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8 DE JUNHO DE 2019

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Tudo isto leva à redução da base de recrutamento do pessoal político, cada vez mais circunscrita a franjas

da sociedade e, concomitantemente, a uma ameaça da deslizante degradação da qualidade do pessoal político.

Prefigura-se a séria possibilidade de um dia (se não for já hoje…) o padrão médio de conhecimento/capacidade

dos políticos ser visto pelos cidadãos como inferior ao que se regista na própria sociedade política em que estão

inseridos, com a consequência imediata de os cidadãos se sentirem mais preparados do que os políticos para

tomarem decisões, sendo, portanto, estes inúteis ou sumptuários.

Uma das inevitáveis manifestações da redução — ou fechamento — da base de recrutamento do pessoal

político é o fenómeno do «governo de família» que em Portugal têm animado, nos últimos tempos, os noticiários

e alguns setores da opinião e da política.

O cerco aos partidos e à democracia representativa

O cerco à política e aos políticos não anda só. Coexiste com o cerco aos partidos políticos «tradicionais» (e

não apenas pelos populistas). As razões começam a ser estruturais e não conjunturais:

a) Os partidos políticos, pilares da democracia — particularmente a democracia representativa — são

ultrapassados pela dinâmica comunicacional e pelas alterações tecnológicas;

b) A inconciliabilidade de interesses e a sua incomportabilidade financeira leva a impasses e a incapacidades

de decisão, aparecendo apenas perante a opinião pública a manifestação mais saliente ou visível disso: os

debates parlamentares, a refrega governo/oposição, passando uma imagem de incapacidade de entendimento

(os políticos estão presos às suas «capelinhas», «falam, falam», «são incapazes de se entender»);

c) Nessa medida, os partidos tradicionais, agora forçados a serem catch all, estão inevitavelmente

condenados ao falhanço, desprestigiando-se e sendo crescentemente desafiados por líderes populistas,

partidos ou movimentos inorgânicos, instantâneos ou de agenda concentrada num assunto, de duração efémera,

que, enquanto duram, condicionam o espaço político, etc. O sistema partidário, particularmente na Europa,

perde a estabilidade que o caraterizou durante muitas décadas depois da II Guerra.

Por outro lado, regista-se a incapacidade do político local de controlar os movimentos globais:

a) A sensação de que os políticos e os partidos tradicionais são incapazes de decidir, de proteger os

interesses dos cidadãos, de tomar decisões sensatas e adequadas ao nível nacional, assistindo passiva e

indolentemente aos problemas, decorre da crescente internacionalização dos problemas e das soluções, bem

como da deslocação do poder de decisão e influência para entidades políticas externas ou para entidades não

políticas («os mercados», as multinacionais, as redes internacionais);

b) Assume-se crescentemente que o fenómeno da globalização é incontrolável, não regulável ao nível

nacional — ou pelo menos ao nível dos estados que não têm o estatuto de grande potência —, pelo que os

políticos locais são vistos como uma peça irrelevante desse movimento global.

A resposta da política sob cerco

Apanhada entre dois fogos — o daqueles que a acusam de ociosa, sobranceira, privilegiada, pouco

transparente, corrupta, preocupada apenas em manter privilégios e o daqueles que dizem que se fecha em si

própria —, a tendência da «classe política» parece ser sempre a de transigir, em vez de enfrentar, parecendo

sempre reconhecer, implicitamente, que as críticas são justas, dando-lhes, no fundo, mais lastro.

É isso que decorre das respostas «clássicas»:

a) Reforço das incompatibilidades;

b) Reforço dos deveres de reporte e exposição do património e rendimentos pessoais e familiares;

c) Proibições de exercício de certas atividades ou da assunção de certos cargos e funções após o termo do

exercício do cargo político (em alguns casos, quase impedindo o exercício de profissão para a qual se

prepararam durante décadas);

d) Restrições que atingem até familiares mais ou menos distantes;

e) Reforço das tipificações e sanções penais aplicáveis especificamente a delitos cometidos por políticos (em

alguns casos, só aplicáveis a eles);

f) Alterações estatutárias que por vezes chegam a ser humilhantes (por exemplo, no que se refere a

justificação de faltas, comprovação de viagens, demonstração de residência).

O círculo vicioso

Tudo isto gera um sentimento de falta de qualidade ou de degradação da política (e, sobretudo, da política

feita pelos partidos tradicionais e pelos seus militantes), que é apenas um dos componentes de outras

degradações (mais uma vez, não apenas denunciadas ou exploradas por populistas): degradação das

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