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Sexta-feira, 11 de janeiro de 2019 I Série — Número 37

XIII LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2018-2019)

REUNIÃOPLENÁRIADE10DEJANEIRODE 2019

Presidente: Ex.mo Sr. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues

Secretários: Ex.mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Sandra Maria Pereira Pontedeira António Carlos Bivar Branco de Penha Monteiro

S U M Á R I O

O Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 4

minutos. Procedeu-se a um debate de atualidade, requerido por Os

Verdes, ao abrigo do artigo 72.º do Regimento, sobre a decisão do Governo de construção de um aeroporto complementar no Montijo. Depois de a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia (Os Verdes) ter aberto o debate, usaram da palavra, a diverso título, além daquela oradora, o Ministro do Planeamento e das Infraestruturas (Pedro Marques) e os

Deputados Joana Mortágua (BE), Hélder Amaral (CDS-PP), André Silva (PAN), Bruno Dias (PCP), Emídio Guerreiro (PSD), Carlos Pereira (PS), Heitor de Sousa (BE) e Nuno Magalhães (CDS-PP).

Foi apreciado o Projeto de Resolução n.º 1692/XIII/3.ª (PSD) — Linha de financiamento para instituições de ensino superior trabalharem em cooperação com o sistema de promoção e proteção de crianças e jovens em risco, tendo proferido intervenções os Deputados Laura Monteiro

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Magalhães (PSD), Diana Ferreira (PCP), Filipe Anacoreta Correia (CDS-PP), Maria Augusta Santos (PS) e Pedro Filipe Soares (BE).

Foram apreciados, conjuntamente, na generalidade, os Projetos de Lei n.os 920/XIII/3.ª (BE) — Elimina os vistos gold, e 1055/XIII/4.ª (PAN) — Institui um regime de autorização de residência assente em atividades de investimento em projetos ecológicos — vistos green. Intervieram os Deputados José Manuel Pureza (BE), André Silva (PAN), José Luís Ferreira (Os Verdes), Carlos Peixoto (PSD), Paulo Trigo Pereira (N insc.), Filipe Neto Brandão (PS), António Filipe (PCP) e Telmo Correia (CDS-PP).

Foi apreciado, na generalidade, o Projeto de Lei n.º 1028/XIII/4.ª (CDS-PP) — Quinta alteração à Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (Lei de Organização do Sistema Judiciário): adita a competência do Tribunal da Propriedade Intelectual, tendo proferido intervenções os Deputados Vânia Dias da Silva (CDS-PP), José Manuel Pureza (BE), Andreia Neto (PSD), Fernando Anastácio (PS) e António Filipe (PCP).

Foi discutido, na generalidade, o Projeto de Lei n.º 881/XIII/3.ª (PCP) — Aprova o regime de regularização de cidadãos estrangeiros indocumentados (sexta alteração à Lei n.º 23/2007, de 4 de julho). Intervieram os Deputados António Filipe (PCP), José Manuel Pureza (BE), Feliciano Barreiras Duarte (PSD), Isabel Alves Moreira (PS) e Telmo Correia (CDS-PP).

Foram discutidos, conjuntamente, na generalidade, os Projetos de Lei n.os 885/XIII/3.ª (Os Verdes) — Impede a comercialização e a utilização de medicamentos veterinários, de uso pecuário, contendo diclofenac e 1056/XIII/4.ª (PAN) — Interdita a comercialização de medicamentos veterinários cujo princípio ativo seja o diclofenac. Proferiram intervenções os Deputados Heloísa Apolónia (Os Verdes), André Silva (PAN), Ana Passos (PS), Carlos Matias (BE), António Ventura (PSD), João Dias (PCP) e Ilda Araújo Novo (CDS-PP).

Foram apreciados, conjuntamente, na generalidade, os Projetos de Lei n.os 1047/XIII/4.ª (PAN) — Altera o Código Penal, nomeadamente o crime de violação, adaptando a legislação à Convenção de Istambul ratificada por Portugal e 1058/XIII/4.ª (BE) — Procede à alteração dos crimes de violação e coação sexual no Código Penal, em respeito pela Convenção de Istambul (47.ª alteração ao Código Penal), tendo feito intervenções os Deputados André Silva (PAN), Sandra Cunha (BE), Sandra Pereira (PSD), António Filipe (PCP), Isabel Alves Moreira (PS) e Vânia Dias da Silva (CDS-PP).

Deu-se conta da entrada na Mesa do Projeto de Resolução n.º 1931/XIII/4.ª.

O Presidente (José Manuel Pureza) encerrou a sessão eram 18 horas e 23 minutos.

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O Sr. Presidente: — Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr.as Funcionárias e Srs.

Funcionários, Sr.as e Srs. Jornalistas, está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 4 minutos.

Peço aos Srs. Agentes da autoridade o favor de abrirem as portas das galerias ao público.

Vamos dar início à nossa reunião plenária, cujo primeiro ponto consta de um debate de atualidade, requerido

por Os Verdes, ao abrigo do artigo 72.º do Regimento, sobre a decisão do Governo de construção de um

aeroporto complementar no Montijo.

Tem a palavra, para abrir o debate, a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, de Os Verdes.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, Sr.as

Deputadas e Srs. Deputados, Sr. Ministro: Começo por salientar dois factos. O primeiro facto é que, em julho

passado, a APA, Agência Portuguesa do Ambiente, rejeitou o estudo de impacte ambiental apresentado para

construção do aeroporto do Montijo, e uma das principais razões avançadas para essa rejeição prendia-se com

a carência de estudo ainda relativamente à matéria da avifauna da Reserva Natural do Estuário do Tejo, não

apenas por razões de biodiversidade, que é uma componente importante, mas também por questões de

segurança relacionadas com colisão com aves.

Sr. Ministro, ocorre que, na passada terça-feira, o Governo assinou um acordo com a ANA-Aeroportos de

Portugal para construção do aeroporto complementar do Montijo. Ou seja, pese embora este historial que já

referi, o Governo veio formalizar a decisão da construção do aeroporto e — pasme-se! — sem estudo de impacte

ambiental e sem, obviamente, o consequente processo de avaliação de impacte ambiental.

Daqui decorrem vários problemas, que o Sr. Ministro reconhecerá se houver seriedade nesta questão, e o

primeiro deles é que a avaliação de impacte ambiental é um instrumento de política de ambiente que tem em

vista suportar a decisão a tomar. Veja bem, Sr. Ministro, que a avaliação de impacte ambiental é que suporta a

decisão, não é a decisão que condiciona a avaliação de impacte ambiental. O mesmo é dizer que a decisão tem

de ser tomada à medida da avaliação de impacte ambiental e não é a avaliação de impacte ambiental que

decorre à medida da decisão já tomada.

Portanto, o Governo inverteu o processo todo. Ou seja, o Governo está descaradamente e grosseiramente a

violar os objetivos de uma avaliação de impacte ambiental. O Governo está, obviamente, a fazer de um processo

de avaliação de impacte ambiental uma autêntica farsa, e isso é, Sr. Ministro, absolutamente inadmissível!

Outros problemas decorrem daqui. O Sr. Ministro, perante este abuso notório por parte do Governo, veio

procurar sossegar as pessoas, dizendo que não se preocupassem porque a obra — a obra, atenção! — não se

iniciaria sem estudo de impacte ambiental e que ele apareceria um dia destes, no primeiro trimestre do ano.

Olhe, Sr. Ministro, o estudo de impacte ambiental não é condição para o início da obra. O estudo e a avaliação

de impacte ambiental é determinante, repito, para a tomada de decisão.

Depois de o Sr. Ministro, como se diz em linguagem popular, «meter o pé na poça», veio o Sr. Primeiro-

Ministro — é verdade, Sr. Ministro! — dizer que se o estudo de impacte ambiental não aprovar o projeto, não se

faz o aeroporto. Mas acrescentou que isso seria um gravíssimo problema. Ou seja, o Governo está, nitidamente,

a procurar condicionar aquele que será o resultado de uma avaliação de impacte ambiental, que culminará,

como todos sabemos, com uma declaração de impacte ambiental por parte da autoridade que é a APA, e o

Governo está a procurar condicionar esta estrutura, que depende do Ministério do Ambiente, no sentido de ser

favorável à decisão que o Governo previamente tomou. E repetimos que isto é inadmissível, Sr. Ministro!

Por outro lado, tal como a associação ambientalista ZERO tem vindo a defender uma matéria relativamente

à qual Os Verdes se têm associado — e já aqui, no Plenário da Assembleia da República, tivemos oportunidade

de o dizer —, um projeto desta natureza e com esta dimensão deve ser sujeito não apenas a uma avaliação de

impacte ambiental, mas a uma avaliação ambiental estratégica e, para isso, basta suportarmo-nos naquilo que

a lei diz. E, Sr. Ministro, a lei não é para cumprir apenas quando apetece, é para cumprir, de facto, e

rigorosamente, naquilo que ela contempla.

E a verdade é que as decisões sobre localização de grandes empreendimentos com incidência territorial, que

me parece claramente ser o caso de um novo aeroporto, é considerado, nos termos da lei, um programa setorial.

Ora, os programas e os planos com esta incidência e com o impacte ambiental real que nos parece, obviamente,

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ser o caso, são sujeitos à avaliação ambiental estratégica nos termos da lei. A pergunta que se impõe fazer é,

pois, por que razão o Governo está a bater o pé na recusa em fazer uma avaliação ambiental estratégica.

Sr. Ministro, um projeto com esta dimensão, com esta natureza e com o impacto que necessariamente tem,

deve ser estudado de forma integrada, e, por outro lado, têm de ser estudadas várias localizações à mesma

dimensão de estudo.

Olhe, Sr. Ministro, com tudo isto que referi e com tudo aquilo que está à vista de todos os portugueses, impõe-

se dizer — e com isto concluo — que as questões ambientais e de qualidade de vida têm de ganhar uma outra

dimensão nas decisões políticas e este Governo, nesta matéria, está a revelar-se exatamente igual a outros

governos que o antecederam. Ou seja, o que o Governo está a fazer é nitidamente a ceder aos interesses

económicos da concessionária e a deixar para trás aquele que é o interesse público e que se suporta nas

matérias da qualidade ambiental e da qualidade de vida das populações.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, a partir deste momento, a sua intervenção começa a descontar no tempo

de debate de Os Verdes.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Vou já terminar, Sr. Presidente.

Sr. Ministro, deixo-lhe um conjunto de questões que merecem respostas. Julgamos que o Sr. Ministro tem a

oportunidade para dar aqui essas respostas e para, designadamente, inverter esta insistência do Governo

relativamente à subversão de todo o processo. É justamente esse o objetivo do debate que Os Verdes hoje

marcaram.

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

O Sr. Presidente: — Em nome do Governo, tem a palavra o Sr. Ministro do Planeamento e das

Infraestruturas, Pedro Marques.

O Sr. Ministro do Planeamento e das Infraestruturas (Pedro Marques): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas

e Srs. Deputados: Todos, nesta Assembleia da República, e certamente a generalidade dos portugueses, sabem

bem que o Aeroporto Humberto Delgado não tem atualmente capacidade para acomodar o crescimento da

procura.

Desde que chegámos ao Governo que começámos a trabalhar numa solução para recuperar o atraso, que

leva já muitas décadas, relativamente a um assunto que começou a ser estudado há 50 anos.

Realizámos os necessários estudos que permitiram concluir que a construção do aeroporto complementar

do Montijo e a expansão do Aeroporto Humberto Delgado é a solução que responde de forma rápida, mas ao

mesmo tempo com a longevidade necessária por várias décadas, às necessidades de procura aeroportuária da

região de Lisboa.

O memorando de entendimento com a ANA-Aeroportos permitiu antecipar o processo de decisão e de

execução em cinco anos relativamente ao que tinha sido negociado pelo anterior Governo aquando da

privatização da ANA.

Com o recente acordo, não asseguramos apenas a construção do aeroporto complementar do Montijo, como

viabilizamos o início, ainda neste ano, de obras no Aeroporto Humberto Delgado, obras essas que aumentarão

a sua capacidade já em 2020, permitindo que o número de passageiros continue a crescer de forma sustentada.

Com este acordo, asseguramos a duplicação da capacidade aeroportuária da região de Lisboa numa solução

que responde às necessidades da procura das próximas décadas e asseguramos que o investimento é

integralmente financiado pelas taxas aeroportuárias que, ainda assim, evoluirão de forma mais competitiva do

que nos anos anteriores.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Alguma vez não foi?!

O Sr. Ministro do Planeamento e das Infraestruturas — É uma solução que será implementada

rapidamente, em três a quatro anos, e não em mais de 10 anos, como aconteceria no caso de um aeroporto

construído de raiz.

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Não obstante, o Estado assegurou que a concessão não é prolongada nem diminui a partilha de receitas

com o erário público, mas asseguramos também que não será devida qualquer indemnização à concessionária

resultante deste acordo ou das habituais condicionantes ambientais que, obviamente, terão de ser integralmente

cumpridas, caso contrário nem sequer haverá qualquer aeroporto.

Nesta matéria a realidade é cristalina, como venho afirmando há vários dias. Todos os requisitos legais —

repito, todos os requisitos legais — estão a ser e serão cumpridos em matéria ambiental, em matéria de

segurança ou em qualquer outra matéria. De outro modo nem sequer haverá qualquer construção aeroportuária.

Não nos estamos a precipitar nem a incumprir quaisquer normas ou requisitos ambientais, estamos a fazer

o que pode ser feito desde já até à aprovação, que esperamos, da declaração de impacte ambiental, pois é da

maior simplicidade, da maior evidência que, em qualquer construção, há sempre muito trabalho a realizar,

mesmo antes de as obras irem para o terreno.

Com esta decisão, estamos a poupar meses que o País não pode perder, tempo necessário para avançar

investimentos no Aeroporto Humberto Delgado, cuja capacidade, em 2019, crescerá por via das slots ainda

disponíveis e da capacidade das próprias aeronaves, mas que, sem obras a curto prazo, não teremos

crescimento de capacidade do turismo por via do tráfego aéreo logo a partir do ano de 2020. É também essa a

razão da urgência.

Ganhamos tampo também para realizar estudos, projetos de engenharia e tratar das necessárias

autorizações ambientais de segurança e outras para avançar com as obras, sempre no cumprimento da

legislação existente.

Este é, portanto, um bom acordo para o Estado e para os portugueses, que permitirá trazer desenvolvimento

à península de Setúbal, onde serão criados mais de 10 000 postos de trabalho por via da implementação desta

infraestrutura, mas que trará mais desenvolvimento à região de Lisboa e mais desenvolvimento ao País.

Aplausos do PS.

É, por isso, tempo de parar de hesitar, é tempo de avançar. É isso que esperam de nós os portugueses e as

portuguesas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Inscreveram-se quatro Srs. Deputados para pedidos de esclarecimento: a Sr.ª Deputada

Joana Mortágua, do Bloco de Esquerda, o Sr. Deputado Hélder Amaral, do CDS-PP, a Sr.ª Deputada Heloísa

Apolónia, de Os Verdes, e o Sr. Deputado André Silva, do PAN.

Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Joana Mortágua.

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, o Governo

fechou um acordo para um remendo na estratégia aeroportuária que só defende os interesses de uma empresa

francesa, a Vinci, e para proteger esse negócio o Governo está disposto a atropelar o estudo de impacte

ambiental e a fazer chantagem sobre a Agência Portuguesa do Ambiente.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — É isto que significa o acordo sobre a Portela mais Montijo!

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Exatamente!

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — É um negócio à medida da Vinci. Porquê? Porque é a escolha mais barata

que protege a Vinci perante as obrigações do contrato de concessão da ANA. É o único negócio que sustenta o

interesse da Vinci de gastar muito pouco para lucrar muito e é o negócio que permite à Vinci ganhar em dois

carrinhos: no novo aeroporto, onde gasta pouco para lucrar muito, e na Lusoponte, onde é acionista maioritária

e passa a ganhar com a travessia rodoviária na Ponte Vasco da Gama.

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O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — O Governo apresenta este negócio como inevitável, mas ele só é

apresentado como inevitável porque a Portela está no limite. Ora, a Portela não ficou no limite hoje, a Portela já

estava no limite no início deste Governo e, ainda assim, o Governo empurrou com a barriga até que a única

solução fosse a solução inevitável pelo atraso do Governo…

O Sr. António Costa Silva (PSD): — É verdade!

Protestos do PS.

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — … e que a solução inevitável fosse aquela que interessava à Vinci, aquela

que a Vinci queria.

E esta é a escolha inevitável para o Governo, porque o Governo diaboliza o investimento público: quer um

aeroporto sem pagar por ele e, por querer um aeroporto sem pagar por ele, põe a população refém dos

interesses de uma empresa privada, pondo o interesse estratégico do País refém de uma empresa privada

francesa, a Vinci. Este é o negócio do bloco central. A direita privatizou a ANA para dar origem a este negócio!

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Bem lembrado!

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — O Partido Socialista deu-lhes chancela e, desde o início, não foi para

proteger a população da margem sul, nem para investir na margem sul, porque do Metro Sul do Tejo, da terceira

travessia, uma travessia ferroviária com uma ponte Barreiro-Seixal nem visto! Só contou o lucro da Vasco da

Gama para a Vinci e para a Mota-Engil. Para os portugueses o aeroporto low cost pode sair muito high cost para

a Vinci.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Hélder Amaral, do Grupo

Parlamentar do CDS-PP.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro do Planeamento e das Infraestruturas, sobre

esta matéria não ouvirá da parte do CDS nem demagogia, nem qualquer condicionalismo ideológico sobre os

investimentos do Estado.

Protestos do BE.

Dito isto, vou reafirmar aquilo que o CDS sempre disse: proteger o hub de Lisboa, o Aeroporto de Lisboa.

Esta solução Humberto Delgado+1 protege a importância do aeroporto de Lisboa na ligação da Europa com a

América do Norte e com a América do Sul.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem! Bem lembrado!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Aumenta essa capacidade e transforma Lisboa num ponto central, naquilo

que são as alterações da aviação civil e comercial.

Este acordo, que não conheço, mas que já solicitámos ao Governo que nos envie, aumenta até a capacidade

do aeroporto de Lisboa: mais 40 balcões, mais 22 posições de estacionamento, mais taxiways e mais 50 postos

de check in.

Se o aeroporto de Lisboa não funciona já hoje melhor é porque este Governo foi incompetente para resolver

o problema do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras), que atrasa a saída dos passageiros.

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Bem lembrado!

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O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Portanto, é o Governo que tem culpa de termos o Aeroporto Humberto

Delgado a funcionar pior do que aquilo que devia, mas vai funcionar melhor especialmente com o encerramento

da pista 17/35.

Falta, de facto, fazer qualquer coisa, e um Governo que olha e governa a sério não pode ignorar o estudo de

impacte ambiental, que, na nossa opinião, deveria ser um estudo de impacte ambiental estratégico para que

todos soubessem o que levou a escolher o Montijo e porque não outras alternativas. Isto porque tem em conta

o acordo feito quando da concessão dos aeroportos, e, para quem critica, este modelo vem confirmar a

razoabilidade da concessão feita pelo Governo anterior, mas o estudo é necessário. Ainda me lembro de um

ministro que dizia «podemos não ter um braço, vivemos; podemos não ter uma perna, vivemos; mas não ter um

estudo de impacte ambiental é mortal»! Isto dizia o «ministro jamais»! Já ele o dizia, e continua assim.

O estudo de impacte ambiental é necessário, e não é o estudo do impacte ambiental do impacto das aves

nos aviões, é também dos aviões no sistema ecológico e nas aves. Diz o Governo que se o estudo de impacte

ambiental não for favorável, o aeroporto não se fará. Mas diz o bom senso que se deveria ter feito o estudo de

impacte ambiental antes e só depois tomar a decisão.

Mas, ainda assim, o acordo — que eu não conheço, e esperamos que o Governo o remeta à Assembleia e

aos grupos parlamentares — diz que vão ser feitos investimentos, e o Sr. Ministro confirmou-o agora aqui. Então,

pergunto: os investimentos no Aeroporto Humberto Delgado far-se-ão na mesma, mesmo que o estudo de

impacte ambiental inviabilize o Montijo? Esses investimentos são feitos com que modelo? O modelo do aumento

de taxas? O nosso modelo tinha a ver com o aumento da frequência de passageiros no aeroporto e parece que

agora o modelo é o do investimento feito. Como vai haver mais investimento, qual é a garantia que há de que o

aumento das taxas não prejudicarão o hub de Lisboa?

O que é que falta o Governo fazer? O Governo diz aquilo que combinou com a concessionária. Mas e aquilo

que compete ao Governo fazer? Para quando o novo sistema de navegação de competência da NAV

(Navegação Aérea de Portugal)? E a nova ligação à Ponte Vasco da Gama? E o terminal do Seixalinho ou outro

terminal no Cais do Sodré? E quanto ao aumento do número de barcos? Nunca sentimos como agora esta

carência de barcos. Há dias, o Sr. Ministro dizia que iria haver um shuttle na Ponte Vasco da Gama. Sr. Ministro,

aproveite para explicar o que é essa coisa do shuttle na Ponte Vasco da Gama, porque fiquei sem saber.

Sobre aquilo que compete ao Governo fazer, nós sabemos «bola»! Sobre aquilo que é investimento que o

contribuinte vai ter de pagar, nós não sabemos nada! Se o Governo quiser ser sério, se tiver respeito pelos

contribuintes portugueses e pela governação e não ser uma comissão eleitoral, como parece ser aquilo em que

o Governo se transformou na última semana, o Sr. Ministro vai ter de nos informar sobre isso.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — O Sr. Ministro terá de responder a essas questões para que o CDS possa

colaborar e dar consenso a um investimento que nos parece ser racional, porque aquilo que não sabemos é

muito superior àquilo que sabemos.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia,

de Os Verdes.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Ministro do Planeamento e das Infraestruturas,

chamámos o Sr. Ministro ao Parlamento para podermos fazer um debate com seriedade e o Sr. Ministro passou

ao lado de todas as questões essenciais que levantei na minha primeira intervenção.

O Sr. Ministro do Planeamento e das Infraestruturas: — Não é verdade!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Passou, sim, e passou propositadamente, porque o Sr. Ministro

não tem resposta para aquilo em que o Governo está a falhar.

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O Governo está a fazer de um processo de avaliação de impacte ambiental uma autêntica farsa, e isso é

inadmissível, Sr. Ministro, mas o Governo nem disfarça, porque o Sr. Ministro vem aqui dizer, com todas as

letrinhas, que a decisão está tomada e que estão, a partir de agora, depois do acordo, a dar todos os passos

para que isto se faça rapidamente.

O estudo de impacte ambiental será apenas um proforma e o Sr. Ministro, que já sabe, que já adivinha que

a conclusão vai ser «favorável/condicionado», aquilo para onde quer olhar é, única e exclusivamente, para as

medidas minimizadoras, para depois dizer que tudo foi cumprido. Ocorre que a avaliação de impacte ambiental

é o suporte de uma decisão e, portanto, dizer que decidiu sem a avaliação de impacte ambiental estar feita é

muitíssimo grave. O Sr. Ministro vem dizer isso, com todas as letrinhas. Ora, Portugal deve levantar-se e dizer

«não, não pode ser, Sr. Ministro»! E nós aqui também o dizemos com todas as letrinhas. O Governo tem de se

orientar relativamente a esta matéria, não pode subverter a lógica de uma avaliação de impacte ambiental desta

forma.

Sr. Ministro, porque é que o Governo toma a decisão sem o estudo de impacte ambiental e uma avaliação

de impacte ambiental? Veja se tem coragem de me responder diretamente a esta matéria.

O Sr. Ministro do Planeamento e das Infraestruturas: — Já respondi!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Não respondeu, desculpe.

Mais: porque é que o Governo não faz uma avaliação ambiental estratégica? Onde é que estão, afinal, os

estudos feitos à mesma dimensão para localizações alternativas para que se possa perceber qual é, de facto, a

melhor solução? Não há, Sr. Ministro! Responda diretamente a estas matérias, se faz favor.

Aplausos de Os Verdes e do Deputado do PCP Bruno Dias.

O Sr. Presidente: — Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado André Silva, do PAN.

O Sr. André Silva (PAN): — Sr. Presidente, Sr. Ministro Pedro Marques, disse que, depois de 50 anos de

discussões e de várias localizações estudadas e abandonadas, é tempo de decidir e que já não há margem para

outra solução que não a de um aeroporto complementar no Montijo.

É muito estranho, no entanto, que um Estado que discute o tema há 50 anos e um Governo moderado, que

procura as melhores soluções para o País, recuse esperar alguns meses pelos relatórios das avaliações de

impacte ambiental.

Se o Governo afirma que, caso a avaliação de impacte ambiental seja desfavorável, o aeroporto do Montijo

não avança, então qual é o objetivo da assinatura deste contrato?

Sr. Ministro, gostava de lhe deixar a seguinte questão: tem informação privilegiada sobre o resultado dessa

avaliação, sabendo já que vai ser favorável? Ou a assinatura deste contrato constitui uma forma de pressionar

e condicionar a APA?

O Sr. Presidente: — Para responder às questões que lhe foram colocadas, tem a palavra o Sr. Ministro do

Planeamento e das Infraestruturas.

O Sr. Ministro do Planeamento e das Infraestruturas: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Joana Mortágua,

esta solução não é um remendo.

Vozes do PSD: — É, é!

O Sr. Ministro do Planeamento e das Infraestruturas: — Os qualificativos são apenas próprios desta

retórica parlamentar. Mas, repito, esta solução não é um remendo.

Sr.ª Deputada, esta solução é duradoura e duplica a capacidade da região aeroportuária de Lisboa para mais

de 50 milhões de passageiros. E também não é nenhum «apeadeirozinho» — já antecipo as críticas do PCP

sobre a matéria,…

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Risos do Deputado do PCP Bruno Dias.

…porque estamos a falar do aeroporto complementar do Montijo, que vai ter uma capacidade equivalente ao

segundo maior aeroporto do País, que é o Aeroporto Sá Carneiro.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Que aviões é que cabem lá?

O Sr. Ministro do Planeamento e das Infraestruturas: — Portanto, está, certamente, muito longe de ser

qualquer tipo de remendo. É uma solução duradoura e sustentável!

Este debate radica na ideia de que o Governo não vai cumprir a legislação ambiental. Ora, o Governo, o Sr.

Primeiro-Ministro e eu próprio já dissemos que cumpriremos integralmente a legislação ambiental.

Mais: nenhum aeroporto começará a ser construído sem a emissão de uma declaração de impacte ambiental.

Porque é que tomámos a decisão de avançar com o acordo agora? Porque temos de fazer obras no Aeroporto

Humberto Delgado, que precisam de ser financiadas e para isso o modelo de financiamento tem de ser

estabilizado, e, sim, com base nas taxas aeroportuárias e não com base na receita do Orçamento do Estado.

Para aqueles que dizem que estamos a fazer uma negociata com a ANA, quero recordar que, com este

acordo, triplicamos o ritmo médio de investimento do Aeroporto Humberto Delgado em relação ao investimento

desde a privatização, e a evolução das taxas será metade daquilo que aconteceu desde a privatização.

Portanto, é bom que se fixem os termos deste debate: é preciso avançar já com obras no Aeroporto Humberto

Delgado, senão em 2020 não temos, efetivamente, acréscimo de capacidade.

Protestos dos Deputados do BE Heitor de Sousa e de Os Verdes José Luís Ferreira.

O que estamos a fazer é garantir que continua a crescer a capacidade do turismo, do transporte aéreo até

poder ser implementada uma solução complementar na região de Lisboa.

O Sr. Presidente: — Sr. Ministro, queira terminar.

O Sr. Ministro do Planeamento e das Infraestruturas: — Estas obras são para fazer, são para aumentar

a capacidade da economia do País e para criar emprego em Portugal, mas sempre cumprindo integralmente as

regras legais e regulamentares em matérias ambientais e de segurança.

Essa é a garantia que o Governo dá ao País!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias, do Grupo Parlamentar

do PCP.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados:

O responsável máximo pela rede de aeroportos nacionais no nosso País, o Sr. Thierry Ligonnière, que é o

funcionário do Grupo Vinci, que foi encarregado de administrar a ANA-Aeroportos, foi ouvido em comissão

parlamentar no passado dia 26 de setembro. Confrontado pelo PCP sobre a questão central de se submeter a

estas opções estratégicas para a rede de aeroportos nacionais com uma coisa elementar que é a avaliação

ambiental estratégica, respondeu da seguinte forma: «Não se vai realizar a avaliação ambiental estratégica,

porque ela implica a avaliação de alternativas com outras soluções».

A opinião do Estado concedente, e que é também a nossa — coincidências! —, é que as outras soluções

não são soluções, não encaixam no modelo económico que foi negociado.

Vozes do PCP: — Ah!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Manda quem pode!

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O Sr. Bruno Dias (PCP): — Como diz aqui o meu camarada, manda quem pode!

O Sr. Ministro veio dizer que é tempo de avançar, e com essa exclamação concluiu o seu discurso. Depois

foi dizendo «consoante forem as decisões ao nível ambiental».

A pergunta que nós fazemos é a seguinte: para quem se dirige a sua exclamação de que é tempo de avançar?

É para a Agência Portuguesa do Ambiente que está a dizer isso? Seguramente não será!

Entretanto, assume compromissos, faz negociações e apresenta-se ao País ao lado do Grupo Vinci para

depois dizer que não é um contrato, é apenas um acordo. Isso é uma espécie de aplicação financeira, económica

e contratual daquela teoria do «fumei mas não inalei».

Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, aquilo que se coloca hoje em dia é o quadro gravoso com que o

País está confrontado devido à privatização da ANA-Aeroportos, que foi defendida pelo PS e concretizada pelo

PSD e CDS quando foram Governo.

Foi por estas e por outras, Srs. Deputados do PS, que nós votámos contra o PEC 4. Foi por estas e por

outras que nós lutámos contra o pacto de agressão da troica. E foi por estas e por outras que alertámos para as

consequências e implicações de uma criminosa privatização da ANA-Aeroportos.

A questão que se coloca hoje é a de um Governo que se conforma e que responde aos ditames de um grupo

multinacional, perante as suas estratégias e agendas.

E é por isso, Sr. Ministro e Srs. Deputados do PS, que é fundamental colocar em cima da mesa as implicações

e consequências desta decisão que foi anunciada nesta semana pelo Governo.

É por isso que se coloca a questão central de nós rejeitarmos esta opção, que é uma opção a prazo.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (Pedro Nuno Santos): — São todas a prazo!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — O Sr. Ministro não aceita a ideia do apeadeiro, mas eu pergunto-lhe

concretamente o seguinte: que aviões é que cabem nesse grande aeroporto que os senhores anunciaram para

o Montijo?

O transporte de longo curso não vai funcionar ali. Aquilo de que nós precisamos para o País, não só para

esta região, mas para o País e para a aviação civil portuguesa é de um investimento faseado com perspetiva de

longo prazo e de desenvolvimento sem os impactos que esta obra implica para a população, não só do Lavradio,

da Baixa da Banheira, não só dos concelhos do Montijo, do Barreiro, da Moita, da Área Metropolitana de Lisboa.

Ora, continuarmos a ser não só uma área metropolitana que mantém um grande aeroporto praticamente no

centro da cidade, mas que acrescenta outro no centro de uma área metropolitana, é uma opção verdadeiramente

lamentável, porque é uma subserviência aos interesses de uma multinacional.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, pelo Grupo Parlamentar do PSD, o Sr. Deputado Emídio Guerreiro.

O Sr. EmídioGuerreiro (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Três

anos perdidos. Hoje, encontramo-nos numa situação que pouco ou nada difere daquela que o Governo

encontrou em 2015.

Desde 2013, data do acordo de concessão, que foram feitos estudos no sentido de se perceber onde seria

construído o aeroporto complementar. Os estudos feitos pelo LNEC (Laboratório Nacional de Engenharia Civil)

e pela UTAP (Unidade Técnica de Acompanhamento de Projetos), que funciona junto do Ministério das

Finanças, e publicados no site do então INAC (Instituto Nacional de Aviação Civil) e agora ANAC (Autoridade

Nacional de Aviação Civil), indicavam claramente que a melhor solução seria o Montijo.

Mais: o Sr. Ministro sabe que chegaram a circular memorandos entre o Governo de então e as câmaras

municipais para se finalizar o processo antes do período eleitoral, o que não foi possível porque o Partido

Socialista, que na altura estava na oposição, assim não o quis.

Este era o estado da arte em 2015. Qual é o estado da arte em janeiro de 2019? Em pouco ou nada difere

do de 2015, porque continua a faltar uma coisa que já faltava nessa altura, que é um estudo de impacte

ambiental. E nós perguntamos: Então, não houve tempo, ao longo destes mais de três anos, para proceder a

esse estudo? É que, entretanto, no meio deste período de tempo, o Sr. Ministro, em fevereiro de 2017, fez uma

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coisa muito parecida com a que fez nesta semana, que foi assinar um papel com a ANA, com a Vinci, para

antecipar o processo em cinco anos. Assim, com os cinco anos que foram antecipados esta semana e com os

cinco anos que foram antecipados em 2017, já estamos a antecipar em 10 anos!

Na mesma altura, em fevereiro de 2017, dizia o Sr. Primeiro-Ministro: «Sim, senhor, mas falta o estudo sobre

as migrações das aves, que ficará pronto até ao final deste ano, e depois avançaremos. Se tudo correr bem, as

obras arrancam já».

Ora, depois de tanto tempo perdido e de tanta expetativa criada, digo-lhe, Sr. Ministro, de forma muito sincera,

que julguei que os senhores, finalmente, já tivessem tomado uma decisão, mas não.

O acordo celebrado entre o Governo e a ANA foi publicado no site do Governo e, no quarto parágrafo, pode

ler-se o seguinte: «As partes reiteram o seu compromisso de finalizar o processo de negociação tão cedo quanto

possível, desejavelmente até 30 dias úteis após a emissão da declaração de impacte ambiental relativa ao novo

aeroporto do Montijo».

Sr. Ministro, convenhamos, foram precisos três anos para produzir vídeos 3D muito bonitos com o novo

aeroporto e ele, afinal, está exatamente no mesmo ponto!

Lendo o quarto parágrafo daquele acordo, verificamos que mais não é do que uma peça de propaganda, que

é aquilo que os senhores têm vindo a fazer ao longo dos últimos dias.

Vozes do PSD: — É verdade!

O Sr. EmídioGuerreiro (PSD): — Infelizmente, foram três anos perdidos e ficamos na dúvida de quanto

mais tempo perdido haverá.

Porque é que ao longo deste período de tempo não se acelerou e não se concretizou o estudo que faz falta?

O que é que impediu isso? Por que razão é que não conhecemos mais detalhes? E não basta vir aqui falar das

taxas, porque o princípio do utilizador-pagador está instituído desde o acordo de concessão. Esse princípio

estava estabelecido no acordo de 2013 e iria permitir exatamente o pagamento do novo aeroporto, portanto o

senhor não traz novidade nenhuma. Já estava previsto, desde essa altura, que não ia ser usado dinheiro do

Orçamento do Estado.

O Sr. Ministro não traz novidade nenhuma! A única novidade é a de que o tempo passa, passa e passa e, de

dois em dois anos, o Sr. Ministro aparece à frente das câmaras de televisão, ao lado de um dos senhores, a

assinar um papel e a dizer «agora é que vai ser».

Sinceramente, julgava que chegaríamos a janeiro de 2019 não apenas e só com um vídeo mas com o fecho

deste processo. Como o senhor diz, e bem, era muito importante resolver isto, era muito importante que isto se

transformasse em realidade, porque o País precisa de um aeroporto complementar.

O Sr. BrunoDias (PCP): — Este é o vosso projeto, diga-se de passagem!

O Sr. EmídioGuerreiro (PSD): — E está atrasado!

Era muito importante que este projeto se concretizasse a bem do País e que não ficássemos apenas e só

por um vídeo muito bonito e simpático publicado a poucos meses das eleições europeias e das eleições

legislativas.

Os senhores pretenderam dizer aos portugueses que já tinham resolvido o assunto e que já está tudo tratado.

Afinal, não está nada tratado.

Este caso não é como o de Jorge Gonçalves, em que faltou o «papel»; aqui, faltou o estudo de impacte

ambiental para viabilizar tudo isso, e os senhores andam a atrasá-lo há mais de três anos sem explicação

nenhuma.

Aplausos do PSD.

O Sr. BrunoDias (PCP): — Esta opção desastrosa foi a vossa opção desastrosa!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Pereira.

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O Sr. CarlosPereira (PS): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: O diagnóstico das

necessidades de uma nova solução aeroportuária está feito há muito tempo e o debate também, o qual tem sido

longo e nem sempre com a orientação certeira e com a firmeza necessária.

Já foram debatidas 17 localizações, com conclusões naturalmente favoráveis e desfavoráveis a qualquer

uma dessas soluções, mas nisto tudo tem faltado sempre a decisão de avançar. Pelo meio, perdeu-se uma

soberana oportunidade: no contexto de privatização da ANA, em 2012, não houve capacidade ou vontade, ou

ambas, para incluir neste processo a solução de um novo aeroporto.

O resultado desta falha grave foi a existência de uma contrapartida de 3000 milhões de euros para o Estado,

em que nenhuma fatia foi associada às necessidades aeroportuárias do País.

Na verdade, este foi o momento em todo este processo, que já tem 50 anos, em que existiram as melhores

condições para desatar o nó relativo a uma decisão que foi sendo sempre adiada.

Por isso, neste debate e nesta altura, em que o Governo português decidiu, é bom lembrar os custos da não

decisão, os custos das hesitações e das perdas de oportunidades que o País está a sofrer.

Protestos da Deputada de Os Verdes Heloísa Apolónia.

Lembro alguns prejuízos mais óbvios, como a redução da nossa competitividade, os danos de reputação e

a perda de quase dois milhões de passageiros por ano.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, o memorando assinado pelo Governo e pela ANA é o sinal

que faltava da vontade do Governo em desatar este imbróglio, em apresentar um caminho e concentrar esforços

na sua concretização.

A solução do aeroporto complementar do Montijo não é nova e até foi definida e aprovada pelo anterior

Governo. Por outro lado, já nesta Legislatura, foram identificadas várias vantagens que, naturalmente, têm em

consideração a situação de emergência desta infraestrutura para o País, designadamente: o novo aeroporto no

Montijo tem um custo reduzido; é uma obra de execução rápida; e poderá entrar em funcionamento em 2022.

Além disso, a existência de um aeroporto no Montijo, embora para fins militares, dá sinais de uma potencial

simplificação das questões da segurança e da proteção ambiental.

Aos técnicos o que é dos técnicos — e será deles a responsabilidade de elaboração de um estudo de impacte

ambiental — e à política o que é da política. E o Grupo Parlamentar do Partido Socialista não se demite da sua

responsabilidade, que assume com coragem e determinação, o que tem faltado nos últimos anos em relação a

esta matéria. Sabemos que um chumbo na solução Montijo é um revés para o País.

Aplausos do PS.

Reiteramos, porém, que as obras só avançam com um estudo de impacte ambiental obviamente compatível.

Mas há mais vantagens, e muito relevantes, para compreender a tomada de decisão da assinatura do

memorando pelo Governo.

Mais de metade dos meios financeiros que estão previstos são para obras de expansão do Aeroporto

Humberto Delgado. Todos os partidos conhecem as dificuldades que se verificam nesta infraestrutura. Avançar

já com as obras é o objetivo do Governo e sem este acordo não seria sequer possível.

Portanto, seria útil não ignorar esta componente do acordo técnico-financeiro, porque ela encerra o

cumprimento das necessidades fundamentais para o País reclamadas por todos.

Sejamos, por isso, realistas: sem este memorando, continuaríamos à espera como sempre estivemos e não

emergiriam os sinais fundamentais de esperança em todos aqueles que hoje usam e dependem do Aeroporto

Humberto Delgado.

Srs. Deputados, há milhões de pessoas que vêm de todo o mundo e que valem milhões para o PIB português.

Estou certo que nenhum dos Srs. Deputados gostaria de assumir o ónus de ser responsável por estas perdas.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, tem a palavra o

Sr. Deputado Heitor de Sousa.

O Sr. HeitordeSousa (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: O Sr. Ministro, na sua

intervenção inicial, afirmou que a decisão está tomada e o Sr. Primeiro-Ministro, na terça-feira, dia em que

assinou o memorando de entendimento com a Vinci, disse o mesmo. No entanto, na quarta-feira, já veio dizer

que o aeroporto do Montijo não se fará se o estudo ambiental não o permitir.

Portanto, Sr. Ministro, o Governo tem um discurso errático: umas vezes, diz que a decisão está tomada;

outras vezes, diz que a decisão não está tomada porque se está à espera do estudo de impacte ambiental.

Sr. Ministro, de duas, uma: ou o Governo não sabe o que é um estudo de impacte ambiental ou, então, pior

ainda, está a fazer de conta que não sabe.

Quando for apresentado o relatório do estudo de impacte ambiental — o primeiro foi, aliás, recusado pela

Agência Portuguesa do Ambiente por não estarem suficientemente tratadas questões ambientais —, que parece

que vai sair em março, haverá um período obrigatório de consulta pública, Sr. Ministro. E essa consulta pública

demora, pelo menos, 90 dias, tendo qualquer cidadão, qualquer organização, qualquer instituição ou qualquer

associação o direito de contestar a solução plasmada nesse relatório.

O Sr. JoséManuelPureza (BE): — Exatamente!

O Sr. HeitordeSousa (BE): — Depois disso, a entidade responsável pela organização e elaboração do

relatório tem de responder, contrariar e contrapor os argumentos mencionados na consulta pública para que a

declaração de impacte ambiental fique finalmente em condições de ser emitida.

Portanto, Sr. Ministro, a decisão não pode estar tomada porque não se conhece o relatório que está em

elaboração — o primeiro relatório foi rejeitado — e cuja apresentação está anunciada para março. Não conhece!

Se assim não for, este é um debate falseado. Porque é que estamos a debater a solução que o Governo

anunciou? Não serve de nada.

Se o Sr. Ministro é a favor da transparência e do primado da discussão e da democracia, essa decisão tem

de passar, necessariamente, pela Assembleia da República e não pode ser o Governo, invocando seja o que

for, a substituir-se a esse debate.

Sr. Ministro, não sei se essa urgência tem a ver com o facto de haver um conjunto de aspetos pouco claros

ligados à solução que foi apresentada para o Montijo. Por exemplo, não conheço nenhum aeroporto europeu

que não tenha um acesso multimodal, isto é, que não tenha um acesso apenas rodoviário, que é o que o Sr.

Ministro está a defender para esta solução do Montijo.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe que termine, Sr. Deputado.

O Sr. HeitordeSousa (BE): — A solução do acesso ferroviário, que é a única solução ambientalmente limpa

e que a União Europeia privilegia do ponto de vista das estratégias da política de mobilidade para a Europa,

está completamente ausente desta proposta, e isso, para nós, é absolutamente inaceitável.

Discutir o estudo de impacte ambiental é também discutir essas escolhas erradas que o Governo está a

protagonizar.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães, do Grupo

Parlamentar do CDS-PP.

O Sr. NunoMagalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: No dia

seguinte ao anúncio de uma obra estruturante, como aquele que o Sr. Ministro fez, esperávamos que hoje o

Parlamento pudesse, finalmente, ficar a conhecer — e que o senhor pudesse esclarecer — matérias tão

fundamentais como a de saber como é que vai ser feito o acesso entre o Montijo e a Ponte Vasco da Gama,

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como é que vão ser reforçadas as ligações fluviais e ferroviárias. Neste momento, não existem barcos para a

procura atual, quanto mais para a procura previsível, caso esta obra vá para a frente. Nada sabemos sobre

estas ligações.

Como vai fazer com a requalificação do cais do Seixalinho e de outros locais? Também não sabemos.

Como é que vai implementar o novo sistema de navegação? Também não sabemos.

Mais do que isso, não sabemos como é que o Sr. Ministro pode anunciar, com pompa e circunstância, a

construção de um novo aeroporto, ou de um aeroporto complementar, ou de uma grande obra, condicionando-

a a um estudo que ainda não está feito. Portanto, vai ter de esperar por um estudo que poderá ser impeditivo

dessa obra, um estudo, aliás, que está a ser feito por um instituto do Estado do qual o Governo tem a tutela.

Por isso, Sr. Ministro, quando responder a estas questões e quando fornecer os documentos que o CDS

solicitou, iremos perceber claramente se este é, de facto, como dizia o Sr. Deputado Carlos Pereira, um sinal da

vontade de fazer ou se não é mais do que um sinal de que o Partido Socialista e este Governo já estão mais em

modo eleitoral do que em modo de fazer melhor pela população da península de Setúbal.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, pelo Grupo Parlamentar do PCP, o Sr. Deputado

Bruno Dias.

O Sr. BrunoDias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Creio que é

significativo que, para o PSD, principalmente, o problema não é a opção desastrosa que tomou, o problema é

não ter ficado bem claro que essa opção desastrosa do PSD está atrasada. Esse é que é o problema do PSD!

Esta é a vossa opção, Srs. Deputados, é a opção do bloco central de convergência entre aquilo que o anterior

Governo lançou e o que o atual Governo manteve.

Aquilo que pergunto, quando o Sr. Ministro refere que esta é uma obra para ser paga pelas taxas

aeroportuárias e com as receitas próprias da companhia, é o seguinte: qual foi a obra aeroportuária em que

assim não foi? Quem é que pagou a obra do Aeroporto Pedras Rubras? Quem é que pagou as sucessivas

ampliações e modernizações do aeroporto de Lisboa? Quem é que pagou a obra do aeroporto da Madeira? Foi

sempre aquilo que teve a ver com as receitas próprias e com os compromissos assumidos pela empresa. Aliás,

é significativo que nos últimos 10 anos de gestão pública da ANA – Aeroportos a média de investimento tenha

sido de 114 milhões de euros e depois da privatização passou para metade, ou seja, para 57 milhões de euros

de investimento por ano.

Quando falamos do que está hoje em causa em relação ao futuro, em que daqui a não muitos anos o País

voltará a estar confrontado com a necessidade de construir um novo aeroporto, só que, desta vez, sem as

receitas aeroportuárias que vão parar aos cofres do Grupo Vinci, nós reafirmamos que a opção que devia ser

assumida e concretizada foi a que foi estudada e que foi a conclusão do Laboratório Nacional de Engenharia

Civil e do Governo à data: a construção faseada de um novo aeroporto no atual Campo de Tiro de Alcochete.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Terminando, Sr. Presidente, o acompanhamento que faremos da decisão que o

Governo do PS anunciou, incluindo todos os desenvolvimentos e problemas que a opção Portela+Montijo

suscitarão, não prescinde da necessidade de persistir e intensificar a luta pela recuperação do controlo público

da ANA e pela recuperação deste fator de soberania e de desenvolvimento nacional.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, pelo Grupo Parlamentar do PS, tem a palavra o Sr. Deputado

Carlos Pereira.

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O Sr. Carlos Pereira (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Gostaria de fazer alguns comentários

à intervenção do Sr. Deputado Emídio Guerreiro, dizendo que nem com um grande exercício de boa vontade

somos hoje capazes de compreender as posições do PSD.

Durante a sua intervenção, o Sr. Deputado referiu que ainda falta o estudo de impacte ambiental, que falta

isto, que falta aquilo, mas a pergunta a que o Sr. Deputado não respondeu neste Plenário é a seguinte: o que é

que o PSD deixou para este Governo fazer? Deixou algum acordo técnico-financeiro para se poder avançar?

Deixou algum estudo de impacte ambiental para podermos avançar? Não deixou nada!

Aplausos do PS.

Sr. Deputado, não deixou nada! Aliás, é o habitual.

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Isso é falso!

O Sr. Carlos Pereira (PS): — Os senhores tiveram o desplante, no que respeita ao vosso plano nacional de

investimento, o chamado PETI (Plano Estratégico dos Transportes e Infraestruturas), de orçamentar 6000

milhões de euros e faltavam 1400 milhões de euros…

Protestos do PSD.

Portanto, isto não é por acaso, é o habitual! Os senhores apresentam, não há dinheiro para fazer, não há

organização, não há nada pronto para fazer!

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

Mas, mais: o Sr. Deputado falou em propaganda?! Em 2016, os senhores do PSD espalharam pelo Montijo,

e que ainda lá está, um papel que dizia «aeroporto do Montijo já!». Mas, nessa altura, nem havia estudo de

impacte ambiental, nem havia dinheiro, nem havia nada! Então, o que é isto? Isto não é propaganda?! Isto não

é atitude eleiçoeira?!

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

Este foi o vosso comportamento!

Mas têm razão: aeroporto do Montijo já! Mas teve de ser este Governo a decidir! Por muito que vos custe, foi

este Governo a decidir e foi este Governo a tratar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, pelo Grupo Parlamentar de Os Verdes, a Sr.ª

Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, a finalizar o debate, a primeira coisa que eu gostava

de dizer ao Sr. Ministro é que avaliar os impactes ambientais de um determinado projeto não é perder tempo, é

ganhar qualidade na decisão e naquilo que se vai oferecer ao País e às populações. Portanto, não é perder

tempo, ao contrário daquilo que o Governo vem dizer sobre esta matéria.

Mais: um projeto para um aeroporto no Montijo ou noutra localização que não está estudada, como não está

a do Montijo, deve ser sujeita a uma avaliação ambiental estratégica de diferentes localizações à mesma

dimensão para se poder comparar, se não estamos a fazer batota.

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E deixe-me dizer mais ainda: as obras anunciadas para o Aeroporto Humberto Delgado devem também ser

sujeitas a um estudo de impacte ambiental. Ou aí também é perder tempo? Sr. Ministro, andamos a brincar com

coisas sérias!

O Sr. Ministro do Planeamento e das Infraestruturas: — Não andamos, não!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Andamos sim, porque quando o Sr. Ministro vem aqui, a este

debate, onde tinha uma oportunidade para regularizar as coisas — foi uma oportunidade que lhe demos —, o

que o Sr. Ministro vem dizer é que a decisão está tomada e – disse mesmo isto – que «estas obras são para

fazer».

O Governo descredibilizou-se, Sr. Ministro!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Completamente!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Descredibilizou-se! O que o Governo veio afirmar, perentoriamente,

é que está a ceder, de forma clara, aos interesses económicos da concessionária e está a fazer de uma avaliação

de impacte ambiental, ou de uma avaliação dos impactes reais de uma determinada obra e de um determinado

projeto, um mero proforma. Aquilo, quando vier, virá, mas não vai interferir em nada!

Uma avaliação de impacte ambiental tem três componentes fundamentais: um estudo de impacte ambiental,

uma consulta pública e uma declaração de impacte ambiental. E os senhores estão, claramente, a querer

condicionar essa declaração de impacte ambiental, que será produzida pela APA, e isso é absolutamente

inadmissível.

Termino dizendo que aqueles que, neste País, levam as matérias ambientais e da qualidade de vida a sério,

devem erguer-se numa luta forte contra esta decisão do Governo.

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, chegámos ao fim deste ponto da ordem do dia.

Passamos à apreciação do Projeto de Resolução n.º 1692/XIII/3.ª (PSD) — Linha de financiamento para

instituições de ensino superior trabalharem em cooperação com o sistema de promoção e proteção de crianças

e jovens em risco.

Para abrir o debate, tem a palavra a Sr.ª Deputada Laura Magalhães, do Grupo Parlamentar do PSD.

A Sr.ª Laura Monteiro Magalhães (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos hoje o projeto

de resolução apresentado pelo PSD que visa criar uma linha de financiamento para as instituições do ensino

superior trabalharem em cooperação com o sistema de promoção e proteção de crianças e jovens em risco ou

perigo no desenvolvimento de estudos, na formação, na avaliação da qualidade e na monitorização e

implementação de programas específicos de ação.

O Sr. Pedro Pimpão (PSD): — Muito bem!

A Sr.ª Laura Monteiro Magalhães (PSD): — O paradigma de ação mudou e a realidade portuguesa carece

de respostas específicas que promovam competências parentais de melhoria e de reforço das relações

intrafamiliares.

É preciso desenvolver intervenções que proporcionem mais formação no contexto das práticas profissionais.

Há necessidade de desenvolver abordagens sistémicas, transformadoras e promotoras da capacitação

familiar, criando e desenvolvendo programas específicos de ação que respondam às necessidades

individualizadas das famílias e às multiproblemáticas que estão a emergir.

O Sr. Pedro Pimpão (PSD): — Muito bem!

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A Sr.ª Laura Monteiro Magalhães (PSD): — Os relatórios da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos

e Proteção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ), assim como os relatórios da Caraterização da Situação de

Acolhimento, os CASA, realçam a necessidade de dar especial atenção às abordagens técnico-educativas para

que estas respondam às necessidades particulares e individualizadas dos sujeitos envolvidos.

Estes relatórios manifestam, ainda, a importância de implementar dispositivos que valorizem a cooperação

entre os agentes sociais, onde a intervenção tem de estar mais direcionada para as práticas com as famílias.

É preciso capacitar e otimizar a práxis nas diversas valências sociais, incentivando e apoiando as práticas

mais adaptadas e voltadas para a interação com as famílias; é preciso rever a missão e a estrutura organizativa

das instituições face às atuais necessidades; é preciso operacionalizar a especialização das instituições de

acolhimento, que está contemplada na lei; é preciso diferenciar perfis de atuação; é preciso investir de forma

continuada na formação e na capacitação dos cuidadores, o que não tem merecido especial atenção; e, de uma

vez por todas, é preciso apoiar a implementação do acolhimento familiar.

Portugal tem uma boa lei, mas precisa de mais ação, de uma ação que responda às necessidades

individualizadas de cada família.

Não podemos permitir que continuemos refugiados na premissa de que não há meios. Se não há meios,

então vamos criar as condições para que eles possam existir.

O Sr. Pedro Pimpão (PSD): — Muito bem!

A Sr.ª Laura Monteiro Magalhães (PSD): — O desafio da mudança de paradigma necessita da cooperação

das diferentes entidades envolvidas e a ciência tem de estar de mãos dadas com todo o processo e tem de ser

a âncora do sistema de promoção e proteção.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Diana Ferreira, do Grupo

Parlamentar do PCP.

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Importa neste debate sobre este projeto de

resolução do PSD que este partido clarifique o que pretende, efetivamente, com esta proposta.

O PSD apresenta esta iniciativa referindo, no seu preâmbulo, a necessidade da capacitação de profissionais

que atuem na área da promoção e proteção de jovens em risco ou em perigo, até no sentido de intervir na

promoção das competências parentais e num conjunto de contextos familiares destas crianças e jovens.

Importava perceber bem o que é que o PSD pretende com esta proposta, porque a melhoria e a formação

contínua destes profissionais ou a atualização da sua formação são da responsabilidade das entidades para as

quais estes profissionais trabalham. Se, por exemplo, os técnicos das CPCJ (comissões de proteção de crianças

e jovens) precisam de atualizar ou melhorar a sua formação, é da responsabilidade dessa entidade promover a

sua formação; se a questão é o financiamento ou são as condições financeiras das CPCJ para garantir essa

formação, então é necessário reforçar o financiamento das CPCJ para que essa formação seja garantida; se há

profissionais das instituições de ensino superior, nomeadamente as públicas, que intervêm nesta área e

precisam de melhorar a sua formação, então trate-se do reforço de financiamento do ensino superior público,

porque é, aliás, essa a responsabilidade do Estado.

O PSD, nesta iniciativa, propõe uma verba especial de financiamento para instituições de ensino superior.

Mas que instituições, Sr.ª Deputada? Instituições públicas ou instituições privadas? E quais são as instituições

que estão na resolução especialmente vocacionadas para estas áreas?

O PSD precisa de dizer ao que vem quando refere a avaliação da qualidade, a monitorização ou a

implementação de programas de ação.

Quer o PSD dizer que, com esta verba especial de financiamento, as instituições de ensino superior vão

avaliar a qualidade, vão monitorizar…

A Sr.ª Laura Monteiro Magalhães (PSD): — Claro!

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A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — … e vão programar a ação do sistema de proteção e de promoção das

crianças e jovens? É isso?

A Sr.ª Laura Monteiro Magalhães (PSD): — É!

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — É isso que o PSD pretende com esta resolução?

A Sr.ª Laura Monteiro Magalhães (PSD): — É!

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Era preciso que o PSD dissesse, exatamente, e com todas as letras, o que

pretende, porque, neste momento, nada há que obste à cooperação entre as instituições do ensino superior,

nomeadamente as públicas, e o sistema de promoção e de proteção das crianças e jovens em risco.

Se há um problema, nomeadamente nas instituições públicas de financiamento, faça-se, então, o reforço do

seu financiamento, como o PCP tem proposto várias vezes nesta Assembleia da República, mas contra o que,

curiosamente, o PSD tem votado contra.

É preciso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que o Estado assuma em pleno a sua responsabilidade,

constitucional até, de acompanhamento e de intervenção junto das crianças e jovens em risco e das suas

famílias em todos os contextos nos quais estas crianças e jovens se desenvolvem.

É preciso reforçar os meios das CPCJ, como o PCP tem defendido várias vezes, mas, relativamente à última

iniciativa aqui apresentada pelo PCP, o PSD votou contra.

Também é preciso também reforçar os meios da segurança social, aliás, uma segurança social depauperada.

Uma depauperação pela qual o PSD e o CDS têm especial responsabilidade.

O Sr. Presidente: — Tem de terminar, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Termino mesmo, Sr. Presidente.

O que não é preciso é entregar mais verbas a instituições de ensino superior privado. É isso que o PSD

pretende, efetivamente, com esta proposta que nos apresenta.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, pelo Grupo Parlamentar do CDS-PP, tem a palavra o Sr.

Deputado Filipe Anacoreta Correia.

O Sr. Filipe Anacoreta Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Quero,

antes de mais, cumprimentar a Sr.ª Deputada Laura Magalhães e o Partido Social Democrata pelo agendamento

desta iniciativa e dar conta que tomámos nota de várias das matérias a que fez alusão na sua intervenção e que

refletem uma preocupação que tem sido partilhada nesta Assembleia da República sobre esta área de apoio e

de resposta às necessidades das crianças, dos jovens e das famílias em risco.

Partilho, pois, aquilo que aqui foi dito a esse propósito, nomeadamente as preocupações mais uma vez

manifestadas sobre a importância do acolhimento familiar e do quanto caminho que ainda temos de fazer nessa

matéria. Aliás, esperamos que, na próxima semana, tenhamos oportunidade de aprofundar esse debate, a

propósito de um agendamento do CDS.

Sr.ª Deputada, em relação à iniciativa que aqui nos traz, devo dizer que, da nossa parte, consideramos que

mal não faz, mas manifestamos algumas reservas relativamente ao caminho protagonizado.

Senão, vejamos: o PSD anuncia ou formula dois diagnósticos. Por um lado, a necessidade de as famílias em

situação de risco psicossocial terem cada vez mais apoio, face às dificuldades que enfrentam, nomeadamente

na promoção das capacidades parentais e da convivência familiar. É um diagnóstico certíssimo.

Depois, diz-se ainda que, no âmbito do sistema das CPCJ e do relatório Casa — Relatório de Caracterização

Anual da Situação de Acolhimento das Crianças e Jovens, cada vez se evidencia mais que o apoio profissional

às famílias nesta situação tem maiores exigências em termos profissionais e em termos científicos. Portanto,

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afirma-se a necessidade de capacitar diferentes profissionais que trabalham no sistema, a necessidade de lhes

conferir aptidões para trabalhar e para interagir com as famílias. Mais um diagnóstico certíssimo!

Conviria, a este propósito, recordar que foi com o anterior Governo que foram criados os centros de apoio

familiar e aconselhamento parental, os CAFAP, precisamente destinados a apoiar as famílias que necessitam e

que têm em si crianças e jovens em risco. Estes centros tinham o objetivo de dar uma resposta às famílias, para

acompanhar estas crianças e jovens em risco. O Governo anterior criou-os, este Governo, praticamente, pô-los

na gaveta e sobre isto não há qualquer desenvolvimento.

A Sr.ª Laura Monteiro Magalhães (PSD): — É verdade!

O Sr. Filipe Anacoreta Correia (CDS-PP): — Portanto, a resposta que aqui é dada a estes dois diagnósticos,

ou seja, a criação de um financiamento para as instituições de ensino superior, levanta-nos algumas dúvidas.

Não temos a certeza, pelo contrário, temos muitas dúvidas de que seja o caminho ajustado para responder aos

diagnósticos. Fortalecer os CAFAP, sim; criar uma rede de apoio familiar, sim, tal como já tem sido proposto,

por parte do CDS.

No entanto, naturalmente, por parte do CDS, face à urgência, face à necessidade, não inviabilizaremos esta

iniciativa, apesar de não deixarmos de manifestar as reservas que aqui expressámos.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — A Mesa não regista inscrições, apesar de haver vários grupos parlamentares que ainda

não intervieram.

Pausa.

A Sr.ª Maria Augusta Santos (PS): — Sr. Presidente, peço desculpa, se me permite, gostaria de usar da

palavra sobre esta matéria.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr.ª Deputada Maria Augusta Santos.

A Sr.ª Maria Augusta Santos (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos hoje a debater o

Projeto de Resolução n.º 1692/XIII/3.ª, através do qual o PSD propõe ao Governo a criação de uma linha de

financiamento para instituições de ensino superior, vocacionadas para a promoção e proteção de crianças e

jovens em risco.

A promoção dos direitos das crianças e jovens constitui um desígnio nacional. Nesse sentido, é fundamental

que as diversas instituições com competências nesta matéria, desde a educação, à saúde e à segurança social,

estejam focadas em capacitar profissionais e estudantes que lhes permitam intervir, de forma efetiva e eficaz,

na problemática das crianças e dos jovens em risco ou em perigo, particularmente na área da prevenção.

A proteção da família e das crianças e jovens em situação de vulnerabilidade, com particular atenção para

as crianças em risco ou em perigo, é uma prioridade assumida pelo atual Governo. Porém, trata-se de uma

matéria que não se enquadra, de forma direta, na área governativa da ciência, da tecnologia e do ensino

superior.

Contudo, esta área governativa tem participado nesse relevante esforço governamental, por via do

financiamento de unidades de investigação, de projetos de investigação, de projetos de doutoramento e de

contratação de investigadores nas áreas científicas relevantes para o sistema de promoção e proteção de

crianças e jovens em risco. Esse financiamento, através da FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia), apoia,

atualmente, diversos projetos nas áreas científicas sobre essa temática. Destaco a existência de uma bolsa de

doutoramento e de uma bolsa de pós-doutoramento, para além de diversas unidades de investigação. Neste

momento, há 13 projetos de investigação sobre a temática em debate, cujo financiamento público é superior a

2 milhões de euros e que envolvem diversas entidades.

Acresce que a opção apresentada no projeto de resolução em apreço implicaria a afetação de verbas

adicionais da FCT, não estando asseguradas as condições orçamentais necessárias para a sua concretização.

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Convém, por outro lado, referir que a Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças

e Jovens, no âmbito das suas atribuições legais, tem competências para, entre outras ações, «dinamizar a

celebração de protocolos de articulação e colaboração» entre diversas entidades; «solicitar estudos de

diagnóstico e de avaliação das necessidades de medidas e respostas sociais existentes ou a promover, no

âmbito do sistema de promoção dos direitos e de proteção de crianças e jovens»; e «concertar a ação de todas

as entidades públicas e privadas, estruturas e programas de intervenção» na área agora em debate.

Deste modo, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista considera redundante a criação de uma linha de

financiamento adicional, face, por um lado, aos financiamentos competitivos já atribuídos no quadro de atuação

da FCT e, por outro lado, às competências atribuídas à referida Comissão Nacional.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — É a vez do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.

Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projeto de resolução que o PSD

traz a debate debruça-se sobre um problema real do País — a resposta, e a necessidade de ela ser aditivada,

em relação à promoção e defesa de direitos de crianças e jovens em risco. E fá-lo, creio eu, numa perspetiva

virtuosa, através do envolvimento do mundo académico e da promoção quer do conhecimento, quer da partilha

da informação, desse conhecimento, com aqueles que, de perto, lidam com situações de vulnerabilidade das

crianças ou de risco. Falamos dos profissionais, mas também das famílias e até do acompanhamento das

próprias crianças e dos próprios jovens.

Por aqui nos ficamos quanto à bondade deste projeto de resolução do PSD, porque, depois, transformam

estas ideias, que, creio, são subscritas por todas e todos os Deputados desta Câmara, numa vacuidade, no que

toca à proposta e à recomendação feitas no projeto de resolução.

Como foi indicado, várias destas respostas já estão a ser dadas no concreto, mas o projeto de resolução

«atira ao lado» em relação ao principal problema que temos, quanto à atuação nesta área, ou seja, a falta de

recursos técnicos, humanos e financeiros das CPCJ. Aparentemente, parecem dar aqui uma prioridade a uma

linha de financiamento que «atira ao lado» da verdadeira necessidade do País.

Desse ponto de vista, parece-nos que há outras prioridades a dar, que já foram propostas nesta Assembleia

da República, mas que a direita não acompanhou, em particular o PSD — o reforço dos meios das CPCJ, estas,

sim, muito próximas das crianças e jovens em risco ou em situações de vulnerabilidade, capazes de agir para

os proteger e para promover os seus direitos, como é sua obrigação. Esta medida não implicaria o que parece

ser uma abertura intencional, por parte do PSD, a uma forma indireta de financiamento de instituições de ensino

superior privadas, através deste projeto de resolução. Desse ponto de vista, isto carece de explicação e o PSD

deveria dizer o que pretende, quais são as instituições de ensino superior que quer, de facto, ver financiadas,

em detrimento, por um lado, das CPCJ e, por outro, de um pensamento e de um trabalho do espaço público, do

setor público, que é aquilo que se exige do nosso País.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Penso que podemos passar ao encerramento do debate, pelo que tem a palavra, para

uma intervenção, a Sr.ª Deputada Laura Magalhães, do Grupo Parlamentar do PSD.

A Sr.ª Laura Monteiro Magalhães (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Finda esta discussão,

apraz-me dizer que a alteração legislativa, ao longo dos anos, tem dado passos positivos no desenvolvimento

do sistema.

Contudo, e respondendo às questões que foram colocadas, é preciso um apoio científico mais sustentado,

através do qual a ciência possa ajudar ainda mais no desenvolvimento de todo o processo do sistema de

promoção e proteção, em todas as suas vertentes.

Dir-me-ão que já existem verbas para isso. É verdade, mas não estão vocacionadas para esta finalidade. As

entidades têm de se candidatar, juntamente com outras, a um bolo grande, não havendo uma discriminação

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positiva, e, muitas vezes, estas áreas acabam por ser descuradas em favor de outras áreas também importantes.

O que pretendemos é que haja coragem para promover uma discriminação positiva, se queremos, de uma vez

por todas, inverter e rejuvenescer a ação do sistema português de promoção e proteção a todos os níveis.

Não podemos permitir que as crianças e os jovens desprovidos de família fiquem entregues a si próprios ou

ao bom senso ou à boa vontade dos profissionais, assim como, também, não podemos permitir que as

instituições que acolhem crianças e jovens em risco fiquem entregues a si próprias. Por outro lado, temos de

dar condições para que as famílias que reúnam os melhores requisitos possam ser formadas e acompanhadas

no acolhimento e apoio às famílias mais desfavorecidas, através do acolhimento familiar.

No fundo, o que pretendemos é exatamente isto, que a ciência possa ter uma discriminação positiva para um

desenvolvimento maior e melhor de todo este sistema.

O diagnóstico está feito, mas, agora, há necessidade de ir ao cerne das problemáticas. Todas as respostas

têm de ser especializadas e munidas de sustentação científica. É isto que o PSD defende.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Chegámos, assim, ao final do segundo ponto da nossa ordem de trabalhos.

Vamos entrar na discussão, na generalidade, dos Projetos de Lei n.os 920/XIII/3.ª (BE) — Elimina os vistos

gold e 1055/XIII/4.ª (PAN) — Institui um regime de autorização de residência assente em atividades de

investimento em projetos ecológicos — vistos green.

Para abrir o debate, tem a palavra, o Sr. Deputado José Manuel Pureza, do Grupo Parlamentar do Bloco de

Esquerda.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Um País que se leva a sério não

vende direitos de cidadania. É isso que hoje aqui debatemos: é ou não admissível que Portugal venda direitos

de cidadania a troco de 500 000 € empatados em imobiliário? Podemos fingir que não é isso que está em causa,

mas é, efetivamente, isso que está em causa.

Em 2012, o então Ministro Paulo Portas fez o discurso do fingimento e assegurou que aceitar a figura dos

vistos gold em Portugal era essencial para captar investimento estrangeiro criador de emprego. Fingimento puro!

Dos 6962 vistos gold atribuídos entre 2012 e 31 de dezembro de 2018 só 13, repito, só 13 estavam associados

a investimentos comportando a criação de postos de trabalho. Foram atribuídos 6775 vistos a compradores de

imobiliário por mais de 500 000 €.

Dizia, em 2014, o então Secretário de Estado do Turismo: «O Estado não é a Remax. Não somos uma

agência imobiliária». E logo acrescentava: «Mas ao Governo compete propiciar um ambiente para que esses

negócios se realizem». E, para que não restassem dúvidas, acrescentava e concluía: «O turismo residencial

continua a ser o principal dinamizador das autorizações de residência». Eu concluo: as nossas cidades sabem

bem o efeito que o tal «bom ambiente» para o negócio criou — chama-se especulação e obstáculo à habitação

da gente comum.

Deixemo-nos, portanto, de fantasias: vistos gold nada têm a ver com criação de emprego e, menos ainda,

com mecenato cultural, tal como o Governo pôs na lei. Nem isso acontecerá com projetos ecológicos,

humanitários ou quaisquer outros. Não! Vistos gold são apenas uma ferramenta de especulação imobiliária e, à

boleia, também de práticas de corrupção e branqueamento de capitais. Dirão os adeptos dos vistos gold que

estou a exagerar. E eu pergunto: que razão, senão essa, leva a que os poderes públicos se recusem

liminarmente a fornecer a quem quer que seja informação sobre os nomes dos requerentes e beneficiários de

vistos gold, algo que nem nos países mais acerrimamente defensores destes vistos, como Malta ou Chipre,

sucede?! Nos vistos gold, como na aplicação de capitais em offshore, o segredo é mesmo a alma do negócio.

Cabe aos adeptos dos vistos gold demonstrar cabalmente que estas críticas não têm fundamento. E digo-vos:

auguro-lhes grandes dificuldades nessa tarefa.

A subsistência dos vistos gold é, enfim, a expressão de uma repugnante escolha entre pessoas.

Para quem tem dinheiro, reduzem-se as exigências: onde antes se requeria um mínimo de 30 postos de

trabalho criados por um investimento associado a um visto gold passou a requerer-se apenas 10; onde antes se

exigia ao investidor uma estadia mínima, em Portugal, de 30 dias no primeiro ano e de 60 nos anos seguintes,

passou a exigir-se apenas 7 e 15 dias, respetivamente.

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O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, já ultrapassou o tempo de que dispunha.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Termino, Sr. Presidente.

Facilidades atrás de facilidades. Mas para quem vem para Portugal com a sua força de trabalho e com o

sonho de uma vida melhor para si e para os seus, os solícitos defensores dos vistos gold querem rigor máximo

e crivo impiedoso, vendo em cada trabalhador das estufas de Odemira ou da construção civil de Faro um

terrorista latente.

Acabar com os vistos gold, e termino, Sr. Presidente, é, mais do que tudo, um serviço que prestamos à nossa

dignidade coletiva.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para apresentar o Projeto de Lei n.º 1055/XIII/4.ª (PAN) — Institui um

regime de autorização de residência assente em atividades de investimento em projetos ecológicos — vistos

green, o Sr. Deputado André Silva.

O Sr. André Silva (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os vistos gold representam autorizações

de residência a estrangeiros quando existem investimentos substanciais em território português, de âmbito

empresarial ou imobiliário.

Desde a sua criação, em 2012, o seu investimento global ascendeu a 4000 milhões de euros, tendo sido

concedidas 6900 autorizações de residência. Considerando estes dados, bem como a importância de reforçar

uma sociedade multicultural e aberta ao investimento estrangeiro, importa criar um regime adicional para atrair

investimentos estrangeiros de cariz ecológico. Propomos, assim, a criação dos vistos green.

Os vistos green serão concedidos para investimentos ecológicos iguais ou superiores a 500 000 €,

privilegiando os territórios de baixa densidade, e terão de garantir uma das seguintes premissas: investir em

agricultura biológica não intensiva; criar projetos de ecoturismo; contribuir ativamente para o Roteiro para a

Neutralidade Carbónica; incidir em projetos de autoconsumo com energias oriundas de fontes 100% renováveis

ou em projetos que apresentem elevados padrões de eficiência energética.

A aprovação dos vistos green reforçará o papel de Portugal na captação de investimento ecológico

internacional e garantirá, em paralelo, a transição para uma economia circular e descarbonizada.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado José Luís Ferreira, de Os Verdes.

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos diante de dois

projetos de lei que, aparentemente, incidem sobre o mesmo assunto mas que apontam em sentidos literalmente

opostos.

De facto, enquanto a iniciativa do BE se propõe eliminar os vistos gold, o PAN propõe alargar este regime

aos vistos green. Não se trata de substituir a cor dos vistos, o que o PAN propõe é que, para além dos vistos

gold, passem também a existir os vistos green, ainda que igualmente gold.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — É isso mesmo!

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Aliás, esta proposta do PAN faz lembrar uma passagem, segundo

a qual um cidadão pretende instalar um quiosque num jardim. Vai à câmara e a câmara diz-lhe: «Não pode,

porque esses terrenos são espaços verdes». E qual é a solução? Pinta-se o quiosque de verde e está o problema

resolvido.

Risos do PCP.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Exatamente!

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O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Isto, para dizer que, a nosso ver, o branqueamento de capitais, o

peculato, a corrupção ou os outros ilícitos fiscais e mesmo criminais que, normalmente, estão associados a este

tipo de vistos não são menos graves nem deixam de ser crimes apenas porque o investimento que dá suporte

ao visto tem uma cobertura ambiental. Em qualquer dos casos, independentemente da cor dos vistos, estaremos

sempre a falar de crimes, e de crimes que se impõe combater com toda a firmeza e com toda a responsabilidade

democrática, não abrindo mais portas que potenciem a sua prática, como a proposta do PAN, certamente,

potenciaria.

De facto, para Os Verdes, o que se impõe é acabar com esta imoralidade e não abrir mais portas a um

mecanismo que favorece a importação da corrupção e da criminalidade organizada.

Mas Os Verdes não são contra estes mecanismos apenas porque potenciam a prática de crimes económicos,

independentemente da cor dos vistos. Na verdade, aquilo a que temos assistido é que estes instrumentos, os

vistos gold, mais do que representarem um apoio ao investimento estrangeiro criador de emprego — que, aliás,

no nosso País, diga-se de passagem, foi zero —, são um meio eficiente para comprar a autorização de

residência. Esta é a questão central.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Ou seja, este mecanismo, seja gold ou seja green, é uma forma

encapotada de criar uma discriminação absolutamente condenável e inadmissível, de estabelecer cidadãos de

primeira — os que têm 500 000 € para adquirir um imóvel ou para investir na agricultura biológica e, como

prémio, têm a sua autorização de residência — e cidadãos de segunda — os que, não tendo esse dinheiro,

ficam sujeitos a um verdadeiro martírio para conseguir a respetiva autorização de residência.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Muito bem!

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Ora, estender uma passadeira, seja dourada ou verde, para

autorização de residência a quem tem dinheiro, enquanto os que não têm dinheiro ficam sujeitos a um calvário

de espinhos burocráticos, e não só, é, a nosso ver, verdadeiramente inaceitável, pouco digno,…

O Sr. João Oliveira (PCP): — Apoiado!

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — … estranho a um Estado de direito democrático e, sobretudo, um

monumental atentado aos direitos humanos!

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Portanto, face ao que fica dito, acompanhamos a proposta do Bloco

de Esquerda, de acabar com os vistos gold, porque também consideramos que, num Estado de direito

democrático, os direitos não se podem reduzir a uma mercadoria que se compra e vende, como se fosse um

sabonete, mas não podemos acompanhar o PAN, que, aliás, nesta matéria, vai muito mais longe do que a

própria direita.

Aplausos do BE e do PCP.

Entretanto, assumiu a presidência o Vice-Presidente José de Matos Correia.

O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, pelo PSD, o Sr. Deputado Carlos Peixoto.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começaria com uma declaração

prévia, porque fui o relator do projeto do Bloco de Esquerda, relativo aos denominados «vistos gold». No meu

parecer, que — saliente-se — foi aprovado por unanimidade,…

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Protestos da Deputada do PCP Rita Rato.

… emiti uma opinião no sentido de discordar da propugnada eliminação destes vistos, mas, simultaneamente,

concluí que o processo deveria prosseguir e não deveria ficar sustido. Como todos concordarão, não condicionei

nenhum Deputado nem nenhum grupo parlamentar, que são, obviamente, livres de fazer um juízo diferente do

meu.

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Era o que faltava!

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Acontece que sou consultor de uma sociedade de advogados que, para além

de muitas outras coisas, trata e dá assessoria jurídica a requerentes destes vistos, mas, como nunca tive

qualquer intervenção em nenhum processo deste género nem sobre esta matéria, não patrocinei ninguém sobre

ela, nunca tive dúvidas nenhumas de que não havia um conflito de interesses que tivesse de ser manifestado.

Ainda assim, pela controvérsia que esta minha opinião gerou, fiz questão de, eu próprio, pedir um parecer à

Subcomissão de Ética sobre o assunto. E a Subcomissão de Ética deu esse parecer, pronunciando-se

decididamente e categoricamente pela inexistência desse conflito.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Deu-lhe um «visto gold» para a discussão!

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Dito isto, vamos ao projeto do Bloco de Esquerda.

Srs. Deputados, em termos práticos, aquilo que o Bloco de Esquerda quer é que Portugal se dê ao luxo de

prescindir de 4,2 mil milhões de euros, que foi aquilo que já rendeu o projeto dos vistos gold,…

O Sr. João Oliveira (PCP): — A quem?!

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — … durante estes últimos seis anos, ou seja, 60 milhões de euros por mês,

ou que o Governo renuncie, que atire pela porta fora 58 milhões de euros de IMT (Imposto Municipal sobre as

Transmissões Onerosas de Imóveis), de imposto de selo e de emolumentos que vai cobrando todos os anos,

valores que, aliás, constam do Orçamento do Estado para 2019, aprovado pelo Bloco de Esquerda, para serem

cobrados.

Portanto, era bom que o Bloco de Esquerda explicasse como é que, por um lado, votam um Orçamento que

inclui estas receitas e, por outro lado, vêm dizer que não querem que estas receitas sejam cobradas.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Já vai saber!

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Depois, há postos de trabalho,…

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Quantos?

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — … imensos,…

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Quantos?

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — … milhares de postos de trabalho…

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Onde?!

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — … que foram criados, direta e indiretamente, com este programa.

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Tenha vergonha!

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O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Srs. Deputados, já não falo na integração social dos imigrantes, num País

que tem a maior crise social e demográfica de sempre.

Protestos do BE e do PCP.

O programa não é perfeito e pode envolver riscos — não há dúvida nenhuma! —, mas o radicalismo da sua

extinção total é desproporcionado e desadequado.

Não é por haver acidentes nas estradas que vamos acabar com os automóveis ou com as estradas. Não é

por haver fraudes fiscais que vamos acabar com a Autoridade Tributária ou que vamos acabar com os impostos.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Termino, Sr. Presidente, dizendo apenas o seguinte: se verdade fosse que

este programa potencia a criminalidade económica e a corrupção, então, deviam reforçar-se os meios, que é

aquilo que fazem vários países europeus que são insuspeitos de trazer para si a corrupção e a criminalidade.

Era isto que o Bloco de Esquerda deveria propor, em vez de exibir um claro preconceito contra a riqueza.

Protestos do BE e do PCP.

É que aquilo que nos deve envergonhar, Srs. Deputados, não é a riqueza, é a pobreza. E, nesta matéria, o

Bloco de Esquerda leva uma boa lição do PAN, com os vistos green,…

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — … projeto que propõe até o alargamento do âmbito do programa de vistos

já existente.

O PSD, por isso — e com isto termino, Sr. Presidente —, votará contra o projeto do Bloco de Esquerda e a

favor do projeto do PAN.

Aplausos do PSD.

O Sr. João Oliveira (PCP): — É um visto laranja!

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Paulo

Trigo Pereira.

O Sr. Paulo Trigo Pereira (N insc.): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projeto de lei apresentado

pelo Bloco de Esquerda, e que hoje discutimos na generalidade, pretende a eliminação dos chamados «vistos

gold».

Gostava de ter tido acesso a estudos sobre os impactos do programa no País, mas, infelizmente, existe muito

pouca informação pública sobre a concessão destes vistos. Sublinho, contudo, estes números: desde 2012,

foram concedidos cerca de 7000 vistos, que geraram 4,2 mil milhões de euros, dos quais cerca de 90% são

canalizados para a aquisição de imóveis. Neste tempo, como já referido, apenas 13 vistos gold foram concedidos

por via do requisito de criação de pelo menos 10 postos de trabalho.

O investimento decorrente dos vistos gold no nosso País assume, assim, uma natureza potencialmente

especulativa, no setor imobiliário, com um impacto residual quer na economia, quer na criação de emprego.

É este o investimento estrangeiro que pretendemos atrair para o nosso País?!

O relatório preliminar da Comissão Especial do Parlamento Europeu contra os crimes financeiros e de elisão

e evasão fiscal considerou até que os potenciais benefícios económicos destes instrumentos não compensam

os graves riscos de branqueamento de capitais e de evasão fiscal.

Face ao exposto, votarei favoravelmente a eliminação dos vistos gold, sem prejuízo de se ponderar um

programa alternativo.

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Noto que, relativamente à proposta do PAN, não poderei votar favoravelmente, pois, apesar de perceber a

intenção de um visto verde, me parece que, nos termos em que esta iniciativa se apresenta, alarga mas não

corrige os problemas dos vistos gold.

A cidadania e a residência não podem depender da condição económica.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Muito bem!

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Filipe

Neto Brandão.

O Sr. Filipe Neto Brandão (PS):— Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projeto que o Bloco de Esquerda

hoje apresenta é, praticamente, um decalque do projeto que apresentou na anterior Legislatura. Ao reapresentar

o seu propósito quase ipsis verbis, o Bloco de Esquerda não ignora, assim, o seu desfecho.

Note-se que o Bloco de Esquerda não se propõe aprimorar o regime ou redirecionar as receitas obtidas

através do programa de autorização de residência para atividade de investimento, propõe-se, pura e

simplesmente, suprimi-lo. Ou seja, propõe-se suprimir não apenas a possibilidade de obtenção de vistos através

da aquisição de imóveis, mas também todos os demais previstos na alínea d) do artigo 3.º, isto é, o Bloco

propõe-se suprimir a possibilidade de direção desse investimento para o apoio à promoção artística, para a

reabilitação urbana,…

Risos do Deputado do BE José Manuel Pureza.

… para o financiamento da investigação científica,…

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Boa piada!

O Sr. Filipe Neto Brandão (PS):— … ou para a recuperação do património cultural, apenas para citar alguns

exemplos que, entretanto, desde a apresentação do anterior projeto,…

Protestos do BE.

… foram introduzidos na lei, e que o Bloco faz questão de ignorar.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Têm sido um sucesso!

O Sr. Filipe Neto Brandão (PS):— Ora, para demonstrar a inanidade desse propósito, nada melhor do que

cotejar este projeto com o outro projeto que está hoje, aqui, em discussão, o do PAN.

O que o projeto do PAN demonstra, de modo inequívoco — se isso, porventura, carecesse de demonstração

—, é que é possível e desejável aproveitar e dirigir o investimento captado através da concessão de autorizações

de residência para investimento para a prossecução de políticas públicas úteis ao desenvolvimento do País.

Acabar pura e simplesmente com o programa de vistos gold não é, pois, razoável nem útil.

Note-se que, como foi referido, desde 2012, o investimento acumulado de capital vindo do estrangeiro para

Portugal totalizou mais de 4000 milhões de euros. Não há ninguém, com responsabilidades governativas que

possa sustentar que, à economia portuguesa, sejam indiferentes 4000 milhões de euros ou que Portugal possa

ou deva desperdiçar semelhantes montantes.

O Sr. João Oliveira (PCP): — O PS vai ceder à «OPA» do PAN!

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O Sr. Filipe Neto Brandão (PS): — Vivemos, como sabemos, num espaço europeu, numa economia aberta,

onde se compete pela captação de capitais. Ou esse investimento é captado para Portugal ou, sendo suprimido,

como propõe o Bloco, apenas ajudará a crescer outros países concorrentes connosco na atração de capital.

Protestos do Deputado do BE José Manuel Pureza.

E não é preciso procurá-los longe! Para terem uma noção do que falamos, Sr.as e Srs. Deputados, os 4000

milhões, como foi referido, advieram de perto de 6000 autorizações, desde 2012. Ora, nesse período, aqui ao

lado, Espanha concedeu o correspondente a 25 000 milhões de euros, ou seja, Espanha concede a cada ano

aquilo que Portugal concedeu num total acumulado de seis anos.

Suprimir ou revogar a possibilidade de autorizações de residência teria apenas como única e previsível

consequência transferir o investimento hoje feito em Portugal para outras economias, nomeadamente para

Espanha, sem nenhum benefício para Portugal. Isso, Srs. Deputados, seria irrazoável e absurdo!

Podemos aprimorar os regimes de autorização de residência para investimento, aliás, muito recentemente,

aquando da discussão do Orçamento do Estado, também o Bloco de Esquerda aprovou uma proposta do Partido

Socialista para fomentar o cruzamento de dados entre o SEF e a Autoridade Tributária relativamente aos países

de origem dos requerentes destes vistos.

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Vistos para ricos!

O Sr. Filipe Neto Brandão (PS): — Podemos, como também faz o PAN, alargar o âmbito do investimento

relevante para a concessão das autorizações de residência, no caso, promovendo políticas públicas

conducentes a uma aceleração da descarbonização da economia. O que não faria sentido…

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Sr. Deputado, tem de terminar.

O Sr. Filipe Neto Brandão (PS): — Concluo, Sr. Presidente.

Como estava a dizer, o que não faria sentido era, neste contexto, abdicarmos de um instrumento que permite

essa aplicação.

Termino, frisando que isto em nada colide, e o Sr. Deputado José Manuel Pureza sabe, com o acolhimento

dos imigrantes que não beneficiam deste regime, no que Portugal é, aliás, um exemplo reconhecido de boas

práticas internacionais e onde, muito recentemente, se aprovaram medidas, algumas propostas pelo Bloco de

Esquerda, que reforçaram os direitos daqueles.

Portanto, Sr.as e Srs. Deputados, obviamente, não poderemos acompanhar o projeto do Bloco de Esquerda.

Aplausos do PS.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Oh! A sério?!

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Passamos ao Grupo Parlamentar do PCP e tem a palavra o

Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PCP votará favoravelmente a

extinção dos vistos gold e não apoiará a criação de vistos da mesma natureza, embora tenham uma cor diversa

ou se proponham apresentar uma cor diversa. E não o fazemos na base de processos de intenções, fazemo-lo

tendo em conta a imoral dualidade de critérios que representa a existência na nossa lei dos chamados «vistos

gold» e, ao mesmo tempo, as dificuldades que têm sido opostas à regularização de cidadãos que trabalham em

Portugal, procurando ter condições mínimas de subsistência para si e para os seus familiares e que se deparam

com as maiores complicações para a sua legalização.

A nossa questão não é a de pressupor que alguém que tenha 500 000 € para comprar um apartamento seja

necessariamente um criminoso. Não é essa a ideia que nos move. Não há aqui nenhuma presunção de

delinquência ou de criminalidade pelo facto de se ter muito dinheiro. A questão, para nós, é a de que a

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autorização de residência em Portugal não deve ser objeto de comercialização, não deve ser comprada, deve

ser para quem a merece, para quem a deve ter, nos termos da lei, e não para quem, mesmo não tendo, sequer,

necessidade de cá viver cá, nem o querendo fazer, queira cá investir, designadamente em imobiliário, para com

isso obter uma autorização de residência dourada no nosso País.

Não temos nada contra que um imigrante que tenha bens de fortuna e que resida em Portugal, tenha a sua

autorização de residência e compre cá um imóvel de alto valor. Obviamente, o problema da origem do seu

dinheiro já é outro problema, que nada tem a ver com isso. O que consideramos é que deve ser encontrada, na

lei portuguesa, uma forma razoável de legalização da generalidade dos cidadãos que estejam em Portugal e

que cá trabalhem. E o critério deve ser esse, não se deve estabelecer o critério de que as autorizações de

residência em Portugal se vendem a alguém que tenha dinheiro e que pode fazer um investimento imobiliário,

porque o Estado português fica muito satisfeito com isso, já que é dinheiro que vem para cá. O critério não deve

ser esse. Devemos ter um critério relativamente à autorização de residência em Portugal que seja humano, que

tenha a ver com o facto de as pessoas cá viverem, cá trabalharem, estabelecerem-se no nosso País e terem

todas as condições para estarem em situação legal e poderem usufruir de todos os direitos inerentes aos

cidadãos nacionais, tirando aqueles que a Constituição reserve exclusivamente para os nacionais. Esse direito

não deve ser comprado pela via de um visto gold ou de um qualquer visto desta natureza, que signifique, na

prática, que o Estado português vende autorizações de residência a troco de dinheiro.

O critério não deve ser esse e é por isso que o nosso posicionamento neste processo legislativo é contrário

à existência de vistos dourados de qualquer natureza ou de vistos de qualquer outra cor.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia, do CDS-

PP.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não tendo nada de especial contra

os vistos green, centro-me no projeto do Bloco de Esquerda, para dizer que o Bloco nos traz um projeto de artigo

único. Trata-se de um projeto simples, de artigo único: acabam os vistos gold.

Sobre esta matéria, a primeira coisa que gostaria de fazer era sublinhar uma precisão: a ideia dos vistos gold

não é nem pretende ser uma espécie de eixo central da nossa política migratória. Não é para isso que os vistos

gold existem, não foi para isso que foram criados, não é essa a sua razão de existir, a sua essencial razão de

existir é a atração de investimento.

A Sr.ª Vânia Dias da Silva (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Foi para isso que foram criados, é para isso que servem, é por isso que

existem.

Desse ponto de vista, o que é preciso dizer é que eles são um sucesso, repito, são um sucesso. Ou seja, só

em 2018, geraram 838 milhões de euros e, em meia dúzia de anos, temos mais de 4000 milhões de euros.

Portanto, são um sucesso, são uma realização importante, representam dinheiro que vem e fica em Portugal e,

desse ponto de vista, não há nada a dizer.

Por outro lado, como aqui já foi dito, há uma coisa que é evidente: 11 países, só no contexto da União

Europeia, repito, 11 países têm este sistema ou sistemas parecidos.

Protestos da Deputada do BE Mariana Mortágua.

Se esse dinheiro não vier para Portugal, obviamente, irá para um concorrente de Portugal…

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Ora bem!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — … e, portanto, é bom que Portugal tenha este instrumento.

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Os principais argumentos contra são a questão da criminalidade, do branqueamento de capitais, etc. É

evidente que temos de combater a criminalidade, a corrupção, o branqueamento de capitais, mas isso é uma

tarefa essencialmente da investigação e da própria justiça, da justiça de origem, da justiça internacional e, no

limite, da justiça portuguesa. Não podemos confundir uma realidade com a outra. Citando o Secretário-Geral do

Partido Socialista, não é por haver um problema na Direção-Geral de Viação que vamos acabar com as cartas

de condução.

A Sr.ª Vânia Dias da Silva (CDS-PP): — Muito bem!

Protestos do BE.

O Sr. António Filipe (PCP): — Mas também não se admitem cartas da farinha Amparo!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — A frase não é minha, é do Secretário-Geral do Partido Socialista.

Portanto, é preciso fazer essa distinção.

A segunda grande preocupação do Bloco de Esquerda é combater a especulação imobiliária.

Sr. Deputado José Manuel Pureza, eu até diria que o Bloco de Esquerda, se calhar, durante algum tempo,

fazia melhor em não falar muito de especulação imobiliária.

A Sr.ª Vânia Dias da Silva (CDS-PP): — Ora, ora!

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Isso era o que vocês queriam!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Era melhor não irem muito por aí, porque, se vão por aí, pode ficar a ideia

de que se um cidadão português, mesmo tendo um nome estrangeiro, comprar uma casa por 347 000 € e,

passados uns tempos, a vender com uma mais-valia de 4 milhões, não há problema nenhum,…

Protestos da Deputada do BE Mariana Mortágua.

… desde que seja dirigente do Bloco. Aí, vem logo a vossa coordenadora dizer: «Não se passa nada, não

aconteceu nada, está tudo correto, tudo limpinho».

Aplausos do CDS-PP.

Protestos do BE.

Já um estrangeiro que tenha dinheiro, que queira vir para Portugal e que queira comprar uma casa não o

pode fazer. Ou seja, o estrangeiro só pode vir para Portugal se for o Estado português a dar-lhe a casa e não

ele próprio, com o seu dinheiro, a comprá-la.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Termino, Sr. Presidente, dizendo o seguinte: não partilhamos desta sanha

contra a riqueza e deste culto da pobreza.

Mesmo que o investimento seja só imobiliário, Srs. Deputados, as casas não aparecem feitas, as casas são

construídas, são reabilitadas, há investimento, há empresas. Mesmo nesse caso há economia a funcionar.

Protestos do BE.

Há empregos, há riqueza, há investimento, há investimento estrangeiro, e isso é bom para o nosso País.

Portanto, pela nossa parte, votamos contra a iniciativa do Bloco de Esquerda.

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Aplausos do CDS-PP.

Protestos do BE.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para encerrar o debate, tem a palavra o Sr. Deputado José

Manuel Pureza.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O relatório sobre a Avaliação

Nacional de Riscos de Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo, que foi elaborado por um

Grupo de Trabalho criado pelo Ministério das Finanças do Governo anterior, de que o Sr. Deputado Telmo

Correia foi responsável, bem como outras pessoas do PSD e do CDS-PP, diz o seguinte: «(…) o nosso país

apresenta um conjunto relevante de características suscetíveis de ser exploradas por (…)» organizações

criminosas transnacionais, «(…) nomeadamente: (…) diversos programas de incentivo ao investimento (…)». E

acrescenta que, nos setores mais delicados, nesta matéria, está — pasme-se! — o setor imobiliário, justamente

porque as transações são anormalmente muito elevadas.

Sr. Deputado Telmo Correia, creio que, com a eliminação dos vistos gold, um dos serviços importantes que

prestamos é, realmente, o do combate à corrupção, ao branqueamento de capitais, enfim, o do combate a todos

os «Jacintos Capelos Regos» que existem no nosso País.

Aplausos do BE.

Em segundo lugar, queria abordar o argumento de que prescindir de dinheiro é irresponsável — disse-o o

Sr. Deputado Carlos Peixoto, que não se encontra agora aqui, e disseram-no também os Srs. Deputados Filipe

Neto Brandão e Telmo Correia.

Digo-vos o seguinte: irresponsável, verdadeiramente, é fomentar a especulação imobiliária. Isso é

irresponsável! Irresponsável é ser cúmplice do branqueamento de capitais, abrindo essa hipótese, seja pela via

dos vistos gold, seja pela via dos vistos de outra cor qualquer.

Finalmente, Sr. Presidente, termino, abordando um último argumento. Diz o Sr. Deputado Filipe Neto Brandão

que o que temos de fazer é aprimorar o regime. Eu diria, Sr. Deputado, que tentativas de aprimoramento já

foram várias e foram, aliás, sempre no mesmo sentido: diminuir a exigência do regime.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Alterou-se o prazo para a residência dos estrangeiros em Portugal, ao

abrigo dos vistos gold, alterou-se o número de postos de trabalho, acrescentou-se o fomento de projetos

culturais. Resultado? Zero! Resultado? Zero, Sr. Deputado!

Depois, os Srs. Deputados Filipe Neto Brandão e Telmo Correia, e os outros adeptos dos vistos gold, dizem

ainda o seguinte: «realmente, temos de competir com os outros países, porque, se não, o dinheiro não vem para

cá e vai para outros países».

Já vos ouvi dizer isso a propósito dos offshore, e sou contra essa tese!

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Passamos ao ponto seguinte da nossa ordem de trabalhos,

que consiste na discussão, na generalidade, do Projeto de Lei n.º 1028/XIII/4.ª (CDS-PP) — Quinta alteração à

Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário): adita a competência do Tribunal

da Propriedade Intelectual.

Para apresentar a iniciativa legislativa, em nome do seu partido, tem a palavra a Sr.ª Deputada Vânia Dias

da Silva.

A Sr.ª Vânia Dias da Silva (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Caminhamos a passos

largos para o fim desta Legislatura e, se ainda não é tempo de prestarmos as contas finais, há alguns balanços

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que podemos já ir fazendo. Um deles tem precisamente a ver com a justiça, com a justiça que ocupa o lugar

central na retórica da esmagadora maioria das forças políticas com assento nesta Câmara, mas que, depois,

Sr.as e Srs. Deputados, não passa disso mesmo, ou seja, de retórica e de letra morta.

Esta Legislatura ficará indelevelmente marcada por isso mesmo, por um acordo histórico dos agentes da

justiça, patrocinado, como sabemos todos, pelo Sr. Presidente da República, a que ninguém, com exceção do

CDS, deu corpo ou forma de lei.

No final desta Legislatura, muito dificilmente se alcançarão muitos dos objetivos iniciais, ainda que uma ou

outra iniciativa possa vir a fazer o seu caminho, como é o caso das que discutimos ontem, nesta Câmara,

relativamente à justiça administrativa e fiscal, e que o Governo trouxe para a companhia dos projetos de lei que

o CDS apresentou nessa matéria já em março de 2018.

Mas, apesar da caminhada solitária que o CDS vem fazendo, não desistimos e trazemos hoje mais um

pequeno contributo para essa reforma da justiça. Este contributo persegue as boas reformas iniciadas pelo

Governo anterior e visa aprofundar um bocadinho mais a especialização.

O que propomos é uma coisa relativamente simples e que não tem muita ciência, mas que nos parece dar

um contributo importante para o aprofundamento da especialização, que, como disse, é essencial e é uma das

traves-mestras de todas as reformas que se têm vindo a fazer no âmbito da justiça.

O que propomos, Sr.as e Srs. Deputados, é o seguinte: o Tribunal da Propriedade Intelectual é hoje

competente para julgar matéria contraordenacional relativa à propriedade industrial, mas, curiosamente, e por

um erro nosso — parece-nos —, não tem competência para julgar os processos contraordenacionais em matéria

de direitos de autor e direitos conexos. Ora, o seu próprio nome indica que é este o foro onde essas matérias

devem ser tratadas e, portanto, não faz qualquer sentido que esteja arredado da competência do Tribunal da

Propriedade Intelectual o tratamento dessas matérias. E, nessas matérias, como todos sabemos, há processos

que deambulam pelos tribunais de competência genérica, que, por não terem o know-how suficiente, deixam

escapar, muitas vezes, questões específicas. Por outro lado, muitas vezes, há tribunais que se declaram

incompetentes na matéria e esses processos andam aos tombos, de tribunal em tribunal, até que finalmente

alguém resolva apanhar-lhes o pé.

Vozes do CDS-PP: — Exatamente!

A Sr.ª Vânia Dias da Silva (CDS-PP): — Por isso, Sr.as e Srs. Deputados, faz todo o sentido que esta matéria

esteja concentrada no Tribunal da Propriedade Intelectual e é isso que propomos. Propomos clarificar a situação

e, por isso, atribuir competência a este Tribunal, que tem competência especializada e específica para tratar da

matéria.

De resto, e para terminar, Sr. Presidente, esta é uma matéria que casa bem com o que discutimos ontem

nesta Câmara, a respeito da descriminalização das utilizações não autorizadas de videogramas e de

fonogramas, pelo que, na especialidade, afinando a proposta que tratámos ontem, que precisa de um

afinamento, e o projeto que tratamos hoje, discutiremos estas matérias em conjunto, para que tudo fique

devidamente oleado e para que estas questões deixem de ser difíceis e passem a ter um foro próprio, que é o

do Tribunal da Propriedade Intelectual.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José

Manuel Pureza.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Na verdade, como disse agora

mesmo a Sr.ª Deputada Vânia Dias da Silva, do que se trata é, de alguma forma, de dar continuidade ao debate

que aqui tivemos ontem sobre a proposta de lei do Governo relativa à descriminalização de algumas condutas

em matéria de comunicação pública de fonogramas e de videogramas.

Creio que a hipótese de descriminalização e a passagem para uma lógica do tipo contraordenacional, com

as devidas cautelas, será, digamos, geradora da necessidade de acautelar o que se possa passar, em termos

de recurso da aplicação dessas mesmas coimas e, enfim, dos processos contraordenacionais. Deste ponto de

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vista, parece-nos razoável que, efetivamente, se coloque esta mesma competência na jurisdição do Tribunal da

Propriedade Intelectual.

Na nossa perspetiva, isso faz todo o sentido, mas, tal como dissemos ontem, a questão básica é que, a

montante disso, importa, acima de tudo, considerar, e cremos que a discussão deve ser centrada neste ponto,

que os meios de que dispõe a IGAC (Inspeção-Geral das Atividades Culturais) para a fiscalização desta matéria

devem ser suficientes para que a sua função seja desempenhada com rigor. Por outro lado, evidentemente, ao

juntarmos tarefas às competências do Tribunal da Propriedade Intelectual também isso exige que esta jurisdição

fique dotada dos meios necessários.

Portanto, da nossa parte, há disponibilidade para, em sede de especialidade, justamente como dizia há pouco

a Sr.ª Deputada Vânia Dias da Silva, se fazer uma articulação virtuosa entre o que foi ontem apresentado pelo

Governo e o que o CDS agora aqui nos traz, para que possamos criar um regime que funcione bem do ponto

de vista contraordenacional e, também, do dos recursos.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para uma intervenção, pelo Grupo Parlamentar do PSD, tem

a palavra a Sr.ª Deputada Andreia Neto.

A Sr.ª Andreia Neto (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A propriedade intelectual assume hoje

um papel de enorme relevância para o crescimento económico, a criação de emprego e o desenvolvimento do

sistema de inovação, conquistando uma importância crescente no valor das empresas, tanto de caráter

tecnológico como comercial.

O Tribunal da Propriedade Intelectual foi criado aquando da Lei da Organização do Sistema Judiciário, em

2013, e teve o propósito de agilizar a tramitação dos processos judiciais no âmbito do direito da propriedade

intelectual, concentrando todos os processos existentes num único tribunal, com jurisdição nacional e com

competência exclusiva e restrita.

Mas, Sr.as e Srs. Deputados, se tivermos por base as necessidades da especialização que estiveram na

origem da criação deste tribunal, a iniciativa do CDS, que diz respeito, precisamente, ao alargamento da esfera

de competência daquele tribunal, faz, no entender do PSD, todo o sentido.

Uma vez que o Tribunal da Propriedade Intelectual não tem qualquer competência para julgar decisões em

processos de contraordenação em matéria de direitos de autor e conexos, designadamente o recurso das

decisões da Inspeção-Geral das Atividades Económicas, aditar essa competência para julgar recursos de

decisões em processos de contraordenação em matéria de direitos de autor e conexos, designadamente o

recurso destas decisões, em nosso entender, faz todo o sentido. Ou seja, dada a complexidade processual que

está naturalmente inerente a estas matérias, parece-nos razoável manter a competência para os julgamentos

de recurso na esfera dos tribunais atualmente competentes.

Com este aditamento, continuamos com o propósito que esteve na origem da criação deste Tribunal,

permitindo assegurar uma melhor redistribuição de processos e respetivo descongestionamento, com a redução

do número de pendências nos tribunais de comércio, atualmente competentes para julgar estas decisões. Por

outro lado, o aditamento desta competência vai permitir também uma gestão dos processos em causa mais

eficiente e, naturalmente, com decisões melhores, mais céleres e mais adequadas, atendendo à complexidade

da matéria em causa.

Sr.as e Srs. Deputados: O reconhecimento crescente, pelos agentes económicos, da importância e das

vantagens associadas à utilização deste Tribunal tem conduzido, de facto, a um aumento da procura dos

serviços prestados pelas autoridades públicas que detêm responsabilidades na área da proteção dos direitos de

propriedade industrial, circunstância que acentua a premência na busca contínua de soluções.

Este projeto de lei, apresentado pelo CDS, é mais uma solução a acrescentar a toda essa dinâmica.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando

Anastácio, do Partido Socialista.

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O Sr. Fernando Anastácio (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Antes propriamente de fazer uma

referência ao projeto de diploma que está em cima da mesa, não posso deixar de partilhar com a Câmara uma

visão diferente sobre a justiça daquela que a Sr.ª Deputada Vânia Dias da Silva acabou de expressar. Aliás, o

setor da justiça e os resultados desta Legislatura mostram uma clara diferença relativamente ao passado

recente. E trazia à colação a redução significativa de pendências judiciais, com números que já foram discutidos

nesta Casa, o aumento da celeridade na resolução dos processos judiciais, o reforço significativo de meios que

houve no setor da justiça, que são claramente sinais — e quem quiser ver não terá grandes dúvidas — de que

o estado da justiça, atualmente, não é aquele que foi desenhado, é muito melhor do que o que tínhamos em

2015.

Mas, indo à questão em concreto, o que o CDS aqui traz hoje é, no fundo, um aditar de competências ao

Tribunal da Propriedade Intelectual, portanto, uma revisão à Lei da Organização do Sistema Judiciário, que

criou, de facto, o Tribunal da Propriedade Intelectual, com competências genéricas, alargadas a todo o território

nacional, designadamente em matéria de propriedade industrial, direitos de autor e direitos conexos.

Acontece que o TPI (Tribunal da Propriedade Intelectual) não tem qualquer competência para julgar decisões

de processos de contraordenação em matéria de direitos de autor e direitos conexos, designadamente os

recursos da IGAC.

Sr.as e Srs. Deputados, sendo a organização dos tribunais matéria da reserva de competência da Assembleia

da República, nos termos do artigo 165.º da Constituição, fará todo o sentido, na nossa opinião, que se considere

uma solução legislativa em que a decisão dos recursos das decisões da IGAC em processos de registo e de

contraordenação com conexão a matérias de direitos de autor e direitos conexos sejam competências do TPI.

Estamos de acordo com essa premissa e, por isso, é entendimento do Grupo Parlamentar do Partido Socialista

que esta alteração à Lei da Organização do Sistema Judiciário, proposta no projeto de lei em apreço, faz

parcialmente sentido. E digo que faz parcialmente sentido, porque entendemos que é necessário, em sede de

especialidade, ter em conta respostas adequadas a algumas questões, como, por exemplo, as ligadas ao

comércio e à emissão de bilhetes de ingresso ou à livre fixação de preços no comércio eletrónico, que são

matérias que saem um pouco do foco de especialização da propriedade intelectual, que, na nossa perspetiva, é

claramente um caso de sucesso, pois corremos o risco de, com o alargamento proposto, lhe poder tirar esse

foco. O mesmo se diga no que respeita às competências em matéria de registo e fiscalização de entidades de

gestão coletiva, matérias que, na nossa perspetiva, são essencialmente de natureza do direito administrativo.

Por isso mesmo, é convicção do Partido Socialista que este projeto é suscetível de ser trabalhado em

especialidade, onde podemos ter de afinar esta alteração, e em articulação com as medidas aqui apreciadas

ontem, no âmbito da discussão da proposta de lei que abriu já o caminho da descriminalização de algumas

matérias, que podem agora ser apreciadas em sede contraordenacional. É neste sentido que iremos trabalhar

em especialidade.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Dou agora a palavra, para uma intervenção, ao Sr. Deputado

António Filipe, do PCP.

O Sr. António Filipe (PCP) — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Diríamos que este debate é como que

uma sequela do debate que tivemos aqui ontem e até teria feito sentido, caso tivesse havido uma atenção de

todos relativamente a esse aspeto, que a discussão do projeto de lei que o CDS apresenta pudesse ter ocorrido

ontem, quando discutimos matéria que se relacionava precisamente com a propriedade intelectual.

Na verdade, importa reconhecer que esta atribuição de competência ao Tribunal da Propriedade Intelectual,

no fundo, complementa a decisão que está pendente no processo legislativo que ontem concluímos. A legislação

que foi aqui aprovada não teve aplicação até agora, na medida em que foi instituído um regime

contraordenacional relativamente a violações de direitos autorais que, depois, não teve condições práticas para

ser efetivado, e foi sobre isso que ontem nos estivemos a pronunciar. Mas, além disso, a competência relativa

àquelas contraordenações também não estava atribuída ao Tribunal da Propriedade Intelectual e faria todo o

sentido que estivesse.

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Assim, entendemos que este projeto, que o CDS considerou ser proposta simples, e é, trata de atribuir

competência a um tribunal especializado que foi criado e, sendo esta uma matéria que está obviamente

relacionada com essa especialização de competência, faz todo o sentido que lhe seja atribuída expressamente

por via do diploma que regula a organização do sistema judiciário. Portanto, obviamente, o Grupo Parlamentar

do PCP dá a sua concordância a esta alteração que é hoje aqui apresentada.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Julgo que mais nenhum Sr. Deputado pretende intervir, pelo

que dou a palavra à Sr.ª Deputada Vânia Dias da Silva, para encerrar este debate.

A Sr.ª VâniaDiasdaSilva (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A conclusão óbvia deste

debate é a de registar o consenso unânime, nesta Câmara, de que o princípio é para seguir.

Agradeço, portanto, a disponibilidade de todos os partidos para, em sede de especialidade, afinarmos o que

houver para afinar. Estamos, obviamente, também disponíveis para o fazer.

Há matérias que poderão ter de ser vistas, mas gostava de deixar apenas duas especificações: é verdade

que esta matéria está intrinsecamente ligada à discussão que fizemos ontem da descriminalização da utilização

não autorizada de videogramas e de fonogramas, mas ela vai um pouco além disso. Há já matéria

contraordenacional que hoje é competência da IGAC que deve passar a ser tramitada neste foro — o Tribunal

da Propriedade Intelectual — e que não tem só a ver com aquilo que discutimos ontem. Esta questão é, portanto,

mais lata do que a que discutimos ontem e, por isso, gostava de deixar essa ressalva.

De resto, a questão que discutimos ontem tem um problema — para além dos vaivéns em que o Governo

esteve nessa matéria —, que é o da fiscalização de que há pouco falou o Sr. Deputado José Manuel Pureza, o

problema da possibilidade fáctica de exequibilidade da proposta, porque a IGAC, neste momento, já não tem

meios para as suas competências e, portanto, com mais esta competência, terá esse problema acrescido.

São essas as matérias que vamos ter de discutir na especialidade, mas este projeto de lei vai além dessa

matéria porque, como disse, e repito, há matérias que, já hoje em dia, são da competência da IGAC e que

transitam para este foro.

Gostava ainda de deixar uma nota, porque não resisto a fazê-lo. O Sr. Deputado Fernando Anastácio disse

que, nesta Legislatura, a justiça tem sido tratada com todos os pergaminhos e cheia de atenção. Sr. Deputado,

não é verdade, sabe bem que não verdade! Onde houve redução de pendências foi no foro cível e isso decorre

das reformas que foram feitas no passado. No foro administrativo e fiscal, onde não foi possível chegar tão longe

e fazer-se essas reformas, as pendências acumulam-se e só agora o Governo vem dar conta de iniciativas que

o CDS já apresentou há quase um ano nesta Câmara.

O Sr. NunoMagalhães (CDS-PP): — Bem lembrado!

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Sr.ª Deputada, tem de terminar.

A Sr.ª VâniaDiasdaSilva (CDS-PP): — Termino, Sr. Presidente.

Portanto, é preciso que tenhamos todos a noção de que, nesta Câmara, foi o CDS a única força partidária

que apresentou propostas no âmbito da justiça. O Governo apresentou agora duas, mas é pouco e é curto, e é

pena que não se tenha feito mais pela justiça nesta Legislatura.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Vamos passar ao quinto ponto da ordem de trabalhos, que

consta da discussão, na generalidade, do Projeto de Lei n.º 881/XIII/3.ª (PCP) — Aprova o regime de

regularização de cidadãos estrangeiros indocumentados (sexta alteração à Lei n.º 23/2007, de 4 de julho).

Para apresentar a iniciativa, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe, do Grupo Parlamentar do Partido

Comunista Português.

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O Sr. AntónioFilipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O debate que travámos há poucos minutos

sobre os vistos gold incidiu sobre uma das faces da política de imigração que tem sido dominante em Portugal.

Quem for rico e tiver meio milhão de euros para gastar por cá pode comprar um visto e obter autorização de

residência. Mas há uma outra face: quem for pobre, não tenha outro meio de subsistência que não seja o seu

trabalho e tenha entrado em Portugal de forma irregular fica condenado à ilegalidade, a menos que, de forma

discricionária e excecional, lhe venha a ser concedida autorização de residência.

Esta dualidade de critérios não é aceitável, mas o problema não reside só nessa dualidade de critérios.

A política de imigração do Estado português e a legislação que a suporta deve ser justa, deve respeitar

direitos humanos fundamentais, deve vir ao encontro dos reais interesses da comunidade nacional e deve

respeitar a dignidade da pessoa humana.

Como é amplamente reconhecido, permanecem em Portugal muitos cidadãos não nacionais que trabalham

honestamente, que procuram entre nós as condições de sobrevivência que não têm nos seus países de origem

e que vivem no nosso País, alguns deles há muitos anos, em situação irregular, com todo o cortejo de

dificuldades que essa situação implica quanto à sua integração social.

Se a imigração é um bem indiscutível para a comunidade nacional, já a ilegalidade a que muitos cidadãos

estrangeiros estão condenados constitui um verdadeiro flagelo social a que urge pôr cobro, através de um

combate sem tréguas às redes de tráfico de pessoas, mas também através de uma política que, em vez de

penalizar as vítimas, permita a sua justa integração social com todos os direitos e deveres que lhe são inerentes.

Para o PCP, a solução para a regularização dos cidadãos indocumentados não passa pela reabertura de

processos extraordinários de regularização, como os que foram feitos no passado, a título excecional e

transitório, e com resultados positivos, mas muito limitados. E não passa, tão-pouco, por mecanismos

excecionais e discricionários de regularização como os que a lei já prevê.

A situação dos cidadãos indocumentados em Portugal constitui uma flagrante violação de direitos

fundamentais que não pode ser ignorada. Permanecem em Portugal milhares de cidadãos estrangeiros que

procuraram o nosso País em busca de condições de sobrevivência e que trabalham em diversos setores da

atividade económica sem quaisquer direitos, em alguns casos mesmo sem direito ao salário, beneficiando

pessoas sem escrúpulos que lucram com a chantagem que a situação irregular desses trabalhadores possibilita.

A integração social plena dos cidadãos estrangeiros que se encontram a residir e a trabalhar em Portugal é

uma obrigação indeclinável do Estado português. Só por essa via será possível pôr fim à sobre-exploração a

que esses trabalhadores são sujeitos e respeitar os seus direitos fundamentais.

Os ventos de racismo e xenofobia que sopram por esse mundo fora não se combatem com medidas de

afastamento ou de exclusão social dos imigrantes, capitulando perante inaceitáveis pressões racistas e

xenófobas. Combatem-se, precisamente, com a integração social, tratando todos os cidadãos com a dignidade

a que, como seres humanos, têm direito.

O PCP propõe assim, através do presente projeto de lei, que os cidadãos estrangeiros que se encontrem a

residir em Portugal sem a autorização legalmente necessária possam obter a sua legalização, desde que

disponham de meios de subsistência, através do exercício de uma atividade profissional, ou, em qualquer caso,

desde que vivam permanentemente em Portugal desde momento anterior à última revisão da lei de imigração

que teve lugar em junho de 2015.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. AntónioFilipe (PCP): — Vou terminar de imediato, Sr. Presidente.

Propõe-se, de igual modo, a adoção de processos de decisão dotados de transparência, correção e rigor, a

concessão de autorização provisória de residência aos cidadãos estrangeiros que, tendo requerido a sua

regularização, aguardem decisão final, a aplicação extensiva da regularização ao agregado familiar dos

requerentes e a adoção de mecanismos de fiscalização democrática e participada dos processos de decisão.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Pureza, do Grupo

Parlamentar do Bloco de Esquerda.

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Hoje, vai-se tornando um hábito, Sr. Deputado.

O Sr. JoséManuelPureza (BE): — É verdade, Sr. Presidente. Muito obrigado!

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Um hábito agradável, entenda-se!

O Sr. JoséManuelPureza (BE): — Muito obrigado, Sr. Presidente. Fico muito agradecido por essa sua

amabilidade!

Risos.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Na verdade, como disse o Sr. Deputado António Filipe, com toda a

razão, esta é uma sequência do debate, que acabámos de ter há pouco, sobre a proposta do Bloco de Esquerda

acerca da eliminação de vistos gold. Porque a verdade é que vivemos num País com dois regimes antagónicos

entre si: um regime de criação de facilidades para imigrantes milionários e um regime que cria dificuldades, que

exige crivo absoluto, rigor máximo para os imigrantes que não são milionários.

Há quem, perante isto, diga que não tem quaisquer preconceitos ideológicos. E é verdade, não têm

preconceitos ideológicos, têm apenas preconceitos contra os pobres e a favor dos ricos. Isso é, evidentemente,

só amabilidade, e nada mais.

Ora, o projeto do PCP, do nosso ponto de vista, vai num sentido próximo daquele que motivou um projeto de

lei do Bloco de Esquerda, aprovado muito recentemente, pelo qual, quem já tenha descontos de, pelo menos,

12 meses para a segurança social e esteja imigrado em Portugal terá direito a um visto provisório para regularizar

a sua situação no nosso País.

Entendemos que, não obstante a diferença de soluções preconizadas, a proposta que o PCP agora apresenta

vai, genericamente, no mesmo sentido, a de procurar acautelar de uma outra forma esta mesma situação.

Portanto, estamos convencidos de que será possível, na especialidade, acomodar as soluções preconizadas

pelos vários partidos, na perspetiva, justamente, de se reforçar um reconhecimento mais decente, mais justo

daquilo que são as condições de vida e de direitos das pessoas que imigram para Portugal.

Muito obrigado, de novo, Sr. Presidente, pelo seu cumprimento!

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — A Mesa não regista mais nenhum pedido de intervenção.

Pausa.

O Sr. Deputado José Manuel Pureza, modestamente, diz que, depois da sua intervenção, já não é

necessário.

O Sr. JoséManuelPureza (BE): — Absolutamente!

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Aparentemente, o PSD não concorda consigo.

O Sr. JoséManuelPureza (BE): — Ah!

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado

Feliciano Barreiras Duarte, do Grupo Parlamentar do PSD.

O Sr. FelicianoBarreirasDuarte (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este é mais um debate

sobre matéria associada à imigração, uma matéria a que o PSD dá muita importância e que encara sempre com

muita responsabilidade, mas também em coerência com a defesa dos superiores interesses do País e dos

portugueses, e sempre assente em princípios e valores humanistas.

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Por isso, ao fazê-lo, seja no Governo, como foi no passado e, estou certo, será no futuro, seja na oposição,

como é o caso no presente, entendemos que esta é a decisão mais correta.

A imigração ou, melhor qualificando, as migrações são um dos fenómenos mais relevantes para as

sociedades contemporâneas inclusivas e plurais.

A dupla moeda do fenómeno migratório — quer a emigração, quer a imigração — enfrentam hoje vários

desafios de carácter político, jurídico, económico, social e religioso, que só verdadeiras políticas de imigração,

baseadas na responsabilidade nas entradas e na responsabilidade na integração, conseguirão estar à altura de

um dos principais desafios que o mundo, a Europa e países como Portugal enfrentam nestas matérias.

Aliás, num mundo e numa Europa, em que estas matérias têm criado tantas e inoportunas clivagens, é de

interesse nacional que não se seja politicamente correto, indo ao encontro de abordagens generalistas e

securitárias, explorando as ignorâncias, que na maioria dos casos mais não são do que as mães de muitos

muros que nos separam, de muitos ódios que nos cegam, de muitos medos que nos penalizam e de muitos

populismos que mais não são do que os filhos e as filhas do racismo, da xenofobia e da demagogia, que vão

contra a história da Europa e dos europeus e de países como Portugal.

Portugal é o exemplo de um país que tem conseguido, desde o início deste século, criar e solidificar uma

verdadeira política pública de imigração, com responsabilidade e com resultados, sem entrar quer nas vagas de

demagogia e populismo dos que lá fora, sobretudo, professam o efeito papão da imigração, quer dos que

defendem o efeito chamada.

Como partido político que se orgulha do trabalho desenvolvido em sucessivos Governos por si liderados

desde 2002, recusamos quer o efeito papão, quer o efeito chamada. Porque se há País que tem em relação às

migrações uma política coerente é o nosso. Porque somos, de entre outros aspetos que importa destacar, um

País que tem uma diáspora pelos quatro cantos do mundo e também porque temos beneficiado, e muito — e

estudos não faltam —, com a imigração, não só económica e socialmente, mas também culturalmente,

religiosamente e até com efeitos positivos na nossa demografia.

Por isso, este debate é, para nós, mais uma oportunidade para reafirmarmos estes nossos princípios e o

comprometimento com a defesa e a concretização de uma política pública de imigração com base no humanismo

e na responsabilidade.

Não somos um país apenas emissor, somos, acima de tudo, um País recetor que, no século XXI — o século

do movimento dos povos —, como o fomos durante o século XX, tem pessoas oriundas de vários continentes.

Somos, e para terminar, o partido que teve a responsabilidade de produzir, política e juridicamente, legislação

diversa que permitiu termos do direito da imigração e do direito dos estrangeiros mais modernos e também de

ser o partido político que, no Governo, criou, por exemplo, o ACIME (Alto Comissariado para a Imigração e

Minorias Étnicas) e o ACIDI (Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural), os CNAI (centros

nacionais de apoio ao imigrante), os CLAII (centros locais de apoio à integração de imigrantes), a Linha SOS

Migrante, o Programa Escolhas, de âmbito nacional, o COCAI (Conselho Consultivo para os Assuntos da

Imigração) e muitos outros instrumentos.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. FelicianoBarreirasDuarte (PSD): — Daí que queiramos, aqui, hoje, dizer que esta matéria que o

Partido Comunista nos traz nos merece a melhor atenção e que, por isso mesmo, o nosso voto, nesta iniciativa,

será o da abstenção.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada

Isabel Moreira, do Grupo Parlamentar do Partido Socialista.

A Sr.ª IsabelAlvesMoreira (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Penso que, neste debate, está

a haver uma grande evolução relativamente ao último que tivemos aqui em matéria de imigração, a propósito

dos projetos de lei do Bloco de Esquerda e do PAN, debate já aqui referido pelo Sr. Deputado José Manuel

Pureza.

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Nesse debate, ouvimos falar em más intenções, em perigo de tráfico de seres humanos, em perigo de crimes

terríveis por parte de cidadãos imigrantes e, portanto, é com alegria que vejo que o tom mudou e que se

aprendeu alguma coisa.

Recapitulando, devo dizer o seguinte: como sabemos, temos um regime jurídico estabilizado, um regime que

é elogiado e que tem, de facto, uma carga ideológica. E, ao contrário do que já aqui foi dito algumas vezes, tem

de a ter. É por isso que Portugal, nos últimos tempos, tem caminhado, com o elogio de algumas organizações

internacionais, no sentido contrário ao de algumas péssimas práticas europeias — e ainda bem que assim é.

Tivemos um projeto de resolução do Partido Socialista que foi abandonado, uma vez que o próprio Governo

fez um decreto regulamentar que providenciou aquilo que estava previsto no projeto de resolução do Partido

Socialista, no sentido de agilizar a legalização daqueles que estão cá há mais de um ano na situação a que se

referiam os projetos de lei, recentemente aprovados, do Bloco de Esquerda e do PAN — e, portanto, com

descontos há mais de um ano, em Portugal —, a legalização dos tais que, no último debate, foram vistos como

pessoas eventualmente com más intenções.

Ora, esse regime que permite essa regularização por razões humanitárias está a funcionar — aliás, de acordo

com a última intervenção do Sr. Ministro da Administração Interna, na 1.ª Comissão, tem aumentado o número

de pessoas que são regularizadas ao abrigo desse regime, e devemos estar felizes com isso.

Por outro lado, estamos a fazer e vamos prosseguir um trabalho apurado, em sede de especialidade, uma

vez que aprovámos com seriedade neste Parlamento dois diplomas, já aqui referidos, que não se contentaram

com este regime excecional, de permitir a regularização de pessoas por razões humanitárias, e que pretendem

que qualquer pessoa que esteja em Portugal, mas que tenha entrado ilegalmente, estando, no entanto, a

descontar para a segurança social há um ano ou há mais de um ano, possa ver a sua situação reconhecida e,

portanto, o seu acesso aos direitos sociais reconhecidos. E estamos neste ponto.

O projeto de lei do Partido Comunista Português, em cujos princípios nos reconhecemos plenamente, suscita-

nos algumas dúvidas porque, do ponto de vista técnico, não vai na linha daquilo que referi há pouco, quando

mencionei os projetos anteriores que vão ser discutidos na especialidade, mas, na verdade, aprova um regime

de regularização dos cidadãos estrangeiros paralelo ao regime que já existe…

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem de terminar, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — … e com problemas altamente burocráticos e até dispendiosos para os

próprios cidadãos imigrantes.

São estas as reservas que nos coloca este projeto de lei do PCP.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Em nome do Grupo Parlamentar do CDS-PP, tem, agora, a

palavra, também mais uma vez, o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS tem uma posição clara nestas

matérias e de há muito tempo a esta parte. Em matéria de imigração, defendemos, obviamente, princípios

humanistas, mas princípios humanistas que têm de ser conjugados com uma ideia de rigor na entrada.

Por isso, este projeto de lei do Partido Comunista Português vem ao arrepio daquilo que há muito defendemos

e tem até, na nossa perspetiva, dois riscos fundamentais. Tem o risco de um efeito chamada óbvio, porque, a

partir do momento em que se vai regularizar toda e qualquer situação, o efeito chamada é óbvio, e acaba por

não favorecer uma imigração legal, que tem várias componentes. Portanto, a similitude com o debate anterior e

com a atração de investimento estrangeiro não é forçosa, porque podem vir pessoas ao abrigo desse regime e

também podem vir pessoas — e nós defendemos isso — ao abrigo de um regime humanitário, designadamente,

de integração e de integração, nomeadamente, de migrantes vindos do norte de África. Ambas as coisas não

são incompatíveis, não se pode é criar um mecanismo que vai legalizar toda a gente automaticamente.

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Muito bem!

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O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — O Sr. Deputado António Filipe explicou — e bem, do seu do ponto de

vista — que este regime não se destina àqueles que já têm algum tipo de regularização em Portugal, não se

destina a fazer uma regularização excecional de quem esteja, passe a expressão, «pendurado» e não se destina

àqueles que já têm algum tipo de desconto e de contribuição para a segurança social, tendo entrado legalmente

no nosso território, porque para esses casos já existem propostas anteriores, inclusivamente do Bloco de

Esquerda, que já foram discutidas e viabilizadas. Este regime destina-se, pura e simplesmente, a legalizar todos

os que entrem em Portugal e, designadamente, aqueles que entrem em Portugal de forma ilegal.

Ora, isto, para nós, não é obviamente aceitável, porque o que, com isto, se acaba por dizer, Sr. Deputado

António Filipe, é: «Entrem, em Portugal, a salto, por terra, por ar, por mar, seja como for, porque, depois de

estarem cá dentro, acabarão obrigatoriamente por ver a vossa situação reconhecida e legalizada!».

Portanto, isso não nos parece uma boa solução, não nos parece uma boa ideia. Portugal tem obviamente

uma vocação humanitária, na medida da sua capacidade e daquilo que o Estado português assumir, e deve

assumi-la. Portugal deve obviamente privilegiar quem vem para Portugal, tendo condições de estar em Portugal

e de se integrar, e tendo trabalho. Mas não pode, pura e simplesmente, assumir um estatuto de que quer ser

uma espécie de abrigo para qualquer situação, numa política de braços absolutamente abertos ou de portas

absolutamente escancaradas. Não é esse o nosso objetivo.

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Nós defendemos, como referi, humanismo, mas sem permissividade. E

os eixos centrais da nossa política nesta matéria são sempre os mesmos. Nós queremos rigor na entrada,

humanidade na integração e combate firme ao tráfico e à imigração ilegal, e a forma de combater a imigração

ilegal é legalizando essa mesma imigração. Mas legalizando quem tem entrada legal, em Portugal, e não o

contrário.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para encerrar o debate, tem a palavra o Sr. Deputado António

Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, começaria esta minha última intervenção por valorizar a

atitude que o PSD demonstrou neste debate, atitude essa que isola completamente o CDS à direita, com o

discurso do medo sobre os imigrantes…

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

O Sr. António Filipe (PCP): — … e, ainda por cima, falseando aquilo que consta do projeto de lei do PCP.

A diferença fundamental aqui é que, enquanto o PSD leu, de facto, o projeto de lei do PCP, já o CDS, de duas,

uma: ou não leu o projeto ou quis ler o que lá não estava. É que o Sr. Deputado Telmo Correia vem afirmar que

o que pretendemos dizer, com o nosso projeto, é: «Venham, venham para cá!». Bem, mas isso é o que os

senhores defendem para os vistos gold, quando dizem: «Se trouxerem 500 000 €, venham!» — e isto, sim, tem

um efeito chamada!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

O Sr. António Filipe (PCP): — Agora, tratando-se de uma pessoa que esteja cá a trabalhar, aí, os senhores

já consideram que deve continuar ilegal, que não deve haver possibilidades, a não ser por uma benesse

excecional, de lhe permitir a regularização.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Quem vem por razões humanitárias, pode vir!

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O Sr. António Filipe (PCP): — Chamo a atenção para o facto de, pelo menos por duas vezes, já ter havido,

em Portugal, processos extraordinários de regularização que não produziram nenhum efeito chamada. Desde

os anos 80 que isso acontece e esses processos não trouxeram qualquer efeito chamada; pelo contrário, até

foram aprovados por unanimidade, nesta Assembleia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Não trouxeram outra coisa! É que não trouxeram outra coisa!

O Sr. António Filipe (PCP): — O Sr. Deputado dá-me licença? Se o Sr. Deputado me der licença e me deixar

falar, eu gostaria de concluir.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Faça favor.

O Sr. António Filipe (PCP): — Queria salientar a forma construtiva com que este debate foi encarado,

excetuando a intervenção do CDS que destoou neste debate. É que o nosso propósito relativamente a este

projeto de lei é evitar situações como as que se verificam no nosso País com alguns trabalhadores imigrantes,

que vivem em Portugal e que estão cá a trabalhar, muitos dos quais até fazem as suas contribuições, mas que

não têm a sua situação devidamente legalizada.

Entendemos que é do interesse não apenas dos próprios e das suas famílias mas também da própria

comunidade nacional, tendo em conta a legalidade do mercado de trabalho em Portugal e o respeito elementar

pelos direitos humanos, que essas pessoas tenham a possibilidade de legalizar a sua situação.

Podemos discutir qual é a melhor solução, técnica e administrativa, para o fazer. Não é nosso propósito

burocratizar as coisas; o nosso propósito é encontrar situações que sejam claras, percetíveis por todos e que

permitam que, de uma forma razoável, as pessoas possam obter a sua legalização e que os seus processos

não sejam entravados ou não fiquem na disponibilidade da boa ou melhor vontade por parte da Administração

Pública ou por parte do SEF.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. António Filipe (PCP): — O nosso propósito é que haja um mecanismo claro, mas que permita que as

pessoas que, em Portugal, estão a trabalhar tenham a sua situação devidamente legalizada, como devem ter

todos os trabalhadores nacionais e estrangeiros.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Está, assim, concluída a discussão, na generalidade, do Projeto

de Lei n.º 881/XIII/3.ª (PCP).

Passamos ao debate conjunto, na generalidade, dos Projetos de Lei n.os 885/XIII/3.ª (Os Verdes) — Impede

a comercialização e a utilização de medicamentos veterinários, de uso pecuário, contendo diclofenac, e

1056/XIII/4.ª (PAN) — Interdita a comercialização de medicamentos veterinários cujo princípio ativo seja o

diclofenac.

Para apresentar a iniciativa legislativa de Os Verdes, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Como é do conhecimento

público, um dos problemas globais que mais se fazem sentir no mundo é a questão da perda de biodiversidade

que se está a verificar a um ritmo perfeitamente alucinante.

É um problema global, que requer, também ele, respostas regionais e locais, de modo a que se encontrem

estratégias para preservar justamente essa biodiversidade.

O projeto de lei que, hoje, Os Verdes apresentam à Assembleia da República, que impede a comercialização

e a utilização de medicamentos veterinários, de uso pecuário, contendo diclofenac, é um contributo muito

concreto para a preservação da biodiversidade. É, de facto, esse o grande objetivo deste projeto.

A verdade é que a utilização de diclofenac em medicamentos veterinários, de uso pecuário, tem-se verificado

letal para as aves necrófagas. Nomeadamente, abutres e algumas águias alimentam-se de cadáveres de gado,

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medicado com diclofenac, e acabam por morrer num curto espaço de tempo. De facto, este fármaco persiste

nas carcaças de gado, com efeitos letais para os que delas se alimentam. Há, inclusivamente, casos, a nível

internacional, onde a perda de biodiversidade relativamente a estas espécies, por causa deste caso concreto,

se deu em cerca de 97%, o que é bastante significativo e levou justamente à interdição necessária do diclofenac.

Ora, em Portugal, está em cima da mesa a questão da autorização da comercialização e da utilização de

diclofenac no nosso País. Uma autorização nesse sentido constituiria, na perspetiva de Os Verdes e tendo em

conta aquilo que acabei de referir, uma ameaça a componentes importantes da nossa biodiversidade. E esta

situação acaba por ser tanto mais preocupante quanto muitas dessas espécies apresentam um estatuto sensível

ao nível do Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal.

Falamos de espécies quase ameaçadas, como o grifo, ou de espécies em perigo, como o abutre do Egito e

a águia-real, ou de espécies criticamente em perigo, como o abutre-negro e a águia-imperial ibérica.

São espécies que, no nosso País, têm sido alvo de programas de recuperação das suas populações,

nomeadamente programas comunitários como os projetos LIFE. Recentemente, observámos até algum sucesso

na nidificação e na reprodução, por exemplo, do abutre-negro e da águia-imperial, espécies extremamente

sensíveis e cujas populações têm estado em declínio.

Sr.as e Srs. Deputados, mesmo para finalizar, quero dizer que existem obviamente alternativas de variada

gama a este medicamento aqui em causa, sem o tal efeito negativo para as referidas aves. É justamente por

isso que Os Verdes apresentam este projeto de lei à Assembleia da República.

Entretanto, assumiu a presidência o Vice-Presidente José Manuel Pureza.

O Sr. Presidente: — Para apresentar a iniciativa legislativa do PAN, tem a palavra o Sr. Deputado André

Silva.

O Sr. André Silva (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É indiscutível o risco de extermínio que

o medicamento veterinário com o princípio ativo diclofenac representa para as aves necrófagas, nomeadamente

abutres, grifos e algumas águias que se alimentam de carcaças de animais aos quais tenha sido administrado

este medicamento. A Agência Europeia de Medicamentos recomenda, como medida de gestão do risco, a

retirada do mercado deste medicamento para uso veterinário, uma vez que existem alternativas comprovadas

sem impacto nas aves necrófagas.

Face a este risco patente, e tomando em consideração os vários alertas de Organizações não-

governamentais (ONG) de Ambiente, a Assembleia da República aprovou, em março de 2018, uma

recomendação, da iniciativa do PAN, para que o Governo tomasse medidas no sentido de eliminar este risco.

Quase um ano depois, a DGAV (Direção-Geral de Alimentação e Veterinária) continua sem ter posição oficial,

permanecendo em aberto a possibilidade de comercialização de diclofenac, no nosso País.

Assim, o PAN apresenta um projeto de lei para garantir que o uso de diclofenac seja interdito, uma vez que

esta possibilidade constitui uma negação do compromisso e esforço nacional de conservação de espécies

necrófagas e da prossecução dos objetivos de conservação da natureza e sustentabilidade ambiental, tanto a

nível nacional como a nível europeu.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana

Passos, do Partido Socialista.

A Sr.ª Ana Passos (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos aqui hoje a discutir projetos de

lei que visam impedir a comercialização e a utilização de medicamentos veterinários de uso pecuário contendo

o princípio ativo diclofenac.

No entanto, gostaríamos de sublinhar que a utilização destes medicamentos veterinários em Portugal não se

encontra autorizada. O diclofenac é um anti-inflamatório utilizado em gado pecuário, equivalente ao voltaren

usado nos humanos.

É reconhecido o seu risco para as aves necrófagas, caso se alimentem de cadáveres de animais tratados

com este princípio ativo. Com frequência, e a título de exemplo, são relatados casos ocorridos na Índia, nos

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anos 90, em que se relaciona a morte de abutres e de águias por insuficiência renal aguda após a ingestão de

tecidos de animais mortos que haviam sido medicados com diclofenac.

No entanto, consideramos que comparar a realidade portuguesa, ou até a da própria União Europeia, com a

realidade indiana dos anos 90, particularmente no que concerne a políticas e a práticas de eliminação de

cadáveres de animais mortos das explorações, é profundamente demagógico.

Portugal possui, há muitos anos, sistemas eficazes de recolha de cadáveres de animais mortos, assegurando

a eliminação dos animais que morrem nas explorações pecuárias, o que inviabiliza que os animais necrófagos

se alimentem de animais de produção.

Na União Europeia, a utilização do diclofenac para uso veterinário começou por ser autorizada em Itália a

partir de 1993 para bovinos, suínos e cavalos de desporto. Posteriormente, seguiram-se outras autorizações por

vários Estados-Membros.

No entanto, foi somente após a autorização dada a Espanha, em 2013, que algumas organizações

questionaram a Comissão Europeia e lhe comunicaram as suas reservas quanto ao risco para as populações

de aves necrófagas, preocupação esta igualmente fundamentada nos casos da Índia e do sudoeste asiático.

Consequentemente, medidas de mitigação do risco têm sido implementadas nos países da União onde este

princípio ativo está autorizado. Acresce, ainda, que as autorizações para o uso veterinário destes produtos são

baseadas na avaliação da conformidade com as exigências de diretivas europeias, incluindo sempre a avaliação

da segurança para o meio ambiente.

Sr.as e Srs. Deputados, temos conhecimento de que efetivamente se encontra em fase de avaliação técnica,

pelos peritos da DGAV um pedido de autorização para comercialização de um destes medicamentos

veterinários. Trata-se de uma questão técnica que exige a ponderação dos riscos, de acordo com protocolos

baseados em critérios científicos exigentes, implementados por técnicos qualificados para isso.

Mais ainda: há muito que Portugal está empenhado na recuperação e conservação de aves necrófagas,

demonstrando um cuidado especial com este grupo animal. Veja-se o envolvimento em projetos como o Life

Nature, já aqui referido pela Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

Assim, decisões técnicas deste cariz deverão ser tomadas por quem se encontra certificado para tal, pois

serão certamente as mais assertivas na salvaguarda do bem-estar animal e da diversidade ambiental

portuguesa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos

Matias, do Bloco de Esquerda.

O Sr. Carlos Matias (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Portugal é reconhecido como detentor

de uma fauna muito rica, entre a qual se destaca um pequeno efetivo de aves necrófagas. Falamos de espécies

criticamente em perigo, como a águia-imperial ibérica ou o abutre-negro, este com uma alguma recente

recuperação. Falamos também de espécies quase ameaçadas, como o grifo, o pequeno abutre do Egito — o

chamado «britango» — ou a águia-real.

Acontece que para estas aves necrófagas pode ser fatal a ingestão de produtos que incorporem o diclofenac,

como é o caso das carcaças de animais tratados com medicamentos que contenham este princípio ativo utilizado

na pecuária com efeitos analgésicos e anti-inflamatórios.

Por esta razão, em 2006, o produto foi proibido em países como a Índia, onde desapareceram milhões de

exemplares destas aves, sendo esse desaparecimento associado precisamente ao uso do diclofenac.

Embora seja autorizado em alguns poucos países europeus, o seu uso continua a suscitar controvérsia e a

ser denunciado como uma ameaça séria por diversas entidades credíveis, como a já referenciada Bird Life

Internacional.

Ora, no mínimo, o princípio da precaução impõe-nos a decisão do seu não uso.

A adoção de condicionantes ao uso do diclofenac, como a de apenas ser aplicado em animais estabulados,

por exemplo, não elimina totalmente o risco, pois em qualquer altura poderá falhar o controlo humano.

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Existe um sistema de recolha de animais mortos, é verdade, Sr.ª Deputada Ana Passos, mas recordo que,

em agosto de 2016, houve uma interrupção temporária do serviço do SIRCA (Sistema de Recolha de Cadáveres

de Animais Mortos na Exploração), o sistema que assegura a recolha dessas carcaças.

Nessa altura, a Direção Geral da Alimentação e Veterinária, reconheceu que a circunstância poderia

constituir, passo a citar, «uma ameaça à saúde pública, à saúde animal e ao meio ambiente, gerando-se dessa

forma uma situação crítica» e impôs procedimentos para a eliminação das carcaças dos animais.

Pergunto: quem poderá garantir que esses procedimentos foram ou serão adotados por todos, em todo o

lado? Uma única pequena falha na recolha ou na eliminação da carcaça de um animal medicado com o produto

— ainda que a falha seja ocasional — poderá levar a que toda a população de uma espécie de aves necrófagas

seja dizimada, pois, em Portugal, há espécies em que apenas existe um punhado de aves, um ou dois casais.

Além de mais, como já foi referido, é conhecida a existência no mercado de produtos com a mesma indicação

terapêutica, alternativas seguras, sem as consequências nefastas imputadas ao diclofenac, razão acrescida

para a não assunção de quaisquer riscos, sobretudo estando em causa a sobrevivência de uma fauna tão

vulnerável.

Em 2016, há pouco mais de dois anos, a União Internacional para a Conservação da Natureza aprovou uma

moção recomendando a proibição de diclofenac. O próprio ICNF (Instituto da Conservação da Natureza e das

Florestas) já reconheceu os riscos da sua aplicação para a conservação das aves necrófagas.

Para concluir, Sr.as e Srs. Deputados, parece-nos acertada uma decisão política de proibir explicitamente a

venda e a utilização veterinária de fármacos que utilizem o diclofenac como princípio ativo, não deixando em

aberto essa possibilidade.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A próxima intervenção cabe ao Sr. Deputado António Ventura,

do PSD.

Faça favor.

O Sr. António Ventura (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Temos aqui uma resolução do PAN

e de Os Verdes que raia o populismo, mais uma vez.

Digo populismo, porquê? É que há seis meses esta Câmara deliberou no sentido de recomendar ao Governo

que fizesse um estudo sobre este mesmo medicamento e, apesar daquilo que há seis meses esta Câmara

recomendou, agora o PAN e Os Verdes querem que esta mesma Câmara diga diretamente «não se use».

Bom, não se pode ter as duas coisas ao mesmo tempo: ou, com prudência, se recomenda ao Governo que,

através dos seus serviços técnicos, tendo em conta o seu conhecimento, o seu know-how, se estude as causas

e consequências de aplicar este medicamento, ou então, recomenda-se diretamente.

É que Os Verdes e o PAN estão sempre a tentar marcar a agenda política com algo que já foi decido,

deliberado nesta Câmara, o que não se percebe, a não ser que o PAN e Os Verdes tenham conhecimento de

que os serviços de investigação não funcionam em Portugal.

Vou dar-vos um exemplo: a nossa Academia, a Universidade dos Açores, nunca é demais lembrar, acabou

2018 com um défice de 800 000 €, precisando de uma receita extraordinária de 790 000 €, porque o Governo

da República não paga os serviços que foram contratados no âmbito do empréstimo contraído em 2012. Ou

seja, há um desleixo do Governo da República em relação à Universidade dos Açores,…

O Sr. Adão Silva (PSD): — É verdade!

O Sr. António Ventura (PSD): — … há, efetivamente, um descuido, contrariamente àquilo que o Governo

tem anunciado. Cada vez mais, tenho a impressão de que as palavras do Governo são uma sucata, uma sucata

constante que já não tem qualquer importância, porque aquilo que dizem não fazem.

Portanto, temos um problema na nossa Academia na área da investigação por via do não cumprimento pelo

Governo da República do pagamento dos serviços da dívida de um empréstimo contraído em 2012. Há aqui um

incumprimento, um desleixo, uma negligência que tem implicações diretas na investigação dessa Academia.

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Se Os Verdes e o PAN têm conhecimento de que em Portugal existe falta de financiamento, que há rutura,

então digam, porque podemos, nesse caso, avaliar essa decisão.

O que não se pode fazer é decidir uma coisa há seis meses e, agora, decidir o seu contrário. Ou se tem

ponderação e responsabilidade, ou se tem irresponsabilidade.

Por isso, o PSD não vai embarcar na demagogia e no populismo de voltar a cooperar com a agenda

demagógica e populista do PAN e de Os Verdes.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Dias,

do PCP.

O Sr. João Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Ecologista Os Verdes traz hoje a debate

um projeto de lei através do qual procura impedir a utilização de fármacos de aplicação em veterinária/pecuária

que contenham o princípio ativo diclofenac.

Procura, assim, preservar espécies de animais sensíveis e vulneráveis a esta substância medicamentosa e

de uso veterinário, uma vez que este medicamento pode ser letal para aves necrófagas que, eventualmente,

venham a alimentar-se de cadáveres de animais que tenham sido tratados com medicamentos contendo

diclofenac.

Na exposição de motivos do projeto de lei de Os Verdes, é referido que na Índia, entre 1992 e 2007, a

presença deste fármaco em menos de 1% dos cadáveres de gado predado por este grupo de aves levou ao

declínio das suas populações em cerca de 97%.

Sendo justa a preocupação levantada, parece-nos importante refletir sobre alguns aspetos.

Por um lado, a Índia ainda não terá implementado um sistema de recolha de cadáveres de animais mortos

em exploração como existe em Portugal, sendo conhecido como SIRCA e que tem precisamente como objetivo

assegurar o encaminhamento adequado dos animais mortos na exploração por forma a garantir a salvaguarda

da saúde pública, da saúde animal e do ambiente. Se funcionasse na sua plenitude, este importante sistema

SIRCA praticamente eliminaria o risco para a saúde pública, animal e ambiental.

Contudo, registam-se problemas e o consórcio que gere o sistema integrado de recolha de cadáveres de

animais tem vindo a denunciá-lo, referindo que pode vir a suspender a recolha de animais mortos, porque alguns

operadores económicos, em especial algumas cadeias de supermercados, não têm efetuado o pagamento da

Taxa de Segurança Alimentar Mais, o que faz com que a DGAV tenha a receber cerca de 16 milhões de euros

e faça repercutir em atrasos nos seus pagamentos.

Por outro lado, desconhecemos a dimensão do problema em Portugal, talvez por falta de estudos, isso é

certo, mas o que é verdade é que não sabemos como estão a ser afetados os animais sensíveis a esta

substância. No entanto, há estudos que indicam haver risco para espécies ameaçadas criticamente em perigo.

Ao mesmo tempo, segundo a Ordem dos Médicos Veterinários, existem atualmente alternativas

medicamentosas que podem substituir o diclofenac, produzindo o mesmo efeito.

Nesse sentido, se há risco e esse risco pode ser eliminado e se há uma alternativa viável, não vemos por

que razão não implementamos medidas que possam salvar os animais vulneráveis.

O PCP votará favoravelmente este projeto de Os Verdes alertando, contudo, para possíveis efeitos negativos

sobre a produção pecuária, nomeadamente, pelo aumento dos custos de tratamento associados às alternativas

às substâncias agora eliminadas, os quais devem ser acautelados.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Araújo

Novo, do CDS-PP.

A Sr.ª Ilda Araújo Novo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estas iniciativas do PAN e de

Os Verdes pretendem obstar ao eventual uso pecuário dos medicamentos veterinários que contenham a

substância ativa diclofenac, tal como já foi referido.

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O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada, desculpe interrompê-la.

Peço aos Srs. Deputados que estão em pé o favor de se acomodarem para que a Sr.ª Deputada seja ouvida.

Pausa.

Faça favor de continuar, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Ilda Araújo Novo (CDS-PP): — Continuando, quero dizer que não se trata de um medicamento tóxico

para os animais ou para o homem. Todavia, dos estudos que são invocados, resulta que as aves que se

alimentem das carcaças de animais anteriormente medicados com produtos que incluam aquele princípio ativo

correm o risco de sofrer efeitos letais. Tal dever-se-á ao facto de o efeito da dita substância poder persistir nas

carcaças até sete dias depois da morte dos animais.

A este propósito vem referido que, na década de 90, se verificou uma drástica redução da população de três

espécies de abutres no subcontinente indiano. Na altura, esta quase extinção terá sido atribuída ao regular uso

pecuário do diclofenac naquela região.

Apesar de não se conhecerem estudos que avaliem o impacto nos abutres e em várias espécies de águias,

também necrófagas, existentes em Portugal, diversas entidades, como a BirdLife Europe, a Vulture Conservation

Foundation, a Sociedade Espanhola de Ornitologia, a filial espanhola da World Life Fund e a Sociedade

Portuguesa para o Estudo das Aves, entre outras, em comunicado de imprensa, manifestaram enorme

preocupação face ao impacto potencialmente devastador que o uso do diclofenac poderá ocasionar naquelas

aves que, recorde-se, estão legalmente protegidas por diretiva da União Europeia.

O Sr. Filipe Anacoreta Correia (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Ilda Araújo Novo (CDS-PP): — Compreende-se que, por prudência, seja de ter em séria consideração

os efeitos perniciosos do diclofenac para a fauna necrófaga. Uma eventual autorização de comercialização de

medicamento para uso veterinário por parte da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária poderá, de facto, pôr

em risco a sobrevivência daquelas espécies e, bem assim, o equilíbrio ecológico que se verifique.

Contudo, sucede que, louvando-se alguns destes pressupostos, esta Câmara aprovou em abril do ano

transato uma recomendação ao Governo no sentido de não autorizar a comercialização do diclofenac para uso

veterinário por se considerar que o seu uso pode representar o risco de extermínio para a fauna necrófaga.

O Sr. Filipe Anacoreta Correia (CDS-PP): — Bem lembrado!

A Sr.ª Ilda Araújo Novo (CDS-PP): — De resto, não sendo certo que a Direção-Geral de Alimentação e

Veterinária venha a autorizar o uso veterinário de diclofenac — mais a mais, depois da aprovação da

recomendação a que aludi —, é oportuno salientar que estão disponíveis no mercado medicamentos

alternativos, seguros e igualmente eficazes, como, por exemplo, o meloxicam, que está devidamente autorizado

e em uso veterinário corrente.

O Sr. Filipe Anacoreta Correia (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Ilda Araújo Novo (CDS-PP): — Assim, não se entende a necessidade ou a utilidade dos projetos de

lei do PAN e de Os Verdes, que pretendem proibir o uso veterinário de um medicamento que, afinal, não se

encontra autorizado pela entidade competente para prescrição ou uso pecuário em território nacional.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para encerrar este debate, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa

Apolónia.

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A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Um dos

argumentos que agora mesmo foi aqui dado pelo CDS e também pelo PS foi o de que não se encontra autorizado

o medicamento contendo diclofenac e, portanto, questionam se faz sentido a apresentação do projeto de lei de

Os Verdes.

A minha pergunta é a seguinte: as Sr.as Deputadas têm a certeza absoluta de que não virá a ser autorizado?!

A Sr.ª Ilda Araújo Novo (CDS-PP): — E faz-se antes?!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Não têm!

Então, vamos aplicar um princípio ecologista interessante, que é o da precaução ou, mais adequado, o da

prevenção. É importante a Assembleia da República tomar uma posição muito clara, vinculativa para o

Governo,…

A Sr.ª Ilda Araújo Novo (CDS-PP): — Já tomámos!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — … no sentido de que este não venha a autorizar medicamentos

contendo esta substância. Acho que por aqui está tudo justificado.

A Sr.ª Deputada Ana Passos, do PS, disse há pouco que, havendo um sistema de recolha de cadáveres de

animais, não fazia sentido que as aves necrófagas fossem atingidas, digamos assim, por animais tratados com

esta substância. Isso não é verdade! A Sr.ª Deputada sabe que há zonas a descoberto e sabe que há certas

categorias de produção mais reduzida que não estão associadas ao Sistema de Recolha de Cadáveres de

Animais Mortos na Exploração.

Mais: basta um animal morto que tenha sido tratado com diclofenac, vamos simplificar, para dizimar uma

colónia de abutres!

Estamos, pois, a falar de uma questão séria de conservação de determinadas espécies, de preservação da

biodiversidade, que é preciso levarmos a sério por todas as vertentes.

Sr. Deputado do PSD António Ventura, tem de definir melhor os seus conceitos. Não sei o que entende por

populismo, mas também não sei se o Sr. Deputado gosta de tomar os outros por aquelas que são as suas

atitudes.

Protestos do Deputado do PSD António Ventura.

O que lhe quero dizer é o seguinte: uma recomendação é uma recomendação, um projeto de lei é um projeto

de lei, e Os Verdes nunca apresentaram nenhuma recomendação relativamente a esta matéria. O que Os

Verdes consideram é que, quando dá para vincular o Governo a determinadas matérias que a Assembleia da

República delibera, deve ser apresentado um projeto de lei.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada, queira terminar.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Termino já, Sr. Presidente.

Esta é a primeira iniciativa que Os Verdes estão a apresentar sobre esta matéria — já para não referir várias

iniciativas que temos tomado, designadamente concernentes a perguntas ao Governo sobre planos de

preservação destas espécies, e outras — e consideramos que faz todo o sentido. Se os Srs. Deputados se

quiserem associar à preservação destas espécies devem votar favoravelmente este projeto de lei.

Muito obrigada pela tolerância, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Passamos ao último ponto da ordem de trabalhos de hoje, com

a apreciação, na generalidade, dos Projetos de Lei n.os 1047/XIII/4.ª (PAN) — Altera o Código Penal,

nomeadamente o crime de violação, adaptando a legislação à Convenção de Istambul ratificada por Portugal, e

1058/XIII/4.ª (BE) — Procede à alteração dos crimes de violação e coação sexual no Código Penal, em respeito

pela Convenção de Istambul (47.ª alteração ao Código Penal).

Para apresentar o projeto de lei do PAN, tem a palavra o Sr. Deputado André Silva.

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O Sr. André Silva (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Tribunal da Relação do Porto decidiu

manter em liberdade dois homens que violaram uma mulher em 2016, numa discoteca de Gaia, quando esta

estava inconsciente, alegando que a «ilicitude» não era elevada.

Diz o Acórdão do Tribunal que a culpa dos arguidos situa-se na mediania, ao fim de uma noite com muita

bebida alcoólica, ambiente de sedução mútua e não premeditação na prática dos factos.

A mulher, recordo, estava inconsciente.

Em 2014, entrou em vigor a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência

contra as Mulheres e a Violência Doméstica, mais conhecida por Convenção de Istambul, mas as alterações

para a adaptação da lei portuguesa foram manifestamente insuficientes.

No nosso País, o sexo sem consentimento é menorizado, não é visto como crime de coação sexual ou de

violação. As molduras penais são brandas e a maioria das condenações são transformadas em penas

suspensas, o que é impensável. Tudo isto confirma e reafirma as reivindicações de várias organizações não-

governamentais de direitos humanos, que nos dizem que Portugal não está a cumprir a Convenção de Istambul

e que está a fechar os olhos à violência de género associada aos crimes de violação.

O PAN quer mudar esta realidade.

Queremos que os crimes de coação sexual e a violação se tornem crimes públicos e deixem de estar

dependentes de queixa das vítimas para que os processos sejam iniciados, tal como acontece, aliás, com a

violência doméstica.

Queremos endurecer as molduras penais para que quem comete crimes sexuais cumpra pena de prisão

efetiva, garantindo ainda que existem penas mais gravosas e dissuasoras à prática destes crimes, e

consideramos que os crimes de abuso sexual de pessoas incapazes de resistência ou de pessoas internadas

representam crimes com uma carga de reprobabilidade mais intensa, uma vez que se reportam a situações que

envolvem pessoas com especial vulnerabilidade, devendo por isso passar a figurar como agravantes dos crimes

de coação sexual e de violação.

Sr.as e Srs. Deputados, é simples: se não há consentimento, há violação.

A desvalorização da violência sexual e do elevado impacto desta na vida das vítimas é inaceitável. A

desconsideração destes crimes passa à sociedade uma mensagem de impunidade e uma consequente

sensação de falta de proteção.

Façamos de vez este caminho em Portugal, adaptemos em pleno o teor da Convenção de Istambul, rumo ao

fim da violência de género.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para apresentar o projeto de lei do Bloco de Esquerda, tem a

palavra a Sr.ª Deputada Sandra Cunha.

A Sr.ª Sandra Cunha (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas: O crime de violação carrega

uma fortíssima marca de género. Sabemos que atinge, sobretudo, mulheres e crianças e que é um crime tantas

vezes invisível. Apesar disso, as participações de violação registaram em 2018 um aumento de 22% face ao

ano anterior. Foram apresentadas 408 queixas às forças de segurança, mas sabemos também que estas

queixas são apenas uma pequena parte da realidade. Sabemos da vergonha, do medo e do sentimento de culpa

que impedem as vítimas de falar e que tantas vezes silenciam estes crimes.

Sabemos que tudo isto encontra respaldo numa cultura judicial e numa sociedade que continuam a imputar

às vítimas a responsabilidade daquilo que lhes acontece e a desculpabilizar os agressores dos impulsos que —

coitados! — não conseguem controlar.

As sentenças que têm vindo a público — desde o acórdão da «coutada do macho Ibérico», do Supremo

Tribunal de Justiça, de há 30 anos, ao mais recente acórdão que ficou conhecido como o «acórdão da sedução

mútua» —, mas também as posições de muita gente com responsabilidades públicas nesta matéria, os artigos

de opinião ou os comentários que têm surgido em torno destas sentenças, sustentam inequivocamente a ideia

das vítimas, das mulheres, como as instigadoras, as provocadoras, as sedutoras que «se puseram a jeito» e

que «estavam a pedi-las».

Esta cultura de responsabilização das vítimas e de desculpabilização dos agressores radica e,

simultaneamente, justifica a naturalização e a tolerância dos crimes sexuais sobre as mulheres.

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É preciso, portanto, reconhecer no Código Penal que um ato sexual sem consentimento é um crime de

violação ou de coação sexual. É no não consentimento que radica a violência do ato e a natureza do crime.

A persistente exigência de um processo cumulativo de violência — o agressor que só o é quando exerce

violência, a vítima que só o é quando dá provas de lhe resistir e preferencialmente com violência — destitui o

cerne da sua natureza: um ato sexual não consentido é, per si, um ato de violência!

A existência de violência ou de ameaça grave não devem ser meios típicos de constrangimento, mas, sim,

circunstâncias agravantes da pena. O Código Penal possibilita ainda que se mascarem violações com abusos

sexuais, crimes que têm — todos sabemos! — uma conotação «menos reprovável» na sociedade. É um recurso

não raro que permite julgar violações como abusos sexuais e conferir este peso enorme à existência de violência.

É precisamente este o teor do artigo 36.º da Convenção de Istambul, que faz uma advertência clara: a de

tratar as coisas exatamente como elas são, punir-se pelo crime praticado, não deixando margem para dúvidas

de que sempre que não haja consentimento estamos perante uma violação.

A proposta do Bloco de Esquerda dá corpo às recomendações da Convenção de Istambul, que Portugal

assumiu cumprir, tendo sido, aliás, o primeiro país a ratificá-la, e garante uma efetiva proteção e uma efetiva

justiça às vítimas deste crime absolutamente abjeto e que configura a mais extrema forma de dominação e

subjugação das mulheres.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Sandra

Pereira, do PSD.

A Sr.ª Sandra Pereira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, cumpre dizer que

manda a prudência, especialmente em direito penal, que as alterações legislativas não se façam a reboque, e a

quente, de casos concretos e da pressão mediática.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — É verdade!

A Sr.ª Sandra Pereira (PSD): — Sr.as e Srs. Deputados, sempre haverá decisões menos corretas. Contudo,

esta Assembleia da República não pode nem deve ser um corretor judiciário.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Muito bem!

A Sr.ª Sandra Pereira (PSD): — Os crimes sexuais, Sr.as e Srs. Deputados, são crimes que merecem o

nosso firme repúdio porque são atentatórios da liberdade e autodeterminação sexual e afetam a integridade

psicológica das suas vítimas que, sabemos, são na sua maioria mulheres, configurando assim uma gravíssima

forma de violação de género.

Por isso, quero reafirmar aqui o contínuo empenhamento político do Grupo Parlamentar do PSD no combate

a todas as formas de violência, em especial a violência contra as mulheres pela condição de serem mulheres.

Posto isto, pretendem os autores, com estas iniciativas legislativas, a substituição da expressão utilizada na

tipificação dos crimes de coação e violação. Ou seja, a substituição de «(…) por meio de violência, ameaça

grave ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir (…)» pela

expressão «sem consentimento», por forma, dizem os autores, a acomodar todas as situações em que a prática

sexual não obteve violência, ameaça grave, mas não foi devidamente consentida.

Sr.as e Srs. Deputados, compreendemos os fundamentos que estão subjacentes a esta proposta de

alteração, mas implicaria um grande alargamento da previsão objetiva dos atuais tipos de crime de coação

sexual e violação.

Estamos, Sr.as e Srs. Deputados, a retirar elementos objetivos na definição de crime, acrescentando-lhe

subjetividade. Particularmente em direito penal, onde, como os Srs. Deputados saberão, vigora o princípio da

tipicidade, em que os comportamentos que constituem crime devem ser o mais objetivos e determinados

possíveis.

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A Sr.ª Sandra Cunha (BE): — Mais objetivo do que o «não» é difícil!

A Sr.ª Sandra Pereira (PSD): — Por isso, Sr.as e Srs. Deputados, mantemos a reserva, já aqui expressa em

2015, quando discutimos este mesmo tema que tem a ver com a introdução de um conceito indeterminado como

é o do «não consentimento», que tememos ser gerador de dificuldades interpretativas e de aplicação de lei, ao

que acrescem dificuldades probatórias.

No que diz respeito à natureza pública destes crimes, também temos fundadas reservas, Sr.as Deputadas.

São crimes que se inscrevem na esfera da intimidade de cada um. São crimes, exatamente porque o valor

jurídico que se quer proteger é a liberdade e a autodeterminação sexual, e é justamente a liberdade que se visa

acautelar que fica comprometida ao permitir-se que um terceiro apresente queixa, mesmo contra a vontade da

vítima.

Sr.as e Srs. Deputados, as situações de sexo sem consentimento já podem ser subsumidas na lei, no n.º 2

do artigo 164.º, e não é de todo justo para a Assembleia da República dizer que Portugal não cumpre a

Convenção de Istambul, porque esse artigo foi deliberadamente…

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada, queria pedir-lhe que terminasse.

A Sr.ª Sandra Pereira (PSD): — Vou terminar mesmo, Sr. Presidente.

Como estava a dizer, esse artigo foi deliberadamente alterado aqui, em 2015, de forma a acomodar todas as

situações de sexo sem consentimento no n.º 2 do artigo 164.º.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A próxima intervenção cabe ao Sr. Deputado António Filipe, do

PCP.

Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Propõem o BE e o PAN alterações ao Código

Penal no que se refere ao crime de violação, tendo como referência decisões judiciais transitadas em julgado

que foram alvo de crítica pública com base na consideração de que as penas aplicadas foram demasiado

brandas para a gravidade dos crimes constantes das acusações.

Coloca-se aqui em debate uma questão pertinente, que é a de saber se a lei penal portuguesa, na forma

como tipifica o crime de violação, abrange todas as situações que deve abranger de modo a impedir espaços

indesejáveis de impunidade. Em 2015, as alterações ao Código Penal, aprovadas na sequência da Convenção

de Istambul, permitiram avançar nesta matéria ao não limitar o crime de violação aos casos em que tenha havido

violência. Porém, podemos, ainda assim, discutir se a formulação atual é suficiente para que o ato sexual que,

por não ser consensual, atente contra a liberdade de autodeterminação sexual seja punido como violação. Creio

que, neste ponto, haverá unanimidade nesta Câmara. Os crimes contra a autodeterminação sexual são muito

graves, devem ser punidos como tal e todos devemos trabalhar para encontrar as melhores soluções legais para

que esse objetivo não seja frustrado.

Porém, a esse respeito, as propostas hoje em discussão não são coincidentes e qualquer alteração na

tipificação criminal do crime de violação tem de ser cuidadosamente ponderada, de modo a não frustrar os

objetivos que todos pretendemos, afinal, atingir.

As iniciativas que hoje são propostas contêm, no entanto, aspetos de que discordamos. Em primeiro lugar,

propõem aumentos de penas que são desproporcionados.

A Sr.ª Sandra Pereira (PSD): — Exatamente!

O Sr. António Filipe (PCP): — Não faz sentido que a moldura penal da violação seja igual à do homicídio.

A Sr.ª Sandra Pereira (PSD): — Muito bem!

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O Sr. António Filipe (PCP): — Está mais que demonstrado que não é a maior ou menor moldura penal que

impede a prática de crimes. É claro que a crimes graves devem corresponder penas graves, mas devem ser

evitados aumentos avulsos de penas que nos conduzam a um sistema penal desequilibrado e incoerente.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

O Sr. António Filipe (PCP): — Percebe-se a intenção dos proponentes de agravar as penas para além dos

cinco anos para evitar a suspensão das penas de prisão, mas esse é um problema do Código Penal que não

pode ser resolvido à peça. Ou se volta atrás na decisão tomada há uns anos de permitir a suspensão da

execução de penas de prisão inferiores a cinco anos ou se excluem certos crimes da possibilidade de

suspensão. O que não se pode fazer é aumentar as penas de certos crimes para evitar a suspensão da execução

das penas de prisão.

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — Em segundo lugar, discordamos da consideração da violação como crime

público. Discordamos precisamente em nome da proteção dos direitos das vítimas. Um crime considera-se

público quando essa consideração é do interesse da sociedade. O crime é semipúblico e depende de queixa

quando se remete para o interesse da vítima a ponderação do que fazer em face do crime. Salvo no caso dos

menores, a que o Código Penal já dá resposta, obrigar uma vítima de violação a participar num processo contra

a sua vontade pode levar a uma revitimização que é contraproducente. Também neste aspeto a vítima deve ter

direito à autodeterminação, não pode ser instrumental à realização de uma justiça pública.

Argumenta-se, por analogia, com a violência doméstica. Embora as situações não sejam idênticas, no caso

da violência doméstica permite-se que a vítima possa suspender o processo, o que no caso vertente não se

propõe.

Finalmente, defende-se o agravamento do regime penal proposto com a ideia de alterar a consciência social

relativamente a certo tipo de crimes. O problema é que não é essa a função do direito penal. O direito penal é

uma última ratio de intervenção para a proteção de bens jurídicos fundamentais consolidados. Não é pela via

da repressão penal que se alteram consciências sociais.

Concluímos, pois, afirmando que compartilhamos as preocupações quanto à necessidade de encontrar boas

soluções para a tutela penal adequada dos crimes sexuais, atenta a sua enorme gravidade, mas não nos

identificamos com falsas soluções como as que são propostas, que, podendo ser mediaticamente sedutoras,

são erradas do ponto de vista do interesse das vítimas e da coerência que deve ter uma adequada política

criminal.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Alves Moreira, do Partido

Socialista.

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Como se prova uma

violação? Como qualquer crime. Esta deveria ser a resposta óbvia e a resposta certa. O tempo da coutada do

macho ibérico não tem hoje cabimento no nosso Código Penal. As fundamentações sexistas que chocaram o

País não se corrigem na lei, porque a lei, pura e simplesmente, não as acolhe. Foi por isso que, como muita

gente, a propósito, por exemplo, da invocação da Bíblia para pisar uma mulher, fui para a rua, como outras

pessoas, dizer «justiça machista não é justiça». Mas não podemos, qual legisladores transformados em ativistas

de casos, ir mudando a lei para reduzir a zero a possibilidade de más fundamentações judiciais.

O PS está disponível para participar numa discussão séria, difícil, como são sempre as que se referem a

tipificações penais, e fará uma proposta a curto prazo no que toca à concretização da Convenção de Istambul

em matéria de consentimento da vítima.

O que está em causa nestes projetos é eliminar as referências à «violência» ou à «ameaça grave» nos crimes

de coação sexual e de violação, numa formulação da qual resulte claro que há uma enorme diferença entre —

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isto digo eu — exigir o não consentimento e exigir o consentimento para que o tipo esteja preenchido. É que,

Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, é completamente diferente exigir o não consentimento e exigir o

consentimento para que o tipo seja preenchido, porque se for esse o caminho, Sr. Deputado do PAN, acaba a

liberdade sexual tal como a conhecemos hoje e entramos num admirável mundo novo, que penso que todos e

todas repudiamos.

É neste aspeto, e não só, que o projeto do PAN falha e que o projeto do Bloco de Esquerda surge com a

cautela de manter no tipo a presença do constrangimento. Sr. Deputado do PAN, a construção do tipo penal

sem constrangimento é pura e simplesmente inconstitucional. Insisto que é muito diferente exigir, e bem, no tipo,

o não consentimento e exigir o consentimento.

Os projetos têm problemas técnicos sérios. Não houve emissão de pareceres essenciais, mas posso dar

alguns exemplos: conceitos indeterminados, demasiado amplos, que prometem confusão e risco de

arbitrariedade judicial; incluem reiteração como circunstância agravante, o que é contraproducente, pois vai levar

alguns juízes a condenarem por um só crime reiterado em caso de vários crimes; levanta uma evidente questão

de constitucionalidade, porque implicaria a dupla penalização pelo mesmo crime caso houvesse concurso

efetivo; as agravações pelo resultado são contraditórias para a coação sexual e para a violação; não se pode

agravar o crime em função de «danos graves», porque esse conceito não existe em direito penal, pelo que se

viola o princípio da legalidade; «considerável gravidade» é outro conceito inexistente; a referência à tentativa só

pode ser lapso, porque já existe no artigo 23.º do Código Penal.

A Convenção de Istambul não exige que a violação, fora dos casos em que já o é, seja crime público. O

direito penal tem de fazer o exercício muito difícil de balancear os fins das penas com o espaço de autonomia

individual da vítima.

Perguntamos se é razoável ir mais longe do que já fomos na última alteração ao artigo 178.º, porque hoje,

em certas circunstâncias, o Ministério Público pode dar início ao procedimento mesmo sem queixa. Queremos

aniquilar totalmente o peso da vontade da vítima, esquecendo que o seu interesse pessoal, em função de

circunstâncias irrepetíveis, ao ser devastado por uma imposição estadual, pode significar uma espécie de

segunda morte? Não nos parece.

Saudamos, repito, a possibilidade de um debate sobre o não consentimento livre de propostas que corrigem

más sentenças com aumentos de pena, que em nada protegem as vítimas e que ofendem o Estado de direito.

Façamos um trabalho sério, em conjunto, ouvindo entidades e personalidades que possam contribuir para uma

boa alteração destes tipos penais.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada

Vânia Dias da Silva, do CDS-PP.

A Sr.ª Vânia Dias da Silva (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: O essencial

deste debate foi já tratado pelos grupos parlamentares do PSD, do PCP e do PS. As questões que estão em

cima da mesa são exatamente estas.

Este é um debate obviamente delicado e sensível, porque a questão em si é delicada e é sensível. Nenhum

de nós — acho que esta questão é absolutamente unânime — dirá que não assiste razão a qualquer um dos

proponentes na preocupação que trazem para este debate.

A preocupação é legítima, é uma preocupação que todos temos, mas não se pode resolver da forma como

os partidos que propõem estas iniciativas pretendem resolvê-la.

É evidente que esta preocupação é relativa a um crime grave, muito grave, que constitui uma das formas

mais vis de atentado contra a dignidade das pessoas, sobretudo das mulheres, porque normalmente são elas

as vítimas deste crime; a incidência é maior nas mulheres. É evidente, também, e todos sabemos isso, que, às

vezes, há sequelas que são dificilmente ultrapassáveis, muitas delas até são inultrapassáveis, e sabemos que

este tipo de crimes aumentou —, o RASI (Relatório Anual de Segurança Interna) de 2017 diz isso mesmo.

Mas, repito, esta não é a forma de resolver o problema. Ela é errada na técnica e é errada na motivação,

pelo menos numa parte dela. Legislar atrás de casos concretos é sempre muito perigoso e, normalmente, não

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I SÉRIE — NÚMERO 37

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dá muito bom resultado. Estas são matérias que exigem ponderação, estudo, audições muito concretas de

pessoas que tenham provas dadas na matéria. É preciso muita ponderação.

A forma de resolver o problema está errada na técnica por três razões essenciais, tendo a primeira a ver,

naturalmente, com a questão do consentimento. Centrar tudo à volta do consentimento gera dificuldades várias,

que já aqui foram expostas, desde logo dificuldades probatórias. Ao irmos longe demais nesta matéria, corremos

o perigo de podermos, inclusivamente, desvirtuar o princípio in dubio pro reo. Portanto, é preciso que todos

tenhamos consciência daquilo que estamos a fazer. Esta é uma matéria que não pode ser tratada com a ligeireza

que os Srs. Deputados puseram nestas iniciativas. Há que ponderar e estudar a questão do consentimento e

ver em que moldes e em que medida é que se pode tratar esta questão, senão, às tantas, caímos no ridículo de

precisarmos de um requerimento para tratarmos destas matérias.

A segunda razão prende-se, por exemplo, com outra questão que deixam de fora, que tem a ver com o abuso

sexual de pessoa internada. A pessoa internada pode consentir, mas esse consentimento é obviamente

condicionado. Ora, essas matérias não são tratadas pelos diplomas, pelo que têm também de ser obviamente

examinadas.

Para terminar, Sr. Presidente, a terceira razão tem a ver com a construção do Código Penal, que entendemos

dever ser revisto. O nosso Código Penal já foi alvo de 47 alterações, mas precisa urgentemente de uma revisão

sistemática, aturada e aprofundada, que tem de ser uma revisão no seu todo. O Código Penal precisa,

efetivamente, de ser visto no seu todo. Há alguns crimes económicos que têm um peso sobrevalorizado em

relação a alguns crimes contra as pessoas. É verdade! Mas temos de pegar no Código Penal e vê-lo de fio a

pavio, sem prejudicarmos a sua sistémica.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Peço-lhe que termine, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Vânia Dias da Silva (CDS-PP): — Termino, Sr. Presidente.

É essencial que o Código Penal mantenha o seu sistema, e isso não pode ser desvirtuado com os projetos

que estão aqui em discussão. Por isso, o CDS apresentou, em março de 2018, um projeto de resolução para,

com uma comissão de penalistas, se proceder a essa revisão do Código Penal. É isso que entendemos que

deve ser feito, e esta é uma das matérias que deve ser tratada nessa sede.

Muito obrigada, Sr. Presidente.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, a encerrar o debate, tem a palavra o Sr.

Deputado André Silva.

O Sr. André Silva (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Relativamente aos aumentos das

molduras penais, sobre as quais várias bancadas mostraram a sua discordância, cabe referir que estas

funcionam como balizas de prevenção situadas entre um mínimo imprescindível à estabilização das expetativas

comunitárias e um máximo centrado na culpa do agente.

Ora, algo está a falhar. Da análise do RASI de 2017 resulta que o crime de violação foi um dos únicos crimes

que subiu comparativamente ao ano anterior. Os crimes sexuais não só não diminuem como aumentam de ano

para ano, o que demonstra que os atuais parâmetros legais não estão a funcionar como método de persuasão

suficiente. O aumento das molduras penais colocaria termo ao elevadíssimo número de suspensões da

execução da pena de prisão. Em 2016, a pena suspensa foi aplicada a 58% das condenações por crimes

sexuais, o que demonstra uma grave desconsideração relativamente a estes crimes. Cabe ao Estado traçar as

políticas públicas adequadas para travar esta galopante realidade.

Quanto à revogação dos crimes de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência ou de pessoa internada,

consideramos que estes crimes não devem ser autonomizáveis, passando a integrar o elenco de elementos

agravantes dos crimes de coação sexual e de violação por serem de maior reprobabilidade. Esta revogação não

desprotege as pessoas que caem nas situações do abuso sexual de pessoa internada, uma vez que quando se

fala de consentimento, fala-se de um consentimento livre, expresso e esclarecido e não de um consentimento

advindo de uma qualquer subjugação institucional.

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11 DE JANEIRO DE 2019

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Quanto à pretensão de atribuir natureza pública aos crimes de coação sexual e violação, estamos

inteiramente disponíveis para ouvir os contributos de todos os partidos em sede de especialidade. Não podemos

esquecer que existem muitas vítimas que não avançam ou não prosseguem com o respetivo processo-crime

por receios de marginalização ou retaliação. Temos de mudar o paradigma. Tem de ficar assente no espírito da

sociedade que as mulheres vítimas de crimes sexuais não são as culpadas, mas sim quem as abusa ou as viola.

Por fim, e que para nós é a questão mais relevante, consideramos que Portugal deve proceder a uma correta

aplicação do teor da Convenção de Istambul, centrando a verificação dos crimes de coação sexual e de violação

na existência ou não de consentimento. No nosso entender, a nossa lei não é clara neste ponto e deve sê-lo

para que não haja margens para subterfúgios: se não há consentimento, há violação e levaremos o projeto de

lei à discussão na especialidade para que se encontre a melhor redação.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Srs. Deputados, fica assim concluída a ordem de trabalhos de

hoje.

Antes de anunciar a ordem do dia para amanhã, dou a palavra à Sr.ª Secretária Emília Santos para fazer um

anúncio à Câmara.

A Sr.ª Secretária (Emília Santos): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, deu entrada na Mesa, e foi admitido

pelo Sr. Presidente, o Projeto de Resolução n.º 1931/XIII/4.ª (BE) — Recomenda a adoção de medidas que

garantam o acesso de todos os utilizadores de transporte público ao programa de apoio à redução tarifária nos

movimentos pendulares, que baixa à 6.ª Comissão.

É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A próxima reunião plenária terá lugar amanhã, às 10 horas,

constando da ordem de trabalhos o debate quinzenal com o Sr. Primeiro-Ministro, ao abrigo da alínea a) do n.º

2 do artigo 224.º do Regimento, sobre o Programa Nacional de Investimentos 2030.

No final do debate, procederemos também a votações regimentais.

Recordo, ainda, as Sr.as Deputadas e os Srs. Deputados de que amanhã haverá eleições para um Secretário

e um Vice-Secretário da Mesa da Assembleia da República, para um membro para o Conselho Nacional de

Procriação Medicamente Assistida, para um membro para o Conselho Superior de Segurança Interna e para

dois Deputados integrarem o Conselho Superior de Segurança do Ciberespaço.

Desejo a todas e a todos o resto de boa tarde.

Até amanhã.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 23 minutos.

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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