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11 DE JANEIRO DE 2019

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O Sr. André Silva (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Tribunal da Relação do Porto decidiu

manter em liberdade dois homens que violaram uma mulher em 2016, numa discoteca de Gaia, quando esta

estava inconsciente, alegando que a «ilicitude» não era elevada.

Diz o Acórdão do Tribunal que a culpa dos arguidos situa-se na mediania, ao fim de uma noite com muita

bebida alcoólica, ambiente de sedução mútua e não premeditação na prática dos factos.

A mulher, recordo, estava inconsciente.

Em 2014, entrou em vigor a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência

contra as Mulheres e a Violência Doméstica, mais conhecida por Convenção de Istambul, mas as alterações

para a adaptação da lei portuguesa foram manifestamente insuficientes.

No nosso País, o sexo sem consentimento é menorizado, não é visto como crime de coação sexual ou de

violação. As molduras penais são brandas e a maioria das condenações são transformadas em penas

suspensas, o que é impensável. Tudo isto confirma e reafirma as reivindicações de várias organizações não-

governamentais de direitos humanos, que nos dizem que Portugal não está a cumprir a Convenção de Istambul

e que está a fechar os olhos à violência de género associada aos crimes de violação.

O PAN quer mudar esta realidade.

Queremos que os crimes de coação sexual e a violação se tornem crimes públicos e deixem de estar

dependentes de queixa das vítimas para que os processos sejam iniciados, tal como acontece, aliás, com a

violência doméstica.

Queremos endurecer as molduras penais para que quem comete crimes sexuais cumpra pena de prisão

efetiva, garantindo ainda que existem penas mais gravosas e dissuasoras à prática destes crimes, e

consideramos que os crimes de abuso sexual de pessoas incapazes de resistência ou de pessoas internadas

representam crimes com uma carga de reprobabilidade mais intensa, uma vez que se reportam a situações que

envolvem pessoas com especial vulnerabilidade, devendo por isso passar a figurar como agravantes dos crimes

de coação sexual e de violação.

Sr.as e Srs. Deputados, é simples: se não há consentimento, há violação.

A desvalorização da violência sexual e do elevado impacto desta na vida das vítimas é inaceitável. A

desconsideração destes crimes passa à sociedade uma mensagem de impunidade e uma consequente

sensação de falta de proteção.

Façamos de vez este caminho em Portugal, adaptemos em pleno o teor da Convenção de Istambul, rumo ao

fim da violência de género.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para apresentar o projeto de lei do Bloco de Esquerda, tem a

palavra a Sr.ª Deputada Sandra Cunha.

A Sr.ª Sandra Cunha (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas: O crime de violação carrega

uma fortíssima marca de género. Sabemos que atinge, sobretudo, mulheres e crianças e que é um crime tantas

vezes invisível. Apesar disso, as participações de violação registaram em 2018 um aumento de 22% face ao

ano anterior. Foram apresentadas 408 queixas às forças de segurança, mas sabemos também que estas

queixas são apenas uma pequena parte da realidade. Sabemos da vergonha, do medo e do sentimento de culpa

que impedem as vítimas de falar e que tantas vezes silenciam estes crimes.

Sabemos que tudo isto encontra respaldo numa cultura judicial e numa sociedade que continuam a imputar

às vítimas a responsabilidade daquilo que lhes acontece e a desculpabilizar os agressores dos impulsos que —

coitados! — não conseguem controlar.

As sentenças que têm vindo a público — desde o acórdão da «coutada do macho Ibérico», do Supremo

Tribunal de Justiça, de há 30 anos, ao mais recente acórdão que ficou conhecido como o «acórdão da sedução

mútua» —, mas também as posições de muita gente com responsabilidades públicas nesta matéria, os artigos

de opinião ou os comentários que têm surgido em torno destas sentenças, sustentam inequivocamente a ideia

das vítimas, das mulheres, como as instigadoras, as provocadoras, as sedutoras que «se puseram a jeito» e

que «estavam a pedi-las».

Esta cultura de responsabilização das vítimas e de desculpabilização dos agressores radica e,

simultaneamente, justifica a naturalização e a tolerância dos crimes sexuais sobre as mulheres.

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