muitos anos, foram território exclusivo dos homens, o Bloco

de Esquerda traz hoje aqui um projeto que pretende aprofundar o combate à discriminação das mulheres e a

promoção da igualdade de género nas forças e serviços de segurança.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Sandra Cunha (BE): — Falta consciencialização sobre o papel e a relevância do trabalho das mulheres

nestas forças e nestes serviços de segurança, falta adequação das instalações e equipamentos ao exercício

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das funções destas profissionais, falta o cumprimento cabal dos direitos destas mulheres, nomeadamente no

que respeita aos direitos de maternidade. É responder a estas faltas que se exige.

Srs. Deputados, Sr.as Deputadas, por último, partilho convosco o desejo de que um dia o 8 de março seja

celebrado apenas pelo seu simbolismo histórico e não para marcar aquilo que ainda falta fazer para uma plena

igualdade de género.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para uma intervenção, em nome do PCP, tem a palavra a Sr.ª

Deputada Rita Rato.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Dia Internacional da Mulher foi

comemorado pela primeira vez em 1911, unindo mulheres de todo o mundo na luta por salário igual para trabalho

igual, pelas 8 horas de trabalho e pelo direito ao voto. Proposto por Clara Zetkin, em 1910, na II Conferência de

Mulheres em Copenhaga, abriu um caminho novo da luta das mulheres por mais direitos sociais e políticos.

Passados 106 anos, e porque as discriminações continuam a fazer parte do dia a dia das mulheres, é urgente

garantir medidas de combate efetivo à discriminação e de defesa da igualdade entre mulheres e homens no

trabalho, na sociedade e na família.

No nosso País, a Revolução de Abril inaugurou um tempo de direitos sociais e políticos das mulheres que

são parte integrante de um caminho de progresso conquistado com a corajosa luta de mulheres e homens.

Contudo, em 2017, a igualdade na lei ainda não é a igualdade na vida da maioria das mulheres. Em 2017,

ainda há quem entenda que as mulheres são seres menores. Ainda na semana passada, um Eurodeputado

polaco defendeu abertamente que as mulheres devem ter salários mais baixos porque são seres inferiores —

lamentável!

Em Portugal, as diferenças salariais entre mulheres e homens continuam a situar-se entre os 20% e os 30%,

aumentando quanto mais qualificadas forem as mulheres. Persistem as discriminações em função da

maternidade e as mulheres continuam a estar na linha da frente das múltiplas formas de violência.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nos últimos anos, a realidade nos locais de trabalho conheceu uma

desumanização acelerada, marcada pela desregulamentação e pelo aumento dos horários de trabalho, pela

instabilidade e pela imprevisibilidade na organização dos tempos de trabalho.

O Relatório sobre o Progresso da Igualdade entre Mulheres e Homens no Trabalho — 2015 é bem expressivo

desta realidade. As matérias expostas com maior expressão à Comissão para a Igualdade no Trabalho e no

Emprego (CITE) são relativas a horários e articulação da vida familiar e profissional, sendo que 71% dos utentes

são mulheres.

O Relatório revela indicadores importantes, mas, na verdade, a violação dos direitos de maternidade e de

paternidade, por parte das entidades patronais, é, seguramente, uma realidade bem mais grave do que aquela

que é possível identificar a partir das queixas à CITE e do respetivo tratamento estatístico dos dados neste

Relatório.

No nosso País, em pleno século XXI, o atual quadro legal reconhece a formalidade dos direitos de

maternidade e paternidade, mas a prática diária nas empresas e locais de trabalho nega, limita e obstaculiza o

seu cumprimento.

Persistem, por parte das entidades patronais, pressões diretas e indiretas às mulheres em sede de

entrevistas de emprego, questionando a existência de filhos e a sua idade.

Persistem, também, situações de jovens que são discriminadas no acesso ao primeiro emprego porque

decidiram engravidar; crescentes pressões económicas e laborais para as trabalhadoras não gozarem a licença

de maternidade na totalidade e redução do horário para aleitamento e amamentação e trabalhadoras em

situação precária a quem não é reconhecido o direito à licença de maternidade.

Sr. Presidente, Sr. Deputados, o direito das mulheres ao trabalho com direitos e o direito a ser mãe, sem

quaisquer penalizações, são parte integrante das conquistas da Revolução de Abril e condição para um País

mais justo e democrático.

Com as propostas do PCP, hoje em discussão, queremos reforçar a proteção das trabalhadoras grávidas,

puérperas e lactantes e de trabalhadores propondo, por isso, a obrigatoriedade do pedido de parecer prévio à

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CITE em caso de despedimento e não renovação de contrato; a consideração da ilicitude de despedimento

aquele que é feito sem esse pedido de parecer prévio; a consideração como vinculativo do parecer da CITE,

quer em caso de despedimento, quer nos casos de não renovação de contrato a termo; e o alargamento no

Código do Trabalho e na Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas das situações de denúncia do contrato

durante o período experimental.

Apresentamos, também, propostas específicas de combate às discriminações e valorização da participação

das mulheres nas forças e serviços de segurança.

A participação das mulheres nas forças e serviços de segurança, nomeadamente na PSP, na GNR, no Corpo

da Guarda Prisional, no SEF, na PJ ou na Polícia Marítima é da maior importância para o País pela capacidade

e competência que têm demonstrado no exercício das suas funções.

Apesar de todo o caminho feito, existem, ainda, muitos preconceitos e discriminações a combater, bem como

medidas concretas de adequação de meios e instalações.

O PCP orgulha-se de ser pioneiro nestas matérias e nestas iniciativas e congratulamo-nos, por isso, que

outros partidos queiram acompanhar esta vontade de mudança política do PCP.

Propomos, por isso, a promoção de campanhas de informação sobre a valorização do papel das mulheres

nas forças e serviços de segurança; a realização dos investimentos necessários para que as instalações e

equipamentos sejam adequados a ambos os sexos; as alterações no fardamento e equipamento de proteção,

de forma a rapidamente melhorar as condições de trabalho; assegurar o cabal cumprimento dos direitos de

maternidade das profissionais.

Sr. Presidente, Sr. Deputados, hoje é um dia para assinalar a razão da luta de todos os dias, luta feita por

mulheres e homens que não desistem de lutar pela sua dignidade, porque a luta emancipadora das mulheres é

inseparável da luta por uma sociedade mais justa e avançada, porque esta é uma luta pela dignidade e pela

democracia e não pode parar.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de Deputados do PS.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Em nome do Grupo Parlamentar PSD, tem a palavra a Sr.ª

Deputada Ângela Guerra para uma intervenção.

A Sr.ª Ângela Guerra (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Dos dados constantes do Relatório,

que agora debatemos, sobre o Progresso da Igualdade de Oportunidades entre Mulheres e Homens no

Trabalho, no Emprego e na Formação Profissional referente ao ano 2015, permitam-me destacar, primeiro, que

se verifica a manutenção de uma elevada taxa de participação feminina no mercado de trabalho; segundo, que,

entre 2011 e 2015, se observou um crescimento do peso das mulheres na população empregada; terceiro, que

a taxa de mulheres empregadas, com mais de 20 anos e com frequência académica de ensino superior cresceu

num ritmo maior do que a dos homens, fixando-se em 2015 em 60,6%.

Contudo, a diferença salarial entre homens e mulheres é um problema que persiste e resiste, tendo-se

situado, segundo dados deste Relatório, em 16,7%, o que, no entender do Grupo Parlamentar do PSD, não se

pode tolerar. Razão pela qual apresentámos na passada sexta-feira, e hoje debatemos, duas iniciativas que

visam o combate a esta desigualdade que todos os dias nos demonstra inequivocamente a ineficácia do quadro

jurídico vigente.

O princípio da igualdade salarial por trabalho igual e de valor igual constitui uma das prioridades inscritas nos

diversos instrumentos internacionais e está plasmada na nossa Constituição e no Código do Trabalho. Porém,

casos flagrantes, designadamente na vertente da discriminação indireta, entram todos os dias pelos nossos

olhos como uma realidade injusta e persistente. Ainda que a situação em Portugal não seja das mais graves da

União Europeia, isso não nos deve consentir num Estado com formação.

Em nosso entender, o tema exige por parte do Governo uma ação enérgica que intensifique a redução das

desigualdades salariais entre mulheres e homens e assim, em sede do projeto de resolução, o PSD apresentou

e elencou sete recomendações ao Governo, de entre as quais destaco as seguintes:

Primeiro, que torne imperativo para as médias e grandes empresas privadas a elaboração de uma análise

quantitativa e qualitativa das diferenças salariais entre homens e mulheres e, na sequência desse diagnóstico,

a elaboração de uma estratégia para a correção de eventuais diferenças injustificadas.

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Segundo, que proceda à elaboração de um novo relatório sobre diferenças salariais por ramos de atividade,

que proceda à atualização dos dados constantes do primeiro relatório.

Terceiro, que promova a publicação no site da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego da

listagem das empresas que pratiquem desigualdades salariais sem justificação objetiva.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, por outro lado, apresentamos, igualmente, um projeto de lei que

consagra, através de várias alterações ao Código do Trabalho, medidas inovadoras, transparentes e com o

objetivo de combater as desigualdades salariais entre homens e mulheres. A existência de estruturas de

retribuição complexas e a falta de informação disponível sobre os níveis de retribuição dos trabalhadores e das

trabalhadoras que executam trabalho igual ou de valor igual constituem importantes fatores que alinham na

persistência de desigualdades salariais entre mulheres e homens.

Assim, e no seguimento de decisões quer do Parlamento Europeu, quer da Comissão Europeia, que instam

os Estados-membros a, e cito, «exigirem aos empregadores que adotem uma política de transparência

relativamente à composição e estruturas dos salários, incluindo pagamentos extraordinários, bonificações e

outros benefícios que constituem a definição de retribuição.»

Neste mesmo sentido, o Grupo Parlamentar do PSD propõe as seguintes medidas: primeiro, que, nas médias

e grandes empresas, o empregador deve disponibilizar, sempre que tal seja solicitado por entidades públicas

competentes em matéria de relações laborais ou representativas dos trabalhadores, a informação não

nominativa sobre o montante da retribuição por categoria profissional desagregada por sexo, enumerando a

retribuição base, as prestações complementares fixas e variáveis, em dinheiro ou em espécie, bem como,

independentemente da sua natureza retributiva, gratificações, prestações extraordinárias e prémios, passando

a constituir contraordenação grave o incumprimento desta medida por parte dos empregadores.

Propomos, igualmente, a realização periódica de auditorias relativas ao sistema remuneratório. Assim, nas

média e grandes empresas um empregador deverá promover auditorias de três em três anos que analisem a

percentagem de homens e mulheres em cada categoria profissional, o sistema de avaliação e classificação

profissionais utilizado e informações pormenorizadas sobre as retribuições e desigualdades salariais em razão

do sexo. O resultado destas auditorias deve ser disponibilizado, a pedido, às entidades representativas dos

trabalhadores e aos parceiros sociais, salvaguardando sempre a proteção dos dados pessoais.

Por último, propomos uma clarificação dos conteúdos das convenções coletivas, especificando-se que estes

instrumentos deverão incluir medidas que visem a efetiva aplicação do princípio da igualdade e não

discriminação, designadamente prevenindo desigualdades salariais na retribuição de mulheres e homens.

Para lá das comemorações do dia 8 de março, há ainda um imenso trabalho para fazer e um longo caminho

para percorrer, mas, porventura, a mais importante tarefa é que culturalmente se ponham em prática e assumam

as leis que já existem e que continuarão a fazer, em nome do equilíbrio de género e pela universalização dos

direitos de cada uma e de todas as mulheres.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Em nome do Grupo Parlamentar do CDS-PP, tem a palavra a

Sr.ª Deputada Vânia Dias da Silva para uma intervenção.

A Sr.ª Vânia Dias da Silva (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados:

Celebramos hoje mais um Dia Internacional da Mulher, o 40.º desde que foi consagrado como tal pelas Nações

Unidas, mas com uma história já centenária, embora algumas vezes — vezes demais — interrompida.

De assinalar, igualmente, um marco decisivo em Portugal — a alteração do Código Civil, também há 40 anos

—, consagrando a plena igualdade entre mulheres e homens na vida familiar, de que gostava de destacar o

enterro do conceito de chefe de família.

E era já hora de gritarmos vitória, de, finalmente, podermos dizer que as sociedades ocidentais tinham

atingido, em matéria de igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, o estádio absoluto e perfeito de

civilização. Mas não! A realidade teima em desmentir este desejo, um desejo que, felizmente, é de todos mas

para o qual ainda todos precisamos muito de trabalhar.

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Apesar dos muitos progressos feitos ao longo dos últimos anos, a igualdade de oportunidades entre mulheres

e homens está ainda longe do aceitável e mais ainda do ideal e desejável, especialmente no que toca ao plano

laboral e ao mundo do trabalho.

Basta percorrermos brevemente o Relatório sobre o Progresso da Igualdade entre Mulheres e Homens no

Trabalho, no Emprego e na Formação Profissional para percebermos, por exemplo, que aceder a cargos de

administração de topo — não obstante as qualificações académicas das mulheres serem cada vez mais

elevadas — é ainda uma utopia, ou que a proporção entre mulheres e homens nos conselhos de administração

continua muito dispare. Muito embora tenha sofrido uma variação positiva, ela é, de facto, pouco significativa,

aliás, por junto, não chegamos sequer a um quarto de mulheres em todos os conselhos de administração de

empresas portuguesas, ou, ainda, que os salários continuam com uma média muitos desfavorável às mulheres

— os homens ganham mais cerca de 150 € mensais do que as mulheres. Sem esquecer, também, a conciliação

da vida profissional com a vida familiar, em que os homens ascendem ao dobro das horas de trabalho

remunerado quando, entre trabalho remunerado e não remunerado, as mulheres trabalham muito mais horas

do que os homens.

E isto não são ideias feitas ou pré-concebidas de uns quantos radicais ou fundamentalistas, são dados que

decorrem de números e de estatísticas fidedignas, que nos cabe, especialmente a nós, contrariar e procurar

corrigir.

Por isso mesmo, mais do que proibir ou impor, entende o CDS que a igualdade de oportunidades entre

mulheres e homens deve ser trabalhada de forma construtiva, com propostas concretas, que, além de apontarem

um caminho e de introduzirem pequenas mas reveladoras alterações, promovam a sensibilização e a mudança

de mentalidades.

Daí que, à cabeça, o CDS proponha uma alteração ao Código do Trabalho no sentido de, por um lado,

flexibilizar a licença parental exclusiva do pai e de, por outro lado, alargar o gozo da licença parental

complementar da licença para assistência a filhos aos avós.

É sabido que, senão a pedra de toque, uma das chaves da promoção da igualdade de oportunidades entre

mulheres e homens no trabalho é a conciliação familiar com a vida profissional, já que uma das razões mais

invocadas para justificar tal desigualdade está exatamente nisso — na dificuldade de as mulheres conciliarem o

seu sucesso e enriquecimento profissionais com a sua vida familiar.

Há, de resto, estudos que concluem que a partilha da licença parental pode ajudar a reduzir a discriminação

contra mulheres no local de trabalho e, particularmente, na contratação, pois, quanto mais flexibilidade existir

entre o gozo pelos homens e pelas mulheres, menos relutantes serão os empregadores em contratar mulheres

em idade fértil.

Propomos, assim, aumentar os dias de licença parental, exclusivos e obrigatórios do pai, de 15 dias úteis

para 30 dias, e permitir que possam ser gozados durante as 6 semanas de licença obrigatória da mãe,

imediatamente após o nascimento e não apenas nos primeiros 30 dias, como atualmente. Propomos também

alterar os dias obrigatórios a que o pai tem direito depois do nascimento, passando de 5 para 7 dias.

Além disso, e numa perspetiva totalmente voluntária, entendemos que deve também ser possível alargar aos

avós o direito de gozo da licença parental complementar e da licença para assistência a filho, permitindo aos

pais maior flexibilidade na gestão da sua carreira profissional e, não menos importante, o convívio dos mais

velhos com os mais novos.

Acresce a flexibilização dos horários das creches. A vida moderna nem sempre permite aos avós ajudarem

os pais a tomar conta, a educar e a acompanhar os filhos, pelo que é preciso adequar os horários das creches

às necessidades efetivas e reais das famílias, especialmente aos pais que trabalham aos fins de semana, por

turnos ou em horário noturno.

Razão por que o CDS sugere que se adeque o modelo de financiamento das creches sem fins lucrativos, de

forma a incentivar o estabelecimento de horários flexíveis e alargados em função dos horários de trabalho das

entidades empregadoras, a par da possibilidade de as empresas poderem constituir instituições particulares de

solidariedade social e da celebração de acordos entre estabelecimentos de infância e entidades empregadoras.

De resto, é facto assente que as mulheres adiam cada vez mais a decisão da maternidade, sobretudo por

causa do exigente e competitivo mundo laboral, em que as mulheres têm de dar mais para terem, pelo menos,

o mesmo. Entre o sucesso na profissão e a maternidade, muitas são forçadas a escolher a primeira em

detrimento da segunda, às vezes de forma irremediável.

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Por isso mesmo, outra medida que entendemos dever ser adotada é o aumento de três para cinco os ciclos

de tratamento de procriação medicamente assistida, comparticipados pelo Serviço Nacional de Saúde, assim

permitindo às mulheres uma gestão mais eficaz e tranquila da sua carreira profissional.

Finalmente, recomendamos que seja criada uma política de incentivos económicos e fiscais para as

empresas que se empenhem em fomentar a igualdade entre mulheres e homens no trabalho e no emprego,

através, de um passo, da criação de um prémio anual que distinga as cinco melhores empresas em Portugal em

matéria de igualde e, de outro passo, do desenvolvimento de um sistema de incentivos fiscais às empresas que

cumulativamente cumpram o regime de paridade nos órgãos de administração das empresas compostos por

três ou mais elementos, como também assegurem uma política salarial igualitária entre mulheres e homens.

No CDS, acreditamos que pequenas medidas como estas, não impositivas mas de incentivo e de

sensibilização e sem impacto orçamental de monta, podem, a prazo, ter efeitos consideráveis no tema que hoje

nos ocupa, com a vantagem de estas medidas não esgotarem o tema e muito menos serem privativas dele, com

benefícios vários e em vários domínios, como na questão demográfica, por exemplo.

Numa matéria que tem reunido amplo consenso — e as iniciativas legislativas hoje em discussão não o

desmentem —, está nas nossas mãos e nas vossas mãos, nas mãos da maioria, não ignorar o problema e

ajudar na solução de uma questão que, em 2017, já devia fazer parte da história e esperar que, ao menos neste

tema, o da igualdade de oportunidades entre mulheres e homens, não se deixem inebriar pela contabilidade

política e pelo preconceito ideológico contra o proponente, que tantas vezes tem tolhido, e muito mal, as opções

desta maioria.

Aplausos do CDS-PP e de Deputados do PSD.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Srs. Deputados, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista

solicitou à Mesa que o tempo que lhe compete para fazer uma intervenção sobre esta matéria seja repartido

entre duas Sr.as Deputadas.

Tem a palavra, em primeiro lugar, a Sr.ª Deputada Wanda Guimarães para uma intervenção.

A Sr.ª WandaGuimarães (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Caras Deputadas e Caros

Deputados: Nesta feliz coincidência de datas, dirijo uma saudação muito especial às mulheres do meu País,

verdadeiras heroínas modernas do nosso quotidiano e que continuam a ser inaceitavelmente discriminadas no

trabalho e no emprego e, como é patente no Relatório, sem uma justa correspondência entre habilitações,

competências, funções e remunerações auferidas.

Aplausos do PS e de Deputados do BE.

Os últimos anos, trágicos para os trabalhadores nas suas condições de vida e de trabalho, com cortes

obsessivos em direitos e rendimentos, foram especialmente duros para as mulheres e os números de 2015,

genericamente, não apresentam diferenças substanciais, revelando até, em alguns casos, um agravamento

preocupante, como, por exemplo, no desemprego jovem, em que o fosso entre os sexos se agravou em 5 pontos

percentuais.

Deixamos, aqui, alguns alertas.

Sobre o emprego: embora a taxa de emprego tenha crescido, aliás, mais para as mulheres, resultando numa

diminuição do diferencial entre os sexos, a verdade é que continuou a manter-se abaixo da média europeia.

Sobre o desemprego: pese embora a violência da crise na indústria, são as mulheres que continuaram a

liderar os números do desemprego e a segregação no mercado de trabalho continuou, com a presença

maioritária das mulheres em determinadas categorias, como a educação e a saúde e, mesmo detendo

qualificações mais elevadas, continuam acantonadas nas categorias de baixos níveis de qualificação, com

evidentes prejuízos nas remunerações que percecionam.

Sobre os representantes do poder institucional: verificou-se uma diminuição de quase 3 pontos percentuais

relativamente a 2014 e nos conselhos de administração das empresas avaliadas apenas existem 13% de

mulheres. Fantástico: em 11 anos, o aumento foi de 9%!…

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Também há outros dois pontos fundamentais que não queríamos deixar de salientar: a desigualdade salarial

que persiste e nos envergonha e a conciliação entre o trabalho e a família.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Carla Tavares para uma

intervenção.

A Sr.ª CarlaTavares (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Passaram

100 anos desde que surgiu, pela primeira vez, a proposta para que fosse instituída a celebração anual da luta

pelos direitos das mulheres trabalhadoras. Repito: 100 anos, Srs. Deputados!

Ao longo destes últimos 40 anos, em Portugal, foi feito um percurso notável de conquistas. Todavia, e como

já aqui foi hoje várias vezes dito, há ainda um caminho muito longo a percorrer, há ainda tanto por fazer.

Por isso, o Partido Socialista quis hoje recordar também estes 40 anos de conquistas no nosso País com a

intervenção, nesta sessão, de duas gerações de Deputadas, lembrando, assim, todas as mulheres que lutaram

e continuam a lutar pelos direitos das mulheres no nosso País.

Queremos, ainda, cumprimentar o Governo, que, ao trazer a esta Câmara a apreciação deste Relatório,

colocou em definitivo o tema da igualdade de género na agenda política deste dia.

O Partido Socialista apresenta, hoje, dois projetos de resolução: um deles recomenda ao Governo a adoção

de medidas que promovam a transparência das remunerações com vista à eliminação das desigualdades

salariais entre homens e mulheres e o outro recomenda ao Governo a adoção de medidas de promoção da

conciliação entre a vida profissional, familiar e pessoal. Em ambas os projetos estão em causa direitos que,

desde a primeira hora, foram reivindicados pelas mulheres.

Em Portugal, as mulheres ganham, em média, quase menos 17% que os homens — seria como se, em cada

ano, as mulheres trabalhassem 61 dias sem que para tal fossem pagas, seria como se, a partir do dia 1 de

novembro de cada ano, as mulheres deixassem de ser remuneradas. Esta é a realidade que se quer combater.

Hoje, o Sr. Primeiro-Ministro deixou-nos aqui a promessa de que iria apresentar medidas concretas de

combate às desigualdades salariais até ao dia 1 de maio, novidade que muito nos agradou. Que venha, então,

o 1.º de maio.

Por outro lado, o desequilíbrio ainda existente na divisão do trabalho doméstico e do cuidado com a família

tem repercussões enormes no reconhecimento de direitos e oportunidades e na realização pessoal e profissional

das mulheres, que continuam a ser quem mais suporta o trabalho doméstico, o cuidar da casa e dos filhos.

Por dia, as mulheres trabalham, em média, mais 1 hora e 45 minutos do que os homens e prestam, em

média, 600 horas de trabalho gratuito por cada ano.

Mais do que concentrar os problemas da conciliação do lado das mulheres, o que tem efeitos altamente

perversos na promoção dos seus direitos, tem de haver, sim, uma efetiva partilha das tarefas domésticas entre

homens e mulheres.

Há ainda muito por fazer. Enquanto houver mulheres a receber menos do que os homens por trabalho igual,

mulheres vítimas de violência doméstica e no namoro, mulheres a morrer vítimas de violência doméstica,

impedidas de estudar e de obter instrução escolar, mulheres vítimas de mutilação genital, mulheres vítimas de

violação, mulheres obrigadas a casar ainda crianças, enquanto houver desequilíbrios na divisão do trabalho

doméstico entre homens e mulheres, enquanto houver mulheres a sentir culpa por deixarem os seus filhos

pequenos nos infantários às primeiras horas da manhã e só os podendo ir buscar às últimas horas da tarde,

enfim, enquanto houver uma — basta que seja uma! — mulher discriminada e privada da sua liberdade apenas

porque é mulher, basta isso para que esta luta não esteja concluída e para que não desistamos de lutar pelos

direitos da mulheres enquanto direitos do Homem, pois só assim se cumprirá de forma plena a nossa

Constituição, porque o lugar da mulher é e será sempre onde ela quiser.

Viva o Dia Internacional da Mulher! Vivam todas as mulheres!

Aplausos do PS, do PAN e de Deputados do BE.

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O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Em nome do PAN, tem a palavra o Sr. Deputado André Silva

para uma intervenção.

O Sr. AndréSilva (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Num dia tão importante para a

democracia portuguesa e para a igualdade, o PAN fala para um Plenário quase vazio.

Protestos do PCP.

Tal como nos preocupa que ainda exista uma tão reduzida representação de mulheres nos vários órgãos do

setor empresarial português, preocupa-nos que continue a existir uma tão grande assimetria entre homens e

mulheres no exercício de cargos de direção e de chefia ou de alta responsabilidade, preocupa-nos que as

mulheres sejam empurradas para a base das hierarquias de trabalho, mesmo quando têm maior qualificação, e

preocupa-nos que a essa discriminação se acrescente a desigualdade salarial.

Preocupa-nos os silêncios e as invisibilidades a que continuam sujeitas as mulheres lésbicas, as mulheres

bissexuais, as mulheres trans.

Preocupa-nos o fechar de olhos à violência doméstica, à violência de género, à contínua opressão social

exercida sobre as mulheres no nosso quotidiano.

Preocupa-nos que o tempo dedicado à família não seja um tempo de qualidade e que continue também a ser

centrado na desigualdade de género.

Preocupa-nos que continuemos a ver o feminismo como um bicho papão.

Preocupa-me que seja preciso quase sempre chegar até ao dia 8 de março para percebermos que continua

quase tudo por fazer ou o quão difícil é acrescentarmos um ponto percentual de boas notícias nestas estatísticas

aqui hoje apresentadas.

O PAN é um partido que defende a igualdade. Como tal, e ao longo da nossa presença na Assembleia da

República, apresentámos e apresentaremos sempre medidas que foram, vão e irão ao encontro desta tão

urgente e necessária igualdade.

Debateremos já esta sexta-feira um projeto de lei e um projeto de resolução que pedem revisões legislativas

no âmbito da violência doméstica, um dos fenómenos criminológicos com maior grau de incidência na sociedade

portuguesa, correspondendo a uma realidade transversal a todos os grupos sociais e faixas etárias.

Sr.as e Srs. Deputados, o PAN também não se cala. Que o Dia Internacional da Mulher sirva como ponte de

diálogo entre os partidos e a sociedade civil e que se constitua como mais uma forma de agradecimento e de

destaque do trabalho realizado diariamente por estas mulheres e homens que tantas vezes se substituem ao

Estado no combate à discriminação e à desigualdade.

A vós, a nós, obrigado. Força!

Aplausos de Deputados do PS e do BE.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Sr. Deputado André Silva, não me leve a mal, mas está longe

de corresponder à verdade que o Plenário esteja vazio.

Aplausos de Deputados do PS, do BE, do CDS-PP e do PCP.

Em nome do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, tem a palavra o Sr. Deputado José Soeiro para uma

intervenção.

O Sr. JoséMouraSoeiro (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se o sexismo continua a marcar as nossas

relações de intimidade no espaço público, no campo do trabalho, como já foi dito, as relações de poder, que são

estruturalmente desiguais, fazem com que a discriminação das mulheres tenha contornos particulares.

Estamos a falar de entrevistas de emprego onde se pergunta se a pessoa pretende engravidar, estamos a

falar de assédio, estamos de falar do patrão que diz que à trabalhadora para usar saia porque o cliente gosta

mais, estamos a falar de denúncias e de não renovação de contratos, estamos a falar de despedimentos em

função da condição da mulher e em função da condição de gravidez.

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Por isso, o campo laboral é também o campo em que todos nós, homens e mulheres, temos a obrigação de

ser orgulhosa e consequentemente feministas.

A Constituição da República Portuguesa determina que as mulheres têm direito a proteção especial durante

a gravidez e após o parto. É por isso que a lei diz concretamente que o despedimento ou a não renovação do

contrato de trabalho de uma trabalhadora grávida, puérpera ou lactante está dependente de um parecer prévio

da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, sem a qual é considerado ilícito.

Sr.as e Srs. Deputados, no período experimental, que pode ir dos 15 aos 240 dias, a mulher grávida pode ser

dispensada sem justa causa, sem aviso prévio, sem indemnização. Não é sequer obrigatório que haja qualquer

parecer por parte da CITE.

Ora, este vazio, esta desproteção, ofende o princípio constitucional da proteção das mulheres trabalhadoras

e ofende a nossa sensibilidade e quem luta pela igualdade.

É por isso e é também isso que o projeto de lei do Bloco de Esquerda, que hoje está em discussão, pretende

colmatar.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Srs. Deputados, a Mesa não regista mais inscrições.

Sendo assim, cabe-me anunciar que a sessão plenária de amanhã terá início às 15 horas — ou seja, será à

hora habitual e não às 10 horas, hora a que começou a sessão de hoje —, e a ordem de trabalhos será

integralmente preenchida pelo debate da interpelação n.º 9/XIII (2.ª) — Sobre supervisão bancária (CDS-PP).

Muito boa tarde, Sr.as e Srs. Deputados.

Está encerrada a sessão.

Eram 14 horas e 3 minutos.

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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