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Sexta-feira, 21 de abril de 2017 I Série — Número 78
XIII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2016-2017)
REUNIÃOPLENÁRIADE20DEABRILDE 2017
Presidente: Ex.mo Sr. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Secretários: Ex.mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Idália Maria Marques Salvador Serrão António Carlos Bivar Branco de Penha Monteiro Sandra Maria Pereira Pontedeira
S U M Á R I O
O Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 6 minutos.
Procedeu-se ao debate conjunto, na generalidade, das propostas de lei n.os 65/XIII (2.ª) — Altera o regime jurídico aplicável às ações de arborização e rearborização, 66/XIII (2.ª) — Cria o banco nacional de terras e o fundo de mobilização de terras, 67/XIII (2.ª) — Cria benefícios fiscais para entidades de gestão florestal, alterando o Estatuto dos Benefícios Fiscais e o Regulamento Emolumentar dos Registos e Notariado, 68/XIII (2.ª) — Altera o Sistema Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios e 69/XIII (2.ª) — Cria um sistema de informação cadastral simplificada e dos projetos de lei n.os 464/XIII (2.ª) — Estabelece um regime jurídico para as ações de arborização, reaborização ou adensamento florestal (BE) e 500/XIII (2.ª) — Cria o banco público de terras agrícolas (BE). Usaram da palavra, a diverso título, além do Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural (Luís Capoulas Santos) e do Ministro
Adjunto (Eduardo Cabrita), os Deputados Carlos Matias (BE), Nuno Serra (PSD), Francisco Rocha (PS), João Ramos (PCP), Ilda Araújo Novo (CDS-PP) — que, em interpelação à Mesa, também solicitou a distribuição de um documento —, Pedro do Ó Ramos (PSD), Patrícia Fonseca (CDS-PP), José Luís Ferreira (Os Verdes), Álvaro Batista (PSD), Joaquim Barreto (PS) e Maurício Marques (PSD).
Foi apreciada, na generalidade, a proposta de lei n.º 63/XIII (2.ª) — Aprova a decisão europeia de investigação em matéria penal, transpondo a Diretiva 2014/41/EU. Intervieram, além da Ministra da Justiça (Francisca Van Dunem), os Deputados Filipe Neto Brandão (PS), Sandra Cunha (BE), Vânia Dias da Silva (CDS-PP), António Filipe (PCP) e Sara Madruga da Costa (PSD).
Foi apreciada, na generalidade, a proposta de lei n.º 64/XIII (2.ª) — Regulamenta a identificação judiciária lofoscópica e fotográfica, tendo proferido intervenções, além da Ministra da Justiça, os Deputados Fernando Negrão
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(PSD), Sandra Cunha (BE), Vânia Dias da Silva (CDS-PP), Fernando Anastácio (PS) e Jorge Machado (PCP).
Foi discutido, na generalidade, o projeto de lei n.º 484/XIII (2.ª) — Segunda alteração à Lei n.º 5/2008, de 12 de fevereiro, que aprova a criação de uma base de dados de perfis de ADN para fins de identificação civil e criminal, e primeira alteração à Lei n.º 40/2013, de 25 de junho, que aprova a Lei de Organização e Funcionamento do Conselho de Fiscalização da Base de Dados de Perfis de ADN (PSD). Pronunciaram-se os Deputados Fernando Negrão (PSD), Isabel Alves Moreira (PS), Vânia Dias da Silva (CDS-PP), António Filipe (PCP) e Sandra Cunha (BE).
Deu-se conta da entrada na Mesa do projeto de deliberação n.º 14/XIII (2.ª).
Foram discutidos, conjuntamente, os projetos de resolução n.os 774/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo que promova e valorize a prática de atividade física e desportiva através da criação de um estatuto do estudante-desportista e
799/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo a criação do estatuto de estudante-desportista, garantindo direitos sociais e académicos e valorizando a prática desportiva (CDS-PP). Intervieram os Deputados Ivan Gonçalves (PS), Luís Monteiro (BE), Joel Sá (PSD), Diana Ferreira (PCP) e João Pinho de Almeida (CDS-PP).
Foram apreciados, conjuntamente, a petição n.º 139/XIII (1.ª) — Pretendem que seja constituído um novo edifício destinado ao Centro Hospitalar do Oeste/EPE, com sede em Torres Vedras (António Martins Moreira e outros) e o projeto de resolução n.º 802/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo que defina um conjunto de políticas que invertam a situação atualmente existente no Centro Hospitalar do Oeste (PS). Proferiram intervenções os Deputados António Sales (PS), Duarte Pacheco (PSD), Isabel Pires (BE), Isabel Galriça Neto (CDS-PP) e Rita Rato (PCP).
O Presidente (José Manuel Pureza) encerrou a sessão eram 17 horas e 52 minutos.
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O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª e Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Funcionários, Sr.as
e Srs. Jornalistas, declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 6 minutos.
Peço aos Srs. Agentes da autoridade para abrirem as galerias.
Do primeiro ponto da nossa ordem de trabalhos consta a discussão, na generalidade, das propostas de lei
n.os 65/XIII (2.ª) — Altera o regime jurídico aplicável às ações de arborização e rearborização, 66/XIII (2.ª) —
Cria o banco nacional de terras e o fundo de mobilização de terras, 67/XIII (2.ª) — Cria benefícios fiscais para
entidades de gestão florestal, alterando o Estatuto dos Benefícios Fiscais e o Regulamento Emolumentar dos
Registos e Notariado, 68/XIII (2.ª) — Altera o Sistema Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios e 69/XIII
(2.ª) — Cria um sistema de informação cadastral simplificada e dos projetos de lei n.os 464/XIII (2.ª) — Estabelece
um regime jurídico para as ações de arborização, rearborização ou adensamento florestal (BE) e 500/XIII (2.ª)
— Cria o banco público de terras agrícolas (BE).
Para abrir o debate, tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural.
O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural (Luís Capoulas Santos): — Sr.
Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo vem hoje aqui apresentar o conjunto de diplomas que, em tempo
oportuno, fez chegar à Assembleia da República — cinco diplomas que fazem parte de um conjunto de 12,
através dos quais pretendemos dar aquilo a que convencionámos chamar o primeiro passo para uma profunda
reforma da floresta. Trata-se de um trabalho que foi produzido por um grupo interministerial, composto por oito
ministros, que trabalhou durante cerca de dois a três meses.
Durante os últimos meses o Governo reuniu extraordinariamente o Conselho de Ministros por duas vezes
para debater e aprovar medidas sobre esta temática.
Promovemos um amplo debate público na sociedade portuguesa durante três meses, através do qual foi
possível obter cerca de 600 contributos, uma parte significativa dos quais foi incorporada na versão final dos
diplomas. E, durante o período de discussão pública, tivemos contributos quer escritos quer provenientes de
reuniões promovidas por todo o País, por iniciativa do Ministério da Agricultura, de autarquias e de múltiplas
associações de produtores florestais e de organizações agrícolas. Portanto, findo todo este trabalho, creio que
estamos em condições — logo que o Parlamento se decida sobre este último pacote de diplomas — de pôr em
plena execução a reforma florestal.
Como disse, trata-se de 12 diplomas, dois dos quais já estão em vigor e em plena execução, um deles visou
melhorar a situação dos sapadores florestais, aumentando a dotação anual para o seu funcionamento, o que
nos permitiu contratar, desde já, a partir de junho, 20 novas equipas de sapadores, e iremos reequipar até
outubro outras 44 equipas, a pensar já no próximo ano. E está também em plena execução um plano-piloto para
o Parque Nacional da Peneda-Gerês.
Por outro lado, o Conselho de Ministros aprovou, em termos definitivos — e enviou ao Sr. Presidente da
República para promulgação —, outros cinco diplomas.
Um primeiro diploma é sobre o ordenamento florestal, em que basicamente se reforçam os poderes dos
municípios, incorporando as orientações dos PROF (planos regionais de ordenamento florestal) nos PDM
(planos diretores municipais), e, a partir do momento em que essa incorporação se concretize, os municípios
passam a deter importantes competências no domínio da fiscalização e das alterações de plantação e
replantação.
Um segundo diploma que aguarda promulgação tem a ver com as entidades de gestão florestal, através do
qual se procura, dando prioridade às cooperativas de produtores florestais, atribuir a gestão e facultar um
conjunto de estímulos e de incentivos a organizações que possam gerir profissionalmente a floresta.
Um terceiro diploma visa simplificar a constituição de zonas de intervenção florestal, baixando a área mínima
de 750 ha para 500 ha, estabelecendo um limite máximo de 20 000 ha, baixando o número mínimo de aderentes
de 50 para 25 e o número de prédios de um mínimo de 100 para um mínimo de 50.
Aguarda, ainda, promulgação um outro diploma, que define as condições de atribuição do direito de
concessão de produção de energia elétrica a partir de centrais de biomassa até um total de 60 MW.
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Foi, ainda, aprovada, definitivamente, pelo Governo uma resolução do Conselho de Ministros, através da
qual se definem as regras, as ações e os meios financeiros para um horizonte de cinco anos para a utilização
do fogo controlado, num montante que se aproxima dos 10 milhões de euros.
Na Assembleia estão os cinco diplomas que conhecem, que hoje são discutidos conjuntamente com outros
dois do Bloco de Esquerda, a quem saúdo pela apresentação desses projetos de lei. Estou certo de que com
eles será possível encontrarem-se pontos de acordo que ajudem a melhorar os diplomas que o Governo
apresentou sobre a mesma temática. Estes diplomas têm a ver com o regime de arborização e de rearborização,
em que as questões mais relevantes tratam da disciplina da plantação do eucalipto e da orientação política que
visa o aumento da matéria-prima sem aumentar a área ocupada por esta espécie.
No diploma sobre a defesa da floresta contra incêndios, destacaria a questão da limpeza de combustíveis
em torno do edificado. São criadas novas regras e estabelecidas novas datas, clarificando definições e
suprimindo outras omissões.
Trazemos, ainda, o diploma sobre o cadastro simplificado. Cria-se um cadastro simplificado através de um
balcão único, esse balcão será físico e virtual e integrará toda a informação cadastral dispersa em toda a
administração, e, através desta operação, que será gratuita para os interessados até 31 de dezembro de 2019,
permitiremos não só delimitar a propriedade privada como, por exclusão de partes, identificar o património sem
dono conhecido, que será colocado no banco de terras.
O banco de terras é matéria de um outro diploma que está aqui em discussão e que visa disponibilizar, no
que diz respeito aos terrenos agrícolas, terras para, preferencialmente, jovens agricultores com formação e outra
hierarquia de prioridades e, no que toca a terrenos florestais, para, preferencialmente, cooperativas de
produtores florestais, que beneficiarão de um conjunto de incentivos fiscais, que também estão contemplados
no quinto diploma que aqui trazemos. Este quinto diploma visa atribuir isenções e reduções em sede de IRS
(imposto sobre o rendimento das pessoas singulares), de IRC (imposto sobre o rendimento das pessoas
coletivas) e de IMT (imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis) para os associados das
entidades gestoras de áreas florestais e para todos aqueles que vendam ou arrendem terras florestais para
serem integradas nestas unidades de gestão.
Em suma, Sr. Presidente e Sr.as e Srs. Deputados, é este o conteúdo sintético destas propostas. O Governo
faz o apelo para que seja possível um consenso. Estamos disponíveis para, em sede de comissão, fazer as
concessões e acolher os contributos que as diversas bancadas considerem necessários, para que esta reforma
possa perdurar para além de uma legislatura, porque este é, seguramente, o trabalho de mais do que uma
geração.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — O Sr. Ministro vai ter de fazer uma gestão do tempo muito complexa, porque há seis
Srs. Deputados inscritos, do BE, do PSD, do PS, do PCP, do CDS-PP e novamente do PSD, para pedirem
esclarecimentos.
Em primeiro lugar, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Matias.
O Sr. Carlos Matias (BE): — Sr. Presidente, começo por cumprimentar o Sr. Ministro, o Sr. Secretário de
Estado e os Srs. Membros do Governo aqui presentes e, naturalmente, também por saudar o Governo pelas
iniciativas e pelo mérito de trazer a este Plenário, da Assembleia da República, uma matéria que normalmente
anda muito arredada, pese embora a grande relevância que tem quer do ponto de vista económico, quer do
ponto de vista ambiental, quer do ponto de vista social. E, portanto, o Governo teve esse mérito e temos de o
reconhecer.
Como bem sabem, a atividade florestal é enquadrada por legislação bem elaborada, alguma da qual, como
a lei de bases da floresta, reuniu inclusivamente um amplo consenso aqui, na Assembleia da República, e foi
aprovada por unanimidade. O mesmo se passa, aliás, com o Decreto-Lei n.º 124/2006 — o famoso e conhecido
entre nós, aqueles que se dedicam mais a esta matéria, pelo «124», é assim que ele é conhecido — que
estabelece importantes medidas no âmbito do Sistema Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios, que
também é um documento bem elaborado e que já tem cerca de 11 anos.
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Certo é que, pese embora esta boa base legislativa, depois destes anos todos, a floresta continua
desordenada. E não é um problema que venha deste Governo, não é um problema que venha só do Governo
anterior ou do anterior ao anterior, é um problema que vem de há muitos e muitos anos. Apesar de haver boas
leis, a floresta continua com problemas que, de uma forma reiterada, acabam por desembocar em incêndios,
em catástrofes e, inclusivamente, em subaproveitamento do ponto de vista económico.
Como sabemos, e o Sr. Ministro também sabe, boa parte das disposições do Decreto-Lei n.º 124/2006 —
como, por exemplo, as que se referem à defesa da floresta contra incêndios — há muito tempo que ou são
pouco aplicadas ou não são de todo aplicadas. E deve haver uma razão para isto, tem de haver uma explicação
para este facto. Há aqui qualquer contradição.
Portanto, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado e Membros do Governo, porque são experientes técnicos e
conhecedores destas áreas, expliquem-nos qual é, na vossa opinião, a razão para, depois de todos estes anos,
depois de consensos que foram estabelecidos sobre legislação de base para a política florestal, não haver
significativos passos em frente, no que toca ao ordenamento florestal, à diversificação do mosaico florestal, à
reocupação dos campos, porque prossegue a desertificação. Enfim, há um conjunto de problemas que subsiste
e que, de forma recorrente, desemboca nas catástrofes que conhecemos, normalmente, em cada verão.
Sr. Ministro, é esta a pergunta que quero deixar.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Serra.
O Sr. Nuno Serra (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, estes diplomas que o Governo acabou de apresentar
não constituem uma reforma florestal. Não são a reforma de uma geração, nem sequer de uma década, são,
sim, uma afronta à floresta, porque lhe retira a competitividade e a produtividade.
Mas são também uma afronta aos cidadãos, aos proprietários, aos investidores, às associações florestais e
até aos partidos que suportam o Governo. Porquê? Porque todos fizeram sugestões, todos deram contribuições
e o Sr. Ministro desprezou tudo e todos, desconsiderando essas contribuições, não fazendo qualquer alteração
de substância nos documentos apresentados.
Mas são, sim, também uma afronta aos mais de 400 000 proprietários, que se veem impedidos de poder ser
mais competitivos, de poder rentabilizar os seus terrenos.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — É bem verdade!
O Sr. Nuno Serra (PSD): — E porquê, Sr. Ministro? Porquê? Porque preferiu ceder ao Partido Ecologista
«Os Verdes» do que permitir mais investimento para o setor.
Mas são também uma afronta aos territórios de baixa densidade, que irão aumentar as desigualdades para
com o litoral. E porquê, Sr. Ministro? Porque permite transferir áreas de eucaliptos de zonas menos produtivas
do interior para terras mais produtivas no litoral, motivando o abandono dessas terras e desertificando o interior.
São, sim, uma afronta à economia nacional, que irá continuar a aumentar as importações florestais, que já
são na ordem dos 200 milhões de euros/ano, porque o Sr. Ministro prefere alimentar um preconceito ideológico
do que uma indústria que dá emprego a 2% da população ativa e vale mais do que 3% do PIB (produto interno
bruto).
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. Nuno Serra (PSD): — São, sim, Sr. Ministro, uma afronta ao saber e à ciência, porque as medidas
apresentadas desconsideram todo um conhecimento florestal em detrimento de um preconceito retrógrado.
Sr. Ministro, chega de propaganda, chega de encenações a fingir que pretende consensos em torno de uma
política florestal.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Muito bem!
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O Sr. Nuno Serra (PSD): — Esta pseudorreforma foi feita de costas voltadas para o setor florestal. Foi feita
contra os proprietários, não valoriza as propriedades, nem garante a sustentabilidade da produção florestal.
Sr. Ministro, está na altura de assumir as suas responsabilidades.
O Sr. Ministro será responsável por proibir novas plantações de eucaliptos, por secundarizar o papel das
associações florestais, por limitar o investimento e o crescimento deste tão importante setor e por empobrecer
o mundo rural. E eu, desde já, faço um apelo ao Sr. Presidente da República para que se possa garantir que
este tão importante setor para Portugal não possa ser destruído com estas leis, que se consiga um verdadeiro
consenso, como o Sr. Presidente da República tem apelado.
Mas, Sr. Ministro, concluo, colocando-lhe a seguinte questão: no meio desta deriva preconceituosa, os
terrenos florestais com mais de 50 ha serão, ou não, objeto de reavaliação do IMI (imposto municipal sobre
imóveis), que o Partido Socialista votou em sede de Orçamento?
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Rocha.
O Sr. Francisco Rocha (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, o processo da
reforma do setor florestal, que hoje cumpre mais uma etapa nesta Câmara, é um bom exemplo da capacidade
deste Governo em resolver questões, problemas e desafios que já deveriam estar ultrapassados há décadas.
Ao contrário do que diz o PSD, as cinco propostas de lei que hoje aqui debatemos têm já incorporadas a
marca da participação cívica, do contributo crítico das autarquias, da comunidade académica e científica, das
organizações do setor e dos cidadãos.
Vozes do PS: — Muito bem!
O Sr. Francisco Rocha (PS): — Claro que haverá sempre alguém que pense que esta reforma fica aquém
das expectativas, que não combinou de forma ideal o fator x com o y e que não se ponderou o aspeto z. Não é
novidade, mas também ninguém teve a veleidade de afirmar, Sr. Deputado Nuno Serra, que estes diplomas
eram ilustres representantes da perfeição.
Por isso, a partir de hoje, também caberá a todos, repito, a todos, os partidos representados neste Parlamento
a responsabilidade do seu aperfeiçoamento na especialidade.
Srs. Deputados, em termos substanciais, é justo afirmar que esta reforma colocou em debate as principais
questões estruturais deste setor, que são essenciais para o futuro do País, e que colocou ênfase no aumento
da eficiência da gestão, da produtividade, da sustentabilidade, do investimento e da certificação florestal,
demonstrando uma leitura moderna da importância das florestas no contexto das alterações climáticas e a sua
relação com as energias renováveis, a bioeconomia e a proteção civil.
Também gostaríamos de sublinhar as inovações introduzidas no Sistema Nacional de Defesa da Floresta
contra Incêndios que visam reforçar o pilar da prevenção estrutural e operacional, nomeadamente com a
introdução do conceito «fogo/gestão de combustível» e o reforço das competências das Forças Armadas na
área da vigilância e deteção.
Destacamos também, como muito positivas, as medidas previstas nos diplomas que se referem aos
incentivos fiscais e ao cadastro simplificado, que, certamente, irão dar um contributo muito significativo para
tornar mais apetecível o investimento na floresta, estancando a tendência de perda de área florestal que tem
ocorrido nas últimas décadas.
Sr. Ministro, pergunto: em que medida será possível a integração da realidade das ZIF (zona de intervenção
florestal) com as entidades de gestão florestal? O Governo considera que estas duas estruturas são antagónicas,
como alguns defendem, ou, pelo contrário, considera que são entidades que podem, e devem, complementar-
se?
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Ramos.
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O Sr. JoãoRamos (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Agricultura, gostaria de colocar-lhe algumas
questões relativamente a declarações que foram feitas, recentemente, sobre a reforma da floresta.
O Sr. Ministro referiu que estavam disponíveis 700 milhões de euros para serem afetos à política florestal até
2020. O PCP sempre disse que o fracasso da política florestal se prendia com o facto de não ter havido recursos
suficientes. Contudo, 700 milhões de euros, em quatro anos, só para dar um exemplo, era precisamente o valor
apontado para se fazer o cadastro.
Pergunto: onde é que se vão buscar estes 700 milhões de euros? Em que serão aplicados estes valores? O
que é especificamente dirigido para a prevenção e ordenamento florestal, para o combate aos incêndios
florestais e para a reflorestação?
Sr. Ministro, um dos diplomas que está hoje em discussão obriga os tratores agrícolas a possuírem extintores
nos trabalhos que decorram em espaços rurais. Pergunto: este tipo de obrigações que a lei pretende
implementar também serão apoiadas no âmbito destes valores?
Uma última questão tem também a ver com declarações, neste caso feitas, julgo eu, pelo Sr. Secretário de
Estado das Florestas, relativas a verbas para a limpeza de terrenos do Estado e baldios em cogestão, de que
seriam para este ano cerca de 5 milhões de euros, mais concretamente 4,9 milhões de euros. Pergunto: porquê
esta distinção? Por que é que se limpam os terrenos do Estado e os baldios em cogestão e ficam de fora os
baldios que são geridos pelos proprietários, sendo que esses baldios são de importantes proprietários florestais
do nosso País?
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Araújo Novo.
A Sr.ª IldaAraújoNovo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e
Desenvolvimento Rural, para debate e aprovação por esta Assembleia, o Governo apresenta a proposta de lei
n.º 68/XIII (2.ª), que visa alterar o Sistema Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios.
No entanto, no entender do CDS, verifica-se não estarem concretizados os pressupostos essenciais que
levariam a um debate mais responsável. Um desses pressupostos, que nos parece fundamental, é a
monitorização do Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios (PNDFCI), que está previsto realizar-
se por uma entidade externa em cada dois anos. Não obstante, essa monitorização não é tida em conta pelo
Governo, designadamente na ponderação e justificação das alterações que ora se pretende promover, e, aliás,
não consta no preâmbulo do normativo, contrariamente ao que seria de esperar, por poder e dever, no nosso
entender, ser considerada como referência de suporte das mudanças propostas. Não sendo conhecidos os
fundamentos das alterações, não é viável, portanto, a ponderação dos eventuais méritos das soluções
preconizadas, as quais não podem deixar de ser equacionadas e escrutinadas.
O Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios vigorará até 2018. Segundo reza o documento
enviado pelos serviços tutelares do Sr. Ministro, recebido ontem pelo Grupo de Trabalho de Acompanhamento
da Temática dos Incêndios Florestais, que expressamente o solicitou, o Plano tem sido avaliado bianualmente,
como o previsto.
Não se conhecendo o teor da avaliação intercalar ao Plano e sendo certa a importância que as suas
conclusões revestiriam na apreciação desta proposta de lei, cumpre-me perguntar ao Sr. Ministro o seguinte:
por que razão não foi ainda divulgado o relatório da monitorização promovida pelo Governo PSD/CDS em junho
de 2014?
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro do Ó Ramos.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento
Rural, um dos diplomas incluído neste pacote, a que o Sr. Ministro chama de «reforma florestal», visa a criação
de um banco de terras.
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Depois de vários anúncios, que nunca se concretizaram, o Sr. Ministro apresenta este famoso diploma. Mas
há uma primeira coisa que tenho de dizer-lhe: o Sr. Ministro não esconde o aborrecimento que teve, certamente,
por não ter sido o Sr. Ministro a criar e a implementar este banco de terras, que já permitiu a cedência de 6000
ha até agora, porque, efetivamente, são muito poucas as alterações que vai introduzir à legislação sobre a bolsa
de terras que neste momento está em vigor.
Sr. Ministro, já existe disponibilização dos terrenos do Estado, do domínio privado do Estado, já existe
disponibilização dos terrenos das autarquias, já existe disponibilização dos terrenos dos particulares e de outras
entidades públicas, já existe a possibilidade de arrendamento, já existe a possibilidade de venda e,
inclusivamente, até já existe a possibilidade de cedência de terras sem dono conhecido.
O Sr. Ministro dir-nos-á, como já nos disse: «Bom, agora, com a criação do banco de terras, vamos ter como
que uma entrega automática das terras do Estado para uso florestal». Ó Sr. Ministro, vamos ler o diploma e
vemos, no artigo 5.º, que existem uma série de exceções que vão quebrar este mesmo automatismo. Veja-se:
«Estejam sujeitos, por lei, regulamento, ato administrativo, (…) a afetação ou a uso incompatível com a
disponibilização no Banco de Terras».
Mais: basta que a Direção-Geral do Tesouro e Finanças e as entidades a que estão afetos os prédios
venham, fundamentadamente, dizer «Este terreno é muito importante para o prosseguimento das nossas
atribuições» para que, então, se acabe esse automatismo.
Sr. Ministro, vamos perceber que iremos ter inúmeros casos que vão excecionar este suposto automatismo.
Sr. Ministro, tenho uma pergunta concreta que gostaria de colocar-lhe. O Sr. Ministro, na cedência de terras
do Estado, define critérios de preferência e agora algo diferentes dos que estão previstos neste momento na
bolsa de terras. Continua a dar preferência aos jovens agricultores, aos proprietários de terrenos confinantes,
inclui desempregados e refugiados, mas elimina, nomeadamente nos terrenos que não são florestais, os
membros de organizações de produtores e as próprias cooperativas de produtores. Ó Sr. Ministro, numa altura
em que estamos efetivamente a estimular a organização no setor, por que é que existe estas eliminações? Com
franqueza, não percebo, e este é um sinal errado do que deveria dar ao setor, um setor que está pujante mas
que tem, cada vez mais, de se organizar.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e
Desenvolvimento Rural, Capoulas Santos.
O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural: — Sr. Presidente, responderei muito
teoricamente, já que o tempo é muito pouco.
Sr. Deputado Carlos Matias, estou muito de acordo com o diagnóstico que fez e é precisamente tudo o que
referiu e que aconteceu nos últimos anos que queremos corrigir. Porque não houve ordenamento, porque não
houve fiscalização, porque não houve gestão florestal, por tudo isto, apresentámos este conjunto de medidas,
para que Portugal não perca, nos próximos 15 anos, os 150 000 ha que perdeu nos últimos 15 anos. É
precisamente para alterar esta triste situação que o Governo apresenta este conjunto de soluções.
Sr. Deputado Nuno Serra, tenho de dizer-lhe que lamento profundamente. Considero o PSD um grande
partido,…
O Sr. PedroFilipeSoares (BE): — Já falou melhor!
O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural: — … um partido responsável.
Portanto, o facto de não ter apresentado uma única proposta — uma única! — e de agora vir pedir ao Governo
que assuma as suas responsabilidades, ó Sr. Deputado, o PSD é que deve assumir as responsabilidades pela
situação a que conduziu a floresta portuguesa!
Aplausos do PS.
O Sr. Nuno Serra (PSD): — Responda à pergunta!
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O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural: — O Sr. Deputado Nuno Serra
perguntou-me sobre o IMI. Quero dizer-lhe que, no âmbito do pacote florestal que estamos a discutir, durante
os próximos 10 anos — sublinho, 10 anos — não haverá aumento de impostos, no que diz respeito à contribuição
predial, para que os prédios rústicos venham a ser legalizados ao abrigo desta legislação.
O Sr. Nuno Serra (PSD): — Isso é para o PCP ouvir!
O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural: — Sr. Deputado Francisco Rocha, o
que pretendemos é facilitar e simplificar a constituição de novas ZIF e desejar que as atuais ZIF possam evoluir
para entidades de gestão florestal, para poderem desenvolver atividade económica, comprar, vender e criar
emprego. Elas têm prestado um inestimável serviço, mas estamos convictos de que podemos ir bastante mais
além.
Sr. Deputado João Ramos, temos, de facto, entre 600 e 700 milhões de euros, do PDR (Programa de
Desenvolvimento Rural) e do Fundo Florestal Permanente, que, por força do Orçamento do Estado para 2017,
foi substancialmente reforçado. As medidas que vão ser financiadas por estes meios financeiros estão definidas.
Não vamos gastar no cadastro as verbas exorbitantes que há 50 anos se gastam e que deixaram metade do
País por cadastrar.
Encontrámos uma solução, que podemos fazer com a máquina administrativa do Estado bastante mais
célere, e propomo-nos fazer, nos próximos dois anos, aquilo por que o País há décadas suspira e com custos
substancialmente mais reduzidos.
A Sr.ª Deputada Ilda Araújo Novo, do CDS, perguntou-me pela avaliação do Plano Nacional de Defesa da
Floresta Contra Incêndios. Gostaria de dizer-lhe que, durante os quatro anos em que o CDS esteve no Governo,
não houve nenhuma avaliação. Fizemo-la este ano pela primeira vez e vamos continuar a fazê-la, porque é
fundamental avaliar para corrigir erros no futuro.
Aplausos do PS.
O Sr. Deputado Pedro do Ó Ramos disse que tudo o que o Governo pretende agora fazer já está feito. Ó Sr.
Deputado, se já está feito, apresente os resultados! Disse: «terras das autarquias para os bancos de terras».
Quantos metros quadrados das terras das autarquias?
O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr. Ministro. Já ultrapassou o seu tempo.
O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural: — Sr. Deputado Pedro do Ó Ramos,
o que posso dizer é que não leu o diploma porque não consegue distinguir as alterações entre este diploma e
aquele que existia e que queremos agora melhorar.
Portanto, a primeira consulta que faço é: leia o diploma, porque certamente estará de acordo com o seu
conteúdo.
Aplausos do PS.
Protestos do Deputado do PSD Pedro do Ó Ramos.
A Sr.ª IldaAraújoNovo (CDS-PP): — Sr. Presidente, dá-me licença que use da palavra?
O Sr. Presidente: — Para que efeito, Sr.ª Deputada?
A Sr.ª IldaAraújoNovo (CDS-PP): — Para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Será uma interpelação à Mesa sobre a condução dos trabalhos em que aspeto?
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A Sr.ª IldaAraújoNovo (CDS-PP): — É para solicitar a distribuição de um documento, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª IldaAraújoNovo (CDS-PP): — Sr. Presidente, gostaria de solicitar a distribuição de cópia do contrato
que o ICNF (Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas) assinou, em 5 de junho de 2014, para a
avaliação do Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios.
O Sr. Presidente: — Será feito em correspondência.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Matias.
O Sr. CarlosMatias (BE): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O decreto-
lei, do Governo anterior, que estabelece o regime jurídico das ações de arborização e rearborização foi uma
porta aberta à liberalização do plantio do eucalipto.
Há justificadas razões para esse entendimento perante a crescente prevalência do eucalipto na floresta
nacional em manchas contínuas. O projeto de lei que hoje aqui trazemos visa resolver esse e outros problemas.
Antes de mais, estabelece um tratamento diferenciado para espécies endógenas e não endógenas, privilegiando
a expansão das primeiras e proibindo mesmo as espécies invasoras. Já o eucalipto tem critérios diferenciados
no sentido da contenção da sua área de plantio.
Reconhece-se o importante papel da pastorícia no mundo rural e nos espaços florestais e estabelecem-se
limites ao crescimento da vegetação arbustiva e herbácea no sobcoberto florestal.
Introduz-se aqui, também, o conceito de adensamento florestal, operação florestal que está a ser estimulada
e que deverá ser apreciada e autorizada, ou não, aliás, considera-se que todas as operações em povoamentos
florestais devem ser objeto de projeto. Este procedimento parece-nos ser imperativo, pois decorre da exigência
de controlo do cumprimento das normas relativas às áreas máximas de floresta em contínuo, seja em
monoespécie seja com espécies diversas, fixadas aqui e no Decreto-Lei n.º 124/2006, com as posteriores
alterações. Abandona-se, portanto, o conceito de mera comunicação prévia, discordamos, aliás, que tal conceito
possa ser aplicado em escala ainda mais alargada do que a atual, como pretende a proposta de lei.
Atenta-se, no entanto, à pequena e muito pequena dimensão da larga maioria das parcelas de floresta,
estabelecendo para estas a necessidade de apresentação de um projeto simplificado, com muito menores
exigências burocráticas: uma simples ficha, fácil de preencher.
As câmaras municipais recuperam os poderes de licenciamento para certo tipo de operações, poderes que
lhes haviam sido retirados.
Nos restantes casos de operações florestais, as câmaras municipais e as CCDR (comissões de coordenação
e desenvolvimento regional) poderão emitir pareceres que deverão ser tidos em conta na apreciação dos
projetos. No entanto, os pareceres das câmaras municipais são mesmo vinculativos para o caso de matérias
vertidas nos respetivos planos diretores municipais.
Reconhece-se, assim, o importante papel dos municípios no ordenamento do seu território rural, mas atende-
se também às limitações técnicas que muitos municípios ainda apresentam.
Finalmente, é reintroduzida a obrigatoriedade de que todas as ações florestais projetadas para áreas
protegidas e da Rede Natura 2000 respeitem os preceitos legais.
Sr.as e Srs. Deputados, políticas e medidas robustas que rentabilizem terras e florestas, com certeza que logo
farão aparecer as centenas de milhares de proprietários que as abandonaram. Experiências efetuadas no
terreno, em alguns concelhos do centro do País, permitiram identificar com relativa rapidez os donos de cerca
de 98% das propriedades até então ditas abandonadas ou sem dono.
No limite, o conceito, a ideia de terras sem dono é um mito ou perto disso, é uma ideia errada que poderá
levar à expropriação dos mais pequenos e à concentração fundiária em benefício dos grandes proprietários e
dos grandes interesses financeiros e industriais que também se alimentam da floresta. Além de que grandes
grupos económicos, como os da celulose e da pasta de papel, poderão desdobrar-se em empresas de gestão
florestal e, por essa via, segundo a proposta de lei, vir, ainda, a beneficiar de generosas isenções fiscais. É um
caminho injusto, que prejudica os mais pequenos em benefício dos maiores e que, por isso, não podemos
aceitar.
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Sr.as e Srs. Deputados, sabemos que importa recuperar a ocupação agrícola do País para a criação de
emprego, aumento da produção e rejuvenescimento do tecido produtivo, contrariando por esta via o ciclo de
declínio de muitas zonas rurais e melhorando os indicadores económicos do setor agroalimentar do nosso País.
É preciso, portanto, contrariar a dificuldade e, em alguns casos, a impossibilidade no acesso à terra para
novas instalações ou para ampliar unidades produtivas existentes.
Nesse sentido, propomos a criação de um banco público de terras agrícolas gerido pelo Estado e destinado
a facilitar o acesso à terra por via do arrendamento rural, sublinho, por via do arrendamento rural.
O banco de terras, tal como o concebemos, disporá de terras agrícolas de propriedade pública, pertencentes
ao Estado ou às autarquias, assim como as resultantes da aplicação do direito de preferência ou de ações
públicas, designadamente de estruturação fundiária e de emparcelamento.
No projeto de lei, que apresentamos, sobre o banco de terras é proposta a penalização fiscal dos prédios
rústicos ou mistos com aptidão agrícola em situação de abandono, a não ser que os mesmos integrem o banco
público de terras. Desta forma, é criado um incentivo para a utilização das terras agrícolas e dá-se uma
oportunidade aos proprietários que não querem usar os seus terrenos para os rentabilizarem por via do seu
arrendamento.
Mantendo-se o abandono de determinado terreno após penalização fiscal ao longo de três anos sucessivos,
a entidade gestora do banco de terras poderá recorrer à figura do arrendamento compulsivo, uma figura
constitucionalmente prevista.
Por outro lado, no acesso aos terrenos inscritos no banco de terras é conferida, por exemplo, prioridade a
quem já trabalha esses terrenos, ou aos que trabalham terrenos contíguos ou à instalação de jovens agricultores.
A dinamização do arrendamento rural permitirá responder, de forma ágil, à dificuldade no acesso à terra e —
isto é muito importante — promove o acesso à terra sem qualquer expropriação dos pequenos proprietários,
para, de seguida, entregar as suas terras aos grandes proprietários.
Sr.as e Srs. Deputados, o Bloco de Esquerda apresenta aqui, no Parlamento, o órgão de soberania que tem
poderes nesta matéria, e ao País um pacote legislativo para a floresta, o único que controla as manchas florestais
contínuas, que se propõe organizar os produtores para que o ordenamento florestal seja, de facto, possível, que
incentiva a utilização da terra, protegendo os pequenos e micro proprietários, e que, a par disso, exige elevados
padrões ambientais.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, já ultrapassou o tempo. Peço-lhe que conclua.
O Sr. CarlosMatias (BE): — Vou concluir, Sr. Presidente.
O Bloco de Esquerda traz aqui e coloca à vossa apreciação um pacote de propostas em domínios essenciais
para uma verdadeira reforma do espaço rural e da floresta — e somos o único partido que o faz —, para que,
de uma vez por todas, se atente à realidade concreta do mundo rural e da floresta e as boas leis passem do
papel à prática.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Patrícia Fonseca para uma intervenção.
A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados:
Durante um ano dramático de incêndios florestais, o Primeiro-Ministro anunciou uma reforma da floresta para
travar a perda de 150 000 ha de floresta nos últimos 15 anos.
Foi então que o Governo lançou aquilo a que chamou «um amplo debate muito consensual e participado» e
que incorporou, segundo palavras do Sr. Ministro, cerca de 30% dos mais de 600 contributos recebidos. Hoje,
estamos aqui a debater cinco das propostas de lei que dão corpo a esta profunda reforma do Governo,
relativamente às quais o CDS coloca três questões prévias.
Pergunto se fazem parte desse amplo consenso as fortes críticas das principais organizações florestais, da
esquerda à direita, de grandes e de pequenos proprietários e até de alguns ex-dirigentes do PS, como, por
exemplo, o ex-Deputado Miguel Freitas ou o atual Deputado Ascenso Simões, a algumas medidas.
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Também fazem parte do amplo consenso os três projetos de lei alternativos aos do Governo que o Bloco de
Esquerda hoje apresenta, ou é mais um número político que o Bloco de Esquerda aqui apresenta da geringonça?
Por fim, pergunto: quais são os diplomas em que foram incorporados os contributos recebidos no âmbito da
discussão pública? Isto porque, Sr. Ministro, nos diplomas hoje aqui apresentados apenas podemos constatar
alterações pontuais, sobretudo de forma e não de conteúdo. Há uma exceção, que é de facto a proposta de lei
sobre o cadastro simplificado, que é bastante mais completa do que a proposta inicial. Mas confiamos que seja
vontade do Governo conciliá-la com o projeto de lei que já aqui foi apresentado anteriormente, pelo PSD e pelo
CDS, sobre o mesmo tema e que teve um enorme conjunto de audições no âmbito da Comissão do Ambiente,
Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e Habitação a entidades das mais variadas áreas e
que foi, genericamente, elogiado por todos.
Então, o que nos traz de profundo esta parte da reforma que hoje aqui discutimos?
Em primeiro lugar, traz a revogação — mais uma — da bolsa de terras, que em três anos conseguiu
disponibilizar 670 prédios e 17 000 ha, dos quais estão já arrendados ou vendidos 37%. Em vez de melhorar e
aprofundar o modelo, o Governo revoga e cria um alternativo.
Em segundo lugar, traz a criação de um fundo de mobilização de terras para comprar terra e disponibilizá-la
a privados, num País onde a maior parte da propriedade é privada, onde o Estado não sabe gerir o seu
património fundiário e onde o mercado da terra funciona livremente.
Em terceiro lugar, traz um conjunto de benefícios fiscais a quem invista na floresta, o que é positivo, mas que
só se aplica às entidades de gestão florestal e a empresas ou pessoas individuais com contabilidade organizada.
Ora, tendo em conta que 87% da nossa floresta tem área inferior a 3 ha, perguntamos: quantos dos 400 000
proprietários florestais vão poder beneficiar destas isenções? Pelo contrário, a proposta que o CDS aqui
apresentou de constituição de uma conta de gestão florestal e que as esquerdas unidas chumbaram aplicava-
se a todos, mesmo àqueles que tinham contabilidade simplificada.
Em quarto lugar, e por último, traz a alteração do regime jurídico de arborização e rearborização, que é talvez
mesmo o pior inimigo de uma maior e melhor floresta em Portugal porque vem limitar a expansão do eucalipto,
por puro preconceito ideológico, como moeda de troca para garantir o Governo das esquerdas unidas, porque
85% dos 150 000 ha de floresta que efetivamente foram perdidos não foram transformados em eucaliptos mas,
sim, em mato, foram abandonados de facto, porque são áreas que não são produtivas, e apenas 26% da área
de pinheiro-bravo se converteu em eucalipto.
Assim, se esta proposta for aprovada, estaremos, daqui a uns anos, a constatar que houve um maior
abandono da área de floresta para mato, pois os proprietários só investem em atividades que lhes sejam
rentáveis, não investem por decreto.
Por outro lado, o RJAAR (regime jurídico aplicável às ações de arborização e rearborização) é um mau
contributo porque obriga a transpor os planos regionais de ordenamento florestal para os PDM, que são
instrumentos de gestão territorial de escalas completamente diferentes, porque, depois do esforço de redução
de 21 para 7 PROF, agora teremos 308 PDM. E é um presente envenenado às câmaras, em ano de eleições
autárquicas, porque, como o Sr. Ministro já afirmou, com a transferência desta competência não virá, certamente,
a correspondente verba de fiscalização. O Sr. Ministro já aqui afirmou que o ICNF não tem verba para
fiscalização e que os autarcas terão de cumprir os PDM, porque senão incorrem em perda de mandato.
Em suma, este é um conjunto de medidas avulsas, que não reforma e que, infelizmente, irá contribuir para o
aumento das áreas de mato, e assim para mais incêndios, e em nada para o desenvolvimento do interior do
País.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.
O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados:
Sendo Portugal o País da Europa que mais perdeu área de floresta, quando o olival intensivo está
paulatinamente a ocupar o lugar do montado de sobro e azinho na paisagem alentejana e quando os incêndios
lavram no País, consumindo milhares de hectares de floresta e ameaçando pessoas e bens, torna-se claro e
evidente que algo vai mal na floresta e que é urgente uma mudança na política florestal. É preciso, antes de
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mais, garantir que é na própria floresta que reside a prevenção dos incêndios e qualquer mudança deve assentar
sobre este dado fundamental. Para tal, é indispensável que se passe a sustentar a política para o setor numa
visão global e integrada da floresta, assente no reconhecimento e valorização das suas multifunções,
nomeadamente a nível ambiental, climático, social, cultural, paisagístico e económico.
Por outro lado, o reconhecimento do importante recurso económico que a floresta representa para o País,
não pode nem deve ser incompatível com a defesa e a valorização das outras funções que a floresta
desempenha.
O que é necessário é romper, de vez, com políticas que assentam numa visão meramente economicista, de
curto prazo, e beneficiam exclusivamente alguns setores económicos restritos onde prevalecem as celuloses.
Foi na base destes pressupostos que, no novo quadro parlamentar, Os Verdes se empenharam em colocar
na agenda política o imperativo de travar a expansão do eucalipto.
Sabíamos que não seria tarefa fácil, não só porque esse objetivo exigia o confronto com grandes e poderosos
interesses, como, aliás, ficou bem patente nas chantagens e pressões que vieram imediatamente à tona de
água, mas também pela situação de fragilidade e dependência económica da grande maioria dos pequenos
produtores florestais, que, mais do que ameaçados de ficar sem as suas terras, precisam de apoios e incentivos,
que, agora, se pretende novamente canalizar para os do costume.
Conscientes de que o combate à liberalização do plantio do eucalipto, promovida pelo anterior Governo, não
iria ser fácil, de que haveria muitos obstáculos pela frente, uns visíveis e outros nem tanto, ainda assim, Os
Verdes não deixaram de se empenhar e colaborar com o Governo na procura de respostas e soluções
legislativas que viessem travar a eucaliptização desenfreada do País e promover uma floresta resistente aos
incêndios, diversificada, sustentada nas espécies autóctones e economicamente rentável.
O caminho foi trilhado e desse diálogo saíram propostas e orientações que, para irem para a frente, exigiam
coragem política.
Sucede que as alterações introduzidas aposteriori, e refiro-me ao RJAAR, levam-nos a questionar: onde
ficou, afinal, a coragem política?
Mais: num País que precisa imperativamente de uma estratégia nacional para a política florestal, que assuma,
como ponto de partida, que a floresta é fundamental à vida, que cumpre diversas funções e que deve ser gerida
de forma sustentável, o Governo responde com a municipalização, que enfiou, à revelia, no RJAAR.
Não, Os Verdes não podem concordar, mas, ainda assim, Os Verdes continuam dispostos a trabalhar na
especialidade, para melhorar as propostas que hoje aqui são apresentadas pelo Governo.
Aplausos de Os Verdes.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Ramos.
O Sr. João Ramos (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados:
Iniciamos hoje o processo legislativo daquilo a que o Governo chama «reforma florestal».
Este processo legislativo, ao contrário do que se tem querido dizer, não tem gerado os consensos que se
querem encontrar. Da parte do PCP também não existe esse consenso. Os diplomas em discussão e outros a
publicar por decreto-lei têm suscitado críticas de diferentes quadrantes, nomeadamente de estruturas do setor
florestal.
O caminho iniciado pelo anterior Governo de quebrar na Assembleia da República o consenso que permitiu,
por exemplo, a aprovação da Lei de Bases da Política Florestal (LBPF) está, infelizmente, a ser repetido com a
ausência de consenso neste processo.
Como o PCP já afirmou, e passo a citar, «(…) as medidas para valorizar a floresta têm de se centrar no
rendimento dos produtores; na defesa dos baldios e do seu uso e gestão pelos povos, com os apoios
necessários; na elaboração do cadastro florestal investindo os meios necessários para tal tarefa; na atribuição
de mais meios públicos — humanos, técnicos, financeiros e materiais — às estruturas do Estado que intervêm
na floresta; na inversão da diminuição do peso relativo do sobreiro e do pinheiro e de espécies autóctones, face
ao eucalipto».
É a adequada remuneração da atividade florestal que estimula a sua gestão e, para isso, é fundamental
intervir no valor da produção lenhosa. Medidas para assegurar um preço justo da madeira à produção, que não
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podem passar ao lado do enfrentamento dos interesses do duopólio na indústria de celulose ou do monopólio
da indústria de aglomerados de pinho, são fundamentais para resolver os problemas da floresta. Para essas
dificuldades não se encontram soluções nas propostas do Governo.
Esta reforma, como os projetos em discussão provam, consegue não fazer qualquer referência a importantes
proprietários florestais do País, como são os baldios. Omissão que é confirmada em declarações recentes que
afetam verbas à limpeza de floresta deixando de fora os baldios que não estejam em cogestão.
Outra das questões fundamentais que passa ao lado das propostas é a necessidade de afetação de recursos
à política florestal, não só os recursos financeiros como o reforço de meios humanos, nomeadamente os
recursos humanos de terreno e nas estruturas do Ministério. Sem recursos financeiros e sem pessoas afetas à
política florestal o problema da floresta não se resolve. Desde logo continua a não se definir como é paga a rede
primária, nomeadamente para compensação das áreas desflorestadas.
Os projetos em discussão terão aspetos positivos, mas não vão ao essencial daquilo que são as
necessidades da floresta portuguesa.
O projeto do banco de terras do Governo é, no essencial, um instrumento de concentração da propriedade,
que o PCP não acompanha, para além de que não é adequado o princípio de que todo o património fundiário
do Estado integre, de forma automática, o banco de terras. São terras do Estado os centros de experimentação,
os viveiros e os repositórios de material genético e este património fundiário está afeto a funções fundamentais
para a atividade agrícola e para o País. Algumas tentativas de criar exceções não parecem suficientemente
explícitas e sólidas.
O banco de terras, proposto pelo BE, coloca também uma questão inaceitável que é o arrendamento
compulsivo quando durante três anos não haja atividade no prédio.
O projeto de lei de arborização e rearborização era esperado para pôr entrave à lei da eucaliptização
promovida pelo PSD/CDS, como resposta ao caderno reivindicativo das celuloses. Só o eucalipto importa ao
PSD e ao CDS, como hoje já foi aqui demonstrado. Nesta proposta também são inadmissíveis a transferência
de competência e de tramitação de processos para as autarquias locais e a admissão da transferência de áreas
de eucalipto de terrenos e zonas marginais de baixa produtividade para terrenos mais férteis, criando um
benefício, uma dedicação e uma proteção ao eucalipto que não existem para outras espécies.
Tal como em diferentes projetos, merece a oposição do PCP a distribuição de benefícios fiscais,
tradicionalmente acessíveis a quem mais tem e a quem mais pode, ou a colocação das Forças Armadas em
ações de intervenção ou patrulhamento da floresta.
As alterações na política florestal também passam por uma rutura com as políticas de anteriores governos,
rutura para a qual o PCP está disponível mas que não vê refletida nas iniciativas do Governo hoje em discussão.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado Álvaro Batista inscreveu-se para pedir esclarecimentos, mas o PCP já
não tem tempo para responder.
Assim, se o entender, tem a palavra para uma intervenção, Sr. Deputado Álvaro Batista.
O Sr. Álvaro Batista (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: Em 2016, arderam em
Portugal 160 000 ha.
Com a coligação das esquerdas, em 2016, ardeu quase o triplo da floresta que em 2015 e é o próprio
Ministério da Agricultura que o diz. E o que é que este Governo fez, a não ser demagogia? Dizem que fizeram
umas sessões públicas e recolheram muitos contributos. Nós perguntamos: perderam os contributos? É que
não há diferenças entre as propostas iniciais e as que apresentam agora.
Sr.as e Srs. Deputados, para além de pantominas o Governo não fez nada! Anunciaram a aprovação de mais
de uma dezena de diplomas, mas só chegaram cinco à Assembleia, a maior parte da reforma perdeu-se pelo
caminho.
Se para uma reforma são precisas 12 leis, então, só pode ser uma reforma «manta de retalhos», que não
serve ao País.
Diz o Conselho de Ministros que esta é uma matéria que necessita de um amplo consenso nacional. Nós
perguntamos ao Sr. Ministro, ao PS, ao Partido Comunista e ao Bloco: então, não era melhor entenderem-se do
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que andarem a jogar à bisca com projetos de reforma? E que já vamos com 5 do Governo e 3 do Bloco.
Entendam-se por favor!
Se o Governo quisesse consensos e não propaganda, tinha começado por fazer os entendimentos em casa,
dentro da coligação das esquerdas.
E nas organizações da lavoura, há consensos? Também não!
«Temos uma reforma florestal que (…) não atinge o âmago da questão, que é prevenir os fogos florestais»
— foi o PSD que disse? Não foi! «Não atinge aquilo que é um flagelo no nosso País, (…), que é o abandono de
terras que se tornam matos». «(…) a reforma é negativa para o nosso País» — foi o PSD que disse? Não foi!
Em 2016, ardeu mais floresta, estamos em abril de 2017, falta um mês para começar a época dos incêndios
e o que é que o Governo fez? Sr. Ministro, não fez nada! Fez uns espetáculos, uns beberetes, mas de concreto
nada!
Uma certeza podem ter: se as pessoas voltarem a ver a floresta em pasto de chamas, vão ter a certeza de
que os culpados são este Governo e a coligação das esquerdas que o apoia.
Em 2016, ardeu quase o triplo da floresta que em 2015. Este Governo não fez nada para evitar a repetição
do problema em 2017. Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados, pensaram nisto?
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Barreto.
O Sr. Joaquim Barreto (PS): — Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs.
Deputados: Estamos hoje a debater propostas de lei integradas na reforma da floresta e os projetos de lei, sobre
o mesmo tema, apresentados pelo Bloco de Esquerda.
Quero felicitar o Governo, em particular o Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, que
definiu como uma das suas prioridades políticas a reforma do setor florestal, que muito vai contribuir para a
valorização e coesão do território nacional, nomeadamente das áreas de baixa densidade do interior de Portugal,
de modo a inverter o declínio do espaço rural.
As propostas de lei que hoje estamos aqui a discutir foram submetidas pelo Governo a um longo processo
de discussão pública, abrangente, diversificada, inclusiva e aprofundada que vivamente saúdo.
É necessário e importante um consenso alargado na sociedade portuguesa em torno das florestas que tenha
também tradução aqui, na Assembleia da República. A importância das nossas florestas assim o exige.
Saúdo o Bloco de Esquerda por nos proporcionar uma abordagem mais plural da legislação florestal. Saliento
ainda, com agrado, o envolvimento de todas as forças político-partidárias que têm e vão continuar a participar,
com interesse, neste importante debate sobre a floresta em Portugal.
Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr. Secretário de Estado e Sr.as e Srs. Deputados, as propostas de lei que
estão a ser debatidas estão inseridas nas três áreas de intervenção desta reforma: a titularidade da propriedade,
a gestão do ordenamento florestal e a defesa da floresta nas vertentes de prevenção e combate aos incêndios.
Depois de terem sido identificados os principais constrangimentos e obstáculos do setor florestal, estamos,
com estas medidas, a responder às grandes necessidades e desafios da floresta portuguesa.
Não podemos ignorar que 35,4% dos solos de Portugal continental têm aptidão florestal e que, nos últimos
15 anos, perdemos mais de 150 000 ha de floresta com um acréscimo de mais de 300 000 ha de mato e
pastagem em consequência da perda da área florestal e dos terrenos incultos.
Por outro lado e embora não se saiba com rigor a dimensão e a quantidade de prédios rústicos sem dono ou
sem dono conhecido, admite-se que os prédios nestas condições possam representar à volta de 10% do território
nacional, o que corresponderá a 1 milhão de hectares de terras que estão improdutivas.
Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: É importante e fundamental
termos consciência de que o setor florestal tem um futuro garantido e com grande dimensão na riqueza do País.
É determinante investir na arborização e na rearborização. Temos de incentivar e promover o cultivo dos terrenos
incultos. Temos de alterar o paradigma, dando prioridade à gestão e prevenção da floresta, para diminuir os
custos com o combate aos incêndios florestais.
É um imperativo o combate à desertificação e ao despovoamento do interior.
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O Governo com estas medidas, ao contrário de outros que o antecederam na governação do País e que não
tiveram, nem puseram em prática, uma política florestal para esse setor, está a agir e a construir uma floresta
de futuro, sustentável do ponto de vista económico, ambiental e social.
Aplausos do PS.
A nível económico, vamos garantir a rentabilidade dos investimentos nesse setor, aumentando as áreas com
floresta e potenciando as atividades, de base industrial apoiadas na fileira florestal.
A nível ambiental, com a expansão das florestas, vamos aumentar a fixação decarbono, melhorar o ciclo da
água e manter o equilíbrio dos solos, fomentando simultaneamente os produtos ecossustentáveis.
O Sr. Presidente: — Já ultrapassou o seu tempo, Sr. Deputado. Faça favor de concluir.
O Sr. Joaquim Barreto (PS): — Só um bocadinho, Sr. Presidente.
A nível social, vamos garantir às pessoas remunerações e rendimentos proporcionais ao trabalho aplicado
na floresta, com uma justa distribuição de riqueza e com uma maior fruição por parte das comunidades.
Queremos uma floresta sustentável que tenha em conta uma gestão florestal certificada e profissional,
encarando e assumindo as áreas florestais como espaços de uso múltiplo, para atrair e motivar as populações
que delas vivem e os que nelas trabalham,…
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.
O Sr. Joaquim Barreto (PS): — … nomeadamente os produtores, os pastores, os caçadores, os amantes
do desporto da natureza e do lazer, bem como os técnicos, os engenheiros florestais e outros que serão sempre
os primeiros a preservar, a prevenir e a defender a floresta dos incêndios.
O Governo prometeu e está a cumprir! Palavra dada é, para nós, palavra honrada!
O sucesso das florestas depende de todos!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Maurício Marques, do
PSD.
O Sr. Maurício Marques (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A
floresta portuguesa, seus proprietários e agentes do setor mereciam mais respeito pelo atual Governo e pela
maioria que o suporta. Os mais de 400 000 proprietários florestais não podem ser vistos como malfeitores.
Esta espécie de reforma agrária, a que o Sr. Ministro chama «reforma florestal», foi a forma encontrada para
esconder a calamidade ocorrida no verão passado.
Em 2016, a área ardida foi três vezes superior ao previsto no Plano Nacional de Defesa da Floresta contra
Incêndios e os reacendimentos foram-no mais de vinte vezes.
Todos esses indicadores obrigavam a uma séria avaliação das ocorrências. Se o Governo tivesse analisado
com rigor o ocorrido, verificava que cerca de 50% da área ardida era de matos e incultos. Importa, por isso,
compreender por que é esta a área que mais tem aumentado, em detrimento da floresta, cujas áreas vêm
diminuindo ano após ano. E a razão é simples: falta de rentabilidade da floresta.
As iniciativas legislativas que hoje se discutem são ainda mais geradoras do abandono da terra.
Desincentivam o investimento na floresta, constituem uma verdadeira agressão aos milhares de pequenos
proprietários florestais, que tinham na floresta o seu único rendimento.
A legislação que a maioria de esquerda se prepara para aprovar só serve para a sua alimentação política e
ideológica, marcada por preconceitos contra a propriedade privada e seus proprietários.
O Sr. João Ramos (PCP): — Esteve cá, mas não ouviu nada!
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A Sr.ª Carla Cruz (PCP): — Trazia a cartilha escrita!
O Sr. Maurício Marques (PSD): — Maior calamidade do que a ocorrida no verão de 2016 só mesmo estas
medidas avulsas e sem sentido, de caráter antieconómico e de afrontamento às organizações do setor.
O perigo de risco de incêndio não sai diminuído, antes, pelo contrário, vai aumentar, e muito, pois o abandono
da floresta vai ser agravado e a área de matos e incultos vai aumentar. Vamos assistir ao aumento de infestantes
e de uma espécie claramente estimulada com estas medidas, que é a espécie florida que dá pelo nome de
«acácia».
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Matias, do Bloco de
Esquerda.
O Sr. Carlos Matias (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Tomamos este debate como um passo
em frente, um debate que se deve fazer centrado aqui, nesta Assembleia da República, e que levamos muito a
sério. Aliás, os debates que se fazem à esquerda não são como os debates que se faziam no Governo anterior,
aqui não se resolvem bancos por cruz nem se assinam pacotes florestais de cruz, aqui debate-se, e debate-se
a sério, não se trata de nenhuma farsa.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!
Protestos do PSD.
O Sr. Carlos Matias (BE): — Em segundo lugar, estamos abertos para continuar este debate, mantendo
pontos essenciais: aumentar a gestão agrupada; aumentar a rentabilidade dos proprietários, assegurando a
posse das suas terras, sobretudo das microparcelas;…
O Sr. Nuno Serra (PSD): — Vá ao terreno!
O Sr. Carlos Matias (BE): — … diversificar o mosaico florestal, contendo as manchas contínuas que os
senhores do PSD alimentaram, em particular a do eucalipto, que é o alfa e o ómega da sua política.
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Matias (BE): — Para concluir, Sr. Presidente, reafirmamos a nossa disponibilidade para
construir boas propostas, porque para a floresta já chega de conversa fiada, é preciso passar à ação.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Para encerrar o debate, tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto.
O Sr. Ministro Adjunto (Eduardo Cabrita): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Para o Governo, a
floresta é um domínio fundamental da estratégia de valorização do território, da estratégia de ação a médio e
longo prazo, promovendo a sustentabilidade ambiental, a competitividade económica e o envolvimento das
populações e dos produtores florestais. E, por isso, valorizamos todas as bancadas que consideram, seriamente,
que este é um debate a olhar para o futuro, centrado em estratégias de médio e longo prazo que querem
combater o absentismo, que querem promover o envolvimento das populações, o envolvimento dos produtores
florestais, o envolvimento das autarquias na defesa da floresta enquanto potencial económico.
É, pois, lamentável que o PSD, que foi absentista durante quatro anos, tenha feito um debate incendiário,…
Aplausos do PS.
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O Sr. Nuno Serra (PSD): — Está enganado, é o contrário!
O Sr. Ministro Adjunto: — … provando que só pensa nas florestas quando vê o fogo, a meio de agosto. Foi
esse o lamentável contributo que o PSD trouxe a este debate.
A Sr.ª Júlia Rodrigues (PS): — É isso mesmo!
O Sr. Ministro Adjunto: — O Governo aprovou um conjunto vasto de iniciativas, da arborização à estratégia
de caracterização do regime de propriedade,…
O Sr. Nuno Serra (PSD): — Do regime de propriedade?!
O Sr. Ministro Adjunto: — … à valorização das terras sem dono conhecido, à defesa da floresta contra
incêndio, à promoção da gestão da biomassa enquanto modo de energia limpa, valorizando o potencial
económico da floresta.
É pena que o PSD nem tenha reparado que alguns projetos foram já aprovados por decreto-lei e todos
aqueles que, constitucionalmente, exigem a forma de lei estão hoje, aqui, a ser debatidos.
Nós, durante três meses, promovemos o debate público. O Sr. Ministro da Agricultura liderou mais de duas
dezenas de reuniões em todo o País, ouvindo todos os interessados. Recolhemos cerca de um milhar de
contributos que, como o CDS reconheceu,…
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Ministro, porque já ultrapassou largamente o tempo de que
dispunha.
O Sr. Ministro Adjunto: — … contribuíram para a alteração significativa de todos os diplomas, aliás, referiu,
designadamente, o diploma do cadastro simplificado.
O Sr. Presidente: — Tem de terminar, Sr. Ministro.
O Sr. Ministro Adjunto: — Apelamos a todas as bancadas um grande empenho para um grande consenso
nacional em relação a esta matéria, para que se passe do «fogo», da «piromania», à ação, ao desenvolvimento
em torno da floresta.
Aplausos do PS.
Protestos do PSD.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, chegámos ao fim do debate conjunto, na generalidade, das propostas
de lei n.os 65, 66, 67, 68 e 69/XIII (2.ª) e dos projetos de lei n.os 464 e 500/XIII (2.ª).
Antes de iniciarmos o segundo ponto da ordem de trabalhos, o debate, na generalidade, da proposta de lei
n.º 63/XIII (2.ª) — Aprova a decisão europeia de investigação em matéria penal, transpondo a Diretiva
2014/41/UE, vamos fazer uma breve pausa para que se proceda à alteração da composição da bancada do
Governo e à minha substituição na presidência da Mesa.
Pausa.
Entretanto, assumiu a presidência o Vice-Presidente José Manuel Pureza.
Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, conforme foi anunciado pelo Sr. Presidente, Ferro
Rodrigues, vamos dar início ao debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 63/XIII (2.ª) — Aprova a decisão
europeia de investigação em matéria penal, transpondo a Diretiva 2014/41/UE.
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Para apresentar a iniciativa legislativa, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Justiça.
A Sr.ª Ministra da Justiça (Francisca Van Dunem): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de
lei n.º 63/XIII (2.ª) transpõe para a ordem jurídica portuguesa a Diretiva 2014/41/UE, do Parlamento Europeu e
do Conselho, de 3 de abril, que institui um sistema global de obtenção de elementos de prova, criando para
tanto a decisão europeia de investigação (DEI) em matéria penal.
A decisão europeia de investigação constitui um instrumento de reconhecimento mútuo de decisões
proferidas no espaço europeu e traduz-se numa decisão judicial proferida ou validada por uma autoridade
judiciária de um Estado-membro — Estado de emissão — para que sejam executadas noutro Estado-membro
— Estado de execução — uma ou mais medidas específicas de investigação, com vista à obtenção de elementos
de prova ou à transmissão de elementos de prova que já estejam na posse das autoridades competentes do
Estado de execução.
A proposta de lei estabelece, pois, o regime jurídico de emissão, de transmissão, de reconhecimento e de
execução de uma DEI, em obediência aos requisitos da Diretiva.
A transposição da Diretiva não implica uma alteração dos meios de obtenção da prova no plano interno,
afetando apenas os requisitos formais de execução, em território nacional, dos pedidos de cooperação judiciária
para obtenção de meios de prova emitidos por outros Estados-membros e de emissão pelas autoridades
portuguesas de pedidos de cooperação judiciária, visando a obtenção de prova noutro Estado da União
Europeia.
A proposta de lei salvaguarda, no quadro dos motivos de não reconhecimento ou não execução, entre outros
fundamentos, o princípio da intervenção mínima, o princípio ne bis in idem, bem como a proteção de direitos
fundamentais consagrados no artigo 6.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).
Como autoridade central para assistência em todas as comunicações está prevista a Procuradoria-Geral da
República.
Porque o prazo de transposição desta Diretiva termina em maio de 2017, o Governo requereu que a sua
apreciação assumisse caráter de urgência.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem, agora, a palavra o Sr. Deputado
Filipe Neto Brandão, do PS.
O Sr. Filipe Neto Brandão (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Justiça, Sr. Secretário de Estado dos
Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: O passo que o Governo hoje nos propõe que seja trilhado é
indubitavelmente um passo importante no combate ao crime e ao ilícito transnacional.
Como o Governo bem recorda na exposição de motivos da proposta de lei, a União Europeia é um espaço
de livre circulação de pessoas e bens, onde essas pessoas e bens circulam sem quaisquer constrangimentos
fronteiriços, e esse bem inestimável — a liberdade de circulação de pessoas e bens, cuja importância, aliás,
importa preservar e recordar num momento em que a Europa se debate com questiúnculas diversas — acarreta
obviamente o risco de poder obstar à eficácia do combate ao crime transnacional. E dificilmente poderíamos
encontrar uma melhor ilustração para essa realidade do crime transnacional e para a necessidade de o
combatermos do que socorrermo-nos do conceito densificado pelo sociólogo polaco, recentemente falecido,
Zygmunt Bauman, que nos falava da modernidade líquida. Ora, a criminalidade líquida é precisamente aquela
que se não contém em restritos espaços nacionais, ao invés, aproveita as brechas e fissuras dos diversos
sistemas de controlo nacionais para se espraiar ou fluir para outros espaços que não o do país de origem.
É, pois, desejável — e a proposta de lei vai ao encontro desse anseio — que se crie no espaço europeu um
mecanismo ou, em rigor, vários mecanismos céleres de reconhecimento e execução de decisões de um Estado-
membro noutro Estado-membro. É este o propósito da Diretiva que esta proposta visa transpor, ou seja, a
criação de um regime único para obtenção e transferência de elementos de prova por um Estrado-membro, o
Estado de emissão, para o território de outro Estado-membro, o Estado de execução, e a harmonização dos
procedimentos processuais existentes nos Estados-membros. São os tais requisitos formais de que a Sr.ª
Ministra acabou de falar.
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Pretende-se, pois, uma maior eficácia, rapidez e coerência nos procedimentos dos diversos Estados-
membros, objetivo que é cumprido com a padronização ou formatação do modo como essas decisões europeias
de investigação são apresentadas, através do preenchimento de formulários facilmente inteligíveis por todos os
Estados-membros. Através dessas DEI, dessas decisões europeias de investigação, operar-se-ão trocas de
informações sobre contas bancárias, medidas provisórias de conservação da prova, transferência temporária de
pessoas detidas para efeitos de investigação, com as salvaguardas que, aliás, a Sr.ª Ministra muito
sumariamente indicou.
Portanto, em conclusão, amanhã, com a votação e previsível aprovação desta proposta de lei, daremos um
passo decisivo para a criação de um sistema global europeu de obtenção de elementos de prova nos processos
penais de dimensão transfronteiriça.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sandra
Cunha, do Bloco de Esquerda.
A Sr.ª Sandra Cunha (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Justiça: A cooperação entre as entidades de
investigação criminal no espaço europeu, desde que escrupulosamente conforme aos ditames de um Estado de
direito, pode constituir um instrumento de valia indesmentível.
A proposta de lei agora apresentada pelo Governo, transpondo para a ordem jurídica portuguesa a Diretiva
2014/41/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa à decisão europeia de investigação em matéria
penal, vai nesse sentido.
Assinalamos, em primeiro lugar, que esta tem de ser uma prática balizada por regras imperativas, como o
princípio da intervenção mínima, o princípio ne bis in idem, e o princípio geral da proteção dos direitos
fundamentais em todas as matérias e, muito particularmente, no domínio da investigação criminal. Salientamos,
também, a consagração do princípio do reconhecimento mútuo como quadro de referência da aceitação das
decisões europeias de investigação.
Apesar desta apreciação globalmente positiva, há aspetos que consideramos importantes nesta proposta de
lei e que carecem de uma regulação mais precisa. Salientamos dois que nos parecem mais sensíveis.
Em primeiro lugar, queremos manifestar perplexidade com a inclusão, no elenco dos processos suscetíveis
de legitimarem a emissão de uma decisão europeia de investigação — e de permitirem, por essa via, acesso a
bases de dados pessoais —, de processos instaurados por entidades administrativas relativamente a infrações
que constituem ilícito de mera ordenação social, como prevê a alínea c) do artigo 5.º. Permitir que uma simples
contraordenação faculte o acesso por entidades estrangeiras a bases de dados pessoais constitui, a nosso ver,
uma previsão desproporcional, que é contrária aos bons princípios do Estado de direito.
Em segundo lugar, releva, para nós, a circunstância de o princípio da confidencialidade previsto, como tinha
de ser nesta proposta, não ser acompanhado de nenhuma disposição sancionatória para práticas que o violem.
Ficamos, pois, face a uma estatuição meramente proclamatória, mas sem garantias de efetividade.
Os princípios da precaução e da proporcionalidade têm de ter um lugar de primazia incontestada sempre que
esteja em jogo uma limitação dos direitos fundamentais constitucionalmente previstos. Isso não está
devidamente acautelado nessa proposta, a nosso ver. O Bloco de Esquerda tudo fará para que o venha a ser
depois, no debate em sede de especialidade.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Vânia
Dias da Silva, do CDS-PP.
A Sr.ª Vânia Dias da Silva (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Justiça, Sr. Secretário de Estado
dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: Começando por cumprimentá-los, direi que a ideia desta
Diretiva remonta a 2009 e a investigação em matéria penal transfronteiriça é um objetivo válido e pertinente,
sendo neste momento ainda mais pertinente.
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Basicamente, o que se pretende é acabar com o regime fragmentado em matéria de investigação penal e
criar um sistema global de recolha e de obtenção de elementos de prova nos processos criminais com dimensão
transfronteiriça. Basicamente, é disto que estamos a falar, hoje. Ora, isto permite atalhar vários problemas que
se têm vindo a fazer sentir no nosso País há já muito tempo, e é bom que este problema seja, de facto,
circunscrito.
A investigação criminal é, muitas vezes, prejudicada pela dificuldade de obtenção de prova, sobretudo
quando estamos a falar na criminalidade transfronteiriça, e, muitas vezes, impossibilita a incriminação e a
descoberta da verdade.
Por isso, entendemos que é salutar este passo que agora se dá. Aliás, casos mediáticos como, por exemplo,
o de Madeleine McCann podiam, eventualmente, ter sido evitados, tendo em conta os problemas que foram
detetados, se já tivéssemos conseguido ter este mecanismo a operar. Este problema passou-se há 10 anos,
portanto é bom que este mecanismo ande para a frente.
Mais, e de uma forma ainda mais premente neste momento: o tempo em que nos encontramos é difícil, é um
tempo em que todos vivemos em sobressalto por essa Europa fora, com medo do terrorismo e da criminalidade
altamente organizada e que ultrapassa fronteiras. Portanto, esta é uma matéria que, de facto, deve ser tida em
conta e em consideração e não deve ser politizada.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!
A Sr.ª Vânia Dias da Silva (CDS-PP): — De resto, há um ponto essencial que nos parece absolutamente
fundamental e que a Sr.ª Ministra focou, que é o cumprimento dos três pilares em que assenta a iniciativa
legislativa. São eles: o princípio da intervenção mínima — porque falamos de direito penal, ele é, como sabemos,
o último rácio —; o cumprimento do princípio ne bis in idem, ou seja, o cumprimento do princípio de não se
repetir o que já foi julgado; e a proteção dos direitos fundamentais. E isto tem de ser feito com a maior das
cautelas.
Sabemos que a França, a Alemanha e a Roménia já têm este mecanismo em vigor, mas ele só funciona na
base do princípio do reconhecimento mútuo. Por isso, é bom que os outros países também o façam, sob pena
de estarmos nós a fazer sem que haja ganhos visíveis e sem que tenha a escala que se pretende.
Sr.ª Ministra, o que é importante neste momento é todos sabermos o que pensam os operadores judiciários
sobre esta matéria. Na nossa opinião, não nos parece mal, parece-nos até muito bem, o que é preciso é
munirmos este processo das cautelas e das garantias que são absolutamente necessárias. Para tanto,
precisamos saber o que os operadores judiciários — aqueles que todos os dias vão lidar com esta questão —
pensam sobre o assunto e que contributos podem aportar para esta discussão, no sentido de ela se fazer de
uma forma absolutamente isenta para que tudo corra com as garantias necessárias.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado António
Filipe, do PCP.
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Justiça, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos
Parlamentares, Srs. Deputados: É com recetividade de princípio que encaramos esta proposta de lei, de
transposição de uma diretiva sobre uma matéria que reputamos inegavelmente importante.
É sabido que a criminalidade transnacional assume particular gravidade e é óbvio que a cooperação judiciária
internacional assume um papel decisivo na repressão deste tipo de criminalidade e na responsabilização dos
infratores.
Esta proposta de lei não aponta — e bem! — para um princípio de supranacionalização da investigação
criminal, considera-a — e bem! — um reduto, que deve ser inexpugnável, da soberania dos Estados, mas,
obviamente, exige que haja uma ampla cooperação internacional que seja efetivamente eficaz e que permita
que, nos casos de criminalidade mais complexa, designadamente aquela que é mais difícil de combater — a
criminalidade económica e financeira transnacional —, se possa encontrar mecanismos de cooperação que se
revelem eficazes.
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Todos nós temos notícia, ao longo dos anos, de processos que são arquivados por falta de cooperação
judiciária internacional e é preciso, de facto, que os Estados cooperem entre si, com respeito pelas competências
próprias das autoridades judiciárias — e isso está salvaguardado pelo papel conferido às autoridades judiciárias
e, particularmente, pelo papel que é conferido à Procuradoria-Geral da República no âmbito deste diploma —,
para que, no respeito pelas competências próprias das autoridades judiciárias de cada Estado, no respeito pela
Constituição e pelo ordenamento jurídico de cada um dos Estados envolvidos, se promova uma eficaz
cooperação judiciária que permita acabar com a impunidade de crimes transnacionais que são muito lesivos de
valores jurídicos fundamentais e, muitas vezes, da economia dos próprios Estados afetados por este tipo de
criminalidade.
Encaramos, pois, com recetividade esta proposta de lei. Naturalmente, importa proceder à audição dos
operadores judiciários e, acrescentaria, seria também muito importante ter a contribuição do representante
português na Eurojust — aliás, estamos em condições de promover nesta Assembleia essa audição, em tempo
e com efeito úteis.
Entendemos que faz todo o sentido que esta transposição da Diretiva seja feita e que Portugal dê um sinal
no sentido da sua disponibilidade para uma mais ampla cooperação judiciária internacional no âmbito da
repressão de uma criminalidade que a todos afeta e que é, efetivamente, muito grave.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Sara
Madruga da Costa, do PSD.
A Sr.ª Sara Madruga da Costa (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Justiça, Sr.as e Srs. Deputados:
Um dos grandes desafios das sociedades modernas é o combate à criminalidade internacional. Infelizmente,
temos assistido um pouco por toda a Europa a uma série de atentados. Neste momento, impõe-se, assim, uma
reflexão sobre como conciliar a liberdade de circulação com a segurança.
Sr.ª Ministra, a globalização e a livre circulação de cidadãos no espaço da União Europeia exigem uma
resposta eficaz à atividade criminosa transnacional. A União Europeia tem de ser capaz de criar um espaço
único de justiça penal. Só podemos ambicionar uma verdadeira e autêntica cidadania se formos capazes de
combater a criminalidade e garantir a proteção dos direitos das vítimas, dos direitos dos suspeitos e dos direitos
dos reclusos na União Europeia.
É por isso que o PSD considera prioritário o combate à criminalidade e a salvaguarda da segurança dos
cidadãos. É por isso que o PSD defende a necessidade de uma nova abordagem da investigação criminal na
União Europeia. É por isso que o PSD concorda com o conteúdo da presente iniciativa.
Sr.ª Ministra, será que o comum cidadão sente que o Governo está preocupado com a sua segurança
relativamente ao fenómeno do terrorismo? Pensamos que é preciso aumentar a confiança dos cidadãos nesta
matéria. Temos de ser mais assertivos para sermos mais eficazes. Por exemplo, numa matéria tão relevante
como a da criação do ponto único de contato, o que tem feito o Governo? O Governo esteve mais de um ano a
trabalhar nesta matéria e o Parlamento ainda não conhece o seu enquadramento legislativo.
Sr.ª Ministra, com esta iniciativa, e numa matéria com esta importância, o que é que o Governo faz?
Transpõe, tarde e a más horas, de forma confusa e atabalhoada, impedindo que o Parlamento tenha acesso
aos pareceres obrigatórios.
Sr.ª Ministra, perdemos uma oportunidade para revogar o regime jurídico que então é aplicável. Desta forma,
como é que o Governo pretende cumprir com esta promessa de revogação de 400 diplomas por sessão
legislativa, que consta da medida Revoga+?
Sr.as e Srs. Deputados, o Governo tem de fazer mais e melhor no combate ao terrorismo, quando o que está
em causa é a segurança e a tranquilidade dos cidadãos.
Sr.ª Ministra, não podemos dar tréguas no combate à criminalidade e ao terrorismo.
Aplausos do PSD.
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O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para encerrar este ponto da nossa ordem de trabalhos, tem a
palavra a Sr.ª Ministra da Justiça.
A Sr.ª Ministra da Justiça: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo trouxe, em tempo útil e de
modo perfeitamente claro, um diploma através do qual pretende fazer a transposição de uma diretiva.
Não creio que restem dúvidas a nenhum Sr. Deputado relativamente ao conteúdo normativo da proposta de
lei e, sobretudo, da tempestividade com que o que o Governo apresentou a iniciativa.
Aquilo que trazemos aqui, através desta proposta de lei, é, de facto, um sistema global. Um sistema global
que é procedimental, porque não se refere a conteúdos nem interfere, como já disse, com os meios de obtenção
de prova a nível nacional, mas tão-só com as regras relativas à emissão e receção de pedidos de cooperação
judiciária.
No essencial, aquilo que se fez neste processo foi congregar num único instrumento um conjunto de
instrumentos avulsos que existiam em relação a esta matéria, nomeadamente uma convenção do Conselho da
Europa, uma convenção da União Europeia, a convenção relativa à transferência de pessoas condenadas e
vários outros instrumentos que foram aqui incluídos. Consta da proposta de lei tudo menos Schengen,
basicamente, no caso de Schengen, as equipas de investigação conjuntas.
Portanto, não há nada na iniciativa legislativa em discussão que seja menos claro. Já agora, queria dizer
que, em grande articulação com a Procuradoria-Geral da República e também com a Eurojust, o que aparece
na proposta de lei é um trabalho partilhado e também participado pelos operadores judiciários que têm
responsabilidades nessa área. Daí que eu considere muito útil que o Parlamento também os oiça para saber
qual foi a prestação dos mesmos sobre o resultado final do trabalho que aqui foi, hoje, apresentado.
Pedia aos Srs. Deputados que considerassem que no dia 22 de maio todos os outros instrumentos caem.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Srs. Deputados, terminada a discussão, na generalidade, da
proposta de lei n.º 63/XIII (2.ª), passamos ao terceiro ponto da ordem de trabalhos, com a apreciação, na
generalidade, da proposta de lei n.º 64/XIII (2.ª) — Regulamenta a identificação judiciária lofoscópica e
fotográfica.
Para apresentar a iniciativa legislativa, tem, de novo, a palavra a Sr.ª Ministra da Justiça.
A Sr.ª Ministra da Justiça: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 64/XIII (2.ª) visa
regulamentar a identificação judiciária lofoscópica e fotográfica para fins de investigação e de prevenção
criminal, em particular o ficheiro central de impressões digitais, de modo a permitir a centralização e partilha de
dados recolhidos pelos diversos órgãos de polícia criminal no quadro da investigação criminal.
Através da proposta de lei, procede-se à regulamentação da utilização do sistema de identificação de
impressões digitais, designado em inglês Automated Fingerprint Identification System (AFIS), no qual assenta o
ficheiro central de dados lofoscópicos e que permite comparar vestígios lofoscópicos recolhidos no cenário de
um crime, ou em objetos utilizados na sua preparação, com um universo de impressões digitais recolhidas
diretamente em pessoas que tenham sido resenhadas.
A Polícia Judiciária, através do Laboratório de Polícia Científica (LPC), será a entidade responsável por este
ficheiro, bem como pela definição e divulgação de boas práticas relativas à sua utilização, provisionamento e
coordenação com os demais órgãos de polícia criminal.
Cabe-lhe também a responsabilidade de garantir e supervisionar a qualidade dos dados introduzidos,
designadamente no que respeita a retificação de inexatidões, ao suprimento de omissões e, bem assim, à
promoção da supressão de elementos indevidamente registados.
Este ficheiro é cedido e provisionado pelos principais órgãos de polícia criminal e, obviamente, pode também
ser provisionado com a informação proveniente dos serviços de informação criminal.
Procura-se assegurar que quer o ficheiro em si, quer as consultas a este efetuadas obedeçam aos mais
elevados requisitos de garantia dos dados pessoais, designadamente em matéria de tratamento, de segurança,
de conservação e de acesso. Para esse efeito, prevê-se, designadamente, a realização de controlos aleatórios
periódicos das consultas, cujos relatórios são acessíveis à Comissão para a Coordenação da Gestão de Dados
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referentes ao Sistema Judicial e as autoridades judiciárias, para fins de investigação de eventuais violações,
sem prejuízo das competências óbvias da Comissão Nacional de Proteção de Dados.
Por outro lado, para a coordenação da investigação e da prevenção criminal nacional, a Procuradoria-Geral
da República acede aos relatórios emitidos, monitorizando as consultas efetuadas.
A proposta de lei procura, ainda, dar resposta a obrigações internacionais do Estado português em sede de
cooperação policial e judiciária internacional em matéria penal e, nesta dimensão, regulamenta a transmissão
de dados dactiloscópicos no âmbito da cooperação transfronteiras, em particular no domínio da luta contra o
terrorismo e do crime transnacional, executando na ordem interna as obrigações decorrentes da Decisão
2008/615/JAI, do Conselho, de 23 de junho, relativa ao aprofundamento da cooperação transfronteiriça, cujas
disposições administrativas e técnicas foram regulamentadas pela Decisão 2008/616/JAI, de 23 de junho.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira terminar, Sr.ª Ministra.
A Sr.ª Ministra da Justiça: — Com certeza, Sr. Presidente.
Para esse efeito, a Polícia Judiciária, através do LPC, é designada como Ponto de Contacto Técnico-
Científico e assegurará a transmissão de dados lofoscópicos.
A transmissão internacional de dados pessoais — e este ponto é relevante — está sujeita à autorização da
autoridade judiciária competente, através dos mecanismos de cooperação judiciária internacional.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando
Negrão, do PSD.
O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Sr.ª Ministra da Justiça já nos
explicou sumariamente o funcionamento desta nova ferramenta para a investigação criminal, cuja novidade
central é a criação de um ficheiro central de dados lofoscópicos, sendo que este instrumento é fundamental no
que diz respeito a Schengen, Europol e também a um acordo de regras policiais transfronteiriças que existe
entre Portugal e Espanha, não esquecendo o Acordo de Prüm, celebrado por Portugal e que exige de Portugal
este e outros instrumentos. Mas agora estamos a falar do tema, aliciante, das impressões digitais.
Por isso, relativamente à proposta de lei — e não a vou explicar porque a Sr.ª Ministra já o fez —, tenho
algumas dúvidas, que vou expor.
Primeira, sendo o ficheiro alimentado por todos os órgãos de polícia criminal, não deveriam estes participar
em pé de igualdade com a Polícia Judiciária na definição e na divulgação das práticas relativas à sua utilização?
Esta pergunta parece estranha, mas não é, Sr.ª Ministra. Hoje, o combate ao crime é diferente daquele que
existia há 10 anos. Há 10 anos, a informação era adjacente em relação ao combate ao crime; hoje, a informação
é central na investigação criminal e, sendo central, a colaboração entre os órgãos de polícia criminal é
fundamental. A motivação entre os órgãos de polícia criminal para trabalharem em conjunto é fundamental para
o combate ao crime.
Uma outra dúvida, Sr.ª Ministra: a gestão é da responsabilidade da Polícia Judiciária, em coordenação com
os demais órgãos de polícia criminal. No diploma não está definida a forma como se leva a cabo essa
coordenação. Porquê?
Ainda uma outra dúvida prende-se com a forma como deve ser efetuada a consulta automatizada dos dados
lofoscópicos, no âmbito da cooperação policial e judicial. Por que razão não é feita qualquer alusão ao Ponto de
Contacto Único, previsto na Decisão Prüm, fundamental no que diz respeito à articulação de informação? Qual
a razão da ausência da menção da indexação ao Sistema Integrado de Informação Criminal nacional, através
da plataforma para o intercâmbio de informação criminal? Por que é que o diploma não tem esta menção, sendo
que esta conexão é fundamental para que o círculo de informação se feche e se possa ter a informação
necessária para combater o crime?
Por último, Sr.ª Ministra, queria dizer que, obviamente, todas estas dúvidas serão expostas e discutidas na
especialidade, pois o que queremos é ter um diploma que corresponda às expectativas de quem quer combater,
efetivamente, o crime.
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Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sandra
Cunha, do Bloco de Esquerda.
A Sr.ª Sandra Cunha (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Justiça: O Governo vem propor que a
transposição da Diretiva 2014/41/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, que tratámos no ponto anterior,
se efetue com uma regulamentação do ficheiro de dados de impressões digitais para fins de investigação e
prevenção criminal, apontando o Governo para uma centralização e partilha dos dados recolhidos pelos vários
órgãos de polícia criminal.
Ora, se o propósito de regulamentação se afigura correto, há diferentes elementos da proposta que nos
merecem algumas reservas.
Em primeiro lugar, propõe-se que a recolha de elementos lofoscópicos com vista à identificação judiciária se
faça indistintamente para pessoas constituídas arguidas em processo-crime, condenadas em processo-crime,
inimputáveis a quem tenha sido aplicada medida de segurança, mas também a simples suspeitos que não sejam
portadores de documento de identificação.
Ora, nós acompanhamos a opinião do Conselho Superior do Ministério Público para quem se afigura
«potencialmente conflituante com o princípio geral da proporcionalidade/proibição de excesso, a sujeição à
identificação judiciária de todos os arguidos constituídos em processo-crime».
Na senda do mesmo parecer, entende o Bloco de Esquerda que seria mais equilibrada a limitação da
identificação judiciária através destes meios apenas a arguidos constituídos por crimes puníveis com pena de
prisão superior a três anos, usando o mesmo critério que é usado, por exemplo, para admitir a utilização de
meios intrusivos de investigação criminal como a interceções de comunicações.
Em segundo lugar, o universo de entidades com acesso ao ficheiro central de dados lofoscópicos revela uma
delimitação demasiadamente aberta, tendo em conta que, além das entidades expressamente referidas, se
admite o acesso «pelos demais órgãos de polícia criminal». Ora, este inciso faculta o acesso a um vasto conjunto
de entidades — desde a ASAE (Autoridade de Segurança Alimentar e Económica) à Autoridade Tributária, por
exemplo — que, manifestamente, não deveriam ser contempladas para estes efeitos.
Uma terceira fonte de preocupação é a admissão de recolha de vestígios lofoscópicos, cito: «Em locais
suscetíveis de serem encontrados indícios da preparação e/ou prática de ilícitos criminais ou com eles conexos».
A vaguidez deste preceito abre a possibilidade, francamente discutível, em nossa opinião, de serem alvo de
trabalho de recolha de tais vestígios todo o tipo de locais, indistintamente, com a inerente recolha indiscriminada
de dados de quem quer que seja.
Uma última nota de crítica para a estatuição da manutenção em ficheiro das amostras recolhidas durante um
prazo de 15 anos, independentemente de se provar se há ou não efetiva responsabilidade criminal da pessoa
objeto dessa recolha. Não se percebe o sentido deste prazo tão longo e seria certamente muito mais avisado
que tal prazo coincidisse com o que vale para a manutenção de referências da prática de ilícitos no registo
criminal.
Em síntese, trata-se de uma iniciativa que entendemos ter vários méritos, mas queremos deixar a expressão
da nossa preocupação com várias das disposições desta proposta, algumas das quais foram agora referidas, e
que, em sede de discussão na especialidade, merecerão a nossa maior atenção e a apresentação de propostas
de alteração.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Vânia Dias
da Silva, do CDS-PP.
A Sr.ª Vânia Dias da Silva (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Justiça, Sr. Secretário de Estado
dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: A regulação da identificação lofoscópica e fotográfica —
para que todos entendamos do que estamos a dizer, grosso modo e de forma vaga falamos de impressões
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digitais — é, evidentemente, uma matéria importante que temos de acolher, cuja discussão já tardava. É
importante não só no sentido de centralizar e partilhar os dados recolhidos, mas também para responder a
obrigações internacionais que temos e que ainda não estamos a cumprir.
Esta matéria coloca-se cada vez com mais acuidade pelos motivos já enunciados na minha intervenção
anterior e que me escuso de repetir, embora possa dizer que um dos motivos tem a ver com o facto de vivermos
numa época em que é preciso que tudo o que se possa fazer em matéria de investigação criminal seja
efetivamente feito.
Por isso, Sr.ª Ministra, tem o nosso acordo de princípio em relação à legislação que nos apresentou, muito
embora essa legislação traga alguns problemas que foram, de resto, já identificados nesta tarde. Entendemos
que alguns deles poderiam já ter sido resolvidos e outros poderão sê-lo em sede de especialidade.
Além das questões que já foram colocadas — e não vou repetir-me para não maçar a Sr.ª Ministra —, há
uma outra central, que é a de sabermos como vai ser feita a articulação entre a Polícia Judiciária e as demais
polícias. Sabemos que há polícias, em Portugal, que têm uma função essencial na investigação criminal, outras
que, tendo também funções de investigação criminal, têm uma função mais administrativa, e umas e outras não
podem ser tratadas da mesma maneira. Portanto, é preciso percebermos como é que vai ser feita esta
articulação.
Mas foram levantadas outras questões, designadamente nos pareceres a que já tivemos acesso e que há
pouco já foram identificadas, que têm a ver, por exemplo, com a sujeição a identificação de arguidos em qualquer
processo-crime. Queria perguntar se a Sr.ª Ministra não acha que faz sentido o que diz o Conselho Superior da
Magistratura, ou seja, que deveriam ser sujeitos a identificação apenas arguidos com penas de prisão superiores
a três anos.
Há outro problema que a Comissão Nacional de Proteção de Dados levanta que nos parece que é de
ponderar. Tem a ver com o prazo da conservação dos dados e, ainda, com a qualidade no sentido da integridade
dos dados. Gostaria de saber se a Sr.ª Ministra já ponderou este assunto e se entende que também aqui deveria
haver alguma alteração.
Finalmente, Sr.ª Ministra, segundo nos deu a entender, nesta legislação alarga-se o conceito de impressão
digital, no sentido de não serem só considerados os dedos das mãos mas também as impressões palmares.
Gostaria de perceber como é que isto se coaduna com o nosso direito interno, uma vez que não era assim que
vínhamos a fazer. Gostaria, pois, de perceber como é que se consegue coadunar todas estas questões que lhe
deixei.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando
Anastácio, do PS.
O Sr. Fernando Anastácio (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Justiça, Sr. Secretário de Estado dos
Assuntos Parlamentares, Srs. Deputados: Hoje, há todo um conjunto de novas realidades criminais e de
segurança que implicam que o sistema de justiça criminal garanta aos órgãos de investigação e aos operadores
judiciários condições, em termos de prova técnico-científica, suficientes e bastantes para a descoberta da
verdade, assim como, no âmbito da prevenção e do exercício da ação penal, eficácia e cooperação.
Com a proposta de lei em apreço, o Governo dá mais um passo não só na resposta a estas realidades, mas
também no cumprimento dos compromissos internacionais do Estado português. Aliás, Portugal estava, desde
2011, por força da decisão de 2008, do Conselho, como já aqui foi referido, vinculado ao aprofundamento da
cooperação transfronteiriça, em particular no domínio da luta contra o terrorismo e a criminalidade
transfronteiriça.
Estas iniciativas integram-se, no fundo, no cumprimento do acervo da União Europeia decorrente do Acordo
de Prüm, em sede de intercâmbio de informações para efeitos de prevenção e investigação de infrações penais
e de manutenção da ordem e da segurança públicas.
Esta base de dados dactiloscópicos, estabelecendo o acesso entre os Estados-membros da União Europeia
aos dados de impressões digitais conservados pelos parceiros europeus e impondo, por motivos de eficiência e
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de eficácia, a regulamentação de um ficheiro central de dados lofoscópicos que permita dar resposta a este
desígnio, é, na minha opinião, uma parte deste compromisso.
Há pouco tempo, com a proposta de lei n.º 59/XIII (2.ª) foi dado um passo nesta matéria, quando se tratou
da transmissão de dados do registo de veículos para efeitos de deteção e investigação de infrações de natureza
penal e impunha-se, agora, dar um passo com a regulamentação do ficheiro de dados de impressões digitais
para fins de investigação e de prevenção criminal, de modo a permitir a centralização e a partilha dos dados
recolhidos.
A presente proposta de lei vem dar resposta a obrigações internacionais do Estado português, como já referi,
em sede de cooperação policial e judiciária internacional, mas gostaria também de destacar, em particular, a
sua relevância na luta contra o terrorismo e a criminalidade transnacional.
Quanto ao direito à informação, ao acesso aos dados pelos seus titulares e respetiva retificação, a proposta
de lei, no nosso entender, garante uma inequívoca transparência que deve pautar o funcionamento de qualquer
sistema automatizado de tratamento de dados, procurando introduzir instâncias formais de controlo — e cito a
Procuradoria-Geral da República e o Conselho Superior da Magistratura —, o que se saúda.
Termino, destacando um ponto que merece toda a nossa atenção: a segurança do sistema, a importância de
termos a garantia de um elevado padrão de segurança e proteção que deverá ser conferida ao tratamento de
dados pessoais, imposta pelo artigo 35.º da Constituição, pelo artigo 16.º do Tratado sobre o Funcionamento da
União Europeia e pelos artigos 7.º e 8.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que a proposta
de lei já evidencia, mas que, estamos certos, em sede de especialidade, não deixará de ser uma das questões
a merecer um especial enfoque.
Com esta proposta de lei, dá-se mais um passo no cumprimento das obrigações internacionais do Estado
português.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge
Machado, do PCP.
O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Justiça, Sr. Secretário de Estado dos
Assuntos Parlamentares, Srs. Deputados: A presente proposta de lei cria, como já foi aqui referido em diferentes
intervenções das diferentes bancadas, uma base de dados de impressões digitais que permite a consulta e
identificação de suspeitos de crime.
A primeira nota que queremos deixar é esta: consideramos que este instrumento constitui uma ajuda ao
combate à criminalidade — este é o aspeto central. Hoje, naturalmente, a identificação dos suspeitos de crime
poderá ser facilitada por via da criação desta base de dados e, nesse sentido, é uma ajuda ao combate à
criminalidade, o que não poderíamos deixar de referir.
O diploma trata, depois, de questões que consideramos essenciais: quem acede, como acede e quais os
mecanismos de controlo que estão definidos na lei, bem como o universo dos suspeitos cuja amostra é recolhida.
Estando, naturalmente, disponíveis para, numa discussão em sede de especialidade, debater esse mesmo
universo, a verdade é que o mais importante, na nossa opinião, são os mecanismos de controlo e os meios de
controlo judicial que estão consagrados na proposta de lei, a qual, nesse sentido, nos remete para alguma
salvaguarda dos dados dos cidadãos.
Remete também a proposta de lei para a aplicação da legislação nacional de proteção de dados e confere à
Comissão Nacional de Proteção de Dados a possibilidade de fiscalização da própria base de dados, o que é um
aspeto de garante.
Poderemos discutir em outra sede, que não esta, se a Comissão Nacional de Proteção de Dados tem, hoje,
os recursos humanos para acudir às múltiplas exigências que lhe são colocadas, mas esta possibilidade está
consagrada objetivamente no diploma, e isso satisfaz-nos.
Trata também a proposta de lei das questões do sigilo e do tratamento sigiloso da informação por parte de
quem consulta e estabelece algo que, para nós, é um princípio favorável e merece a nossa simpatia, isto é,
estabelece a Polícia Judiciária como ponto único de contacto, o que naturalmente nos satisfaz.
Terminamos, pois, esta intervenção com este registo satisfatório relativamente à proposta de lei, Sr.ª Ministra.
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Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para encerrar o debate, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Justiça.
A Sr.ª Ministra da Justiça: — Sr. Presidente, quero deixar apenas duas ou três notas, porque já não tenho
tempo disponível.
Em primeiro lugar, estes dados são recolhidos com vista ao processo penal e os acessos efetuam-se apenas
no processo penal. Portanto, penso que não haverá aqui o problema de acessos excessivos.
Depois, sendo prova científica, deve obviamente ser recolhida através dos meios científicos adequados e a
colocação na Polícia Judiciária visa justamente assegurar isso, sendo certo que a coordenação da Polícia
Judiciária é feita, nomeadamente, através da criação de boas práticas e da articulação que é feita com os outros
OPC (órgãos de polícia criminal), relativamente quer à formação quer à certificação.
Quanto à questão dos prazos, que foi aqui colocada, penso que resulta de uma leitura talvez apressada. É
que o prazo de 15 anos existe se outro prazo não for fixado, nomeadamente o prazo legal, que hoje já existe,
de conservação dos processos criminais, ou o prazo de prescrição do procedimento. Portanto, o prazo de 15
anos não é vinculativo, pode ser um prazo inferior se outro for o prazo de conservação do processo.
A última nota é esta: a Diretiva, transpondo Prüm, exige efetivamente imagens palmares de resolução
variável. Portanto, as imagens palmares são o resultado da exigência da Diretiva.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Srs. Deputados, concluída a discussão, na generalidade, da
proposta de lei n.º 64/XIII (2.ª), passamos à discussão, também na generalidade, do projeto de lei n.º 484/XIII
(2.ª) — Segunda alteração à Lei n.º 5/2008, de 12 de fevereiro, que aprova a criação de uma base de dados de
perfis de ADN para fins de identificação civil e criminal, e primeira alteração à Lei n.º 40/2013, de 25 de junho,
que aprova a Lei de Organização e Funcionamento do Conselho de Fiscalização da Base de Dados de Perfis
de ADN (PSD).
Para iniciar o debate e apresentar a iniciativa do partido proponente, o PSD, tem a palavra o Sr. Deputado
Fernando Negrão.
O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Para fazer a apresentação desta
iniciativa legislativa do PSD, convém fazermos um bocadinho de história para percebermos a sua justificação
histórica.
Em 2008, foi criada a base de dados de perfis de ADN para fins de identificação civil e criminal, através da
Lei n.º 5/2008. Dois anos depois, em 2010, foi inserida a primeira amostra nesta base de dados. Foram precisos
dois anos para ser inserida a primeira amostra. E, sete anos volvidos, estamos muito aquém daquilo que, no
início, era previsível, sendo que as previsões feitas no início eram muito modestas.
Eu próprio, enquanto Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias,
na Legislatura anterior, acompanhei este processo. E acompanhei, lamentavelmente, uma guerra infeliz que
ocorreu entre o Instituto de Medicina Legal e Ciências Forenses e o Conselho de Fiscalização da Base de Dados
de Perfis de ADN e que não ajudou nada no que diz respeito à resolução deste problema de termos uma base
de dados efetiva de ADN para apoio à investigação criminal.
Ora, esta é uma ferramenta fundamental para a investigação criminal — aliás, diria que é mais uma
ferramenta fundamental para a investigação criminal. E chegámos a um ponto em que precisávamos de dar um
salto quantitativo para poder ser qualitativo. Em abril de 2012, o próprio Conselho Nacional de Ética para as
Ciências da Vida disse o seguinte: «A confiança atualmente existente no funcionamento da base de dados
permite que sejam aceitáveis alterações à Lei n.º 5/2008, de 12 de fevereiro, no sentido de a tornar menos
restritiva e mais eficaz». Ou seja, o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida chegou à conclusão
de que efetivamente havia que introduzir alterações para podermos ter uma base de dados que desse efetivo
apoio à investigação criminal.
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Ora, de entre as alterações que agora propomos, destacaria as seguintes: torna-se claro que os tribunais e
o Ministério Público, no que diz respeito à recolha, obrigam o arguido, condenado por crime doloso com pena
concreta de prisão igual ou superior a 3 anos, a facultar a amostra de ADN; determina-se a punição por crime
de desobediência qualificada como regra para a recusa de condenados à recolha de amostras determinadas na
sentença; simplifica-se o procedimento, designadamente na inserção de «amostras-problema».
Os procedimentos são de uma enorme complexidade na atual legislação — e não vou entrar agora aqui em
pormenores técnicos, porque estes são demasiados densos para poderem ser percetíveis —, pelo que há
também uma norma que vem simplificar, deixando de ser necessárias duas decisões, que é o que existe ainda
hoje: uma, para a recolha de amostras de ADN, e outra, para inserir no perfil.
Estas são as alterações fundamentais e mais importantes que este projeto de lei do PSD pretende introduzir.
Acreditamos que, com estas alterações, poderemos ter um melhor sistema de recolha de ADN ao serviço da
investigação criminal.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel
Moreira, do PS.
A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este projeto de lei procede à
segunda alteração à Lei n.º 5/2008, de 12 de fevereiro, que aprova a criação de uma base de dados de perfis
de ADN para fins de identificação civil e criminal, e à primeira alteração à Lei n.º 40/2013, de 25 de junho.
A Lei n.º 5/2008, de 12 de fevereiro, já aqui referida, foi aprovada num contexto de reforma do sistema de
investigação em matéria penal e identificação civil e acompanha as novas tecnologias de investigação na área
da genética.
Esta Lei permitiu dotar o sistema legal português de um conjunto de métodos eficazes e seguros para a
identificação de pessoas desaparecidas, vítimas de catástrofes naturais ou responsáveis pela prática de crimes,
garantindo-se o respeito pelos direitos fundamentais consagrados e pelos princípios do processo penal
português e da proteção de dados pessoais.
O projeto de lei do PSD, que altera esta Lei, tem como referência a proposta apresentada à Assembleia da
República pelo Conselho de Fiscalização da Base de Dados de Perfis de ADN, na sequência do trabalho de um
grupo informal constituído por representantes do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, do
Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária e da Procuradoria-Geral da República.
Os sete anos de experiência da Lei n.º 5/2008, que viu inserido o primeiro perfil, como já foi aqui referido, em
fevereiro de 2010, e a reflexão que foi tendo lugar, paulatinamente, entre académicos, magistrados, profissionais
da investigação criminal e entidades públicas, sobre temas diversos ligados à utilização do ADN para fins de
investigação criminal, nomeadamente sobre a forma como foi evoluindo a utilização da base dados, levam-nos
a reconhecer a necessidade de revisitar o regime jurídico em análise.
O processo de construção da base de dados está em curso, isto é, o processo de consolidação da sua
atividade vai-se fazendo, quer no que respeita aos critérios e procedimentos de inserção de dados, quer no que
respeita à definição de um caminho seguro para a sua sedimentação prática e jurisprudencial.
Com efeito, como referiu o PS aquando da apresentação de relatórios anteriores, a jurisprudência — e
também a doutrina — ainda não traçou um caminho firme a este propósito e estamos cientes das questões e
dúvidas que ainda se colocam, por exemplo, ao nível dos métodos proibidos de prova.
Isso não nos deve impedir, enquanto legisladores, de avançar num processo de melhoria e aperfeiçoamento
legislativo que envolva necessariamente todos os parceiros.
Esta será mais uma oportunidade, a par de várias iniciativas do Governo que deram entrada na presente
Legislatura, para recuperar o tempo perdido nos últimos anos na concretização dos compromissos assumidos
internacionalmente no âmbito da agenda Prüm.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Muito obrigado, Sr.ª Deputada.
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A Mesa faz um compasso de espera, na expectativa de que algum Sr. Deputado se inscreva.
Pausa.
Peço desculpa, não terá havido sinal ou terá havido engano da Mesa, mas a Sr.ª Deputada Vânia Dias da
Silva ter-se-á inscrito.
Tem a palavra, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Vânia Dias da Silva (CDS-PP): — Sr. Presidente, achava que me tinha inscrito, mas não tinha a
certeza. Portanto, não sei de quem foi o engano.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, começo por saudar o PSD por esta iniciativa não só pertinente mas
também premente.
Estamos, hoje, numa tarde profícua em meios auxiliares da investigação criminal — este é um deles e é
importante.
O Sr. Deputado Fernando Negrão já aqui fez uma análise daquelas que foram as dificuldades sentidas ao
longo dos anos e que têm sido várias, conhecidas e publicitadas. Ora, este projeto de lei que agora o PSD nos
traz, pretende atalhá-las, e parece-nos que bem. De resto, vai ao encontro de várias recomendações feitas
nesse sentido, pelo que tem o nosso apoio.
Na verdade, os perfis de ADN inseridos, neste momento, não chegam a 8500, numa vigência da lei de quase
nove anos, o que é muito pouco. Para quem queria inserir cerca de 3000 por ano, percebe-se que esta questão
tem tido problemas. E tem tido problemas não só porque há falta de sensibilização dos juízes, como também,
muitas vezes, porque há falta de dinheiro para o fazer. Portanto, estas matérias têm de ser tratadas e trabalhadas
de forma a que esta situação não volte a acontecer.
O Sr. Deputado Fernando Negrão já explicou o que é que se pretende fazer — e nós concordamos com isso
— e o PS, pela voz da Sr.ª Deputada Isabel Moreira, acabou de dizer que, em sede de especialidade, iria fazer
algumas propostas e concertar algumas questões que entende não estarem tão certas.
A minha pergunta, neste momento, é no sentido de saber se, de facto, vamos assistir a um consenso no
Parlamento sobre esta questão e se o Governo e a maioria não vão fazer como de costume, ou seja, se não vão
dizer que já estão a trabalhar nessa matéria, que vão apresentar o seu projeto e que vão chumbar o nosso.
Espero que isso não aconteça, como tem acontecido reiterada e sucessivamente com variadíssimas matérias,
designadamente a relativa aos idosos e à natalidade, e que nos possamos unir todos para aprovar esta iniciativa,
porque esta é uma matéria que precisa de consenso e a investigação criminal ficará prejudicada se assim não
acontecer.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem agora a palavra o Sr. Deputado António Filipe, do PCP,
para uma intervenção.
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este projeto de lei faz todo o sentido e,
efetivamente, recolhe uma contribuição dada pelo Conselho de Fiscalização da Base de Dados de ADN,
constante do relatório que apresentou quanto às suas atividades, portanto, merece, obviamente, ser
considerado.
Trata-se de uma matéria relevante, porque, efetivamente, a base de dados de perfis de ADN ficou aquém
daquilo que se esperaria, apesar de considerarmos prudente a forma como foi constituída, sobretudo o facto de
não ter ultrapassado algumas questões de princípio que foram suscitadas quando foi debatida no Parlamento.
Uma dessas questões relacionava-se com a inclusão de perfis de ADN para fins de identificação civil, ou seja,
fora de qualquer procedimento criminal, que deveria ser voluntária, não se deveria criar um processo de coação
sobre os cidadãos no sentido de os seus perfis de ADN serem inseridos na base de dados para efeitos de
identificação. Pareceu-nos prudente que assim fosse e parece-nos que esse princípio não deve ser
ultrapassado. Mas, obviamente, há toda uma evolução a fazer e há toda uma reflexão que deve prosseguir
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relativamente ao enriquecimento da base de dados de perfis de ADN, por exemplo, para efeitos de investigação
criminal.
Portanto, aquilo que nos é proposto merece discussão, designadamente a previsão de uma gradação entre
considerar crime de desobediência a recusa de inclusão do perfil de ADN quando alguém é arguido num
processo-crime e a não coação à sua inclusão, apenas prevendo essa possibilidade nos casos de crimes mais
graves em que há uma inclusão obrigatória, coativa, que dispensa o crime de desobediência. Vale a pena ser
considerar a questão de saber se se justifica haver essa gradação e essa disparidade de critérios. Estamos
perfeitamente abertos a essa discussão.
Parece-nos que, de facto, esta é uma matéria relevante, que, em sede de especialidade, precisará de
contribuições, designadamente do próprio Conselho de Fiscalização, que esteve na base de algumas destas
propostas, e, inclusivamente, de outros operadores judiciários que tenham uma contribuição relevante a dar.
Portanto, consideramos que esta iniciativa do PSD é um contributo relevante e, apesar de reconhecermos a
complexidade desta matéria, pensamos que, efetivamente, merece ser discutida.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Sandra
Cunha, do Bloco de Esquerda.
A Sr.ª Sandra Cunha (BE): — Sr. Presidente: O projeto de lei que o PSD traz hoje a debate parte de uma
constatação correta, a de que os resultados da base de dados de perfis de ADN ficaram muito aquém das
expetativas inicialmente previstas, devendo-se a escassez de resultados ao diminuto número de perfis que
integram esta base. Na verdade, segundo números tornados públicos pelo Conselho de Fiscalização da Base
de Dados de ADN, existiam nessa base, no fim de 2015, 6601 perfis, dos quais 6444 relativos a ficheiros de
investigação criminal e apenas 32 relativos a ficheiros para identificação civil.
Ora, desta constatação, o PSD faz resultar uma estratégia para revitalizar a referida base: a de aumentar, se
possível exponencialmente, os registos de perfis de ADN para fins de identificação civil. Para o efeito, recorre o
projeto a fórmulas tão diversas como a admissão da recolha de amostras-referência em menores ou incapazes,
mediante pedido dos seus representantes legais e com validação prévia pelo Ministério Público, ou a admissão
de recolha de amostras-problema em pessoas não identificadas, também para fins de identificação civil, para
abranger aquelas que não o possam fazer autonomamente ou relativamente às quais não haja elementos de
identificação suficientes.
Se já estes expedientes se revelam, a nosso ver, questionáveis — por exemplo, por que razão há de o
Ministério Público não validar o pedido de um representante legal de um menor ou de um incapacitado para o
registo do seu perfil de ADN para efeitos de identificação civil? —, o projeto do PSD dá mais um passo e
consagra, numa estratégia francamente questionável, a gratuitidade da obtenção do perfil de ADN para quem
voluntariamente aceite cruzar o seu perfil de ADN para efeitos de identificação civil com o uso do dito para fins
de investigação criminal.
Mais: cabe ao próprio pagar uma quantia em dinheiro, a título de custos de inserção do perfil na base, para
impedir esse cruzamento automático entre a identificação civil e a investigação criminal. Esta porosidade entre
identificação civil e investigação criminal é algo que não pode ser aceite num Estado de direito e que se revela,
aliás, perverso ao lançar sobre as pessoas o estigma de que só recusará esse cruzamento quem tiver algo a
esconder, certamente.
Este esbatimento de fronteiras entre identificação civil e investigação criminal é algo que entendemos como
muito negativo, porque está em causa algo que um Estado de direito não deve permitir: uma invasão da
privacidade a pretexto, já nem sequer da eficácia da política de combate ao crime, tão-só de revitalização de um
instrumento que, pela sua importância própria e indiscutível, deveria merecer melhor trato por parte desta
Assembleia. O Bloco de Esquerda empenhar-se-á, em sede de especialidade, para que se verifiquem as
correções que aqui enunciámos.
Aplausos do BE.
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O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma última intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado
Fernando Negrão.
O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Queria salientar, em primeiro lugar,
o grande apoio que temos tido da parte do Conselho de Fiscalização da Base de Dados de ADN, que tem feito
relatórios que são da maior importância, designadamente para estas alterações que o PSD acaba de apresentar.
Queria, igualmente, salientar a importância da disponibilidade de todos os grupos parlamentares para a
discussão deste projeto de lei, mesmo com as dúvidas persistentes do Bloco de Esquerda, que, obviamente,
discutiremos, em sede de especialidade.
Queria, essencialmente, salientar que a França está em estado de emergência desde 2015 e que há
ameaças constantes relativamente aos restantes países, pelo que precisamos de instrumentos eficazes para
fazer investigação criminal, mas, principalmente, para fazer prevenção criminal. Esta tarde discutimos três
iniciativas legislativas, todas elas da maior importância, para combater aquilo que nos ameaça: o terrorismo e o
crime organizado.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem, agora, a palavra o Sr. Secretário Duarte Pacheco para
fazer um anúncio à Câmara.
O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, deu entrada na Mesa, e foi
admitido, o projeto de deliberação n.º 14/XIII (2.ª) — Constituição de uma comissão eventual de avaliação do
endividamento público e externo (PCP), que será votado oportunamente.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Srs. Deputados, terminámos a discussão, na generalidade, do
projeto de lei n.º 484/XIII (2.ª).
Passamos à apreciação conjunta dos projetos de resolução n.os 774/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo que
promova e valorize a prática de atividade física e desportiva através da criação de um estatuto do estudante-
desportista (PS) e 799/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo a criação do estatuto de estudante-desportista,
garantindo direitos sociais e académicos e valorizando a prática desportiva (BE).
Para dar início ao debate, tem a palavra o Sr. Deputado Ivan Gonçalves, do Partido Socialista.
O Sr. Ivan Gonçalves (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Partido Socialista traz hoje a esta
Assembleia um projeto de resolução que é um sinal claro de aposta no desporto como área essencial para a
promoção de estilos de vida saudáveis e para a formação global de cidadãos ativos e realizados.
Este é um tema relevante, já que a atividade física desportiva é fundamental para a saúde pública, para a
educação e para o bem-estar físico e psicológico do ser humano. Se, por um lado, a prática desportiva permite
um reforço da aptidão física e a prevenção das mais variadas doenças, apresenta também uma vertente
fundamental de promoção do trabalho em equipa, de estabelecimento de relações interpessoais e de superação
de objetivos pessoais e coletivos.
É neste contexto que entendemos ser essencial que o desporto faça parte da formação integral dos jovens
estudantes, independentemente das suas vocações ou aptidões. Da mesma forma, entendemos que a prática
desportiva fora do recinto escolar é importante e ajuda à capacitação dos cidadãos mais jovens do nosso País.
Sabemos bem, e essa é uma boa notícia, que, nos últimos anos, tem existido em Portugal um aumento
generalizado da prática desportiva. Ainda assim, existe uma considerável percentagem de portugueses, muitos
deles jovens, que não praticam qualquer desporto.
Mas sabemos também que a maioria dos jovens que participam em competições desportivas são estudantes
e que, estando nestas condições, precisam de todo o apoio para conseguir conciliar estas duas vertentes da
sua vida. No entanto, apesar das boas práticas de algumas instituições do ensino superior, que apoiam e
fomentam esta conciliação, outras há que não garantem aos jovens estudantes desportistas nenhum tipo de
reconhecimento pelas suas atividades. Esta omissão não assegura condições a estes jovens para que
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mantenham a prática desportiva, levando, muitas vezes, à necessidade de abdicar desta em prol de um percurso
académico bem-sucedido.
É verdade que aos atletas de alto rendimento já foi consagrado um conjunto de direitos num regime específico
e uniforme, mas este não prevê nenhum tipo de apoio ou de reconhecimento para todos aqueles que não são
atletas olímpicos ou que não figuram entre os melhores do mundo ou da Europa. É, por isso, importante que
possa ser dada uma resposta efetiva a quem divide o seu tempo entre a escola e a atividade desportiva. Esta
matéria, apesar de já ter sido debatida nesta Assembleia e de afetar dezenas de milhares de jovens, continua
sem estar legislada.
Com este projeto de resolução, o Partido Socialista toma a iniciativa de propor um conjunto de ações
necessárias à criação de um estatuto do estudante desportista fora do quadro do alto-rendimento. Este estatuto
permitirá uniformizar o conteúdo mínimo de direitos e deveres destes estudantes, ao permitir, por exemplo, a
relevação de faltas quando justificadas com atividades desportivas ou a existência de regimes mais favoráveis
nos prazos para a realização de avaliações, evitando, assim, que estes jovens sejam prejudicados no seu
percurso escolar pelo facto de praticarem desporto a nível federado ou a nível universitário.
Propomos também que se proceda ao levantamento do quadro regulamentar já existente nas diversas
instituições de ensino superior, bem como ao recenseamento do número de atletas potencialmente abrangidos
por este estatuto. Só um efetivo conhecimento da realidade e um debate alargado e participado, em total respeito
pela autonomia universitária, ouvindo as instituições e os legítimos representantes dos estudantes, permitirá
efetivar a criação de um estatuto do estudante-desportista que vá ao encontro das necessidades dos jovens
portugueses.
Entendemos que este será um passo fundamental na valorização do desporto enquanto pilar de uma
sociedade equilibrada onde prevaleçam os estilos de vida saudáveis, salvaguardando os direitos de quem o
pratica. Queremos, por isso, incentivar a prática desportiva e promover a sua conciliação com a vida académica
e temos a expetativa de que esta matéria seja merecedora de um consenso entre todas as forças políticas com
assento nesta Câmara.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Monteiro, do Bloco de
Esquerda, para uma intervenção.
O Sr. Luís Monteiro (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Existe hoje, na opinião pública, uma
maior preocupação com a atividade desportiva e com a saúde, mas é verdade que nem sempre esta progressiva
preocupação significou diretamente avanços legislativos, nomeadamente em matérias relativas ao ensino
superior, à prática desportiva, ao apoio e à responsabilidade que o Estado tem na promoção dessa mesma
prática desportiva.
O ensino superior conhece hoje milhares de jovens que, não sendo atletas olímpicos ou profissionais,
mantêm uma prática desportiva para além do seu percurso académico normal, o que é de valorizar. Não é de
valorizar apenas o facto de pertencerem a clubes ou de fazerem parte dos torneios que as instituições ou as
associações académicas organizam; é preciso hoje responder, do ponto de vista regulamentar, com apoios e
com um novo enquadramento destes atletas e destes estudantes no meio académico, o que já acontece com
os atletas olímpicos mas não acontece com estes atletas que agora enunciei, por exemplo.
Estes casos não são poucos. A prática desportiva tem vindo a aumentar no meio académico, até fruto da
promoção das federações, como a FADU (Federação Académica do Desporto Universitário) que está aqui hoje
e que acompanha este debate, mas também das várias associações académicas e, portanto, merece, da parte
da Assembleia da República e também da parte do Governo, esta matéria merece uma atenção especial.
Acompanhamos as preocupações e as recomendações que o Partido Socialista aqui apresenta. Já no
passado, aqui também nesta Câmara, tivemos possibilidade de apresentar outras medidas de apoio ao desporto
universitário e na Legislatura anterior tivemos aqui um debate que, na verdade, não encontrou, na altura, por
parte do Governo, uma saída prática para a criação deste mesmo estatuto do estudante atleta.
Parece-nos que este é o momento oportuno, juntamente com o Governo, com as instituições de ensino
superior, com a FADU, com estes mesmos atletas, para encontrarmos uma forma de regulamentar esta prática,
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de encontrar um equilíbrio entre a prática desportiva e o percurso académico, sendo este um tema que merece
não só a atenção de todos os grupos parlamentares, mas também uma discussão aberta por parte de todos e
de todas.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Sá.
O Sr. Joel Sá (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Presidente da FADU: O Grupo
Parlamentar do PSD não está, nem pode estar em desacordo com as propostas apresentadas pelo PS e pelo
Bloco de Esquerda, tendo em conta que foi na anterior Legislatura, apesar de o Ministro da Educação não ter a
tutela da área do desporto, que o Governo PSD/CDS legislou estabelecendo as medidas específicas desta
matéria.
No entanto, não podemos deixar de considerar que é revelador da inexistência de qualquer iniciativa do Sr.
Ministro que tutela o desporto a necessidade de este Parlamento apresentar resoluções em que se recomenda
ao Governo que faça estudos, levantamentos e avaliações no sentido da criação de um estatuto do estudante
desportista.
O PS e o Bloco de Esquerda ou não fizeram o trabalho de casa e, portanto, não conhecem ou escolheram
fazer tábua rasa das conclusões do grupo de trabalho sobre este tema, que teve a participação de
representantes de cinco gabinetes do Governo, dos comités olímpico e paralímpico de Portugal, da Comissão
de Atletas Olímpicos, da Federação Académica do Desporto Universitário, do Conselho de Reitores das
Universidades Portuguesas e do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos.
Pior, o Governo das esquerdas ignorou também a resolução da Assembleia da República n.º 112/2016, no
seguimento de um projeto de resolução do PSD, aprovado por unanimidade nesta Assembleia, e apresenta aqui
um projeto em que fala apenas de um dos cinco pontos dessa resolução.
Ou seja, depois de o Governo, durante um ano, não fazer absolutamente nada relativamente a esta matéria,
o PS e o Bloco apresentam dois diplomas de recomendação ao Governo que mais não são do que uma versão
sofrível da que foi discutida há um ano e em que foi apresentado, votado e aprovado um estatuto adequado para
os estudantes atletas.
Portanto, o PS e o Bloco de Esquerda apresentam iniciativas fracas no seu conteúdo, ignorando todo o
trabalho feito nesta Legislatura e também na anterior, e ignoram o trabalho das instituições de ensino superior,
dos estudantes e do sistema desportivo.
Era bem mais importante ter os Grupos Parlamentares do PS e do Bloco de Esquerda a pressionar o vosso
Governo para dar seguimento às propostas e às recomendações do grupo de trabalho e da resolução n.º
112/2016 do que fingir que se apresenta trabalho.
Acrescento ainda que o Governo continua a ignorar a necessidade da promoção das carreiras duais, bem
como não promove nem favorece uma transição adequada dos estudantes do ensino secundário para o ensino
superior em termos de prática desportiva do desporto escolar e federado.
Espera-se mais do Governo nesta matéria, de um Governo que assumiu o desporto como uma das suas
bandeiras.
Ao fim de 17 meses de governação espera-se ação e não recomendações genéricas.
É espantoso que nada ainda tenha sido feito.
É lamentável constatar a necessidade de o Parlamento voltar a insistir em recomendações sobre esta
matéria.
No fundo, este Governo e os partidos que o apoiam têm muito discurso, mas a ação concreta é «zero»!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para intervir, tem, agora, a palavra a Sr.ª Deputada Diana
Ferreira.
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A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: As iniciativas que estão hoje em discussão
abordam uma matéria que merece, naturalmente, a nossa atenção e a nossa preocupação: a necessidade
sentida por muitos estudantes do ensino superior de conciliar o seu percurso académico com a prática desportiva
de competição.
Existindo, atualmente, um Estatuto de Atleta de Alta Competição — o Decreto-Lei n.º 125/95, que estabelece
medidas específicas de apoio ao desenvolvimento da alta competição, visando proporcionar aos praticantes os
meios técnicos e materiais necessários às especiais exigências da sua preparação desportiva —, reconhecemos
a necessidade de estabelecer também medidas que permitam que os estudantes do ensino superior mantenham
a sua prática desportiva federada, mesmo não sendo de alta competição, sem que sejam prejudicados nos seus
estudos.
E reconhecendo esta necessidade, entendemos que as alterações que possam ser feitas devem envolver
não só as instituições de ensino superior e as federações, mas também as estruturas representativas dos
estudantes, designadamente as associações de estudantes.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Muito bem!
A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Não podemos deixar de assinalar nesta discussão — porque merece também
a nossa preocupação, como mereceu na altura e como o sinalizámos — a quebra da prática desportiva aquando
da entrada e na frequência do ensino superior. Esta questão não está desligada do processo de Bolonha, do
que este processo significou em termos de obstáculos aos direitos dos estudantes, como o direito ao desporto
e também não está desligada da desvalorização ao longo dos anos do desporto universitário, designadamente
permitindo que todos os estudantes de ensino superior tenham as necessárias condições para a prática
desportiva. Esta desvalorização é inseparável do subfinanciamento do ensino superior público e, no caso,
significa também menos investimento no desporto universitário.
Entendemos, também, que as medidas a ser tomadas devem ter em conta as diferentes realidades da prática
desportiva dos estudantes do ensino superior. Os estudantes que têm uma prática de alta competição têm uma
realidade desportiva, um nível de exigência e um conjunto de necessidades próprias do desporto de alto
rendimento.
Os estudantes que, tendo uma prática desportiva federada, não são de alta competição têm um outro nível
de exigência e um outro conjunto de necessidades e as respostas a dar, neste âmbito, devem, naturalmente, ter
em conta as diferenças que existem.
Não nos oporemos a nenhuma das iniciativas em discussão, mas entendemos que é uma matéria que
merece uma reflexão ampla, para a qual estamos disponíveis, sem prejuízo das necessárias políticas públicas
e da responsabilidade do Estado no cumprimento constitucional do direito ao desporto, devendo ser valorizada
a sua função social e cultural e garantido o acesso à sua prática nas suas várias dimensões.
Importa garantir, efetivamente, as condições de participação desportiva para todos os estudantes, mas
também a sua participação cultural. O direito ao desporto e o direito à cultura são direitos constitucionais, são
direitos de todos. A participação desportiva e cultural é instrumento fundamental para o desenvolvimento
harmonioso e para a formação da cultura integral do indivíduo, um caminho de emancipação individual e coletiva
que o PCP sempre defendeu e continuará a defender.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O debate que hoje aqui
fazemos, com base nos dois projetos de resolução apresentados pelo PS e pelo Bloco de Esquerda, enquadra-
se na discussão da política pública para o desporto.
Mas o facto de tratar uma matéria tão curta em relação ao que é uma política pública de desporto mostra
bem a ausência que tem existido, por parte deste Governo, da promoção dessa política pública, de uma política
pública de desporto que privilegie o âmbito competitivo e o âmbito da promoção da saúde pública. Refiro-me a
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uma política que começasse por definir, ao nível do desporto escolar, seja a base do desporto competitivo, seja
a base de uma prática desportiva que, ao longo da vida, vá promovendo o bem-estar social.
É óbvio que pelo meio fica também o desporto universitário, aquele que merecia uma aposta mais relevante
deste Governo, cuja base estava já trabalhada pelo Governo anterior, e que podia ter sido continuada.
Infelizmente, continuamos sem saber como é que o desporto escolar pode ser promovido por este Governo;
como é que o desporto universitário, a seguir ao desporto escolar, pode continuar essa base, e como é que, do
ponto de vista social, revertemos os indicadores muito negativos da prática desportiva e da contribuição desta,
para que a população tenha, ao nível da saúde pública e ao nível do bem-estar social, o nível equivalente, por
exemplo, ao da média europeia.
Da parte do Governo, continua a faltar essa iniciativa. Talvez por isso apareçam agora os grupos
parlamentares do PS e do Bloco de Esquerda a tentar dar uma ajuda, mas é uma ajuda muito curta e fica aquém
do que o Governo precisava. O Governo precisa que ajudem mais e os senhores ajudaram pouco.
Ainda assim, damos relevância à matéria do estatuto do estudante-desportista. Damos relevância ao que a
FADU tem feito — e cumprimento os seus representantes presentes nas galerias — nessa matéria.
Não deixaremos de acompanhar esta preocupação, mas dizemos claramente que é pouco para uma política
desportiva promovida por uma maioria que tem estado completamente ausente desde debate e é muito pouco
também relativamente ao papel do Parlamento, porque seria muito mais interessante fazer este debate numa
lógica de projetos de lei, em que pudéssemos fazer uma discussão mais alargada e que não fosse numa mera
lógica de recomendação a um Governo que, em matéria de política desportiva, se tem revelado muito pouco
recomendável.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Monteiro.
O Sr. Luís Monteiro (BE): — Sr. Presidente, quero apenas responder a algumas considerações que foram
feitas durante o debate.
Concordamos com a Sr.ª Deputada Diana Ferreira, do PCP. De facto, há hoje constrangimentos vários, até
no que toca a Bolonha, e na forma como os estudantes hoje encaram o seu espaço, temporal até, no ensino
superior, que é preciso serem revistos, com certeza, e participaremos também desse debate.
Srs. Deputados João Almeida, do CDS, e Joel Sá, do PSD, se hoje estamos aqui a discutir projetos de
resolução em que se fazem recomendações ao Governo para a criação do estatuto do estudante-desportista é
justamente porque o anterior Governo não resolveu esse problema. Se o tivesse feito, poderíamos até estar a
discutir alterações a esse mesmo estatuto.
A verdade é que esse estatuto não existe e os senhores estiveram quatro anos no Governo e nada fizeram
para isso.
Também não é verdade que o Bloco de Esquerda venha agora — apenas agora — apresentar projetos de
recomendação ao Governo sobre esta matéria.
Como o Sr. Deputado Joel Sá relembrou — e bem —, no ano passado foi aprovado, por unanimidade, o
projeto de resolução sobre desporto universitário, apresentada pelo PSD. No entanto, esqueceu-se de dizer que,
na mesma altura, foi também aprovado um projeto de resolução, apresentado pelo Bloco de Esquerda, que
recomendava, justamente, um conjunto de medidas alargadas para o desporto universitário.
Portanto, não é verdade que, nesta maioria parlamentar e nomeadamente da parte do Bloco de Esquerda,
não tenha havido matéria para discussão aqui, na Assembleia da República, no que toca ao desporto
universitário, no que toca ao desporto escolar e no que toca à prática desportiva em geral.
O Deputado João Almeida referiu a sua vontade de discutir projetos de lei sobre a matéria — cá estaremos
para isso!
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira fazer o favor de terminar, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Monteiro (BE): — O CDS tem toda a abertura para o fazer e podia já tê-lo feito justamente neste
agendamento.
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Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para terminar este ponto da ordem de trabalhos, segue-se a
intervenção do Sr. Deputado Ivan Gonçalves.
Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Ivan Gonçalves (PS): — Sr. Presidente: Em primeiro lugar, quero cumprimentar a FADU na pessoa
do seu Presidente Daniel Monteiro.
Respondendo apenas ao que foi dito no debate, realmente o Grupo Parlamentar do PSD continua na senda
do que já nos tem habituado, pois, quando se procuram consensos nesta Câmara, o que o PSD nos traz é
chicana política.
Protestos do PSD.
O que, no fundo, dizem é que o Governo do Partido Socialista, que é Governo há um ano, não fez aquilo que
os senhores não fizeram em quatro anos de Governo.
O Sr. Joel Sá (PSD): — Façam!
O Sr. Ivan Gonçalves (PS): — E se é verdade que existia um grupo de trabalho — e é verdade que ele
existiu —, o que é facto é que as suas conclusões, como muitas outras conclusões de muitos outros grupos de
trabalhos que foram feitos durante a vigência do Governo PSD/CDS, estão numa gaveta qualquer escondida…
Vozes do PS: — Muito bem!
O Sr. Ivan Gonçalves (PS): — Portanto, nenhuma dessas medidas foi implementada e é por isso mesmo
que existe hoje necessidade de este projeto de resolução ser discutido nesta Câmara, no sentido de, finalmente,
podermos — e nas omissões do anterior Governo, suportado pelas vossas bancadas — legislar sobre esta
matéria que diz respeito a dezenas de milhares de estudantes portugueses.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Vamos iniciar o sexto e último ponto da nossa ordem de
trabalhos, que consiste na discussão conjunta da petição n.º 139/XIII (1.ª) — Pretendem que seja constituído
um novo edifício destinado ao Centro Hospitalar do Oeste/EPE, com sede em Torres Vedras (António Martins
Moreira e outros), e do projeto de resolução n.º 802/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo que defina um conjunto
de políticas que invertam a situação atualmente existente no Centro Hospitalar do Oeste (PS).
Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado António Sales, do Partido Socialista.
O Sr. AntónioSales (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por saudar os mais de 4000
peticionários que subscreveram a petição n.º 139/XIII (1.ª), cujo objeto é a construção de um novo edifício
destinado ao Centro Hospitalar do Oeste, com sede em Torres Vedras.
Conforme consta do Programa do Governo que está em curso, não está prevista, para a presente Legislatura,
a construção de um novo edifício para o Centro Hospitalar do Oeste, mas tal situação não retira pertinência a
esta petição, desde que devidamente enquadrada num futuro mapa de investimentos, indo, assim, ao encontro
das expectativas de autarcas e cidadãos. Este investimento, dada a sua importância, deve ser territorialmente
programado, socialmente adequado e estrategicamente sustentável.
O Partido Socialista, dando voz aos peticionários, apresenta o projeto de resolução n.º 802/XIII (2:ª), que
alerta para as falhas de reorganização dos últimos anos, falhas que vieram contribuir para a degradação da
prestação dos cuidados de saúde, para a redução de valências, para a desmotivação no seio dos profissionais,
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para a degradação de estruturas físicas e de equipamentos hospitalares, bem como para a ineficiente dispersão
de recursos por diferentes unidades.
Recomendamos ao Governo, neste projeto de resolução, a urgente definição de políticas que invertam a
atual situação de encerramento de serviços e de concentrações hospitalares, em nome de economias de escala
levadas a exageros, socialmente incompreensíveis e insustentáveis.
Torna-se, por isso, imperioso proceder à definição de mudança do estatuto jurídico de SPA (Setor Público
Administrativo) para EPE, procurar um reequilíbrio de valências médicas disponíveis nas três unidades de saúde
— Caldas da Rainha, Peniche e Torres Vedras —, encontrar uma solução de compromisso no sentido de abrir
concursos para o quadro de pessoal, evitando a precariedade, requalificar estruturas físicas, reforçar equipas
médicas de especialidades carenciadas, reforçar o conjunto de equipamentos básicos que se encontram em fim
de vida e internalizar meios complementares de diagnóstico de forma a tornar mais eficiente a utilização de
recursos.
Sr.as e Srs. Deputados, a criação do Centro Hospitalar do Oeste tinha como objetivo o aperfeiçoamento da
coordenação de três unidades de saúde — Caldas, Torres e Peniche —, trazendo ganhos de escala no acesso
à saúde e melhorando a eficiência económica.
Da conjugação de muitas insuficiências, verificamos, hoje, que resultaram poucos ganhos e muitos
problemas.
O Partido Socialista recusa-se a assistir, de forma impávida, à degradação destas unidades de saúde,
procurando, desta forma, através deste projeto de resolução, apresentar soluções de proximidade que vão ao
encontro das expectativas das populações e dos padrões de qualidade que esta região tanto reivindica e tanto
merece.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte
Pacheco.
O Sr. DuartePacheco (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Dirijo uma primeira palavra para
saudar todos os subscritores da petição que está em discussão, em especial o Dr. António Moreira, que, mais
uma vez, defende, de forma acesa e veemente, os problemas de muitos torrienses.
Permitam-me que diga, Sr. Presidente, que, em 2011, o Centro Hospitalar do Oeste e este hospital em
particular estava em falência técnica: 80 milhões de euros de dívidas e 20 milhões de euros de prejuízos, o que
era algo incomportável para a viabilidade e para a prestação de cuidados de saúde desejáveis para todos.
Foi feito algo para compensar este problema e para resolver, de forma capaz, os problemas de saúde em
toda a região. Se é um trabalho perfeito? Não há trabalhos perfeitos e é possível fazer sempre mais e melhor.
A construção de um novo hospital é uma exigência muito antiga e que deve estar em cima da mesa, porque
o hospital de Torres Vedras é antigo, tem instalações antigas e vamos encontrando sempre mais um espaço e
fazendo mais uma pequena obra para ter mais um gabinete, para ter mais uma sala. Faz lembrar um pouco as
obras que se fazem no Palácio de S. Bento, que parece que vai crescendo e que se encontra sempre mais um
espaço, mais uma sala de reuniões.
Mas sabemos que não é esse o problema de base, O problema de base é a construção de um novo hospital.
Também sabemos o que o Governo respondeu. Disse que não estava prevista a construção de um novo
hospital. Perante isto, este projeto do Partido Socialista é de uma hipocrisia sem fim. Esquecendo que estão há
16 meses no Governo, para esconder a sua incapacidade, resolvem, agora, prometer tudo. Querem tudo: mais
médicos, mais serviços, mais salas, mais hospitais… Obras, ouro e mirra para cada torriense, para cada oestino.
A hipocrisia tem limites. É por causa deste comportamento de muitos agentes políticos que, infelizmente, a
política está como está, em descrédito. Não podem, nem devem fazer isso, porque todos nós merecemos muito
mais e muito melhor!
Aplausos do PSD.
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O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel
Pires.
A Sr.ª IsabelPires (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, saúdo os subscritores
da petição n.º 139/XIII (1.ª), que pugnam pela necessidade de construir um novo hospital em Torres Vedras.
A questão do hospital de Torres Vedras e dos problemas associados à criação do Centro Hospitalar do Oeste
para este concelho não são novos. Tal como esta petição, também a petição n.º 240/XIII (2.ª) apelava a uma
melhoria da prestação dos cuidados de saúde em Torres Vedras decorrentes da reorganização do Centro
Hospitalar do Oeste. Portanto, apesar de esta petição não ter obtido o número de assinaturas suficientes para
ser discutida em Plenário, visava sobre o tema que está em discussão.
Da parte do Bloco de Esquerda, o problema está muito bem identificado nas duas petições.
Como também temos vindo a dizer, o problema tem a ver exatamente com a criação dos centros hospitalares
e, neste caso, com a criação do Centro Hospitalar do Oeste, que desmantelou os serviços e que, no caso do
hospital de Torres Vedras, retirou a especialidade de maternidade e o internamento pediátrico superior a dois
dias. Portanto, estão, hoje, encerradas essas especialidades no hospital de Torres Vedras.
Para além disso, por um lado, não foram tidas em conta as distâncias que ligam os vários hospitais do Centro
Hospitalar e, por outro lado, há que ter em conta que existe não só um défice na estrutura do próprio hospital de
Torres Vedras, como há problemas associados à inexistência de transportes públicos que garantam a
mobilidade dos pacientes entre os vários hospitais, sendo que, nas especialidades que foram encerradas,
especificamente em Torres Vedras, a dificuldade é ainda maior, porque estamos a falar da maternidade e
sabemos que as dificuldades de deslocação são necessariamente maiores. E também sabemos da retirada que
existiu do transporte de doentes. Portanto, existem vários problemas, a nosso ver, a resolver.
Temo-nos batido para que haja um maior investimento de equipamentos, edifícios e profissionais. A revisão
desta organização é cada vez mais urgente e pedida pelas populações dos centros hospitalares.
Para terminar, deixo uma nota relativamente à questão dos precários e do trabalho precário no Centro
Hospitalar do Oeste. Sabemos que tem havido um movimento muito relevante, por parte daqueles trabalhadores,
nomeadamente dos que trabalham nas Caldas da Rainha, e esperamos que o processo que está em curso de
integração dos precários do Estado possa também resolver este problema.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Peço-lhe que termine, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª IsabelPires (BE): — Termino, dizendo que sabemos que ainda não há previsão para a construção do
novo hospital, sabemos que existem investimentos para alguns cuidados de saúde primários e algumas obras
no hospital. Mas isso, seguramente, não vai resolver o problema de raiz do hospital de Torres Vedras e que é
absolutamente necessário.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel
Galriça Neto.
A Sr.ª IsabelGalriçaNeto (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Gostaria obviamente de
começar por cumprimentar os mais de 4000 peticionários que chamam a atenção para o problema da prestação
dos cuidados hospitalares na região do Oeste.
Este é um problema que tem preocupado o CDS desde há muito tempo e não podemos deixar de assinalar
que, recentemente, tivemos a oportunidade de nos deslocarmos, com a Presidente do nosso partido, ao hospital
das Caldas da Rainha.
Não deixando de ressaltar, de forma alguma, o empenho dos profissionais de saúde que trabalham no
referido hospital, o que não podemos deixar de dizer é que constatámos, in loco, que há problemas muito graves
no hospital das Caldas da Rainha que dizem respeito ao aumento da dívida aos fornecedores em milhões de
euros no último ano, às dívidas de milhares de horas aos enfermeiros, aos problemas de contratação de
assistentes administrativos e de psicólogos, entre vários outros.
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De facto, são problemas muito graves e, ao fim de ano e meio, Srs. Deputados do Partido Socialista e dos
partidos que apoiam o Governo, já teria sido tempo de tomar medidas e decisões concretas para modificar um
panorama gravíssimo, para além da possibilidade de terem resolvido a passagem do Centro Hospitalar do Oeste
a EPE.
Portanto, falam, mas, hipocritamente, não fizeram nada modificar problemas que são sobejamente
conhecidos.
A região do Oeste precisa de novas respostas a nível de cuidados hospitalares, respostas essas que vão
para além dos contributos dos autarcas sobre estas matérias e que deverão ser suportadas por pareceres
técnicos sólidos que validem a boa utilização dos dinheiros públicos e possam conduzir, como o CDS sempre
disse, a uma resposta hospitalar condigna para as populações do oeste.
Vou terminar, Sr. Presidente, dizendo que continuaremos atentos e estaremos a acompanhar esta
problemática, garantindo aqui, uma vez mais, às populações do Oeste que podem continuar a contar com o
CDS.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Rita Rato.
A Sr.ª RitaRato (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, queria saudar, em nome do
Grupo Parlamentar do PCP, os mais de 4000 peticionários, bem como quem está a assistir, nas galerias, à
discussão desta petição que visa a construção de um novo edifício para o hospital de Torres Vedras.
Pretendo falar do hospital de Torres Vedras porque creio que aqueles que dirigiram esta petição à Assembleia
da República nos merecem, pelo menos, isso, ou seja, que falemos da sua situação concreta. Por isso mesmo,
porque falamos desta situação concreta, condenamos o encerramento do bloco de partos deste hospital, Sr.
Deputado Duarte Pacheco, e a retirada de valências que valorizavam em muito a resposta deste hospital de
Torres Vedras, que também respondia a utentes da Lourinhã, do Cadaval e de parte do concelho de Mafra.
Entendemos que é justa a reivindicação da construção de um novo edifício para o hospital de Torres Vedras,
bem como é justa a reposição das valências que foram retiradas ao centro hospitalar. Esta também é uma
reivindicação dos profissionais e das populações.
Gostaria também de dizer que hipocrisia política é tomarmos decisões contra as pessoas e depois virmo-nos
lamentar das consequências.
Estou quase a ficar rouca, mas, ainda assim, queria dizer que terei sempre voz para alertar para estas
matérias e, de facto, o PCP alertou para essas consequências.
Neste sentido, apresentámos o projeto de resolução n.º 362/XIII (1.ª) que previa a rejeição da proposta de
reorganização dos cuidados hospitalares da região do Oeste, iniciativa que foi, à data, rejeitada pelo PSD e pelo
CDS.
Sr.ª Deputada Isabel Galriça Neto, é pena que venha lamentar agora uma coisa que tinha tido oportunidade
de evitar.
Sobre a proposta que o PS traz a debate, queremos dizer que não podemos estar de acordo com a alteração
do estatuto jurídico deste hospital. A proposta que o PS faz de alteração do hospital de Torres Vedras para EPE
não vai ajudar a resolver nenhum dos problemas, pelo contrário.
Se o CDS está efetivamente preocupado com esta matéria, poderá acompanhar o PCP. Entendemos que a
empresarialização da saúde e a transformação de um direito num negócio em momento algum responde às
necessidades das populações, pelo contrário: agudiza este problema.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada Rita Rato, a Mesa elogia o esforço que fez para
terminar a sua intervenção.
Srs. Deputados, está terminada a nossa ordem de trabalhos de hoje.
A próxima sessão plenária realiza-se amanhã, pelas 10 horas, e da ordem do dia consta, em primeiro lugar,
um debate de atualidade, requerido pelo CDS-PP, sobre o aumento do imposto sobre os combustíveis.
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21 DE ABRIL DE 2017
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Em segundo lugar, serão discutidos os projetos de lei n.os 499/XIII (2.ª) — Nacionalização do capital social
do Novo Banco, SA (BE) e 504/XIII (2.ª) — Determina a integração do Novo Banco no setor público bancário e
define as suas condições (PCP) e os projetos de resolução n.os 798/XIII (2.ª) — Descontentamento pela decisão
de venda do Novo Banco sem consulta à Assembleia da República (BE), 804/XIII (2.ª) — Determina a integração
do Novo Banco no setor público bancário (PCP) e 806/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo que renegoceie as
condições do empréstimo do Estado ao fundo de resolução relativo ao Novo Banco (PSD).
Em terceiro lugar, será apreciado o projeto de resolução n.º 775/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo uma
atuação firme, ativa e global na defesa da liberdade religiosa (CDS-PP).
Em quarto lugar, discutir-se-ão os projetos de lei n.os 419/XIII (2.ª) — Revoga o regime fundacional e
estabelece um modelo de gestão democrática das instituições públicas de ensino superior (primeira alteração à
Lei n.º 62/2007, de 10 de setembro, que estabelece o regime jurídico das instituições do ensino superior) (PCP)
e 501/XIII (2.ª) — Altera o regime jurídico das instituições do ensino superior, introduzindo a paridade, reforçando
o funcionamento democrático das universidades e extinguindo o regime fundacional (BE).
Em quinto lugar, serão apreciados os projetos de resolução n.os 716/XIII (2.ª) — Programar, sensibilizar e
desburocratizar para combater a violência doméstica (Os Verdes), 800/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo a
adoção de medidas de prevenção e combate à violência doméstica (BE), 807/XIII (2.ª) — Recomenda ao
Governo a promoção de medidas de prevenção e combate a situações de violência (PAN) (o texto foi substituído
a pedido do autor) e 811/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo a aprovação de novo plano nacional para a
igualdade de género, cidadania e não discriminação e a avaliação dos resultados e eficácia da aplicação de
pulseira eletrónica em contexto de violência doméstica (CDS-PP) (a parte dispositiva foi substituída a pedido do
autor).
Em sexto lugar, constam da ordem do dia de amanhã, embora sem tempo atribuídos, as propostas de
resolução n.os 47/XIII (2.ª) — Aprova o Acordo entre a República Portuguesa e a República do Peru para a
Proteção, Conservação, Recuperação e Devolução de Bens Culturais, Paleontológicos, Arqueológicos,
Artísticos e Históricos, Furtados, Roubados e Ilicitamente Exportados ou Transferidos, assinado em Lisboa, em
19 de novembro de 2012, e 48/XIII (2.ª) — Aprova o Acordo entre a República Portuguesa e a República da
África do Sul sobre Cooperação Científica e Tecnológica, assinado em Durban em 28 de agosto de 2015.
Por fim, haverá votações regimentais.
Sr.as e Srs. Deputados, agradeço a vossa colaboração. Desejo a continuação de uma boa tarde. Até amanhã.
Está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 52 minutos.
Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.