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Sexta-feira, 5 de janeiro de 2018 I Série — Número 31
XIII LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2017-2018)
REUNIÃOPLENÁRIADE4DEJANEIRODE 2018
Presidente: Ex.mo Sr. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Secretários: Ex.mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Idália Maria Marques Salvador Serrão Sandra Maria Pereira Pontedeira
S U M Á R I O
O Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 7
minutos, tendo endereçado votos de bom ano de 2018 aos Deputados, funcionários e jornalistas.
Deu-se conta da apresentação das propostas de resolução n.os 62 e 63/XIII (3.ª), dos projetos de lei n.os 710 a 724/XIII (3.ª) e dos projetos de resolução n.os 1212 a 1219/XIII (3.ª).
O Presidente procedeu à leitura da mensagem do Presidente da República sobre a devolução, sem promulgação, do Decreto da Assembleia da República n.º 177/XIII — Oitava alteração à Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional), segunda alteração à Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto (Lei dos Partidos Políticos), sétima alteração à Lei n.º 19/2003, de 20 de junho (Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais) e primeira alteração à Lei Orgânica n.º 2/2005, de
10 de janeiro (Lei de Organização e Funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos). De seguida, usaram da palavra os Deputados Pedro Soares (BE), José Luís Ferreira (Os Verdes), André Silva (PAN), José Silvano (PSD), António Carlos Monteiro (CDS-PP), António Filipe (PCP) e Jorge Lacão (PS).
Em declaração política, o Deputado Jorge Lacão (PS), na sequência do veto político decidido pelo Presidente da República à revisão do regime jurídico do financiamento partidário, abordou alguns dos aspetos tidos por mais controversos no Decreto e manifestou o desejo de que sejam feitas ponderações sensatas por parte de todos os partidos. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Deputados José Silvano (PSD), José Luís Ferreira (Os Verdes), António Filipe (PCP) e Nuno Magalhães (CDS-PP).
Em declaração política, o Deputado Moisés Ferreira (BE) salientou o contributo do Bloco de Esquerda para a tomada
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de medidas que irão, no ano de 2018, contribuir para a melhoria de vida dos portugueses e defendeu a necessidade de investimento nos serviços públicos, nomeadamente no Serviço Nacional de Saúde. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Deputados António Sales (PS), Luís Vales (PSD), Carla Cruz (PCP) e Isabel Galriça Neto (CDS-PP).
Em declaração política, a Deputada Cecília Meireles (CDS-PP) apontou diversas falhas à ação governativa durante o ano de 2017, acusou o Governo de começar 2018 com novas formas de austeridade ao nível do ISP e do IRS e pediu explicações sobre a possibilidade de serem aplicadas receitas da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa no capital do banco Montepio. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Deputados Pedro Delgado Alves (PS) e José Cesário (PSD).
Em declaração política, o Deputado Bruno Dias (PCP) falou nas consequências das políticas seguidas por sucessivos governos, que levaram ao abandono e à degradação dos serviços públicos, das empresas públicas e das funções do Estado, tendo respondido, depois, a pedidos de esclarecimento dos Deputados José Luís Ferreira (Os Verdes), João Paulo Correia (PS), Hélder Amaral (CDS-PP), Heitor Sousa (BE) e Paulo Rios de Oliveira (PSD).
Em declaração política, a Deputada Maria Luís Albuquerque (PSD), após ter desejado um bom ano de 2018, com melhorias nos serviços públicos e mais investimento privado e empregos de qualidade, chamou a atenção para a situação de conflitualidade laboral crescente na Autoeuropa e manifestou o desejo de que se venha a alcançar um acordo de forma a evitarem-se consequências indesejadas para o País. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Deputados Fernando Rocha Andrade (PS), Cecília Meireles (CDS-PP, Paula Santos (PCP) e Joana Mortágua (BE).
Foi apreciada a petição n.º 264/XIII (2.ª) — Solicitam a adoção de medidas com vista à defesa do rio Tejo, nomeadamente o encerramento da Central Nuclear de Almaraz (Paulo Fernando da Graça Constantino e outros), juntamente com os projetos de resolução n.os 738/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo que permita a utilização de resultados analíticos obtidos com amostras pontuais na
fiscalização de descargas poluentes (CDS-PP), 1190/XIII (3.ª) — Recomenda medidas para a despoluição do rio Tejo e o encerramento da Central Nuclear de Almaraz (BE), 1191/XIII (3.ª) — Recomenda ao Governo que adote medidas de vigilância e de ação ambiental para mitigar os efeitos nefastos das fontes de poluição presentes no rio Tejo (PAN), 1204/XIII (3.ª) — Pela defesa e proteção integrada da bacia hidrográfica do Tejo (Os Verdes), 1207/XIII (3.ª) — Recomenda ao Governo a adoção de medidas para a defesa da bacia hidrográfica do rio Tejo (PCP) e 1216/XIII (3.ª) — Recomenda ao Governo que adote as medidas preconizadas no relatório de acompanhamento sobre a poluição no rio Tejo, promova a monitorização do curso do rio e da qualidade da água, promova a revisão da Convenção de Albufeira e assuma posição sobre a Central Nuclear de Almaraz (PSD). Usaram da palavra os Deputados Patrícia Fonseca (CDS-PP), Carlos Matias (BE), André Silva (PAN), Heloísa Apolónia (Os Verdes), António Filipe (PCP), Manuel Frexes (PSD) e Maria da Luz Rosinha (PS).
Foi ainda apreciada a petição n.º 290/XIII (2.ª) — Solicitam alterações legislativas, nomeadamente à Lei n.º 69/2014, de 29 de agosto, que criminalizou os maus tratos a animais de companhia (Ana Raquel de Oliveira Ramos de Matos, e outros) juntamente com o projeto de resolução n.º 1217/XIII (3.ª) — Recomenda ao Governo que tome medidas para divulgação e facilitação da aplicação da legislação de bem-estar animal (BE), com, na generalidade, o projeto de lei n.º 724/XIII (3.ª) — Altera o Código Penal e o Código de Processo Penal no que diz respeito ao crime de maus tratos a animais e artigos conexos (PAN) e com o projeto de resolução n.º 1219/XIII (3.ª) — Recomenda ao Governo que crie um grupo de trabalho com vista a elaborar um plano para prevenir e lidar com os casos da síndrome de Noé, mais conhecida por «acumulação de animais» (PAN). Intervieram os Deputados Maria Manuel Rola (BE), André Silva (PAN), Pedro Delgado Alves (PS), Paula Santos (PCP), Vânia Dias da Silva (CDS-PP), Sara Madruga da Costa (PSD) e Heloísa Apolónia (Os Verdes).
O Presidente (José de Matos Correia) encerrou a sessão eram 18 horas e 49 minutos.
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Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Funcionários, Sr.as e Srs. Jornalistas, vamos dar início
à nossa sessão plenária.
Eram 15 horas e 7 minutos.
Peço aos Srs. Agentes de autoridade para abrirem as portas das galerias ao público.
Começo por desejar a todos um bom ano de 2018.
O primeiro ponto da ordem do dia de hoje, que não estava previsto na semana anterior, consta da leitura de
uma mensagem do Sr. Presidente da República, que será feita antes das declarações políticas.
Entretanto, o Sr. Secretário Duarte Pacheco vai fazer o favor de proceder à leitura do expediente.
O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e
foram admitidas pelo Sr. Presidente, várias iniciativas legislativas.
Refiro, em primeiro lugar, as propostas de resolução n.os 62/XIII (3.ª) — Aprova a Convenção do Conselho
da Europa relativa à Contrafação de Medicamentos e Infrações Semelhantes que Envolvam Ameaças à Saúde
Pública, aberta a assinatura em Moscovo, em 28 de outubro de 2011, que baixa à 2.ª Comissão, e 63/XIII (3.ª)
— Aprova a Convenção do Conselho da Europa contra o Tráfico de Órgãos Humanos, aberta a assinatura em
Santiago de Compostela, em 22 de março de 2015, que baixa à 2.ª Comissão.
Deram ainda entrada os projetos de lei n.os 710/XIII (3.ª) — Altera o Código do Trabalho, consagrando a
terça-feira de Carnaval como feriado nacional obrigatório (PAN), 711/XIII (3.ª) — Alteração à lei de
acompanhamento dos assuntos europeus (CDS-PP), 712/XIII (3.ª) — Revoga a aplicação aos trabalhadores em
funções públicas dos mecanismos de adaptabilidade e de banco de horas, procedendo à quinta alteração à Lei
n.º 35/2014, de 20 de junho, que aprova a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (PCP), que baixa à 10.ª
Comissão, 713/XIII (3.ª) — Altera o quadro dos deveres do empregador, garantindo o cumprimento efetivo dos
horários de trabalho e a conciliação do trabalho com a vida familiar e revoga os mecanismos de adaptabilidade
e de banco de horas, nas modalidades grupal e por regulamentação coletiva, procedendo à 13.ª alteração à Lei
n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que aprova o Código do Trabalho (PCP), que baixa à 10.ª Comissão, 714/XIII
(3.ª) — Altera o quadro dos deveres do empregador, garantindo o cumprimento efetivo dos horários de trabalho
e a conciliação do trabalho com a vida familiar e revoga os mecanismos de adaptabilidade individual e do banco
de horas individual, procedendo à 13.ª alteração à Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que aprova o Código do
Trabalho (PCP), que baixa à 10.ª Comissão, 715/XIII (3.ª) — Repõe o princípio do tratamento mais favorável e
regula a sucessão de convenções coletivas de trabalho, procedendo à 12.ª alteração ao Código do Trabalho,
aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro (PCP), que baixa à 10.ª Comissão, 716/XIII (3.ª) — Promove a
participação dos trabalhadores em matéria de segurança e saúde no trabalho (primeira alteração à Lei n.º
102/2009, de 10 de setembro, que estabelece o regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho)
(PCP), que baixa à 10.ª Comissão, 717/XIII (3.ª) — Segunda alteração à Lei n.º 43/2006, de 25 de agosto, com
as alterações introduzidas pela Lei n.º 21/2012, de 17 de maio, relativa ao acompanhamento, apreciação e
pronúncia pela Assembleia da República no âmbito do processo de construção da União Europeia (PSD), que
baixa à 4.ª Comissão, 718/XIII (3.ª) — Abolição de números de valor acrescentado e disponibilização
complementar de linhas telefónicas com o prefixo «2» para contacto com entidades públicas e empresas que
prestam serviços públicos (Os Verdes), que baixa à 6.ª Comissão, 719/XIII (3.ª) — Adota medidas mais
garantísticas do bem-estar animal no que diz respeito ao transporte de animais vivos (PAN), que baixa à 7.ª
Comissão, 720/XIII (3.ª) — Estabelece o regime aplicável à cobrança extrajudicial de créditos vencidos e às
empresas que se dedicam a essa atividade (PS), 721/XIII (3.ª) — Altera o Regime Jurídico dos Inquéritos
Parlamentares (altera a Lei n.º 5/93, de 1 de março) (BE), 722/XIII (3.ª) — Altera a Lei n.º 43/2006, de 25 de
agosto, reforçando os meios de acompanhamento, apreciação e pronúncia pela Assembleia da República no
âmbito do processo de construção da União Europeia (BE), 723/XIII (3.ª) — Determina que por cada três imóveis
em regime de arrendamento local o proprietário deve assegurar que o quarto imóvel seja destinado a
arrendamento de longa duração (PAN) e 724/XIII (3.ª) — Altera o Código Penal e o Código de Processo Penal
no que diz respeito ao crime de maus tratos a animais e artigos conexos (PAN).
Por fim, deram entrada os projetos de resolução n.os 1212/XIII (3.ª) — Recomenda ao Governo que promova
um comité científico agroalimentar (PSD), que baixa à 7.ª Comissão, 1213/XIII (3.ª) — Recomenda ao Governo
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que salvaguarde a zona húmida sazonal de água doce de Alagoas Brancas (BE), que baixa à 11.ª Comissão,
1214/XIII (3.ª) — Recomenda ao Governo que implemente um regime em que o transporte de animais vivos por
via de viagens de longo curso para países terceiros seja permitido apenas em situações excecionais (PAN), que
baixa à 7.ª Comissão, 1215/XIII (3.ª) — Recomenda ao Governo que não preveja nos programas de apoio à
produção pecuária a atribuição de qualquer incentivo público a empresas de produção pecuária que exportem
animais vivos para países terceiros (PAN), que baixa à 7.ª Comissão, 1216/XIII (3.ª) — Recomenda ao Governo
que adote as medidas preconizadas no relatório de acompanhamento sobre a poluição no rio Tejo, promova a
monitorização do curso do rio e da qualidade da água, promova a revisão da Convenção de Albufeira e assuma
posição sobre a Central Nuclear de Almaraz (PSD), 1217/XIII (3.ª) — Recomenda ao Governo que tome medidas
para divulgação e facilitação da aplicação da legislação de bem-estar animal (BE), 1218/XIII (3.ª) — Recomenda
ao Governo que promova a realização de estudo sobre a capacidade de carga turística em determinadas cidades
e que fomente a atividade turística em zonas com menor densidade populacional (PAN) e 1219/XIII (3.ª) —
Recomenda ao Governo que crie um grupo de trabalho com vista a elaborar um plano para prevenir e lidar com
os casos da síndrome de Noé, mais conhecida por «acumulação de animais» (PAN).
É tudo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Secretário Duarte Pacheco.
Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, vamos, pois, entrar na ordem do dia, cujo primeiro ponto consta da leitura
da mensagem do Presidente da República que devolveu, sem promulgação, o Decreto da Assembleia da
República n.º 177/XIII, referente às alterações à Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional, à Lei dos Partidos Políticos, à Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas
Eleitorais e à Lei de Organização e Funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos.
Os fundamentos dessa não promulgação constam da mensagem que passo a ler:
«Excelentíssimo Senhor Presidente da Assembleia da República,
Dirijo-me a Vossa Excelência, nos termos do n.º 1 do artigo 136.º da Constituição da República Portuguesa,
transmitindo a presente mensagem à Assembleia da República, relativa ao Decreto da Assembleia da República
n.º 177/XIII, que altera a Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do
Tribunal Constitucional), a Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto (Lei dos Partidos Políticos), a Lei n.º
19/2003, de 20 de junho (Lei de Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais) e a Lei
Orgânica n.º 2/2005, de 10 de janeiro (Lei da Organização e Funcionamento da Entidade das Contas e
Financiamentos Políticos).
O regime do financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais é estruturante para a
Democracia e essencial para a credibilidade das suas instituições.
Acresce que, quanto a ele, os partidos políticos estão, pela natureza das coisas, obrigados a especial
publicidade e transparência, até para não poderem ser, injustamente, vistos como estando a decidir por razões
de estrito interesse próprio.
O Decreto submetido a promulgação, contém dois tipos de matérias.
Uma, que esteve na base da sua elaboração, respeita à fiscalização das finanças partidárias pela Entidade
das Contas e Financiamentos Políticos e pelo Tribunal Constitucional.
Esta parte resultou da chamada de atenção e, depois, decisivo contributo do Tribunal Constitucional, num
processo que acompanhei desde a primeira hora e no qual, apesar do carácter técnico das alterações, existiu
mínima justificação nos trabalhos parlamentares.
De facto, a Exposição de Motivos do Projeto que veio a converter-se no Decreto permite compreender o
alcance das inovações introduzidas, de resto, objeto de expressa, mesmo se sucinta, menção em plenário.
Mas o Decreto aprovado pela Assembleia da República juntou à matéria de fiscalização das finanças
partidárias, outras disposições avulsas, duas das quais especialmente relevantes, por dizerem respeito ao modo
de financiamento e por representarem, no seu todo, uma mudança significativa no regime em vigor: o fim de
qualquer limite global ao financiamento privado e, em simultâneo, a não redução do financiamento público,
traduzida no regime de isenção do IVA. Tudo numa linha de abertura à subida das receitas e, portanto, das
despesas dos partidos.
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Ao contrário do sucedido com a outra parte do diploma, quanto às disposições mencionadas não existe uma
palavra justificativa na Exposição de Motivos. Mais ainda: não existiu uma palavra de explicação ou defesa no
debate parlamentar em plenário, o único, no caso vertente, passível de acesso documental pelos portugueses.
Isto é, uma matéria fundamental no domínio do financiamento partidário é alterada sem que seja possível
conhecer, a partir do processo de elaboração da lei, a razão de ser da escolha efetuada.
Ora, pode haver e há várias posições sobre essa matéria: desde a tendência para a redução drástica das
receitas e das despesas partidárias até à orientação para o seu aumento sem limites, passando por soluções
intermédias de ajustamentos periódicos do limite, em função dos mais diversos fatores; desde o financiamento
exclusivamente privado até ao financiamento exclusivamente público, passando por sistemas mistos,
dominantemente privados ou públicos. O que não pode haver é decisão sem que seja apresentada qualquer
justificação para a opção do legislador.
A Democracia também é feita da adoção de processos decisórios suscetíveis de serem controlados pelos
cidadãos.
A isso se chama publicidade e transparência.
Independentemente da minha posição pessoal, diversa da consagrada, como Presidente da República não
posso promulgar soluções legislativas, consabidamente essenciais, sem mínimo conhecimento da respetiva
fundamentação.
Assim sendo, em homenagem ao papel constitucional dos partidos políticos, exigindo-se neste domínio
particular publicidade e transparência, que obste a juízos negativos para a credibilidade de tão relevantes
instituições democráticas, juízos esses que alimentem populismos indesejáveis, entendo dever a Assembleia da
República ter a oportunidade de ponderar de novo a matéria.
Isto para que ela possa, nomeadamente, de imediato, proceder ao debate e à fundamentação, com
conhecimento público, das soluções adotadas sobre o modo de financiamento partidário. Ou, em alternativa, ao
seu expurgo, por forma a salvaguardar a entrada em vigor, sem demora, das regras relativas à fiscalização pela
Entidade das Contas e Financiamentos Políticos e pelo Tribunal Constitucional.
Devolvo, por conseguinte, sem promulgação, o Decreto da Assembleia da República n.º 177/XIII, que altera
a Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional),
a Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto (Lei dos Partidos Políticos), a Lei n.º 19/2003, de 20 de junho (Lei
de Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais) e a Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de
janeiro (Lei da Organização e Funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos).
Marcelo Rebelo de Sousa
Presidente da República.»
Vamos, pois, como foi hoje acordado na Conferência de Líderes, proceder a um primeiro debate sobre esta
mensagem do Sr. Presidente da República, para o que cada grupo parlamentar dispõe de 3 minutos e o PAN
dispõe de 1 minuto.
Nos poucos momentos em que houve debate logo a seguir à leitura da mensagem do Sr. Presidente da
República, já houve duas soluções: uma, a de aguardarmos pelas inscrições dos Deputados e a segunda, a de
começarmos pelo Deputado do partido mais pequeno até ao partido com mais expressão.
Pausa.
A Mesa regista a inscrição do Sr. Deputado Pedro Soares, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda,
para uma intervenção. Portanto, a partir de agora, todos os restantes grupos parlamentares podem inscrever-
se para o mesmo efeito.
Faça favor, Sr. Deputado Pedro Soares.
O Sr. Pedro Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: O Presidente da República
decidiu devolver o Decreto da Assembleia da República respeitante ao financiamento partidário «com base na
ausência de fundamentação publicamente escrutinável quanto à mudança introduzida no modo de
financiamento dos partidos políticos». Registamos que o Presidente da República não questiona a
constitucionalidade do diploma nem identifica razões de conteúdo na fundamentação do seu veto.
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Com esta decisão, consideramos que se abre a possibilidade de uma nova apreciação do Decreto da
Assembleia da República sobre as alterações à Lei do Financiamento dos Partidos. O Bloco entende de forma
positiva que o Parlamento volte a esta questão, resolvendo os problemas de escrutínio e de transparência que
suscitaram o veto presidencial, mas igualmente a preocupação, a controvérsia e o debate na sociedade.
A todos os níveis, a Assembleia da República deve ser exemplar nos processos democráticos que,
necessariamente, porque é um princípio da democracia, devem estar sujeitos ao escrutínio público do início ao
fim, porque só assim são claros e, de facto, democráticos. O contrário dá origem a todas as deturpações e
populismos como os de que este caso foi exemplo.
Este novo momento de apreciação parlamentar permitirá também corrigir e melhorar a Lei, tendo já em conta
o debate público ocorrido. O Bloco está disponível e interessado em melhorar a Lei, reafirmando tudo o que tem
vindo a defender, nomeadamente em iniciativas legislativas anteriores sobre o financiamento, a fiscalidade e a
máxima exigência na fiscalização das contas dos partidos.
Logo que o processo legislativo seja aberto, o Bloco apresentará publicamente as suas propostas, sempre
salvaguardando as correções recomendadas pelo Tribunal Constitucional junto dos partidos, de modo a
assegurar a solidez constitucional da Lei do Financiamento dos Partidos e o rigor da fiscalização das suas
contas.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira, de Os Verdes, para uma intervenção.
O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quando, em dezembro do
ano passado, esta Assembleia discutiu e votou as alterações à Lei do Financiamento dos Partidos Políticos, Os
Verdes votaram favoravelmente. E votámos favoravelmente porque consideramos, como, aliás, continuamos a
considerar, que essas alterações eram e são adequadas e oportunas.
A este propósito, importa ter presente que a Lei atualmente em vigor apresenta problemas do ponto de vista
da sua conformidade com a Constituição da República Portuguesa, problemas que inclusivamente foram
sinalizados pelo próprio Tribunal Constitucional, como, de resto, é público.
Sobre as questões processuais, interessa recordar que esta Lei foi agendada por consenso na Conferência
de Líderes, sem oposição de qualquer força política, incluindo as forças que votaram contra estas alterações, e
o mesmo se diga quanto aos tempos distribuídos para a sua discussão. De facto, a grelha estabelecida para a
discussão destas alterações foi também consensual na Conferência de Líderes e a mesma Conferência de
Líderes foi, inclusivamente, sensível ao requerimento de um dos partidos que votaram contra mas que não tinha
direito a voto nessa discussão — neste caso, o PAN, que requereu tempo para essa discussão, ao que a
Conferência de Líderes acedeu, e que, afinal, acabou por não o utilizar.
Sobre o conteúdo, e mais em concreto sobre as duas questões apresentadas na mensagem do Sr.
Presidente da República, refiro-me agora ao limite para a angariação de fundos e à questão do IVA (imposto
sobre o valor acrescentado).
Sobre estas matérias, importa dizer que Os Verdes sempre defenderam um sistema de financiamento dos
partidos semipúblico e, portanto, não nos parece fazer sentido que se imponham limites à própria atividade dos
partidos políticos com o objetivo de angariar fundos. Ou seja, desde que essa angariação de fundos obedeça
aos critérios da transparência e da fiscalização, não vemos qualquer motivo para limitar a própria atividade dos
partidos políticos e, por isso, consideramos desprovido de qualquer sentido limitar ou estabelecer tetos para a
angariação de fundos por parte dos partidos políticos.
Relativamente ao IVA, pouco há de novo, porque o regime não é alterado, o que há é alguma clarificação de
forma a evitar que seja a Autoridade Tributária a decidir quais as ações que encaixam no conceito de atividade
partidária. O que se pretende é retirar o poder discricionário da Autoridade Tributária para decidir, por exemplo,
que um congresso ou uma convenção de um determinado partido não encaixa nesse conceito de atividade
partidária e, noutros casos, considerar que, sim, encaixa. Foi exatamente isto que se pretendeu evitar.
Portanto, Os Verdes, respeitando, naturalmente, a decisão do Sr. Presidente da República e admitindo, até,
que possa haver uma nova discussão em Plenário sobre o assunto, entendem que esta Assembleia tem todas
as condições para confirmar as alterações que foram aprovadas em dezembro,…
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O Sr. Presidente: — Tem de terminar, Sr. Deputado.
O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — … assim as forças que propuseram e aprovaram as alterações
continuem disponíveis para esse propósito.
Aplausos de Os Verdes e do PCP.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado André Silva, do PAN, para uma intervenção.
O Sr. André Silva (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Acompanhamos o veto presidencial
relativo às alterações feitas à Lei do Financiamento dos Partidos. Este veto veio reforçar o sentido de voto do
PAN, que se opôs ao pacote de propostas, que inclui medidas avulsas, à boleia das recomendações feitas pelo
Tribunal Constitucional respeitantes à fiscalização das finanças partidárias.
Acolhemos as sugestões do Tribunal Constitucional, mas não podemos concordar com o fim do limite global
para a angariação de fundos, que abre um perigoso precedente para financiamentos potencialmente opacos
aos partidos políticos. Muito menos podemos concordar com a devolução total do IVA para todas as ações
partidárias, o que, a nosso ver, institucionaliza um injusto e desproporcional privilégio para os partidos políticos.
O PAN irá apresentar propostas de alteração no sentido de retirar estas medidas, mantendo as regras
relativas à fiscalização pela Entidade das Contas e pelo Tribunal Constitucional. Acreditamos, sim, que uma
democracia tem custos, defendemos que o financiamento dos partidos deve ser eminentemente público,…
O Sr. António Filipe (PCP): — Ah! Pronto!
O Sr. André Silva (PAN): — … mas as regras de funcionamento devem conter limites e travões e devem ser
debatidas por todos.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Muito bem!
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Silvano, do Grupo Parlamentar do PSD, para uma
intervenção.
O Sr. José Silvano (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PSD recebeu com toda a naturalidade
a decisão do Sr. Presidente da República. A democracia funcionou, a Assembleia da República exerceu as suas
competências e o Sr. Presidente da República também. Foi cumprida uma regra de ouro da democracia.
É importante dizer que nenhum partido político deve ser insensível às manifestações dos nossos cidadãos e
é evidente que o Parlamento, no seu conjunto e na sua pluralidade, deve encontrar novas formas e novas
soluções que vão ao encontro dos portugueses e da sua vontade de maior escrutínio dos procedimentos da
Assembleia da República.
Já dissemos, e repetimos hoje, que convivemos e continuaremos a conviver o tempo que for necessário com
esta Lei, não temos pressa na sua alteração. O Presidente do Grupo Parlamentar do PSD já afirmou também
que aguardaremos pela eleição do próximo líder para tomar uma posição pública sobre esta matéria.
Para concluir, é preciso afirmar que foram propostas mais de uma dezena de alterações à Lei e só duas
delas mereceram contestação pública. O próprio Presidente da República afirma na sua mensagem que, se
retirássemos duas delas, estaria disposto a promulgar o diploma. Muita coisa estava bem e os portugueses
devem saber isso. Este Decreto também contém alterações positivas e feitas com grande consenso.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Em nome do Grupo Parlamentar do CDS-PP, tem a palavra o Sr. Deputado António
Carlos Monteiro para uma intervenção.
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O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O CDS congratula-se
com o veto do Sr. Presidente da República ao Decreto da Assembleia da República que aprovou as alterações
à Lei do Financiamento dos Partidos. Aliás, o CDS, através da sua Presidente, Dr.ª Assunção Cristas, apelou a
que o Presidente devolvesse esta legislação à Assembleia.
Protestos do Deputado do PS Santinho Pacheco.
Este veto é, assim, compreensível, expectável e por nós, até, desejável.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!
O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Como tivemos oportunidade de dizer aqui, no Plenário, no dia
21 de dezembro, o problema com estas alterações foi o «já agora»: já agora mais isto, já agora mais aquilo.
Repetimos: à boleia de se resolverem os problemas de constitucionalidade no modelo de fiscalização das
contas dos partidos, foram introduzidas duas alterações que põem em causa esse modelo e a transparência do
financiamento. Repetimos o que desde o início dissemos: somos contra.
A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Muito bem!
Protestos do PCP e de Os Verdes.
O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Não tendo, aliás, essas duas normas saído da proposta
consensual dos partidos, saiu o CDS. Estamos, por isso, de consciência tranquila, pois avisámos em tempo.
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
Protestos de Deputados do PCP.
O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Consideramos, por isso, que se deve manter o limite na
angariação de fundos dos partidos — aliás, como alertou o Tribunal Constitucional, é onde há neste momento
problemas sérios de fiscalização — e estamos contra a ampliação da isenção do IVA relativamente a todas as
despesas dos partidos. Cada uma destas alterações é grave, mas as duas juntas é gravíssimo.
O Sr. António Filipe (PCP): — Isso é falso! Isso é falso!
O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Também não deve restar qualquer dúvida quanto à eventual
retroatividade destas alterações.
O Sr. António Filipe (PCP): — Também é falso! Isso é falso!
O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Por isso o CDS já anunciou que irá propor alterações nesse
sentido.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!
O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Esperamos que a Assembleia da República as aprove; caso
não sejam aprovadas, proporemos a revogação destas normas na Lei.
A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Muito bem!
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O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — O veto do Sr. Presidente da República dá uma nova
oportunidade a todos os partidos para corrigirem os erros cometidos. O pior que se pode fazer é dar razões para
que se manifestem os populismos, neste processo legislativo ou em qualquer outro.
Risos e protestos do PS, do BE, do PCP e de Os Verdes.
Sr.as e Srs. Deputados, repito: o pior é darem razões para que se manifestem os populismos e, por isso,
apelamos a todos os partidos para que se juntem ao CDS, corrijam estes erros e aprovem as alterações que o
CDS irá propor.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Em nome do Grupo Parlamentar do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe
para uma intervenção.
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O veto do Sr. Presidente da República a este
diploma sobre financiamento dos partidos deixa claro que não há qualquer problema de inconstitucionalidade.
Esse foi um problema que, durante vários dias, foi agitado na opinião pública e na opinião publicada.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Então porque é que o diploma foi vetado?
O Sr. António Filipe (PCP): — O veto do Sr. Presidente da República foi feito no exercício de um poder
político de vetar politicamente algo de que politicamente discorda.
Invoca o Sr. Presidente da República a «ausência de fundamentação publicamente escrutinável» das opções
constantes deste diploma. Importa dizer que não nos lembramos de uma matéria não escrutinável que tenha
sido tão escrutinada como esta. Infelizmente, não foi escrutinada na base da clarificação, na base do debate,
na base do esclarecimento, foi escrutinada na base da mistificação, na base da mentira, na base da calúnia…
Aplausos do PCP, de Os Verdes e de Deputados do PS.
… e, inclusivamente, na base de falsidades sobre o seu conteúdo. O facto de o CDS repetir uma mentira mil
vezes não a torna verdade!
Aplausos do PCP.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — O Sr. Presidente da República é mentiroso ou é o PCP que tem
vergonha?!
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente e Srs. Deputados: Não houve nesta matéria trabalhos secretos,
houve um grupo de trabalho constituído informalmente, na base de uma sugestão do Tribunal Constitucional,
em que o CDS participou do princípio ao fim — do princípio ao fim!
Aplausos do PCP e de Os Verdes.
Protestos do CDS-PP.
Este grupo de trabalho avaliou a possibilidade da apresentação de uma iniciativa legislativa pelas lideranças
partidárias. A conclusão dessa viabilidade, sendo certo que o CDS discordou de duas questões concretas…
Vozes do CDS-PP: — Ah!
O Sr. António Filipe (PCP): — É certo que discordou de duas questões concretas,…
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Aplausos do CDS-PP.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Nós não faltamos à verdade! Nós não faltamos à verdade!
O Sr. António Filipe (PCP): — … mas a avaliação dos demais líderes partidários de que era possível
apresentar uma iniciativa legislativa levou à sua apresentação. O processo legislativo é público do princípio ao
fim. Não se peça publicidade a um processo inexistente, porque até à apresentação da iniciativa legislativa o
que houve foi a apreciação da viabilidade da apresentação de uma iniciativa legislativa e, a partir do momento
em que se concluiu por essa viabilidade, ela foi apresentada e foi agendada, sem a oposição do CDS, com uma
grelha a que o CDS não se opôs.
Aplausos do PCP e de Os Verdes.
Não se venha falar em secretismo, porque manifestamente secretismo não houve.
Aguardaremos naturalmente pelo debate sobre a confirmação ou a alteração deste diploma. Mas queremos
dizer uma coisa muito clara: o PCP não renega nada do que assinou e do que aprovou e não se deixa intimidar
por quaisquer campanhas de manipulação da opinião pública. A nós não nos intimidam!
Aplausos do PCP, de Os Verdes e de Deputados do PS.
Protestos do Deputado do CDS-PP António Carlos Monteiro.
Sr. Presidente, para concluir, queremos dizer que o PCP sempre se opôs e continua a opor-se à Lei que vem
de 2003, que aumentou escandalosamente as subvenções públicas, procurando proibir a possibilidade de os
partidos angariarem os seus próprios fundos.
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.
O Sr. António Filipe (PCP): — Estas alterações não modificam a sua matriz essencial, mas contêm
melhorias que pensamos serem importantes para a clarificação e para a transparência daquele que é o
financiamento partidário, e disso não abdicamos.
Aplausos do PCP, de Os Verdes e de Deputados do PS.
O Sr. Presidente: — É a vez do Grupo Parlamentar do PS.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão para uma intervenção.
O Sr. Jorge Lacão (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A democracia funciona. A Assembleia da
República exerceu a sua competência de aprovação de um decreto. O Sr. Presidente da República, no seu
escrutínio político, considerou devolver esse decreto para nova ponderação à Assembleia da República.
Aceitamos, pois, como inteiramente normal o exercício desse poder por parte do Sr. Presidente da República.
Aliás, a circunstância de o Regimento da Assembleia prever um período de 15 dias até à possibilidade de
reapreciação do diploma significa uma exigência para nós próprios de ponderação de argumentos,
nomeadamente quando eles são estabelecidos pelo Presidente da República na sua relação interinstitucional
com o Parlamento. Temos, por isso, toda a disponibilidade para fazer essa mesma reponderação.
No entanto, gostaria, desde já, de sublinhar que resulta claro da mensagem do Sr. Presidente da República
o clima de colaboração institucional entre os partidos políticos nesta Câmara e o Tribunal Constitucional. Se nos
lembrarmos que, além do princípio da separação de poderes, há também um princípio de interdependência que
apela à confiança entre titulares dos órgãos de soberania, a Assembleia da República, no seu conjunto, deu
uma lição de confiança no modo como estabeleceu essa relação com o Tribunal Constitucional no processo
preparatório do diploma em causa.
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Vozes do PS: — Muito bem!
O Sr. Jorge Lacão (PS): — Naturalmente, pode e é legítimo questionar-se sobre a justificação e as condições
de publicidade que o diploma pôde obter na sua fase de processo legislativo. Estamos disponíveis para ponderar
todas as implicações de aperfeiçoamento do trabalho parlamentar, nomeadamente quanto aos critérios de
agendamento.
Por isso mesmo, foi hoje suscitado na Conferência de Líderes, como todos sabem, a possibilidade de uma
reflexão específica sobre o modo como os agendamentos, os tempos de agendamento e as condições
preparatórias dos diplomas são adequadamente concretizados.
Entretanto, gostaria de sublinhar que, em relação ao destino do Decreto, o Partido Socialista se mantém
inteiramente disponível, como se manteve ao longo de trabalhos preparatórios, para dialogar com o conjunto
dos partidos políticos. E porque assim é, estamos inteiramente disponíveis para o apelo a que esta matéria seja
reponderada no mais curto prazo possível. Respeitaremos os calendários dos outros. Pela nossa parte, estamos
disponíveis para encetar o trabalho.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Pediu a palavra, para uma segunda intervenção, o Sr. Deputado António Carlos
Monteiro.
Faça favor.
O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Pedi a palavra para
dizer ao Sr. Deputado António Filipe que não aceitamos que nos chame mentirosos.
Protestos do PCP.
O Sr. Deputado António Filipe sabe muito bem que é verdade que, desde o início, o CDS disse que era
contra. O que o Sr. Deputado não diz neste Plenário — e essa é que é a verdade — é que está contra a
fiscalização das contas dos partidos,…
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Isso!
O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — … que foi estabelecida em 2003.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Ora bem!
O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Isso é que era importante ser dito aqui!
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Agora é que está a ser mentiroso!
O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Portanto, Sr. Deputado António Filipe, nós não levamos para
casa desaforos, nós não aceitamos aquilo que acabou de nos dizer e que fique muito claro que avisámos e,
desde o início, dissemos que éramos contra estas duas alterações.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. António Filipe (PCP): — Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Para que efeito, Sr. Deputado?
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O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, se esta intervenção…
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço desculpa, mas qual é a figura regimental que pretende usar?
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, é o que vou colocar à consideração de V. Ex.ª.
O Sr. Presidente: — A mim, não!
Risos.
Sr. Deputado, faça favor de dizer o que pretende fazer. Quer intervir para defesa da consideração?
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, se a intervenção do Sr. Deputado António Carlos Monteiro foi
qualificada como defesa da honra, como parece ter sido,…
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Não, não! Foi uma intervenção!
O Sr. António Filipe (PCP): — … eu queria dar explicações. Não sendo, precisamos de defender a honra
da bancada face ao que foi dito.
O Sr. Presidente: — Então, faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado António Carlos Monteiro, desde o início,
deixámos muito claro que o CDS discordou de duas disposições desta Lei.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Ah!
O Sr. António Filipe (PCP): — Isso nunca ninguém omitiu, o que, aliás, demonstra que este processo não
foi tão obscuro como alguém pretendeu fazer crer, e isso ficou claro.
Também é verdade que o CDS, desde o início, que me recorde, participou em todas, repito, todas as reuniões
do grupo de trabalho…
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — E então?!
O Sr. António Filipe (PCP): — … e reservou a sua posição sobre este ponto, como outros partidos, ao longo
do processo, foram evoluindo e reservando as suas posições e aperfeiçoando aquilo que pensavam acerca
disto. Assim foi até ao fim.
Contudo, não é verdade aquilo que os senhores têm andado a dizer, ou seja, que as disposições aprovadas
pretendem, designadamente, ter efeitos retroativos. Não é verdade, pura e simplesmente! Concretamente,
quanto a litígios que alguns partidos possam ter — não é o nosso caso — …
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Pois não! É o caso do PS!
O Sr. António Filipe (PCP): — … relativamente a interpretações abusivas da Autoridade Tributária no que
se refere à aplicação do IVA. É bom que isto fique claro! É bom que isto fique claro!
Portanto, aquilo que os senhores têm vindo a dizer, imputando, inclusivamente, a possibilidade de as
alterações aprovadas em sede de IVA implicarem um financiamento adicional aos partidos não é verdade. Aliás,
quem tem vindo a defender que os partidos devem depender quase exclusivamente do Estado são os
senhores,…
Aplausos do PCP.
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… que em 2003 aprovaram legislação nesse sentido. É por isso que, segundo os dados oficiais, o CDS é o
único partido que depende quase a 100% da subvenção pública. Os senhores vivem à custa dos contribuintes!
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — O quê?!
O Sr. António Filipe (PCP): — Portanto, tenham termos na forma como se referem aos outros partidos.
Aplausos do PCP e de Deputados do PS.
Queria só dizer que consideramos que é um ponto de honra e é escrupuloso que haja transparência e que a
fiscalização do financiamento partidário…
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.
O Sr. António Filipe (PCP): — Vou concluir, Sr. Presidente, dizendo que é necessário haver uma fiscalização
rigorosa.
O Sr. Deputado António Carlos Monteiro sabe as razões de queixa que tem…
O Sr. Presidente: — Já ultrapassou o tempo, Sr. Deputado.
O Sr. António Filipe (PCP): — Vou concluir, Sr. Presidente.
Como eu estava a dizer, o Sr. Deputado sabe as razões de queixa que tem da Entidade das Contas pela
forma como inclusivamente tratou o seu partido em questões de fiscalização.
O Sr. Presidente: — Tem mesmo de terminar.
O Sr. António Filipe (PCP): — Portanto, Sr. Deputado, não venha dizer que não. Nós somos a favor da
máxima transparência e da máxima fiscalização, só que não confundimos as coisas, como os senhores
pretendem.
Aplausos do PCP e de Os Verdes.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado António Carlos Monteiro.
O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, não deixa de ser até
quase divertido que quem ofende e chama mentiroso seja quem invoca a defesa da honra para atacar de novo
o CDS.
Protestos do PCP e contraprotestos do CDS-PP.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado António Filipe, o CDS esteve desde o início nesse grupo
de trabalho e desde o início que esteve contra estas duas alterações. Aliás, estivemos sozinhos contra essas
alterações e sentimo-nos de consciência tranquila.
E, Sr. Deputado António Filipe, estamos de consciência tranquila porque basta ler as propostas aprovadas
pelos senhores: a ampliação do IVA, sim, é isso que está previsto, quando o Tribunal Constitucional chama a
atenção para as dificuldades de fiscalização nas angariações de fundos. Qual foi a solução que os senhores
arranjaram? Acabar com o limite às angariações de fundos.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Ora bem!
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O Sr. João Oliveira (PCP): — É falso!
O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Relembro, Srs. Deputados, que, no artigo 7.º — Norma
transitória —, está escrito que estas alterações são aplicáveis a todos os processos, incluindo os processos
pendentes.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Não há normas fiscais retroativas!
O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Portanto, não deixo de registar que o Sr. Deputado António
Filipe começa por me chamar, a mim, e ao CDS de mentirosos e depois invoca uma defesa da honra para tentar
justificar…
O Sr. João Oliveira (PCP): — Não há normas fiscais retroativas!
O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — … aquilo que o Sr. Deputado diz e que não corresponde à
verdade.
Portanto, repito, nós estamos de consciência muito tranquila e apelamos a todos os partidos para que se
corrijam os erros que foram cometidos. Acho que é importante, até porque é destes erros que se alimenta o
populismo.
O Sr. João Oliveira (PCP): — O que alimenta o populismo são discursos como o seu!
O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Srs. Deputados, nós estamos preocupados, não queremos
alimentar populismos. Alertámos a tempo e, por isso mesmo, voltamos a apelar a todos partidos, sem exceção:
vamos corrigir este erro.
Aplausos do CDS-PP.
Protestos do PCP.
O Sr. Presidente: — Vamos iniciar o segundo ponto da nossa ordem do dia, que consiste em declarações
políticas.
Começamos pela declaração política do Grupo Parlamentar do PS.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Na sequência do veto político decidido
pelo Sr. Presidente da República à revisão do regime jurídico do financiamento partidário — e
independentemente da apreciação a fazer, como agora acabou de se registar —, considero, em representação
do Grupo Parlamentar do PS, que este é já o tempo, o lugar e o modo de assumir as responsabilidades e de
clarificar posições.
Importa sublinhar que a revisitação desse complexo de diplomas resultou de um apelo dirigido à Assembleia
da República pelo Sr. Presidente do Tribunal Constitucional, por considerar estar o regime vigente afetado de
procedimentos que, além de inconstitucionais, criam sérias disfunções ao trabalho do Tribunal.
Correspondendo a tais preocupações, a partir da Comissão de Assuntos Constitucionais, foi constituído um
grupo de trabalho informal para avaliar as possibilidades de entendimento partidário sobre eventual iniciativa
legislativa e em que termos.
Ficou então estabelecido que os trabalhos decorreriam num quadro de reserva de negociação, de resto
indispensável para poder manter contactos informais com o Tribunal Constitucional, que não é órgão legislativo
e só num contexto ausente de disputas partidárias poderia colaborar visando uma solução abrangente.
É, pois, o momento de dizer claramente: negociações interpartidárias reservadas e prévias ao desencadear
ou o culminar de um processo legislativo são um procedimento inteiramente comum na democracia partidária.
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Alguém pode fingir ignorar quantas de tais reuniões de certeza ocorreram entre os partidos da coligação
anterior e ocorrem no quadro da atual maioria parlamentar? As críticas ao método de trabalho interpartidário
carecem de fundamento sério.
O Sr. António Filipe (PCP): — Muito bem!
O Sr. Jorge Lacão (PS): — As reuniões do grupo de trabalho foram, como tinham de ser, reservadas, mas
não foram secretas. O seu calendário ainda hoje consta do site da Assembleia da República e o seu
coordenador, em 18 de outubro, em reunião da 1.ª Comissão, informou da obtenção de um texto largamente
consensual, tendo o Presidente determinado o envio do documento às direções dos grupos parlamentares e ao
Deputado único do PAN, para os efeitos que tivessem por convenientes.
Ninguém ficou de fora, mas o início do processo legislativo só doravante haveria de ter lugar, após subscrição
de um projeto de lei por quem o entendesse, se o entendesse.
É verdade que a sua subscrição, o seu agendamento e a sua apreciação se concentraram nas últimas 48
horas dos trabalhos parlamentares do ano findo. Tal procedimento não é isento de crítica. As observações sobre
a falta de esclarecimento público merecem da nossa parte, sem esforço, reflexão e acolhimento. Merecem-no,
sem descontextualizar o calendário parlamentar, muito saturado, e todavia pressionado pela persistente e
legítima expetativa — para não dizer premente necessidade — de o Tribunal Constitucional ver resolvidas as
disfunções apontadas, ao ponto de ter sugerido a entrada em vigor da lei no dia imediato ao da sua publicação.
Sem enjeitar o significado do que se descreveu, o Grupo Parlamentar do PS entende retirar uma
consequência fundamental: a necessidade de uma vigilância redobrada pelo cumprimento mais rigoroso do
Regimento da Assembleia da República, nomeadamente no que respeita ao agendamento de diplomas, que só
deve ocorrer após a obtenção tempestiva de parecer prévio no quadro do processo legislativo, devendo recusar-
se, do mesmo passo, o agendamento de projetos tão só anunciados, mas sem entrada formal na Mesa da
Assembleia da República, incluindo os agendamentos por conexão.
Os critérios de oportunidade política não devem substituir as exigências procedimentais. Importa, por isso,
tomar posição clara, em sede de Conferência de Líderes, sobre alguns dos aspetos tidos por mais controversos
nos nossos processos de agendamento.
Relativamente às matérias do Decreto, refiro, em primeiro lugar, o levantamento do teto vigente relativo à
angariação de fundos. Foi o próprio Tribunal Constitucional que suscitou o tratamento do tema e todos, à
exceção do CDS, consideraram que as regras vigentes asseguravam a idoneidade dos procedimentos. Serem
os partidos o único tipo de ente coletivo a suportar constrangimentos à capacidade de angariação de fundos
talvez não encontre justificação no bem jurídico a proteger: o valor da transparência.
Em segundo lugar, há a questão da isenção do IVA, isenção já existente. A norma foi reportada — e cito —
«à totalidade de aquisições de bens e serviços para a atividade» dos partidos. Tendo em conta o disposto no
seu estatuto legal, que prevê que os partidos prosseguem livremente os seus fins sem interferência das
autoridades públicas, considerámos ser de afastar os riscos de discricionariedade da administração fiscal na
qualificação da natureza das atividades partidárias, que são exclusivamente vinculadas aos seus fins políticos,
como princípio democrático fundamental.
Tratou-se, portanto, de uma norma de clarificação, e é como tal, de boa-fé, que deve ser entendida.
O Sr. Presidente: — Já ultrapassou o seu tempo, Sr. Deputado. Peço-lhe para concluir.
O Sr. Jorge Lacão (PS): — Vou terminar, Sr. Presidente.
Em terceiro lugar, quanto ao suposto móbil do PS em resolver o seu contencioso fiscal, tendo, para tanto,
colaborado em conferir natureza retroativa à nova lei, é absolutamente necessário dizer duas coisas: primeiro,
a norma transitória salvaguarda expressamente — e cito — «a validade de todos os atos produzidos na vigência
da lei anterior», não afetando, por isso, qualquer contencioso pendente em jurisdição fiscal. Segundo, a norma
transcreve na íntegra a solução tal como foi sugerida pelo Tribunal Constitucional, que adequadamente a
concebeu para melhor regular as questões de procedimento entre si e a Entidade das Contas.
O Sr. António Filipe (PCP): — Exatamente!
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O Sr. Jorge Lacão (PS): — E porque para mais não há tempo, é isto, a clareza de tudo isto e nada mais do
que isto.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Jorge Lacão, inscreveram-se para lhe pedir esclarecimentos quatro Srs.
Deputados. Peço-lhe para informar a Mesa sobre a forma como pretende responder.
O Sr. Jorge Lacão (PS): — Respondo a um de cada vez, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Para formular o primeiro pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José
Silvano, do Grupo Parlamentar do PSD.
O Sr. José Silvano (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, passadas as festas, e depois de a
poeira assentar relativamente à discussão deste problema e da questão específica do grupo informal, cuja
existência, forma e conteúdo aqui tão bem descreveu, queria fazer-lhe duas perguntas, embora não em meu
nome pessoal, porque fiz parte desse grupo de trabalho e assumo essa participação. Aliás, fui educado para
assumir sempre as minhas responsabilidades, porque quem participa assume as responsabilidades daquilo em
que participa.
Aplausos do PSD.
Em nome do esclarecimento da opinião pública, que tão intoxicada foi sobre esta matéria específica nos
últimos tempos, pedia-lhe que respondesse, em primeiro lugar, a uma pergunta concreta: com a experiência
parlamentar que já tem, queria que nos dissesse se é ou não normal, se aconteceu ou não, em anos anteriores,
os partidos políticos reunirem-se em grupos informais para obterem consensos sobre determinadas matérias
específicas. Isso era ou não normal neste Parlamento?
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Muito bem!
O Sr. José Silvano (PSD): — Em segundo lugar, perguntava-lhe também, de forma incisiva — não que
desconfie disso, como lhe disse, porque já participei —, o seguinte: será que era preciso um grupo informal para
que, como se diz, se discutisse um benefício próprio? Sentiu que estava ali a discutir-se um benefício próprio de
alguém?
Estas duas questões são essenciais, não para mim e podendo não o ser para a Assembleia, mas para a
discussão e informação da opinião pública.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Silvano, agradeço a sua pergunta, que talvez
nos permita ir ainda mais fundo sobre o que está em causa.
Na minha intervenção, tive ocasião de dizer que, no quadro da Legislatura anterior — seguramente ninguém
duvida, e dei dois exemplos —, muitas reuniões terão tido lugar do seu partido com o CDS, no âmbito da
coligação então formada, num processo negocial bilateral. E ninguém duvidará que, no quadro da atual maioria
parlamentar, muitas são as reuniões de natureza interpartidária necessárias para se trocarem pontos de vista e
chegar-se a resultados.
Uma coisa é isso, outra é, depois, o desencadear formal dos processos legislativos, com respeito pelas regras
da Assembleia da República. Ora, o que vimos nestes dias foi os dois momentos e os dois planos inteiramente
confundidos.
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O Sr. Deputado perguntou se, de acordo com a minha experiência parlamentar, e em relação a legislaturas
passadas, teria alguma coisa a dizer. Vou responder-lhe com a maior franqueza: ouvi recentemente um
comentador de televisão, que no passado foi líder do seu Grupo Parlamentar, dizer que o processo conduzido
no grupo de trabalho tinha sido, nas suas próprias palavras, «um escândalo». Esse mesmo comentador, à altura
líder do Grupo Parlamentar do PSD, reuniu comigo informalmente, então na minha condição de líder do Grupo
Parlamentar do PS, e vinculámos os nossos dois partidos a um acordo de revisão constitucional ao mais alto
nível do processo legislativo do Estado. Nessa altura, como sabemos, era Presidente do seu partido o Prof.
Marcelo Rebelo de Sousa e era Secretário-Geral do meu partido o Eng.º António Guterres.
O acordo celebrado entre os dois partidos cumpriu-se. Que se saiba, não houve atas, nem tinha de haver,
das reuniões informais e do acordo estabelecido entre os partidos, mas houve um resultado, houve um processo
legislativo subsequente, houve uma aprovação da Constituição e eu, pessoalmente, e estou convencido de que
também o seu partido, orgulhamo-nos muito do trabalho feito nessa ocasião.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira, do Grupo
Parlamentar de Os Verdes.
O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, queria saudá-lo não só
por ter trazido de novo este assunto para discussão neste Plenário, mas, sobretudo, pelo esforço e pelo
contributo no sentido de esclarecer o que está verdadeiramente em causa com as alterações à Lei do
Financiamento dos Partidos Políticos.
De facto, há muito para esclarecer sobre esta matéria, principalmente depois de tudo aquilo que tem sido
dito e escrito nos últimos dias.
Primeiro, ouvimos vozes dizer que estas alterações eram inconstitucionais, mas, até hoje, ninguém foi capaz
de identificar a norma da nossa Constituição que está em causa com estas alterações. E porquê? Tão-só porque
não há qualquer confronto com a nossa Constituição. Aliás, se dúvidas houvesse, isso ficaria claro na mensagem
do Sr. Presidente da República a este propósito. No entanto, a questão da constitucionalidade destas alterações
alimentou a discussão sobre esta matéria durante vários dias. Ora, este exemplo mostra, de forma muito clara,
o caminho distorcido que a discussão conheceu.
Depois, veio a conversa do grupo de trabalho, como se não fosse habitual no processo legislativo a existência
de grupos de trabalho.
De seguida, veio a conversa do secretismo, quando, afinal, todos os grupos parlamentares participaram
nesse grupo de trabalho. O Deputado do PAN não participou seguramente porque não quis.
Depois, foi referida a retroatividade fiscal, quando todos sabemos que no nosso ordenamento jurídico não há
lugar para a retroatividade das normas fiscais.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Ora, aí está!
O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — E isto tinha de ser dito, porque tenho dúvidas de que aqueles que
insistem em continuar a distorcer o caminho desta discussão fiquem a ganhar com o negócio. Ainda estamos
para ver.
Portanto, consideramos que este caminho está enviesado, que é preciso esclarecer e, por isso, saúdo o Sr.
Deputado Jorge Lacão pelos contributos que deu e também por ter trazido novamente esta discussão para
Plenário.
Para terminar, tenho um pedido de esclarecimento a fazer-lhe, Sr. Deputado: este caminho que a discussão
conheceu ou tem assumido, diria até, antipartidos, é bom ou mau para a nossa democracia, no entendimento
do Sr. Deputado?
Aplausos de Os Verdes e do PCP.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão para responder.
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O Sr. Jorge Lacão (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Luís Ferreira, sabemos que está na moda
fazer dos partidos o bombo da festa quando qualquer pretexto parece bom.
Em primeiro lugar, acho que o dever fundamental de um democrata, se acredita na democracia pluralista, é
compreender que a sua primeira responsabilidade é salvaguardar a dignidade dos partidos políticos.
Em segundo lugar, para saber salvaguardar a dignidade dos partidos políticos, cada partido, ele próprio, deve
comportar-se com dignidade. Há uma coisa que quero aqui relevar: todos os partidos no quadro do grupo de
trabalho tiveram um comportamento construtivo, de elevada lisura e de atitude de boa-fé, e o que eu esperaria
é que essa boa-fé fosse levada até às consequências normais, por mais controverso que fosse o debate na
opinião pública.
Quando vejo que, por exemplo, no quadro do grupo de trabalho, ninguém levantou qualquer reserva sobre a
norma transitória, norma essa que — é preciso assumi-lo claramente — foi aceite por todos nós, mediante uma
proposta, melhor dito, mediante uma sugestão apresentada pelo Tribunal Constitucional, e que, a posteriori, se
vem colocar um problema de duvidosa constitucionalidade e a imputação de que teria havido uma intenção pré-
estabelecida no sentido de obter um efeito retroativo, que ninguém manifestamente quis obter, isto, sim, já é
má-fé de atitude política.
Aplausos do PS.
E quem assim se comporta não pode falar de dignificação dos partidos políticos, porque começa por não
saber dignificar-se a si próprio.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado António Filipe, do
Grupo Parlamentar do PCP.
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, queria saudar a sua intervenção,
que foi oportuna e permitiu clarificar algumas questões, designadamente processuais, quanto ao funcionamento
da Assembleia, e às quais não acrescentaria nada.
O que disse relativamente à forma como este processo decorreu corresponde exatamente ao que aconteceu
e contraria qualquer tese de secretismo ou forma menos correta de funcionar, no quadro do diálogo
interpartidário que teria forçosamente de haver numa matéria como esta.
Mas, Sr. Deputado, há três questões de conteúdo que têm sido colocadas e que seriam as grandes objeções
a estas alterações.
O Sr. Deputado já referiu a não existência de retroatividade, desmentindo cabalmente tudo aquilo que foi
dito, chegando a ser imputados aos partidos saldos de milhões devido a uma alteração que, pura e
simplesmente, não tem esse efeito.
Quanto ao plafonamento, coloca-se a seguinte questão: num quadro de financiamento misto dos partidos,
em que há uma componente de subvenção pública e uma componente de possibilidade de angariação privada
de financiamentos partidários com todos os controlos possíveis e imaginários… Aliás, importa salientar que a lei
de financiamento dos partidos em vigor faz incidir sobre os partidos possibilidades de fiscalização que são
intrusivas — até digo mais, abusivamente intrusivas — que não se aplicam a mais nenhuma entidade, nem
pública nem privada, neste País. Importa dizer isto, ou seja, dizer que os partidos políticos são das entidades
mais fiscalizadas neste País por parte da Entidade das Contas e creio que ninguém que tenha o mínimo de
conhecimento de causa nesta matéria me desmentirá. Ora, a manter-se este quadro, faz algum sentido que,
para além dos dadores serem identificados, da obrigatoriedade de ser feito por transferência bancária
identificada ou por cheque devidamente identificado, se estabeleça, para além disso, um plafond anual? E que
um partido que, designadamente, queira fazer obras de remodelação numa sede distrital fique impedido de o
fazer quando a lei de financiamento não o impede?
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço-lhe para concluir.
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O Sr. António Filipe (PCP): — Termino já, Sr. Presidente.
A minha última questão tem a ver com o IVA. É completamente falso dizer-se que hoje, com as alterações
que foram votadas, a totalidade do IVA suportada pelos partidos fosse devolvida. Não é verdade. Há uma alínea
que sempre se manteria em que qualquer compra de bens e serviços que seja suscetível de afetar a
concorrência paga IVA, um partido que tenha uma…
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem mesmo de concluir.
O Sr. António Filipe (PCP): — Portanto, Sr. Deputado Jorge Lacão, a questão é a de saber se é admissível
que seja a Autoridade Tributária a interpretar a lei ao seu livre arbítrio de forma a considerar que uma
determinada matéria deve ser isenta mas que outra, idêntica, não deve ser. Essa é a questão, Sr. Deputado.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, agradeço-lhe as questões que
colocou e quero sublinhar o seguinte: muitas vezes, nesta Câmara, tivemos ocasiões para convergir e tivemos
ocasiões para divergir. Creio que ambos sabemos que quando estamos de acordo ou em desacordo anima-nos
profundamente um espírito de serviço público e uma boa-fé integral nas atitudes que tomamos na defesa desse
serviço público. Por isso, creio que o Sr. Deputado fez muito bem em colocar as questões que colocou.
Em primeiro lugar, relativamente ao plafond para angariação de fundos, tive ocasião de dizer — e volto a
sublinhá-lo — que, feita a reflexão, faz sentido que nos perguntemos se há alguma razão bastante para que os
partidos sejam o único tipo de organização na sociedade civil que tenham um constrangimento à possibilidade
de angariar financiamento, quando os partidos são precisamente aquela entidade que tem um regime especial
de fiscalização dado que doadores não podem doar acima dos limites previstos na lei, dado que o regime de
contabilidade exige essa identificação, dado que há uma entidade de contas que fiscaliza, querendo,
integralmente o processo de transparência desses vários procedimentos.
Portanto, neste sentido, consideramos que a problemática de fiscalização identificada pelo Tribunal
Constitucional tinha toda a razão de ser e procurámos, por isso, encontrar uma solução, preservando, como se
preserva, o valor fundamental da transparência.
Sr. Deputado, a questão do IVA é da maior importância e o Sr. Deputado disse o essencial, porque o
essencial está vertido na própria lei dos partidos políticos. Há nessa lei um artigo que tem por epígrafe «Princípio
da liberdade» e esse artigo fundamental diz que os partidos — e cito — «prosseguem livremente os seus fins
sem interferência das autoridades públicas».
Pois bem, das duas uma: ou a lei permite a interferência das autoridades públicas ou não permite. A lei não
permite. Não permitindo, realmente a questão que pôs faz todo o sentido. Pode haver interpretação discricionária
por parte da administração fiscal da natureza dos atos praticados pelos partidos? Chegámos à conclusão que
não deve e, portanto, clarificámos a lei, mas foi só isso que fizemos. Clarificámos a lei, repito, relativamente ao
conjunto das atividades dos partidos, mas os partidos não se dedicam a operações de comércio, os partidos
estão vinculados pela mesma lei a prosseguir fins exclusivamente políticos, e é isso que os detratores deviam
explicar e que até ao momento se têm recusado a fazer. Mas é nosso dever, e também é nosso direito, falar
com clareza e não ter medo de dizer aquilo que deve ser dito.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, vou colocar-lhe uma
pergunta que parece ser a questão essencial da declaração que fez, não tanto sobre aquilo que o Sr. Deputado
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disse, mas, sobretudo, por aquilo que o Sr. Deputado não disse, e que creio todos os portugueses esperavam
que o Sr. Deputado viesse aqui, em nome do Partido Socialista, anunciar.
O Sr. Deputado veio contar um pouco a história. Veio dizer que houve um grupo de trabalho — é verdade —
, que esse grupo de trabalho visava acatar, aceitar, algumas sugestões, do ponto de vista procedimental, do
Tribunal Constitucional — é verdade —, o CDS participou nesse grupo de boa-fé — é verdade — e é verdade
também que, à boleia desse grupo de trabalho para aceitar sugestões do Tribunal Constitucional, fez alterações
mais profundas, nomeadamente eliminando o limite de angariação de fundos.
E, já agora, respondendo pelo CDS a uma pergunta do Sr. Deputado António Filipe, digo: sim, Sr. Deputado,
para o CDS faz sentido que haja um limite para a angariação de fundos e faz sentido que os partidos políticos
sejam os únicos que tenham esse limite. Sabe porquê, Sr. Deputado? É que os partidos políticos são os únicos
que podem ganhar eleições e, ganhando eleições, podem governar câmaras e governar o País. E é
precisamente em nome dessa transparência que, para evitar certo tipo de promiscuidades, é preciso que haja
esse limite.
Aplausos do CDS-PP.
Foi por isso, Sr. Deputado, que o CDS, atempadamente, em julho, em setembro, em outubro, em novembro,
em dezembro, no dia 19 na Conferência de Líderes, a 21 de dezembro no Plenário, às 10 horas e 34 minutos,
disse exatamente o mesmo que diz hoje, isto é, diz que sim às sugestões do Tribunal Constitucional e,
obviamente, diz que não, à boleia disso, à alteração do IVA no sentido de ser mais favorável para os partidos.
Aquilo que os Srs. Deputados fazem é basicamente o seguinte: a Entidade das Contas, o Tribunal
Constitucional, tem dúvidas. O que é que se faz? Eliminam-se as dúvidas. Muito bem, estou de acordo com o
princípio de, in dúbio, ser mais favorável aos partidos. É aí que nós discordamos, Sr. Deputado, e foi isso que
lhe tentámos explicar.
Por isso, chegados aqui, termino com a pergunta que se impõe: o que é que vai fazer o PS?
O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr. Presidente.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Termino já, Sr. Presidente.
Como dizia, Sr. Deputado, termino com seguinte pergunta: quid juris PS? Vai ou não aprovar as propostas
que o CDS hoje apresentou?
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Vai ou não respeitar o veto do Presidente da República? Vai ou não
repristinar o regime do IVA? Vai ou não voltar a que haja um limite de angariação de fundos? São estas
perguntas que o País espera ver respondidas.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Magalhães, se o Sr. Deputado tivesse razão,
que não tem, o regime atual da possibilidade de angariação de fundos seria um regime feito à margem da
transparência. Isto porque o Sr. Deputado não falou aqui nem cuidou de saber se estão certas ou erradas — a
nosso ver, estão certas — as restrições às dotações particulares para os partidos políticos.
O que o Sr. Deputado apenas disse é que, por razões de transparência, é a favor do plafond e contra a sua
eliminação, o que significa que, se o Sr. Deputado tiver razão, então a possibilidade de angariação de 630 000
€ no limite do plafond pode estar ferida de falta de transparência. Não é verdade. O Sr. Deputado tem de
reconhecer que não é verdade, e se não é verdade para este montante o que temos de perguntar é em nome
de que bem jurídico fundamental impedimos um partido, que tiver talento para o fazer, de angariar fundos por
sua própria iniciativa. É esta resposta que, até hoje, o CDS não foi capaz de dar.
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O Sr. Deputado diz: «O grupo de trabalho reuniu-se em torno das propostas, das sugestões do Tribunal
Constitucional…» É verdade. E acrescentou: «…e, à boleia dessas…». Não, Sr. Deputado, não houve boleia de
coisa nenhuma, houve um trabalho consistente no âmbito desse grupo de trabalho, em que todas as questões
suscitadas pelos seus membros foram abertamente dialogadas entre todos, sem boleia nem subalternidade
nenhuma. Foram todas tratadas de maneira igual, com seriedade e com ponderação. O que o Sr. Deputado
implicitamente diz é que a sua representação no grupo de trabalho relativamente a outras matérias, que não
estas apenas, que extravasaram da proposta do Tribunal Constitucional terá andado à boleia deles. Nós não
vos fazemos essa ofensa, porque respeitamos o vosso trabalho.
Aplausos do PS.
Se respeitamos o vosso, saibam vocês respeitar o de todos os outros.
Finalmente, à pergunta sobre o que vamos fazer a seguir é muito simples responder: nós trabalhámos em
conjunto, procurando o máximo de consenso possível, não descolamos dessa atitude e vamos mantê-la até ao
fim.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para uma declaração política, em nome do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda,
tem a palavra o Sr. Deputado Moisés Ferreira.
O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O ano de 2018 representa o aumento
do salário mínimo nacional e a redução de impostos sobre os rendimentos do trabalho. Representa também o
aumento real das pensões e o descongelamento das carreiras.
Este ano, 2018, é o ano em que fazemos justiça aos lesados de Pedro Mota Soares, alargando o
complemento solidário para idosos a quem se reformou por antecipação com enormes penalizações; é o ano
em fazemos justiça aos desempregados, eliminando o corte de 10% no subsídio de desemprego, que apenas
castigava quem mais precisava de apoio. São pequenos passos, mas que fazem a diferença.
O Bloco de Esquerda tem contribuído decisivamente para todas estas políticas. Orgulhamo-nos por isso e
por as termos tornado possíveis, porque com estas políticas os pensionistas terão maior pensão, os
trabalhadores terão maior salário e os desempregados melhores condições de vida.
Mas 2018 tem de ser ainda mais do que isto.
O País precisa e exige que 2018 seja também o ano do investimento nos serviços públicos, que seja o ano
em que se começa a recuperar o Serviço Nacional de Saúde (SNS) dos longos anos de suborçamentação e dos
longos anos de desinvestimento.
Que seja o ano em que recuperamos o Serviço Nacional de Saúde do mal que o PSD e o CDS lhe fizeram
quando lhe cortaram o orçamento, quando mandaram embora milhares de profissionais, quando fecharam
serviços, quando duplicaram as taxas moderadoras, quando dificultaram o acesso à saúde, quando retalharam
o SNS para o entregar a privados.
Quem precisa do Serviço Nacional de Saúde, Sr.as e Srs. Deputados, sabe o quão importante foi pararmos
a destruição da direita, mas também sabe que ainda há tanto por fazer.
Quando ainda temos centenas de milhares de utentes sem médico de família, quando ainda temos muitas
consultas que são realizadas para lá do limite legal, quando ainda temos falta de profissionais na saúde, quando
se espera horas nas urgências e quando até há hospitais a internar os doentes em macas por causa da
sobrelotação nas enfermarias, então sabemos que há ainda muito por fazer.
Quando ainda existem barreiras no acesso aos cuidados de saúde, quando as taxas moderadoras e o
pagamento do transporte não urgente impedem consultas e tratamentos, sabemos que temos ainda quase tudo
por fazer.
Quando a promiscuidade entre o público e o privado retira médicos ao Serviço Nacional de Saúde e resulta
numa renda consecutiva e crescente ao privado, quando essa promiscuidade degrada o serviço público e lhe
retira recursos, então temos quase tudo por fazer.
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Quando se continuam a renovar as parcerias público-privadas (PPP), como aconteceu recentemente, então
sabemos que é preciso fazer muito mais.
Sim, foi importante parar o projeto da direita que destruía o nosso serviço público de saúde, mas é preciso
agora voltar a construir um SNS geral, universal e gratuito.
António Arnaut disse recentemente que o SNS está — e cito — «periclitante e a precisar de ser salvo, se não
restará dele apenas uma saudade» e acompanha esta declaração verdadeira com uma proposta que é
apresentada esta semana em conjunto com João Semedo: rever a Lei de Bases da Saúde.
Sim, é preciso uma nova Lei de Bases que fortaleça o Serviço Nacional de Saúde, onde a relação do privado
com o público só pode ser complementar e nunca concorrencial, onde o privado não pode viver à custa da
degradação do público e onde não se pode tirar dinheiro ao público para entregar ao privado.
Aplausos do BE.
É preciso uma nova Lei de Bases que expurgue as parcerias público-privadas, verdadeiros sorvedouros de
dinheiro público do nosso Serviço Nacional de Saúde, que separe o público do privado, que acabe com a
promiscuidade, que acabe com as taxas moderadoras e outros pagamentos que dificultem o acesso à saúde.
O Bloco de Esquerda quer fazer essa discussão, vai participar nela e apresentará uma proposta na
Assembleia da República para construir uma lei de bases que feche as portas aos negócios feitos com a saúde
das pessoas e que, em alternativa, abra a porta a um novo Serviço Nacional de Saúde de gestão integralmente
pública, com o financiamento adequado ao investimento que precisa de fazer, com o número de profissionais
suficiente e sem barreiras que impeçam ou limitem o acesso.
Estas são as escolhas essenciais e este é o tempo para as fazer. Cada dia em que as adiamos é um dia em
que se agrava o SNS.
O Serviço Nacional de Saúde é um pilar do Estado social, é estratégia e investimento de futuro porque é
condição de igualdade e qualidade de vida. Nenhuma política para recuperar o País e a dignidade de quem aqui
vive pode passar ao lado do Serviço Nacional de Saúde e o Bloco de Esquerda não passará ao lado da urgência
que é recuperar o SNS. Esperamos que nenhum outro partido passe ao lado desta necessidade.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado Moisés Ferreira, pela precisão no uso do seu tempo.
A Mesa registou a inscrição, para pedir esclarecimentos, de quatro Srs. Deputados. Como pretende
responder, Sr. Deputado?
O Sr. MoisésFerreira (BE): — Dois a dois, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Sendo assim, tem a palavra, em primeiro lugar, para pedir esclarecimentos, o Sr.
Deputado António Sales.
O Sr. AntónioSales (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Moisés Ferreira, a verdadeira reforma do Serviço
Nacional de Saúde, operada por este XXI Governo Constitucional a partir de 2015, foi a reconversão do capital
humano e da motivação dos profissionais de saúde, bem como a reposição dos seus direitos de trabalho.
Relembro que, entre 2016 e 2017, entraram mais de 6000 novos profissionais de saúde e recordo ainda que
só agora, no início de janeiro, entraram 3937 jovens médicos para iniciar a sua formação específica e já
entraram, também este ano, mais 116 internos na especialidade do que no ano transato. Srs. Deputados, esta
é a verdadeira reconversão efetuada de uma forma séria, responsável e sustentável.
Este processo é, pois, fundamental para um melhor acesso, maior prontidão e melhor qualidade dos serviços
prestados aos nossos cidadãos.
Sr. Deputado Moisés Ferreira, muitos dos argumentos aqui utilizados parecem-nos razoáveis, justos e
pertinentes. Aliás, assumimos mesmo que temos um problema de sustentabilidade do Serviço Nacional de
Saúde. Mas, atenção, não fomos nós que decretámos a sustentabilidade garantida do Serviço Nacional de
Saúde; sabemos bem quem foi. Estamos a trabalhar para minorar as consequências, nomeadamente o acesso
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atempado dos portugueses ao SNS, respeitando a máxima constitucional de serviço universal, geral e
tendencialmente gratuito, não fosse, aliás, um socialista o pai do Serviço Nacional de Saúde.
Aplausos do PS.
Sr. Deputado, impõe-se uma nova lei de bases da saúde, aperfeiçoando e privilegiando o setor público e
mantendo o setor privado como complementar.
Não tendo preconceito ideológico nesta matéria, queremos um SNS cada vez mais forte, mais autossuficiente
e mais sustentável.
Pergunto-lhe: estarão o Sr. Deputado e o Bloco de Esquerda disponíveis para um trabalho conjunto,
abrangente, estabelecendo consensos nesta matéria no sentido de tornar a proteção à saúde um direito efetivo
a todos os cidadãos em liberdade de procura e de prestação de cuidados nos termos da Constituição e da lei?
Sr. Deputado, interpelo-o, ainda, relativamente à necessidade de dotar o Serviço Nacional de Saúde de
recursos humanos, técnicos e financeiros necessários ao cumprimento das suas funções e objetivos.
Sr.as e Srs. Deputados, o Partido Socialista estará, como sempre esteve, na linha da frente para não deixar
subverter o espírito que presidiu ao Serviço Nacional de Saúde, respeitando não só a nossa história e a nossa
memória mas olhando para o futuro de uma forma responsável e progressista.
Aplausos do PS.
Entretanto, assumiu a presidência o Vice-Presidente José de Matos Correia.
O Sr. Presidente: — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Vales.
O Sr. LuísVales (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Moisés Ferreira, fez uma intervenção sobre uma
hipotética alteração da Lei de Bases da Saúde promovida pelo Dr. António Arnaut e pelo Dr. João Semedo, mas
o que os senhores querem, e nós sabemos, mesmo que não tenham ainda a coragem de o assumir, é estatizar
o sistema de saúde português, é abolir a cooperação e a articulação entre o Estado e os setores privado e social,
é acabar com as convenções no Serviço Nacional de Saúde.
Não vos importam as pessoas, nem a acessibilidade dos doentes aos cuidados de saúde. Se o preço a pagar
pela estatização do sistema de saúde for mais listas de espera, menos consultas e menos acessos à saúde,
tanto pior para as pessoas, que serão vítimas dessa vossa visão de que tudo tem de ser público e que o privado
e as atividades particulares de solidariedade são pecado.
Enquanto os senhores trazem esta conversa ideológica ao Parlamento, o Grupo Parlamentar do PSD quer
discutir o que se passa na vida real. O caos reina nas urgências dos hospitais do SNS, que têm serviços
sobrelotados, afetando milhares de pessoas em todo o País, além de doentes graves terem de esperar mais de
cinco horas, como se pode ler na edição do Correio da Manhã de 30 de dezembro, e há quase 700 médicos por
contratar. E os senhores vêm com a conversa da estatização do sistema de saúde?!
Os senhores apoiam um Governo que está a degradar o Serviço Nacional de Saúde, onde faltam milhares
de médicos e enfermeiros; um Governo que prometeu reduzir o recurso às urgências, mas que, em vez disso,
as aumentou, e de forma muito significativa; um Governo que afirmava pretender reduzir o recurso aos
chamados «médicos tarefeiros», mas todos sabemos que aumentou essas prestações de serviço para mais 100
milhões de euros por ano. Enfim, trata-se de um Governo sem norte e sem estratégia.
Sr. Deputado Moisés Ferreira, pergunto-lhe o seguinte: como pode o Bloco de Esquerda continuar a apoiar
um Governo que diz uma coisa e faz o seu contrário, um Governo que lançou o caos na saúde, um Governo
que está a degradar o acesso dos doentes aos serviços de saúde?
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem de terminar, Sr. Deputado.
O Sr. LuísVales (PSD): — Para terminar, também gostaria de perguntar ao Sr. Deputado se o Bloco de
Esquerda já traçou uma linha vermelha ao Governo sobre esta matéria e se já conseguiu converter o Partido
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Socialista para mais esta sua deriva totalitária que agora pretende transformar os portugueses em cobaias da
vossa demagogia.
Aplausos do PSD.
Protestos do BE.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para responder aos dois pedidos de esclarecimento, tem a
palavra o Sr. Deputado Moisés Ferreira.
O Sr. MoisésFerreira (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados António Sales e Luís Vales, agradeço as
questões que colocaram. Com a vossa permissão, começo por responder ao Sr. Deputado Luís Vales.
Na verdade, Sr. Deputado, o que nós queremos é simples e público. O Sr. Deputado conhece aquilo que
defendemos — toda a gente conhece: um Serviço Nacional de Saúde de qualidade, financiado, com o orçamento
adequado e com gestão pública, porque acreditamos que a saúde não deve ser um negócio e, portanto, a gestão
pública é que garante esse princípio e coloca o interesse dos utentes no centro da sua gestão e da sua política.
Mas nós também sabemos o que os senhores querem, o que fizeram e o que defendem. Atiram-nos com a
pedra da estatização porque defendem a privatização — é tão simples quanto isso!
O Sr. LuísVales (PSD): — Não, não!
O Sr. MoisésFerreira (BE): — Bem nos lembramos da lista, feita pelo seu Governo, dos 30 hospitais a
entregar ao privado e também nos lembramos, porque é recente, do que vem referido no relatório do Tribunal
de Contas — o Sr. Deputado conhecerá — sobre a entrega do Centro de Reabilitação do Norte à Santa Casa
da Misericórdia do Porto. Referiu o Tribunal de Contas que foi um processo opaco, que não teve em conta o
interesse público e que não foram feitos estudos.
Portanto, também sabemos o que é que os senhores defendem.
Sr. Deputado António Sales, têm sido repostos os mínimos para o funcionamento do Serviço Nacional de
Saúde, e disse-o há pouco na minha declaração política.
Parámos a destruição que o PSD e o CDS-PP estavam a fazer ao Serviço Nacional de Saúde, mas agora é
preciso abrir um novo capítulo, que é o de recompor e reconstruir o novo Serviço Nacional de Saúde, voltando
a fazer com que ele seja geral, universal e gratuito — não só tendencialmente gratuito, mas gratuito.
Por isso, ouvimos com muita atenção as palavras, inclusive as de preocupação, de António Arnaut, que diz
ser preciso uma nova lei de bases, que diz ser preciso separar o público e o privado, que diz ser preciso tirar o
negócio do privado, que diz ser preciso acabar com as PPP na saúde, que diz ser preciso canalizar esse dinheiro
que se desperdiça com privados para investir no Serviço Nacional de Saúde. É isso que queremos e é para esse
compromisso que estamos disponíveis, esperando que o Partido Socialista também esteja disponível.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada
Carla Cruz.
A Sr.ª CarlaCruz (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Moisés Ferreira, saúdo-o por ter trazido a debate
o tema da saúde.
O tempo em que era colocado aos doentes do Serviço Nacional de Saúde não uma fralda mas um saco de
plástico a substituir essa fralda já passou.
O tempo em que os secretários de Estado não viam a evidência de que estavam doentes internados em
macas nos corredores ou nos cadeirões e que diziam que estava tudo bem no Serviço Nacional de Saúde, que
os doentes estavam muito bem acomodados e que os cuidados de saúde estavam a ser bem prestados já
passou.
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O tempo em que PSD e CDS-PP atacavam todos os dias os direitos dos trabalhadores e dos utentes do
Serviço Nacional de Saúde, graças ao resultado e à luta dos trabalhadores em 2015, já passou.
De facto, o Sr. Deputado disse, e muito bem, que ainda há muito para fazer no Serviço Nacional de Saúde.
As consequências gravosas, desastrosas e a opção ideológica tomada pelo PSD e CDS-PP relativamente ao
Serviço Nacional de Saúde ainda vão demorar muito tempo a ser ultrapassadas.
Houve avanços tímidos no sentido de reverter essa política, mas ficam muito aquém do que é necessário e
obrigatório fazer em defesa do Serviço Nacional de Saúde e não se vai mais longe por opção do Partido
Socialista, que não se quer libertar dos constrangimentos externos, da dívida, do euro e do cumprimento do
défice.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Queira terminar, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª CarlaCruz (PCP): — Vou terminar, Sr. Presidente.
Sr. Deputado Moisés Ferreira, a questão que lhe coloco é a seguinte: concorda com o PCP quando diz que
a melhor defesa do Serviço Nacional de Saúde é, de facto, o cumprimento do artigo da Constituição da República
Portuguesa, onde se refere claramente o direito à saúde, ou seja à defesa do Serviço Nacional de Saúde
universal, geral e gratuito, e o fim completo do negócio dos grandes grupos económicos, que sangram os
recursos financeiros e humanos que estão, hoje, a fazer falta ao Serviço Nacional de Saúde e que são
imprescindíveis para se cumprir a Constituição?
Aplausos do PCP.
Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, a Sr.ª Deputada
Isabel Galriça Neto.
A Sr.ª Isabel Galriça Neto (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Moisés Ferreira, quero agradecer-lhe
o ter trazido o tema da saúde agora, na retoma dos trabalhos parlamentares, e o que é lamentável é que o tenha
feito pelas piores razões, porque os portugueses, que nos estão a seguir, sabem que hoje, no dia-a-dia, no País
real, a saúde é das áreas que pior está e que mais os afeta.
O CDS está disponível para discutir o futuro do Serviço Nacional de Saúde e para, à luz do seu conjunto de
valores, aqueles que sempre definiu, melhorar a saúde dos portugueses; não está disponível para demagogias,
nem para ocultar aquilo que se passa, hoje, no Serviço Nacional de Saúde, em relação ao qual este Governo, o
Governo que os senhores apoiam, tem, de facto, responsabilidades.
Preocupamo-nos muito com isto, e não sei como é que o Sr. Deputado Moisés Ferreira consegue convencer
os portugueses de que, dois anos e meio depois de ter sido empossado, é ao Governo anterior que cabe a
responsabilidade daquilo que se passa hoje: das filas de espera nas urgências, dos doentes em macas à espera
de serem internados, dos doentes em maca com recusa de internamento e com necessidade de transferência,
o que se prolonga por dias.
Eu sei daquilo que falo, Sr. Deputado, conheço o País real e lamento que os Deputados que estão na área
da saúde desconheçam que não há material, que não há medicamentos, que há cortes no fornecimento de
medicamentos e que há profissionais descontentes, que assinam documentos a dizer que se ilibam das suas
responsabilidades, os tais profissionais de saúde que os senhores dizem defender e que hoje se manifestam,
claramente, descontentes com as condições de trabalho que têm no SNS.
Portanto, com tantos problemas, nomeadamente falhas no INEM, atrasos nos internamentos e filas de espera
nas urgências, não estando ainda no pico de gripe — repito, não estamos ainda no pico da gripe — e tendo um
Governo que governa há dois anos e tal, temos de falar, aqui, de responsabilidades. Quem são os verdadeiros
responsáveis? Aqueles que governam hoje.
Os senhores também são corresponsáveis.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Muito bem!
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A Sr.ª Isabel Galriça Neto (CDS-PP): — Os senhores não se podem esquecer que apoiam este Governo e
que são corresponsáveis pelas consequências das opções que tomaram quando apoiaram um determinado
Orçamento do Estado. Os senhores são corresponsáveis e não se podem ilibar dessas responsabilidades.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem de terminar, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Isabel Galriça Neto (CDS-PP): — Vou terminar, Sr. Presidente.
Pergunto-lhe, Sr. Deputado: o que vai fazer para exigir ao Governo que agora governa — agora, não
escamoteando o problema e não se escudando no passado — que tome medidas para resolver o caos nas
urgências, o caos com os recursos humanos, os atrasos nas consultas, as dívidas às farmacêuticas e os
problemas com o INEM? O que vai o Bloco de Esquerda fazer? Não acredito que seja uma moção de censura.
Então, diga-me o que vai fazer para, efetivamente, passar das palavras aos atos.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem a palavra o Sr. Deputado Moisés Ferreira para responder.
O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Galriça Neto, as pessoas sentem, todos
os dias, a degradação no Serviço Nacional de Saúde. Acabámos de o dizer na declaração política que acabámos
de fazer. Acabámos, aliás, de dizer que temos de atuar já, porque a cada dia que passa o SNS degrada-se mais,
e não é de agora. Não é de há um ano, não é de há dois anos, não é de há três anos, é de há muito tempo, e o
seu Governo contribuiu decisivamente para essa degradação.
A Sr.ª Ângela Guerra (PSD): — O seu não?! Não votou o Orçamento do Estado?
O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Aquilo que a Sr.ª Deputada e o seu Governo fizeram ao Serviço Nacional de
Saúde contribuiu decisivamente para a situação de degradação em que ele se encontra. Nós não precisamos
de capas do Correio da Manhã para saber como se encontra o Serviço Nacional de Saúde,…
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Ai não precisa?!
O Sr. Moisés Ferreira (BE): — … nem para saber as dificuldades que os utentes enfrentam, porque nós
próprios somos desses utentes,…
Vozes do BE: — Muito bem!
O Sr. Moisés Ferreira (BE): — … porque nós próprios conhecemos esses utentes, porque nós conhecemos
a realidade do que se passa.
Aplausos do BE.
Agora, a questão é saber quais são as soluções. E as soluções que o CDS-PP teria para apresentar e que,
aliás, apresentou no passado foram o corte de salário aos profissionais, o despedimento em barda — foram
4000 os profissionais perdidos no Serviço Nacional de Saúde com o seu Governo —,…
A Sr.ª Ângela Guerra (PSD): — Diga as suas soluções! Diga as suas!
O Sr. Moisés Ferreira (BE): — … e o corte de mais de 1000 milhões de euros no orçamento do Serviço
Nacional de Saúde. Grande solução que tinha para apresentar!
Vozes do BE: — Está visto o resultado.
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Protestos da Deputada do CDS-PP Cecília Meireles.
O Sr. Moisés Ferreira (BE): — A Sr.ª Deputada pediu soluções do Bloco de Esquerda.
Repare, no último Orçamento do Estado, apresentámos uma proposta para um plano plurianual de
investimentos e de financiamentos no Serviço Nacional de Saúde, que não teve, sequer, o acolhimento do CDS-
PP.
A Sr.ª Ângela Guerra (PSD): — Nem do PS!
O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Afinal, não quer esse investimento, mas nós vamos continuar a insistir. Vamos
continuar a insistir, sim, porque concordamos com aquilo que a Sr.ª Deputada Carla Cruz disse: é preciso cumprir
o direito à saúde! É preciso cumprir o direito à saúde e aquilo que hoje se sabe e se sente é que a política do
PSD e do CDS-PP não deixou saudades mas deixou feridas profundas — …
A Sr.ª Ângela Guerra (PSD): — E a sua política?! E a sua?!
O Sr. Moisés Ferreira (BE): — … repito, feridas profundas —, que é preciso resolver e sanar. Por isso,
trazemos uma solução: rever a Lei de Bases,…
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — É uma hipocrisia!
O Sr. Moisés Ferreira (BE): — … porque não podemos continuar a desperdiçar milhões de euros, centenas
de milhões de euros, milhares de milhões de euros com negócios privados retirados ao Serviço Nacional de
Saúde. Sim, cumprir o direito à saúde é cumprir o Serviço Nacional de Saúde e o Serviço Nacional de Saúde é
um serviço público, com gestão pública.
Portanto, propomos a revisão da Lei de Bases para que isso fique consagrado e fique bem claro. A questão
aqui é saber se o PSD e o CDS-PP querem acompanhar-nos nesta defesa do Serviço Nacional de Saúde.
Aplausos do BE.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Os senhores fizeram acordos com o PS ou com o CDS?!
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada
Cecília Meireles.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ao contrário do que o Sr.
Primeiro-Ministro, em má hora, afirmou, 2017 não foi um ano particularmente saboroso. Pelo contrário, e muito
pelo contrário, foi um ano em que Portugal esteve bem naquilo que não depende do Governo mas em que o
Estado falhou, clamorosamente, onde faz mais falta e onde a sua missão é absolutamente insubstituível. É
preciso que todos compreendamos, até para que não mais se repita, que, em 2017, o Governo falhou o combate
aos incêndios, falhou a proteção das pessoas e, infelizmente, continua a falhar no apoio às vítimas.
O ano de 2017 foi aquele em que a qualidade dos serviços públicos continuou, paulatinamente, a degradar-
se, ao mesmo tempo que os pagamentos em atraso continuaram, também paulatinamente, a aumentar. Foi um
ano em que desapareceram armas dos quartéis e em que, até hoje, ninguém sabe explicar o que aconteceu e,
muito menos, o Ministro da tutela. Foi um ano em que continuamente ouvimos falar de reposição de rendimentos,
mas em que, afinal, a carga fiscal até aumentou. Foi um ano em que, face ao que foi conhecido no caso da
Raríssimas, tivemos um ministro a negar toda e qualquer responsabilidade. Foi, finalmente, um ano em que o
Parlamento decidiu aprovar alterações à lei de financiamento dos partidos à boleia — sim, à boleia! — de reparos
e sugestões do Tribunal Constitucional, mas chegando a decisões que pouco, ou nada, têm a ver com essas
sugestões, ou seja, consagrando o fim de qualquer limite global ao financiamento privado, bem como um regime
de isenção de IVA.
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O CDS compreende os perigos dos populismos fáceis e é, precisamente, por isso que estivemos, e estamos,
contra estas alterações. Não há melhor caminho para abrir a porta a um discurso antipartidos e antipolíticos do
que os próprios partidos legislarem, ainda para mais sobre uma matéria como esta e sem fundamentarem as
suas posições, de forma opaca e retroativa e, aparentemente, em alguns casos, sem que os próprios estejam
de acordo com os votos que exprimiram neste mesmo Plenário, não foi há muito tempo. Se não
compreendermos todos esta lição, que é uma verdadeira lição de quase tudo o que não deve acontecer no
Parlamento, dificilmente conseguiremos que o Parlamento recupere a confiança dos portugueses que foi
abalada com este episódio.
Se este Parlamento continuar, calmamente, como vimos esta tarde, a achar que correu tudo muito bem com
este processo e que não há nada para corrigir, estamos, agora, sim, a cavar um fosso muito perigoso entre o
Parlamento e o País.
O CDS apelou ao veto do Sr. Presidente da República a estas alterações e dá agora seguimento ao teor da
mensagem deste mesmo veto propondo a eliminação da isenção total de IVA, a eliminação do fim do limite para
a angariação de fundos e a eliminação de efeitos retroativos.
Corrigir, e corrigir depressa, esta enorme trapalhada era uma boa maneira de começar bem este ano aquilo
que terminou muito mal no ano passado.
Aplausos do CDS-PP.
Sr.as e Srs. Deputados, o Governo decidiu começar o ano de 2018 dando asas à sua capacidade de criar
novas formas de austeridade. Assim, resolveu começar o ano com mais uma portaria a aumentar o imposto
sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP), desta vez a pretexto da inflação.
Quando iniciou o seu mandato, o Governo aumentou o gasóleo e a gasolina com o pretexto de que o aumento
era neutro e de que era só para compensar o Estado da perda de receita fiscal com a baixa do preço do petróleo.
Quando o preço do petróleo voltou a aumentar, afinal o aumento já não era neutro, já era mesmo o Estado a
arrecadar mais cada vez que os portugueses precisam de encher o depósito. Agora, aparentemente, o pretexto
é a inflação. Ou seja, quer o preço do petróleo baixe, quer suba, quer se mantenha, há sempre um pretexto novo
para aumentar impostos.
O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — É isso!
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Se compararmos o preço do gasóleo no dia 1 de janeiro deste ano
com o preço de há dois anos, antes do primeiro aumento deste Governo, em 8 de fevereiro de 2016, vemos que
os portugueses estão a pagar mais cerca de 33 cêntimos por litro. Ou seja, isto significa que abastecer um
depósito de 60 litros de gasóleo custa, agora, mais 20,16 € do que custava em fevereiro de 2016.
É a verdadeira cara da nova austeridade deste Governo, que tira com uma mão o que repôs com a outra.
Aplausos do CDS-PP.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — É preciso ter lata!
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Da mesma forma, o Governo veio, logo no início do ano, recuar nas
promessas e nos compromissos feitos, no que toca ao IRS, aprovando as tabelas de retenção na fonte de IRS,
que, na prática, adiam, por mais um ano, o fim da sobretaxa e as alterações que tanto apregoaram no Orçamento
deste ano e durante a campanha das autárquicas. Parece que vai ser precisa outra campanha eleitoral para os
portugueses sentirem no bolso as promessas da atual maioria, no que toca ao IRS.
O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Um simulador é que era bom!
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr.as e Srs. Deputados, neste cenário em que o Governo tenta, por
meios cada vez mais criativos, ir buscar cada vez mais receita é particularmente incompreensível que se decida
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pegar numa receita que, até por imposição legal, deve ser para aplicar em ação social, naqueles que mais
precisam, e a vá aplicar na banca e em especulação financeira.
Falo, como é óbvio, da ideia verdadeiramente peregrina, cuja autoria muitos negam, provavelmente não por
acaso, de pegar em receitas da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e ir aplicá-las no capital do banco
Montepio. Ou seja, verdadeiramente, e postas as coisas cruamente, tirar aos que mais precisam para dar a um
banco.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem de terminar, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Vou terminar, Sr. Presidente.
Sobre esta matéria, o CDS já requereu as audições do Ministro Vieira da Silva e do Sr. Provedor da Santa
Casa da Misericórdia, o que foi ontem aprovado.
Termino dizendo que, nesta matéria, como em todos aquelas em que Portugal precisar de uma oposição
firme e construtiva, o CDS diz «presente». Começaremos o ano com um congresso para definir estratégias,
umas jornadas parlamentares para propor políticas e com a nossa iniciativa de Ouvir Portugal, porque sabemos
que em política a proximidade não pode ser apenas um discurso, tem de ser, sobretudo, uma prática. É esta a
tarefa da oposição e é esta a missão do CDS.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Sr.ª Deputada, a Mesa regista a inscrição de dois Srs.
Deputados para pedir esclarecimentos.
Como quer responder?
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — No fim, aos dois em conjunto.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Sendo assim, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Delgado
Alves.
O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Sr. Presidente, a Sr.ª Deputada Cecília Meireles deu nota de que
compreende os riscos dos populismos fáceis, mas, curiosamente, dedica-se à criação de um populismo
particularmente difícil.
O CDS está investido em criar — contra os factos, contra a realidade e contra aquilo em que o País,
efetivamente, experiencia quotidianamente — uma realidade paralela na qual tenta assentar a sua intervenção.
Mas, em particular, continua a ser chocante que, ainda depois de duas intervenções dedicadas ao tema da lei
do financiamento dos partidos, o CDS continue a insistir em manipular, objetivamente, aquilo que foi discutido e
aquilo que foi apresentado.
Protestos do CDS-PP.
Desafio a Sr.ª Deputada, já que não foi possível nos debates anteriores desta tarde parlamentar, a dizer em
que local é que se encontra o efeito retroativo previsto na lei do financiamento dos partidos, quando na realidade
aquilo que está plasmado no diploma é uma norma que resulta precisamente das propostas apresentadas pelo
Tribunal Constitucional para resolver um problema de aplicação da lei processual no tempo, objeção essa que
o CDS nunca teve memória, nem capacidade, de dar nota nos momentos em que trabalhou no grupo de trabalho
que elaborou a proposta de alteração da lei.
Portanto, Sr.ª Deputada, é este populismo difícil, um populismo de última hora, que neste momento inspira o
CDS. É um populismo que não olha para a realidade daquilo que foi discutido com seriedade e é um populismo
que está disponível para tudo, para tentar uns pontinhos demagógicos no debate parlamentar, porque, na
realidade, se o CDS estivesse interessado num debate sério sobre o balanço do que foi o ano de 2017, se
calhar, olhava para aqueles que são os resultados reais da governação. Esses resultados reais podem não ser
perfeitos, podemos ainda não estar todos satisfeitos com tudo o que foi alcançado, mas fazer de conta que o
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desemprego continua em queda, que o défice não foi consolidado, que a dívida pública não está em recuo, que
não saímos do procedimento de défice excessivo, que não saímos do «lixo» das agências de notação financeira,
que não consolidamos finalmente o sistema bancário através de uma recapitalização pública bem-sucedida da
Caixa Geral de Depósitos, que os nossos parceiros europeus não reconhecem esta realidade com o mérito que
reconhecem àqueles que são os dirigentes e os responsáveis políticos portugueses capazes de o alcançar, que
não houve aumento das exportações, que não houve aumento do investimento, que não houve reposição de
rendimentos, de salários e pensões, que o salário mínimo não aumentou é só neste mundo de ficção em que o
CDS continua a residir. E é um mundo de ficção, curiosamente, muito parecido com aquilo que era o País quando
o PSD e o CDS o efetivamente governavam.
São estes os factos, Sr.ª Deputada, são estes os indicadores objetivos da realidade económica e que se
traduzem efetivamente numa melhoria da qualidade de vida das pessoas…
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Queira terminar, Sr. Deputado.
O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Vou terminar, Sr. Presidente.
Como eu estava a dizer, são estes os indicadores objetivos da realidade económica e que se traduzem
efetivamente numa melhoria da qualidade de vida das pessoas, num aumento real daquilo que está disponível
no bolso das pessoas e naquilo que está disponível para elas poderem aceder aos serviços públicos, que,
sabemos, ainda não estão no ponto ideal que gostaríamos mas que, seguramente, construíram uma evolução
muito melhor, muito mais positiva do que aquilo a que tínhamos assistido.
Portanto, Sr.ª Deputada, se quer fazer o balanço do ano de 2017, se calhar, faria melhor serviço ao País, ao
Parlamento e ao Grupo Parlamentar do CDS se olhasse para a realidade do País e não para a noção de ficção
que foi construindo no Grupo Parlamentar do CDS.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José
Cesário.
O Sr. José Cesário (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Cecília Meireles, quero dizer-lhe que tem razão
quando diz que em 2017 o Estado falhou e o Governo mostrou a sua verdadeira face, e isto é mais importante
ainda.
O Governo mostrou arrogância, em primeiro lugar; mostrou desresponsabilização, ignorando problemas,
desprezando, nomeadamente, a própria concertação social e os contributos e as iniciativas de outras forças
políticas da própria oposição.
O Governo mostrou insensibilidade ao ignorar os mais fracos, os seus problemas, fazendo de conta que eles
não existiam.
O Governo impôs uma austeridade escondida, a partir de impostos indiretos e taxas que hoje penalizam os
portugueses, porventura, mais do que nunca.
O Governo permitiu uma degradação evidente dos serviços públicos.
O Governo mostrou, em 2017, aquilo que realmente são as suas verdadeiras intenções — e eu cumprimento
a Sr.ª Deputada por ter trazido esta matéria à colação e a esta discussão. E, mais do que isso, em 2017, ficámos
a saber uma coisa grave, uma coisa que não é discutida com frequência mas que sabemos que afeta por demais
todos os portugueses: nunca, nos últimos 30 anos, a mortalidade nas estradas aumentou tanto como neste ano.
Como é que V. Ex.ª comenta este aspeto?
V. Ex.ª abordou aqui uma outra questão que passa pela credibilização da vida pública, pela credibilização da
vida política. Evidentemente que o financiamento dos partidos é um aspeto central neste domínio, mas, também
neste domínio, a reforma do sistema político, a reforma do modo como os políticos se confrontam com a
sociedade, implica outras matérias, nomeadamente a sua proximidade com os eleitores, com as pessoas,…
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem de terminar, Sr. Deputado.
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O Sr. José Cesário (PSD): — … o número de Deputados, o número de eleitos em geral. Gostaria que V.
Ex.ª exprimisse aqui a opinião do CDS relativamente a estas questões e à necessidade de também se operar
mudanças nestes domínios.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília
Meireles.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, agradeço as perguntas que me fizeram
e começo por responder ao Sr. Deputado Pedro Delgado Alves.
O Sr. Deputado Pedro Delgado Alves acusou-me de populismo, de manipulação, de criação de ficções, enfim,
foi uma verdadeira chuva de acusações, talvez para desculpar alguma má consciência, Sr. Deputado — imagino.
Aplausos do CDS-PP.
Protestos do Deputado do PS Pedro Delgado Alves.
Eu explico-lhe e faço-o com facilidade.
Em relação à primeira questão, a do financiamento dos partidos, o Sr. Deputado acha que correu tudo muito
bem com este processo. Eu não acho. Eu discordo.
Protestos do Deputado do PS Pedro Delgado Alves.
O Sr. Deputado, aparentemente, acha e está de acordo com as mudanças. Eu não estou, discordo e votei
contra.
Protestos do Deputado do PS Pedro Delgado Alves.
E isto, Sr. Deputado, não é uma ficção, é uma realidade, é aquilo que de facto aconteceu.
O Sr. Deputado deixou-me, aqui, um desafio, acusando-me até de manipulação, quando me pergunta aonde
é que há o efeito retroativo. Ó Sr. Deputado, numa coisa chamada «norma transitória», que diz assim: «A
presente lei aplica-se aos processos novos e aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor (…)».
Protestos do Deputado do PS Jorge Lacão.
Sr. Deputado, se as alterações aprovadas se aplicam a processos pendentes, é bom de ver que isso significa
que as alterações terão um efeito retroativo.
Aplausos do CDS-PP.
Isto parece-me claro e evidente.
Sr. Deputado, o senhor pode chamar populista, pode chamar o que entender, mas eu chamar-lhe-ia sensato,
e eu deixo-lhe este desafio: o Sr. Deputado e os restantes Srs. Deputados estão mesmo convictos de que correu
tudo bem com este processo e de que estas alterações fazem sentido? Com franqueza, Srs. Deputados, eu
duvido que haja muitas pessoas fora desta Sala a acharem isso mesmo, e se nós continuamos a ter discussões
completamente à margem do que se passa fora desta Sala, receio bem que acabemos a ter discussões muito
pouco produtivas.
Protestos do Deputado do PS Pedro Delgado Alves.
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Em segundo lugar, o Sr. Deputado disse, no seu discurso, que tudo isto eram ficções. Olhe, Sr. Deputado,
quem dera que fossem. Quem dera que muitas das coisas que eu apontei aqui, que foram muito graves e que
se passaram em 2017 fossem ficções. Infelizmente, não são. Mas, em relação, apesar de tudo, às menos graves,
como, por exemplo, o aumento do gás e da gasolina, eu desafio-o a dizer-me onde está a ficção.
Eu disse-lhe que o gasóleo aumentou nos últimos dois anos cerca de 33 cêntimos por litro, diga, aqui, se é
verdade ou mentira.
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Eu disse-lhe que, para encher um depósito de 60 litros, os portugueses
gastavam mais cerca de 20 euros. Diga se é verdade ou mentira, se é ficção ou realidade. Isto porque, Sr.
Deputado, tenho alguma dificuldade em ter discussões com palavras eloquentes e de grandes discursos mas,
depois, sem factos e sem números. E, portanto, eu gostava de saber, daquilo que eu disse, o que é exatamente
mentira. E também gostava que dissesse se as tabelas de retenção na fonte do IRS correspondem às alterações
que foram aqui aprovadas ou se, pelo contrário, só correspondem a uma partezinha, o que faz com que o Estado
vá encaixando a receita e não faça essa devolução, deixando essa devolução, para, coincidência das
coincidências, Sr. Deputado, o ano de eleições.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Sr.ª Deputada, faça favor de concluir.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Deputado, eu poderia ter trazido muitos outros exemplos, eu poderia
ter falado no aumento das comissões da Caixa Geral de Depósitos,…
Protestos do Deputado do PCP João Oliveira.
… no que isso significa para muitos pensionistas portugueses, mas escolhi trazer estes pequenos exemplos
da realidade e o Sr. Deputado não negou, com factos, um único.
Gostava também de agradecer ao Sr. Deputado José Cesário e de lhe dizer que, certamente, o CDS tem
feito oposição, que é firme e é construtiva, e tem apontado caminhos alternativos sempre que denuncia aquilo
que está errado e muitas vezes o Governo tenta fazer-nos cair em enganos.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado
Bruno Dias.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A realidade concreta do País está a
evidenciar as consequências da política de abandono e de degradação dos serviços públicos, das empresas
públicas e das funções do Estado seguida ao longo dos anos por sucessivos governos.
Privatizações e concessão de serviços a grupos económicos, cortes e encerramentos nos serviços das
empresas, agravamento da exploração dos trabalhadores e redução dos postos de trabalho, desinvestimento
em capacidade operacional, aumento dos preços e tarifas contribuíram para uma situação cada vez mais
insuportável para as populações e os trabalhadores.
A administração dos CTT anunciou mais um pacote de medidas que traduzem, e cito, «uma nova etapa» da
degradação da qualidade do serviço postal. Estas medidas incluem a destruição de postos de trabalho, mais
800, a venda de património, o encerramento de mais 22 estações e postos de correios. De Riba d’Ave a Loulé,
do Lavradio à Calheta ou da Araucária à Aldeia de Paio Pires o plano é prosseguir o desmantelamento do serviço
público e espremer tudo o que possa trazer lucros, dividendos e ganhos em bolsa.
Foi, aliás, assumida a perspetiva de transmissão para a esfera do Banco CTT da empresa Payshop, que é a
maior rede de pagamentos presenciais assistidos de Portugal com mais de 6500 pontos de contacto, um ativo
estratégico de enorme valor a passar para o negócio e controlo do Banco.
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O correio chega aos seus destinatários cada vez mais tarde, de forma cada vez menos fiável e cada vez
mais caro. O problema não está nas novas tecnologias, nem no número de trabalhadores, que são, aliás, muito
menos do que aqueles que seriam necessários — os correios deveriam mesmo reforçar o seu quadro de pessoal
ao invés de continuar a reduzi-lo —, o problema dos CTT está na incompatibilidade entre o papel estratégico do
serviço público que deve prestar e o objetivo supremo da privatização.
Por isso, é indispensável que este problema político seja enfrentado como tal e que sejam retiradas as
devidas conclusões ao olhar para esta realidade.
O requerimento do PCP, ontem aprovado em comissão parlamentar, para que seja ouvido o Ministro do
Planeamento e das Infraestruturas é um contributo para esse debate e, principalmente, para que se possa
passar das palavras aos atos, porque a vida está a confirmar, a cada dia, que o problema não é o contrato de
concessão mas, sim, a privatização dos correios, e é preciso resgatar a empresa, trazendo-a de volta à gestão
pública.
Aplausos do PCP.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PCP considera que o problema que está colocado ao conjunto dos
serviços públicos e também, desde logo, aos transportes públicos exige uma resposta urgente, não se pode
continuar a adiar os investimentos que têm sido anunciados.
Na CP (Comboios de Portugal), na EMEF (Empresa de Manutenção de Equipamento Ferroviário, SA), no
Metro, na Transtejo e na Soflusa é preciso garantir os meios humanos e técnicos nos serviços de operação e
manutenção destas empresas, autorizar a reposição dos stocks de sobressalentes e iniciar um plano de
reparação das frotas.
É preciso avançar com as obras de modernização de infraestruturas e lançar os concursos para a aquisição
de material circulante para a ferrovia em diversas linhas na rede nacional e é preciso reforçar a presença nas
estações para que utentes e populações não fiquem ao abandono.
Apesar de avanços alcançados em vários domínios da vida nacional, nos últimos dois anos, toda a gente
está de acordo numa coisa: a degradação sistemática destes serviços púbicos tem sido uma constante e estes
serviços estão cada vez piores.
Perante tudo isto, foi anunciado mais um aumento dos preços dos transportes públicos, de 2% em média,
podendo certos títulos ter o preço aumentado até 2,5%. Ou seja, pelo segundo ano consecutivo, temos o preço
dos transportes públicos a subir acima da inflação.
Depois dos aumentos acumulados ao longo destes anos, o PCP reafirma que o que deveria ocorrer seria
uma redução dos preços e não um novo aumento. E, se alguém acredita que tarifas mais caras significam mais
capacidade de resposta e melhor funcionamento para as empresas, a nossa resposta é muito simples: abram
os olhos e usem os transportes.
Ainda recentemente, no debate orçamental, o PCP interveio, propondo o fim das restrições à contratação de
mais trabalhadores, propondo o fim do recurso às chamadas cativações que limitam a resposta por parte das
empresas, propondo o reforço do investimento público em mais 23 milhões de euros, quer no Metro de Lisboa
quer nas empresas de transporte fluvial, proposta esta que viria a ser recusada por não ter o voto favorável nem
do PSD, nem do PS, nem do CDS.
São opções políticas e cada um que responda pelas suas.
Por outro lado, foi anunciado, outra vez, o aumento de portagens em eixos viários fundamentais,
nomeadamente nas autoestradas do Algarve para Lisboa, de Lisboa para o Porto, do Porto para Valença, no
Túnel do Marão, na Via do Infante, no Pinhal Interior, na ponte 25 de Abril, na ponte Vasco da Gama, em Alverca,
na Maia, nas antigas SCUT um em cada três pórticos terá aumento da portagem.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Para o PCP, o dispositivo de serviços essenciais às populações, à
economia, ao desenvolvimento e coesão territorial não é, nem poderá ser, a soma de umas quantas empresas,
parte delas privadas e sustentadas pelo erário público. O que é preciso é uma resposta urgente e estrutural,
capaz de inverter o caminho de degradação e reconhecer o direito dos portugueses a serviços públicos de
qualidade.
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Os governos não podem apenas reagir quando acontece uma tragédia. O poder e os interesses dos grupos
monopolistas, o sorvedouro dos juros da dívida, as imposições da União Europeia feitas em nome da moeda
única não se podem sobrepor às necessidades do País e do povo.
O PCP não desiste deste combate e apela aos trabalhadores e às populações para que continuem a fazer
ouvir a sua voz. Continuaremos a agir para responder aos problemas do País com soluções concretas. É disto
que falamos quando falamos da política patriótica e de esquerda de que Portugal precisa.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Sr. Deputado, inscreveram-se cinco Srs. Deputados para pedir
esclarecimentos. Como deseja responder?
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, respondo, primeiro, a dois e, depois, aos restantes três.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Sendo assim, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.
O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Bruno Dias, antes de mais quero
felicitá-lo por ter trazido um assunto tão atual e tão importante como é o dos CTT, porque, de facto, quando o
anterior Governo privatizou os CTT ninguém percebeu porquê. E ninguém percebeu porquê porque, os CTT,
para além de prestarem um excelente serviço postal, ainda contribuíram todos os anos com receitas para o
Estado e, hoje, é tempo de fazer um balanço para se perceber o que sucedeu depois da privatização.
Vejamos: centenas de estações de correio encerradas; delapidação do património dos CTT com a venda de
vários e importantes edifícios; centenas de recetáculos postais retirados da via pública; despedimento de
trabalhadores; aumento de vínculos precários; aumento dos percursos de cada giro de distribuição; tempos de
espera para atendimento que aumentaram substancialmente; falta de dinheiro disponível nas estações para
pagamento de pensões e de outras prestações sociais; generalização das situações em que o correio deixou
de ser distribuído diariamente e existem mesmo localidades, sobretudo no interior do País, onde o carteiro
apenas passa uma vez por semana. A esta degradação do serviço teremos ainda de somar o aumento das
tarifas, que, recorde-se, desde a privatização já subiram mais de 50%.
Ou seja, neste momento, e como resultado da privatização, os cidadãos pagam mais e a oferta do serviço é
menor, ao mesmo tempo que os trabalhadores veem as suas condições de trabalho sofrer um grande retrocesso.
E, como se isto fosse pouco, agora, os CTT ainda se preparam para despedir mais trabalhadores e encerrar
mais postos de correio, como o Sr. Deputado Bruno Dias referiu da tribuna.
Ora, consideramos que a única forma de travar esta ofensiva contra o serviço postal, de recuperar o respeito
das populações e dos trabalhadores dos CTT, é o regresso dos CTT à esfera pública, passando o Estado a
deter o controlo e a gestão do serviço postal. Foi, aliás, por isso mesmo que Os Verdes apresentaram, há cerca
de um mês, aqui, na Assembleia, uma iniciativa legislativa com o objetivo de trazer novamente os CTT para a
esfera pública, mas acabou por ser chumbada.
Ainda assim, continuamos a considerar que a única saída para o problema que está criado nos CTT é
exatamente o seu regresso à esfera pública, e era isto, Sr. Deputado, que eu tinha para lhe perguntar e sobre o
qual eu gostaria que se pronunciasse.
Como é que os portugueses tornam a reaver o serviço postal tal como ele existia antes da sua privatização?
Há alguma solução para o regresso dos CTT à esfera pública?
Aplausos do Deputado do PCP Bruno Dias.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr.
Deputado João Paulo Correia.
O Sr. João Paulo Correia (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Bruno Dias, felicito-o por trazer novamente
este tema ao Plenário da Assembleia da República e começo por dizer-lhe que, desde que os CTT foram
privatizados, temos vindo a assistir a uma degradação contínua do serviço postal universal. E esta degradação
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contínua do serviço postal universal é uma matéria que tem merecido a maior atenção e a maior preocupação
do Partido Socialista.
Há três semanas o PS apresentou, na Comissão de Economia, um requerimento para que a administração
dos CTT, os sindicatos, as comissões de trabalhadores, a ANAFRE (Associação Nacional de Freguesias), a
Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) e os Governos Regionais dos Açores e da Madeira
fossem ouvidos aqui, no Parlamento, pela Comissão, para que seja apurada a verdadeira dimensão desta
degradação do serviço postal universal.
Paralelamente a este requerimento a solicitar estas audições, que vão iniciar-se dentro de dias, o Partido
Socialista apresentou um projeto de resolução que foi aprovado aqui, na Assembleia da República, com os votos
contra do PSD e a abstenção do CDS e que identificava exatamente a degradação do serviço público postal
universal desde a sua privatização, uma matéria que é avaliada negativamente pela esmagadora maioria, se
não a totalidade, dos portugueses e, mesmo assim, não mereceu o apoio da direita, nem do CDS nem do PSD.
Esse projeto de resolução apresentava uma proposta, que foi aprovada neste Plenário, para que: o Governo
constituísse um grupo de trabalho informal; esse grupo de trabalho avaliasse o atual contrato de concessão, que
foi assinado pelo anterior Governo, PSD/CDS, e este grupo de acionistas que detém os CTT; avaliasse,
nomeadamente, o grau de cumprimento das obrigações de serviço público e também as consequências e o
impacto financeiro de todos os modelos alternativos ao fim do contrato de concessão.
Também gostaríamos de dizer que, após a aprovação deste projeto de resolução, apresentado pelo PS, foi
anunciado, pela administração dos CTT, um plano de transformação operacional que foi entregue na CMVM
(Comissão do Mercado de Valores Mobiliários) e que anuncia a extinção de 800 postos de trabalho e também o
encerramento de dezenas, se não centenas, de estações pelo País fora.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem de terminar, Sr. Deputado.
O Sr. João Paulo Correia (PS): — Termino já, Sr. Presidente.
O que importa agora avaliar, aferir e escrutinar é se, no atual contrato de concessão, as obrigações de serviço
público foram devidamente acauteladas e defendidas pelo anterior Governo, PSD/CDS, e se esta avaliação vai
ser feita pelo tal grupo de trabalho que o Governo está a constituir por proposta da Assembleia da República,
através do projeto de resolução do Partido Socialista.
Para finalizar este pedido de esclarecimento, pergunto: o PCP acompanha esta preocupação do Partido
Socialista e da esmagadora maioria dos portugueses, de que, de facto, este contrato de concessão, assinado
pelo anterior Governo, PSD/CDS, não acautelou devidamente as obrigações de serviço público, nomeadamente
o serviço postal universal, e que com isto quem tem sido prejudicado, altamente prejudicado, são os
portugueses, as famílias e as empresas?
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados José Luís Ferreira e João Paulo Correia,
agradeço as questões colocadas.
Há uma questão que temos de deixar bem clara, que é a seguinte: entregar os correios aos grupos
económicos e ficar na expectativa de que um contrato de concessão garanta o interesse público, a qualidade
do serviço e o interesse nacional é a mesma coisa que entregar o galinheiro às raposas na expectativa de que
elas fiquem vegetarianas.
Aquilo que está a acontecer é a decorrência, inevitável, do negócio que o Governo PSD/CDS teve no
mandato anterior, quando integraram o interesse nacional num serviço estratégico para a própria soberania,
como é o serviço público dos correios. E aquilo que está a acontecer em Portugal é uma situação mais ou menos
insólita e inacreditável — não sei se este Gráfico é perfeitamente visível —, é um caso único na Europa: somos
o único País da Europa em que o operador postal distribui dividendos aos acionistas no montante de 133% dos
lucros. Repito: 133% dos lucros dos CTT são distribuídos aos acionistas. Isto não é gestão privada, Srs.
Deputados, isto é um assalto!
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O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Isto é descapitalizar uma empresa fundamental para a vida das populações.
Aplausos do PCP.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente! É inaceitável!
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Portanto, Srs. Deputados, o anúncio da administração dos CTT, poucos dias
depois do debate parlamentar que aqui tivemos sobre o futuro da empresa e do serviço público postal, esse
anúncio, assumiu contornos praticamente de provocação, de provocação ao poder político. E temos de ter uma
resposta muito clara não para nos entretermos a discutir, a refletir e a fazer estudos sobre aquilo que a vida está
todos os dias a demonstrar aos portugueses mas, sim, sobre os passos necessários que temos de dar para
garantir a defesa do interesse nacional e para que se possa restituir aos portugueses aquilo que lhes foi roubado.
E aquilo que lhes foi roubado foi os CTT, uma empresa com um serviço com mais de 500 anos, um serviço
público fundamental para o nosso desenvolvimento.
Portanto, Srs. Deputados, aquilo que se coloca neste momento com particular clareza é que a única forma
de os portugueses recuperarem o serviço postal de qualidade não é resgatando um contrato de concessão é
resgatando a empresa, e resgatando a empresa é revertê-la para o controlo da gestão pública.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado
Hélder Amaral.
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Bruno Dias, apesar de tantas vezes trazer
estas matérias a Plenário — …
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Não tenho gosto nenhum, Sr. Deputado. Acredite!
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — … e isso, em si mesmo, deveria ser bom, porque nos permite discutir
aquilo que, a meu ver, se deveria discutir, que é a qualidade dos serviços públicos, o modelo de gestão dos
serviços públicos e saber, como diz e bem, que opções políticas são válidas —, confesso que é difícil, não vale,
não parece correto, nem é politicamente sério, o Sr. Deputado esquecer-se de que aprovou três Orçamentos,
de que as vossas opções políticas foram no sentido de reverter um conjunto de serviços para a esfera pública,
dizendo que a melhor garantia para o serviço era a detenção pelo Estado, ou seja, a natureza de empresa
pública, e, depois, não conseguir explicar por que é que, por exemplo, nos transportes todas as empresas que
prestam serviço são de natureza pública e o serviço degrada-se dia a dia. Explique lá porquê!
Vou-lhe só dar um exemplo: recebeu, como eu recebi, a Comissão de Trabalhadores da Soflusa. O anúncio,
para janeiro, da Comissão de Trabalhadores é o de que o serviço vai piorar, porque há barcos que não vão estar
certificados, porque vai haver falta de barcos, porque tem havido imensos incidentes.
Olhe, comparou as reclamações dos serviços públicos de transportes no 1.º semestre de 2016 ou o de 2017?
Sr. Deputado, as reclamações duplicaram e as empresas são públicas.
Os Srs. Deputados vêm disfarçar, vêm continuar a tentar fazer demagogia, confesso que da boa, dizendo
que nada têm a ver com isto, que as opções políticas não foram apenas e só pôr na esfera do Estado todo o
serviço de prestação de transportes, e, ainda assim, não há memória de termos tido tão mau serviço público e,
ainda por cima, mais caros — é que os serviços estão mais caros.
Eu até poderia dizer: «Bom, mas há aqui uma prova de que o que digo é verdade!», porque, por acaso, o
único serviço de transportes que os senhores mantiveram na esfera privada é a gestão do Metro do Porto.
Reparou nas notícias de hoje, que dizem que o Metro do Porto ganhou qualidade, ganhou passageiros e que os
serviços são sustentáveis?
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O Sr. Bruno Dias (PCP): — É um sorvedor de dinheiros públicos!
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Lá está, depois, na prática, na vida concreta dos portugueses, na vida
dos utentes e dos contribuintes, prova-se que o problema não está na detenção pública ou privada do serviço,
Sr. Deputado.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Está, está!
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Perceba, de uma vez por todas, que não é essa a questão. Se é boa
gestão ou má gestão, se a gestão é competente ou incompetente, isto, sim, é o problema.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem de terminar, Sr. Deputado.
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Termino, Sr. Presidente.
Quanto aos CTT, o Sr. Deputado sabe, por exemplo, que, em 2006, a degradação dos serviços estava a um
tal nível que ainda não foi recuperada?
O senhor lembra-se de uma tal empresa que se chamava Puro Prazer que depois acabou na tal Payshop,
que agora tanto critica?! O Sr. Deputado ignora que no PEC 2010-2013 (Programa de Estabilidade e
Crescimento) já estava a privatização dos CTT, quando não havia qualquer pressão para que isso acontecesse?
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Com o apoio de quem?
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Ignora que o Partido Socialista sempre quis privatizar os CTT?
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Com o apoio de quem?
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — O Sr. Deputado esquece-se de que é aquele Partido Socialista que o Sr.
Deputado apoia, que o Sr. Deputado suporta,…
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem mesmo de terminar, Sr. Deputado Hélder Amaral.
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — … que sempre quis privatizar os CTT e que tem feito com que o serviço
se degrade sem que se possa fazer a verdadeira avaliação do serviço.
Protestos do PCP.
Termino, Sr. Deputado, perguntando: é ou não é verdade que temos é de olhar, de uma forma séria, pela
qualidade do serviço prestado e não tanto pela detenção da natureza das empresas?
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr.
Deputado Heitor Sousa.
O Sr. Heitor Sousa (BE): — Sr. Presidente, começo por agradecer ao Deputado Bruno Dias o facto de nos
ter trazido dois temas da maior relevância política, em termos de prestação de serviços públicos, os correios e
telecomunicações, por um lado, e os transportes públicos, por outro. São ambos temas da maior relevância,
mas vou centrar-me apenas no primeiro, porque, na atualidade, é aquele que mais interessa, por ter sido
anunciado o encerramento de 22 estações de correios pelo País — continente e ilhas — e também o
despedimento de 800 trabalhadores, que, a juntarem aos das saídas naturais, vão perfazer um total de,
aproximadamente, 2000 trabalhadores que, até 2020, irão deixar de prestar serviço nos CTT.
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Assim, a primeira questão sobre a qual vale a pena refletir, à qual agradecia uma resposta do Sr. Deputado,
é a seguinte: qual é o significado concreto destes encerramentos?
À luz do contrato de concessão que existe atualmente com os correios e telecomunicações, a questão que
lhe coloco, Sr. Deputado, é se considera que este encerramento de estações, reduzindo desta forma a
acessibilidade de milhares de portugueses e portuguesas a este serviço público, constitui ou não uma grave
violação do contrato de concessão do serviço postal público e universal, estabelecido nas bases de concessão
do serviço de correios de qualidade, em 2008, e assinado entre o Estado e os Correios, empresa pública.
Esta questão não parece constituir, da parte do representante dos acionistas, uma situação muito anormal,
porque, como o próprio representante do Grupo Gestmin dizia ontem, a um diário, tem havido encerramentos
de estações desde sempre e, portanto, esta seria mais uma medida de gestão normal no âmbito de uma
administração privada.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem de terminar, Sr. Deputado.
O Sr. Heitor Sousa (BE): — Portanto, aquilo que lhe queria perguntar, Sr. Deputado, para terminar, é mesmo
se considera que é normal o encerramento de estações, à luz da prestação do serviço público, e se considera
ou não que podem ser apagados, desta forma, cinco séculos de história e a função insubstituível de presença
do Estado nos pontos mais recônditos do território, que tem sido exercida pelas estações dos correios no nosso
País.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem, agora, a palavra, também para pedir esclarecimentos, o
Sr. Deputado Paulo Rios de Oliveira.
O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Bruno Dias, começo por saudar os
temas que traz aqui à discussão, entre eles o dos CTT.
Confesso que estava a ouvi-lo e a pensar se deveria interromper o momento em que o Partido Comunista
puxava as orelhas de forma tão violenta ao Governo e, também, no seguinte: «será que eles falam assim uns
com os outros nas reuniões que fazem constantemente?!».
O Sr. João Oliveira (PCP): — O Sr. Deputado é muito coscuvilheiro!
O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — E, por último, cheguei a temer que, depois de um anúncio destes,
tão violento, terminasse com a apresentação de uma moção de censura, mas não foi assim.
Começando por factos, é facto, e não vale a pena desmenti-lo, que o compromisso de privatizar os CTT está
no PEC 2, está no PEC 3, tem uma origem, é do Partido Socialista, e o Sr. Deputado aponta-a, e bem.
Mais: o compromisso de privatizar os CTT está no Memorando, o qual alguém negociou e assinou, e esse
«alguém» está aí, à sua esquerda, e todos os dias conversa consigo.
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Vocês também assinaram!
O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Mas a questão mais importante é a do serviço postal.
Muito mais importante do que quem presta o serviço é se ele é ou não prestado e se cumpre ou não as regras
de concessão do serviço público. E, Sr. Deputado, a pergunta é simples mas é relevante: a quem é que compete
acautelar que o serviço público é prestado? A quem é que compete acompanhar, fiscalizar e, se necessário,
alterar ou reverter este modelo? A resposta parece-me óbvia e não é à Assembleia da República, é ao Governo,
ao seu Governo!
Aliás, Sr. Deputado, recordo-lhe, e bem, que, ontem mesmo, com o apoio do PSD, votou a vinda do Sr.
Ministro à Assembleia, para explicar o que o Governo anda a fazer em relação a este tema e o que pediu à
ANACOM. A ANACOM já sinalizou de forma relevante esta questão? Os CTT não estão a cumprir? O que é que
o Governo vai fazer?
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É que recordo — e peço a sua ajuda, porque o PSD não o consegue fazer sozinho — que pedimos ao
Governo, por escrito, há mais de três meses, que nos desse um motivo, um fundamento para o que estava a
acontecer, nomeadamente para os prometidos encerramentos de balcões, e ninguém nos disse nada, mas,
como o Sr. Deputado, embora fale grosso da tribuna, fala com o Governo informalmente todos os dias, poderia
obter essa informação, isto é, a quem é que compete fiscalizar e o que é que o Governo está a fazer sobre isto,
e dar-nos.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, se me permitem, começo já pela questão do Sr.
Deputado Paulo Rios de Oliveira para assinalar um aspeto que é essencial, que o Sr. Deputado referiu e que
não vou desmentir, porque é verdade: a privatização dos CTT foi inscrita no PEC 2 e no PEC 3 e esses PEC
(Programa de Estabilidade e Crescimento) só foram aprovados, porque o PSD os viabilizou, até haver um pedido
de desculpa ao País.
Aplausos do PCP.
A questão é bem clara e os senhores estiveram empenhadíssimos, desde o primeiro momento, em que fosse
uma realidade. Aliás, importa aqui referir que a primeira vaga da ofensiva no encerramento de estações dos
correios e em operações com o imobiliário do património dos CTT — é bom lembrar! — já foi há qualquer coisa
como 12 anos, no Governo PSD/CDS, com o Primeiro-Ministro Durão Barroso, com centenas de estações de
correios encerradas, abrindo caminho ao que está hoje a acontecer.
Portanto, Srs. Deputados, não tenhamos memória curta e vejamos exatamente a responsabilidade que cada
partido teve na governação ou, neste caso, na desgovernação.
Podemos ouvir alguém dizer, como ouvimos, há pouco, o Sr. Deputado Hélder Amaral, que isto tudo são
coincidências,…
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Eu não disse que eram!
O Sr. Bruno Dias (PCP): — …que estas coisas dos encerramentos das estações de correios, de mandar
gente embora e de o correio aparecer uma ou duas vezes por semana nada têm a ver com a privatização nem
sequer com a preparação que foi sendo feita, ao longo dos anos, para a privatização.
Até podemos dizer que é uma absoluta coincidência esta coisa de a Bolsa de Valores ter aberto ontem em
alta, com os CTT a destacarem-se, com uma grande subida nas cotações, na sequência, precisamente, do
anúncio do encerramento de mais estações e postos de correios.
É caso para dizer, Srs. Deputados, que com o nosso mal podem eles bem — não é verdade?! —, desde que
os dividendos sejam garantidos, como são garantidos, em 133% dos lucros.
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — E os transportes?!
O Sr. Bruno Dias (PCP): — É isto que está a acontecer com a gestão privada a quem os senhores
entregaram os nossos correios — os nossos, do País, que foram e hão de ser outra vez do País.
Aquilo que temos hoje é uma situação em que o contrato de concessão deve ser formalmente alterado,
porque foi muitas vezes alterada a legislação para ser mais permissiva e para permitir que, de facto, os correios
pudessem atingir os níveis, sem entrarem em incumprimento.
Aquilo que está hoje a acontecer é a evidência para as populações de que são prejudicadas com mais
encerramentos de serviços e com uma distribuição postal que nunca atingiu níveis tão graves e tão negativos
como está hoje a atingir.
E mesmo que alguém venha dizer que há quem se encarregue de olhar para os índices de qualidade, que
há quem se encarregue de olhar para as folhas de Excel e que isso, depois, há de ser resolvido, nós dizemos
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que são inaceitáveis as opções políticas e a atuação política de quem «deixa correr o marfim», de quem deixa
as coisas agravarem-se e diz que, depois, um dia, tudo se há de resolver.
Foi isto que o PSD e o CDS fizeram ou provocaram com a sua atuação e é isso que não aceitamos que se
faça, tal como não contribuiremos para que, novamente, a situação se verifique.
Quando ouvimos falar na degradação dos transportes públicos e das empresas públicas e privadas, Sr.
Deputado, porque não falou aqui da brutal precariedade dos trabalhadores da Metro do Porto,…
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
O Sr. Bruno Dias (PCP): — … da subcontratação, da sobre-exploração, das condições de trabalho altamente
negativas e inaceitáveis que são impostas àqueles trabalhadores, quando se vê o investimento adiado naquelas
empresas e naqueles serviços,…
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Mas o Governo não é seu?!
O Sr. Bruno Dias (PCP): — … nós lembramos aqui, aliás, uma questão muito importante: há bem poucos
meses…
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem de terminar, Sr. Deputado.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Termino, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, há bem poucos meses, no debate orçamental, o PCP propôs o reforço de verbas para
a manutenção e a operação na Transtejo, na Soflusa e na Metropolitano, o qual teria sido aprovado se os
senhores tivessem votado a favor.
Vozes do PCP: — Ora!
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Os senhores não votaram a favor, foi chumbado e, agora, vêm queixar-se de
que os serviços não funcionam. Tenham pena, Srs. Deputados, e tenham vergonha na cara!
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — A última declaração política da tarde é da Sr.ª Deputada Maria
Luís Albuquerque, do Partido Social Democrata.
Tem a palavra, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Maria Luís Albuquerque (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero começar por, em nome da
bancada parlamentar do PSD, desejar a toda a Câmara e a todos os portugueses um Bom Ano de 2018.
Queremos um novo ano em que o Estado não falhe aos cidadãos na proteção do valor supremo da vida
humana, um ano em que os alunos tenham comida em condições nas cantinas das escolas e em que o
aquecimento possa ser ligado, um ano em que os doentes não tenham de esperar horas sem fim nas urgências
porque o Governo recusou a contratação de médicos e enfermeiros em número suficiente, um ano em que os
impostos que pagamos sirvam de facto para que o Estado nos preste serviços de qualidade e assegure a
solidariedade a quem precisa.
Queremos um ano em que a maioria respeite o Parlamento e os portugueses e não impeça o apuramento
da verdade, como no triste caso da Caixa Geral de Depósitos.
Mas olhando para o ano de 2018, agora que começa, queremos que ele seja usado também para preparar
todos os anos que se seguirão. Queremos um País que não viva eternamente embalado pela conjuntura, que
hoje é positiva mas que não será sempre assim.
Sabemos que os fatores que têm assegurado as melhorias económicas não durarão para sempre: os efeitos
das reformas estruturais levadas a cabo na anterior Legislatura esgotar-se-ão se estas não forem aprofundadas;
o apoio do BCE, que assegura que o custo da nossa dívida se mantém comportável e que tem estimulado o
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crescimento económico nos países nossos parceiros comerciais, aproxima-se do fim; o turismo continuará a ser
um setor em fortalecimento, mas não queremos ser um País só de hotéis e restaurantes e de novos empregos
com salário mínimo.
Precisamos de apostar no investimento privado, nos setores transacionáveis, na atração de recursos
humanos qualificados, sejam eles portugueses ou estrangeiros. O que não acreditamos, nós, PSD, é que o
comportamento da maioria que suporta o Governo do País conduza a esse resultado. Poderíamos falar de tantos
casos em que investidores decidem ir para outras paragens, desanimados pela burocracia, pela ineficiência da
justiça ou pelo receio de iniciativas políticas que ponham em causa os fatores que determinam o nosso relativo
sucesso atual,…
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Maria Luís Albuquerque (PSD): — … como a reforma laboral ou o alojamento local, mas o caso da
Autoeuropa, pelo que representa, é suficientemente ilustrativo.
A fábrica do Grupo Volkswagen, que se instalou em Palmela há já mais de duas décadas, mudou a face do
distrito de Setúbal, aumentou as nossas exportações e deu origem a um cluster de empresas inovadoras, de
elevado valor acrescentado, muitas das quais cresceram já para além da sua relação com a Autoeuropa.
Numa fábrica com um relacionamento entre administração e trabalhadores que foi durante tanto tempo
exemplar, vimos recentemente um crescendo da conflitualidade laboral que não pode senão preocupar-nos.
Naturalmente, não questionamos o direito dos trabalhadores de negociarem as condições de trabalho, mas
só a interferência politizada dos sindicatos afetos à CGTP pode explicar por que pela primeira vez em tantos
anos não foi possível chegar a acordo sem que tenha havido greves. A decisão da Volkswagen de produzir em
Portugal o seu novo modelo foi o resultado de um intenso esforço de negociação do anterior Governo e um
sucesso da nossa diplomacia, mas, como argumento determinante, foi sempre realçado o clima de paz social e
a correspondente elevada produtividade e qualidade dos trabalhadores.
Mesmo que ainda se alcance um acordo, e desejamos sinceramente que assim seja, e rapidamente, a
alteração de paradigma a que temos assistido não deixará de ser lembrada quando houver novo modelo a
produzir e outros países com fábricas da Volkswagen voltarem a concorrer com Portugal.
Esperemos não receber a amarga notícia de que fomos preteridos, mas, se tal acontecer, não deixaremos
de lembrar a quem cabe a responsabilidade: à ação de uns e à cumplicidade de outros, todos desta maioria das
esquerdas que reclama para si os méritos do que corre bem e empurra para outros a responsabilidade do que
corre mal.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Portugal enfrenta desafios imensos. A evolução demográfica é quase trágica,
mas acaba-se com o quociente familiar que dava algum incentivo às famílias com filhos.
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — É verdade!
A Sr.ª Maria Luís Albuquerque (PSD): — A consolidação das contas públicas é frágil, mas as decisões
desta maioria aumentam despesa permanente e rígida para o futuro — como o aumento do número de
funcionários públicos e de dirigentes, apenas para dar um exemplo —, financiando-a cada vez mais com
impostos difusos e cuja receita cairá com a próxima crise.
O investimento privado é fundamental para a criação de riqueza e emprego no futuro, mas aumenta-se o IRC
para as empresas maiores, deixando bem clara a mensagem de que quem nos governa não gosta de quem cria
riqueza e de quem se atreve a ter ambição e crescer.
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Que disparate!
A Sr.ª Maria Luís Albuquerque (PSD): — Enquanto a próxima crise não nos bater à porta, este
comportamento de cigarra vai passando.
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — De cigarra é o que anda a fazer lá na Arrow!
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A Sr.ª Maria Luís Albuquerque (PSD): — E quando, mais uma vez, for preciso tomar decisões difíceis,
impopulares, caberá a esta maioria explicar aos portugueses porque desperdiçou todas as oportunidades para
nos preparar para o futuro.
Sabemos bem que vão dizer que a culpa é do Governo PSD/CDS (mesmo que tal soe cada vez mais ridículo),
que a culpa é da Europa (como se não tivéssemos nela uma voz), da conjuntura, dos bancos, dos mercados,
dos fenómenos «extremos» ou «excecionais», do Presidente Trump, de qualquer razão que não as suas próprias
escolhas.
Sabemos tudo isto mas também sabemos que Portugal exige um Governo e uma maioria que assumam as
suas responsabilidades por inteiro.
O PSD sempre foi e sempre será um partido responsável, mas não assumirá o ónus das escolhas que não
são suas ou das consequências para as quais alertou.
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Maria Luís Albuquerque (PSD): — Seremos sempre responsáveis, nunca seremos cúmplices. Bom
Ano!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Sr.ª Deputada, a Mesa regista inscrições de quatro Deputados
para formularem pedidos de esclarecimento. Como pretende responder?
A Sr.ª Maria Luís Albuquerque (PSD): — Sr. Presidente, responderei dois a dois.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado
Fernando Rocha Andrade.
O Sr. Fernando Rocha Andrade (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Maria Luís
Albuquerque, em primeiro lugar gostaria de me associar e retribuir os seus votos de um Bom Ano. Esta é uma
parte da sua intervenção com a qual concordo; genericamente, as restantes já não merecem, de facto, a minha
adesão.
A Sr.ª Deputada faz um conjunto de previsões bastante pessimistas sobre a evolução do País, mas, tendo
em conta o seu registo recente sobre previsões e sobre o que era ou não era aritmeticamente possível no que
toca ao cumprimento do défice orçamental, devo dizer-lhe que o facto de fazer estas previsões devem confortar
até aqueles que sejam mais pessimistas. É que se a Sr.ª Deputada prevê isso, quase que posso supor que é
mais provável que aconteça o contrário.
Também queria chamar a atenção para a inerente contradição nesta ideia. A Sr.ª Deputada diz que é cada
vez mais ridículo culpar o Governo anterior por isto ou aquilo ou aqueloutro, mas quando falamos em redução
do défice — e, já agora, cumprimento das metas do défice —, redução da dívida pública, redução dos juros e
do spread dos juros face a outros países, quando falamos em crescimento do emprego e em todos esses outros
resultados económicos positivos, eis que, aparentemente, já não será sumamente ridículo que, afinal, este
Governo não tenha nada a ver com isto. A política económica, de repente, já não tem nada a ver com isso e
tudo é, note-se — e isto não será, então, ridículo —, resultado de umas míticas reformas estruturais vindas do
Governo anterior. Sr.ª Deputada, este argumento, para quem disse que, com estas medidas, estes resultados
seriam aritmeticamente impossíveis, não tem lógica e não pode colher.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem agora a palavra, para pedir esclarecimentos, a Sr.ª
Deputada Cecília Meireles.
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A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria Luís Albuquerque, começo por
desejar-lhe também um Bom Ano, da parte do CDS, e deixo-lhe duas perguntas.
Falou da Autoeuropa e daquilo que se está a passar na Autoeuropa e, de facto, temos assistido a um Governo
que sistematicamente está bastante mais preocupado em manter-se a si próprio do que em defender aquilo que
é o melhor para Portugal. Ora, isto tem impactos nos mais diversos e variados sítios e aquilo que se passa na
Autoeuropa, e o risco que o País lá está a correr, tem também muito a ver com isto.
A questão que lhe deixava era a de saber se a Sr.ª Deputada não acha que a maneira como o atual Governo
tem tratado a concertação social, o pouco cuidado e o pouca importância que tem dado à capacidade de aí se
chegar a um acordo, não lhe parece preocupante, sobretudo no que diz respeito à nossa capacidade de, no
futuro, gerarmos emprego e termos investimento? Não lhe parece que a manutenção das reformas laborais
feitas pelo anterior Governo são essenciais nesta capacidade de gerar emprego no futuro?
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — A verdade é que os partidos que atualmente constituem a maioria muito
criticaram as reformas laborais e disseram que elas seriam incapazes de gerar emprego, mas a verdade é que,
desde esta reforma laboral, o que Portugal tem feito é, sobretudo, gerar emprego.
O Sr. João Oliveira (PCP): — E os salários não importam?!
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Portanto, é importante que não se ponha em causa o futuro e que se
mantenha esta reforma laboral.
Em segundo lugar, pergunto-lhe, Sr.ª Deputada, que tipo de efeitos é que esta atitude do Governo pode ter,
do ponto de vista do efeito económico, a médio e a longo prazo. Referi na minha intervenção, por exemplo, o
aumento do imposto sobre o gasóleo e sobre a gasolina sob todos os pretextos — já aumentou porque o preço
do petróleo tinha descido, já aumentou porque o preço do petróleo tinha subido, agora parece que vai aumentar
por causa da inflação. Enfim, todos os pretextos são bons e há sempre um pretexto para criar uma taxa nova,
basta que haja uma atividade económica a ter sucesso que logo se inventa ou uma taxa ou uma atrapalhação
diferente.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Luís
Albuquerque.
A Sr.ª Maria Luís Albuquerque (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Rocha Andrade, o Sr.
Deputado reparará, eventualmente, que não fiz nenhuma previsão na minha intervenção. Tenho muito gosto em
mandá-la por e-mail se por acaso não a ouviu com a atenção suficiente.
Protestos do Deputado do PCP Miguel Tiago.
Em qualquer caso, Sr. Deputado, o que fiz foram alertas e costuma dizer-se que quem avisa amigo é.
O Sr. João Oliveira (PCP): — É uma entremeada de declaração política com amizade!
A Sr.ª Maria Luís Albuquerque (PSD): — O que vemos com muita preocupação é que, de facto, o País está
a ser gerido em função de interesses que não são os dos portugueses de hoje e, muito menos, os dos
portugueses de amanhã. Temos uma situação em que não estamos a aproveitar oportunidades fundamentais
para garantir a consistência do nosso futuro, para garantir que não tenhamos novamente de perder aquilo que
perdemos no passado e que, entretanto, reconquistámos com um grande esforço de todos os portugueses e
com um programa de ajustamento duríssimo, por irresponsabilidade de quem toma as decisões quando a
conjuntura é favorável e aconselha a que as reformas sejam feitas agora.
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Protestos do Deputado do PCP Miguel Tiago.
É que a dor das reformas estruturais é tanto menor quanto mais favoráveis forem as condições económicas
no momento em que são implementadas.
O Sr. Jorge Duarte Costa (BE): — São o cilício!
A Sr.ª Maria Luís Albuquerque (PSD): — Gostaria de dizer, Sr. Deputado, se tem algum problema em
aceitar a minha interpretação das reformas estruturais, que existe um estudo da Comissão Europeia, do início
do ano passado, que não só identifica como quantifica o efeito positivo futuro das reformas estruturais que foram
postas em prática no nosso País.
Uma última nota, Sr. Deputado Fernando Rocha Andrade: atendendo a que foi Secretário de Estado dos
Assuntos Fiscais e saberá com certeza fazer contas, convido-o a calcular o défice do ano de 2016 antes das
medidas extraordinárias que os senhores anunciaram depois da minha afirmação,…
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Isso!
A Sr.ª Maria Luís Albuquerque (PSD): — … e a demonstrar aritmeticamente que o resultado também se
atingia.
O Sr. Fernando Rocha Andrade (PS): — Os 0,2 estavam no Orçamento!
A Sr.ª Maria Luís Albuquerque (PSD): — Garanto que não se atingia se não fossem as medidas que o
senhor, nomeadamente, como Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, propôs e fez aprovar,…
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Maria Luís Albuquerque (PSD): — … como a receita do perdão fiscal, da reavaliação de ativos das
empresas e todas as medidas extraordinárias que foram introduzidas depois e sem as quais não era
aritmeticamente possível.
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — O senhor sabe! Conhece bem!
A Sr.ª Maria Luís Albuquerque (PSD): — É só fazer as contas.
Aplausos do PSD.
O Sr. Fernando Rocha Andrade (PS): — As contas estavam feitas!
A Sr.ª Maria Luís Albuquerque (PSD): — Sr.ª Deputada Cecília Meireles, é verdade que assistimos vezes
demais a uma preocupação excessiva com a manutenção do poder, quer do Governo, quer da maioria que o
suporta, e que tudo é subordinado a este objetivo, incluindo o facto de ouvirmos aqui críticas extraordinárias do
Bloco de Esquerda e do PCP à atuação do Governo como se não tivessem aprovado já três Orçamentos desta
maioria e não fossem, portanto, tão responsáveis por eles como quem os apresentou.
Vozes do PSD: — Muito bem!
A Sr.ª Maria Luís Albuquerque (PSD): — Gostaria de dizer também que, de facto, a questão da concertação
social é muitíssimo preocupante e o comportamento atual revela, até, um desrespeito pelas bases da nossa
democracia, que assentam também numa concertação social ativa, em que as decisões são ponderadas com
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os vários parceiros para que se salvaguardem os interesses dos portugueses todos, dos portugueses
trabalhadores e também dos portugueses empreendedores,…
O Sr. João Oliveira (PCP): — É preciso fazer um favorzinho ao patronato!
A Sr.ª Maria Luís Albuquerque (PSD): — … também das empresas que criam riqueza e emprego.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Queira terminar, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Maria Luís Albuquerque (PSD): — Termino, Sr. Presidente.
O que é essencial é que não haja a reversão das medidas que mais contribuíram para o sucesso do nosso
País, atualmente. A reforma laboral é uma delas.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Facilitar os despedimentos!
A Sr.ª Maria Luís Albuquerque (PSD): — O que aconteceu, de facto, foi que o emprego se tornou mais
robusto,…
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — É precário! A definição é precário!
A Sr.ª Maria Luís Albuquerque (PSD): — … acompanhando a recuperação económica, mas a reforma
laboral é unanimemente reconhecido por todos os observadores externos que é um fator determinante.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Belo mundo esse que defende!
A Sr.ª Maria Luís Albuquerque (PSD): — Preocupa-nos muito que a pressão sucessiva até às eleições
possa levar a uma reversão desta medida. Esperemos que tal não aconteça para que o que não foram previsões
mas, antes, preocupações não tenham, de facto, de se transformar em previsões concretizadas.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, a Sr.ª Deputada
Paula Santos.
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria Luís Albuquerque, depois de ter ouvido
a sua intervenção não posso deixar de registar e relembrar a sua atuação enquanto membro do Governo do
PSD e do CDS…
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Ainda bem!
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — … e de relembrar as responsabilidades do PSD e do CDS no que diz respeito
ao ataque e à retirada de direitos aos trabalhadores.
Falou aqui da educação, da saúde, do Código do Trabalho e das alterações que introduziram, que,
efetivamente, aquilo que trouxeram aos trabalhadores foi exploração, desigualdades, empobrecimento e
degradação das suas condições de vida.
Registamos que na sua intervenção não tenha tido uma única palavra sobre a devolução dos direitos e
rendimentos, devolução essa que permitiu hoje desmentir o discurso velho e desgastado, por parte do PSD, no
que diz respeito ao desenvolvimento da economia e à criação de emprego. É que, de facto, é a defesa, a
devolução e a conquista de direitos e de rendimentos que permite o desenvolvimento económico e permite a
criação de emprego.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
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A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Registo também da sua intervenção — aliás, essa tem sido uma marca que
o PSD tem trazido nos últimos anos — o medo, a ameaça. Querem amedrontar os trabalhadores, a população,
o povo português.
Primeiro vinha aí o Diabo e agora, em relação à Autoeuropa, traz novamente o discurso da ameaça, a ameaça
da deslocalização, a ameaça da perda dos postos de trabalho. Mas será que esta é uma vontade escondida,
por parte do PSD?
O Sr. João Oliveira (PCP): — Boa pergunta!
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — É que não deixa de ser estranho que, quando se perspetiva uma nova
negociação entre os trabalhadores e a administração — e diga-se que os trabalhadores sempre estiveram
disponíveis para essas mesmas negociações —, o PSD traga à Assembleia da República novamente a questão
da Autoeuropa. Mas o que é que pretende? Pretende condicionar essa negociação?
Protestos do Deputado do CDS-PP Hélder Amaral.
Pretende condicionar a negociação de forma a que sejam retirados direitos aos trabalhadores?
Sr.ª Deputada, para o PCP…
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Queira terminar, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Vou terminar, Sr. Presidente.
Para o PCP, as questões relacionadas com o aumento da produção têm de ser acompanhadas da defesa
dos direitos dos trabalhadores.
Garantir condições de trabalho, condições de vida, saúde, a articulação entre a vida profissional e familiar, a
valorização dos seus salários, tudo isto, na nossa perspetiva, é possível com o aumento da produção. Pena é
que o PSD não tenha essa mesma perspetiva, porque tudo aquilo que fez no tempo do seu Governo foi cortar
nos salários, foi retirar direitos e viu-se o resultado: a recessão.
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Nada disso!
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — De facto, não houve desenvolvimento no nosso País.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Sr.ª Deputada, tem de terminar.
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, vou mesmo terminar.
É justa esta luta por parte dos trabalhadores na defesa das suas condições de trabalho e dos seus direitos.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, a Sr.ª Deputada
Joana Mortágua.
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, aproveito para desejar a todas e a todos um Bom Ano. Que
2018 seja um ano em que o salário mínimo aumente, em que os impostos desçam, em que não haja milhões
investidos para salvar bancos enquanto as pessoas passam fome, em que o desemprego desça, e que seja
também um ano em que empresas como os CTT não sejam privatizadas para alimentar a gula da Goldman
Sachs ou do Deutsche Bank.
Mas a melhor garantia que temos para assegurar este ano que aqui acabei de descrever é a que nos é dada
pelo facto de a Sr.ª Deputada Maria Luís Albuquerque já não ser Ministra das Finanças. Esta é a melhor garantia
que temos de que este ano correrá melhor para as portuguesas e para os portugueses.
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O Sr. Jorge Duarte Costa (BE): — Muito bem!
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — A Sr.ª Deputada veio aqui, aliás, como fez também o CDS, compilar um
conjunto de recortes de jornal com notícias sobre o que não correu mal para convencer as pessoas de que vivem
hoje pior do que viviam na altura em que a Sr.ª Deputada era Ministra das Finanças.
O pior não é que esta narrativa não cole com a realidade, não cole com os salários, com as pensões, com
aquilo que melhorou na vida concreta das pessoas, com a economia, com o decrescimento do desemprego, o
pior é que instrumentalize a luta e os direitos dos trabalhadores e que, por puro preconceito sindical, venha
instrumentalizar a luta dos trabalhadores da Autoeuropa pelos seus direitos para fazer esta narrativa de que o
Diabo vem aí.
É inadmissível que o PSD, como o CDS já fez também antes, movido por raiva sindical, venha tentar
desenvolver uma teoria que não corresponde à realidade, porque o que está a acontecer na Autoeuropa, na
verdade, é que a administração se recusa a negociar com os trabalhadores aquilo que é necessário para
estabelecer uma nova linha de montagem para a produção do T-Roc na fábrica de Palmela.
O que pergunto, Sr.ª Deputada, é: qual deve ser a atitude responsável de um Governo? A Sr.ª Deputada foi
Ministra das Finanças. Saberá dizer-me quantos milhões é que o Governo português…
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Queira terminar, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Termino, Sr. Presidente.
Sr.ª Deputada, quantos milhões é que o Governo português, ao longo destes anos, já investiu naquela fábrica
em apoios à formação, em subsídios públicos ou em incentivos fiscais? Quantos milhões é que os contribuintes
não puseram já na fábrica da Autoeuropa?
Diga-me também se, depois desses milhões investidos, a responsabilidade do Governo deste País é apoiar
a administração da fábrica para atropelar os direitos dos trabalhadores ou é exigir respeito à Autoeuropa pelas
condições que este País sempre lhe deu para laborar aqui e pelos seus trabalhadores e pela negociação que
existe dentro da fábrica?
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Luís
Albuquerque.
A Sr.ª Maria Luís Albuquerque (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Paula Santos, a senhora refere
sistematicamente os ataques que teríamos feito…
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Que fizeram!
A Sr.ª Maria Luís Albuquerque (PSD): — … e a retirada de direitos aos trabalhadores.
Sr.ª Deputada, o primeiro direito dos trabalhadores, aquele que mais prezam, é o direito ao trabalho e a um
salário.
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — A um salário com direitos!
A Sr.ª Maria Luís Albuquerque (PSD): — Isso implica, Sr.ª Deputada, respeitar também a entidade patronal,
respeitar as empresas que criam os postos de trabalho e as condições para pagar os salários.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Respeito é bonito!
A Sr.ª Maria Luís Albuquerque (PSD): — A forma como os senhores instrumentalizam, e são os senhores
que instrumentalizam…
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O Sr. Bruno Dias (PCP): — Onde é que eu já ouvi isto!
A Sr.ª Maria Luís Albuquerque (PSD): — Ao fazer a intervenção que fiz, eu não tenho qualquer intenção de
condicionar ou instrumentalizar a questão, até porque, para o caso de a Sr.ª Deputada não ter reparado mas a
Sr.ª Deputada Joana Mortágua chamou a atenção, eu já não sou ministra! Portanto, não sendo eu ministra e
não apoiando este Governo, dificilmente poderia condicionar o que quer que fosse numa negociação que está
a acontecer.
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Maria Luís Albuquerque (PSD): — A Sr.ª Deputada tem de ter em atenção quem é que, de facto,
está a condicionar o que se passa na Autoeuropa.
Protestos do PCP.
Posso garantir-lhe que não é deste corredor para a direita mas, sim, deste corredor para a esquerda que
esse condicionamento está a ser feito.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Deputada diz também que trouxemos desigualdades e pobreza. Sr.ª Deputada, gerimos um País falido.
Protestos do PCP.
A pobreza resulta da falência e a falência não fomos nós que a causámos mas, sim, o Governo anterior, do
Partido Socialista.
Protestos da Deputada do PCP Paula Santos.
Mas quanto à desigualdade, Sr.ª Deputada, leia e veja todas as informações que existem sobre a evolução
da desigualdade em Portugal durante os anos do período de ajustamento.
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — É só uma questão de estudar!
Protestos dos Deputados do PCP Bruno Dias e Paula Santos.
A Sr.ª Maria Luís Albuquerque (PSD): — Verificará que todas, sem exceção, portuguesas ou estrangeiras,
revelam que a desigualdade diminuiu,…
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Cortaram os salários e ainda se orgulham disso!
A Sr.ª Maria Luís Albuquerque (PSD): — …precisamente porque tivemos a preocupação, desde o primeiro
momento, de proteger aqueles que são mais frágeis e que têm mais dificuldades.
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Muito bem!
Protestos do Deputado do PCP Miguel Tiago.
A Sr.ª Maria Luís Albuquerque (PSD): — A desigualdade, em Portugal, diminuiu durante o programa de
ajustamento e foi, aliás, recentemente destacado esse facto por ser um exemplo entre os vários países que
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tiveram programas de ajustamento, conseguindo conter esse efeito que, muitas vezes, o ajustamento não
consegue.
Protestos do PCP.
Sr.ª Deputada Joana Mortágua, não temos uma narrativa da vinda do Diabo, mas, ao contrário do Bloco de
Esquerda, sabemos o que custa governar nessas circunstâncias, sabemos que é difícil pedir sacrifícios aos
portugueses e como os portugueses os sentiram na pele.
Protestos do BE e do PCP.
Por isso é que nos preocupa muito que o caminho que está a ser seguido não garanta que isso não volte a
acontecer. Gostaríamos muito que garantisse que tal não volta a acontecer.
Posso garantir-lhe, Sr.ª Deputada, que não é nada agradável ser membro de um Governo a aplicar um
programa de ajustamento. Não é!
Embora os senhores utilizem muito o argumento, ao qual falha, não me levem a mal, inteligência, de que
gostamos de fazer mal às pessoas ou que tínhamos algum preconceito ideológico contra os portugueses, devo
dizer que isso é um disparate rematado.
Protestos do BE e do PCP.
Aquilo que digo, Sr.ª Deputada, é que não temos nenhum tipo de ódio aos sindicatos, o que queremos é que
ambas as partes sejam respeitadas: a parte dos trabalhadores e a parte das empresas.
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Quantos milhões?!
A Sr.ª Maria Luís Albuquerque (PSD): — Não compreendemos como é que numa empresa que tem quase
30 anos de existência, que sempre conseguiu resolver os seus problemas sem greves — e os senhores sabem
bem porque a comissão de trabalhadores era liderada por uma pessoa do Bloco de Esquerda —, …
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem de terminar, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Maria Luís Albuquerque (PSD): — …durante esse tempo, nunca houve esses conflitos e agora há.
Será coincidência? Não acreditamos que seja, Sr.ª Deputada, e preocupa-nos, sim, o que possa acontecer e o
que esse efeito possa trazer de arrastamento até para outras empresas que já cá estão ou que queiram vir a
estar.
Quando a Sr.ª Deputada fala de quantos milhões o Governo português já investiu naquela fábrica, Sr.ª
Deputada, daqui a pouco estamos a ouvi-la defender que é preciso nacionalizar a Autoeuropa. É preciso ter
cuidado com esse tipo de afirmações.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Srs. Deputados, terminamos assim as declarações políticas,
passando ao ponto três da nossa agenda, que consiste na apreciação conjunta da petição n.º 264/XIII (2.ª) —
Solicitam a adoção de medidas com vista à defesa do rio Tejo, nomeadamente o encerramento da Central
Nuclear de Almaraz (Paulo Fernando da Graça Constantino e outros) e dos projetos de resolução n.os 738/XIII
(2.ª) — Recomenda ao Governo que permita a utilização de resultados analíticos obtidos com amostras pontuais
na fiscalização de descargas poluentes (CDS-PP), 1190/XIII (3.ª) — Recomenda medidas para a despoluição
do rio Tejo e o encerramento da Central Nuclear de Almaraz (BE), 1191/XIII (3.ª) — Recomenda ao Governo
que adote medidas de vigilância e de ação ambiental para mitigar os efeitos nefastos das fontes de poluição
presentes no rio Tejo (PAN), 1204/XIII (3.ª) — Pela defesa e proteção integrada da bacia hidrográfica do Tejo
(Os Verdes), 1207/XIII (3.ª) — Recomenda ao Governo a adoção de medidas para a defesa da bacia hidrográfica
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do rio Tejo (PCP) e 1216/XIII (3.ª) — Recomenda ao Governo que adote as medidas preconizadas no relatório
de acompanhamento sobre a poluição no rio Tejo, promova a monitorização do curso do rio e da qualidade da
água, promova a revisão da Convenção de Albufeira e assuma posição sobre a Central Nuclear de Almaraz
(PSD).
Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Patrícia Fonseca.
A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Queria, em primeiro lugar,
saudar os mais de 4600 peticionários que subscreveram a petição, dos quais estão presentes o primeiro
subscritor e alguns dos elementos do movimento proTEJO, e que solicitam à Assembleia da República que
legisle, recomende ações ao Governo e atue nas instâncias europeias em cinco áreas, de forma a resolver o
problema crescente de poluição do rio Tejo e seus afluentes.
O CDS acompanha as preocupações manifestadas pelos peticionários e, de facto, a poluição no rio Tejo tem
sido um tema muito presente nesta Casa, quer nesta Câmara, quer na 11.ª Comissão, que acompanha as
matérias de ambiente, em particular desde 2015, com o agravar da situação do rio.
Relembro que, logo no início de 2016, a 11.ª Comissão fez uma visita de trabalho ao rio Tejo, desde o Tejo
internacional até à foz, tendo essa visita, aliás, sido proposta pelo CDS e aprovada por unanimidade por todos
os grupos parlamentares.
O Governo constituiu depois a Comissão de Acompanhamento sobre a Poluição do rio Tejo, que produziu
um relatório, em novembro de 2016, com um diagnóstico e um conjunto de recomendações.
É precisamente sobre uma dessas recomendações que o CDS apresenta hoje este projeto que, acreditamos,
poderá contribuir, em muito, para uma atuação mais célere e eficaz das autoridades.
De facto, para além da fiscalização, que o Governo garante ter reforçado mas cujos resultados, infelizmente,
não são os que todos pretendíamos, a Comissão identificou condicionantes que dificultam a obtenção de prova.
Uma dessas condicionantes é o facto de as autoridades inspetivas terem de dar conhecimento prévio da
realização de uma inspeção, o que, como refere, e bem, o relatório da Comissão de Acompanhamento, e cito,
«pode condicionar as características do efluente rejeitado naquele período e comprometer a representatividade
da amostra».
Por isso mesmo a Comissão considera necessária a alteração da legislação em vigor de forma a que, e cito
novamente, «permita a utilização de resultados (…) de amostras pontuais quando estas, de forma reiterada,
ultrapassam os valores limite de emissão estabelecidos».
O CDS entende que a atividade económica é essencial para a criação de emprego e a dinamização dos
territórios, mas ela tem de respeitar o ambiente e não pode colocar em causa a sustentabilidade dos recursos
naturais, como é óbvio, o que, aliás, é partilhado pelos peticionários no texto da petição que nos apresentam.
Por isso mesmo, o CDS recomenda ao Governo que legisle no sentido de cumprir a recomendação da
Comissão de Acompanhamento sobre a Poluição do rio Tejo, de novembro de 2016, para que permita,
precisamente, a utilização de resultados analíticos obtidos com amostras pontuais quando estas, de forma
reiterada, ultrapassam os valores-limite de emissão estabelecidos.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Matias, para uma
intervenção.
O Sr. Carlos Matias (BE) — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Antes de mais, saudamos os promotores
e os mais de 4600 subscritores desta petição lançada pela proTEJO, cujos representantes se encontram nas
galerias. Saudamos a sua persistência em dar voz às preocupações e aos anseios das populações relativos ao
rio Tejo e a sua insistência na denúncia da profunda degradação ambiental que atinge o seu curso e a sua bacia
hidrográfica.
O caudal do rio tem registado mínimos históricos, resultado não só das alterações climáticas mas também
da falta de instrumentos de gestão adequados, ainda mais neste período de fenómenos climáticos extremos.
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Os caudais mínimos semanais e trimestrais estabelecidos no Protocolo Adicional à Convenção de Albufeira
e que afluem de Espanha são insignificantes e permitem uma grande variação dos caudais durante os dias, as
semanas e os trimestres.
Como é do conhecimento público, e muitas vezes observável mesmo a olho nu, a qualidade da água do rio
Tejo representa um grave problema para o nosso País. A contaminação das águas reduz a sua disponibilidade,
destrói a flora e a fauna, coloca em risco todo o ecossistema e as atividades humanas, nomeadamente o
abastecimento de água para a agricultura e para o consumo humano.
A existência de várias indústrias de celulose e/ou de pasta de papel, de explorações pecuárias ou de práticas
agrícolas não podem ser sinónimo de poluição.
A navegabilidade do rio por pequenas embarcações e o seu fluxo ecológico têm sido colocados em causa
por barreiras físicas artificiais, algumas colocadas por empresas.
A Central Nuclear de Almaraz, situada nas margens do tio Tejo, ainda no Estado espanhol, mas apenas a
uma centena de quilómetros da nossa fronteira, é a central nuclear mais próxima de Portugal. Os dois reatores
nucleares entraram em funcionamento em 1981 e 1983, sendo dos mais envelhecidos do Estado espanhol, o
que levanta justificadas preocupações, agravadas pelos sucessivos incidentes registados.
O Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda apresentou já diversas propostas para que o Governo insista
junto do governo do país vizinho no sentido do encerramento da Central. No entanto, esta não só continua em
funcionamento como se têm efetuado procedimentos para a expansão da sua vida útil.
Revemo-nos, portanto, inteiramente nas preocupações expostas pelos peticionários. Daí apresentarmos um
projeto de resolução assumindo as suas propostas.
Impõe-se, de facto, a adoção de medidas para o cumprimento da Diretiva Quadro da Água, para garantia de
um bom estado ecológicos das águas do rio Tejo.
Há que estabelecer um regime de caudais ecológicos, diários, semanais e mensais de forma científica,
refletidos nos Planos da Bacia Hidrográfica do Tejo e na Convenção de Albufeira e integrando regimes de
exceção, designadamente para casos de seca.
Há que restaurar o sistema fluvial natural e o seu ambiente, nomeadamente a reposição da conectividade
fluvial.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Sr. Deputado, tem de terminar.
O Sr. Carlos Matias (BE) — Vou terminar, Sr. Presidente,
Impõe-se uma ação rigorosa e consequente de fiscalização contra a poluição crescente e contínua que cada
vez mais devasta o rio e os seus afluentes.
Finalmente, deverá prosseguir a exigência junto do governo do Estado espanhol com vista ao encerramento
da Central Nuclear de Almaraz.
O Bloco de Esquerda está com os ambientalistas, os autarcas e as populações nesta luta pela recuperação
do nosso rio Tejo e pelo fim da ameaça nuclear de Almaraz.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André
Silva.
O Sr. André Silva (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Já dizia Alberto Caeiro que «Pelo Tejo
vai-se para o Mundo» e que «Quem está ao pé dele está só ao pé dele». Sr.as e Srs. Deputados é ao pé do rio
Tejo e dos milhares de signatários desta petição que todos devemos estar.
O PAN associa-se com uma iniciativa legislativa que visa reforçar a instalação de mais estações de
monitorização radiológica nos rios internacionais.
Defendemos também que o Laboratório de Proteção e Segurança Radiológica seja dotado dos meios
adequados para que possa concretizar, em tempo útil, os programas de monitorização radiológica ambiental.
Consideramos ainda que é essencial maior transparência e escrutínio público sobre a informação nos sites
do Estado referentes aos recursos hídricos, muitas vezes indisponível ou desatualizada.
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Chamamos ainda a atenção para que o Plano de Emergência Radiológico para Acidentes Nucleares
Transfronteiriços seja concluído já neste ano.
Por fim, e porque este debate se faz à boleia de uma iniciativa cidadã em torno da defesa do Tejo, o PAN
quer deixar uma palavra de reconhecimento e gratidão ao cidadão Arlindo Consolado Marques, que
corajosamente tem denunciado os gravíssimos crimes ambientais que ocorrem no rio Tejo. Nenhuma indústria
poluidora nos vai silenciar. No PAN, somos Arlindo Consolado Marques.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — A intervenção seguinte será proferida pela Sr.ª Deputada
Heloísa Apolónia, de Os Verdes. Dispõe de 3 minutos.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero começar esta intervenção
justamente por saudar os subscritores da petição n.º 264/XIII (2.ª), que trazem à Assembleia da República a
necessidade de rediscutir a matéria da poluição do rio Tejo. É uma matéria à qual Os Verdes têm dado uma
profunda importância não apenas no seu trabalho parlamentar, mas também na sua atividade partidária, por
considerarmos que estamos a falar de um recurso fulcral no País nas mais variadas vertentes: ecológica, social
e económica.
Bastaria, porventura, dizer que a bacia hidrográfica do Tejo abrange cerca de 80 500 km2, dos quais mais de
24 500 km2 em Portugal, correspondendo a mais de 28% do território continental e alcançando 102 concelhos.
Nesse sentido, Os Verdes têm tomado também já diversas iniciativas parlamentares, a última das quais foi
justamente a de chamar o Sr. Ministro do Ambiente à Comissão, no sentido de nos prestar esclarecimentos
atualizados sobre a razão de ser de tão recorrentes fenómenos de poluição no rio Tejo. A verdade é que
tínhamos a palavra do Sr. Ministro de que as ações de fiscalização e de inspeção tinham sido reforçadas, que
estavam dotados de mais meios para agir e, portanto, a lógica normal seria a de que esses fenómenos de
poluição se desagravassem. Contudo, não é a isso a que temos assistido.
Por isso, justamente à boleia desta petição, Os Verdes entenderam apresentar um projeto de resolução
contendo várias vertentes de atuação. Desde logo, exortar o Governo a não facilitar a impunidade dos agentes
poluidores do rio Tejo, que estão perfeitamente identificados — desde as celuloses à agropecuária, entre outros
—, e promover o reforço da fiscalização e das ações inspetivas.
Por outro lado, incentivar o investimento à construção e remodelação de ETAR urbanas e industriais, de
modo a garantir a diminuição de índices de poluição. Sabemos que o mau funcionamento ou, mesmo, a
inexistência de ETAR são uma causa apontada, designadamente, no Relatório da Comissão de
Acompanhamento sobre Poluição no Rio Tejo.
Por outro lado, ainda, pugnar por um caudal ecológico no rio Tejo e a medição e o controlo serem feitos de
forma diária. Nesse sentido, voltamos a lembrar o compromisso que Os Verde têm assumido de forma a levar o
Governo a proceder à revisão da Convenção de Albufeira.
Neste projeto de resolução pugnamos, também e mais uma vez, para que o Governo português exija e
assuma, de uma forma clara, a posição de encerrar a Central Nuclear de Almaraz, uma central nuclear
perfeitamente obsoleta.
Por último, Os Verdes recomendam que se garanta a comunicação imediata às populações, de uma forma
absolutamente transparente, das ocorrências com relevância ambiental e que se assegure a disponibilização
sistemática de dados atualizados sobre a qualidade das águas do Tejo, o que tem falhado recorrentemente.
Quando olhamos para o Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos, verificamos que os dados que
lá constam estão desatualizados.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem de terminar, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — No fundo, estas são, em síntese — e vou mesmo terminar, Sr.
Presidente — as propostas que Os Verdes hoje trazem ao Parlamento.
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O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Em representação do Grupo Parlamentar do PCP, tem a
palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP) — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pela sua dimensão e pelas suas
características, o rio Tejo assume uma enorme importância no nosso País nos domínios ambiental, económico,
social e cultural, que afeta cerca de 3 milhões de habitantes.
Ao longo do extenso território que percorre está sujeito a diversas pressões, decorrentes das várias
infraestruturas existentes e das atividades que são realizadas na sua proximidade, que condicionam a qualidade
das massas de água.
As populações, as associações e as autarquias têm alertado para os inúmeros problemas existentes no rio
Tejo — aliás, a petição que hoje discutimos e cujos subscritores saudamos é bem o exemplo disso — e têm,
nomeadamente, chamado a atenção para a inexistência de caudais ecológicos, para a poluição, para os
obstáculos à conectividade fluvial, a erosão das margens, o assoreamento, problemas que limitam e, em alguns
casos, impedem o desenvolvimento de atividades económicas tradicionais, o usufruto do Tejo no plano
ambiental, cultural, desportivo e de lazer, importante para as comunidades residentes junto do rio que não
permitem aproveitar em toda a sua plenitude as potencialidades de desenvolvimento local que o Tejo
proporciona.
Há relatos e denúncias das populações que evidenciam bem as más condições em que se encontra o rio
Tejo: maus cheiros, água castanha ou água negra, existência de espuma, peixes mortos, receio de comer peixe
do rio Tejo, a redução da atividade piscícola, insuficiente caudal, entre outros problemas detetados.
A inexistência de caudais ecológicos que garantam os ecossistemas e a biodiversidade resultam, desde logo,
dos insuficientes volumes de água enviados por Espanha, mas também da gestão feita pelos concessionários
das barragens hidroelétricas do rio Tejo. Esta realidade tem também consequência na concentração de
elementos poluentes. Como o caudal não é suficiente, a dispersão da poluição também é menor.
As fontes de poluição com origem no insuficiente tratamento de águas residuais, na atividade industrial, nas
suiniculturas e na atividade agrícola conduzem à redução da qualidade das massas de água do rio Tejo,
resultando na redução do nível de oxigénio e de água à superfície, a eutrofização das águas, que leva à morte
de peixes no rio.
As barragens de Fratel e Belver, o açude de Abrantes, o travessão da Central Hidroelétrica do Pego
constituem, nomeadamente, barreiras à conectividade fluvial. Constata-se que não é assegurada de forma
adequada a passagem dos peixes, nem existe nenhuma forma de passagem de embarcações.
A irregularidade dos caudais do Tejo, em particular devido às fortes descargas das barragens, leva à erosão
das margens, visível nos chamados «rombos», sobretudo nas zonas de Constância, Chamusca e Golegã.
Constata-se, ainda, o assoreamento do rio na planície ribatejana e no estuário, o que introduz grandes
limitações à navegabilidade e inoperabilidade de estruturas portuárias, afetando, de forma crítica, as atividades
económicas, assim como os ecossistemas aquáticos, e conduz à degradação da qualidade da água.
O Relatório da Comissão de Acompanhamento sobre Poluição no Rio Tejo, criada em janeiro de 2016,
avança com um conjunto de propostas e recomendações, nomeadamente a criação da plataforma eletrónica de
gestão da informação relativa à prevenção e controlo da poluição no rio Tejo, a realização de um plano anual
de ação integrada de fiscalização e inspeção, o plano de monitorização do caudal das massas de água, entre
outros aspetos. Porém, a grande lacuna deste Relatório é quanto aos meios que têm de ser mobilizados para
garantir o cumprimento dessas recomendações. Sobre isso, não há referência.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem de terminar, Sr. Deputado
O Sr. António Filipe (PCP) — Vou terminar, Sr. Presidente.
O que o PCP propõe no projeto de resolução submetido hoje a discussão é que se adote um conjunto de
medidas eficazes que assegurem a proteção da bacia hidrográfica do Tejo, garantindo a quantidade e a
qualidade da água, proporcionando o desenvolvimento das atividades económicas tradicionais, a saúde pública,
a preservação dos ecossistemas e a biodiversidade e o usufruto das zonas ribeirinhas do Tejo ao nível cultural,
desportivo e de lazer e que permita o aproveitamento de todo o potencial de desenvolvimento que a bacia
hidrográfica do rio Tejo proporciona.
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Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — A intervenção seguinte cabe ao Sr. Deputado Manuel Frexes,
do Grupo Parlamentar do PSD.
Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Manuel Frexes (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Permitam-me que felicite, em primeiro
lugar, os peticionários, que trouxeram ao Parlamento um tema deveras importante, qual seja o da poluição do
rio Tejo.
É sobejamente conhecida a importância do rio Tejo, quer em Espanha, quer em Portugal onde desempenha
um papel decisivo em termos económicos, sociais e ambientais.
Por essa razão, a Comissão de Ambiente, Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e
Habitação elegeu a defesa, preservação e valorização do rio Tejo como tema central da sua atuação.
Apesar da relevância dada a este tão importante rio e apesar de algumas melhorias registadas na qualidade
da água do mesmo nos últimos anos, continuam a subsistir, de forma recorrente, diversos fenómenos de
poluição, alguns de impacto extremo, como sejam águas escuras, mau cheiro, manto de espuma e, por vezes,
mortandade de peixes.
Esta situação, absolutamente inaceitável, exige de todos, mas sobretudo do Governo, mais e melhor, tanto
cá dentro como fora das nossas fronteiras.
Em primeiro lugar, pretende-se que o Governo dê rápida execução às medidas preconizadas no Relatório da
Comissão de Acompanhamento sobre Poluição no Rio Tejo, encomendado pelo próprio Governo há mais de
um ano e cujas medidas mais importantes ainda não saíram do papel.
Em segundo lugar, que aposte cada vez mais na prevenção e dissuasão destas práticas ilícitas, investindo
em novas tecnologias de vigilância e monitorização permanente do rio Tejo.
Em terceiro lugar, que reforce as dotações orçamentais dos diversos organismos governamentais, a fim de
assegurar os meios necessários para o desempenho cabal das suas missões.
E, por fim, que estimule o investimento, público e privado, acelerando os mecanismos de apoio previstos no
Programa 2020, de modo a concluir importantes obras em curso e outras em fase de aprovação, para completar
as redes de tratamento de efluentes domésticos e contribuir para a modernização de equipamentos industriais,
de molde a conciliar cada vez mais as atividades económicas com a preservação ambiental do rio Tejo.
O Tejo é um rio ibérico. Como tal é também partilhado por Espanha. Nesse domínio, recomenda-se ao
Governo de Portugal que faça mais e diferente, designadamente: no acompanhamento concertado com as
autoridades espanholas dos fenómenos de poluição verificados no rio Tejo, quando este entra em território
nacional; que coloque na agenda de discussão bilateral a política de transvases levada a cabo por Espanha,
sobretudo a transferência de água da bacia hidrográfica do Tejo para outras bacias hidrográficas mais a sul; que
promova uma verdadeira revisão da Convenção de Albufeira, no domínio dos caudais a assegurar por Espanha,
introduzindo a obrigatoriedade de caudais diários; e, por fim, que o Governo de Portugal assuma uma posição
firme e resoluta, no sentido de tudo fazer para promover o encerramento da Central Nuclear de Almaraz, opondo-
se inequivocamente, já em 2018, quando for consultado, à prorrogação do prazo para o seu funcionamento, já
que está obsoleta e há muito ultrapassou o tempo de validade para a sua laboração.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem de terminar, Sr. Deputado.
O Sr. Manuel Frexes (PSD): — Nestas matérias, Sr.as e Srs. Deputados, não há mais lugar a hesitações ou
atitudes vacilantes. É, sim, tempo de firmeza e de tolerância zero.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — A última intervenção sobre este ponto da agenda de hoje cabe
à Sr.ª Deputada Maria da Luz Rosinha, do Grupo Parlamentar do Partido Socialista.
Faça favor, Sr.ª Deputada.
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A Sr.ª Maria da Luz Rosinha (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje, debruçamo-nos sobre
uma petição — e o Partido Socialista saúda os signatários — e seis projetos de resolução que visam problemas
ambientais, matéria que tem merecido uma atenção continuada por parte do Partido Socialista.
Já debatemos, em diversos momentos — neste Plenário, na Comissão do Ambiente e, mesmo até, ao longo
do rio Tejo —, a poluição a que o mesmo é sujeito nas suas margens; o cumprimento e incumprimento dos
caudais ecológicos estipulados na Convenção de Albufeira e a necessidade da sua revisão; o perigo da
existência da Central Nuclear de Almaraz, para além da previsível prorrogação do seu período de vida e o uso
de água para arrefecimento dos reatores que, posteriormente, entra no circuito do rio Tejo.
Não é por falta de debate na Assembleia da República, concretamente na Comissão de Ambiente, ou por
inação do atual Governo que o rio Tejo está com problemas.
Nesse sentido, as várias iniciativas que se encontram hoje em debate relativas ao rio Tejo, à Convenção de
Albufeira e ao encerramento da Central Nuclear de Almaraz não são novas.
Valorizamos o debate, compreendemos as propostas que também se inserem nas respetivas agendas
políticas dos proponentes, mas priorizamos a avaliação das medidas que têm sido defendidas pelo Governo,
pelas empresas, pelas associações ambientalistas e pelos movimentos de cidadãos.
Na última audição do Sr. Ministro do Ambiente, no passado dia 21 de dezembro, há precisamente 14 dias,
referindo o Relatório da Comissão de Acompanhamento sobre Poluição no Rio Tejo, o Grupo Parlamentar do
Partido Socialista destacou a necessidade de se proceder a um avanço em termos da qualidade da água nesta
região, em torno das infraestruturas de tratamento de água e saneamento, de águas residuais urbanas e
industriais, cuja avaliação, em matéria de estado das massas de água, é inferior a «Bom» na classificação da
Diretiva-quadro da Água (DQA).
O Sr. Ministro do Ambiente já referiu nesta Assembleia algumas das medidas tomadas para conter os
problemas referidos, as quais não posso enumerar por falta de tempo.
Não serão propostas avulsas ou situações pontuais que nos irão garantir uma política pública eficaz,
assegurando a salvaguarda do rio Tejo. Necessitamos, desde logo, que as recomendações da Comissão de
Acompanhamento sobre a Poluição no Rio Tejo sejam implementadas, cumpridas e fiscalizadas e que se
incorporem nestas as questões relativas à eventual contaminação radiológica proveniente da Central Nuclear
de Almaraz.
Nesse sentido, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista recomenda ao Governo uma atenção mais atuante,
tendo em consideração que Mariano Rajoy, nos últimos dias, anunciou querer acelerar o Plano Nacional da
Água e que Espanha poderá vir a autorizar novos transvazes, pondo, mais uma vez, em risco os caudais
ecológicos do rio Tejo.
Importa, por fim, referir que o tema da Central Nuclear de Almaraz e do eventual prolongamento do
funcionamento desta estrutura requer igualmente uma intervenção diplomática do Ministério do Ambiente e do
Ministério dos Negócios Estrangeiros, recorrendo, uma vez mais, às instâncias europeias, envolvendo e
responsabilizando a Comissão Europeia por um acompanhamento partilhado do acordo celebrado e que garanta
a salvaguarda dos direitos de Portugal e a tranquilidade dos portugueses.
Os portugueses podem contar com o atual Governo e com o Partido Socialista para que se encontrem
respostas integradas e globais sobre o rio Tejo.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Concluída a discussão conjunta da petição n.º 264/XIII (2.ª) e
dos projetos de resolução n.os 738/XIII (2.ª) (CDS-PP), 1190/XIII (3.ª) (BE), 1191/XIII (3.ª) (PAN), 1204/XIII (3.ª)
(Os Verdes), 1207/XIII (3.ª) (PCP) e 1216/XIII (3.ª) (PSD), vamos dar início à apreciação da petição n.º 290/XIII
(2.ª) — Solicitam alterações legislativas, nomeadamente à Lei n.º 69/2014, de 29 de agosto, que criminalizou os
maus tratos a animais de companhia (Ana Raquel de Oliveira Ramos de Matos, e outros) juntamente com os
projetos de resolução n.os 1217/XIII (3.ª) — Recomenda ao Governo que tome medidas para divulgação e
facilitação da aplicação da legislação de bem-estar animal (BE) e 1219/XIII (3.ª) — Recomenda ao Governo que
crie um grupo de trabalho com vista a elaborar um plano para prevenir e lidar com os casos da síndrome de
Noé, mais conhecida por «acumulação de animais» (PAN) e, na generalidade, o projeto de lei n.º 724/XIII (3.ª)
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— Altera o Código Penal e o Código de Processo Penal no que diz respeito ao crime de maus tratos a animais
e artigos conexos (PAN).
Para apresentar o projeto de resolução n.º 1217/XIII (3.ª) e iniciar o debate, tem a palavra, em nome do Grupo
Parlamentar do Bloco de Esquerda, a Sr.ª Deputada Maria Manuel Rola.
A Sr.ª Maria Manuel Rola (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por cumprimentar as
peticionárias que novamente nos alertam para o flagelo dos maus tratos a animais.
A Lei n.º 69/2014, de 29 de agosto, inscreveu estes mesmos maus tratos a animais de companhia como
crime. Foi um avanço extremamente importante, na conceção do tratamento aos animais tida em Portugal. Onde
antes não havia qualquer crime ou condenação quando deliberadamente se maltratava animais de companhia,
passou a existir um enquadramento que assume que esses maus tratos não são um comportamento desejável
em sociedade. Aliás, pelo contrário, assume-se que é um comportamento condenável e é atualmente — e bem!
— criminalizado.
Em 2016, voltámos a discutir alterações ao Código Civil que passam a prever o estatuto jurídico dos animais
e, a par, houve uma nova discussão e propostas, apresentadas pelo Bloco de Esquerda, sobre a abrangência
da lei, de 2014, de maus tratos a animais. Nada mais lógico: esta lei tem-se demonstrado importante, mas
insuficiente na proteção da integridade e no efeito dissuasor de incutir dano e sofrimento aos animais de
companhia como a outros animais. Qualquer animal, independentemente do seu destino, não deve ser sujeito
a condições de confinamento ou tratamento que não tomem em conta o estatuto jurídico que tão bem aqui
definimos, correspondendo à leitura da ciência e da sociedade e com a qual, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas,
devemos congratular-nos por ter tomado a forma de largo acordo também por nós. Assumimos, pois, com estas
iniciativas, que a violência contra animais não é justificável, em Portugal.
A comunicação social tem também denunciado publicamente situações incomportáveis de manutenção de
animais sem a célere investigação e o correto julgamento, tendo em vista o bem-estar do animal. A interpretação
generalizada da legislação ainda descura a necessidade de ter como base o bem-estar e os direitos dos animais,
assim como a evolução que inscrevemos pela Lei n.º 8/2017 — e esta sensibilização é urgente.
Nesse sentido, apresentamos um projeto de resolução que recomenda ao Governo que se divulgue as leis
já existentes e se clarifique o sentido do legislador aos vários intervenientes na sua aplicação. Não pode haver
equívocos na interpretação do estatuto jurídico dos animais e, como tal, do que é um ato de maus tratos aos
animais.
Recomenda, ainda, o nosso projeto de resolução que, em conjunto com os municípios, se desenvolvam
campanhas de sensibilização para as práticas respeitadoras do bem-estar e dos direitos dos animais, assim
como se proceda à facilitação de trâmites pela desmaterialização de processos, como os de denúncia de
situações de maus tratos e de não licenciamento de animais de companhia.
Srs. Deputados e Sr.as Deputadas, as leis que aprovamos aqui e que inscrevem direitos dos animais não
podem ser consideradas menos leis por regularem relativamente aos animais e têm de ser conhecidas e
aplicadas como qualquer outra lei que aqui aprovamos.
Aplausos do BE e do PAN.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para apresentar o projeto de lei n.º 724/XIII (3.ª) e o projeto de
resolução n.º 1219/XIII (3.ª), tem, agora, a palavra o Sr. Deputado André Silva.
O Sr. André Silva (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por agradecer aos peticionários
pela importante iniciativa que tiveram mas também por deixarem claro aos Deputados que este é um assunto
que ainda não está resolvido e que muito há a fazer em matéria legislativa.
Na primeira sessão legislativa, o PAN apresentou um projeto de lei com vista à alteração do Código Penal,
reforçando a proteção jurídica de todos os animais, que foi rejeitado. Houve, no entanto, uma evolução.
Recebemos os pareceres da Ordem dos Advogados, da Procuradoria-Geral da República e do Conselho
Superior de Magistratura, e todos eles foram tidos em conta na redação do projeto que agora apresentamos.
Segundo aqueles é, de facto, incoerente criminalizar os maus tratos contra uns animais e não contra os outros.
Mais: a dignidade dos animais não humanos, designadamente o seu direito à vida e à integridade física,
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emocional e comportamental, constitui um facto incontestável que tem vindo a ser reconhecido, de forma
transversal, na sociedade, o que também é corroborado por aqueles pareceres.
Acresce que, hoje, a nossa legislação não mais reconhece os animais como coisas, sendo, sim, seres vivos
dotados de sensibilidade e objeto de proteção jurídica em virtude da sua natureza e, por isso, trazemos a debate
uma proposta onde: se estende a proteção jurídica existente para os animais de companhia a todos os animais
sencientes vertebrados; se determina que todos os animais devam estar livres de fome e sede, de dor,
ferimentos ou doenças, de medo e angústia, e que possam expressar o seu comportamento natural; se
criminaliza o ato de matar um animal fora dos trâmites legais, seja precedido ou não de maus tratos; se
criminaliza o ato de abandonar um animal, independentemente da vida de este correr perigo ou não; se obriga
os condenados pela prática do crime de maus tratos a frequentar programas específicos de prevenção de
violência; e se determina que o fiel depositário deve ser o Estado ou associações zoófilas e não, nunca, o
agressor, como agora sucede.
Por fim, importa também criar um grupo de trabalho constituído por profissionais de saúde animal e humana,
com vista à prevenção e tratamento de casos de síndrome de Noé ou de acumulação de animais. Trata-se de
um problema de saúde mental e, portanto, de bem-estar da própria pessoa. É também um problema de maus
tratos a animais e, por fim, comporta também risco para a saúde pública.
Sr.as e Srs. Deputados, estas medidas têm a possibilidade de melhorar e proteger significativamente a vida
dos animais e refletem uma sociedade mais evoluída, com respeito por todos os seres, independentemente das
suas diferenças.
É tempo de dar corpo a uma verdadeira proteção dos animais.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem a palavra, em nome do Grupo Parlamentar do Partido
Socialista, o Sr. Deputado Pedro Delgado Alves.
O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começava precisamente por
saudar os peticionários pelo trabalho detalhado e de minúcia com que elencaram muitos dos problemas que a
atual legislação — quer a legislação nova, quer a anterior lei ainda em vigor — ainda apresenta em matéria de
proteção e bem-estar animal. Desde questões relativas ao transporte e à criação de animais, que não têm sido
objeto de intervenção tão recente, quer, em particular, matérias que, entretanto, foram objeto de alteração
legislativa, com a aprovação do novo regime de compra e venda de animais, há muito trabalho ainda a realizar.
Mas um dos aspetos fundamentais que, em particular, é frisado pelos peticionários diz respeito ao quadro
sancionatório — seja ele o quadro contraordenacional, seja ele o quadro penal —, em relação ao qual, já no
passado, o Grupo Parlamentar do PS teve ocasião de sublinhar que ainda não está satisfeito com o quadro que
vigora, uma vez que ainda apresenta muitas dificuldades interpretativas, muitas dificuldades para que os
operadores consigam efetivamente reforçar a proteção penal também no que diz respeito ao bem-estar animal.
E se, no passado, não foi ainda possível alcançar uma maioria no sentido de alterar a lei — e, nesta
Legislatura, o Grupo Parlamentar do PS já o procurou fazer —, é verdade que o PAN recupera muitos destes
elementos, nomeadamente no que respeita ao Código de Processo Penal, pelo que esperamos que possa haver
uma segunda oportunidade para a Assembleia colocar no caminho certo a alteração legislativa transformadora
que realizou em 2015.
No entanto, para além desta iniciativa — e não acompanhamos todos os aspetos, nomeadamente aqueles
relativos ao Direto Penal substantivo, mas podemos ter disponibilidade para, na especialidade, trabalhá-los —,
em relação aos outros dois projetos, trazidos a debate pelo Bloco de Esquerda e pelo PAN, gostaríamos também
de sublinhar o nosso voto favorável no sentido em que apresentam também elementos adicionais relevantes.
No que diz respeito ao projeto do Bloco de Esquerda, porque é, de facto, fundamental reforçar o trabalho que
algumas instituições já fazem — a PSP e a GNR têm dedicado muito trabalho a fazer formação dos seus agentes
e dos seus oficiais e também a procurar sensibilizar as autarquias a olhar para a legislação sobre os maus tratos
e sobre o bem-estar animal de outra forma.
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E também a iniciativa do PAN, relativa a um problema particular que muito diz a muitos agregados familiares,
porque não só reporta problemas dos animais que estão em situação de ausência de condições, mas também
revela muitas vezes problemas que as próprias pessoas que os detêm traduzem através deles.
Por isso, parece-nos que se conseguirão dar passos positivos através da aprovação destes dois projetos de
resolução, ficando, mais uma vez, sublinhada a nossa expectativa de que consigamos, no quadro parlamentar
atual, ainda assim, reforçar o que, no Código de Processo Penal e no Código Penal, ainda não corresponde a
uma boa lei e a uma lei capaz de dar resposta a todos os problemas.
Aplausos do PS e do PAN.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para uma intervenção, tem a palavra, em nome do Grupo
Parlamentar do PCP, a Sr.ª Deputada Paula Santos.
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: As preocupações com o bem-estar animal, a
proteção dos animais ou o respeito pelos animais estão cada vez mais presentes na discussão pública.
A saudável e harmoniosa convivência entre os seres humanos e os demais animais é algo por que pugnamos.
O debate que hoje realizamos na Assembleia da República, na sequência do agendamento da petição sobre
o melhoramento e maior abrangência da lei que criminaliza os maus tratos a animais, permite, mais uma vez,
aprofundar a reflexão sobre estas questões.
A realidade tem vindo a confirmar o acerto da posição do PCP quanto à prioridade que deve ser dada ao
objetivo de se evitar a ocorrência de maus tratos a animais e o abandono de animais, em vez de se intervir
somente a posteriori, depois de estas situações ocorrerem e numa perspetiva exclusivamente punitiva e
repressiva.
Obviamente que consideramos condenáveis as situações de maus tratos ou abandono de animais, e elas
devem ser sancionadas. Mas aquilo que verdadeiramente permite dar um salto qualitativo e evoluir no plano
social, cultural e ambiental em matéria de respeito pelos animais passa pela adoção de medidas preventivas,
de sensibilização e de dissuasão que evitem situações de maus tratos e abandono de animais.
Insistir na opção de criminalização e agravamento de penas, como propõe o PAN, é reincidir no erro. A
proposta do PAN assenta na conceção retrógrada e securitária, de que é com a criação de crimes ou o
agravamento de penas de penas de prisão que se resolvem problemas sociais. Esta conceção é não só
retrógrada e securitária, mas também errada, como comprova a criação do crime de maus tratos e abandono de
animais. Tal como o PCP sublinhou na altura, a criação legal do crime não resolveu o problema, e não o
resolverá.
Aquando da discussão da atual lei, afirmámos que a opção pela criminalização não era adequada nem eficaz,
e dissemos que optar pela aplicação de penas de prisão em casos de maus tratos ou abandono de animais de
companhia, sem que existam meios de prevenção dessas situações, é desproporcionado e contribui para criar
erradas expectativas relativamente à possibilidade de resolução desse problema.
Passados três anos, constatamos que não houve redução, nem se evitaram situações de maus tratos ou de
abandono de animais. Os maus tratos e o abandono de animais não são um problema que se resolva com a
intervenção das polícias e dos tribunais, muito menos atuando depois de os maus tratos acontecerem, em vez
de se evitar que eles aconteçam.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — O PAN faz a opção fácil, mas errada, de aumentar a repressão penal e de
agravar as penas de prisão. O PCP não acompanha essa opção.
Para o PCP, a intervenção eficaz para o combate aos maus tratos e ao abandono de animais deve centrar-
se na educação e pedagogia e na formação para a promoção do respeito pelos animais, sobretudo junto das
crianças e dos jovens.
É preciso investimento e reforço de meios que concretizem estas medidas, acompanhado de reforço de
meios, em particular sanitários e inspetivos, do Estado para assegurar o bem-estar animal.
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Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Vânia Dias da Silva, do Grupo
Parlamentar do CDS-PP, para uma intervenção.
A Sr.ª Vânia Dias da Silva (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por saudar os Srs.
Peticionários, pelo menos para memória futura, e dizer que esta matéria dos maus-tratos que nos trazem hoje
é uma questão que, felizmente, começa a mobilizar cada vez mais a sociedade portuguesa e para a qual a
sociedade portuguesa está cada vez mais sensibilizada — e ainda bem.
O CDS não é exceção nesta matéria e não só condena e repudia, obviamente, qualquer tipo de maus-tratos
a animais como, aliás, foi o primeiro partido a propor, há 10 anos, a proibição das lutas de cães e a sua
criminalização, por exemplo.
Foi também pela mão do CDS e do PSD que, em 2014, se autonomizaram os crimes contra os animais do
direito das coisas e se criaram regras específicas para os atentados contra os animais com novos tipos de crime
que, hoje em dia, estão já em vigor e que parecem estar a funcionar bem.
Mas, mais: o CDS também não ficou de fora da discussão que se fez há tempos nesta Câmara relativamente
à criação de uma terceira categoria no direito civil, no sentido de os animais serem autonomizados do direito
das coisas e, portanto, serem considerados seres sensíveis, o que nos pareceu adequado e próprio e o que
também saudamos.
Portanto, este caminho que vem sendo feito é um caminho que o CDS acompanha, no qual participa e que
aplaude. Mas este é também um caminho que tem de ser estabilizado, é um caminho relativamente ao qual é
preciso tempo para avaliar o que falta fazer, é um caminho relativamente ao qual tem de se ter tempo para
assimilar onde é preciso atuar e é, sobretudo, um caminho que, para ser eficaz, tem de ter mais e melhor
fiscalização.
Muito do que foi proposto pelos Srs. Peticionários está já feito, o que falta verdadeiramente é uma fiscalização
efetiva e eficaz. É isso que nos falta fazer: uma fiscalização das juntas, das câmaras, das entidades centrais
com competências na matéria. É aqui que, realmente, há uma falha clamorosa e é aqui que sabemos ser preciso
atuar. Aliás, saiu hoje uma notícia numa revista de publicação semanal que é, de facto, alarmante, porque nos
fala de animais esfomeados, sujos, maltratados, com doenças e que estão ao deus-dará, entregues a uma
associação que, aparentemente, nada faz para os acolher. A lei já previne este tipo de situações, mas o que
realmente falta é fiscalização, que não se tem feito atuar convenientemente.
Esta é uma questão que já aqui debatemos e, na altura em que a discutimos, dissemos e repetimos que,
mais do que atuar ao nível da lei, é preciso ir mais longe na fiscalização. As boas leis às vezes são más leis
quando não saem do papel e as competências com os meios para fazer a devida fiscalização não atuam
enquanto tal. Portanto, dizemos e repetimos o que dissemos então: mais do que legislar, é preciso, de facto,
fiscalizar.
Termino, Sr. Presidente, dizendo apenas que este projeto de lei que o PAN reapresenta com algumas
modificações continua a confundir animais de companhia com animais utilizados para fins agrícolas, pecuários
e agroindustriais. Uns e outros não podem nem devem ser confundidos. Nenhum deles pode sofrer maus-tratos,
obviamente, mas não podem ser sujeitos às mesmas regras. Com isso o CDS não pode, de facto, concordar.
Já rejeitou esta proposta uma vez e voltará a fazê-lo.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Sara Madruga da Costa,
do Grupo Parlamentar do PSD, para uma intervenção.
A Sr.ª Sara Madruga da Costa (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Louvamos a iniciativa dos
4715 peticionários, cujas causas não começaram hoje e que muito têm contribuído para uma nova sensibilização
da sociedade para os direitos dos animais.
Os avanços a este nível têm sido avassaladores. Permitam-nos assinalar que o PPD/PSD se orgulha da sua
participação cimeira e da capacidade que teve de interpretar os novos compassos e as novas exigências sociais.
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Fê-lo em 1992 com a autoria do primeiro grande alicerce dos direitos dos animais e fê-lo também em 2014 com
a criminalização dos maus-tratos a animais de companhia no Código Penal, na qual teve uma participação e um
impulso legislativo.
Sr.as e Srs. Deputados, temos assistido a uma verdadeira revolução jurídica que também tem a marca do
PPD/PSD — vejamos a consagração do estatuto jurídico dos animais como terceiro género no código civil, para
o que apresentámos uma iniciativa própria. É, por isso, indiscutível, Sr.as e Srs. Deputados, a relevância do
nosso papel nesta matéria.
O PSD tem estado sempre na vanguarda da defesa e da proteção dos direitos dos animais e tem contribuído
ativamente para que Portugal esteja na primeira linha da promoção do bem-estar animal. Não somos, por isso,
indiferentes à dinâmica social e às alterações ditadas por novos comportamentos da sociedade. Não somos
também, por isso, indiferentes aos maus-tratos a animais.
No entanto, Sr.as e Srs. Deputados, para nós, há um tempo para tudo. Como em todas as revoluções, após
um período de grandes mudanças, impõe-se um período e um tempo de estabilidade. A revolução é demasiado
recente para podermos, com segurança, concluir quais os pontos de fragilidade.
Sr.as e Srs. Deputados, não há tempo suficiente neste momento sobre a aplicação das normas para
avaliarmos o impacto e a eficácia de novas medidas. Assim, e ao contrário do que muitos dizem, para nós não
é tempo de agir, não é hora de alterar e de mudar a legislação em vigor, mas de sensibilizar e informar os
cidadãos e de fiscalizar.
Agora o tempo é o da estabilidade, da segurança jurídica das normas, da confiança dos agentes, do bom
senso e da sensibilização das pessoas para a causa animal. Para o PSD, é tempo de ponderação, de
consideração e de reflexão, qualquer alteração a partir deste momento assim o exige. A prudência manda
sempre avaliar antes de corrigir e não podemos prescindir da salvaguarda das atividades económicas e do
nosso consumo alimentar.
Sr.as e Srs. Deputados, na vida há um tempo para tudo e um equilíbrio que é essencial e elementar preservar.
Muitas das vezes, objetivos nobres podem ser frustrados por excesso de intervenção ou regulação.
Sr.as e Srs. Deputados, não podemos correr o risco de comprometer a revolução jurídica que alcançámos
recentemente.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para proferir a última intervenção, tem a palavra a Sr.ª
Deputada Heloísa Apolónia, do Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os Verdes».
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em nome do Grupo
Parlamentar de Os Verdes, quero começar por saudar os subscritores da petição n.º 290/XIII (2.ª), que, no fundo,
acaba por chamar a atenção da Assembleia da República para o facto de a criminalização dos maus-tratos a
animais não ter acabado de vez com esta realidade e com este problema efetivo.
Aquilo que Os Verdes gostariam de dizer, de facto, é que se aquilo que consta da lei não for acompanhado
de fortes programas de sensibilização quer das autoridades quer das pessoas detentoras de animais, há muita
coisa que não vai dar resultado. Um ecologista acredita sempre na educação e na sensibilização dos cidadãos,
mas, quando falham essas campanhas e esses programas de sensibilização de facto há muita coisa que falha.
É com base neste princípio que Os Verdes concordam com o projeto de resolução que o Bloco de Esquerda
aqui apresenta e o votarão favoravelmente, justamente no sentido de recomendar ao Governo que sejam
lançadas campanhas de sensibilização relativamente à matéria do bem-estar animal e para erradicar a questão
dos maus-tratos a animais.
Já relativamente aos projetos de lei e de resolução que o PAN apresenta, há um — o projeto de lei, em
concreto — que nos merece enormíssimas reservas, desde logo porque uma das coisas a fazer para não fazer
grande coisa é aumentar as penas. Ou seja, aumentam-se penas e parece que se fez alguma coisa, quando,
na verdade, nada se alterará substancialmente em relação a essa realidade. Portanto, esta é uma questão na
qual Os Verdes — desculpem a expressão que vou utilizar — não embarcam muito e julgamos que, de facto,
não resolverá problemas.
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5 DE JANEIRO DE 2018
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Há outras questões que o PAN inclui no seu projeto de lei que também nos merecem grandes reservas e
que nos levam mesmo a pensar sobre o que será esta terminologia tão evasiva sobre a criação de «espaços
adequados» para os animais — diz-se que os animais «devem ser mantidos em espaços adequados». A forma
como o PAN desenvolve esta matéria no projeto de lei leva-nos mesmo a questionar, por exemplo, se um sem-
abrigo terá ou não direito a ter a companhia de um animal, de ser acompanhado, de ter um animal de companhia.
Ou se há determinadas características nos apartamentos que levam a que não existam condições para se ter
um animal de companhia. Ou vamos deixar de ter animais de companhia em apartamentos e vamos apostar, de
facto, nos grupos de animais comunitários? Ou seja, este projeto deixa tantas dúvidas, tantas questões em
aberto que, na nossa perspetiva, não tem «muitas pernas para andar».
Já relativamente ao projeto de resolução do PAN, parece-nos muito interessante a questão de recomendar
a criação de um grupo de trabalho constituído por profissionais no sentido da prevenção e do tratamento dos
casos de síndrome de Noé, aquela matéria que todos conhecemos como a «acumulação de animais».
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Queira terminar, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — São estes os comentários que Os Verdes têm a fazer relativamente
aos três projetos que agora estão em discussão, à boleia da petição que foi apresentada.
Aplausos de Os Verdes e de Deputados do PCP.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Srs. Deputados, terminamos, assim, a apreciação da petição
n.º 290/XIII (2.ª), dos projetos de resolução n.os 1217 e 1219/XIII (3.ª) e do projeto de lei n.º 724/XIII (3.ª) e,
consequentemente, a nossa ordem de trabalhos de hoje.
Antes de dar por encerrada a sessão, recordo às Sr.as e aos Srs. Deputados que a próxima sessão plenária
terá lugar amanhã, com início às 10 horas, e que da ordem do dia constam cinco pontos.
Em primeiro lugar, serão discutidos, na generalidade, os projetos de lei n.os 694/XIII (3.ª) — Alteração ao
Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares (PSD) e 721/XIII (3.ª) — Altera o Regime Jurídico dos Inquéritos
Parlamentares (altera a Lei n.º 5/93, de 1 de março) (BE).
Em segundo lugar, procederemos à discussão, na generalidade, dos projetos de lei n.os 653/XIII (3.ª) — Altera
o regime jurídico da exploração dos estabelecimentos de alojamento local (segunda alteração ao Decreto-Lei
n.º 128/2014, de 29 de agosto, e sexta alteração ao Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de março) (BE) e 535/XIII (2.ª)
— Altera o Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29 de agosto (regime jurídico de exploração dos estabelecimentos de
alojamento local), clarificando que qualquer oposição do condomínio à exploração de estabelecimentos de
alojamento local deve constar do título constitutivo da propriedade horizontal, do regulamento de condomínio
nesse título eventualmente contido ou em regulamento de condomínio ou deliberação da assembleia de
condóminos, aprovados sem oposição e desde que devidamente registados (CDS-PP) juntamente com o projeto
de resolução n.º 902/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo que proteja os prestadores ocasionais de serviços de
alojamento local de eventuais agravamentos no regime jurídico do alojamento local (CDS-PP), com, na
generalidade, os projetos de lei n.os 574/XIII (2.ª) — Terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29 de
agosto, alterado pelo Decreto-Lei n.º 63/2015, de 23 de abril, que estabelece o regime jurídico da exploração
dos estabelecimentos de alojamento local (PCP), 524/XIII (2.ª) — Procede à segunda alteração ao Decreto-Lei
n.º 128/2014, de 29 de agosto, clarificando o regime de autorização de exploração de estabelecimentos de
alojamento local (PS) e 723/XIII (3.ª) — Determina que por cada três imóveis em regime de arrendamento local
o proprietário deve assegurar que o quarto imóvel seja destinado a arrendamento de longa duração (PAN) e
com o projeto de resolução n.º 1218/XIII (3.ª) — Recomenda ao Governo que promova a realização de estudo
sobre a capacidade de carga turística em determinadas cidades e que fomente a atividade turística em zonas
com menor densidade populacional (PAN).
O terceiro ponto consta do debate conjunto, na generalidade, dos projetos de lei n.os 711/XIII (3.ª) — Alteração
à Lei de Acompanhamento dos Assuntos Europeus (CDS-PP), 717/XIII (3.ª) — Segunda alteração à Lei n.º
43/2006, de 25 de agosto, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 21/2012, de 17 de maio, relativa ao
acompanhamento, apreciação e pronúncia pela Assembleia da República no âmbito do processo de construção
da União Europeia (PSD) e 722/XIII (3.ª) — Altera a Lei n.º 43/2006, de 25 de agosto, reforçando os meios de
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acompanhamento, apreciação e pronúncia pela Assembleia da República no âmbito do processo de construção
da União Europeia (BE).
No quarto ponto, discutiremos, na generalidade, o projeto de lei n.º 637/XIII (3.ª) — Altera o regime de
serviços mínimos bancários, tornando-o mais adequado às necessidades dos clientes bancários (PCP).
Finalmente, teremos um período regimental de votações.
Muito boa tarde, Sr.as e Srs. Deputados.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 49 minutos.
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Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.