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Sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019 I Série — Número 52

XIII LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2018-2019)

REUNIÃOPLENÁRIADE14DEFEVEREIRODE 2019

Presidente: Ex.mo Sr. José Manuel Marques da Silva Pureza

Secretários: Ex.mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Sandra Maria Pereira Pontedeira António Carlos Bivar Branco de Penha Monteiro Ana Sofia Ferreira Araújo

S U M Á R I O

O Presidente (José Manuel Pureza) declarou aberta a

sessão às 15 horas e 5 minutos. Procedeu-se a um debate de atualidade, requerido pelo

PSD, ao abrigo do artigo 72.º do Regimento, sobre bitola ferroviária. Depois de o Sr. Deputado Carlos Silva (PSD) ter aberto o debate, usaram da palavra, a diverso título, além daquele orador, o Secretário de Estado das Infraestruturas (Guilherme W. d’Oliveira Martins) e os Deputados Ricardo Bexiga (PS), Hélder Amaral (CDS-PP), Paulo Rios de Oliveira (PSD), Heitor de Sousa (BE), José Luís Ferreira (Os Verdes), Bruno Dias (PCP), Carlos Pereira (PS) e Emídio Guerreiro (PSD).

Foi apreciada, na generalidade, a Proposta de Lei n.º 173/XIII/4.ª (GOV) — Regula a operação de sistemas de aeronaves civis não tripuladas (drones) no espaço aéreo nacional. Proferiram intervenções, além do Ministro da Administração Interna (Eduardo Cabrita), os Deputados

Hélder Amaral (CDS-PP), Joel Sá (PSD), Jorge Machado (PCP), Heitor de Sousa (BE) e Hugo Costa (PS) e a Secretária de Estado Adjunta e da Administração Interna (Isabel Oneto), que encerrou o debate.

Foi apreciada, na generalidade, a Proposta de Lei n.º 174/XIII/4.ª (GOV) — Reformula e amplia o Sistema de Informação da Organização do Estado (SIOE). Intervieram, além da Secretária de Estado da Administração e do Emprego Público (Maria de Fátima Fonseca), os Deputados Conceição Bessa Ruão (PSD), Rita Rato (PCP), Cecília Meireles (CDS-PP), Fernando Anastácio (PS) e Pedro Filipe Soares (BE).

Foi discutido o Projeto de Resolução n.º 1965/XIII/4.ª (CDS-PP, PSD, PS e BE) — Constituição da II Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar à recapitalização da Caixa Geral de Depósitos e à gestão do banco, tendo-se pronunciado os Deputados João Pinho de Almeida (CDS-PP),

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Duarte Pacheco (PSD), João Paulo Correia (PS), Mariana Mortágua (BE), Duarte Alves (PCP) e Paulo Trigo Pereira (N insc.).

Foram apreciados, na generalidade, os Projetos de Lei n.os 834/XIII/3.ª (PSD) — Cria um mecanismo de regularização oficiosa das declarações de IRS em decorrência de decisões judiciais que impliquem devoluções aos contribuintes de prestações tributárias indevidamente cobradas e 1102/XIII/4.ª (CDS-PP) — Cria, em complemento à Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro, um mecanismo de regularização oficiosa das declarações de IRS em decorrência de decisões judiciais que impliquem devoluções aos contribuintes de prestações tributárias indevidamente cobradas. Proferiram intervenções os Deputados Teresa Leal Coelho (PSD), Cecília Meireles (CDS-PP), Fernando Rocha Andrade (PS), Duarte Alves (PCP) e Mariana Mortágua (BE).

Foi discutido, na generalidade, o Projeto de Lei n.º 1070/XIII/4.ª (CDS-PP) — Segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 466/99, de 6 de novembro de 1999, que elimina a possibilidade da redução do valor da pensão de preço de sangue quando esta resulte de falecimento de deficiente das

Forças Armadas, tendo proferido intervenções os Deputados João Rebelo (CDS-PP), Maria Lopes (PS), Bruno Vitorino (PSD), António Filipe (PCP) e Pedro Filipe Soares (BE).

Foram discutidos, em conjunto, na generalidade, os Projetos de Lei n.os 937/XIII/3.ª (Os Verdes) — Alarga a abrangência das regras de rotulagem para os alimentos geneticamente modificados e 1100/XIII/4.ª (PAN) — Torna mais transparentes as regras de rotulagem relativas à presença de organismos geneticamente modificados em subprodutos de animais, refeições e produtos não embalados. Usaram da palavra os Deputados Heloísa Apolónia (Os Verdes), André Silva (PAN), Lúcia Araújo Silva (PS), Ângela Moreira (PCP), Carlos Matias (BE), Patrícia Fonseca (CDS-PP) e Nuno Serra (PSD).

Deu-se conta da entrada na Mesa dos Projetos de Resolução n.os 1980 a 1984/XIII/4.ª, dos Projetos de Lei n.os 1126 e 1127/XIII/4.ª e das Apreciações Parlamentares n.os 115 e 116/XIII/4.ª.

O Presidente (Eduardo Ferro Rodrigues) encerrou a sessão eram 18 horas e 20 minutos.

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O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.as e Srs. Deputados, muito boa tarde. Vamos dar início à nossa

sessão.

Eram 15 horas e 5 minutos.

Peço aos Srs. Agentes da autoridade que façam o favor de abrir as galerias.

Não havendo expediente para ser lido, vamos entrar no primeiro ponto da nossa ordem de trabalhos, que

consta de um debate de atualidade, requerido pelo Partido Social Democrata, ao abrigo do artigo 72.º do

Regimento, sobre bitola ferroviária.

Para dar início ao debate, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Silva.

O Sr. Carlos Silva (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Em

democracia, o final de um mandato coincide, normalmente, com uma fase de inaugurações.

Este Governo, como não tem inaugurações para efetuar, a poucos meses das eleições, e com o intuito de

disfarçar o que não fez e devia ter feito, confronta-nos com uma avalanche de anúncios de obras que não

existem, com promessas de milhares de milhões para «tudo e um par de botas», sem qualquer financiamento

garantido, sem a reflexão necessária, numa espécie de «tudo ao molho e fé em Deus» — sim, esta é a imagem

que se pode ter do programa 2030!

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Muito bem!

O Sr. Carlos Silva (PSD): — Acontece que a realidade concreta do dia a dia dos portugueses é muito má ao

nível da ferrovia. Quando temos comboios que perdem o motor em andamento, atingimos o impensável!

Propomos este debate de atualidade porque não vemos, nem ninguém vê, espelhado neste mesmo plano o

desenvolvimento e a modernização da ferrovia, nomeadamente sob a forma de bitola europeia.

Em toda a Europa, os corredores ferroviários internacionais obedecem às mesmas medidas padrão, que

proporcionam a mobilidade e a interoperabilidade, tornando os países mais acessíveis. Estamos a falar de

comboios modernos, confortáveis e de velocidade alta, não de projetos de alta velocidade, com os quais,

provavelmente, os Srs. Membros do Governo vão tentar confundir os portugueses na intervenção que farão.

A questão que se coloca é a de saber se o Governo português pretende ou não apostar na ferrovia, seguindo

um padrão europeu. A resposta é «não»! O Governo pretende investir em ferrovia no percurso internacional,

mas em bitola ibérica de via única, bitola esta que deixará de ser ibérica e passará a ser só portuguesa, porque,

a partir de 2023, a Espanha irá abandoná-la e só Portugal, de forma isolada, ficará com ela, numa espécie de

«Brexit ferroviário».

Aplausos do PSD.

Perguntarão: o que ganham os portugueses com isto? Nada! Não ganham nada, pelo contrário, perdem, pois

a insistência neste erro estratégico compromete, de forma severa, o futuro das nossas empresas: perdem as

exportações, perdem a produtividade e a competitividade da nossa economia, já para não falar da perda das

vantagens ambientais de retirar milhares de camiões das estradas, da perda das vantagens ao nível da redução

dos custos de transporte de bens, da perda das vantagens na redução da fatura da dependência energética e

da perda, de forma inacreditável, do acesso a fundos comunitários que podem ir até 85%, a fundo perdido. Isto,

para uma economia com as características da nossa, não será, com certeza, despiciendo.

Sr. Secretário de Estado das Infraestruturas, Portugal está a perder oportunidades e o Governo coloca-nos

numa verdadeira e temível ilha ferroviária. O facto de o Governo insistir na bitola ibérica, quando anuncia a maior

modernização dos últimos 100 anos, é um erro estratégico, pois deixa Sines, o nosso porto com maior potencial,

completamente desligado da Europa.

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Muito bem!

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O Sr. Carlos Silva (PSD): — Não é verdade que Sines vá ficar ligado à Europa, como diz o Sr. Primeiro-

Ministro. Mais uma vez, como no aeroporto de Beja, os alentejanos vão mesmo ficar «a ver passar comboios»

e o Porto de Sines vai ficar apeado do comboio europeu.

Sr.as e Srs. Deputados, os portos de mar não podem ficar desligados da Europa. Portugal investiu muito no

aumento da capacidade logística dos portos marítimos, sendo este um fator de vantagem competitiva para

Portugal face aos restantes países da Europa.

Neste contexto, é extremamente crítico e deveras exigente um meio de comunicação rápido, com grande

capacidade de transporte de mercadorias, pois só assim Portugal poderá ser a verdadeira porta de entrada das

mercadorias que circulam no oceano Atlântico, dirigidas à Europa.

Inacreditável é mesmo a justificação dada pelo Sr. Ministro, numa recente entrevista, quando disse que

«manter a bitola ibérica é uma forma de evitar a concorrência desenfreada dos mercados liberalizados». Isto

serve a quem, Sr. Ministro Pedro Marques?! Proteção natural do quê?! Que interesse público é necessário ser

acautelado se continuamos a investir em bitola ibérica?!

Srs. Membros do Governo, proteger o interesse público e as nossas empresas é permitir a utilização da

nossa rede de transportes por diferentes operadores e a livre concorrência, para podermos beneficiar de preços

melhores e melhores serviços para as empresas e para os cidadãos, em detrimento de monopólios.

Aplausos do PSD.

Sr.as e Srs. Deputados, a Espanha já percebeu a vantagem que tem em manter os portos portugueses

isolados do resto da Europa e, por esse motivo, está a apostar numa transformação significativa dos seus

transportes ferroviários em bitola europeia.

O Governo insiste em dizer que a Espanha não está a fazer nada em bitola europeia, o que é completamente

falso. Os corredores estão a avançar em Espanha, não estão é a avançar para Portugal! Porque será? É

perfeitamente natural que a Espanha faça avançar os seus projetos de bitola europeia internamente e não

avance para Portugal, pois, quanto mais afastados estiverem os nossos portos do centro da Europa, melhor

para as empresas e a economia espanholas.

Em matéria de transportes, vamos ficar condicionados pela Espanha e totalmente dependentes das

plataformas logísticas que estão a ser construídas perto das nossas fronteiras, em Vigo, Salamanca e Badajoz.

Já o Sr. Ministro, que está em campanha e não veio a este Parlamento, continua a dizer alegremente que vai

fazer o maior investimento do século!

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Está a fazer campanha eleitoral!

O Sr. Carlos Silva (PSD): — Há uns meses, neste Parlamento, aconselhei o Sr. Ministro das Infraestruturas

a parar, escutar e olhar: a parar com a campanha, a escutar os portugueses e a olhar para o futuro. Agora,

deixo-lhe mais um conselho: que pare para pensar um bocadinho que interesse público é que pretende

acautelar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A Mesa regista a inscrição do Sr. Deputado Ricardo Bexiga, do

Partido Socialista, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Carlos Silva.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Ricardo Bexiga (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.

Deputado Carlos Silva, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista está muito entusiasmado com este debate de

atualidade sobre a bitola, e imaginamos que o povo português também esteja.

Contudo, temos alguma dificuldade em perceber como é que, no momento em que vivemos um processo de

grande transformação no setor ferroviário, no momento em que, finalmente, estamos a recuperar dos anos e

anos de marasmo e abandono total a que o anterior Governo, PSD/CDS, votou o sistema ferroviário nacional, o

PSD vem agora com o tema da bitola.

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Isto só demonstra que, eventualmente, neste momento, no que diz respeito não só à área dos transportes

mas, fundamentalmente, aos grandes temas que interessam aos portugueses, no Grupo Parlamentar do PSD o

único tema sobre o qual haverá algum consenso será o da bitola. Os portugueses, com certeza, agradecem ao

PSD!

Vozes do PSD: — Oh!

O Sr. Ricardo Bexiga (PS): — Srs. Deputados do PSD, gostava de perceber se pensaram bem no tema que

trouxeram, hoje, a debate na Assembleia da República.

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Isso é ofensivo!

O Sr. Ricardo Bexiga (PS): — O que é que propõem? Propõem que o Governo faça um investimento global

na alteração do atual sistema de bitola do canal ferroviário em todas as linhas nacionais? No serviço regional?

No serviço urbano? No serviço de mercadorias?

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Não ouviu! O Sr. Deputado não ouviu!

O Sr. Ricardo Bexiga (PS): — Propõem, também, que o Governo faça um investimento global no sentido de

alterar o material que, hoje, circula nas nossas linhas ferroviárias para as afetar à bitola europeia? Desconhecem

que, hoje, o material circulante já tem bogies com um eixo variável que adapta a sua circulação à bitola europeia

e à bitola ibérica?

Qual é o custo que os senhores projetaram para esta proposta de alteração da bitola ibérica para a bitola

europeia que vos leva a trazer este assunto à atualidade?

Qual é a necessidade, designadamente do ponto de vista do serviço de mercadorias, de alterar a atual bitola

para a bitola europeia? Não é verdade que, hoje, do ponto de vista do serviço de mercadorias, o que nos

interessa, efetivamente, é a bitola ibérica, porque o grande corredor é o de Portugal-Espanha?

O Sr. João Paulo Correia (PS): — Muito bem!

O Sr. Ricardo Bexiga (PS): — Também pretendem alterar a bitola no serviço de passageiros? É isso que

pretendem?

De facto, é espantoso que, depois de anos e anos de abandono do setor ferroviário, no momento em que o

Governo finalmente está a alterar a importância do sistema ferroviário, não só no quadro nacional mas também

no internacional, venham trazer uma proposta de alteração sem sequer conseguirem referir o seu custo. Quais

são as opções desta alteração?

Aplausos do PS.

São estas as questões que deixo ao Grupo Parlamentar do PSD, com a certeza de que o País agradece que

tenham trazido este importante tema para a discussão da atualidade política, na sessão de hoje.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Silva.

O Sr. Carlos Silva (PSD): — Sr. Presidente, agradeço a questão colocada pelo Sr. Deputado Ricardo Bexiga,

do Partido Socialista.

Sr. Deputado, estamos sempre disponíveis para falar do passado e assumimos perfeitamente a nossa

herança do passado, mas, sobre o presente e o futuro, têm de falar os senhores, pelo que as perguntas têm de

ser feitas a vós próprios.

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Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Carlos Silva (PSD): — Portanto, sobre esse aspeto, penso que estamos conversados.

Relativamente aos corredores internacionais — porque é disso que estamos a falar —, mais do que os

passageiros, são mesmo as mercadorias que é necessário circularem nos corredores internacionais. Sabe

porquê? É que um contentor de uma empresa portuguesa paga mais 50% na fronteira de Irun para passar para

o resto da Europa.

O Sr. Ricardo Bexiga (PS): — Até onde?

O Sr. Carlos Silva (PSD): — Isto é inacreditável! Isto é fragmentar as empresas portuguesas!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Isso é por causa da bitola?!

O Sr. Carlos Silva (PSD): — Sabe que mais? Até podemos continuar com a bitola ibérica até 2023, mas

sabe o que é que vai acontecer depois? Vamos circular por uma via estreita, por Espanha, através de Ciudad

Real, até Madrid.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Já vai até Espanha?!

O Sr. Carlos Silva (PSD): — E sabe o que é que vai acontecer? As nossas mercadorias vão estar à espera

de vaga para entrar nos principais corredores internacionais, não a vão ter e, nessa circunstância, mais uma

vez, as empresas vão ver os seus custos encarecidos.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Ó senhor, onde se foi meter!…

O Sr. Carlos Silva (PSD): — Como tal, há vantagens das quais não vamos beneficiar no futuro, porque o

Partido Socialista não tem visão estratégica relativamente aos portugueses e às empresas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, em nome do Governo, tem a palavra o

Sr. Secretário de Estado das Infraestruturas, Guilherme d’Oliveira Martins.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Não vai falar o Ministro das Infraestruturas?!

O Sr. Secretário de Estado das Infraestruturas (Guilherme W. d’Oliveira Martins): — Sr. Presidente, Srs.

Deputados: Portugal tem, atualmente, em curso o mais ambicioso programa de modernização da rede ferroviária

das últimas de décadas.

Estou a falar do plano Ferrovia 2020, um plano de investimento público de 2000 milhões de euros, que

contempla intervenções nos principais eixos ferroviários em mais de metade da rede.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Já foi feito 5%!

O Sr. Secretário de Estado das Infraestruturas: — O plano Ferrovia 2020 vem assegurar melhores níveis

de conforto e segurança à circulação de passageiros e mercadorias, ao mesmo tempo que reforça

substancialmente o papel do transporte ferroviário no apoio às novas empresas, às exportações e à economia.

A meio do seu prazo de execução, passado o tempo de elaboração dos projetos, o Ferrovia 2020 já é bem

visível no terreno, nos vários corredores, na Linha do Minho, na Linha do Douro, na Linha do Norte, na Beira

Alta, na Beira Baixa e no Leste. Estamos, nesta altura, com 40% do plano concluído ou em fase de execução,

ou seja, falamos de mais de 800 milhões de euros, sem contar com os projetos.

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Ainda há poucos dias, fizemos a adjudicação do primeiro troço da nova linha entre Évora e Elvas, um

investimento global superior a 500 milhões de euros, o maior dos últimos 100 anos — repito, o maior dos últimos

100 anos —, que está integrado no Corredor Internacional Sul e que vai aproximar os portos principais da

fronteira com Espanha e, a partir daí, da Europa.

O Sr. Carlos Silva (PSD): — Isso não é verdade!

O Sr. Secretário de Estado das Infraestruturas: — No Corredor Internacional Norte, que vai de Aveiro a

Vilar Formoso, estamos a realizar obras para abrir o troço Covilhã/Guarda, que está encerrado há mais de uma

década, e vamos modernizar a Linha da Beira Alta e propor à União Europeia a construção do troço

Aveiro/Mangualde.

Não estamos a falar de obra no papel, estamos a falar de obra que já está a ser executada, que já está no

terreno. Falamos de obra no Corredor Internacional Norte e no Corredor Internacional Sul, que são dois dos

principais projetos do Ferrovia 2020, ambos financiados e aprovados pela União Europeia e ambos a serem

construídos em estreita coordenação com Espanha, a cuja rede vão ficar ligados. Repito: tudo foi coordenado

com Espanha, do ponto de vista político, nas cimeiras, e do ponto de vista técnico, para garantir total

interoperabilidade.

O Sr. Carlos Silva (PSD): — Já vem de 2012!

O Sr. Secretário de Estado das Infraestruturas: — Não se enganem, Srs. Deputados, não estamos no

século XIX! No século XIX o debate da bitola era um debate de bitola rígida. A tecnologia evoluiu, o sistema

permite mudança de bitolas, quer do ponto de vista do material circulante, quer do ponto de vista de

infraestrutura. E esta mudança é feita de forma eficiente, rápida e com custos baixos.

Mas isto só faz sentido se for em estreita articulação com Espanha. Recordem-se que Espanha tem 87% da

rede em bitola ibérica, repito, 87% da rede em bitola ibérica! E Portugal e Espanha estão inteiramente

coordenados na utilização dos corredores internacionais em travessa polivalente para permitir a migração. Ou

seja, em ambos os países, os comboios vão continuar a circular em bitola ibérica, ficando a estrutura

integralmente preparada para migrar para bitola europeia quando ambos os países, de forma coordenada, assim

o decidirem. Esta é a única forma de evitar que fiquemos, nós e Espanha, isolados do resto da Europa.

O Sr. Carlos Silva (PSD): — Nós, nós! A Espanha não!

O Sr. Secretário de Estado das Infraestruturas: — Na realidade, estamos a pôr termo a décadas de

desinvestimento e de abandono da ferrovia e isto só é possível com investimento público criterioso, coordenado

com o país vizinho, Espanha, e preparar Portugal para ser um país mais coeso e com ligação plena à Europa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Hélder

Amaral, do CDS-PP.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados. Sr.

Secretário de Estado das Infraestruturas, pode não parecer mas há alguma pertinência neste debate marcado

pelo Partido Social Democrata.

O Sr. Ricardo Bexiga (PS): — Deve haver!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Com amigos destes!…

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O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Eu não daria de barato, quando se fala em infraestruturas que têm uma

relevância para o futuro do País, que se desvalorize, porque essa desvalorização custa sempre muito dinheiro

lá para a frente. E é disso que estamos a falar.

Sr. Secretário de Estado, o Governo de que V. Ex.ª faz parte — e percebo que o Sr. Ministro não possa vir,

uma vez que já não deve ter coragem para dar a cara — dizia que o comboio Aveiro/Salamanca avança no atual

ciclo político, tal como Sines/Elvas. E destas duas linhas, só destas duas — Aveiro/Salamanca só existe no

papel e, portanto, é uma mentira no atual ciclo político, é uma miragem da qual nem vou falar —, Sines parece

existir, é o tal maior investimento do século. Portanto, já que o Governo anunciava centenas de milhões de euros

para esse ciclo político na ferrovia, com estas duas linhas faz sentido a pergunta, a ponderação, sobre se elas

são em bitola ibérica ou em bitola europeia, assim como faz sentido fazer algumas perguntas.

Desde logo, gostava de perguntar, esquecendo a linha Aveiro/Salamanca, se a linha Sines /Elvas é para

mercadorias ou é também para passageiros. Esta é a primeira pergunta para o Sr. Secretário de Estado

responder de forma clara e simples, para ficarmos a perceber exatamente do que estamos a falar.

Segunda pergunta é se é em bitola ibérica de Sines até Elvas ou é só de Elvas para Caia, ou, como diz agora,

com bitola variável e também com possibilidade de mudar de eixo o material circulante para poder adaptar?

O Sr. Secretário de Estado veio aqui dizer que está tudo concertado com Espanha, mas acontece que temos

inúmeras reuniões em que este Parlamento participa, nas cimeiras luso-espanholas,…

O Sr. Carlos Silva (PSD): — De 2012!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — … e se for ver todas as decisões saídas dessas reuniões elas falam da

necessidade de adotar a bitola europeia entre os dois países. Aliás, se olharmos para o plano de fomento do

governo espanhol, para o investimento do fomento espanhol e para aquilo que já está a ser concretizado no

terreno, ao que assistimos é em bitola europeia, principalmente nas redes de mercadorias. Se for ver aquilo que

está a acontecer Plataforma Logística de Vitoria-Gasteiz, em Vitória, é exatamente um investimento feito

praticamente em bitola europeia.

Portanto, importa perguntar quanto custa, quanto tempo demora, que competitividade é que tira à economia

portuguesa fazer a transferência da bitola ibérica para a bitola europeia. Quanto custa Portugal ficar

perfeitamente dependente, apenas e só, de tecnologia espanhola, uma vez que o único país, com a exceção da

Polónia e da Rússia, que vai ter bitola ibérica com possibilidade, quer seja através do eixo ou através da via, de

fazer essa mudança é Espanha. Acha que defende o interesse público e o interesse estratégico de Portugal

ficar preso ao mercado espanhol?

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Entretanto, inscreveram-se mais dois Srs. Deputados para

pedirem esclarecimentos.

Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Rios de Oliveira, do Partido Social Democrata.

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados,

eu trazia uma intervenção para o ministro cessante, tivemos a sorte de ter o ministro estreante, que, pelo menos,

não traz um pecado original como o anterior trazia, que era ter pertencido ao Governo de José Sócrates.

Na saída desta pasta, o Ministro Pedro Marques, o cessante Ministro Pedro Marques, deixa-nos uma pasta

vazia, vazia de investimento, que é algo que não vemos há mais de dezenas de anos a este nível, vazia de

comboios, que promete para daqui a dois governos, vazia de hospitais, vazia de infraestruturas. Em suma, o

Ministro das Infraestruturas não cumpriu o seu mandato e estamos no último ano.

Mas chegados aqui, em relação a esta questão que fique gravado que o Partido Socialista considera que a

questão da bitola não é uma questão importante para Portugal — e nós recordaremos isso —, tudo o que o Sr.

Ministro disse até agora não teve interesse nenhum, mas para nós é importante.

Sr. Secretário de Estado, eu gostava de levar daqui uma resposta clara sobre o que vai acontecer às

mercadorias e passageiros portugueses ao passarem para Espanha. Os grandes eixos ferroviários espanhóis

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estão ou não estão a ser construídos em bitola europeia? Quem é que está a mentir: eles a nós ou os senhores

aos portugueses? É essa a resposta que gostava de obter.

Deixo ainda esta pergunta: existe ou não o perigo da deslocalização de empresas portuguesas para as

plataformas logísticas espanholas, mais perto dos corredores internacionais?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Cabe ao Sr. Deputado Heitor de Sousa, do Bloco de Esquerda,

pedir esclarecimentos.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Heitor de Sousa (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, não falo

pelo Ministro Pedro Marques mas, provavelmente, o Ministro Pedro Marques não veio a este debate porque o

tema que o PSD escolheu é um tema bocadinho enigmático.

O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — Mas que grande desculpa!

O Sr. Heitor de Sousa (BE): — Discutir um tema que se chama bitola ferroviária, Sr. Deputado Carlos Silva,

é, de facto, um enigma, porque a bitola é a distância entre carris e isso é, digamos, uma característica técnica

de uma rede ferroviária. Se o Sr. Deputado Carlos Silva quer discutir a rede ferroviária nacional, por exemplo,

esse é um tema que merece uma abordagem mais completa e mais detalhada.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Para a semana vamos discutir a voltagem!

O Sr. Heitor de Sousa (BE): — Discutir a bitola, Sr. Deputado Carlos Silva?! Sabe quantas bitolas ferroviárias

existem no País? Eu respondo-lhe: há três bitolas, Sr. Deputado Carlos Silva, três! Há a bitola métrica, há a

bitola ibérica e há a bitola internacional standard…

O Sr. Bruno Dias (PCP): — E há mais!

O Sr. Heitor de Sousa (BE): — E há mais, sim, mas em termos de ferrovia são estas as que existem em

Portugal.

Mas esta questão não é discutível. O que é discutível é a utilização da rede ferroviária para os diversos fins

a que pretendemos chegar. E, desse ponto de vista, se o Sr. Deputado Carlos Silva tiver necessidade de discutir

o Corredor Internacional Sul de ligação à rede transeuropeia de transportes — aí já é um tema que vale a pena

ser discutido —, Sr. Deputado, quero perguntar-lhe uma coisa: quando o Ministro Pedro Marques esteve aqui,

na semana passada, a discutir o Programa Nacional de Investimentos 2030, por que razão o Sr. Deputado

Carlos Silva não lhe pôs essas questões que está agora a colocar em relação ao Corredor Internacional

Norte/Sul?

O Sr. Carlos Silva(PSD): —Porque não tive oportunidade!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Não trouxe a fita métrica!

O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — Mas onde é que nós chegámos? Isto não é a Venezuela!

O Sr. Heitor de Sousa (BE): — Portanto, Sr. Deputado Carlos Silva, o enigma do vosso debate parece ser

uma questão que é, porventura, influenciável por um acerta desorientação da própria bitola com que o PSD

aborda os debates parlamentares daqui até ao fim desta Legislatura, porque está um bocadinho desorientado

em relação a essa matéria.

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Em relação ao que o Sr. Secretário das Infraestruturas disse, o problema deste Governo não é anunciar

vários projetos de investimento na rede ferroviária, não é anunciar intenções de investimento para o futuro. Sr.

Secretário de Estado, o problema deste Governo é executar aquilo que anuncia.

O Governo arranjou uma categoria de avaliação dessa capacidade de execução com base num novo

indicador que o Sr. Secretário de Estado enunciou, que é dizer que há 40% do plano de investimentos Ferrovia

2020 em conclusão ou em fase de execução. Ora, isto abrange tudo, Sr. Secretário de Estado! Por exemplo,

um projeto de uma rede, de uma linha ferroviária, já é o início da fase de execução de um projeto e, portanto,

quando o Sr. Secretário de Estado diz que está 40% executado ou em fase de execução quer dizer que abrange

tudo e não abrange nada.

De facto, Sr. Secretário de Estado, é ou não verdade que o plano Ferrovia 2020 tem dois anos de atraso —

dois anos de atraso! — na execução dos vários projetos?! Há projetos que nesta altura já deviam estar prontos

e que ainda estão em fase de construção. Por exemplo, o troço de Caíde/Marco de Canaveses, na Linha do

Douro, já devia estar pronto desde o ano passado — pronto! — e ainda está em execução.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira fazer o favor de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Heitor de Sousa (BE): — Aquilo que o Sr. Secretário de Estado disse é uma tentativa de tapar o sol

com a peneira, mas não é verdade que isso possa acontecer. Só em sonhos é que essa hipótese se poderá

concretizar.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para responder aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra o

Sr. Secretário de Estado das Infraestruturas, Guilherme d’Oliveira Martins.

O Sr. Secretário de Estado das Infraestruturas: — Sr. Presidente, Srs. Deputados, repito que, quando

falamos em investimento ferroviário, verificamos que isso demonstra um desinvestimento e um abandono da

ferrovia pelos anteriores governos nos últimos anos, abandono esse que neste momento está a ser inteiramente

recuperado. Estamos a falar de obra em execução, de obra que está no terreno.

Aplausos do PS.

Mesmo quanto à questão de Aveiro/Salamanca, consta do PNI (Programa Nacional de Investimentos) a

apresentação da nova candidatura para a construção deste corredor de Aveiro/Mangualde e o que interessa é

olhar para a obra no seu todo. Estamos a falar de um plano de 2000 milhões de euros, repito, e está em execução

40%. Se eu quisesse dizer que é virtual, estaria a dizer-vos que estava 100% em execução, o que não é o caso,

mas 40% está em obra…

O Sr. Heitor de Sousa (BE): — Em obra não está!

O Sr. Secretário de Estado das Infraestruturas: — … e não conta com o projeto.

A questão da bitola é muito clara: 87% da rede espanhola, ou seja, 10 500 km, é em bitola ibérica. A rede

ferroviária espanhola é de 12 000 Km. Todo o investimento em Portugal só pode ser feito em estreita

coordenação com Espanha, caso contrário ficaríamos numa ilha ferroviária e é isso que não podemos permitir.

E mais: quando falamos em investimento ferroviário, não podemos negar que, no futuro, estejamos

preparados, em estreita articulação com Espanha — repito, em estreita articulação com Espanha —, para migrar

a bitola, mas neste momento seria totalmente irresponsável assumir uma obra de investimento ferroviário numa

bitola que, nesta altura, para Portugal é uma miragem, sob pena de estarmos numa ilha ferroviária.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís

Ferreira.

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PSD agendou hoje para

debate o tema da bitola ferroviária. Fê-lo com toda a propriedade, mas a sua oportunidade ainda continuamos

sem compreender. Por isso, temos muitas dúvidas sobre os reais objetivos do PSD neste agendamento.

Será que o PSD está preocupado com o grave problema da ferrovia portuguesa que afeta a capacidade de

resposta às necessidades de mobilidade dos passageiros ou das mercadorias para além e aquém dos Pirenéus?

Não! Não nos parece! E não nos parece porque, hoje, já existem soluções tecnológicas para ultrapassar esse

problema.

É certo que Os Verdes não excluem que a alteração da bitola venha a ser preparada de forma coordenada,

em termos temporais, com os nossos vizinhos espanhóis. E porquê? Porque avançarmos sozinhos seria

desperdiçar investimento e criar um novo problema na fronteira com Espanha.

Por isso, defendemos que todas as novas linhas, como é o caso da Linha Sines/Caia, por exemplo, devam

já ficar preparadas para essa eventualidade, mas fiquemo-nos por aqui, pelas linhas novas.

E fiquemo-nos por aqui porque, na perspetiva de Os Verdes, esta não é, de todo, a prioridade para a qual

devemos canalizar o investimento necessário à modernização da rede ferroviária portuguesa, seja para bem do

transporte de mercadorias, seja para bem do transporte de passageiros.

Tanto mais que avançar com a bitola europeia exigiria não apenas investimento na infraestrutura mas

também no material circulante, que teria de ser todo adaptado a esta nova largura de carris, tudo isto com custos

elevadíssimos, quando o setor ferroviário reclama investimentos em praticamente todas as áreas.

Não, decididamente, para Os Verdes, esta não é a preocupação central nem a prioridade para a ferrovia,

mas compreendemos que, para quem protagonizou a privatização do setor público de transporte ferroviário de

mercadorias em Portugal e acolheu como um progresso a decisão de liberalização/privatização do transporte

de passageiros a nível europeu, as prioridades sejam diferentes e esta questão possa colocar-se como

pertinente.

O que não queremos é que, à boleia da bitola europeia, se vire a agulha e as preocupações deixem de girar

em torno da mobilidade para passarem a girar em torno da preparação do caminho ou de formas de facilitar a

entrada de operadores de transporte privados de passageiros em Portugal. Não que eles não o possam fazer

atualmente, pois, do ponto de vista técnico, nada os impede.

De facto, nas duas fronteiras ferroviárias dos Pirenéus em que se mudam as bitolas, uma no País Basco e a

outra na Catalunha, a adaptação dos eixos dos vagões já é praticada há longos anos e permite a passagem dos

comboios de passageiros e mercadorias de uma bitola para a outra, numa operação semiautomatizada.

Acresce ainda que essa passagem vai ser ainda mais facilitada, do ponto de vista tecnológico, com a

introdução do eixo-telescópico, que permite adaptar automaticamente cada vagão a essa mudança.

A diferença, a grande diferença, está em quem suporta os custos desta operação. Se mudarmos a bitola,

estamos perante obras de infraestrutura cujos custos são suportados integralmente pelo Estado, dono das

infraestruturas, mas os benefícios serão — claro! — para os operadores, nomeadamente para os privados, no

quadro da liberalização que querem ou pretendem garantir no serviço além e aquém fronteiras.

Já quanto à adaptação dos eixos, essa é feita diretamente no material circulante, logo, pelos operadores e,

portanto, custeada por eles.

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — A que custos?

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Se os operadores forem privados e quiserem atravessar os

Pirenéus mais rapidamente terão, naturalmente, de suportar os custos desse investimento.

Ora, chegados a esta estação, chegados a este ponto, parece-nos que ficam assim claros o interesse e os

objetivos do PSD com o agendamento deste debate. Ou seja, tal como na saúde, e noutras áreas, também na

ferrovia, a bitola do PSD é a mesma: a preocupação com os grandes interesses privados.

Porém, Os Verdes, não vão apanhar este comboio. Continuaremos, sim, a defender a ferrovia e a tudo fazer

para que a prioridade do investimento na infraestrutura ferroviária seja canalizada para promover mais

mobilidade dos passageiros e mercadorias, nomeadamente no interior do País, onde, de resto, o Governo

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PSD/Cavaco Silva e, depois, o Governo PS/Sócrates encerraram linhas por todo o lado, deixando estas zonas

do País e as suas populações ao abandono e à margem do desenvolvimento.

Não se estranhará, por isso, que Os Verdes continuem a reclamar e a exigir a construção do ramal de

Portalegre, a reativação da Linha do Corgo, a reabertura da Linha do Douro a Espanha, a criação de um cais

de mercadorias na Linha Sines/Caia, em Évora e na zona dos mármores.

São estas as nossas estações, são estas as nossas bitolas prioritárias e não engrossaremos o coro do

peditório da bitola europeia como prioridade. Não contem connosco porque não apanharemos esse comboio; o

nosso comboio não é o comboio dos grandes interesses privados mas, sim, o comboio do investimento na

infraestrutura ferroviária e na promoção de mais mobilidade para os passageiros e mercadorias.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hélder

Amaral, do Grupo Parlamentar do CDS-PP.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Ficou

claro que, depois de uma pergunta simples feita por mim, também feita de forma um pouco mais trapalhona pelo

Partido Socialista, não sabemos se a única linha do tal maior investimento do século é para passageiros ou é

para mercadorias e passageiros.

O Sr. Secretário de Estado não me conseguiu responder a uma pergunta tão simples quanto esta: é só para

mercadorias ou é para mercadorias e passageiros? E um Governo que não consegue responder a uma pergunta

tão simples quanto esta, que é estratégica para o País, diz tudo da visão estratégica sobre essa matéria.

Volto a perguntar: não percebo por que é que Portugal vai optar por ser uma ilha ferroviária mas, mais grave

do que isso, uma ilha tecnológica, uma vez que a tecnologia, quer seja do eixo, quer seja da via, é só de Espanha

e de poucos países europeus, nomeadamente da Polónia.

Portanto, não estou a falar de todo o plano ferroviário nacional, estou a falar daquelas que são as redes

transeuropeias de transportes, as chamadas european facilities, que têm apoios comunitários. Ou seja, o

Governo tem apoios comunitários, tem a exigência da Europa, tem a Europa a fazer perguntas por que é que o

País se atrasa nestas ferrovias e tem até, nas várias medidas de internacionalização da economia portuguesa

ou na reformulação ou no grande plano de inovação dos portos, o que consta do próprio Programa do Governo,

a ligação dos portos à ferrovia.

Ora, se é só para chegar a Badajoz, por que é que está no Programa do Governo a importância das

importações/exportações, em termos ferroviários?

Então, pergunto por que é que o País não faz agora um investimento e um esforço apenas nestas duas

linhas, para passageiros e mercadorias, para comboios com percursos de mais de 750 km, como Espanha está

a fazer, reduzindo dependência e, inclusivamente, a pegada ecológica,…

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, peço-lhe que termine.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — … porque estas matérias custam em termos ambientais muito menos?

Gostava de perguntar por que é que não aproveitamos os portos secos, os aeroportos, a ferrovia, a rodovia,

fazendo aquilo que em Espanha já se faz, a ferroutage, que é com um só contentor, um só módulo de transporte,

intermobilidade, interoperabilidade e intramodalidade?

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Muito obrigado, Sr. Deputado.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Termino, Sr. Presidente, dizendo que é verdade que o Governo tem o

plano Ferrovia 2020, são apenas RIV (renovações integrais de via), na sua grande maioria.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Muito obrigado, Sr. Deputado.

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O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Tem pouco de obra nova, tem pouco de planeamento e o CDS considera

que é um erro estratégico não ponderar uma solução…

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, queira terminar.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — … compatível com os compromissos europeus e em linha com aquilo

que se está a fazer na Europa e em Espanha.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias,

do PCP.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Apesar de

tudo, convém sempre recordar, até para que as pessoas que nos estão a ouvir tenham a noção, que um debate

de atualidade, no Plenário da Assembleia da República, é aquele agendamento que se faz com maior rapidez,

para temas de particular urgência, para questões que não podem esperar pelo próximo agendamento em

Conferência de Líderes, que não podem esperar pela próxima reunião da comissão parlamentar, em que tem

de ser feito rapidamente um debate de atualidade.

E eis, então, que tivemos o PSD a agendar para agora um debate de atualidade no Plenário da Assembleia

da República sobre o problema da bitola ferroviária, o que ao princípio nos deixou com alguma perplexidade e

ficámos com a seguinte interrogação incontornável: então, não é que o PSD mandou encerrar definitivamente,

a eito, linhas ferroviárias? O PSD que proibiu por lei as empresas do setor ferroviário de admitir pessoal,

provocando deliberadamente uma carência gritante de trabalhadores em todas as áreas?

O PSD que, em quatro anos, cortou perto de 30% do efetivo da EMEF — Empresa de Manutenção de

Equipamento Ferroviário, S.A, colocando a empresa com menos de 1000 trabalhadores, pela primeira vez, na

sua história?!

O PSD que impôs no setor uma espécie de regime de exceção em que cada peça adquirida, cada

equipamento reparado, passou a ser um calvário burocrático com pedidos de autorização ao Governo e atrasos

insuportáveis para a intervenção quotidiana?!

O Sr. Ricardo Bexiga (PS): — Já se esqueceram!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — O PSD que provocou uma desestabilização sem precedentes no setor com a

aberrante fusão da REFER com a EP, com a privatização da CP Carga, que entregou ao estrangeiro a ferrovia

nacional de mercadorias?!

É este o PSD que se lembrou agora de marcar com a máxima urgência um debate em Plenário, na

Assembleia da República, logo sobre aquele que é o tema favorito das multinacionais?

Ao princípio, ficámos com alguma estranheza, mas rapidamente tirámos uma conclusão que é óbvia: isto não

é nem mais nem menos do que o PSD a ser PSD.

Ora, quando somos confrontados com as evidências da situação da rede ferroviária nacional, com a situação

do transporte de mercadorias, nomeadamente na ferrovia de mercadorias do nosso País, a sua interação no

contexto ibérico e no contexto logístico mais geral, no plano ibérico e europeu, ouvimos o PSD responder de

uma forma simples: o PSD que não desarma e resolve, de uma penada, que a bitola ibérica fica para uma rede

nacional e a bitola europeia para os corredores internacionais.

Ora, isto torna tudo ainda mais interessante, porque passamos, então, a ter duas redes ferroviárias, duas

frotas de material circulante, uma para a ferrovia nacional e outra para as multinacionais. Mais uma vez temos

aqui a solução brilhante e pioneira que o PSD quer propor ao País!

Srs. Deputados, estas discussões não podem ser feitas com ligeireza nem com leviandade, mas com rigor

ou, pelo menos, com algum conhecimento.

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — É verdade!

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O Sr. Bruno Dias (PCP): — Os senhores não sabem que, durante anos, tivemos ligações semanais entre

Palmela e a Alemanha em ferrovia de mercadorias e que essa ligação não tinha qualquer problema relativamente

à mudança de caixas de uma bogie para a outra, que o problema estava precisamente na insuficiência do espaço

de canal horário, nomeadamente no corredor a partir dos Pirenéus, justamente em França onde a bitola já não

era problema nenhum?

Protestos do PSD e do CDS-PP.

Então, os Srs. Deputados não sabem que já não é de agora, nem deste mês, nem do anterior, que existe

uma ligação regular internacional, ferroviária, de mercadorias, a ligar — vejam lá! — China à Espanha? E se

chega à Espanha podia chegar cá, porque a bitola é a mesma que em Espanha e há quatro mudanças de bitola

na ligação transcontinental que se verifica regularmente.

Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, deixo também um alerta para o Sr. Secretário de Estado para

que não se esqueça e tenha em conta que o problema do transporte ferroviário de mercadorias, em Portugal, é,

acima de tudo, a falta de fiabilidade e de regularidade do transporte.

O problema não é o transporte ferroviário de mercadorias chegar mais depressa, é saber-se a que horas

chega. É com isto que as empresas precisam de contar, com a regularidade e a fiabilidade que hoje

substancialmente não têm, em larga medida pelo desinvestimento e a degradação que também o PSD e o CDS

contribuíram para agravar de uma forma incontornável.

Os afrouxamentos, as interdições, os encerramentos de linhas, o problema da falta de capacidade da rede

ferroviária nacional, até pela sua obsolescência por falta de investimento, é o que faz com que um comboio de

mercadorias não consiga ter a fiabilidade e a regularidade para que os próprios clientes saibam concretamente

a que horas vai chegar.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — É isto que os Srs. Deputados precisavam mesmo de entender.

Sr. Presidente, para terminar, apesar de tudo, é digno de registo, e tem de ser feita esta nota, o seguinte: é

que numa altura em que não faltam problemas, infelizmente, na ferrovia portuguesa, numa altura em que as

pessoas não conseguem entrar nos comboios à hora de ponta porque há supressões, o problema que o PSD

encontra, com caráter de máxima urgência, é a bitola ferroviária. Está tudo dito, Sr. Presidente!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Heitor de

Sousa, em nome do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.

O Sr. Heitor de Sousa (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, apenas para concluir a nossa intervenção

sobre esta matéria, não posso deixar de comentar a intervenção do Sr. Deputado Hélder Amaral…

O Sr. Carlos Silva (PSD): — Ó diabo!…

O Sr. Heitor de Sousa (BE): — … sobre o programa Ferrovia 2020 e sobre a interrogação misteriosa acerca

da função primordial da linha ferroviária que está a ser construída entre Sines e Badajoz ou Caia.

O Sr. Carlos Silva (PSD): — Não está, não!

O Sr. Heitor de Sousa (BE): — Sr. Deputado Hélder Amaral, o projeto que está no Ferrovia 2020…

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Perguntei ao Governo, mas, já agora, diga lá!

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O Sr. Heitor de Sousa (BE): — … é rigorosamente o mesmo que está no PETI3+. É igual! E o Sr. Deputado

sabe perfeitamente a resposta à sua pergunta, porque fez parte de um Governo que aprovou essa «grande»

ideia!… Uma ideia peregrina de querer fazer uma linha ferroviária só para mercadorias, quando, em Portugal,…

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Heitor de Sousa (BE): — … as linhas ferroviárias sempre foram, historicamente, de transporte misto

de passageiros e de mercadorias. Isso não existe num País pobre, como é o caso português!

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira terminar, Sr. Deputado.

O Sr. HeitordeSousa (BE): — Concluo, Sr. Presidente.

Por isso, Sr. Deputado Hélder Amaral, a resposta está no programa Ferrovia 2020. É, de facto, uma linha

voltada para o transporte de mercadorias, mas que, evidentemente, também irá servir o transporte de

passageiros.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos

Pereira.

O Sr. CarlosPereira (PS): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: O PSD encontrou

no tema da bitola um argumento para fazer um debate de atualidade, mas, na verdade, como assistimos aqui,

o que o PSD queria mesmo era fazer um comício partidário, com tudo o que isso representa na altura em que

nos encontramos. E isso ficou muito claro com a intervenção do Sr. Deputado Carlos Silva.

A segunda nota que queria dar é a de que a história da bitola ibérica confunde-se, de alguma forma, com a

história deste debate. Como os Srs. Deputados sabem — sei que sabem —, a bitola ibérica surge porque alguns

engenheiros espanhóis acharam que, na altura dos comboios a vapor, o ideal era ter fornalhas grandes para

poderem subir rampas e montanhas. Então, pensaram numa bitola maior. Ora, foi um erro de análise. A história

demonstrou que foi um erro de análise.

O Sr. Carlos Silva (PSD): — Nem a história sabe!

O Sr. Carlos Pereira (PS): — Com este debate sucedeu a mesma coisa: os senhores cometeram um erro

de análise.

Hoje em dia, como os Srs. Deputados sabem — e todos sabemos —, a tecnologia evolui de tal forma que

esta é uma não-questão. O Sr. Secretário de Estado e alguns Deputados explicaram que há hoje tecnologia

para poder existir bibitola, como os senhores sabem,…

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Em Portugal e Espanha?!

O Sr. Carlos Pereira (PS): — … e não haver problema nenhum, ao contrário do que os senhores colocaram

em cima da mesa. Isso ficou muito claro neste debate!

Outra questão que queria suscitar tem a ver com o seguinte: o Sr. Deputado Hélder Amaral ocultou aquilo

que é verdadeiramente essencial.

O Sr. HélderAmaral (CDS-PP): — Eu?!

O Sr. CarlosPereira (PS): — E o que é verdadeiramente essencial — e o Sr. Deputado Bruno Dias referiu-

o de forma muito clara — é que aquilo que os senhores defendem não é uma rede ferroviária, são duas,…

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Tem de ler o acordo com o Governo espanhol!

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O Sr. Carlos Pereira (PS): — … com a simples questão de que a segunda rede ferroviária que querem

construir, conforme ficou claro na audiência com aquele grupo de pressão do empresário Henrique Neto, custa

só 15 mil milhões de euros. Ó Sr. Deputado, 15 mil milhões de euros é quanto custa quase todo o plano nacional

de investimentos!

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, queira terminar, se fizer o favor.

O Sr. CarlosPereira (PS): — O que está em causa é que o País tem um plano de investimentos para a

ferrovia e esse plano não cria uma ilha em Portugal, muito pelo contrário, a tecnologia permite resolver essa

questão e os investimentos que estão em cima da mesa já permitem isso mesmo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do PSD,

tem a palavra o Sr. Deputado Emídio Guerreiro.

O Sr. EmídioGuerreiro (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados:

Começo por agradecer todas as críticas à oportunidade deste debate, pois as próprias críticas evidenciam bem

o incómodo do tema.

Este não é um debate de urgência, ao contrário do que quis dizer o Sr. Deputado Bruno Dias, é um debate

de atualidade.

O Sr. FernandoNegrão (PS): — Muito bem!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — E fraturante!

O Sr. EmídioGuerreiro (PSD): — É um debate de atualidade porque, de facto, incide num tema sobre o

qual fomos escutando diversos especialistas, ao longo das últimas semanas, aqui, no Parlamento. Mas parece-

me que os Srs. Deputados dos outros partidos vão às reuniões, questionam os especialistas e, quando saem

da sala, esquecem-se do que ouviram. A atualidade está mesmo aí!

Em 2012, Portugal e Espanha assinaram um convénio para que esta linha que agora está no terreno, e que

liga Sines à Europa, fosse feita em bitola europeia. E não ser assim, foi uma opção deste Governo!

O Sr. CarlosSilva (PSD): — Exatamente!

O Sr. EmídioGuerreiro (PSD): — Eu não estaria preocupado se os nossos vizinhos não estivessem a fazer

o que ficou fechado em 2012.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Era o tal TGV Lisboa-Madrid!

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — É que eles estão a trazer a linha deles à nossa fronteira, em bitola

europeia, e por alguma razão já estão construídas, ou em fase de conclusão, três grandes plataformas logísticas

— em Vigo, em Salamanca e em Badajoz —, para acolherem pelo tempo que for necessário as mercadorias

das nossas empresas, que criam emprego e riqueza, enquanto não forem transportadas para o resto da Europa.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. EmídioGuerreiro (PSD): — E os Srs. Deputados e o Governo continuam com a «cabeça na areia», a

fazer de conta que isto não está a acontecer lá fora. É uma opção vossa, mas só vos responsabiliza a vocês!

O Sr. AntónioLeitãoAmaro (PSD): — É um erro histórico!

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O Sr. EmídioGuerreiro (PSD): — O nosso interesse neste debate foi exatamente o de suscitar esta questão,

que merece uma reflexão por parte de todos, porque as decisões de ontem e de hoje condicionam o futuro. E o

futuro é este: é o que está a ser feito no País ao lado, com o aproveitamento explícito das plataformas logísticas,

onerando as nossas exportações.

Mas os senhores, repito, põem a «cabeça na areia». O problema é vosso, e não seria grave se fosse só

vosso, mas é gravíssimo porque tem a ver com todo o futuro do nosso País e da nossa economia.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira terminar, Sr. Deputado.

O Sr. EmídioGuerreiro (PSD): — Por isso, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, tirem a «cabeça da

areia» e olhem para o que os nossos vizinhos estão a fazer, porque eles estão no caminho certo e nós estamos

a isolar-nos, transformando Portugal numa ilha ferroviária. Isto não é importante para os senhores, mas, para

nós, é muito importante, porque o que está em causa para os portugueses é o futuro da nossa economia.

Os senhores deviam tirar a «cabeça da areia», olhar, ouvir e ver o que andam a fazer!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Srs. Deputados, encerrámos, assim, o debate de atualidade,

requerido pelo PSD, sobre a bitola ferroviária.

Passamos agora à apreciação, na generalidade, da Proposta de Lei n.º 173/XIII/4.ª (GOV) — Regula a

operação de sistemas de aeronaves civis não tripuladas (drones) no espaço aéreo nacional.

Para iniciar este debate, tem a palavra, em nome do Governo, o Sr. Ministro da Administração Interna,

Eduardo Cabrita.

O Sr. MinistrodaAdministraçãoInterna (Eduardo Cabrita): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A

iniciativa legislativa hoje em debate vem regular o modo de utilização de aeronaves não tripuladas, vulgo drones,

e vem fazê-lo complementando a legislação nacional já adotada, estabelecendo regras de seguro de

responsabilidade civil sobre a utilização deste tipo de veículos não tripulados, e na sequência de regulamentação

europeia que atribui aos Estados a incumbência de regular, num quadro próprio, a utilização de drones, numa

visão de segurança pública, de respeito de regras de privacidade e de proteção de dados.

A utilização de drones está muito para além daquele que é o seu risco nas áreas envolventes de aeroportos.

A utilização de drones é uma área com grande potencial de desenvolvimento da ciência e da tecnologia

nacionais, onde temos indústria de alto valor acrescentado que investiga e produz aparelhos deste tipo, e é

essencial para a promoção turística, para a utilização do espaço português na cinematografia e para

anteciparmos as novas formas de comércio ou de lazer.

Por isso, este diploma trata a utilização de drones na sua dimensão tecnológica, na sua dimensão de

segurança e com base na necessidade de estabelecermos regimes próprios para áreas de uso livre, para áreas

de uso condicionado sujeito a autorização, ou para áreas como a Assembleia da República, e a sua envolvente,

ou outros órgãos de soberania, onde não será possível a sua utilização.

O Sr. JorgeMachado (PCP): — Isso já está resolvido! Já não é possível!

O Sr. MinistrodaAdministraçãoInterna: — Estabelecem-se, assim, os mecanismos de habilitação dos

operadores, de fiscalização e de regime sancionatório, permitindo que se desenvolva o conhecimento e se

promova a utilização deste tipo de veículos, salvaguardando a privacidade e a segurança e garantindo um

quadro que nos coloca ao nível dos países que, de forma mais avançada, têm promovido a utilização deste tipo

de equipamentos.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hélder

Amaral, do CDS-PP.

O Sr. HélderAmaral (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, Srs. Secretários de

Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Confesso que não sei por onde começar, mas vou tentar fazer um raciocínio

lógico.

O que é que já temos de legislação, neste momento, sobre esta matéria? O artigo 8.º da Convenção sobre

Aviação Civil Internacional, mais conhecida por Convenção de Chicago, aprovada pelo Estado português através

do Decreto-Lei n.º 36 158, de 17 de fevereiro de 1947; o Regulamento de Execução (UE) n.º 923/2012, de 26

de setembro, sobre organização do espaço aéreo; o Decreto-Lei n.º 58/2018, que este Governo de que V. Ex.ª

faz parte acabou por aprovar; e o regulamento da Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC), também

aprovado pelo vosso Governo.

De facto, têm razão: só falta o seguro de responsabilidade civil, porque o licenciamento, o registo obrigatório

e a plataforma já existem e só a ausência de portarias do Governo é que fez com que o seguro ainda não tenha

sido feito.

E o que diz o artigo 4.º daquele Decreto-Lei? Diz que é obrigatório ter o registo, onde deve constar o número

de série, a identificação do fabricante, a marca e o modelo da aeronave não tripulada, a massa máxima

operacional, o número de motores, o tipo de população, enfim, estaria aqui 10 minutos a ler tudo o que está na

lei.

Obviamente, o Governo produziu, no devido tempo, legislação sobre aeronaves não tripuladas, sobre o

operador e sobre o piloto, tal e qual como a AESA (Agência Europeia para a Segurança da Aviação) e a

legislação europeia identificam e obrigam. Aliás, a União Europeia prepara-se para ter legislação sobre esta

matéria conforme a todos os países.

Eu até podia dizer «bom, a legislação faz sentido, o Ministro da Administração Interna tem razão», mas

quando vou ver o parecer da ANAC verifico que a ANAC tem «as maiores reservas quanto ao mérito e

pertinência da aprovação da referida iniciativa legislativa». E nem vou ler o que o próprio regulador disse sobre

a iniciativa de V. Ex.ª, Sr. Ministro.

A determinada altura, na iniciativa que nos apresenta aqui, é referida a Agência Nacional da Aviação Civil.

Sr. Ministro, já não existe a Agência Nacional da Aviação Civil! A sigla ANAC quer dizer Autoridade Nacional da

Aviação Civil, e não Agência. De duas, uma: ou o seu Ministério vai criar uma nova agência — e tem de

responder a isto — ou quis dizer Autoridade em vez de Agência.

O Sr. BrunoDias (PCP): — É uma agência de viagens!…

O Sr. HélderAmaral (CDS-PP): — É que a ANAC consta da lei-quadro das autoridades, em que o antigo

INAC (Instituto Nacional de Aviação Civil) passou a ANAC.

Além disso, o Governo remete toda a legislação que aqui nos apresenta para a própria Autoridade Nacional

da Aviação Civil, que já fez legislação, que já tutela um conjunto de obrigações.

Sr. Ministro, confesso que aquilo que aqui nos traz hoje é redundante, porque, como referi, já existe

legislação, e é trapalhão, porque, na legislação que o Sr. Ministro aqui traz, é mais restritivo operar drones do

que andar com um Cessna ou com outro avião a passear pelo País. Não faz nenhum sentido!

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, peço-lhe que termine.

O Sr. HélderAmaral (CDS-PP): — Termino, Sr. Presidente, mas não sem antes referir uma parte que é

importante.

É que esta iniciativa, Sr. Ministro, também é contraditória, porque, se olhar para o seu artigo 10.º, pode ler-

se que é obrigatório pedir autorização para operar um drone, mas se, com o mesmo drone, o mesmo operador

e o mesmo piloto quiserem fazer uma operação cinematográfica, basta fazerem uma comunicação prévia, com

48 horas de antecedência. Ou seja, é mais importante o drone ou o uso que se dá a ele?!

Sr. Ministro, esclareça estas questões, sob pena de o CDS não poder acompanhar a sua iniciativa.

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Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, pelo Grupo Parlamentar do PSD, tem a

palavra o Sr. Deputado Joel Sá.

O Sr. JoelSá (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados:

Discutimos hoje a Proposta de Lei n.º 173/XIII/4.ª, do Governo, que pretende regular a operação e fiscalização

de sistemas de aeronaves não tripuladas, vulgarmente designadas por drones, no espaço aéreo nacional.

É inevitável a aplicação dos drones em praticamente todas as áreas da sociedade e da economia. Trata-se

de uma tecnologia que irá potenciar novas profissões e ficar ao serviço de áreas como a segurança, a vigilância

estratégica, o combate a incêndios, a agricultura, a proteção civil, a proteção marítima, entre muitas outras, e

não apenas da vertente lúdica.

Esta proposta de lei é alvo de muitas críticas e até é considerada uma perfeita aberração jurídica que vai

criar sérios problemas ao Estado português, dado o seu impacto negativo.

Os problemas de segurança não se resolvem com excesso de regulamentação mas, sim, com a

implementação de dispositivos tecnológicos capazes de impedir o sobrevoo de drones em determinadas áreas.

Com a aprovação desta proposta, deixaremos o aeroporto de Lisboa sem proteção quanto a drones. Pergunto:

vai a Assembleia da República querer assumir este ónus?

Esta proposta, de acordo com a Comissão Nacional de Proteção de Dados, não respeita a legislação

europeia de proteção de dados. Para além disso, o Governo português também não consultou a Autoridade

Nacional da Aviação Civil, responsável pelo espaço aéreo nacional, nem articulou com a Comissão Europeia,

sobretudo a legislação sobre o espaço aéreo acessível a drones, que está em fase de conclusão e que também

terá de ser respeitada por Portugal.

Por outro lado, o Governo também não ouviu as forças vivas do setor, nomeadamente a APDRONE

(Associação de Pilotos e Operadores de Veículos não Tripulados) e a APANT (Associação Portuguesa de

Aeronaves Não Tripuladas), e nem sequer o registo obrigatório, aprovado há seis meses pelo Ministério do

Planeamento e das Infraestruturas, está em vigor.

Comparando esta proposta de lei com o regime jurídico dos ultraleves, é possível afirmar que é mais fácil

pilotar um ultraleve do que um drone. Por exemplo, posso pilotar um ultraleve desde Coimbra até Évora sem

necessitar de autorização, mas, no caso dos drones, posso estar no meio do Alentejo e necessito de uma

autorização dos proprietários dos terrenos ou da ANAC.

Esta proposta de lei continua a ter normas demasiado restritivas em relação à captação e divulgação de

imagens. É caso para perguntar se idêntica preocupação existe com os telemóveis, através dos quais,

atualmente, toda a gente tem possibilidade de captar imagens e sons.

A proposta de lei prevê um conjunto de autorizações, comunicações prévias e submissões de planos de voo

que não encontram paralelo nas atuais normas aplicáveis ao setor da aviação civil nem na futura regulamentação

europeia aplicável aos drones.

Esta proposta também não prevê a homologação, um fator importante e fundamental relativo aos aparelhos.

Nesse sentido, afigura-se precoce aprovar uma proposta de lei desalinhada da futura e próxima

regulamentação europeia, restritiva e desproporcional, sustentada em pretensas preocupações ou ameaças de

natureza securitária, deixando a mesma de ser aplicável, a curto prazo, em face do princípio do primado do

direito da União Europeia.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, queria pedir-lhe que terminasse, por favor.

O Sr. Joel Sá (PSD): — Termino, Sr. Presidente, dizendo que é caso para perguntar: três anos para isto, Sr.

Ministro?!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A próxima intervenção cabe ao Sr. Deputado Jorge Machado,

do PCP.

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Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Administração Interna, Sr.ª

Secretária de Estado Adjunta e da Administração Interna: Nós manifestamos, desde já, a nossa dificuldade em

compreender a proposta de lei que regula a operação e a fiscalização dos sistemas de aeronaves não tripulados.

Não podemos ignorar a legislação já existente, quer o Regulamento n.º 1093/2016, já aqui referido, quer o

Decreto-Lei n.º 58/2018, e a questão que se coloca é a de saber o que é que esta iniciativa trata de novo. E trata

de novo — mal, na nossa opinião — as questões da certificação, porque coloca todas as categorias de

aeronaves não tripuladas no mesmo patamar, sem qualquer diferenciação, melhora a fiscalização no que diz

respeito às coimas e contraordenações aplicadas a quem não cumprir a lei, mas, depois, Sr. Ministro, é apenas

um conjunto de «asneiras», permita-me a expressão.

Primeiro, mexe no uso do espaço aéreo. Hoje, temos o Regulamento n.º 1093/2016, que é consensual, que

não tem suscitado problemas no setor, que já delimita, por via de georreferenciação, as áreas onde os drones

não podem operar e, portanto, não existe esse problema. O que é que esta proposta de lei faz? Entra em

profunda contradição, altera o paradigma e, em vez de dizer quais são as áreas onde a utilização não é possível,

diz que são criadas, pelas autarquias ou pelas regiões, áreas de utilização livre, sendo regra a proibição geral

da utilização do espaço aéreo. Ora, isto não faz qualquer sentido, quando o Regulamento n.º 1093/2016 não

tem oferecido contestação por quem de direito e por quem percebe desta matéria.

Depois, o Governo apresenta esta proposta de lei sem regulamentar o Decreto-Lei n.º 58/2018, que é algo

que não se compreende. O Decreto-Lei estipula as regras de matrícula e seguros, mas quanto a isso não há

nada, porque não há regulamentação.

A «cereja no topo do bolo» desta iniciativa é a de que, no seu final, somos remetidos para uma legislação de

1958, relativa à captação de imagens no espaço aéreo. Ora, Sr. Ministro, isto é completamente ridículo! Não faz

qualquer sentido, porque, em função da legislação de 1958, qualquer pessoa que esteja numa aeronave e tire

uma fotografia com o seu telemóvel tem um processo de contraordenação e pode ser dada voz de prisão ao

piloto dessa aeronave, porque cometeu um crime. É para esta legislação que o Governo remete! Estamos a

falar de uma nova tecnologia e remetem-nos para uma legislação de 1958! Sr. Ministro, isto não faz qualquer

sentido!

O importante aqui, Sr. Ministro, é não resolver os problemas por via do papel, porque o papel suporta tudo.

E é curioso que a ANAC diga duas coisas que são fundamentais, a primeira das quais é a de que não foi tida

nem achada neste processo, o que é inaceitável. Diz a Autoridade Nacional da Aviação Civil que teve

conhecimento da entrada da proposta de lei, mas que não foi tida nem achada neste processo. É isto que está

no papel! O Sr. Ministro pode dizer que não, mas é o que está no papel.

O Sr. Joel Sá (PSD): — Exatamente!

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, queria pedir-lhe que terminasse.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Vou terminar, Sr. Presidente.

A segunda coisa que a ANAC suscita, no seu parecer, para além das reservas, é que as questões de

segurança não se resolvem por via legislativa mas, antes, por via da imposição de meios físicos que impeçam,

efetivamente, a utilização indevida do espaço aéreo.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Para concluir, pergunto-lhe, Sr. Ministro, que medidas tomou, do ponto de

vista operacional, para adquirir os meios que permitem impedir a utilização dos drones no espaço onde não

podem ser utilizados.

Aplausos do PCP.

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O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado

Heitor de Sousa, do Bloco de Esquerda.

O Sr. Heitor de Sousa (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, Srs. Deputados: A

nossa avaliação sobre este tema introduzido pela proposta de lei do Governo é um bocadinho parecida com a

do tema da bitola ferroviária. É que o Sr. Ministro vem aqui defender uma proposta de lei, na qual as duas

entidades expressamente referidas são consideradas como entidades que contribuem para a definição de

alguns artigos do próprio diploma, dizendo-se que, necessariamente, deverão ser previamente consultadas, mas

o facto é que não foram consultadas. Isto é um bocadinho estranho!

Normalmente, Sr. Ministro, numa proposta de lei, o Governo, na última fase do preâmbulo, identifica as

entidades que foram consultadas e os pareceres que foram emitidos. E, de facto, o Sr. Ministro pode dizer que

foram consultadas, mas no preâmbulo da proposta de lei não há uma única referência à Autoridade Aeronáutica

Nacional (AAN), à ANAC, à CNPD e a outras entidades que são, também, intervenientes na definição dos

espaços de proteção natural e de outros espaços que têm a ver com a atividade destas aeronaves não

tripuladas.

Por isso, Sr. Ministro, é um pouco incompreensível que, perante os pareceres negativos, por parte da

Comissão Nacional de Proteção de Dados, que faz uma série de propostas concretas para a alteração da

proposta de lei que está em cima da mesa, perante o parecer absolutamente negativo — diria até frontalmente

negativo — da ANAC em relação a esta iniciativa, o Governo pareça insistir em esgrimir contra «moinhos de

vento» e nem sequer tenha em atenção as entidades reguladoras, que estão mais próximas de algumas destas

áreas que têm problemas e que não podem ser, evidentemente, ignoradas, em nome de uma urgência que

ninguém percebe.

Como aqui foi dito, e bem, o Decreto-Lei n.º 58/2018 precisa de uma portaria regulamentar que ainda não foi

publicada, havendo assim uma parte do edifício legislativo sobre esta matéria que precisa de ser completada.

No entanto, o Governo ignora essa questão e avança já para uma proposta de lei que tenta ir ao encontro de

algumas lacunas do próprio Decreto-Lei n.º 58/2018.

Não pomos em causa a necessidade de que isso seja feito, no entanto é melhor que seja feito com cabeça,

tronco e membros, em vez de se partir para uma antecipação que, depois, pode ser perigosa, sobretudo se a

proposta de lei for aprovada tal como foi aqui apresentada.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Heitor de Sousa (BE): — Portanto, Sr. Ministro, espero que o bom senso ainda exista neste Governo

e que, por isso, o Governo tome a iniciativa de propor que este diploma baixe à comissão sem votação.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A próxima intervenção cabe ao Sr. Deputado Hugo Costa, do

Partido Socialista.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Hugo Costa (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.ª e Sr. Secretários de Estado, Sr.as e Srs.

Deputados: A utilização de aeronaves não tripuladas, vulgarmente designadas por drones, constitui um

importante avanço tecnológico, permitindo a sua utilização quer para fins lúdicos, quer para fins profissionais.

O alargamento da sua utilização tem possibilitado tornar mais eficiente um conjunto de indústrias e o

desenvolvimento e a eficiência de algumas atividades económicas.

Esta inovação tecnológica apresenta características disruptivas, quebrando comportamentos anteriores do

ponto de vista tecnológico.

É neste contexto que, sem pôr em causa a inovação, se torna necessária uma regulamentação legislativa

clara e que todos compreendam, com vista a responder aos riscos associados. São conhecidas situações em

que os drones colocaram em causa a segurança de pessoas e bens ou a privacidade.

Importa ainda, entre outras matérias, acautelar questões de soberania.

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Desta forma, e seguindo o amplo debate a nível europeu, o Governo, depois de um processo público, decidiu,

e bem, apresentar esta proposta de lei. Relembramos que a falta de regulamentação e os atrasos na legislação

europeia tinham já levado o regulador setorial a apresentar, em 2016, um conjunto de regulamentos, assim como

o Governo a apresentar, em 2018, um decreto-lei sobre a matéria.

O Grupo Parlamentar do Partido Socialista considera positiva a aplicação dos mecanismos previstos no

Código da Estrada à utilização de aeronaves não tripuladas sob o efeito do álcool ou de estupefacientes, assim

como a necessidade de o seu operador ter mais de 16 anos, exceto na forma denominada «aeronave de

brincar», ou seja, com massa inferior a 250 g e que não pode exceder os 30 m acima da superfície.

Esta legislação vai, igualmente, no caminho correto, ao prever a criação de áreas específicas para a operação

de aeronaves não tripuladas, onde a sua utilização pode ser realizada livremente, bem como as condições para

a sua utilização noutros espaços, nomeadamente os que carecem de autorização da ANAC, e as zonas

interditas, designadamente órgãos de soberania, embaixadas, representações consulares, instalações militares,

serviços prisionais, centros educativos e outras infraestruturas centrais.

Nesta legislação, a Autoridade Nacional da Aviação Civil veio criar uma plataforma de registo obrigatório para

drones com mais de 250 g, sendo a sua declaração obrigatória.

Aproveito, até pelo teor deste debate, para questionar o Governo sobre se o regulador setorial foi ou não

ouvido e questionado em relação a esta legislação.

Como conclusão deste debate, podemos sublinhar que se trata de legislação que vai no bom caminho da

regulamentação deste fenómeno. Acreditamos que estas matérias colocam questões de segurança, de

privacidade e de soberania, pelo que devem ser consensuais para todos os grupos parlamentares, aceitando,

obviamente, o normal debate de melhoria da própria legislação em sede de trabalho na especialidade. É neste

contexto que o Partido Socialista estará neste debate.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem, agora, a palavra para encerrar o debate, em nome do

Governo, a Sr.ª Secretária de Estado Adjunta e da Administração Interna, Isabel Oneto.

A Sr.ª Secretária de Estado Adjunta e da Administração Interna (Isabel Oneto): — Sr. Presidente, Sr.as e

Srs. Deputados: Muito obrigada pelos contributos que aqui nos quiseram deixar e que espero que em sede de

especialidade sejam revistos.

Compreendo a complexidade desta matéria, mas gostaria que os Srs. Deputados lessem não só o parecer

da ANAC mas também a legislação para a qual o parecer da ANAC remete, porque aí se refere, concretamente

no n.º 8 do seu artigo 56.º, que esta regulamentação «(…) não prejudica a possibilidade de os Estados-Membros

estabelecerem regras nacionais para submeter a certas condições as operações das aeronaves não tripuladas

(…)», por razões de segurança pública, proteção da privacidade e dos dados pessoais, nos termos da União

Europeia.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Isso está no Decreto-Lei n.º 58/2018!

A Sr.ª Secretária de Estado Adjunta e da Administração Interna: — Sr. Deputado Hélder Amaral, leu o

parecer da ANAC? Lamento dizer mas fizemos mais de 15 reuniões sobre esta matéria e o Sr. Presidente da

ANAC esteve presente em todas.

O Sr. Joel Sá (PSD): — Não é o que está no parecer! Alguém está a mentir!

A Sr.ª Secretária de Estado Adjunta e da Administração Interna: — O Sr. Presidente da ANAC remeteu-

nos o parecer e contribuiu para a elaboração desta proposta de lei. Portanto, nós temos o parecer da ANAC e o

Sr. Presidente da ANAC esteve presente em todas as reuniões realizadas sobre esta matéria.

Srs. Deputados, dizer-se que não se consultou a ANAC não é verdade, e o Sr. Presidente da ANAC, se

quiser, que o desminta publicamente.

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Dizer-se que não se consultou a União Europeia também não é verdade, pois consultámos a União Europeia.

E tanto consultámos a União Europeia que todos os Estados-Membros disseram que não estão disponíveis para

aguardar legislação da União Europeia sobre esta matéria e todos eles estão a legislar, em termos nacionais,

porque a legislação europeia sobre esta matéria tarda.

É isso que os países europeus estão a fazer, tal como nós o estamos a fazer.

O Sr. Joel Sá (PSD): — Não há um partido que faça mais do que o PS!

A Sr.ª Secretária de Estado Adjunta e da Administração Interna: — Aconselho também os Srs. Deputados

a lerem a própria nota técnica elaborada pelos serviços desta Assembleia, que rebate aquilo que vem no parecer

da ANAC, ao dizer que a legislação que os senhores acabaram de citar só se refere a aeronaves…

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Secretária de Estado, peço-lhe que termine.

A Sr.ª Secretária de Estado Adjunta e da Administração Interna: — Vou já terminar, Sr. Presidente.

Como estava a dizer, aconselho os Srs. Deputados a lerem a nota técnica desta Assembleia, que rebate o

parecer da ANAC, ao dizer que a legislação que os senhores acabaram de citar só se refere a aeronaves não

tripuladas com peso inferior a 150 kg,…

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Mais de 150 kg, só militares!

A Sr.ª Secretária de Estado Adjunta e da Administração Interna: — … e que as outras devem ser

reguladas a nível nacional. É isso que este diploma faz.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — E os meios para combater, se for preciso, não há?!

A Sr.ª Secretária de Estado Adjunta e da Administração Interna: — Portanto, Srs. Deputados, agradeço

que esta iniciativa baixe à comissão, na medida em que os senhores se agarraram ao parecer da ANAC.

E deviam ter perguntado ao Sr. Presidente da ANAC se esteve ou não presente nas reuniões, porque esteve

em todas elas,…

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Secretária de Estado, peço-lhe que termine.

A Sr.ª Secretária de Estado Adjunta e da Administração Interna: — … e o Sr. Deputado devia ler também

a nota técnica elaborada pelos próprios serviços da Assembleia, que o desmentem.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, terminamos, assim,

o debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 173/XIII/4.ª.

Vamos, agora, proceder à apreciação, também na generalidade, da Proposta de Lei n.º 174/XIII/4.ª (GOV)

— Reformula e amplia o Sistema de Informação da Organização do Estado (SIOE).

Para apresentar a iniciativa do Governo, tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Secretária de Estado

da Administração e do Emprego Público, Fátima Fonseca.

A Sr.ª Secretária de Estado da Administração e do Emprego Público (Maria de Fátima Fonseca): — Sr.

Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Conhecer com rigor a realidade institucional do Estado, a sua dimensão e

organização e os dados concretos sobre os seus recursos humanos é fundamental para definir políticas para a

Administração Pública.

O atual Sistema de Informação da Organização do Estado, SIOE, contribui já para este conhecimento, mas

de forma agregada e com atualização trimestral.

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Para suprir as lacunas da informação necessária à tomada de decisão em inúmeros domínios, a proposta

que o Governo agora apresenta visa reformar e ampliar o atual SIOE, de forma a obter dados mais sustentados,

que suportem análises estatísticas e estudos técnicos que contribuam para uma melhor definição, monitorização

e avaliação das políticas para a Administração Pública.

Esta evolução do SIOE terá um conjunto muito significativo de benefícios, de que me permito-me destacar,

brevemente, sete.

Primeiro: concentrar num único sistema toda a informação relativa à caracterização do emprego público e

das entidades que integram o universo do setor público em contas nacionais.

Segundo: recolher, junto dos empregadores públicos, informação similar àquela que já é fornecida em

formato eletrónico, pelos empregadores abrangidos pelo Código do Trabalho, o que permitirá dar consistência

às estatísticas nacionais sobre recursos humanos.

Terceiro: simplificar, melhorar e agilizar a recolha de dados, não onerando as entidades públicas com

múltiplas obrigações de reporte.

Quarto: satisfazer as necessidades de informação específica sobre o setor público, no âmbito das estatísticas

do mercado de trabalho para várias instituições e grupos de decisão.

Quinto: celebrar protocolos de acesso à informação, na medida do estritamente necessário ao cumprimento

da missão de cada entidade.

Sexto: gerar automaticamente relatórios, designadamente para efeitos de cumprimento de deveres legais de

informação.

Sétimo: dispor de dados que permitam análises aprofundadas, com base em diversas variáveis de

caracterização do emprego público, apenas possíveis com dados individuais dos trabalhadores, após a sua

«pseudonimização».

Por último: conhecer com rigor as capacidades e competências instaladas na Administração, de forma a

potenciar o seu pleno aproveitamento.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Com esta transformação do SIOE, o Estado voltará a dispor de um

repositório de dados individuais dos seus trabalhadores, que são necessários para dar resposta a necessidades

de informação.

Neste contexto, o SIOE reforçará as indispensáveis garantias de sigilo no tratamento dos dados pessoais,

em linha com o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados.

Ultrapassando as limitações que atualmente evidencia e que já foram cabalmente identificadas,

nomeadamente, pela Inspeção-Geral de Finanças, o novo SIOE contribuirá para a obtenção de informação de

qualidade, evitando a utilização de ferramentas obsoletas e a geração de encargos administrativos neste

processo. Contribuirá, assim, para alavancar a modernização da gestão pública, um dos eixos centrais deste

Governo, permitindo conceber e aplicar políticas informadas, inclusivas, em alinhamento com as necessidades

e capacidades do País e que desenvolvam em permanência a Administração Pública do presente e do futuro.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para uma intervenção, em nome do Grupo

Parlamentar do PSD, a Sr.ª Deputada Conceição Ruão.

A Sr.ª Conceição Bessa Ruão (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Secretária de Estado:

Falar do novo SIOE é convocar-nos, a todos, para relembrar o contributo que o anterior Governo deu para esta

plataforma. De facto, com obrigações de reporte muito complexas e fidedignas, foi ele que agregou e classificou

as entidades públicas e as reuniu, na ótica de contas nacionais, nesta plataforma.

O próprio Governo reconhece este contributo e, na sua fundamentação, refere que o SIOE enriqueceu a

informação recolhida sobre o emprego público e tem constituído uma medida essencial para o tratamento e

definição das políticas públicas.

Mas, Sr.ª Secretária de Estado, vamos às questões concretas.

O SIOE de hoje contém, ou irá conter, identificações pessoais e profissionais dos trabalhadores da

Administração, muito para além dos dados profissionais e do número das entidades, que serão disponibilizados

numa plataforma para a União Europeia e para países da União Europeia.

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A primeira questão que queria colocar-lhe é a seguinte: quais são as exatas medidas, já identificadas, em

proveito dos cidadãos nacionais no espaço europeu, no que se refere ao acesso desta plataforma por entidades

europeias e outros Estados-Membros?

A segunda questão tem a ver com a segurança desta megabase de dados e as questões de segurança que

são, hoje, evidentes. A pergunta que queria deixar, em termos de cibersegurança, é esta: até que ponto é que

a DGAEP (Direção-Geral da Administração e do Emprego Público) e a entidade gestora da plataforma de

recursos partilhados da Administração Pública estão em sintonia e em cooperação com as entidades que tratam

da cibersegurança neste País?

A outra questão que o PSD quer ver excluída em absoluto, face às potencialidades do SIOE, é a possibilidade

da realização centralizada de concursos públicos para contratação de pessoal. Sr.ª Secretária de Estado, está

o Governo em condições de garantir que não será posta em causa a autonomia das diferentes entidades, a nível

central, regional e, especialmente, local, quando estamos numa fase de adesão à transferência de competências

para os municípios? Poderão eles vir a ser confrontados com a realização de concursos a nível nacional, para

preencherem as suas vagas e as suas necessidades de trabalho?

Por fim, Sr.ª Secretária de Estado, queria ainda perguntar-lhe o seguinte: dependendo a execução e a

implementação do novo SIOE de três portarias, três despachos, sobre matérias relevantes e essenciais para a

sua execução e para a preservação de dados, qual é a expectativa do Governo, em termos de final de

Legislatura, de poder ver esta iniciativa ainda aprovada e implementada?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Neste momento, a Mesa não regista pedidos de uso da palavra,

pelo que aguardamos que, com a maior brevidade, esta falta seja colmatada.

Pausa.

Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Rita Rato, do PCP.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Secretária de Estado, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs.

Deputados: A proposta que, hoje, aqui discutimos pretende alargar o âmbito da informação que é recolhida no

Sistema de Informação da Organização do Estado, que foi uma proposta trazida à Assembleia da República,

em 2011, a qual teve os votos a favor de todos os outros grupos parlamentares e a abstenção do PCP.

À data, a abstenção do PCP prendeu-se, sobretudo, com o facto de, ao trazer esta proposta à Assembleia

da República, o anterior Governo não ter apresentado a esta Assembleia o parecer da Comissão Nacional de

Proteção de Dados, o que teria sido importante, tendo em conta o âmbito e a matéria que estava a ser discutida.

Digo isto, porque, de facto, o Sistema de Informação da Organização do Estado tem elementos que obrigam

a esse cuidado, tendo em conta a natureza do que está a ser analisado.

Entendemos que o parecer que a Comissão Nacional de Proteção de Dados enviou à Assembleia da

República é pertinente e faz recomendações que devem ser tidas em conta, ainda mais porque, relativamente

a algumas das matérias que o Governo se propõe recolher, no âmbito deste novo sistema, temos algumas

dúvidas de que tal faça sentido, tendo em conta a especificidade dessas matérias, como é, por exemplo, o caso

de dados como a morada ou a data de nascimento dos trabalhadores da Administração Pública.

Por isso, Sr.ª Secretária de Estado, entendemos que, de facto, as várias recomendações — e são cerca de

oito recomendações específicas que o parecer dá relativamente a esta matéria — devem ser tidas em conta.

É o caso, por exemplo, desde logo, da eliminação do elenco dos dados pessoais da morada e do dia de

nascimento, pela sua desnecessidade, tendo em conta as finalidades deste Sistema de Informação da

Organização do Estado.

O parecer aponta ainda a desnecessidade, também, da referência à nacionalidade na identificação nominal

dos trabalhadores e a densificação de normas relativamente a algumas matérias em que o parecer aponta para

uma necessidade de restrição de direitos fundamentais. Assim, entendemos que há matérias que são sensíveis

e para as quais este parecer deve ser tido em conta.

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Sr.ª Secretária de Estado, dito isto, e afirmando que o PCP não se vai opor a este diploma, o que o Sistema

de Informação da Organização do Estado já nos permitiu concluir, ao longo destes oito anos, é que não temos

funcionários públicos a mais, temos, antes, funcionários públicos a menos, temos salários baixos e temos

trabalhadores com vínculos precários.

Por isso, Sr.ª Secretária de Estado, o que queremos aqui afirmar é que este Sistema de Informação da

Organização do Estado serve também para isso, ou seja, para fazer um diagnóstico sobre a situação dos

trabalhadores na Administração Pública e para obrigar a opções políticas que entendemos que são

fundamentais, designadamente a valorização dos salários de todos os trabalhadores da Administração Pública,

acompanhando a necessidade de valorização dos salários também no privado, a garantia do cumprimento do

direito à progressão na carreira e a contabilização de todo o tempo de serviço para todas as carreiras na

Administração Pública, e ainda um combate eficaz à precariedade e a contratação de todos os profissionais em

falta.

Se algum mérito tem este Sistema de Informação da Organização do Estado, que o anterior Governo

apresentou à Assembleia da República, é exatamente este, Sr.ª Secretária de Estado, o de demonstrar que o

País precisa de funcionários públicos, porque não existem serviços públicos de qualidade sem trabalhadores

valorizados, respeitados e com salários justos.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira terminar, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Também por isso, Sr.ª Secretária de Estado, continuaremos a acompanhar estas

matérias e a intervir nesse sentido.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada

Cecília Meireles do CDS-PP.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Secretária de Estado: O

assunto que estamos a discutir hoje, apesar de bastante técnico, é um assunto relevante e importante.

O que, no fundo, estamos a discutir, é o Sistema de Informação da Organização do Estado. Isto quer dizer o

quê? É o sistema que o Estado tem, e todas as Administrações Públicas o têm, que lhe permite saber que

organismos tem, que agentes tem e que recursos humanos tem, que são questões muito importantes.

Este sistema foi criado em 2011 e, depois, alterado em 2012 e, de facto, é impossível falar — e falar com

pés e cabeça —, sobre a definição de políticas públicas, e de políticas públicas no que diz respeito às

Administrações Públicas, sem sabermos, afinal, de que órgãos estamos a falar, de que entidades estamos a

falar e de que recursos humanos, de que trabalhadores estamos a falar.

Portanto, acho que esta é uma preocupação muito séria, muito real e em que, muitas vezes, em Portugal —

aliás, não é só no que diz respeito à organização do Estado —, o Estado falha. Se pensarmos, por exemplo, no

património e na capacidade de o Estado e as administrações, sejam a central ou a municipal, identificarem o

seu próprio património, vemos, muitas vezes, que o Estado não é capaz de cumprir esta função básica de saber

o que gere, como gere…

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Exatamente!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — … e de que forma gere.

É evidente que, para termos boas políticas públicas, precisamos de saber isto, muito mais do que para ter

informação estatística.

O que a Sr.ª Secretária de Estado e o Governo vêm, hoje, aqui propor é a introdução de alterações ao sistema

atualmente existente. De acordo com aquilo que é dito na exposição de motivos, resumidamente, e daquilo que

é dito também pela Comissão Nacional de Proteção de Dados, há a introdução de duas alterações: uma delas

tem a ver com o âmbito, passando a incluir-se muito mais órgãos, designadamente órgãos de soberania, em

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todo este perímetro das administrações públicas e deste mapeamento; outra é uma questão relacionada com o

tipo de dados que são tratados, passando a incluir-se dados pessoais dos trabalhadores.

Podermos ter uma informação cada vez mais completa, para o CDS é positivo. Por isso, e porque temos

certas dúvidas, deixo algumas perguntas.

Primeiro, muito é deixado para depois, para portaria e para despacho. Gostaria de entender porquê, porque,

afinal de contas, a Sr.ª Secretária de Estado já leva mais de três anos no Governo, portanto, suponho que seja

mais do que tempo para ter esta matéria bem preparada.

Segundo, o grau de detalhe de muitos dos dados e a maneira como vão ser solicitados, leva-me a perguntar

se vamos ou não ter um aumento da burocracia.

Por último, pergunto-lhe até que ponto é preciso chegar a dados tão pessoais.

São estas as perguntas que deixo e que gostaria de ver respondidas.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A próxima intervenção cabe ao Sr. Deputado Fernando

Anastácio, do Partido Socialista.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Fernando Anastácio (PS): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: Estamos

hoje, de facto, perante uma proposta do Governo que pretende alterar o Sistema de Informação da Organização

do Estado (SIOE), no fundo, um instrumento importante para o conhecimento da realidade institucional do

Estado, que já tem o seu mérito, um espaço e um contexto que permitiu disponibilizar um conjunto de informação

extremamente importante para as análises, particularmente do emprego público.

Contudo, todos teremos a convicção de que, apesar dos méritos deste instrumento, hoje ele já não responde

e é insuficiente à formulação das políticas públicas no âmbito do conhecimento sobre os dados nas

administrações públicas.

O Governo, com esta proposta, vem então reformar e ampliar este sistema de informação, tocando, no fundo,

nas suas componentes quantitativa e qualitativa no que respeita às suas capacidades. Elenca um conjunto de

objetivos. Queria destacar, em particular, a importância de concentrar num único sistema de informação toda a

informação relativa à caracterização do emprego público; a possibilidade de recolher e tratar, de uma forma

similar entre todo o setor público, informações estatísticas nacionais de relevância; a simplificação, melhoria,

agilização e recolha de dados, que pode potenciar, obviamente, sinergias resultantes da existência de uma

informação mais acessível e suscetível de ser trabalhada; e, também, um aspeto que não posso deixar de referir

como importante, a possibilidade da partilha desta informação, a qual, armazenada num repositório único, será

também um importante contributo e, nesta matéria, destaco a implementação da nova lei de enquadramento

orçamental.

Sr.as e Srs. Deputados, queria também referir que não é menos importante a possibilidade de grupos de

cidadãos, organizações internacionais e, particularmente, as responsáveis pelas estatísticas nacionais, de onde

destaco o INE (Instituto Nacional de Estatística), com grandes responsabilidades do ponto de vista estatístico,

poderem, assim, ter ao seu dispor e disponibilizar esta informação. O mesmo se passa em relação a organismos

internacionais, de onde destaco o Eurostat, a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento

Económico) e a OIT (Organização Internacional do Trabalho), por exemplo, assim como os investigadores e

académicos e, particularmente — e penso que isto é extremamente importante —, os responsáveis pelo

acompanhamento das políticas públicas, porque com esta informação poderão melhorar os seus serviços de

auditoria e fiscalização.

Esta é uma opção que trará benefícios inequívocos, inovação e garantirá a interoperabilidade com outro

sistema de informação.

Queria ainda deixar uma nota, muito em particular, que é a garantia da proteção dos dados individuais,

respeitando integralmente o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados no que diz concerne ao tratamento

dos dados pessoais e à livre circulação desses dados. Sobre essa matéria estamos atentos e estaremos

disponíveis para verificar todas as questões que se levantem.

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O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, queria pedir que terminasse.

O Sr. Fernando Anastácio (PS): — Vou terminar, Sr. Presidente.

No entendimento do Grupo Parlamentar do PS, a aprovação desta proposta irá permitir recolher informação

de uma forma agregada, conseguindo-se, assim, grandes ganhos de eficácia e eficiência na forma encontrada,

dando-se um avanço significativo no tratamento e na melhoria da Administração Pública e da informação

disponibilizada.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A próxima intervenção cabe ao Sr. Deputado Pedro Filipe Soares,

do Bloco de Esquerda.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O

Bloco de Esquerda acompanha, na generalidade, as intenções da proposta de lei do Governo porque,

claramente, maior informação sobre o Estado permite-nos ter maior capacidade para tornar as políticas públicas

mais eficazes, mas também nos permite ter uma melhor perceção da realidade concreta para podermos

trabalhar sobre a qualidade do emprego público. Por isso, do nosso ponto de vista, qualquer passo dado nesse

sentido é um passo positivo.

Não ficamos é apenas e só pelas estatísticas, porque, enquanto outros grupos parlamentares parece ter

como única vontade o conhecimento do Estado para pensarem sobre ele mas excluir desse pensamento os

direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras do Estado, nós consideramos que este instrumento é importante

para combater a precariedade ainda existente na Administração Pública para garantir que os direitos dos

trabalhadores, como o direito ao tempo de serviço das suas situações profissionais alcançadas na Administração

Pública, devem ser claramente respeitados. Por isso, ao pensarmos o Estado e as políticas públicas, esse

pensamento não deve abstrair-se dos direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras da Administração Pública,

que são eles e elas, com a sua dedicação, que constroem o Estado no nosso País.

Para nós, essa é uma matéria importante e, por isso, Sr.ª Secretária de Estado, queremos dizer-lhe, olhos

nos olhos, que não nos ficámos por questões administrativas, é importante que o Governo dê sequência às

justas reivindicações dos trabalhadores do Estado e às negociações que o Governo tem teimado em protelar

ou, muitas vezes até, concluir de forma errada.

Um segundo aspeto que gostaríamos de lhe perguntar é se o Governo contempla, tendo em conta a abertura

que manifestou para o debate, na especialidade, desta proposta de lei, incorporar as pertinentes indicações que

a Comissão Nacional de Proteção de Dados deixou no parecer que enviou à Assembleia da República. Sabemos

que o Governo dirá, como diz muitas vezes o Sr. Primeiro-Ministro — lavando as mãos da discussão, na

especialidade, das iniciativas —, que é à Assembleia da República que cabe fazer o que lhe compete. Nós

sabemos disso e, pela nossa parte, não deixaremos de colocar em cima da mesa a questão da necessária

proteção dos dados pessoais dos trabalhadores da Administração Pública; no entanto, da parte do Governo,

também gostaríamos de ouvir uma opinião sobre esta matéria.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A Mesa não regista mais pedidos de intervenção.

Para encerrar o debate, tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado da Administração e do Emprego Público,

Fátima Fonseca.

A Sr.ª Secretária de Estado da Administração e do Emprego Público: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs.

Deputados: Vou procurar sintetizar algumas observações que foram feitas em torno do conjunto de questões

colocadas.

Em primeiro lugar, o âmbito de aplicação deste diploma é claro. Estamos a referir-nos a todas as entidades

que são definidas pelo INE para efeitos de perímetro das contas nacionais.

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As finalidades do diploma são articuladas: conjugam a necessidade de obtenção de informação para a

definição de políticas baseadas em evidências com a simplificação dos procedimentos e com a rigorosa proteção

dos dados pessoais.

Senão, vejamos: depois de realizados os desenvolvimentos necessários, caso a Assembleia da República

aprove a proposta apresentada, o Governo prevê que a recolha de dados possa ser iniciada no segundo

semestre deste ano, sendo que as portarias que estão previstas no diploma — e procuramos que o diploma seja

escorreito e regule apenas o essencial e não matéria de caráter procedimental — irão regular matéria

estritamente procedimental e estão a ser, obviamente, preparadas para que, uma vez desenvolvido o sistema e

realizados os respetivos testes, possamos entrar em pleno carregamento em velocidade de cruzeiro.

A propósito das questões abordadas pela Comissão Nacional de Proteção de Dados, permitia-me dizer que

o Governo acolheu a generalidade das recomendações emitidas no parecer da Comissão e, portanto, dados

como a morada ou o dia do nascimento não estão já previstos nesta versão presente à Assembleia da República.

O Governo terá, obviamente, o cuidado de garantir que a informação não é trabalhada sem previamente ser

realizada a avaliação de impacto, para que os riscos emergentes do trabalho sobre dados pessoais possam ser

avaliados à medida do desenvolvimento da própria solução para que, no momento próprio, possam mitigar-se,

de forma tecnicamente adequada e juridicamente robusta, os riscos identificados, nomeadamente quanto ao

método mais adequado para garantir a pseudoanimização dos dados.

Desta forma, este sistema constitui, sim, uma evolução do SIOE no seu formato aprovado em 2011…

O Sr. Presidente: — Sr.ª Secretária de Estado, pedia-lhe que terminasse.

A Sr.ª Secretária de Estado da Administração e do Emprego Público: — Termino já, Sr. Presidente.

Queria apenas recordar que o SIOE não marcou o início das bases de dados da Administração Pública em

Portugal, pois já no final dos anos 90 existiu um sistema que continha alguns dados pessoais, que foram muito

importantes para caracterizar a Administração Pública.

Concluindo, este sistema constituirá um pilar fundamental na gestão da Administração Pública. Constituirá o

suporte tecnicamente adequado à formulação, monitorização e avaliação das políticas de recursos humanos e

do emprego público, políticas apoiadas em evidências, como referi, por esta razão mais robustas, sustentáveis

porque fundadas em diagnósticos exaustivos e não meramente estatísticos, diagnósticos que suportam opções

políticas claras.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Srs. Deputados, terminamos, assim, o terceiro ponto da nossa

ordem de trabalhos.

O quarto ponto consiste no debate do Projeto de Resolução n.º 1965/XIII/4.ª (CDS-PP, PSD, PS e BE) —

Constituição da II Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar à recapitalização da Caixa Geral de Depósitos e

à gestão do banco.

Para iniciar o debate, tem a palavra o Sr. Deputado João Almeida, do CDS-PP.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Na última década, os

portugueses foram várias vezes chamados a ter de tapar buracos existentes no setor financeiro e, com o dinheiro

dos seus impostos, a cobrirem essas falhas do setor financeiro.

O CDS empenhou-se sempre, no Parlamento, em representar, de forma empenhada também, os cidadãos

na descoberta das razões de ser destas necessidades e da forma como o Estado lidou com elas.

Desde o início, com o BCP e passando, especialmente, pelo BPN, na altura com Nuno Melo, em todas as

comissões de inquérito fomos exigentes para saber porque é que era preciso empenhar os recursos dos

contribuintes e quem tinham sido os responsáveis por isso.

É muito importante lembrar o seguinte: fizemo-lo, igualmente, quando estiveram em causa bancos privados

e quando esteve em causa a Caixa Geral de Depósitos;…

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Bem lembrado!

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O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — … fizemo-lo, igualmente, quando estávamos na oposição e

quando estávamos no governo; votámos e viabilizámos relatórios de comissões de inquérito de maiorias de que

fazíamos parte, mas também viabilizámos relatórios de comissões de inquérito de quem, estando nós na

oposição, pertencia a partidos que, nessa altura, formavam maioria de governo.

Nunca, para nós, a realidade partidária ou a situação política foram decisivas para que tivéssemos posições

claras, afirmativas e exigentes em relação ao setor financeiro. O que nos guiou foi sempre o interesse e a defesa

dos contribuintes portugueses, porque achamos que estes esforços que foram pedidos podiam ter sido, no

mínimo, minimizados, mas, em muitos casos, podiam ter sido evitados.

O que hoje discutimos é a Caixa Geral de Depósitos e a comissão de inquérito à Caixa Geral de Depósitos,

e há três pontos muito importantes a salientar.

Primeiro, do nosso ponto de vista — que não é exclusivo, mas não deixa de ser o nosso —, esta comissão

de inquérito permitirá terminar um trabalho que outra poderia ter concluído há dois anos. Do nosso ponto de

vista — que é o nosso, não é, necessariamente, o de todos, mas não deixa, de maneira nenhuma, de ser o

nosso —, podíamos há dois anos ter contribuído para que muito do que agora se sabe e se escrutina pudesse

ter sido escrutinado mais cedo, e isso pode não ser indiferente, muito pelo contrário, em matéria de

responsabilidade civil e de prazos processuais. A responsabilidade civil os prazos podem ter sido influenciados

por esta dilação temporal entre a primeira comissão de inquérito e a que vamos ter agora. Mas mais importante

do que tudo é que estamos ainda a tempo de, lidando com novos dados, podermos exigir as responsabilidades

a todos os que as têm — a todos!

Segundo, é importante dizer agora aqui que, pela nossa parte e pelo nosso contributo na comissão de

inquérito, não vamos permitir ajuste de contas ou comissões de inquérito direcionadas apenas a uma parte do

problema. Esta não é uma comissão de inquérito só sobre o Banco de Portugal. Será também sobre o Banco

de Portugal, mas não é só sobre o Banco de Portugal. Se fosse só sobre o Banco de Portugal, isso seria muito

útil a muitos administradores que passaram pela Caixa Geral de Depósitos, que têm responsabilidade, que tem

de responder por ela e que estão desejosos de se poderem esconder atrás de alguém que fique à frente e que

leve com todas as culpas.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — A responsabilidade é de todos e todos têm de ser escrutinados.

O terceiro ponto, e para terminar, Sr. Presidente, queria dizer apenas o seguinte: nós temos oportunidade de

terminar a Legislatura com um exemplo de bom trabalho parlamentar.

Entretanto, assumiu a presidência o Presidente, Ferro Rodrigues.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. JoãoPinhodeAlmeida (CDS-PP): — Vou terminar, Sr. Presidente.

Durante esta Legislatura, e até durante a anterior, os portugueses questionaram a pertinência de alguns

trabalhos parlamentares e, de entre esses, questionaram muito o papel das comissões inquérito.

A forma como decorrer este inquérito parlamentar, o empenho que tivermos em aproveitar bem o tempo que

nos resta, dirá muito sobre a capacidade que teremos de mostrar aos cidadãos que estamos à altura dos

mandatos que recebemos há quatro anos e que voltaremos a pedir daqui a pouco tempo.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Duarte Pacheco, do Grupo

Parlamentar do PSD.

Faz favor, Sr. Deputado.

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O Sr. DuartePacheco (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Estamos a apreciar um

projeto de resolução, subscrito por vários partidos, referente à criação da comissão de inquérito à Caixa Geral

de Depósitos.

É natural o consenso que hoje ocorre nesta Câmara sobre a necessidade desta comissão, porque aquilo que

é público sobre o ocorrido na Caixa Geral de Depósitos é uma verdadeira vergonha. Como é que foi possível

brincar com uma instituição pública, respeitada e que devia merecer o respeito dos portugueses?

Apurar a verdade de toda esta tragédia é uma exigência dos portugueses e um dever de cada um de nós

enquanto parlamentares. Saber quais as ações que levaram a este descalabro, quem foram os beneficiários,

quem participou nas decisões da Caixa sobre estas operações financeiras ruinosas, se houve real intervenção

política junto da administração da Caixa para certos créditos serem concedidos, se os procedimentos foram

todos respeitados, qual o comportamento dos órgãos de controlo interno e dos auditores, qual a postura do

supervisor, tudo isso deve ser apurado, doa a quem doer. Não há intocáveis neste processo, nem pode haver

conclusões pré-feitas, nem alvos de estimação.

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Muito bem!

O Sr. DuartePacheco (PSD): — Repito: é uma exigência dos portugueses. E o dever de cada um de nós,

Deputados, é o de apurar toda a verdade.

É esta a postura do PSD, a mesma que assumimos quando éramos maioria nas comissões inquérito ao BES

ou ao BPN, em que os relatórios finais foram aprovados com amplo consenso.

Infelizmente, esta não foi a postura do PS, do Bloco e do PCP na presente Legislatura, nas primeiras

comissões inquérito à Caixa, em que boicotaram o trabalho e encerraram a Comissão à pressa.

Mas queremos pensar que isso é algo do passado, que a força dos acontecimentos vos leva, hoje, a ter uma

postura diferente. Deus queira que sim, para que nada fique por apurar e tudo seja explicado aos portugueses.

Não vamos aceitar bloqueios, nem que se escolham focar em responsáveis parciais para que os verdadeiros

responsáveis possam ficar escondidos dos portugueses.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. DuartePacheco (PSD): — Esse é o nosso compromisso.

Esperemos que tenham o mesmo sentido de responsabilidade.

Aplausos do PSD e do Deputado do CDS-PP João Pinho de Almeida.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado João Paulo Correia, do Grupo

Parlamentar do PS.

Faz favor, Sr. Deputado.

O Sr. JoãoPauloCorreia (PS): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Esta comissão

parlamentar de inquérito é a consequência de uma auditoria externa e independente realizada à gestão da Caixa

Geral de Depósitos, entre os anos 2000 e 2015.

Esta auditoria foi realizada por determinação do atual Governo e, portanto, se hoje, há um consenso alargado

no Parlamento para a criação de uma nova comissão de inquérito à gestão da Caixa entre 2000 e 2015 é porque

o Governo determinou uma auditoria, auditoria essa que foi realizada por uma entidade externa e independente

e que produziu um relatório que nos foi recentemente transmitido por parte da administração da Caixa Geral de

Depósitos, relatório esse que nos traz um facto novo face aos trabalhos da última Comissão de Inquérito, que

trabalhou sem qualquer relatório de auditoria.

Perguntam as pessoas porque é que, na última Comissão de Inquérito, não tínhamos um relatório de

auditoria, porque houve muitas oportunidades, em anos anteriores, para que, principalmente o anterior Governo

tivesse feito aquilo que fez este Governo. Poderia ter determinado, também na altura, uma auditoria à gestão da

Caixa Geral de Depósitos, e não o fez.

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Desta vez, esta comissão parlamentar de inquérito tem um facto novo, uma peça fundamental para produzir

conclusões e outras conclusões que serão do interesse público e do interesse dos portugueses.

Recordo que foi em 2011 que a Caixa teve, pela primeira vez, prejuízos e, na altura, o Governo, em 2012,

poderia ter aí encontrado uma boa justificação para determinar uma auditória à gestão da Caixa, entre 2000 e

2011, mas não o fez.

Em 2012, quando o Governo capitalizou a Caixa Geral de Depósitos, como este Governo fez, passado uns

anos, também poderia ter encontrado aí uma boa oportunidade para determinar uma auditória à Caixa Geral de

Depósitos, mas também não o fez.

Entre 2013 e 2015, quando a Inspeção-Geral de Finanças, nos seus relatórios trimestrais, informou o

Governo de que o nível de imparidades disparou de 4500 milhões de euros para 5200 milhões de euros, entre

final de 2013 e final de 2015, o Governo anterior também teve uma boa oportunidade para determinar uma

auditoria à Caixa Geral de Depósitos, mas também não o fez.

Aplausos do PS.

Se estes três momentos eram mais do que justificativos para uma auditoria à Caixa, quando o ex-Primeiro-

Ministro, em plena campanha eleitoral, em julho de 2015, disse que estava muito preocupado com a situação

da Caixa porque não podia pagar os CoCo (Contingent Convertible Bonds) que devia ao Estado, nessa altura

era a razão maior para o anterior Governo determinar uma auditoria à Caixa Geral de Depósitos, e também

entendeu não fazê-lo.

O Sr. Carlos César (PS): — Muito bem!

O Sr. JoãoPauloCorreia (PS): — Os portuguese querem saber que créditos é que foram concedidos,

contrariando os pareceres da Direção de Gestão de Riscos da Caixa ou que não respeitaram os pareceres da

Direção de Gestão de Riscos.

A Sr.ª CecíliaMeireles (CDS-PP): — Isso é que é demagogia!

O Sr. JoãoPauloCorreia (PS): — Os portugueses querem saber que créditos é que foram reestruturados,

contrariando, também, os pareceres da Direção de Gestão de Riscos da Caixa ou que não respeitaram as

garantias definidas nesses pareceres.

Os portugueses querem conhecer que intromissões é que ocorreram, por parte dos anteriores Governos, na

gestão da Caixa.

Os portugueses querem saber quem são os responsáveis e apurar as responsabilidades dos prejuízos

causados ao património da Caixa Geral de Depósitos.

Da parte do Partido Socialista, os portugueses podem esperar justiça, um trabalho exigente, rigoroso e sem

olhar a quem.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, do Grupo

Parlamentar do Bloco de Esquerda.

Faz favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª MarianaMortágua (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos hoje condições para fazer uma

avaliação séria do que se passou na Caixa. É certo que essa avaliação não irá cobrir todo o histórico de

operações da Caixa, mas também sabemos que querer avaliar tudo é muitas vezes sinónimo de não olhar nada

em pormenor. E é por isso que é sensato que nos concentremos no período de 15 anos, entre 2000 e 2015, em

que resultaram as maiores imparidades.

O que nos cabe avaliar, nesta comissão de inquérito, é que parte destes prejuízos é que poderiam ter sido

evitados. O que nos cabe avaliar é se essas operações cumpriram as regras internas da Caixa. O que nos cabe

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avaliar é se essas operações serviram os interesses do banco ou, se não serviram, que interesses é que

serviram. O que nos cabe avaliar é quem foram os responsáveis por estas operações, se estas operações são

o resultado de incompetência ou se são resultado de pressões políticas ou de pressões de grupos privados. É

esse o mandato que temos e é isso que faremos nesta comissão de inquérito.

Temos, hoje, melhores condições para o fazer, porque há uma auditoria na qual nos podemos basear e que

resulta de um ano de recolha e de análise de dados, uma informação a que nenhuma comissão de inquérito

poderia ter acesso. E também temos melhores condições, porque a Caixa está recapitalizada, depois de um

processo que foi difícil e sem garantias de sucesso.

Temos recusado fazer da Caixa uma arma de arremesso e protegemos o banco público quando achámos

que era imperativo fazê-lo. Mas, existindo hoje condições e garantias para esta avaliação desta Caixa em

contexto de estabilidade, gostaria de rebater o argumento de quem acha que, por norma, o escrutínio e a

transparência fragilizam a Caixa Geral de Depósitos. Pelo contrário, uma clarificação do passado pode contribuir

para fortalecer o banco público, no futuro, através de uma reflexão sobre as suas fragilidades, mas também

sobre o seu potencial, que está intrinsecamente relacionado com a importância estratégica de ter um grande

banco público ao serviço da economia. O único banco que responde ao País é o único banco com capital

nacional.

Srs. Deputados, para finalizar, queria deixar uma nota sobre o Banco de Portugal. O Banco de Portugal é o

banco dos bancos. É a entidade que supervisiona todos os bancos do País, que avalia a suas práticas, que

decide quais os gestores que dão garantias de idoneidade para ser banqueiros. Se há pessoas que têm de estar

disponíveis para ver a sua idoneidade avaliada em qualquer momento, o Governador do Banco de Portugal é

uma delas.

Os Srs. Deputados podem ignorar esse facto, podem olhar para o lado ou olhar para a frente, à espera do

fim do mandato do Governador, mas uma coisa é certa: o Governador do Banco de Portugal deixou de ter

condições para ser governador a partir do momento em que o Banco de Portugal nos disse que não ia avaliar a

sua idoneidade.

Quero que isto fique bem registado: o Bloco de Esquerda não faz qualquer análise antecipada sobre a

idoneidade de Carlos Costa ou de qualquer outro ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos. É o Banco de

Portugal que tem de fazer essa análise e nós temos de exigir, legitimamente, ao Banco de Portugal que faça

essa análise de idoneidade aos ex-administradores. Mas, Srs. Deputados, no dia em que o Banco de Portugal

declarou que, de todos os administradores e ex-administradores da Caixa, há um que nunca será avaliado, que

é o seu Governador, nesse dia foi criado um conflito de interesses.

Se a única forma de assegurar que Carlos Costa é avaliado é que deixe de ser Governador, então deixe de

ser Governador. Caso contrário, Srs. Deputados, o conflito de interesses irá manter-se e cada partido tem de

avaliar se quer compactuar e viver com esse conflito de interesses ou se quer agir perante o mesmo.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Duarte Alves, do Grupo

Parlamentar do PCP.

Faz favor, Sr. Deputado.

O Sr. DuarteAlves (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O relatório de auditoria à Caixa Geral de

Depósitos demonstrou, mais uma vez, que, com a aproximação dos critérios de gestão da Caixa aos da banca

privada, com o favorecimento dos interesses privados de grandes grupos económicos, com a entrada da Caixa

em negócios ruinosos, em projetos falhados e, mesmo, em guerras de acionistas de bancos privados, a Caixa

obteve avultadas perdas, que pesam sobre o povo português.

As responsabilidades pessoais da administração da Caixa e dos vários níveis de decisão devem ser apuradas

pela Caixa e o Estado, através do Governo, deve fazer o acompanhamento de perto desse apuramento e das

consequências das práticas de má gestão.

As eventuais responsabilidades criminais devem ser apuradas pelas instâncias judiciais, cujo trabalho deve

ser respeitado.

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À Assembleia da República cabe o apuramento das responsabilidades políticas e essas, Srs. Deputados,

foram já clarificadas em anteriores comissões de inquérito e recaem, sem sombra de dúvida, sobre os

sucessivos conselhos de administração, povoados por figuras de proa do PS, do PSD, mas também do CDS e

dos governos que os nomearam, destes mesmos três partidos, sem esquecer as responsabilidades dos dois

Governadores do Banco de Portugal.

O Sr. JoãoOliveira (PCP): — Exatamente!

O Sr. DuarteAlves (PCP): — Recordamos que, só nesta Legislatura, já se realizaram duas comissões de

inquérito à Caixa, uma delas durou mais do que um ano.

Nunca um banco privado, onde os portugueses tiveram de meter milhares de milhões de euros para o buraco

da ruinosa gestão privada, da especulação e da corrupção financeiras — como são exemplo o BPN, o BES/Novo

Banco, mas também o BPI e o BCP —, nunca estes bancos tiveram um processo de três comissões de inquérito

com o banco em atividade, como está a ser feito com o banco público.

O Sr. JoãoOliveira (PCP): — Bem lembrado!

O Sr. DuarteAlves (PCP): — É que as intenções por detrás desta proposta do CDS são essencialmente

duas: uma, é a de dar palco para que o PS, o PSD e o CDS passem os próximos meses a distribuírem, entre si,

acusações de quem tem mais culpa, num registo de chicana política e nada mais; outra, já antiga, é a de, mais

uma vez, usar esta comissão de inquérito para atacar o banco público e assim beneficiar a banca privada.

Procuram, ainda, usar esta comissão para, em última análise, abrir caminho à entrada dos privados na Caixa,

porque sabem que, se o processo de recapitalização não for bem sucedido, a próxima capitalização já será

privada, como está previsto no acordo entre o Estado português e a União Europeia.

Mas, Srs. Deputados, pela parte do PCP, não daremos para esse peditório. Nesta comissão de inquérito, tal

como nas anteriores, manteremos a nossa recusa a todas as iniciativas de PSD e CDS que sirvam apenas para

atacar o banco público e trabalharemos para que possa servir para confirmar e densificar as responsabilidades

políticas já apuradas nas anteriores comissões.

O PCP continuará a afirmar aquilo que é cada vez mais uma evidência, se olharmos para o panorama do

sistema bancário português: é que a banca ou é pública ou não é nacional. Basta ver o que tem acontecido na

banca privada, capturada paulatinamente pelo capital estrangeiro.

Mas a realidade também evidencia que, para que um banco seja verdadeiramente público, não basta ser

propriedade do Estado. É preciso que seja orientado pelo interesse público, e é isso que tem faltado à Caixa,

com as consequências que se conhecem.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado não inscrito Paulo Trigo Pereira.

Faz favor, Sr. Deputado.

O Sr. Paulo Trigo Pereira (N insc.): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Parece que existe uma larga maioria

a favor desta comissão de inquérito. Eu não partilho dessa opinião e queria apenas resumir algumas ideias

essenciais.

A primeira é que todos nós já percebemos pelo relatório de auditoria que houve má gestão na Caixa Geral

de Depósitos. E essa má gestão pode obviamente ser repartida entre responsabilidades civis, responsabilidades

criminais e responsabilidades políticas.

A questão para a qual não tenho resposta satisfatória é a de saber se os Deputados desta terceira comissão

de inquérito à Caixa Geral de Depósitos terão maior capacidade de investigação, por exemplo, sobre as

responsabilidades criminais do que os procuradores do Ministério Público.

A segunda questão para a qual não tenho resposta e em relação à qual tenho as maiores dúvidas é a de

saber se os Deputados da comissão de inquérito terão maior capacidade para fazer uma auditoria à gestão da

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Caixa Geral de Depósitos, do que auditores especializados de consultoras especializadas. Tenho as maiores

reservas e as maiores dúvidas.

Que fique claro: todas as responsabilidades devem ser assumidas. Quem tiver responsabilidades criminais

deve ser julgado e, se for condenado, deve ter uma pena correspondente ao seu crime. Isto é uma coisa.

A outra coisa que devíamos estar a discutir, e na qual devíamos estar empenhados, é em saber o que

queremos do banco público, para que ele seja efetivamente um banco ao serviço da economia e dos

portugueses e gere dividendos que entrem no Orçamento do Estado e aliviem as contas públicas. Ora, nada

disso vai ser feito durante estes meses. O que vai ser feito durante, ainda por cima, o tempo de uma campanha

eleitoral é um arremesso político em torno destas matérias.

O Sr. Presidente: — Por último, tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Duarte Pacheco.

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero somente deixar duas notas sobre

as várias intervenções aqui proferidas.

A primeira é para dizer ao Sr. Deputado João Paulo Correia que, se não houve auditoria mais cedo, a saber,

durante a anterior Comissão de Inquérito, foi porque VV. Ex.as, com o apoio do Bloco e do PCP, chumbaram a

exigência de auditoria que o PSD e o CDS fizeram.

Aplausos do PSD.

O Sr. Fernando Rocha Andrade (PS): — Porque é que não a pediram em 2014? Porque é que não a

pediram em 2015?!

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Não quiseram que essa auditoria aparecesse! Deus saberá porquê!

A segunda nota, Srs. Deputados, é para vos dizer que nós vamos para esta comissão de inquérito de espírito

aberto, de consciência tranquila, para apurar toda a verdade. E esperamos que tenha sido hoje o último dia em

que algumas das bancadas mostraram os «ódios de estimação» que têm, esquecendo aquilo que tem de ser a

nossa preocupação, que é apurar os responsáveis por esta tragédia.

O Sr. Deputado João Paulo Correia perdeu metade do seu tempo a falar do anterior Governo, quando aquilo

que aconteceu, pelo que se sabe, não foi durante o anterior Governo mas, sim, durante o anterior Governo

socialista — e essa é a verdade!

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

Meu caro amigo, comecei por dizer que vou para esta comissão de inquérito de consciência tranquila, mas o

senhor não escondeu aquele que era o seu «ódio de estimação». Tal como a Sr.ª Deputada Mariana Mortágua,

que passou parte da sua intervenção a falar apenas do Sr. Governador do Banco de Portugal.

Ninguém pode ficar incólume neste inquérito. Mas se vamos começar, desde já, a apurar, a saber, a concluir

quem é que são os culpados,…

O Sr. Presidente: — Queira terminar, Sr. Deputado. Embora esteja inscrito, também tem de respeitar os

limites do tempo.

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — … esse é um mau trabalho que prestamos à democracia e ao Parlamento.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos passar à apreciação, na generalidade, dos Projetos de Lei n.os

834/XIII/3.ª (PSD) — Cria um mecanismo de regularização oficiosa das declarações de IRS em decorrência de

decisões judiciais que impliquem devoluções aos contribuintes de prestações tributárias indevidamente

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cobradas e 1102/XIII/4.ª (CDS-PP) — Cria, em complemento à Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro, um mecanismo

de regularização oficiosa das declarações de IRS em decorrência de decisões judiciais que impliquem

devoluções aos contribuintes de prestações tributárias indevidamente cobradas.

Para apresentar o projeto de lei do PSD e para abrir o debate, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Leal

Coelho.

Faz favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Com o Projeto de

Lei n.º 834/XIII/3.ª, vem o PSD propor a criação de um mecanismo de regularização oficiosa das declarações

de IRS, em decorrência de decisões judiciais que impliquem devoluções aos contribuintes de prestações

tributárias indevidamente cobradas e que tenham sido julgadas inconstitucionais.

Como todos nos lembramos, o Acórdão n.º 848/2017 do Tribunal Constitucional declarou a

inconstitucionalidade da taxa de proteção civil, criada e cobrada pelo município de Lisboa. Sabemos que essa

taxa foi, inconstitucional e ilegalmente, cobrada durante um longo período pela Câmara Municipal de Lisboa,

apesar das diversas advertências feitas pela vereação do PSD e também pelos Deputados do PSD relativamente

à irregularidade da taxa de proteção civil.

Na sequência desse Acórdão, a Câmara Municipal de Lisboa viu-se na obrigação de devolver os montantes

cobrados. Ora, essa devolução veio, mais tarde, a ser acrescida de juros, também na sequência de uma iniciativa

legislativa apresentada pelo PSD, que foi aprovada nesta Câmara e que obrigou o município de Lisboa e que

se aplica naturalmente a outros municípios em circunstâncias idênticas quanto à devolução dos juros

relativamente às cobranças.

Acontece que, na sequência dessa devolução, veio o Governo afirmar que aplicaria coimas a todos aqueles

contribuintes que não substituíssem a sua declaração de IRS em função de terem introduzido as cobranças

indevidas nessa declaração.

O PSD entende que é duplamente oneroso para os contribuintes, por um lado, terem tido de pagar uma taxa

que é inconstitucional e indevida e, depois, terem ainda de ser eles próprios a regularizar, por sua iniciativa, as

declarações de rendimentos.

Por isso mesmo, porque se trata de uma cobrança feita por uma entidade pública e de uma correção que

também pode ser feita por uma entidade pública — ou seja, a Autoridade Tributária e Aduaneira, que devolveu

a cobrança, por um lado, e que recebe as declarações de IRS —, é entendimento do PSD que o ajuste deve ser

feito oficiosamente e que a entidade pública que cobrou indevidamente deve interagir com a Autoridade

Tributária e Aduaneira para efeitos de correção da declaração de rendimentos.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe que termine, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Vou já terminar, Sr. Presidente.

Entendemos também que essa correção da declaração de rendimentos deve ser feita no ano subsequente

à devolução da cobrança indevida, para que os contribuintes possam tranquilamente programar a sua vida no

que diz respeito a eventuais encargos futuros.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para apresentar a iniciativa do CDS-PP, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Meireles.

Agora posso dizer s.f.f.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este projeto de lei que o CDS

ora apresenta responde a duas perguntas importantes. A saber: quando o Estado faz o que não pode, quem é

que tem a obrigação de corrigir a situação? E quando o Estado trata o cidadão como não deve, quem é que tem

a obrigação de corrigir o cidadão? E quando digo «Estado», estou a falar em entidades públicas, estou a falar,

no caso concreto, em municípios.

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A questão que aqui se põe — e ela é simples, relativamente simples — é esta: quando acontece num

município ser cobrada uma taxa que posteriormente é declarada inconstitucional, quem é que tem a obrigação

de corrigir a situação, quem é que tem a obrigação de devolver o indevido?

Nós já respondemos a essa pergunta, esta Assembleia já respondeu a essa pergunta, e já foi aprovada

legislação no sentido de dizer que as câmaras têm a obrigação de devolver esses valores ao cidadão.

Agora, a resposta que se impõe é perceber-se quem é que tem de ir corrigir a declaração de IRS desses

cidadãos, que foi alterada pelo facto de eles terem pago uma taxa que, em primeiro lugar, nunca deveria ter sido

cobrada. São os cidadãos que têm de ir agora corrigir a sua declaração de IRS face à confusão em que se viram

envolvidos por causa da cobrança de uma taxa indevida ou devem ser os municípios e o Estado que

oficiosamente devem fazer essa correção?

Do nosso ponto de vista, quem agiu mal, quem procedeu mal é que tem a obrigação de corrigir a situação.

Não foi o cidadão, foram, no caso, os municípios, e podia ter sido o Estado central. Em todo o caso, quando um

poder público age como não deve agir, quando faz aquilo que não deve fazer, é ele que tem a obrigação de

corrigir a situação, não são os cidadãos.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rocha Andrade, do

Grupo Parlamentar do PS.

O Sr. Fernando Rocha Andrade (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta questão da taxa de

proteção civil, aparentemente só em Lisboa, tem servido de inspiração legislativa aos Grupos Parlamentares do

PSD e do CDS, como se, ao longo da história constitucional portuguesa, não tivesse havido outras declarações

de inconstitucionalidade das mais diversas taxas e por razão aparentemente semelhante, que é ou por falta de

competência do município para as impor ou por falta de conexão entre o facto tributário e o montante do tributo.

Portanto, esta é aquela parte em que fica mais ou menos evidente que, mais do que facilitar a vida a quem

quer que seja, há uma tentativa permanente de exploração política desta taxa em concreto e é por isso que

nunca se fala de nenhum dos outros tributos declarados ilegais ou inconstitucionais.

É também, aliás, por isso que, pegando no princípio referido pela Sr.ª Deputada Cecília Meireles, isto só se

refere às situações em que a norma que fundamenta a cobrança da taxa é inconstitucional. Mas, pelo mesmo

princípio referido pela Sr.ª Deputada Cecília Meireles, qualquer situação em que a taxa é devolvida pela

Administração porque a cobrança da taxa foi declarada ilegal ou inconstitucional, seja porque a norma era ilegal,

seja por não existirem os pressupostos da cobrança, também devia ter exatamente o mesmo tratamento.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Nisso tem razão!

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Muito bem!

O Sr. Fernando Rocha Andrade (PS): — Mas, mais, é também mais ou menos evidente que esta

intervenção, feita um pouco a trouxe-mouxe, não funciona. E não funciona por uma razão: porque a Autoridade

Tributária e Aduaneira, a quem seria remetida essa informação, não tem os elementos necessários à liquidação

oficiosa, nomeadamente não tem a informação sobre se aquele montante foi ou não deduzido como custo no

ano a que respeita a respetiva cobrança.

Uma consequência possível do mecanismo proposto pelo PSD e pelo CDS seria que pessoas que nem

sequer invocaram aquela taxa como custo…

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Está discriminado!

O Sr. Fernando Rocha Andrade (PS): — Não, não está discriminado nas declarações de IRS, Sr.ª

Deputada, quais são os custos, mas apenas o montante dos mesmos.

Agora, independentemente disso, existe aqui uma oportunidade para facilitar a vida ao cidadão. De facto, é

possível utilizar esta iniciativa legislativa para facilitar a vida ao cidadão, provavelmente da maneira mais simples,

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utilizando os mecanismos que já estão no IRS e não inventando novos procedimentos, nomeadamente fazendo

aquela coisa tão simples como integrar o montante devolvido nos rendimentos da mesma categoria daquele

ano, que é a forma mais simples de o fazer, sem criar procedimentos paralelos.

Nesse sentido, o Partido Socialista não votará contra estas iniciativas e, em sede de especialidade,

apresentará as propostas correspondentes àquilo que, em nosso entender, será uma melhor solução para o

problema em causa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Alves, do Grupo

Parlamentar do PCP.

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As propostas de lei hoje em discussão

visam garantir que cabe à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), e não a cada um dos contribuintes, apurar

eventuais acertos de imposto decorrentes da devolução de taxas e de impostos cobrados indevidamente por

serem considerados inconstitucionais ou ilegais.

Faz sentido que, tendo havido uma taxa cobrada pelo Estado, que depois é considerada ilegal ou

inconstitucional, esta seja devolvida como está a ser feito. Faz também sentido que, nessa devolução, sejam

considerados juros de mora, como já foi aprovado nesta Casa.

Faz também sentido que os cidadãos que, numa atividade empresarial, tenham colocado estas taxas como

despesas, após terem sido devolvidas as taxas, tenham de fazer o acerto das suas contas, pagando a eventual

diferença de impostos.

Faz também sentido que, uma vez que o erro foi do Estado, não tenham de ser os contribuintes a ter de fazer

mais uma declaração de substituição para fazer o acerto, mas sim que seja a AT a apurar essa diferença.

Podendo haver aspetos a melhorar na especialidade, que já foram aqui, aliás, referidos, votaremos a favor

desta proposta.

No entanto, aquilo que queríamos assinalar é que o PSD e o CDS podiam já ter resolvido esta questão há

mais tempo, quando discutimos os Projetos de Lei n.os 835/XIII/3.ª (PSD) e 1019/XIII/4.ª (CDS-PP), destes

mesmos partidos, no passado mês de dezembro.

Mas a verdade é que o PSD e o CDS pretenderam antes arrastar ao longo do tempo a discussão sobre estas

taxas para daí tirarem aproveitamento político, nomeadamente no plano local, como aliás se vê.

Esta proposta, que fique claro, não vai dar nem tirar nem sequer um euro a nenhum contribuinte, o que faz

tão-somente é colocar o ónus da correção na Autoridade Tributária e não no contribuinte.

Portanto, não queiram agora, o PSD e o CDS, apagar aquilo que foi o autêntico saco fiscal que fizeram

enquanto foram Governo, prejudicando sobretudo os trabalhadores e os pequenos empresários.

A propósito destes projetos, não queríamos deixar de referir, mais uma vez, a necessidade de reforço dos

meios materiais e humanos da Autoridade Tributária e Aduaneira.

Além de cumprir com a sua função, que é a de arrecadar impostos, a AT tem sido sobrecarregada com outras

funções que extravasam o seu papel, como a cobrança de propinas, de portagens, de quotas de ordens

profissionais, entre outras.

São precisos mais meios e também a valorização dos trabalhadores da Administração Tributária e Aduaneira

para que possam continuar a garantir as suas funções, nomeadamente no combate à grande fraude e à evasão

fiscais e também para garantir a proximidade aos cidadãos.

É para que seja mais fácil a resolução destes problemas, como o que hoje discutimos, que a AT precisa de

ter mais e melhores condições, e isso passa, certamente, pela valorização dos seus trabalhadores.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, do Grupo

Parlamentar do Bloco de Esquerda.

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A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Como bem se viu pelo consenso

gerado, ou pelo consenso de fundo gerado, o princípio aqui apresentado está correto.

Se há um erro na cobrança do imposto, quer porque a lei é inconstitucional ou porque houve uma decisão

do tribunal que diz o contrário, não há razão para penalizar duplamente os contribuintes.

Ou seja, os contribuintes são penalizados porque pagaram a mais esse imposto, porque vão demorar algum

tempo a reaver a taxa ou o imposto pago, e ainda têm a responsabilidade de retificar a sua declaração de

rendimentos, sob pena de terem uma multa adicional por não cumprirem essa obrigação a tempo.

Portanto, o princípio é mais do que correto. Se o Estado se engana, paga juros; da mesma forma, se o

contribuinte se engana, paga juros. Se o Estado se engana, retifica as declarações; da mesma forma, se o

contribuinte se engana, tem obrigação de retificar as declarações.

No entanto, tenho uma dúvida, já aqui manifestada pelo Deputado Rocha Andrade, que diz respeito à

capacidade da AT para o fazer.

A ideia de que é preciso garantir uma interação entre, por exemplo, uma câmara municipal e a AT é uma boa

ideia, mas temos de ter a certeza de que a Autoridade Tributária tem as condições, os meios e os dados para

conseguir assumir a responsabilidade de ser ela própria, e tacitamente, a retificar estas declarações, até para

proteção do contribuinte.

Penso que estes projetos têm condições para passar à especialidade, para ouvirmos a AT e para serem

alterados de forma a garantir que esta parte processual corre da melhor forma. De resto, com o princípio,

concordamos.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Vários grupos parlamentares têm ainda tempo disponível para fazerem intervenções

no debate deste ponto da ordem do dia. Mas, como a Mesa não regista inscrições, passamos à intervenção

final, que vai ser proferida pela Sr.ª Deputada, Teresa Leal Coelho, do PSD.

Faz favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Desde já agradeço

as intervenções positivas sobre esta matéria e convido o Sr. Deputado Rocha Andrade a contribuir, em sede de

especialidade, para quaisquer melhoramentos que se possam fazer a este diploma sem desvirtuar aquela que

é a nossa intenção, porque dela não vamos prescindir.

A sugestão apresentada pela Sr.ª Deputada Mariana Mortágua é uma sugestão que acompanhamos.

Efetivamente, temos de ouvir a Autoridade Tributária para sabermos que instrumentos poderão ser acionados e

de que forma é que se poderá desonerar o contribuinte de ter de atuar na sequência de já ter sido penalizado

pela cobrança de uma taxa indevida.

Julgo que, em sede de especialidade, temos condições de garantir aquilo que move o PSD. E aquilo que

move o PSD é, exclusivamente, garantir que os contribuintes não sejam duplamente onerados em razão de

cobranças inconstitucionais, abusivas por parte da autoridade pública, seja ela nacional, regional ou local.

Naturalmente, referimos, em concreto, o caso do município de Lisboa, que não é o único — temos o município

de Setúbal, temos o município de…

O Sr. João Oliveira (PCP): — Não é a mesma coisa!

A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Não é? É um julgamento de inconstitucionalidade!

Temos também o município de Vila Nova de Gaia. Temos, talvez, cerca de 19 municípios com taxa de

proteção civil. Mas, naturalmente, este é um diploma que é geral e abstrato e que se aplicará a qualquer situação

de cobrança indevida.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Setúbal não tem nada a ver com os outros!

A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — O caso do município de Lisboa foi particularmente gritante, porque foi

um caso que envolveu um financiamento do município de Lisboa, um financiamento irregular.

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Pôde o município de Lisboa, durante dois anos consecutivos, utilizar as verbas cobradas aos munícipes de

Lisboa, embora estivesse sucessivamente advertido pelo PSD de que se tratava de cobranças indevidas,

inconstitucionais e ilegais.

Não podemos deixar de ir denunciando este facto, até para evitar situações futuras idênticas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Passamos ao ponto seguinte da ordem do dia, que consta da apreciação, na

generalidade, do Projeto de Lei n.º 1070/XIII/4.ª (CDS-PP) — Segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 466/99, de

6 de novembro de 1999, que elimina a possibilidade da redução do valor da pensão de preço de sangue quando

esta resulte de falecimento de deficiente das Forças Armadas.

Para apresentar esta iniciativa, tem a palavra o Sr. Deputado João Rebelo, do CDS-PP.

Faz favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Quero, em primeiro

lugar, saudar os representantes da Associação dos Deficientes das Forças Armadas (ADFA) que aqui se

encontram presentes a assistir à sessão e desejar ao seu novo Presidente, o Sr. Coronel Lopes Dias, as maiores

felicidades nesta tão difícil tarefa que será a de substituir alguém como o Comendador José Arruda, que tão

cedo e de forma tão surpreendente nos deixou e a quem o País muito deve.

Saúdo também, em particular, os antigos combatentes, as pessoas com deficiência e especialmente os

deficientes das Forças Armadas, cujo testemunho de cidadania gostaria aqui de realçar. Já na semana passada

aqui aprovámos um voto de pesar, ao qual todos os partidos se juntaram, mas gostaria de o voltar aqui a afirmar

na presença da direção da ADFA.

Foram, em grande parte, o empenho e a defesa incessante dos direitos dos deficientes das Forças Armadas

por parte do Comendador Arruda que nos convenceram da importância e da justiça desta iniciativa que hoje

aqui apresentamos.

Como sabemos, os deficientes das Forças Armadas são portugueses que, na sua quase totalidade,

contraíram essa deficiência numa guerra que não escolheram fazer, cumprindo ordens, honrando Portugal.

O reconhecimento e a defesa dos direitos dos militares, dos ex-militares e dos seus familiares estão, e

estiveram sempre, nas prioridades políticas e legislativas do CDS, nomeadamente no que respeita aos

deficientes das Forças Armadas, e a homenagear quem perdeu a vida em defesa e em prol de Portugal.

A pensão de preço de sangue é uma prestação concedida pelo Estado Português há já muito tempo.

Encontramos já referências à sua atribuição no Decreto n.º 17335, de 10 de setembro de 1929, que consagrou

a concessão de pensões de preço de sangue às famílias dos que percam a vida nos campos de batalha em

defesa da Pátria ou por virtude de serviço na manutenção da ordem pública.

Mas, se recuarmos um pouco mais, já na Monarquia Constitucional há referência a prestação desta índole,

por exemplo à revisão de pensão de preço de sangue na Carta de Lei de 19 de janeiro de 1827.

Portanto, este assunto atravessou regimes, como podemos reparar.

Atualmente, origina o direito à pensão de preço de sangue o falecimento, entre outros, de militares ao serviço

da Nação, de funcionários da Proteção Civil e bombeiros, de magistrados e elementos das forças de segurança,

de deficientes das Forças Armadas portadores de incapacidade igual ou superior a 60%.

A própria lei, portanto, já reconhece a importância de referenciar positivamente os deficientes das Forças

Armadas pois, enquanto nos restantes casos o falecimento tem de estar diretamente relacionado com as funções

que desempenhavam, neste caso essa condicionante não é necessária.

Face ao seu caráter indemnizatório e à particularidade dos deficientes das Forças Armadas, o CDS entende

que a pensão de preço de sangue auferida por estes não deve estar sujeita ao controlo de rendimentos, ou seja,

para o seu cálculo não devem ser tidos em consideração os rendimentos ou proventos de qualquer natureza

que os beneficiários auferem.

Não podemos ignorar que muitas dessas viúvas, que têm direito a auferir a pensão de preço de sangue, são

mulheres que abdicaram, muitas delas, da sua carreira e da sua vida profissional para estarem ao lado dos seus

cônjuges e para lhes prestarem cuidados. Elas foram mulheres, enfermeiras, cuidadoras e muito mais. Não

podemos esquecer esse contributo.

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Neste sentido, a presente alteração visa adequar o regime de cálculo de pensão de preço de sangue à sua

natureza indemnizatória e eliminar esta desconformidade legal, deixando a pensão de preço de sangue de estar

sujeita ao controlo de rendimentos quando a sua concessão resulta do falecimento de deficiente das Forças

Armadas. É esta a nossa proposta.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria da Luz Lopes, do Grupo

Parlamentar do PS.

Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Maria Lopes (PS): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Como é a minha primeira

intervenção nesta Assembleia, permitam-me uma saudação muito especial ao Sr. Presidente, às Sr.as

Deputadas e aos Srs. Deputados.

Debatemos hoje, aqui, o projeto de lei do CDS-PP que visa eliminar a possibilidade da redução do valor da

pensão de preço de sangue quando esta resulte de falecimento de deficiente das Forças Armadas.

Por isso, também não posso deixar de agradecer, em nome da bancada socialista, a presença do Presidente

da Associação dos Deficientes das Forças Armadas, o Sr. Coronel Lopes Dias, e relembrar também o

extraordinário exemplo humanista do Sr. Comendador José Arruda.

Esta iniciativa legislativa é importante para todos aqueles que tiveram um percurso militar difícil, em que

muitos deixaram a vida ou parte de si e vai ao encontro dos seus legítimos anseios.

Historicamente, em Carta de Lei em 1827, o Estado português reconheceu, pela primeira vez, a necessidade

de compensar as famílias dos que perderam a vida ao serviço do País.

Hoje, recordo que há outro tipo de apoios sociais para minorar as consequências de ser deficiente das Forças

Armadas e que o Partido Socialista, em 2018, procedeu ao aumento de 35% das respetivas pensões.

A proposta agora em debate configura a segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 466/99, de 6 de novembro, e

acolhe a simpatia de muitos, numa matéria que, pela sua importância, terá acolhimento em todos os quadrantes

políticos.

É uma iniciativa legislativa que decorre de um regime geral de pensões e não de um regime especial,

aplicando-se, por isso, a várias circunstâncias e realidades.

No entender do Partido Socialista, o projeto de lei do CDS-PP exige uma visão inclusiva e abrangente e deve

ser avaliado sob diferentes vetores, quer seja no seu impacto orçamental, como noutras questões que possam

decorrer da sua aplicação, que carecem sempre de uma análise apurada, sobretudo nas limitações associadas

à lei-travão.

Queremos sublinhar e deixar bem claro que qualquer alteração da lei deve necessariamente enquadrar-se

numa atitude de conjugação de equilíbrios, a qual estará sempre presente quando se trata de obrigações

históricas e de responsabilidades do Estado português.

Queremos, mais uma vez, manifestar aqui o nosso apreço, admiração e solidariedade para com os

deficientes das Forças Armadas e para com as suas famílias, factos que são efetivamente determinantes para

concordarmos com os princípios subjacentes ao projeto de lei em apreciação.

Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: O Partido Socialista irá aprovar o diploma em apreço

porque, efetivamente, Portugal tem uma dívida histórica para com os deficientes das Forças Armadas.

Permitam-me que cite Jaime Gama, antigo Presidente da Assembleia da República, numa celebração da

Associação dos Deficientes das Forças Armadas, quando disse que «os deficientes são a exceção das

exceções».

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada Maria da Luz Lopes, desejo-lhe as maiores felicidades. Depois desta

primeira intervenção, que tenha muitas neste Parlamento é o que lhe desejo.

Tem agora a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Bruno Vitorino, do Grupo parlamentar do PSD.

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O Sr. Bruno Vitorino (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Desde há muito que o

Estado português prevê apoiar as famílias daqueles que perderam a vida ao serviço do País. Como exemplo, a

pensão de preço de sangue está prevista em Carta de Lei de janeiro de 1827, como aqui já foi lembrado. Hoje,

o Decreto-Lei n.º 466/99 fixa o regime jurídico das pensões de preço de sangue e por serviços excecionais e

relevantes prestados ao País.

O princípio é o correto e é antigo, mas há sempre correções e melhorias a fazer. Uma alteração necessária,

alvo de um projeto de resolução do PSD aprovado nesta Casa, tem a ver com a inexplicável morosidade do

processo de atribuição de pensões de sangue.

Infelizmente, tivemos um caso bem recente de um militar português, Paiva Benido, falecido num atentado

terrorista no Mali, em que ficou a clara a necessidade de o Estado dar resposta célere a estas situações. São

inaceitáveis e mesmo imorais a demora e a burocracia associadas a situações tão sensíveis quanto estas.

O mesmo acontece em relação ao diploma em discussão! O projeto de lei apresentado pelo CDS-PP

pretende que não seja reduzido o valor de pensão do preço de sangue quando esta resulte do falecimento de

deficiente das Forças Armadas.

Quem escolhe na sua vida o caminho de servir a Pátria — e isto não é um chavão! — sabe que em muitas

situações põe em risco a sua própria vida, mas tem de saber que, se algo de mau acontecer, o Estado, este

Estado que este prestador decidiu servir, não lhe vai falhar, nem a si nem aos seus.

Este princípio é válido para quem se sacrificou no Ultramar, mas também para quem hoje serve nos três

ramos das Forças Armadas em cenários tão difíceis como os da República Centro-Africana, do Mali, do

Afeganistão ou do Iraque, e em tantos outros locais onde ajudamos a defender populações, a manter a paz e

onde damos o nosso contributo no combate global ao terrorismo.

O Estado tem de ser capaz de cuidar dos seus.

Os problemas do IASFA (Instituto de Ação Social das Forças Armadas) atingem hoje proporções alarmantes;

a ADM (Assistência na Doença aos Militares) atravessa os problemas que sabemos; o HFAR (Hospital das

Forças Armadas), por falta de verbas e de meios humanos, não dá resposta às necessidades da família militar.

Estes exemplos demonstram a incapacidade do atual Governo de fazer o que lhe compete e de honrar, com

os nossos militares, o princípio básico de cuidar dos seus.

Esperemos que, pelo menos nesta proposta, possa haver unanimidade.

Sr. Presidente da Associação dos Deficientes das Forças Armadas, Sr. Coronel Marques Lopes Dias, a

melhor forma de homenagear o Comendador José Arruda e a Associação dos Deficientes das Forças Armadas

e de respeitar os nossos deficientes não é com palavras, mas sim com atos, atos que permitam repor a justiça

no processo de reparação moral e material que lhes é devido.

O que aqui hoje é apresentado e proposto tem um reduzido impacto orçamental e é justo e merecido. Da

parte do Grupo Parlamentar do PSD, o diploma merece a nossa concordância e terá o nosso voto favorável.

Aplausos do PSD e do Deputado do CDS-PP João Rebelo.

O Sr. Presidente: — Pelo Grupo Parlamentar do PCP, tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado

António Filipe.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nome do PCP, queria começar por saudar

o Sr. Coronel Manuel Lopes Dias, que assumiu recentemente a presidência da Associação dos Deficientes das

Forças Armadas e que se encontra presente a assistir à sessão na companhia de outros dirigentes da ADFA, a

quem também saúdo, sendo este o primeiro debate sobre matéria referente aos deficientes das Forças Armadas

em que não contamos com a presença do nosso querido amigo José Arruda.

Queria desejar as maiores felicidades aos dirigentes da ADFA e deixar a nossa singela homenagem ao

Comendador José Arruda.

Também concordamos com este projeto de lei e iremos votá-lo favoravelmente. Efetivamente, as pensões

que são atribuídas aos deficientes das Forças Armadas têm natureza indemnizatória — isso tem sido

repetidamente afirmado — e essa natureza deve refletir-se quando confrontada com outro tipo de pensões

atribuídas.

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Na verdade, esta natureza decorre do facto de a deficiência que foi adquirida ao serviço das Forças Armadas

constituir um duplo infortúnio, na medida em que foi imposto pelo cumprimento de um dever ao serviço das

Forças Armadas, e, nesse sentido, o Estado não pode deixar de refletir este facto na natureza da própria pensão

que é atribuída.

Sabemos que já houve momentos nesta Assembleia em que propostas de Orçamento do Estado, tal como

vinham originariamente elaboradas pelos Governos, se esqueciam desta natureza. Inclusivamente, quando em

legislaturas anteriores se tratou de baixar pensões, os Governos faziam-se de esquecidos da natureza

indemnizatória das pensões atribuídas aos deficientes das Forças Armadas e queriam também cortá-las.

Isso não foi permitido. Esta Assembleia nunca o permitiu! Todos os Deputados de todos os grupos

parlamentares integrantes da Comissão de Defesa Nacional estiveram atentos a essa situação, atentos ao alerta

que a Associação de Deficientes das Forças Armadas nunca deixou de fazer sobre essa matéria.

Quando nos referimos às pensões de preço de sangue, aquilo de que se trata nesta iniciativa legislativa, é

de permitir que as pensões de preço de sangue atribuídas após o falecimento de deficientes das Forças Armadas

possam ser cumuláveis com rendimentos obtidos de outra proveniência.

Isso é uma consequência da natureza indemnizatória destas pensões, que, efetivamente, deve ser

reconhecida e daí que concordemos com esta iniciativa legislativa. Obviamente, a nossa disponibilidade é total

para prosseguir o processo legislativo com a sua votação na especialidade.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, do Grupo

Parlamentar do Bloco de Esquerda.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Cumprimento o Grupo

Parlamentar do CDS pela iniciativa, mas permitam-me que também dirija um cumprimento, já feito por outras

bancadas, à Associação dos Deficientes das Forças Armadas, em particular ao seu novo Presidente, o Sr.

Coronel Manuel Lopes Dias, a quem desejo um mandato profícuo, e que relembre, como aquando da votação

do voto de pesar, o Comendador José Arruda e toda a sua dedicação a esta causa, que foi a causa de uma

vida.

Sobre a iniciativa em apreço, acompanhamos a reivindicação colocada e, portanto, a alteração da lei. A

iniciativa parte do pressuposto de que estas pensões de preço de sangue não devem ser contempladas num

outro prisma que não o de caráter indemnizatório e, por isso, desse ponto de vista, não devem entrar para

qualquer tipo de cálculo de rendimento familiar ou para qualquer tipo de limitação no que diz respeito ao

pagamento, quer das próprias pensões, quer de outro tipo de apoios sociais, ou outro tipo de formulações de

pensões.

Desse ponto de vista, assumindo esse caráter indemnizatório, não devem resultar numa penalização a

posteriori por via da sua incorporação no rendimento familiar.

Não esquecemos, no entanto, que o CDS e o PSD estiveram no mesmo Governo que, há cinco anos,

pretendia cortar estas pensões quando fez um ataque brutal a todas as pensões e reformas no nosso País e

promoveu uma política de austeridade sem olhar a quem, sem olhar a este caráter indemnizatório devido a estes

homens que já pagaram uma vez por estarem ao serviço do Estado.

Por isso, desse ponto de vista, não deve existir esta penalização.

Ainda bem que, no passado, a Assembleia da República travou estes interesses do Governo PSD/CDS.

Daremos agora, também, um bom passo para estar à altura da exigência do reconhecimento que se deve ter

perante estes homens, na sua condição e naquilo que o Estado lhes deve perante a sua ação.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — A encerrar este debate, tem a palavra, para uma nova intervenção, o Sr. Deputado João

Rebelo.

Faça favor, Sr. Deputado.

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O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Sr. Presidente, vou ser breve.

Agradeço o contributo dado pelos meus colegas para esta proposta e agradeço o consenso que alcançou.

Deixo apenas duas notas.

Em primeiro lugar, sim, é verdade que a proposta de fazer baixar estas pensões constava de alguns

Orçamentos do anterior Governo, mas também é verdade que foi por proposta do PSD e do CDS que isso não

aconteceu, pois fizemos propostas de alteração. Mas é bom ter relembrado isso, porque encaixa-se um bocado

na perspetiva, muito errada, que a administração central do Estado tem quando olha para estes assuntos. Muitas

vezes nem é por vontade própria de quem exerce funções governamentais que isso aconteça, mas depois, na

redação final dos Orçamentos do Estado, e que se deve muito à Direção-Geral do Orçamento, aparecem às

vezes alguns incisos de pessoas que veem tudo por igual quando não deve ser visto por igual. Isso acontece

muitas vezes e prejudica Governos de todas as cores políticas. E nesse caso aconteceu. Ou seja, foi colocada

uma pensão de caráter indemnizatório num «bolo» que não era a mesma coisa e que não pode ser visto assim.

Mas ainda bem que foi referido, porque, de facto, foi verdadeiro, e nós corrigimos isso na Assembleia da

República com propostas de alteração do PSD e do CDS.

Em segundo lugar, Sr. Presidente, gostaria também de destacar que foi dito — e bem! — pela Sr.ª Deputada

Maria da Luz Lopes que, por causa da lei travão, isto só entrará em vigor para o ano, no Orçamento do ano que

vem. A Comissão de Defesa tem um grupo de trabalho que analisa vários assuntos ligados à deficiência nas

Forças Armadas, mas também aos antigos combatentes, e este assunto também se pode encaixar nessa

mesma perspetiva. Com base numa sugestão que foi feita, pessoalmente, pelo Deputado Jorge Machado, do

Partido Comunista Português, ideia à qual o Governo também está associado, trata-se de apresentar, antes do

fecho desta sessão legislativa e desta Legislatura, um pacote muito importante de legislação para os antigos

combatentes e para os deficientes das Forças Armadas. Não nos vamos importar que esta proposta também

entre nesse pacote, que só entrará em vigor em janeiro do ano que vem, para dar um cariz ainda mais global à

aprovação da Assembleia da República.

Era só isto que gostaria de destacar, agradecendo o consenso que esta proposta teve.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Terminamos, assim, a discussão deste projeto de lei.

Passamos ao último ponto da nossa agenda, que consta da discussão conjunta, na generalidade, dos

Projetos de Lei n.os 937/XIII/3.ª (Os Verdes) — Alarga a abrangência das regras de rotulagem para os alimentos

geneticamente modificados e 1100/XIII/4.ª (PAN) — Torna mais transparentes as regras de rotulagem relativas

à presença de organismos geneticamente modificados em subprodutos de animais, refeições e produtos não

embalados.

Para apresentar o projeto de lei de Os Verdes, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: É sobremaneira

conhecida a posição de Os Verdes sobre os organismos geneticamente modificados. Os Verdes defendem a

opção do não-cultivo e da não-comercialização de organismos geneticamente modificados, aplicando o princípio

da precaução, tendo em conta, designadamente, os estudos que revelam os efeitos nefastos dos transgénicos

sobre a saúde e sobre o ambiente.

Houve, como é do conhecimento público, países da União Europeia que, através de moratórias ou da

aplicação da cláusula de salvaguarda, interditaram o cultivo de organismos geneticamente modificados (OGM)

nos seus territórios. Infelizmente, na perspetiva de Os Verdes, Portugal não fez essa opção e mantém a

possibilidade de cultivo de OGM autorizados pela União Europeia.

Consideramos que esta opção governativa de sucessivos Governos do PSD, do CDS e do PS vai contra

aquele que é o interesse e o direito dos cidadãos, a que, designadamente em estudos à escala da União

Europeia, determinaram que a generalidade dos cidadãos não quer consumir produtos com OGM, mas esta

opção, como referia, vai, por outro lado, ao encontro dos interesses das multinacionais do setor agroalimentar,

designadamente da Monsanto. É uma opção errada, na perspetiva de Os Verdes.

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Independentemente daquela que é a posição de cada um dos partidos representados na Assembleia da

República sobre o cultivo e a comercialização de organismos geneticamente modificados, há uma questão com

a qual todos devemos concordar: os consumidores têm direitos e têm, fundamentalmente, o direito de ser

informados sobre aquilo que estão a consumir.

A verdade é que há um défice brutal naquilo que se refere à informação ao consumidor através da rotulagem

de produtos que contêm transgénicos. Se o produto contiver menos de 0,9% de transgénicos, o consumidor não

tem o direito de ser informado. Isto é errado, porque o consumidor, independentemente da percentagem que

constar do produto, deve ser informado sobre a presença de transgénicos naquilo que vai consumir.

Por outro lado, há um défice na rotulagem de alimentos transgénicos para produtos como peixe ou carne,

por exemplo, ou subprodutos de origem animal, como ovos ou leite. Por exemplo, há animais que podem ter

sido alimentados com ração transgénica e o consumidor não é informado relativamente a essa questão.

Na nossa perspetiva, Sr.as e Srs. Deputados, há um défice de informação ao consumidor e está a preterir-se

aquele que é um direito do consumidor: o de ser cabalmente informado sobre aquilo que consome, no sentido

de que possa fazer as suas opções responsáveis e conscientes.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Vou mesmo terminar, Sr. Presidente.

Os Verdes apelam, pois, aos demais grupos parlamentares que aprovem este projeto de lei que Os Verdes

aqui apresentam, no sentido de tornarmos mais rigorosas as regras de rotulagem no que concerne a alimentos

transgénicos.

Muito obrigada, Sr. Presidente.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Silva, do PAN, que tem

direito a mais 1 minuto cedido pelo Sr. Deputado não inscrito.

O Sr. André Silva (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Não é por nada que os

direitos dos consumidores vêm já previstos na nossa Constituição desde 1982, contemplando muito claramente

o direito à informação.

Este direito ganha especial relevância quando estamos a falar de bens alimentares. Os cidadãos têm o direito

constitucional de saber o que estão a consumir. Sempre que compram carne ou leite proveniente de animais

que foram alimentados com rações à base de organismos geneticamente modificados ou sempre que comem

em restaurantes que confecionam refeições com recurso a ingredientes com OGM, sem que tal informação lhes

seja prestada, o seu direito está a ser violado.

O Supremo Tribunal de Justiça também já se pronunciou sobre este assunto, dizendo que «no direito à

informação importa que seja produzida uma informação completa e leal capaz de possibilitar uma decisão

consciente e responsável, tudo com vista a habilitar o consumidor a uma decisão de escolha consciente e

prudente».

A decisão de consumir ou não OGM é pessoal e não cabe aos Srs. Deputados limitar informação; pelo

contrário. O Parlamento não pode manter este manto de opacidade, impondo a cada um o que comer. Os

cidadãos querem legitimamente saber o que estão a consumir e é obrigação da Assembleia da República

assegurar o acesso a essa informação, que deve ser garantida por quem coloca os produtos no mercado.

Para que não se verifiquem dúvidas junto dos consumidores, os alimentos e as refeições que contenham

OGM ou provenientes de animais alimentados com rações OGM devem ser identificados de forma adequada,

isenta e objetiva, sem qualquer tipo de considerações éticas, evidentemente, com a referência de que contêm

organismos geneticamente modificados.

Será pedir assim tanto?! Afinal, de que têm tanto medo, Srs. Deputados?!

O Sr. Presidente: — Pelo Grupo Parlamentar do PS, tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada

Lúcia Araújo Silva.

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A Sr.ª Lúcia Araújo Silva (PS): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: As iniciativas em

apreço, apresentadas por Os Verdes e pelo PAN, permitem relembrar a esta Câmara que a legislação europeia

relativa a géneros alimentícios e alimentos para animais geneticamente modificados apresenta requisitos de

rotulagem, que nos informam se os produtos contêm ou se são feitos a partir de OGM, permitindo ao consumidor

uma escolha clara e informada.

Os OGM autorizados na União Europeia, com base na legislação em vigor, são sujeitos a avaliação de risco,

sendo obrigatório indicar a sua presença através da rotulagem nos géneros alimentícios e alimentos para

animais, sendo essa obrigação extensível aos produtos não pré-embalados.

Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, apesar de frequentemente os operadores da indústria alimentar evitarem

a utilização de ingredientes geneticamente modificados, tais materiais podem estar presentes em quantidades

vestigiais em resultado da sua presença acidental ou tecnicamente inevitável. No entanto, os operadores devem

estar em condições de demonstrar às autoridades competentes que adotaram as medidas adequadas para

evitá-las.

Assim, a elaboração de uma legislação nacional de rotulagem, tal como é proposto, obrigaria a custos

adicionais com amostragens e análises laboratoriais para garantir a isenção total de presença acidental de OGM,

com custos para a indústria, o retalho e, consequentemente, o consumidor.

Igualmente, tal sistema obrigaria à criação de um sistema de fiscalização com custos adicionais, custos, a

nosso ver, injustificáveis face ao propósito a atingir.

Por outro lado, a criação de medidas adicionais de segregação que permitissem excluir por completo a

referida «presença acidental ou tecnicamente inevitável dos OGM» resultaria em elevados custos para os

fornecedores das matérias-primas e para a indústria alimentar, e, também, numa enorme assimetria no acesso

aos alimentos 100% isentos, cujo preço ficaria tendencialmente fora do alcance da maioria dos orçamentos

familiares.

Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, os projetos de lei em apreço, no que respeita aos alimentos para animais,

arriscarão uma concorrência desleal dos operadores nacionais face às exigências aplicadas a nível da União

Europeia, para além do custo acessório a um conjunto de produtos cuja sustentabilidade se encontra ameaçada.

Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, um animal alimentado com produtos para animais geneticamente

modificados não se constitui, nem ele, nem os seus produtos, como um animal geneticamente modificado.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Não é um animal geneticamente modificado?!

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Ângela Moreira, do Grupo

Parlamentar do PCP.

A Sr.ª Ângela Moreira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O tema «organismos geneticamente

modificados» já tem sido debatido neste Parlamento e o PCP, através da sua intervenção, tem sempre dado o

seu contributo e demonstrado a sua posição quanto a esta matéria.

Para o PCP, é possível viver sem organismos geneticamente modificados, admitindo apenas a sua utilização

para fins de interesse público, fins científicos, medicinais ou outros que sejam relevantes para a sociedade.

Ainda há algum desconhecimento sobre os efeitos reais dos organismos geneticamente modificados na

saúde, no ambiente e nas culturas, por isso devemos orientar a sua utilização exigindo o princípio da precaução.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Muito bem!

A Sr.ª Ângela Moreira (PCP): — As preocupações em torno dos organismos geneticamente modificados são

legítimas e torna-se imperativa a proteção das populações. É, por isso, fundamental disponibilizar toda a

informação necessária para que os cidadãos possam tomar as decisões que considerem mais adequadas.

Há questões que se levantam e que legitimam as preocupações das populações quanto aos produtos

geneticamente modificados. A primeira questão prende-se com a impossibilidade de garantir que estes produtos

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são inócuos para o ser-humano e para os animais face às condições em que são produzidos: uma produção

industrializada, com recurso a alterações na génese do produto com o objetivo do lucro rápido e fácil.

Outra questão é o facto de poder vir a ser inevitável e quase impossível ter produtos agrícolas totalmente

livres de organismos geneticamente modificados, dadas as características competitivas dos produtos

transgénicos.

Uma forma de promover a biodiversidade, de preservar os ecossistemas e de defender a saúde pública das

populações é, sem dúvida alguma, a aposta na produção biológica. Uma agricultura baseada na pequena e

média agricultura familiar é a forma mais sustentável de produção agrícola, uma agricultura com uma produção

tradicional e convencional, que se adeque às características do nosso País, dando resposta à produção de

qualidade e diversidade, uma agricultura sem organismos geneticamente modificados.

O agronegócio, esse, é assente numa produção intensiva e dependente de produtos químicos e de

organismos geneticamente modificados, porque tem como único objetivo o produto e a sua rentabilidade, a sua

mercantilização, ignorando a componente ambiental e social.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, os organismos geneticamente modificados só defendem os interesses das

corporações, não defendem os interesses das populações e do ambiente.

O Grupo Parlamentar do PCP acompanha as preocupações plasmadas nas iniciativas de hoje e concorda

que a rotulagem de produtos alimentares para consumo humano e animal deva ser muito clara quanto à

informação e obrigatória para todos os produtos que contêm organismos geneticamente modificados. O PCP

assume a sua posição de sempre face aos organismos geneticamente modificados. O PCP contribuirá para

reforçar as precauções relativamente à utilização destes organismos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Carlos Matias, do Grupo

Parlamentar do Bloco de Esquerda.

O Sr. Carlos Matias (BE): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Os OGM têm permitido o

controlo das grandes multinacionais do setor sobre a agricultura, agravando a dependência dos agricultores em

relação às sementes e a pesticidas específicos. A contaminação do meio ambiente e de variedades naturais

agrava os riscos do cultivo de OGM, prejudica os agricultores, debilita a fauna e a flora locais e limita a escolha

dos consumidores. Vários estudos científicos apontam, ainda, para riscos para a saúde pública, como, aliás, já

aqui foi hoje referido.

Face à desconfiança em relação a estas culturas e manipulações, vários países, como a Alemanha, a França,

a Polónia, a Hungria e muitos outros, já baniram o cultivo dos OGM. Inúmeros inquéritos demonstram a grande

desconfiança e a rejeição dos cidadãos e cidadãs face à produção e consumo destes organismos. Persistem,

porém, cerca de quatro dezenas de OGM com autorização para comercialização após importação para a União

Europeia.

Em anos recentes, foram alteradas pela União Europeia as normas relativas ao cultivo de OGM, sendo

atribuída a cada estado a possibilidade de limitar ou de proibir estes cultivos no seu território.

No entanto, o facto de a decisão ser nacional não protege eficazmente os países que decidam pela proibição,

já que pode existir contaminação transfronteiriça. Continua, também, a existir a possibilidade de estes

organismos entrarem na cadeia alimentar de animais que, mais tarde, serão consumidos por pessoas ou na

composição de refeições servidas em restaurantes, em cantinas, etc., ou mesmo em casa, sem o conhecimento

dos consumidores, supostamente por ser «tecnicamente inevitável» ou «acidental» a sua presença.

Em 2010, a Assembleia da República aprovou por unanimidade um projeto de resolução do Bloco de

Esquerda que recomendava ao Governo a rejeição da comercialização de um tipo de arroz transgénico. Já nesta

Legislatura, apresentámos um projeto de lei que tinha como objetivo a proibição do cultivo, da importação e da

comercialização de OGM. Mais recentemente, em 2017, apresentámos um projeto de lei que versava

precisamente sobre o direito à informação aos consumidores sobre alimentos geneticamente modificados.

Estas medidas correspondiam ao princípio da precaução que deve governar as matérias de saúde pública,

segurança alimentar e proteção do ecossistema e protegeriam mais eficazmente a população. No entanto, essas

propostas foram aqui rejeitadas.

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Sr.as e Srs. Deputados, continuando a ser uma realidade no nosso País a comercialização e a possibilidade

de consumo de OGM, o Bloco de Esquerda saúda as iniciativas aqui em apreço, pois vêm na linha das propostas

que temos apresentado.

De forma a garantir o direito à informação clara e percetível dos consumidores, continuamos a considerar

necessário rever a legislação relativa à rotulagem de alimentos que contenham OGM, obrigando a que a sua

menção seja obrigatória, independentemente da percentagem de OGM incluída no alimento, e alargá-la a

produtos ou subprodutos de origem animal para alimentação animal ou humana.

Por fim, Sr.as e Srs. Deputados, que seja também obrigatória a sua menção quando não se possa excluir a

existência de vestígios de OGM no alimento.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Patrícia Fonseca, do Grupo

Parlamentar do CDS-PP.

A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A rotulagem dos produtos

OGM ou que contenham OGM já é obrigatória e já está regulamentada, pelo que nos parece estar assegurado

e salvaguardado o direito de informação ao consumidor.

Há duas exceções, sendo elas quando é tecnicamente impossível ou quando é economicamente inviável a

determinação da existência de alimentos geneticamente modificados. Por isso é que se definiu o limite de 0,9%

— abaixo de 1% — para a necessidade de rotulagem e se excluíram os produtos derivados de animais, carne,

leite e ovos, cuja rotulagem não é obrigatória porque, depois de a proteína ser digerida, não é possível

determinar se esses animais foram ou não alimentados com produtos com OGM.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Tem de se perceber o ciclo!

A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Além disso, um consumidor que queira, por opção e não pelos motivos

que os senhores apontam, assegurar que consome produtos com 0,000% de OGM pode sempre comprar

produtos biológicos ou, até, muitos produtos com DOP (denominação de origem protegida) ou IGP (indicação

geográfica protegida).

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Olha a novidade! Essa é a novidade da tarde!

A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Por isso, o que os Srs. Deputados propõem nestes projetos é

impossível de fiscalizar, porque não é determinável na grande maioria dos casos, como referi.

Este é um debate ideológico de Os Verdes e do PAN, que, mais uma vez, reiteradamente, nos trazem este

tema, com o objetivo último de acabar, de facto, com os produtos com OGM. Querem passar a ideia de que

estes produtos são nefastos para a saúde e vêm com o exemplo da resistência a herbicidas, vêm dizer que isso

permite utilizar muitos herbicidas e que, por isso, os produtos são muito maus.

Porém, Srs. Deputados, o único produto com OGM cujo cultivo é permitido na Europa, e que também é

cultivado em Portugal, é um milho resistente à broca, que é uma praga. Vejam lá, Srs. Deputados: até é um

produto que vai permitir ter menos inseticidas e menos pesticidas, o que é o contrário daquilo que os senhores

alegam.

Portanto, Os Verdes têm esta questão ideológica e, no caso do PAN, nem lhe chamaria «ideologia», até diria

que é demagogia no seu auge. O PAN, um partido que quer fazer crer que caçar com pau é a mesma coisa que

andar à paulada, que nos quer convencer de que há estudos mais ou menos científicos quando, afinal de contas,

se trata de experimentação, é o mesmo partido que tem o desplante — diria eu — de citar um acórdão do

Supremo Tribunal de Justiça, onde se pode ler que temos a obrigação do «combate à informação negativa,

mentirosa, enganadora ou desleal».

Sr. Deputado André Silva, isto não é ideologia, é pura demagogia!

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Muito bem!

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O Sr. Nuno Serra (PSD): — Ah, pois é!

A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Srs. Deputados, o que é preciso dizer aos portugueses é que, em

Portugal, tal como na Europa, temos um dos sistemas de segurança alimentar mais exigentes de todo o mundo,

que se aplica a todos os produtos alimentares e que nos permite ter produtos seguros, os quais, mesmo assim,

chegam à mesa dos portugueses a preços bastante acessíveis.

Vale a pena pensarem nisto todos aqueles que questionam os apoios que os agricultores recebem. Vale a

pena todos pensarem que é por causa desses apoios que os nossos agricultores e os agricultores europeus

recebem…

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Estou a concluir, Sr. Presidente.

Como dizia, é por causa desses apoios que nós, todos os portugueses, podemos ter à nossa mesa produtos

seguros, bons e a preços acessíveis.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, tem a palavra o Sr.

Deputado Nuno Serra.

O Sr. Nuno Serra (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Passados um ano e três meses, Os Verdes e o

PAN voltam a apresentar, nesta Casa, duas iniciativas que já tinham sido claramente rejeitadas.

O Sr. João Oliveira (PCP): — A ver se é desta que o PSD as apoia!

O Sr. Nuno Serra (PSD): — Ora, a apresentação destes dois projetos de lei requentados, cujo título e

conteúdo é muito similar, pode ter vários significados.

Um deles é que os senhores não conseguem compreender que a vontade deste Parlamento não é o vosso

caminho.

O segundo é que pode existir uma alteração tão grande em alguns grupos parlamentares que, agora, estão

disponíveis para votar favoravelmente estas vossas iniciativas.

O terceiro — e acho que é o mais correto — é que a visão de Os Verdes e do PAN do mundo agrícola e do

desenvolvimento rural é de tal forma limitada que se concentra em três ou quatro iniciativas, que, ainda para

mais, são profundamente penalizadoras para os nossos agricultores, para o nosso tecido económico e social e

para o nosso País e só obedecem aos vossos preconceitos ideológicos.

Srs. Deputados, passado um ano, o PSD reforça as ideias que elencou no debate anterior.

Protestos dos Deputados do PCP Carla Cruz e João Dias.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Não vale a pena ler a intervenção anterior!

O Sr. Nuno Serra (PSD): — Calma, Sr.ª Deputada!

As iniciativas em discussão ignoram a ciência e, inclusivamente, as normas estatísticas relativamente ao

intervalo de confiança e à margem de erro, mas isso já não nos surpreende. Estes partidos não se interessam

nem querem interessar-se pela ciência e, neste momento, pretendem usar a rotulagem para os seus propósitos

políticos eleitorais e não para aumentar a transparência para o consumidor ou valorizar a produção nacional.

Srs. Deputados, não se esqueçam que estes partidos, que querem agora rotular os OGM, são precisamente

os mesmos que, há uns tempos, pretendiam que as bebidas vegetais, especialmente as de soja, fossem

introduzidas no programa escolar. Mas sabemos que as bebidas de soja, além de terem uma grande pegada de

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carbono e de virem de países terceiros, são praticamente todas derivadas de OGM. Portanto, «a bota não bate

com a perdigota», Srs. Deputados!

Estes também são os partidos que se dizem defensores da pequena agricultura e da agricultura familiar. Pois

bem, Srs. Deputados, estas medidas acabam com a pequena agricultura e a agricultura familiar.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Mas porquê?! Diga lá! Veja lá se tem a coragem de explicar porquê!

O Sr. Nuno Serra (PSD): — Srs. Deputados, Portugal já tem regras muito apertadas no que diz respeito à

rotulagem de OGM e um enorme controlo na produção e comercialização dos géneros alimentícios,…

Risos do Deputado do PAN André Silva.

Protestos de Deputados do PCP.

… que garantem à população portuguesa qualidade e segurança alimentar.

O PSD está e estará sempre do lado dos produtores agrícolas nacionais. Por isso, defende, sim, um reforço

da rotulagem mas quanto ao local de origem, para que os portugueses saibam exatamente de onde vem o que

estão a consumir.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Vão saber a pronúncia do milho?! Vão ver se fala com sotaque de Ferreira do

Alentejo ou de Vieira do Minho?!

O Sr. Nuno Serra (PSD): — Não estamos disponíveis para criar mais entraves à produção, ao escoamento

e à comercialização dos nossos produtos agrícolas.

Srs. Deputados de Os Verdes e do PAN, se quiserem, como vi que têm bastantes dificuldades em arranjar

novas iniciativas, o PSD, que tem muitas, pode ceder-vos das suas, essas, sim, para valorizar a produção

nacional e os produtores nacionais.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado André Silva, que ainda dispõe de algum tempo, inscreveu-se para uma

nova intervenção.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. André Silva (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não se entende como é que podem

concluir que a informação sobre a presença de OGM num produto pode colocar os produtores portugueses

numa situação de desvantagem.

Acabam agora mesmo de confirmar que esta é uma informação que pode condicionar as escolhas dos

consumidores e, mesmo sabendo isso, optam por omitir essa informação, com base em argumentos

económicos.

PS, CDS e PSD preferem continuar a esconder informação dos consumidores, para não terem de assumir

que os seus protegidos, os produtores de carne e de leite, alimentam massivamente os animais com rações à

base de OGM.

PS, CDS e PSD escolhem não defender o direito à informação, os interesses dos consumidores, sonegando

informação relevante para proteger os interesses da poluente indústria da produção de carne e de leite.

O Sr. Presidente: — Para encerrar este debate, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaria

de dizer que se um grupo parlamentar reapresenta um projeto na Assembleia da República é porque lhe dá uma

grande relevância e quer promover o debate no sentido de os outros grupos parlamentares serem chamados à

razão para poderem alterar a sua posição. Acho que isso é perfeitamente legítimo!

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15 DE FEVEREIRO DE 2019

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O Sr. João Oliveira (PCP): — O PSD é um caso perdido!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — O que não percebo é porque é que o PSD faz afirmações usando

completas parangonas, como, por exemplo, que a aprovação deste projeto de informação ao consumidor sobre

a presença de OGM em determinados alimentos vai acabar com a agricultura familiar.

Pedimos, daqui, ao Sr. Deputado Nuno Serra que explique porquê. Nunca conseguiu explicar porquê! Fica-

me a dúvida: será que o Sr. Deputado tem esperança de que a Monsanto venha a fazer valer o seu interesse e

o seu direito e faça depender os pequenos agricultores das suas sementes e dos seus herbicidas?

A Sr.ª Carla Cruz (PCP): — Muito bem!

O Sr. Nuno Serra (PSD): — Ah, vi logo que era por causa da Monsanto!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sim, Sr.ª Deputada Patrícia Fonseca, do CDS, é importante dizer

que a palavra «demagogia» não cabe no projeto de Os Verdes.

A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Eu falei de demagogia relativamente ao PAN!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Caberá, talvez, a palavra «inocência» no discurso do CDS? Não!

Cabe a palavra «ideologia», porque o CDS gostará de continuar a ceder aos interesses da Monsanto — que,

repito, gosta de correlacionar a semente com o herbicida —, e muitos mais virão, por vontade da União Europeia

e das suas relações com os Estados Unidos da América, que, como sabe, estão confrontados com a questão

do cultivo dos organismos geneticamente modificados.

Aquilo que é verdadeiramente assustador, para além das intervenções do PSD e do CDS, é a intervenção

do PS, que disse que não podemos beneficiar, digamos assim, os consumidores com a informação a que têm

direito, porque isso traria custos adicionais que não são comportáveis e requereria mais fiscalização.

Além disso — veja-se! —, a Sr.ª Deputada Lúcia Araújo Silva considera, até, que alimentar um animal com

ração transgénica não traz qualquer efeito nem a esse animal nem ao ser humano que o vai consumir. Sr.ª

Deputada, acho que há uma desinformação grande ou, pelo menos, um descuido muito grande relativamente a

esta matéria dos organismos geneticamente modificados.

De facto, quando falamos de direitos dos consumidores, mais valia que os assumíssemos na íntegra. Não

conseguimos perceber, independentemente da posição que os grupos parlamentares…

O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Vou concluir, Sr. Presidente.

Independentemente da posição que os grupos parlamentares tenham sobre a matéria do cultivo e da

comercialização dos organismos geneticamente modificados, não consideramos que seja viável ou aceitável

sonegar informação ao consumidor. Se é tecnicamente possível fazê-lo, então, os consumidores têm o direito a

ter essa informação.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, com a conclusão da discussão dos Projetos de Lei n.os

937/XIII/3.ª e 1100/XIII/4.ª, chegámos ao fim da nossa agenda de hoje.

Entretanto, a Sr.ª Secretária Emília Santos vai proceder à leitura do expediente.

A Sr.ª Secretária (Emília Santos): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram

admitidas, várias iniciativas legislativas.

Refiro, em primeiro lugar, os Projetos de Resolução n.os 1980/XIII/4.ª (CDS-PP) — Recomenda ao Governo

a contratualização com os setores privado e social de alojamento para estudantes do ensino superior

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I SÉRIE — NÚMERO 52

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deslocados, que baixa à 8.ª Comissão, 1981/XIII/4.ª (Deputado não inscrito Paulo Trigo Pereira) — Recomenda

ao Governo que negoceie com a Comissão Europeia a redução do objetivo de médio prazo para as finanças

públicas, que baixa à 5.ª Comissão, 1982/XIII/4.ª (PCP) — Contratação efetiva e integração no quadro de

pessoal da RTP dos trabalhadores que respondem a necessidades permanentes na RTP Madeira, que baixa à

12.ª Comissão, 1983/XIII/4.ª (PSD) — Recomenda ao Governo que proceda à regulamentação do setor de

atividade das chaves e dos sistemas de segurança, que baixa à 1.ª Comissão, e 1984/XIII/4.ª (CDS-PP) —

Recomenda ao Governo que intervenha de imediato para quebrar o isolamento nacional na exportação de gás,

que baixa à 6.ª Comissão.

Deram também entrada os Projetos de Lei n.os 1126/XIII/4.ª (CDS-PP) — Aprova o estatuto dos cuidadores

informais e enquadra as medidas de apoio a pessoas cuidadas e seus cuidadores (Altera o Código do Imposto

sobre o Rendimento das Pessoas Singulares), que baixa à 10.ª Comissão, e 1127/XIII/4.ª (CDS-PP) —

Implementa e disciplina o regime do cuidado familiar, que baixa à 10.ª Comissão.

Deram ainda entrada as Apreciações Parlamentares n.os 115/XIII/4.ª (BE) — Relativa ao Decreto-Lei n.º

25/2019, de 11 de fevereiro, que estabelece o regime remuneratório aplicável à carreira especial de técnico

superior das áreas de diagnóstico e terapêutica, bem como as regras de transição dos trabalhadores para esta

carreira e 116/XIII/4.ª (PCP) — Relativa ao Decreto-Lei n.º 5/2019, de 14 de janeiro, que estabelece os

procedimentos necessários à regularização das dívidas das autarquias locais no âmbito do setor da água e do

saneamento de águas residuais.

É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, resta-me anunciar que da ordem do dia da sessão de amanhã

constará um debate sobre o ensino superior público, requerido pelo BE, em que se procederá à discussão

conjunta das seguintes iniciativas legislativas, sendo os projetos de lei discutidos na generalidade: Projetos de

Lei n.os 1106/XIII/4.ª (BE) — Estabelece o fim das propinas nas licenciaturas e nos mestrados integrados do

ensino superior público, 1107/XIII/4.ª (BE) — Mecanismo extraordinário de regularização de dívidas por não

pagamento de propinas nas instituições de ensino superior públicas, 1108/XIII/4.ª (BE) — Cria um teto máximo

para o valor das propinas de 2.º e 3.º ciclos de estudos no ensino superior público; Projetos de Resolução n.os

1968/XIII/4.ª (BE) — Contempla uma data limite para a transferência do primeiro montante referente a bolsas de

estudo para estudantes do ensino superior, 1969/XIII/4.ª (BE) — Plano de emergência para o alojamento

estudantil, 1970/XIII/4.ª (BE) — Pela criação de uma tabela nacional de taxas e emolumentos no ensino superior

público; Projetos de Lei n.os 1115/XIII/4.ª (PCP) — Aumento do valor das bolsas de estudo no ensino superior

público, 1116/XIII/4.ª (PCP) — Estabelece um regime transitório de isenção de propinas no ensino superior

público, 1117/XIII/4.ª (PCP) — Determina como única consequência pelo incumprimento do pagamento das

propinas o não reconhecimento do ato académico, 1118/XIII/4.ª (PCP) — Eliminação das taxas e emolumentos

nas instituições do ensino superior públicas, 1119/XIII/4.ª (PCP) — Eliminação faseada das propinas no ensino

superior público, 1120/XIII/4.ª (PCP) — Plano extraordinário de alojamento temporário para estudantes no

ensino superior público, 1121/XIII/4.ª (PAN) — Altera a Lei n.º 37/2003, de 22 de agosto, estabelecendo

mecanismos de regularização de dívida por não pagamento de propinas em instituições de ensino superior

públicas, 878/XIII/3.ª (Os Verdes) — Altera a Lei n.º 37/2003, de 22 de agosto, fixando uma diminuição

progressiva do valor das propinas pagas pelos estudantes do ensino superior, e o Projeto de Resolução n.º

1012/XIII/2.ª (Os Verdes) — Pela progressiva gratuitidade do ensino superior público,

Teremos votações regimentais no final do debate.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 20 minutos.

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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