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Sexta-feira, 20 de dezembro de 2019 I Série — Número 19

XIV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2019-2020)

REUNIÃOPLENÁRIADE19DEDEZEMBRODE 2019

Presidente: Ex.mo Sr. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues

Secretários: Ex.mos Srs. Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Nelson Ricardo Esteves Peralta Ana Cristina Cardoso Dias Mesquita

S U M Á R I O

O Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 4 minutos.

Deu-se conta da entrada na Mesa da Proposta de Lei n.º 7/XIV/1.ª, dos Projetos de Lei n.os 164, 166, 169 a 171 e 174/XIV/1.ª, da Apreciação Parlamentar n.º 5/XIV/1.ª, do Projeto de Deliberação n.º 5/XIV/1.ª e dos Projetos de Resolução n.os 174 e 175/XIV/1.ª.

Procedeu-se a um debate de atualidade, requerido pelo PSD, ao abrigo do artigo 72.º do Regimento, sobre «RTP — serviço público». Depois de o Deputado Paulo Rios de Oliveira (PSD) ter aberto o debate, usaram da palavra, a diverso título, além daquele orador, a Ministra da Cultura (Graça Fonseca) e os Deputados António Filipe (PCP), Jorge Costa (BE), José Magalhães (PS), Ana Rita Bessa (CDS-PP), Cristina Rodrigues (PAN) e Diana Ferreira (PCP).

Foi discutida, na generalidade, a Proposta de Lei n.º 179/XIII/4.ª (ALRAA) — Altera a Lei n.º 17/2014, de 10 de

abril, que estabelece as bases da política de ordenamento e de gestão do espaço marítimo nacional. Proferiram intervenções os Deputados João Azevedo Castro (PS), João Dias (PCP), Paulo Moniz (PSD), Ricardo Vicente (BE), Assunção Cristas (CDS-PP), André Ventura (CH) e João Cotrim de Figueiredo (IL).

Foram apreciadas as Petições n.os 452/XIII/3.ª (Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios e Telecomunicações) — Reversão da privatização dos CTT - Correios de Portugal e 611/XIII/4.ª (Rogério da Costa Pereira e outros) — Solicitam o desenvolvimento das diligências necessárias ao imprescindível e urgente processo de participação qualificada do Estado português no capital social dos CTT - Correios de Portugal, juntamente com, na generalidade, os Projetos de Lei n.os 70/XIV/1.ª (PCP) — Estabelece o regime de recuperação do controlo público dos CTT e 84/XIV/1.ª (BE) — Estabelece o regime para a

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nacionalização dos CTT e com os Projetos de Resolução n.os 30/XIV/1.ª (PEV) — Reversão da privatização dos CTT e 108/XIV/1.ª (PS) — Recomenda ao Governo que salvaguarde a qualidade do serviço público postal universal. Proferiram intervenções os Deputados Bruno Dias (PCP), Isabel Pires (BE), José Luís Ferreira (PEV), Ricardo Leão (PS), Jorge Salgueiro Mendes (PSD), Cristina Rodrigues (PAN) e Cecília Meireles (CDS-PP).

Foi apreciada a Petição n.º 545/XIII/4.ª (Luís Miguel Machado Figueiredo e outros) — Solicitam a abertura de um inquérito parlamentar sobre a utilização dos apoios prestados às vítimas dos incêndios de Pedrógão Grande, tendo-se pronunciado os Deputados João Dias (PCP), João Gomes Marques (PSD), João Pinho de Almeida (CDS-PP), Santinho Pacheco (PS), Pedro Filipe Soares (BE) e Inês de Sousa Real (PAN).

Foi apreciada a Petição n.º 586/XIII/4.ª (Sílvia Maria dos Ramos Alves Sequeira e outros) — Solicitam a adoção de medidas de defesa da Reserva Natural do Sado, em conjunto com os Projetos de Resolução n.os 14/XIV/1.ª (PEV) — Sobre as dragagens no estuário do Sado, 33/XIV/1.ª (PAN) — Recomenda ao Governo que revogue a autorização concedida à Administração do Porto de Setúbal para avançar com as dragagens no Sado e 46/XIV/1.ª (BE) — Recomenda a suspensão das dragagens no Porto de Setúbal. Usaram da palavra os Deputados José Luís Ferreira (PEV), Cristina Rodrigues (PAN), Sandra Cunha (BE), André Pinotes Batista (PS), Nuno Miguel Carvalho (PSD) e Paula Santos (PCP).

Procedeu-se à apreciação da Petição n.º 607/XIII/4.ª (FENPROF - Federação Nacional dos Professores) — Solicitam a adoção de medidas com vista à negociação do modo e prazo para a recuperação de todo o tempo de serviço cumprido, juntamente com, na generalidade os Projetos de Lei n.os 98/XIV/1.ª (PCP) — Contabilização integral de todo o tempo de serviço das carreiras e corpos especiais e 100/XIV/1.ª (BE) — Recuperação integral do tempo de serviço cumprido. Intervieram os Deputados Ana Mesquita (PCP), Joana Mortágua (BE), Bebiana Cunha (PAN), Ana Rita Bessa (CDS-PP), Mariana Silva (PEV), Alexandra Tavares de Moura (PS) e Luís Leite Ramos (PSD).

Foi apreciada a Petição n.º 316/XIII/2.ª (uAPHu - Associação de Pais Heróis) — Solicitam a criação de

legislação que colmate a falta de apoio financeiro e os direitos dos pais de crianças/jovens com cancro, juntamente com, na generalidade, os Projetos de Lei n.os 91/XIV/1.ª (BE) — Alarga a proteção na parentalidade aos progenitores com filhos com deficiência, doença rara ou doença oncológica e determina o pagamento a 100% do subsídio para assistência a filho com deficiência, doença crónica ou doença oncológica, 95/XIV/1.ª (PCP) — Reforço de direitos e condições de acompanhamento a filho com doença crónica, oncológica ou resultante de acidente, 102/XIV/1.ª (PAN) — Reforça a proteção social e laboral dos pais num quadro de assistência do filho com doença oncológica e 111/XIV/1.ª (CDS-PP) — Acresce em 60 dias o período de licença parental inicial em caso de nascimento de criança com deficiência ou doença rara e aumenta o montante do subsídio para assistência a filho com deficiência, doença crónica ou doença oncológica, procedendo à 15.ª alteração à Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro (Código do Trabalho), à 7.ª alteração ao Decreto-Lei n.º 91/2009, de 9 de abril (Regime Jurídico de Proteção Social na Parentalidade) e à 4.ª alteração ao Decreto-Lei n.º 89/2009, de 9 de abril (Regime Jurídico de Proteção Social na Parentalidade dos Trabalhadores da Função Pública Integrados no Regime de Proteção Social Convergente). Proferiram intervenções os Deputados José Moura Soeiro (BE), Diana Ferreira (PCP), Inês de Sousa Real (PAN), Ana Rita Bessa (CDS-PP), Eduardo Barroco de Melo (PS) e Carla Madureira (PSD).

Procedeu-se à apreciação da Petição n.º 497/XIII/3.ª (CGTP - Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses) — Contra a precariedade, pelo emprego com direitos, juntamente com, na generalidade, os Projetos de Lei n.os 11/XIV/1.ª (PCP) — Combate a precariedade laboral e reforça os direitos dos trabalhadores (16.ª alteração à Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que aprova o Código do Trabalho) e 89/XIV/1.ª (BE) — Combate o falso trabalho temporário e restringe o recurso ao outsourcing e ao trabalho temporário. Intervieram os Deputados Diana Ferreira (PCP), José Moura Soeiro (BE), Inês de Sousa Real (PAN), Mara Coelho (PS), Carla Barros (PSD), José Luís Ferreira (PEV) e João Pinho de Almeida (CDS-PP).

O Presidente (António Filipe) encerrou a sessão eram 18 horas e 57 minutos.

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O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Funcionários, Sr.as e Srs. Jornalistas, vamos dar

início aos nossos trabalhos.

Eram 15 horas e 4 minutos.

Peço aos Srs. Agentes da autoridade para abrirem as portas das galerias ao público.

Esta sessão prevê-se longa, visto que da nossa ordem do dia constam oito pontos para discussão. Antes

disso, porém, ainda vamos ouvir, com a solidariedade ativa da Sr.ª Secretária Maria da Luz Rosinha, a leitura

do vário e numeroso expediente.

Tem a palavra, Sr.ª Secretária.

A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Sr. Presidente, muito boa tarde a todas e a todos os Srs.

Deputados.

Deram entrada na Mesa, e foram admitidas pelo Sr. Presidente, várias iniciativas legislativas.

Refiro, em primeiro lugar, a Proposta de Lei n.º 7/XIV/1.ª (GOV) — Harmoniza e simplifica determinadas

regras no sistema do imposto sobre o valor acrescentado no comércio intracomunitário, transpondo as Diretivas

(UE) n.os 2018/1910 e 2019/475, que baixa à 5.ª Comissão.

Deram também entrada na Mesa os Projetos de Lei n.os 164/XIV/1.ª (BE) — Determina a isenção do

pagamento do atestado médico de incapacidade multiusos e determina o deferimento da atribuição da prestação

social de inclusão a partir da data de emissão do atestado de incapacidade multiusos, que baixa à 9.ª Comissão,

166/XIV/1.ª (BE) — Estabelecimento de um prazo para o acesso efetivo ao financiamento da aquisição de

produtos de apoio por pessoas com deficiência, que baixa à 10.ª Comissão, em conexão com a 9.ª Comissão,

169/XIV/1.ª (PAN) — Determina a declaração da filiação ou ligação a organizações ou associações «discretas»

em sede de obrigações declarativas (primeira alteração à Lei n.º 52/2019, de 31 de julho), que baixa à 14.ª

Comissão, em conexão com a 1.ª Comissão, 170/XIV/1.ª (PCP) — Determina o alargamento da rede nacional e

altera o regime de competência, organização e funcionamento dos julgados de paz (segunda alteração à Lei n.º

78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho), que baixa à 1.ª

Comissão, 171/XIV/1.ª (PCP) — Cria um regime autónomo de arrendamento para as atividades económicas,

associativas e culturais, que baixa à 6.ª Comissão, e 174/XIV/1.ª (BE, PS, PCP, PSD, CDS-PP, PAN, PEV) —

Prorrogação da vigência do observatório técnico independente para análise, acompanhamento e avaliação dos

incêndios florestais e rurais que ocorram no território nacional, criado pela Lei n.º 56/2018, de 20 de agosto.

Deu igualmente entrada na Mesa a Apreciação Parlamentar n.º 5/XIV/1.ª (BE) — Relativa ao Decreto-Lei n.º

169/2019, de 29 de novembro, que altera a regulação das atividades de distribuição, venda e aplicação de

produtos fitofarmacêuticos, transpondo a Diretiva (UE) n.º 2019/782.

Deu ainda entrada na Mesa o Projeto de Deliberação n.º 5/XIV/1.ª (PAR) — Processo orçamental na

Assembleia da República.

Por fim, refiro que deram entrada na Mesa os Projetos de Resolução n.os 174/XIV/1.ª (PCP) — Programa de

valorização dos profissionais de saúde, que baixa à 9.ª Comissão, e 175/XIV/1.ª (PAR) — Deslocação do

Presidente da República a Moçambique.

É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr.ª Secretária Maria da Luz Rosinha.

Vamos, então, entrar na ordem do dia, que hoje tem oito pontos, constando o primeiro de um debate de

atualidade, requerido pelo PSD, ao abrigo do artigo 72.º do Regimento da Assembleia da República, sobre «RTP

— serviço público».

Peço que se faça algum silêncio na Sala e que as Sr.as e os Srs. Deputados que estão de pé se sentem ou,

então, que saiam, para podermos continuar em condições os nossos trabalhos.

Pausa.

Penso que estão agora reunidas as condições necessárias.

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Para abrir o debate, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Rios de

Oliveira.

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Ministra, Srs. Secretários

de Estado: Algo de grave se passa na RTP e algo de grave se passa no Governo.

A RTP é o operador de serviço público de Rádio e Televisão de Portugal, tem uma história única, construída

ao longo de décadas, e um património insubstituível na vida dos portugueses.

O Sr. António Filipe (PCP): — Mas vocês já quiseram dar cabo dela!

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — O Contrato de Concessão do Serviço Público de Rádio e de Televisão

impõe os princípios do pluralismo, do rigor, da isenção e da independência da informação na RTP. É o

cumprimento destas obrigações, fixadas no contrato, que todos esperamos da RTP, mas foi com o programa

Sexta às 9 que se levantaram as primeiras e fundadas dúvidas do PSD acerca da capacidade da RTP para

segurar a sua independência, face a interesses setoriais e ao poder político.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Muito bem!

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — A história conta-se em poucas palavras: a RTP exibe, há oito anos,

o Sexta às 9, um programa de investigação e de denúncia públicas de casos de interesse público relevante,

liderado e conduzido pela jornalista Sandra Felgueiras. Ora, para surpresa de muitos, este programa conheceu

uma suspensão em setembro último. Somam-se, então, as coincidências: este programa nunca tinha sido

suspenso em momento pré-eleitoral. Era sabido, pela Direção de Informação, que o tema era o escândalo do

lítio em Montalegre.

A primeira emissão pós-férias do programa retomava dois casos graves de alegado favorecimento indevido

em negócios, com ação ou omissão do Governo, já com intervenção do Ministério Público, e que estavam a

provocar flagrante embaraço ao PS e ao Governo.

Mais: o programa estava pronto para ser editado e exibido em setembro e nós estávamos a poucos dias das

eleições legislativas.

Por último, foi inopinadamente retomado a seguir ao ato eleitoral.

Logo nessa altura, e pela voz do seu Presidente, o PSD manifestou surpresa e dúvida sobre os reais

fundamentos desta suspensão do programa, suscitando, em consequência, a audição parlamentar dos

intervenientes mais diretos neste nebuloso episódio. Estas audições, que todos podem rever no Canal

Parlamento, revelaram-se demolidoras para a Direção de Informação e para o Conselho de Administração da

RTP, pois ficou claro que as justificações à data prestadas para a suspensão não tinham fundamento. Assim, o

programa poderia ter sido exibido, mas foi mesmo congelado e a jornalista silenciada, sem um qualquer critério

percetível, reforçando a suspeita de frete político ao PS e ao Governo.

O Sr. SantinhoPacheco (PS): — O PSD não sabe do que fala!

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Simultaneamente, e ainda mais grave, a comparência do Secretário

de Estado João Galamba, no programa, opera-se por via da Direção de Informação, numa censurável

intromissão dos gabinetes ministeriais junto da Direção de Informação e desta no programa em questão.

A partir daqui, tudo se desmorona, com acusações graves pelo meio, e a Direção de Informação vê-se

obrigada a apresentar a demissão, num clima de crispação entre os jornalistas, os funcionários da RTP e o

Conselho de Administração, como não há memória. E o Governo, que tão intrusivo esteve nestes episódios,

desaparece de cena e quem tem a efetiva tutela e deveria reagir, a Ministra da Cultura, remete-se a um silêncio

que não ajuda, não resolve, nem tranquiliza ninguém.

Vozes do PSD: — Muito bem!

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O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Srs. Deputados, não podemos conviver com a suspeita de

interferência política ilegítima na comunicação social, muito menos na estação pública de rádio e televisão.

Quando falamos especificamente de jornalismo e de informação livre e isenta, quem passa o cheque não

manda! No caso da RTP, quem passa o cheque é o Governo e quem paga são os portugueses. Mas a RTP não

é do Governo.

É hoje evidente que, se a informação contida no programa tivesse sido divulgada durante o período eleitoral,

originaria danos para a imagem do Governo e do PS, com o impacto eleitoral inerente. Mas alguém não quis!

Estes episódios mancham a imagem do Governo, por ação do Secretário de Estado Galamba e por omissão

da Ministra da Cultura, mas não só. Também para a RTP este conjunto de acontecimentos é grave e injusto. É

grave porque provocam reconhecidos e relevantes danos reputacionais, comprometendo, aos olhos dos

portugueses, a qualidade, a seriedade e o rigor do jornalismo que se produz na RTP. O Código de Ética da RTP

foi destratado e ignorado por alguns dos mais altos responsáveis da RTP e, como sempre, o exemplo tem de

vir de cima e não veio.

Aplausos do PSD.

Mas estes acontecimentos são também injustos. São injustos para os 1600 trabalhadores da RTP, em

especial para os jornalistas da RTP que vestem a camisola do serviço público todos os dias, no compromisso

com a missão e a exigência que a televisão pública tem de ter junto do seu público, tendo encontrado, na Direção

de Informação e no Conselho de Administração, a fonte dos problemas e não a fonte das soluções, dos

equilíbrios e do bom senso.

Sr.as e Srs. Deputados, o PSD tinha razão quando, ainda antes das eleições, levantou esta questão, tinha

razão quando chamou ao Parlamento as pessoas diretamente responsáveis pelos factos, tinha razão para as

crescentes dúvidas e insuficiências que cada resposta sugeria, tinha razão quando reclamou que algo de

estranho e grave se passava na RTP e tinha razão quando agendou este debate.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, já ultrapassou o seu tempo.

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Vou terminar, Sr. Presidente.

Enfim, perdeu o serviço público, perdeu o jornalismo, perdeu a ética e perdeu o Código de Ética da RTP. O

PSD, de forma responsável…

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, a partir de agora, o tempo que usar será descontado no tempo que está

atribuído ao PSD para o debate.

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Vou terminar, Sr. Presidente.

O PSD continuará atento às escolhas, às pessoas e aos critérios de cumprimento livre e isento do serviço

público da RTP. A nossa democracia também depende disso.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Paulo Rios de Oliveira, inscreveu-se, para pedir esclarecimentos, o Sr.

Deputado António Filipe, do Grupo Parlamentar do PCP.

Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Rios, interessava perceber o que é que

o PSD pretende com este debate.

É, perante uma situação de conflito existente na informação da RTP, vir meter a colherada? Não deve ser!

Não deve ser, porque não é competência deste órgão de soberania estar a meter a colherada relativamente à

independência editorial de um órgão de comunicação social do setor público ou do setor privado que fosse.

Bom, então é para quê? É para criticar uma direção de informação que já não existe, que já se demitiu?

Também não deve ser. Não faz sentido e, neste momento, não teria objeto.

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Protestos do Deputado do PSD Paulo Neves.

Então, é para quê? Diz o Sr. Deputado Paulo Rios que é para questionar o Governo relativamente à ausência

de intervenção do Governo. Mas não foram o PSD e o CDS que, por proposta do ex-Ministro Poiares Maduro,

fizeram aprovar aqui um estatuto para a RTP absolutamente blindado quanto à impossibilidade de interferência

do Governo, na medida em que toda a orientação estratégica da empresa seria definida por um Conselho Geral

Independente e absolutamente à prova de bala?

Protestos do PSD.

E queriam exatamente acabar com qualquer possibilidade de interferência do Governo na RTP!

O Sr. António Gameiro (PS): — É verdade!

O Sr. António Filipe (PCP): — E o Sr. Deputado vem agora aqui criticar o Governo porque não interveio?

Então, o PSD quer que o Governo não intervenha ou quer que o Governo intervenha?

Era interessante perceber exatamente o que é que o PSD pretende com este debate, porque importa,

efetivamente, salvaguardar um serviço público de conflitos que não servem ninguém — não servem o serviço

público, não servem o público, não servem a informação em Portugal.

Muito menos interessa, relativamente a essa matéria, que o PSD ou a Assembleia da República estejam a

contribuir para agravar situações que já de si são graves, como é conhecido no serviço público.

O que é extraordinário é que o PSD venha aqui exigir que o Governo intervenha. Importa saber qual é a

intervenção que o PSD quer que o Governo faça. Vale a pena saber, já que o PSD promoveu este debate, o

que é que pretende com ele. Quer que o Governo nomeie uma direção de informação? Não deve ser.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de concluir.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, interessava, a bem da defesa do serviço público — e o PCP

já apresentou um projeto de lei precisamente sobre o estatuto do serviço público, que um dia destes iremos

discutir —, saber exatamente o que é que o PSD entende que o Governo deve fazer relativamente à

independência da RTP.

Aplausos do PCP e do PEV.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Rios.

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, acho que não negará

que o tema é atual, é relevante e que uma das competências da Assembleia é exatamente a de fiscalizar um

conjunto de órgãos e o Governo.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Recordo que, quando o PSD solicitou estas audições, todos os

grupos parlamentares votaram favoravelmente por acharem que eram relevantes. E, quando o PSD pediu novas

audições, esta proposta foi aprovada por unanimidade.

Portanto, o Sr. Deputado pode achar que esta matéria não é relevante, não interessa nada,…

O Sr. João Oliveira (PCP): — Não! Não é isso!

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — … mas nós entendemos que é muito relevante e que tem de ser

discutida aqui e agora. E quem trouxe o tema a debate fomos nós!

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Aplausos do PSD.

O Sr. Jorge Costa (BE): — Irrelevante é a sua intervenção!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Queremos é saber o que é que vocês querem!

O Sr. António Filipe (PCP): — O que é quer o PSD? É só paleio!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra, pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda,

o Sr. Deputado Jorge Costa.

O Sr. Jorge Costa (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A demissão da Diretora de Informação

da RTP ocorre na sequência de duas decisões contestadas pelo Conselho de Redação e pelo plenário de

jornalistas da RTP, uma sobre a suspensão do programa Sexta às 9 — e a Comissão de Cultura e Comunicação

já ouviu os intervenientes e registou as versões contraditórias sobre o assunto — e outra sobre a decisão, por

parte da Diretora de Informação, de realizar contactos com uma entidade que estava sob investigação

jornalística do programa Sexta às 9. O Conselho de Redação e o plenário de jornalistas criticaram essas

decisões em termos que conduziram à demissão da Diretora de Informação.

Aqui chegados, o debate já não é sobre um programa nem sobre uma Direção de Informação.

O Sexta às 9 é, e continua a ser, o único programa regular de investigação jornalística da RTP, emitido há

mais de sete anos. E, portanto, poupemo-nos — a nós, Srs. Deputados, e, sobretudo, à RTP — a mais invetivas

incendiárias ou clamores por saídas e entradas na grelha de programação.

Esse é um terreno mau e não é isso que é esperado da Assembleia da República. O Parlamento tem uma

obrigação que é mais exigente: a de debater as condições de independência do serviço público que todos

pagamos.

Para o Bloco de Esquerda, a responsabilidade do desenvolvimento deste serviço essencial é nossa, é da

representação democrática.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!

O Sr. Jorge Costa (BE): — O serviço público de rádio e televisão tem um papel fundamental para a

democracia, sobretudo na atual crise generalizada na imprensa.

A RTP tem a função de estabelecer padrões de referência e qualidade, garantir pluralismo e credibilidade da

informação acessível a todos. Mas, quando olhamos para os anos decorridos desde 2014, verificamos que, sob

o slogan da desgovernamentalização, o Governo PSD/CDS abriu um enorme vazio de responsabilidade, em

que o Parlamento se alheia, a tutela do Ministério da Cultura remete para o Conselho Geral Independente (CGI)

e este, no fim da linha, acaba sempre a concordar com o Presidente do Conselho de Administração.

A RTP não foi privatizada, como queria o PSD, mas foi entregue a um CGI a nomeação do Conselho de

Administração, a avaliação do cumprimento do plano estratégico e a supervisão da vida interna no serviço

público.

Ao olhar para estes anos, o CGI limitou-se a entronizar um presidente, o ex-Deputado do PSD Gonçalo Reis,

e sumiu. O CGI sumiu! A responsabilidade pública ficou ausente e o resultado está à vista.

O CGI nunca tratou seriamente qualquer dos problemas estruturais da empresa, fossem as alterações no

Conselho de Administração em 2018, fosse o protocolo lesivo celebrado com a Federação Portuguesa de

Futebol, fosse a resistência da administração ao processo de regularização dos precários, fosse a presente crise

que hoje estamos a discutir.

O próprio plenário dos jornalistas sublinhou há dias essa total inutilidade do CGI.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Bem lembrado!

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O Sr. Jorge Costa (BE): — E foi só ontem, às 11 da noite, que o CGI despertou do seu longo torpor, num

comunicado a exigir à próxima Direção de Informação continuidade com a anterior e mecanismos de unidade e

coerência da estrutura da informação.

Portanto, pergunto o seguinte ao partido que ia salvar a RTP do papão governamental: Srs. Deputados do

PSD, o que quer dizer o CGI, o guardião da independência, nestas obscuras entrelinhas «salvaguardar a

unidade e coerência da estrutura da informação da próxima Direção de Informação»? Que balanço faz o PSD

do seu modelo? Que balanço faz o PSD do modelo do CGI que desresponsabiliza precisamente aqueles que

passam o cheque?

Vozes do PSD: — Pergunte ao Secretário de Estado!

O Sr. Jorge Costa (BE): — O Sr. Deputado Paulo Rios de Oliveira disse que quem paga é que manda!? Mas

os Srs. Deputados do PSD, o Governo de PSD e CDS é que tiraram à tutela a intervenção quotidiana sobre o

futuro do serviço público,…

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!

O Sr. Jorge Costa (BE): — … entregando-a a uma entidade obscura, não escrutinada e que hoje mostra

totalmente a sua inutilidade.

O jornalismo, e desde logo o do serviço público da RTP, pode e deve ser debatido por todos e também pelo

Parlamento.

O Bloco de Esquerda, nas jornadas que já em 2018 dedicou ao serviço público de rádio e televisão, avançou

algumas linhas nessa reflexão. A RTP deve promover um núcleo de jornalismo de investigação que seja capaz

de responder à crise desse género no panorama mediático nacional. Em vez de rótulos, a RTP deve produzir

um livro de estilo que constitua referência interna e externa e deve erradicar a precariedade dos seus quadros

como condição essencial da autonomia profissional dos jornalistas.

Mas esse debate não pode adiar outro, que é o debate do modelo de governação da RTP e da necessária

extinção do CGI, condição para a independência do serviço público e para uma relação clara entre o Estado e

esta empresa pública.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!

O Sr. Jorge Costa (BE): — A nomeação e a destituição do presidente do Conselho de Administração deve

passar a ser feita no Parlamento, sob o parecer do Conselho de Opinião da RTP e apoiada em critérios sólidos

e transparentes, a partir de candidaturas acompanhadas de um programa estratégico de serviço público.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço-lhe para concluir.

O Sr. Jorge Costa (BE): — Termino, Sr. Presidente.

Quem paga, deve mandar. E é o Parlamento que deve escrutinar e decidir.

A autonomia da RTP só é possível se for garantida a responsabilização de quem a detém. E quem a detém

é o Estado, quem responde por esses interesses é a Assembleia da República e cabe-nos a nós responder por

eles e não fazer debates sem assunto, como hoje o PSD procura fazer.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado José Magalhães, do Grupo

Parlamentar do PS.

O Sr. José Magalhães (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs.

Deputados: Enquanto ouvia o Sr. Deputado Paulo Rios, quase vi voar sobre a sala o fantasma do famoso

Deputado Calisto Elói de Silos e Benevides, o anjo caído da nossa história parlamentar, inventado por Camilo.

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É que o Sr. Deputado quer conduzir este debate não para o esclarecimento do tema importante, mas, se

possível, para a vozearia, a zaragata, a guerrilha interpartidária ao mais baixo nível e provocar, provocar,

provocar — arte para a qual, aliás, chega atrasado.

Aplausos do PS.

Porque é que isto acontece agora? Será só a questão da campanha, onde não há ideias e há uma guerrilha

pessoal levada ao extremo? Parece-nos pouco. Parece-nos pouco. Julgo que isto faz parte da descida do PSD

ao inferno da política trauliteira e do comércio de fake news.

Isto começou na campanha eleitoral quando o Dr. Rui Rio não resistiu a abjurar a sua tese de que devemos

ser contra, ele incluído, a chamada «justiça de tabacaria» e resolveu, em relação a este caso — não foi outro,

foi este caso! —, fazer de acusador público, de juiz e até de tribunal supremo.

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Só faltava agora isso!

O Sr. José Magalhães (PS): — E proclamou, urbi et orbi — e os seus seguidores seguiram-no, obviamente

—, aquilo que acabámos de ouvir da boca do Sr. Deputado Paulo Rios: um chorrilho de inverdades. Parece, na

verdade, uma daquelas bonecas espanholas em que se carrega nas costas e dizem «mi casa es tu casa», ou

seja, repete sempre exatamente o mesmo.

Aplausos do PS.

Não devemos deixar-nos arrastar para esse tema, porque este debate tem uma enorme gravidade.

Como é que se atreve o PSD, que aprovou um regime de governance da RTP, um modelo de governação,

num momento em que o Ministro Miguel Relvas foi corrido do Governo…

O Sr. Afonso Oliveira (PSD): — Não é disso que estamos a falar!

O Sr. José Magalhães (PS): — … e deu lugar ao Ministro Poiares Maduro, porque o projeto do Miguel

Relvas…

O Sr. Jorge Costa (BE): — E do Passos Coelho!

O Sr. José Magalhães (PS): — … era privatizar a RTP sem mais nem menos…

Aplausos do PS.

… e sem ter o mínimo de coerência histórica — não é o máximo, é o mínimo de coerência histórica! —, a

aparecer-nos aqui, subitamente, a sustentar a teoria de que deve ser o Parlamento a intervir diretamente na vida

interna da RTP, do serviço público, e até a exprimir condenações que nenhum Deputado do PSD teve coragem

de fazer quando aqui ouvimos a Direção de Informação?

Algum dos senhores ousou atirar a primeira pedra à jornalista Flor Pedroso quando a ouvimos, em direto, na

1.ª Comissão? Ninguém! E foi por cobardia?! Talvez, em alguns casos. Mas admito que, na maior parte dos

casos, foi porque não havia nada a dizer, como ontem sublinhou o Conselho Geral Independente e como tinha

sublinhado antes o Conselho de Administração. É um juízo comum.

Algum dos senhores ousa atirar a primeira pedra à Direção cessante? Algum dos senhores se atreve a atirar

a primeira pedra à Direção que passou, de forma absolutamente exemplar, por um processo eleitoral complexo?

Têm alguma queixa a formular nessa matéria? Não! Têm uma «intriguilha» que foi plantada pelos senhores,…

Vozes do PSD e do CDS-PP: — Ah!

O Sr. José Magalhães (PS): — … desenvolvida pelos senhores e agora comerciada pelos senhores.

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Aplausos do PS.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O que é que nos preocupa mais nisto? Preocupa-nos mais o vazio de ideias. O vazio de ideias! É que as

vossas ideias têm de ser escondidas, e elas estão no programa eleitoral. Fui consultar o programa eleitoral —

lá se consegue chegar ao programa eleitoral, que se apresenta num PDF bem apinocado — e lá está a vossa

proposta: «Mantendo a lógica de um canal generalista, importa rever a função dos restantes canais integrando-

os num projeto ambicioso de uma RTP Global, capaz de difundir conteúdos culturais, informativos e desportivos

para todo o mundo». Meus senhores, isto é uma omelete de canais.

Risos do PS.

Isto significa a extinção dos canais que existem e a redução da RTP, na verdade, a dois canais, ou seja, a

destruição do serviço público na sua diversidade, na sua capacidade de chegar a públicos diferentes. E isto é

dito com uma enorme falta de frontalidade. Mas que falta de frontalidade!

Portugal Global é uma marca que já pertence à AICEP (Agência para o Investimento e Comércio Externo de

Portugal). Se querem extinguir a RTP, digam-no frontalmente!

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado José Magalhães, já excedeu o seu tempo.

O Sr. José Magalhães (PS): — Termino, Sr. Presidente, dizendo que não contem connosco para abastardar

o papel da Assembleia e para violar o modelo de governação da RTP!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs.

Deputados: O Governo PSD/CDS tomou medidas legislativas, que já aqui foram lembradas, para garantir a

independência e a isenção da RTP, tanto mais relevante porque, no caso, falamos de uma estação pública de

televisão, falamos de um serviço público de televisão.

Concretamente, em 2014, foi criado o já aqui falado Conselho Geral Independente, para onde o Governo de

então transferiu praticamente todos os poderes que a tutela tinha sobre o operador público, à exceção do

financiamento.

O objetivo da criação do CGI foi, nas palavras do Ministro Poiares Maduro, e cito, «diminuir o risco de

governamentalização da RTP e também a perceção dessa governamentalização», porque «é prejudicial à

empresa em vários planos», porque «é uma situação que contamina um debate político permanente sobre a

RTP, condiciona a gestão interna da empresa e o exercício da tutela».

Ou seja, o Governo PSD/CDS pautou a sua atuação por uma preocupação com a independência da RTP.

Afirmar o mesmo sobre o Governo PS é dúbio e são vários os exemplos.

Refiro, pois, dois exemplos. Primeiro, o memorando de entendimento assinado entre a Federação

Portuguesa de Futebol e o Conselho de Administração da RTP, em 2019, que suscitou um pedido de informação

pela Sr.ª Ministra da Cultura e pelo Sr. Ministro das Finanças e que levou o Presidente do Conselho Geral

Independente a denunciar, e cito, «tentativas de erosão pública do modelo de gestão e violações dos limites que

ele impõe, o que é indesejável para a estabilidade da empresa». Segundo, e mais recentemente, o caso do lítio

e do programa Sexta às 9, que, a requerimento do PSD, foi motivo de audições na Comissão de Cultura. Em

relação a esta questão, de acordo com as afirmações da jornalista Sandra Felgueiras, o Gabinete do Sr.

Secretário de Estado João Galamba terá sido contactado várias vezes para prestar esclarecimentos e para

integrar a primeira edição do programa Sexta às 9 sobre este tema mas que se terá recusado a responder.

Passo a citar a Sr.ª Jornalista: «No programa seguinte, já depois de ter respondido que não tinha nada para

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dizer, o Sr. Secretário de Estado fez um contacto via assessores à Direção de Informação e esta disse-me para

o trazer ao programa».

Sr.as e Srs. Deputados, não cabe ao CDS, como, de resto, não deveria caber a qualquer partido deste

Parlamento, imiscuir-se em questões editoriais ou em questões internas da informação da RTP. Isso seria uma

ingerência do poder político sobre um órgão de comunicação social, precisamente aquilo que nos inquieta, nos

preocupa e que hoje motiva este debate.

De resto, como disseram aqui e é do conhecimento público, o assunto já foi tratado em sede própria, mas

cabe, sim, ao CDS e a todo o Parlamento o escrutínio da atividade da RTP por forma a garantir a sua isenção e

independência. Para isso, estão previstos mecanismos de audição, aqui, no Parlamento, dos quais nunca

abdicámos nem abdicaremos e nos quais exerceremos o nosso dever de fiscalização.

Para o CDS, uma coisa é clara e vital: a RTP é uma televisão pública e nunca deverá resvalar para ser uma

televisão do Estado.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção pelo Grupo Parlamentar do PAN, tem a palavra a Sr.ª Deputada

Cristina Rodrigues.

Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Cristina Rodrigues (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A RTP é uma empresa pública

que inclui estações de rádio e televisão, sendo que todos os dias e em todo o mundo são disponibilizados estes

serviços a milhões de pessoas. Estes números atestam a importância deste meio de comunicação social para

a difusão da cultura portuguesa e como contributo para o sentimento de união de todos os portugueses pelo

mundo fora.

A independência e sustentabilidade dos meios de comunicação social configuram uma das problemáticas

mais prementes de resolução nos dias que correm. É o próprio Sr. Presidente da República a sublinhar a

importância desta questão ao dizer que «é tempo de se procurar soluções que garantam a liberdade e a

democracia, fortalecendo a comunicação social, a clássica e a nova, todas, com medidas de incentivo geral e

abstrato e, por isso, insuscetíveis de manipulação do poder político, e com aprovação parlamentar, mas que

cheguem a tempo».

Para o PAN, a independência e a sustentabilidade são dois elementos indissociáveis numa conjuntura

marcada pela preocupante situação financeira, transversal a todos os meios de comunicação social em Portugal.

Estas, quando não acauteladas, propiciam casos de insustentabilidade financeira e quebra do serviço, os quais

só enfraquecem o serviço público, como seja a inevitável situação de precariedade e de desemprego no setor.

Contudo, toda a realidade tem o reverso da medalha, sendo que as más notícias representam e

representarão sempre boas notícias para outros, dependendo do ângulo de análise.

Chegamos, então, ao problema da concentração no setor da comunicação social, em que um pequeno grupo

de indivíduos, comumente ligados a interesses privados, controlam grande parte dos grupos editoriais dos meios

de comunicação social, o que pode afetar ou afetará a independência destes.

Este fenómeno tem sido estudado noutros países, trazendo-se à colação o caso específico do Reino Unido,

país onde se concluiu que não há sequer espaço para falar de meios livres ou independentes, já que todos são

detidos por um punhado de grandes grupos editoriais ou controlados por indivíduos ou conselhos de

administração estreitamente ligados a interesses privados.

Para se ter uma ideia prática do que significa esta questão da concentração excessiva, a Grã-Bretanha possui

um dos ambientes de media mais concentrados do mundo. Apenas três empresas dominam 83% da circulação

nacional de jornais,…

O Sr. Jorge Costa (BE): — Aqui são quatro!

A Sr.ª Cristina Rodrigues (PAN): — … cinco empresas respondem por 80% do alcance da marca de jornal

nacional e duas empresas possuem quase metade de todas as estações de rádio analógicas comerciais.

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Ora, esta concentração excessiva faz perigar a liberdade e independência que se espera dos meios de

comunicação social, não olvidando que o jornalismo não se reduz ao dever de informar, cabendo-lhe escrutinar

os poderes de várias ordens, vigiando-os e assacando-lhes responsabilidades.

O que foi dito conduz-nos a uma discussão clara: deve ou não existir um serviço público de rádio e televisão?

Deve o Estado apoiar financeiramente estes serviços? E de que forma?

Analisando o quadro europeu, na maior parte dos casos o financiamento é dirigido aos órgãos públicos,

sendo que este provém essencialmente de uma taxa de licença da radiodifusão de serviço público, ou seja, uma

taxa que as pessoas pagam para receber as emissões de rádio e televisão ou possuir os aparelhos necessários

para a respetiva receção. Isto é o que acontece em Portugal, com a existência de uma taxa de audiovisual

integrada na fatura da eletricidade e paga pelo universo dos cidadãos, a qual serve para financiar o serviço

público de televisão prestado pela RTP.

O contraponto exposto até aqui afigura-se como demonstrativo da importância da RTP enquanto meio de

comunicação social público, impermeável a interesses privados e inteira ou maioritariamente assente em

critérios editoriais relacionados com o interesse público.

Contudo, nas últimas semanas têm sido conhecidos dados preocupantes relacionados com este tema, não

esquecendo o relevante conteúdo das declarações da jornalista Sandra Felgueiras em sede de audição na

Comissão de Cultura, a que acresce a recente notícia da demissão da Diretora de Informação da RTP, Maria

Flor Pedroso, e que criam no espírito dos portugueses dúvidas relacionadas com potenciais pressões sobre a

Direção de Informação da RTP, pressões estas visando alegadas alterações à linha editorial de um programa

televisivo, obstando à sua atempada transmissão, e que versaria sobre um tema polémico em vésperas das

eleições legislativas do presente ano.

Não obstante este caso particular, parece-nos que o cerne da questão é a necessária e fundamental

independência da televisão pública, sendo de extrema importância que se assegure a não ingerência

governamental junto dos órgãos de comunicação social, por forma a acautelar um dos mais basilares pilares da

democracia: a liberdade de imprensa e a idoneidade das instituições. A mera dúvida é, por si só, prejudicial para

o serviço público.

Tendo em consideração que a liberdade de imprensa representa um vetor com consagração constitucional

e que a RTP deve seguir uma linha programática livre e independente assente, única e exclusivamente, na

premissa do interesse público, e não obstante o que foi hoje aqui dito, importa obter o compromisso do Governo

nesta matéria, como garante da salvaguarda da independência de qualquer meio de comunicação social.

Aplausos do PAN.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Diana Ferreira, do Grupo

Parlamentar do PCP.

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Gostaria de começar por registar

que, em relação a perguntas muito concretas que o PCP colocou ao PSD neste debate, a resposta foi zero. O

PSD escolheu não responder, mas seria importante que tivesse respondido para que soubéssemos exatamente

o que pretende com este debate.

Srs. Deputados, o serviço público de rádio e televisão é um dos pilares da democracia portuguesa enquanto

garante de pluralidade e diversidade, de defesa e divulgação da língua e cultura portuguesas, mas também de

valorização da educação, da ciência, da investigação, das artes, da inovação e do desporto, mas também como

garante de coesão social e territorial, além do papel que desempenha junto das comunidades de emigrantes e

imigrantes.

Num tempo em que há movimentações no setor privado da comunicação social, de grupos económicos que

compram e vendem órgãos de comunicação social, fazem fusões, fecham títulos, despedem jornalistas e outros

profissionais e num tempo em que se acentua a concentração da propriedade dos meios de comunicação social

num punhado de grupos económicos com crescente presença de capital estrangeiro e da banca privada na

estrutura acionista, neste tempo assume ainda mais importância a defesa do serviço público de rádio e televisão

do nosso País que, ao longo da sua história, sofreu diferentes ataques, de entre os quais duas tentativas de

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privatização, a última às mãos de PSD e CDS, e que a luta dos trabalhadores da RTP impediu que pudesse ser

concretizada.

A defesa do serviço público de rádio e televisão não é compatível com tentativas de descredibilização e de

achincalhamento da RTP.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Para esse caminho não contam com o PCP.

A defesa do serviço público de rádio e televisão, cuja existência e responsabilidade do Estado estão previstas

na nossa Constituição, passa pela garantia dos meios humanos, técnicos, materiais e financeiros para que a

RTP possa cumprir as suas funções com independência face ao poder político e ao poder económico.

A defesa do serviço público de rádio e televisão exige a valorização dos profissionais da RTP, na sua vertente

salarial, mas também na garantia do vínculo efetivo àquela empresa.

É para este combate que contarão com o PCP: para fortalecer a RTP e para garantir que esta tenha todas

as condições para prestar um serviço público com a qualidade e a extensão a que todos os cidadãos do nosso

País têm direito.

Foi exatamente neste sentido que o PCP entregou uma iniciativa legislativa que traduz as preocupações que

temos e apresentou soluções para o reforço da RTP, para garantir melhores condições para o cumprimento do

serviço público, com uma mais ampla e plural participação nas responsabilidades de supervisão e fiscalização

interna do cumprimento das obrigações do serviço público de rádio e televisão.

Esta será a defesa intransigente que o PCP fará do serviço público de rádio e televisão do nosso País.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Cultura, Graça Fonseca.

A Sr.ª Ministra da Cultura (Graça Fonseca): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: À semelhança do

que aqui já foi feito, começo por questionar porque é que o PSD quer este debate e porque é que o PSD convoca,

para Plenário, um debate sobre a RTP, aparentemente sobre a Direção de Informação da RTP.

Acima de tudo, questiono porque é que o PSD quer chamar o Governo para este debate, porque, de facto,

como aqui já foi dito, o Governo, nos termos da lei aprovada pelo Governo PSD/CDS, questão aqui tão bem

explicada pela Sr.ª Deputada do CDS, não tem nenhum poder — nenhum poder! — relativamente à RTP, ao

contrário do Parlamento, que exerce, e bem, como o tem feito, nomeadamente em sede de comissão, as

competências que a lei lhe atribui.

Por isso, não consigo dar resposta à pergunta «porque é que o PSD convocou este debate?» e o PSD

também não respondeu à pergunta que o Grupo Parlamentar do PCP fez. Imagino que vamos sair daqui sem a

resposta a esta pergunta, porque, de facto, a resposta não interessa ao PSD, nem o PSD a quer dar.

Também me questiono, à semelhança do que outros Deputados aqui fizeram, se o que está em causa não

será, mais uma vez, criar uma situação de desestabilização, de ingerência, essa, sim, ingerência do PSD, na

situação da RTP, para descredibilizar e denegrir a RTP e criar condições para voltar a defender a sua

privatização, como já defendeu no passado e como, certamente, gostaria de voltar a fazer no futuro.

Aplausos do PS.

Aqui, provavelmente, residirá a resposta a essa pergunta, mas provavelmente vamos sair daqui sem ela,

porque, como disse o Sr. Deputado José Magalhães, não há frontalidade do lado do PSD para assumirem o que

querem para a RTP. Era importante que do debate de hoje saísse essa resposta, mas não vai sair!

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

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Quanto a esta questão, quero que fique muito claro, nesta Assembleia, que este Governo nunca defendeu a

privatização da RTP, nem sequer de algum dos seus canais. Nunca defendeu nem nunca defenderá! Essa é

uma marca muito importante e que revela a diferença entre o PSD e o Governo: o PSD defendeu no passado a

privatização da RTP.

Aplausos do PS.

Há outra coisa que diferencia muito bem o PSD do Governo. Ao contrário do PSD, nós não interferimos na

RTP, não fazemos nenhum debate sobre a Direção de Informação da RTP.

Aplausos do PS.

Vozes do PSD: — Ah!…

A Sr.ª Ministra da Cultura: — O PSD, em plena campanha interna, traz para o debate em Plenário uma

discussão sobre a Direção de Informação da RTP. Repare-se, é que nem é sobre o Conselho de Administração,

é sobre a Direção de Informação da RTP! É extraordinário como o PSD consegue acusar o Governo de

ingerência quando promove um debate para falar sobre, repare-se, a Direção de Informação da RTP! É

extraordinário como o PSD consegue defender uma coisa e o seu contrário.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça Mendes (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Ministra da Cultura: — Não, Srs. Deputados, o Governo não intervém, e não, Srs. Deputados, o

Governo não tem tutela, como os senhores querem, porque os senhores, em tempos, em 2014, aprovaram um

modelo de governação que retirou qualquer possibilidade de o Governo interferir ao nível do Conselho de

Administração ou da Direção de Informação da RTP. Querem discutir o modelo de governação? Então, façam-

no em sede parlamentar e nós cá estaremos para o discutir. Mas não acusem o Governo de fazer aquilo que os

senhores fazem com este debate.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Se os Srs. Deputados pretenderem inscrever-se, peço que o façam atempadamente,

pois verifico que ainda há grupos parlamentares que dispõe de tempo para intervir.

Pausa.

Não havendo mais inscrições, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Rios de Oliveira.

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Srs. Deputados: Confesso que senti a

tentação, face à intervenção do Sr. Deputado José Magalhães, de o deixar mesmo entregue ao que disse.

Merecia ficar com a sua intervenção! Se isso é o que o Partido Socialista tem para dizer num debate desta

importância, então, merecia ficar condenado àquela intervenção, que foi zero!

Eu apontei o problema e o Sr. Deputado José Magalhães passou o tempo a falar do meu dedo. Estava à

espera de ouvir da sua parte uma negação absoluta. Foram feitas aqui imputações e trazidos factos em relação

aos quais eu gostaria de o ter ouvido dizer «é mentira» e «não aconteceu».

Sr. Deputado, reputo de exemplar o comportamento do PSD em relação a este tema, porque desde o primeiro

momento — é uma questão de ir reler —, o PSD perguntou às pessoas o que se passava. O que aconteceu foi

que as respostas eram piores a cada dia. A culpa não é nossa! Quando o Sr. Deputado aqui vem fazer uma

intervenção tão divertida sobre um tema tão importante e não consegue negar o que foi dito, então, é complicado

discutir.

Mais do que isso: o Sr. Deputado dizia há pouco, em defesa da Sr.ª Jornalista — e deixo claro que nada nos

move contra ninguém, estamos a favor da RTP, no exercício de um direito e de um dever que é nosso —, que

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ninguém apontou nada. Sr. Deputado, não puxe por mim, porque, se formos ler aquilo que os jornalistas da RTP

disseram uns dos outros nos últimos dias, aliás, nem sei mesmo se a higiene parlamentar o admite!… As

acusações são gravíssimas, mas não são nossas. Nós limitamo-nos a dizer que isto é grave, é preciso parar.

Enquanto aqui se diz que não acontece nada, e a Sr.ª Ministra também o diz, temos 1600 trabalhadores da

RTP que estão a ouvir este debate,…

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Espero que estejam a trabalhar!

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — … sabem o que é que está acontecer e sabem que não foi o PSD

que inventou esta questão.

O PSD levantou a questão e quis saber mais, porque é nosso direito e é nosso dever. Portanto, dizerem que

o PSD inventou este debate significa que não perceberam o que aconteceu.

Aliás, quando o Conselho de Administração, que apoiou sempre, cegamente, esta Direção de Informação,

faz um comunicado daqueles, percebe-se que é uma declaração de guerra aos jornalistas da RTP que ficaram.

E é com esses que vão ter de se entender.

O PSD quer que a RTP trabalhe com independência e isenção — é só isso que queremos — e aquilo que

verificamos é que, cada vez que perguntamos o que se passa, o assunto piora. Não tenho culpa das perguntas,

mas o Sr. Deputado tem culpa de algumas repostas. O que gostaria de ter ouvido da sua parte era: «Não é

verdade», «não houve nenhuma ingerência» e «isso não aconteceu».

Aplausos do PSD.

O Sr. José Magalhães (PS): — Não foi dito?!

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Paulo Rios, a sua intervenção suscitou um pedido de esclarecimentos.

Continuará a ser o Sr. Deputado a encerrar o debate, mas tem um pedido de esclarecimentos do Grupo

Parlamentar do PS, com tempo cedido por Os Verdes.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: — Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Adão Silva (PSD): — Sr. Presidente, é para um ponto de ordem à Mesa.

V. Ex.ª disse, há minutos, que a intervenção do Sr. Deputado Paulo Rios seria a última intervenção para

encerrar o debate. V. Ex.ª reabre o debate e, assim, contradiz-se.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço imensa desculpa, mas, como sabe, as intervenções podem ter

pedidos de esclarecimento e, depois, a seguir, a resposta finaliza o debate.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Não, não, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, este debate não contempla a figura de encerramento. Existe a tradição

de que o partido que requer estes debates é o último a falar, e será o último a falar.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Sr. Presidente, evidentemente, qualquer intervenção tem a obrigação, tem o

direito, tem a possibilidade de suscitar um pedido de esclarecimentos.

O Sr. Presidente: — É isso.

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O Sr. Adão Silva (PSD): — A questão não está aí, a questão está em que V. Ex.ª disse, há minutos, que

aquela era a intervenção que iria encerrar o debate. Mas V. Ex.ª, subitamente, inventou uma figura regimental,

uma maneira diferente para encerrar o debate, contradizendo-se a si próprio. E isso não pode ser aceite, Sr.

Presidente.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, a minha interpretação é a de que o PSD continuará a encerrar o debate,

mesmo que haja uma resposta a um pedido de esclarecimentos.

Tem, então, a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado José Magalhães, do PS.

Protestos do PSD.

O Sr. José Magalhães (PS): — Sr. Presidente,…

Pausa.

O Sr. Presidente: — Pode continuar, Sr. Deputado. Não é preciso fazer esse silêncio tão teatral.

O Sr. José Magalhães (PS): — Também não peça um silêncio sepulcral nesta matéria, Sr. Presidente.

Percebo que seja desagradável para o Sr. Deputado Paulo Rios haver quem o contradite.

Vozes do PSD: — Ah!

O Sr. José Magalhães (PS): — E, mais ainda, quem o impeça de interpretar de forma totalmente falsificadora

o que aqui aconteceu, à vista de toda a gente, como é evidente — vai aparecer no Canal Parlamento.

Mas alguma vez eu aceitei que fosse verdade o que o PSD aqui nos trouxe e, aliás, trouxe à Comissão várias

vezes?! Pelo contrário. Eu disse que o PSD plantou fake news e, a seguir, cavalgou em cima, com o seu

Presidente à frente, na ótica de ganhar votos, que é a coisa mais abjeta e execrável que se pode fazer.

O Sr. Duarte Marques (PSD): — Prove isso! Prove isso!

O Sr. José Magalhães (PS): — Mas, não, para o Sr. Deputado ainda não chega. Queria que eu viesse aqui

corroborar isso e dar-lhe troco. Ora, a nossa bancada não dá troco a provocações de ninguém, nem às do PSD.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

Portanto, é bom que aprendam e é bom que se habituem que não vale a pena provocar.

Agora, pergunto uma coisa: os Srs. Deputados insistem em que venha cá a Sr.ª Jornalista Cândida Pinto

para quê?

O Sr. Ricardo Baptista Leite (PSD): — Para responder aos factos!

O Sr. José Magalhães (PS): — Para fazer uma autópsia? Para fazer um inquérito? Para fazer o quê, agora

que a questão está resolvida, de uma forma, enfim, danosa, reputacionalmente, para a empresa e bastante

lesiva dos seus direitos como jornalista?

O Sr. Ricardo Baptista Leite (PSD): — Porque será?

O Sr. José Magalhães (PS): — Querem o quê?

O Sr. Presidente: — Já ultrapassou o seu tempo. Peço-lhe para terminar, Sr. Deputado.

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O Sr. José Magalhães (PS): — Para nós, esta questão é essencial, Sr. Presidente, e diremos que não a

qualquer tentativa desse género.

Aplausos do PS.

O Sr. Jorge Costa (BE): — Só não chamam o CGI!

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para responder e encerrar o debate, o Sr. Deputado Paulo Rios de

Oliveira.

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, não percebi muito

bem que esclarecimento é que queria.

Se o Sr. Deputado tivesse feito o trabalho de casa, teria ido à procura dos factos que discutimos —

discutimos, não os criámos —, ouvindo a audição da Sr.ª Jornalista, em que, ao minuto 55, veja bem que até

sei de cor, é descrito, como foi aqui muito bem explicado pela Sr.ª Deputada do CDS, exatamente o que

aconteceu, qual foi a intromissão e o que é que recebeu da Direção de Informação. Esses factos estão relatados

nessa audição e não foram contraditados nem desmentidos.

O PSD, repito-lhe, não qualificou, não pediu a demissão, não disse que era bem feito ou mal feito, só

perguntou porquê.

Aplausos do PSD.

Protestos do Deputado do PS José Magalhães.

Sr. Deputado, não vale a pena matar o carteiro por não gostar da carta. Os factos são os factos. Nós só os

trouxemos a nu, porque os senhores os esconderam!

Aplausos do PSD.

O que se passa em relação à RTP é o seguinte: quando nós começámos a perguntar qual foi o critério para

suspender o programa — fosse qual fosse, nós respeitá-lo-íamos —, as respostas, à mesma pergunta, foram

quatro. Ou seja, a audição da Direção de Informação foi intelectualmente indigente, Sr. Deputado. O Sr.

Deputado estava lá!

O Sr. José Magalhães (PS): — Estava!

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Portanto, nós não aceitámos essas respostas e quisemos perceber

melhor. A partir daí, foi o desfolhar que se sabe. Foram eles com eles. Quem não aceitou aqueles

comportamentos foram os mais de 120 jornalistas da RTP, que, em plenário, acusaram a Direção de Informação

de deslealdade e de violação de deveres deontológicos. Também não foi o PSD. Aliás, nem ia referir isso aqui,

mas a verdade é que, quando me diz que não há nada a apontar, é uma questão de ler a imprensa.

Sr.ª Ministra, gostaria de dizer-lhe o seguinte: claro que não se espera do Governo que vá agora mudar o

Conselho de Administração, muito menos a Direção de Informação. Aquilo a que apelei foi que houvesse, pelo

menos, uma palavra de tranquilização…

O Sr. Jorge Costa (BE): — Ai era para isso o debate?!

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — …, uma palavra de apelo às melhores soluções, no sentido de a

RTP…

A Sr.ª Ministra da Cultura: — O PSD tem uma palavra de tranquilização?

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O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Claro que temos! Todos nós temos, Sr.ª Ministra!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço-lhe para concluir.

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Sr.ª Ministra, não se esqueça de uma coisa. A importância deste

debate para o PSD é muita, mas, para a Sr.ª Ministra, é pouca. Está aqui hoje arrastada por lei, senão, nem

sequer cá vinha!

Aplausos do PSD.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (Duarte Cordeiro): — Urgência política do

debate? Zero!

O Sr. Presidente: — Vamos passar ao segundo ponto da ordem do dia, com a discussão, na generalidade,

da Proposta de Lei n.º 179/XIII/4.ª (ALRAA) — Altera a Lei n.º 17/2014, de 10 de abril, que estabelece as bases

da política de ordenamento e de gestão do espaço marítimo nacional.

Tem a palavra, para abrir o debate, o Sr. Deputado João Azevedo Castro, do Grupo Parlamentar do PS.

O Sr. João Azevedo Castro (PS): — Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.as e Srs. Deputados:

Com a presente iniciativa, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, mediante proposta do

Governo Regional, suscita à Assembleia da República alteração à lei de ordenamento do espaço marítimo

nacional.

A iniciativa refere a necessidade de clarificação do conceito de «gestão partilhada», no respeito pela

Constituição da República Portuguesa e do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores,

aprovados nesta Casa.

Em traços gerais, esta iniciativa aborda a transferência, para as regiões autónomas, de competências quanto

ao espaço marítimo sob soberania ou jurisdição nacional adjacente aos respetivos arquipélagos; a participação

dos serviços da administração central competente no procedimento prévio dirigido à aprovação dos planos de

ordenamento e gestão do espaço marítimo; a constituição de procedimentos de codecisão, no âmbito da gestão

conjunta ou partilhada, entre a administração central e regional autónoma, quando esteja em causa o regime

económico e financeiro associado à utilização privativa dos fundos marinhos; e o licenciamento, no âmbito da

utilização privativa de bens do domínio público marítimo do Estado.

A iniciativa coloca o desafio de uma regulação integrada, considerando os tratados internacionais subscritos

por Portugal, abrangendo o território historicamente definido no continente europeu e os arquipélagos dos

Açores e da Madeira, com diferentes caraterísticas e especificidades socioeconómicas, ambientais, culturais e

paisagísticas — no respeito e em articulação com a Constituição da República Portuguesa, que confere às

regiões autónomas o poder de participar na definição das políticas respeitantes às águas territoriais, à zona

económica exclusiva e aos fundos marinhos contíguos; na articulação com a organização e o funcionamento

dos regimes autonómicos insulares dotados de estatuto político-administrativo e de órgãos de governo próprio,

salvaguardando a integridade e soberania do Estado, conferindo o exercício dos demais poderes, reconhecidos

ao Estado português, sobre as zonas marítimas sob soberania ou jurisdição nacional adjacentes ao arquipélago,

exercidos no quadro de uma gestão partilhada, e que se consideram respeitantes à Região.

O que se coloca a este Parlamento é o caminho de corroborar e aprofundar o regime autonómico regional,

potenciando a sua eficiência e especificidade. À semelhança das competências já exercidas no meio terrestre,

agora também há competências para o território marítimo.

Relembramos que a presente iniciativa foi aprovada por todos os partidos com assento parlamentar na

Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores e que corrobora, ainda, o Programa do XXII Governo

Constitucional, que se propõe concretizar uma maior intervenção das regiões autónomas em sede de gestão e

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exploração dos espaços marítimos respetivos, através da alteração da lei que estabelece as bases da política

de ordenamento e de gestão do espaço marítimo nacional.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O mar perspetiva uma nova fronteira socioeconómica à escala global,

assumindo-se como estratégico na definição de novos rumos, na criação de emprego e geração de riqueza,

num quadro de sustentabilidade ambiental. Importa, por isso, organizar e preparar a abordagem do seu

potencial.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de concluir.

O Sr. João Azevedo Castro (PS): — Concluo já, Sr. Presidente.

É neste contexto que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista acompanhará a presente iniciativa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Dias, do Grupo Parlamentar

do PCP.

O Sr. João Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para o PCP, o ordenamento e o planeamento do

espaço marítimo nacional são fundamentais para o desenvolvimento económico do País como um todo, devendo

corresponder às necessidades do País, não só na perspetiva do aproveitamento dos nossos recursos, mas

também no total respeito pelo meio ambiente e pela biodiversidade do fundo do mar e dos seus ecossistemas,

garantindo à população o usufruto da riqueza atual e futura desses recursos naturais na defesa dos interesses

públicos.

A proposta em discussão tem como principal objetivo o acréscimo das competências regionais face a atual

situação, no que respeita à gestão e ordenamento do espaço marítimo nacional na zona de influência das

Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores.

Nesse sentido, o PCP acompanha genericamente a proposta de lei da Assembleia Legislativa da Região

Autónoma dos Açores. Porém, não podemos deixar de registar algumas preocupações.

No que respeita ao licenciamento no âmbito da utilização privada de bens do domínio público marítimo,

alertamos para o risco de os interesses públicos virem a ser submetidos aos interesses privados. Até porque a

concessão a privados implica a capacidade de acompanhamento da exploração através da alocação de recursos

e de meios técnicos e científicos que as regiões, manifestamente, não têm.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

O Sr. João Dias (PCP): — É também preciso não esquecer que, em matéria de atividades económicas e

produtivas ligadas ao mar, não temos qualquer dúvida de que, com facilidade, se atingem incompatibilidades e

que o prejuízo resulta para quem há muito lá se encontra, como é o caso da pesca. A pesca resistiu quando os

governos «viraram as costas ao mar», mas agora há quem entenda que a pesca até está a mais! A pesca precisa

é de ser valorizada e apoiada e não de carrascos.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quanto à necessária fase de pesquisa e prospeção dos recursos geológicos

dos fundos oceânicos, sendo muito importante o seu conhecimento e identificação, entendemos que o Estado

deverá ter uma posição absolutamente determinante, não só pelo caráter estratégico e económico dos mesmos,

mas principalmente pela garantia da efetiva capacidade de assegurar a sua monitorização, proteção,

salvaguarda e vigilância, coisa que temos muitas reservas que as regiões autónomas sejam capazes de

assegurar face à carência técnica, material e humana com que se deparam.

Finalmente, poderá estar comprometida a vigilância e defesa das nossas águas, ou seja, do nosso mar,

mesmo até em questões de fiscalização e salvamento, que constituem claramente uma vertente que

consideramos muito sensível, porquanto representam o pleno exercício da soberania nacional, implicando uma

grande articulação, nos espaços marítimos sob jurisdição nacional, entre diferentes entidades e autoridades

que, para além de exercerem ações de vigilância e fiscalização no âmbito das respetivas atribuições e

competências, também cooperam entre si.

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O PCP entende a autonomia regional como um poder democrático, apto para fazer face às especificidades

das regiões autónomas, como um meio para promover o desenvolvimento, como um meio para diminuir as

assimetrias e garantir uma igualdade de condições de vida no contexto nacional, como um poder estruturante

que exige um elevado sentido de responsabilidade.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.

O Sr. João Dias (PCP): — Vou concluir, Sr. Presidente.

É nesse sentido que o PCP acompanha esta proposta da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos

Açores, deixando, por isso mesmo, estas preocupações às quais é preciso responder adequadamente.

Aplausos do PCP e do PEV.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Moniz, do Grupo

Parlamentar do PSD.

O Sr. Paulo Moniz (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O mar dos Açores está hoje para

Portugal como a riqueza da Índia esteve na época dos Descobrimentos.

O mar dos Açores é um dos maiores ativos que Portugal e a região possuem. Projeta Portugal no Atlântico,

acrescentando-lhe relevância e posição geostratégica de grande importância no contexto da Europa.

É também por isso que os açorianos têm que ter uma palavra decisiva no que ao mar e à sua gestão diz

respeito. Os Açores têm que ter um papel preponderante na gestão do mar e na exploração dos seus recursos.

A proposta de lei que aqui debatemos, aprovada por unanimidade no parlamento dos Açores, garante que

os órgãos de governo próprios da Região passarão a ter um papel mais decisivo na gestão do mar.

O PSD, como partido fundador das autonomias, e no rigoroso respeito pelas competências do Estado e das

regiões autónomas, não poderia ficar de fora da melhor solução para o País.

A lei atual não acautela devidamente as competências regionais, pois não atribui aos Açores um papel

relevante e ativo no que ao ordenamento e gestão do mar diz respeito.

O Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores é muito claro: os poderes do Estado em

relação às zonas marítimas sob jurisdição nacional adjacentes aos Açores são exercidos no quadro de uma

«gestão partilhada» com a Região.

A noção de «gestão partilhada» tem de passar pela consagração de procedimentos de tomada de decisão

em que existe uma verdadeira codecisão e uma garantia efetiva de que a posição regional é devidamente

acautelada.

Graças à sua localização geoestratégica, à extensa zona económica exclusiva que possui e ao conhecimento

científico que a sua universidade adquiriu, os Açores têm um contributo indispensável a dar ao País, em termos

de gestão e utilização sustentável do mar.

O Estado não pode dispensar a experiência e tradição marítimas dos Açores. Tomar decisões sobre a gestão

do mar, ignorando o saber dos Açores nesta área é contrário aos interesses de Portugal.

Esta proposta de alteração à lei do mar constitui ainda a resposta dos Açores à inação do Governo da

República do Partido Socialista.

Em 30 de abril de 2016, o Sr. Primeiro-Ministro visitou os Açores e assumiu o compromisso escrito com os

açorianos de rever a atual lei. Passaram-se mais de três anos e nada foi feito — zero!

Nesta como noutras matérias, o Governo da República finge que dá aos Açores e o Partido Socialista dos

Açores finge que aceita.

Mas, em boa hora, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores aprovou esta iniciativa que

aqui estamos a debater e vai acabar por fazer aquilo que o Governo da República manifestamente não teve

capacidade para fazer.

A proposta que altera a lei do mar merece o apoio do PSD, que votará favoravelmente, na generalidade, esta

iniciativa, da autoria dos legítimos representantes de todo o povo açoriano, para que seja trabalhada e

aperfeiçoada em sede de especialidade.

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Estou em condições de anunciar que, neste âmbito, o PSD proporá a criação de um grupo de trabalho que,

ouvindo todos os stakeholders, fará e encontrará a melhor solução para o País, que será também, naturalmente,

por essa via, a melhor solução para os Açores.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, tem a

palavra o Sr. Deputado Ricardo Vicente.

O Sr. Ricardo Vicente (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda considera que

a economia do mar é decisiva para o bem-estar das populações das Regiões Autónomas dos Açores e da

Madeira, assim como do País. A pesca, o turismo, a produção de energia renovável, os serviços de ecossistema

marinhos ou a exploração de metais raros são atividades atualmente possíveis de suportar pelos muitos recursos

endógenos já identificados. Estas possibilidades crescem com o alargamento da plataforma continental em

curso.

Todas as decisões a tomar têm inevitavelmente de considerar o momento de emergência climática que

vivemos e as necessidades de mitigação, assim como de adaptação dos territórios.

A subida dos níveis médios da água do mar, a crescente acidificação dos oceanos e o desenfreado

desenvolvimento de indústrias extractivistas destroem a biodiversidade marinha e delapidam as bases de

resiliência do sistema climático atual.

Para responder a estes desafios, precisamos de uma política pública para uma economia assente no

conhecimento, na investigação científica e no desenvolvimento tecnológico, com alicerces participativos e

democráticos que respondam aos interesses da população local e global e não aos grandes interesses

económicos de um punhado de multinacionais.

Por isso, os órgãos de governo próprio devem ter um papel ativo na gestão do espaço marítimo adjacente

aos arquipélagos dos Açores e da Madeira.

A alteração da Lei de Bases da Política de Ordenamento e de Gestão do Espaço Marítimo Nacional, que

discutimos hoje, proposta pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, tem, assim, toda a

pertinência, garantindo que as populações locais tenham maior capacidade de decisão e influência sobre o seu

território.

Trata-se de uma demonstração de descontentamento da população açoriana com esta Lei, que lesa os

Açores, colocando o arquipélago e a sua administração numa situação subalterna.

Relembramos que esta Lei, criada pelo Governo do PSD e do CDS, foi aprovada também pelo Partido

Socialista. Hoje, têm todos a hipótese de reconhecer o erro e de repor direitos democráticos das Regiões

Autónomas dos Açores e da Madeira.

Por motivos regimentais, hoje, estamos aqui a discutir apenas uma das propostas de lei aprovadas na

Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores. O Bloco de Esquerda fez aprovar uma proposta

alternativa nessa assembleia, que garantia um conjunto de salvaguardas ambientais, acabando com a situação

vigente que dá prioridade às atividades económicas mais rentáveis e que abre a porta à indústria extractivista

para exploração de minérios.

Por estes motivos, concordamos com as alterações propostas, mas consideramos que a proposta de lei deve

ser melhorada, em sede de especialidade.

Aplausos do BE.

Entretanto, assumiu a presidência o Vice-Presidente António Filipe.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Cristas, do CDS-PP.

A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Assembleia Legislativa da

Região Autónoma dos Açores enviou-nos uma proposta de lei que merece a nossa melhor atenção. E merece

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a nossa melhor atenção porque não se trata apenas de uma questão setorial de política para o mar, mas também

de uma questão de soberania.

A Região Autónoma dos Açores vem defender agora a mesma posição que já tinha defendido anteriormente,

quando foi aprovada a Lei de Bases da Política de Ordenamento e de Gestão do Espaço Marítimo Nacional,

nesta mesma Câmara.

Acontece que, na altura, esta Lei foi aprovada por uma maioria de mais de dois terços dos Deputados deste

Parlamento, onde esteve presente o PSD e o CDS — na altura fazendo parte do Governo — mas também o

Partido Socialista, num trabalho de grande cooperação e lealdade institucional, de resto desenvolvido pela Sr.ª

Deputada Ana Paula Vitorino.

Na altura, tiveram oportunidade de se pronunciar quer os Açores quer a Madeira. E enquanto que a Madeira

teve uma postura construtiva, os Açores manifestaram, desde o início, algum desconforto e apresentaram

propostas, umas aceites, outras não.

Acontece que esta Câmara não pode deixar de trabalhar senão no limite da nossa Constituição — é a ela

que deve respeito e é nesse quadro que tem de legislar.

A verdade é que, posteriormente, e na sequência de um decreto-lei de desenvolvimento da Lei de Bases, a

Região Autónoma dos Açores entendeu enviar para o Tribunal Constitucional um pedido de declaração de

inconstitucionalidade desse mesmo diploma que vinha na sequência da Lei de Bases que agora pretende alterar.

O Tribunal Constitucional pronunciou-se — e pronunciou-se dando razão a este Parlamento e não dando

razão à Região Autónoma dos Açores —, entendendo que aquilo que tinha sido decidido, e bem, por este

Parlamento estava conforme à Constituição.

O que temos agora? Temos a mesma Região Autónoma dos Açores, vencida pelo Tribunal Constitucional, a

ir por outro lado, pelo lado de alterar a legislação de base.

Acontece que estamos profundamente convictos de que só alterando a Constituição da República

Portuguesa será possível ir no sentido agora desejado pelos Açores. Reparem que, em estrito cumprimento da

Constituição, do dever de colaboração e também do Estatuto regional dos Açores existem na lei de bases várias

disposições que convocam a um trabalho partilhado e conjunto. Desde logo, o n.º 2 do artigo 8.º refere,

explicitamente, que os instrumentos de ordenamento do espaço marítimo nacional adjacentes aos arquipélagos

dos Açores e da Madeira podem ser elaborados pelos órgãos do Governo Regional.

O Sr. João Azevedo Castro (PS): — Podem!

A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Um pouco estranho e contraditório é que a Madeira tenha utilizado

essa faculdade para desenvolver o seu plano de ordenamento do espaço marítimo e os Açores tenham preferido

não o fazer. Acharam que era pouco e, então, optaram por não o fazer. É estranho que não usem as

competências que têm e queiram agora reclamar outras, em violação clara da Constituição.

Sr.as e Srs. Deputados, terminarei dizendo que não ficaria de bem com a minha consciência se não fizesse

esta intervenção para defender que esta Câmara tem toda a legitimidade para trabalhar no quadro de densificar

os conceitos da gestão conjunta e da gestão partilhada, mas, a menos que queira mudar a Constituição — e

pode fazê-lo, pois estamos em tempo de revisão ordinária da Constituição —, não pode dar seguimento a esta

proposta tal como ela vem apresentada pela Região Autónoma dos Açores.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Concluirei, dizendo que, numa leitura puramente racional, temos de

afirmar que esta proposta viola a Constituição, ofende as decisões — não uma, mas várias — do Tribunal

Constitucional e, na minha opinião, é grave porque, a prazo, pode pôr em causa a unidade do nosso País.

Aplausos do CDS-PP e de Deputados do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado André

Ventura.

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O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Queria apenas dar nota de duas

importantes presenças e, também, de dois importantes pontos em relação a esta lei, sem dúvida sobre uma

matéria fundamental e decisiva, como a do reforço do papel que a Região Autónoma dos Açores tem de ter na

definição e exploração dos seus próprios recursos.

Ora, uma das primeiras grandes soluções que nos é apresentada é, imagine-se — como se já ninguém o

esperasse! —, a criação de um novo órgão. O mesmo de sempre: mais burocracia, mais lugares, mais pessoas.

Agora, falamos de um conselho de concertação. A ver vamos como vai funcionar, quem são e como estão

definidas as suas novas competências. Mas o caminho é sempre o mesmo, o de mais burocracia.

Por outro lado, é uma lei que dá à Região Autónoma dos Açores mais recursos e mais competências de

fiscalização, mas não lhes dá os recursos de que precisam. Conforme o Sr. Deputado do PCP referiu, e bem,

trata-se de dar competências com uma mão para, depois, não dar os recursos de que precisam para as exercer,

pelo que trata-se de uma lei que é um desrespeito para com os Açores e para com os açorianos relativamente

àquilo que precisam fazer. É como dizer: «Façam, mas não digam como; exerçam, mas não tenham pessoas

para exercer nem dinheiro para o conseguir fazer.»

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado, queira concluir.

O Sr. André Ventura (CH): — Vou terminar, Sr. Presidente.

O Chega não poderia deixar de dar nota de uma flagrante violação da Constituição no que se refere às

competências de gestão do ordenamento, de gestão do espaço marítimo e que pode colocar em causa não só

a unidade nacional como o próprio espírito de soberania nacional. Por isso mesmo — e vou terminar, Sr.

Presidente —, o Chega envidará todos os esforços para, juntamente com outros Deputados, recorrer ao Tribunal

Constitucional se for aprovada esta proposta legislativa.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Concluímos, assim, o debate sobre esta proposta de lei…

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, porque tenho tempo atribuído neste debate e desejo

intervir.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sim, mas o Sr. Deputado não se tinha inscrito. Convém que os Srs.

Deputados se inscrevam com antecedência. Mas, evidentemente, dou-lhe a palavra.

Tem, pois, a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Muito obrigado pela compreensão, Sr. Presidente. Serei rápido.

Srs. Deputados, a Iniciativa Liberal irá votar favoravelmente esta proposta de lei por dois conjuntos de

motivos. Um primeiro conjunto, formal, prende-se com a conformidade, ou neste caso com a falta dela, da

legislação vigente com o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, porque não nos

parece lícito que o Estado incorra no que pode ser considerado um abuso de poder ao legislar por decreto,

restringindo direitos estabelecidos em lei de valor reforçado, como neste caso. Um segundo conjunto de razões,

porventura mais importantes, prende-se com a perspetiva liberal de aversão a tudo o que possa ser visto como

demasiado centralista ou representando uma concentração excessiva de poder.

Ao restringir os direitos das regiões autónomas ao nível das decisões conjuntas ou partilhadas relativas à

política de ordenamento do mar e ao eliminá-los, na prática, no caso da emissão dos títulos de utilização privativa

dos direitos marítimos, o Estado central está a querer guardar para si poderes que podem e devem ser

delegados, com óbvia vantagem, às regiões em causa.

Diga-se, por último, e para que não restem dúvidas, que esta nossa posição, defendendo uma maior

delegação de poderes às regiões, também significa uma exigência correspondente, a de que as Regiões

Autónomas sejam escrutinadas e responsabilizadas pela utilização que fizerem desses poderes.

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O Sr. Presidente (António Filipe): — Agora, sim, concluímos o debate da Proposta de Lei n.º 179/XIV/4.ª,

que será submetida a votação no momento oportuno.

Passamos ao ponto seguinte da ordem de trabalhos, que consta da apreciação das Petições n.os 452/XIII/3.ª

(Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios e Telecomunicações) — Reversão da privatização dos CTT

— Correios de Portugal e 611/XIII/4.ª (Rogério da Costa Pereira e outros) — Solicitam o desenvolvimento das

diligências necessárias ao imprescindível e urgente processo de participação qualificada do Estado português

no capital social dos CTT — Correios de Portugal, juntamente com, na generalidade, os Projetos de Lei n.os

70/XIV/1.ª (PCP) — Estabelece o regime de recuperação do controlo público dos CTT e 84/XIV/1.ª (BE) —

Estabelece o regime para a nacionalização dos CTT e com os Projetos de Resolução n.os 30/XIV/1.ª (PEV) —

Reversão da privatização dos CTT e 108/XIV/1.ª (PS) — Recomenda ao Governo que salvaguarde a qualidade

do serviço público postal universal.

Para apresentar o projeto de lei do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Pela parte do Grupo Parlamentar do

PCP, a primeira referência neste debate é para os trabalhadores dos CTT, para as suas organizações

representativas, para os mais de 13 000 cidadãos que subscreveram estas petições em defesa do controlo

público dos Correios.

Saudamos aqueles que não desistem de lutar, saudamos a jornada de luta convocada para amanhã, em

defesa dos direitos dos trabalhadores, e saudamos as muitas lutas que têm sido realizadas pelos trabalhadores,

utentes e populações em defesa dos Correios, do serviço público de qualidade, de proximidade e de confiança

— não ao serviço do lucro e dos grupos económicos, mas ao serviço do povo e do País.

Neste debate das petições em apreciação, a primeira das quais apresentada pelo SNTCT (Sindicato Nacional

dos Trabalhadores dos Correios e Telecomunicações), quisemos agendar o Projeto de Lei n.º 70/XIV/1.ª (PCP),

que estabelece o regime de recuperação do controlo público dos CTT, porque a realidade aí está, todos os dias,

a demonstrar e a confirmar que é essa a solução cada vez mais urgente para os gritantes problemas e ameaças

que se colocam em relação à empresa e ao serviço público postal.

Cada ano, cada mês, cada semana que vai passando significa o agravamento destes problemas e das

condições do País para os enfrentar e resolver. Na semana passada, no debate em Plenário com o Primeiro-

Ministro, o meu camarada Deputado Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral do PCP, confrontou o Governo com

a situação insustentável dos CTT, os prejuízos para as populações e a incontornável necessidade de reverter

aquela privatização criminosa. Na resposta ao PCP, o Primeiro-Ministro remeteu para depois as decisões sobre

o contrato de concessão do serviço postal, que termina neste próximo ano. É a pior abordagem que se pode

fazer.

Mais uma vez, reafirmamos: o problema não é a concessão, é a privatização. O Governo PS passou a

Legislatura anterior a fugir a esta questão. A Assembleia da República, para tentar justificar o seu voto contra

as resoluções que propunham a renacionalização acabou por aprovar uma resolução, oriunda do próprio PS,

que recomendou ao Governo que promovesse a criação de um grupo informal, que, entre outras coisas,

ponderasse as consequências resultantes da conclusão do contrato de concessão. Mas esse relatório nunca foi

feito e muito menos tornado público, discutido publicamente ou apresentado à Assembleia da República.

Perante uma das dificuldades invocadas pelo Governo e pelo PS para a retoma do controlo público sobre os

CTT, uma suposta oposição da União Europeia, o PCP colocou a questão da renacionalização dos CTT no

Parlamento Europeu e obteve a confirmação por escrito de que a legislação europeia não impede tal processo.

Estamos disponíveis para viabilizar outras iniciativas que visem, de facto, contribuir para a defesa desta

proposta de recuperação dos CTT para a gestão pública. O que não aceitamos é a aprovação de textos que

sirvam apenas para manobras de diversão, para branquear responsabilidades ou defraudar as populações, os

utentes e os trabalhadores dos CTT, e isso é o que faz o projeto apresentado pelo PS.

Não se pode continuar a empurrar os problemas e a adiar as respostas. É preciso agir. A recuperação dos

CTT para o controlo público é um imperativo nacional, de soberania, de coesão territorial e de justiça social, e

tal deve acontecer antes do fim da concessão do serviço público postal aos CTT, sendo, por isso, urgente que

se inicie o processo. É esse o propósito desta iniciativa legislativa do PCP.

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Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para apresentar o projeto de lei do Bloco de Esquerda, tem a palavra a

Sr.ª Deputada Isabel Pires.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas: Em primeiro lugar, o Grupo

Parlamentar do Bloco de Esquerda saúda os milhares de pessoas que se mobilizaram e continuam a mobilizar-

se em torno da defesa do serviço público postal em Portugal, especialmente trabalhadores e organizações

representativas dos trabalhadores, que amanhã estarão novamente numa jornada de luta, e os utentes que

tanta manifestação têm feito relativamente a esta matéria.

Os CTT foram, até 2012, uma empresa pública prestadora do serviço universal de comunicações em todo o

território, com altos níveis de qualidade e representando um elemento fundamental de coesão territorial. Entre

2005 e 2012, os CTT realizaram mais de 500 milhões de euros em lucro para o Estado, sendo considerados um

dos cinco melhores serviços postais da Europa.

Chegados a 2013/2014, com o Governo da troica, PSD e CDS, vendeu-se a empresa a privados e, a partir

daí, começaram os problemas. Portugal tornou-se o quarto país da União Europeia em que o serviço postal

universal é totalmente privado, depois de Holanda, Malta e Reino Unido e, em cinco anos, o serviço postal piorou

radicalmente. Até novembro de 2018, segundo a ANACOM, encerraram 69 estações de Correios, em 33

concelhos, prevendo-se que o número de concelhos com estações encerradas subisse para 48, o que significa

que mais de 411 000 habitantes ficarão sem uma estação de Correios.

Tudo aponta para que as estações que se manterão abertas sejam apenas as que incluem o Banco CTT, e

assim se faz um banco comercial privado em instalações dos Correios, com trabalhadores dos Correios, com

custos de funcionamento pagos pelos CTT, num inaudito processo de vampirização promovido pelo Governo.

O total de reclamações aumentou 122%, sendo originadas por atrasos, extravios, falhas de distribuição e

mau atendimento. São muitas as situações em que tem havido uma clara violação do contrato de concessão,

que termina a 31 de dezembro de 2020, o que, do nosso ponto de vista, impõe uma atitude por parte do Estado,

a de tomar novamente à sua responsabilidade o grupo CTT.

Destruiu-se uma empresa pública de excelência, que obtinha lucro, por uma escolha política com prejuízos

para o Estado. Destruiu-se uma importante rede de contacto para milhares de portugueses e portuguesas,

destruiu-se património, conhecimento e bom serviço público, para dar mais dividendos ao privado. No meio de

tudo isto, o pior que se fez foi mesmo a privatização, e esta opção tem de ser urgentemente revertida. Temo-lo

dito vezes sem conta e temos apresentado projetos nesse sentido.

O controlo público de empresas fundamentais como esta não é um fait-divers, é mesmo uma necessidade

para garantir o acesso a serviços que se querem públicos, universais e de qualidade.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, está na hora de ter coragem para avançar para a nacionalização dos

CTT, para responder às populações e para reaver um ativo importantíssimo para o Estado, para a coesão

territorial, para o serviço público, neste momento, sem meias medidas nem textos ambíguos.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para apresentar o projeto de resolução do PEV, o Sr.

Deputado José Luís Ferreira.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Apesar da seriedade com que o

assunto deve ser encarado, o que se passou com os CTT pode ser relatado como quem conta uma história.

Uma história estranha e triste, é certo, mas que, ainda assim, pode começar com o clássico «Era uma vez…».

E assim vai ser!

Era uma vez uma empresa pública que prestava um serviço público de altíssima qualidade — facto, aliás,

também reconhecido no plano internacional —, que respeitava os seus trabalhadores e que todos os anos

contribuía com importantes receitas para os cofres do Estado.

Assim foi durante décadas, até que um Governo, do PSD e do CDS, vá-se lá saber porquê — ou, se calhar,

até sabemos —, decidiu entregar esta importante empresa aos privados. Ora, esta decisão, como, aliás, já todos

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sabíamos, inclusivamente os responsáveis pela sua privatização, está a ter consequências muito negativas tanto

para o Estado como para as populações e como, ainda, para os próprios trabalhadores dos CTT.

De facto, com a decisão de privatizar os CTT, o PSD e o CDS privaram o Estado de importantes receitas,

tão necessárias para dar resposta às políticas sociais. Ao fim destes anos, o Estado já perdeu centenas de

milhões de euros em dividendos e o País deixou de ter um serviço de correios público, fiável e seguro. Os

cidadãos ficaram, assim, sujeitos à constante degradação de um dos mais importantes bens de interesse

público, os correios, que são um serviço fundamental para as populações, para o desenvolvimento do País e

para a coesão territorial, desde logo porque contribuem para atenuar desequilíbrios sociais e económicos.

A verdade é que, após estes seis anos de privatização, é hoje perfeitamente notória a crescente fragilização

e descaracterização dos serviços de correio: encerraram centenas de estações e de postos de correio; foram

vendidos os edifícios; foram despedidos trabalhadores; os vínculos precários aumentaram; aumentaram os

percursos de cada giro de distribuição, assim como os tempos de espera para atendimento; há falta de dinheiro

disponível nas estações para pagamento de pensões e de outras prestações sociais; registam-se atrasos, que

já chegam a duas semanas, na entrega de vales postais; as situações em que o correio deixou de ser distribuído

diariamente generalizou-se.

Em resumo, a privatização trouxe menos qualidade, menos estações de correios, menos distribuição, menos

receitas para o Estado, delapidação de património, mais encargos para as pessoas e os trabalhadores viram as

suas condições de trabalho sofrer um substancial retrocesso.

Face a este cenário, é tempo de repensar não o contrato de concessão, aliás descaradamente incumprido,

porque isso não resolverá rigorosamente nada, mas a própria propriedade dos CTT, porque só desta forma será

possível colocar um final ou ter o interesse público no final desta história.

Por isso, Os Verdes propõem alterar o rumo desta história, trazendo de novo os CTT para a esfera pública,

tal como é, aliás, reclamado pelas duas petições que também estamos a discutir e cujos milhares de

peticionantes aproveito, em nome de Os Verdes, para saudar. O que Os Verdes propõem é colocar o interesse

público no final desta história triste.

Aplausos do PEV e de Deputados do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem, agora, a palavra, para apresentar o projeto de resolução do PS,

o Sr. Deputado Ricardo Leão.

O Sr. Ricardo Leão (PS): — Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje,

estamos a debater um conjunto de diplomas sobre os CTT, da autoria do PS, do Bloco de Esquerda, do PCP e

de Os Verdes, bem como duas petições, que obtiveram mais de 13 500 assinaturas. Desde já, saudamos os

peticionários, a quem agradecemos a presença nas galerias.

Como tudo na vida, este processo teve um passado, tem um presente e terá um futuro. O passado foi da

exclusiva responsabilidade do então Governo do PSD/CDS, que desenhou, elaborou e concretizou este modelo

de concessão a privados dos CTT, entregando responsabilidades públicas a privados de forma imponderada e

lesiva para os interesses do País e dos portugueses.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

Com este contrato de concessão, passámos a assistir a uma preocupante degradação do serviço prestado,

ao encerramento de estações por todo o País, com concelhos onde, atualmente, não existe uma única estação

de correios, bem como a uma degradação na distribuição postal, com uma preocupante diminuição de

funcionários, com sérias consequências no atraso da respetiva distribuição postal.

Foi este o passado que herdámos, da responsabilidade do PSD e do CDS,…

Protestos do Deputado do PSD Jorge Paulo Oliveira.

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… com que no presente temos atuado, levando à apresentação de um conjunto de iniciativas e de esforços

quer do Governo do PS, quer da própria ANACOM, entidade reguladora, no sentido de inverter este estado de

degradação, que já levou a que o novo Presidente dos CTT garantisse que não iria encerrar mais estações e

que nenhum concelho do País ficaria sem estação dos correios.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Até agora, nada!

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — E assim continuam!

O Sr. Ricardo Leão (PS): — É com este presente que o Grupo Parlamentar do PS e o Governo encaram e

têm trabalhado o futuro, terminando o atual contrato de concessão só em dezembro do próximo ano.

Aplausos do PS.

É ainda necessário aguardar e conhecer os resultados da auditoria realizada pela Inspeção-Geral de

Finanças e da recente consulta pública, levada a cabo por solicitação do atual Governo à ANACOM, que foi

lançada de forma a recolher contributos do setor e da sociedade em geral e que importa, antes de tudo,

conhecer.

Por isso, o Grupo Parlamentar do PS, de forma clara e objetiva, considera necessária uma preparação

cuidada do novo enquadramento legal e regulatório, que permita assegurar a continuação de um serviço postal

de qualidade e que dê resposta às necessidades do País. Com este projeto de resolução do PS, estamos

convictos de que o Governo, do PS, irá definir os critérios de avaliação do serviço público universal a ter em

conta para a análise e recolha do modelo a implementar em 2021, sempre com três constantes preocupantes.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Ricardo Leão (PS): — Vou terminar, Sr. Presidente.

São elas a garantia da continuidade e qualidade do serviço, os interesses do País e dos portugueses, bem

como os mais de 6000 trabalhadores afetos atualmente ao serviço postal.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Mas a nacionalização está de fora!

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem mesmo de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Ricardo Leão (PS): — Para terminar, Sr. Presidente, rapidamente, queria ainda dizer que o PS olha

para o futuro com determinação, sem medos e sem rodeios, sem portas fechadas e com todas as soluções em

aberto, mas com uma clara certeza: a da importância e da responsabilidade de decisão, porque, para decisões

irresponsáveis e levianas, já bastaram as que foram tomadas pelo PSD e pelo CDS, que nos levaram ao estado

em que hoje estamos.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

Aplausos do PS.

Risos do PSD.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — A resposta a isso é fácil: nacionalizar!

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Jorge

Mendes, do PSD.

O Sr. Jorge Salgueiro Mendes (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PSD regista as iniciativas

do Bloco de Esquerda sobre a nacionalização dos CTT e também as do PCP e de Os Verdes, que voltam a

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apresentar, a exemplo de na Legislatura anterior, em moldes idênticos ou de forma mitigada, iniciativas para o

controlo do capital dos CTT pelo Estado, no seguimento de duas petições que deram entrada na Assembleia da

República, que aproveito para saudar pela elevada participação cívica.

O PSD, fiel ao seu passado e às responsabilidades na governação do País, estará sempre disponível para

debater este tema, sem receios nem rodeios,…

O Sr. Adão Silva (PSD): — Muito bem!

O Sr. Jorge Salgueiro Mendes (PSD): — … porque não está amarrado a posições dogmáticas nem

extremistas, sob o pretexto do proclamado interesse público, que não é monopólio das esquerdas.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Muito bem!

O Sr. Jorge Salgueiro Mendes (PSD): — Assim sendo, queria deixar algumas reflexões.

Em primeiro lugar, o serviço público universal, historicamente prestado pelos CTT, públicos até 2013 e agora

privados, tem de ser prestado pelo Estado ou pode ser prestado pelo grupo privado CTT.

Em segundo lugar, a empresa CTT é a concessionária da prestação do serviço postal universal até final de

2020. Então, porquê e para quê as iniciativas das esquerdas neste momento, quando a ANACOM está a iniciar

a avaliação da concessão, que dizíamos rigorosa, para decisões do futuro?

O Sr. Adão Silva (PSD): — Muito bem!

Protestos do Deputado do PEV José Luís Ferreira.

O Sr. Jorge Salgueiro Mendes (PSD): — Sr.as e Srs. Deputados, o que está em causa não é a qualidade

dos serviços prestados pelos CTT, com a pretensa degradação dos mesmos, após a privatização que a

ANACOM tem supervisionado, inclusive impondo regras mais apertadas, são sobretudo questões ideológicas

sobre propriedade dos meios de produção: tudo público para a esquerda,…

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Se é um serviço público, tem de ser público!

O Sr. Jorge Salgueiro Mendes (PSD): — … que não perdoa a ousadia da privatização no cumprimento dos

objetivos e das medidas inscritas no Programa de Assistência Económica e Financeira e, antes, nos famosos

PEC assinados pelo Partido Socialista.

Vozes do PSD: — Muito bem! Bem lembrado!

O Sr. Jorge Salgueiro Mendes (PSD): — O que está em causa nas iniciativas em discussão não é o fim da

atual concessão gerida pelos CTT antes do final de 2020, porque as esquerdas estiveram quatro anos no

Governo e nada aconteceu acerca da reversão da privatização!

Vozes do PSD: — É verdade! Bem lembrado!

O Sr. Jorge Salgueiro Mendes (PSD): — Foi só retórica, Sr.as e Srs. Deputados!

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Tivessem aprovado as nossas propostas!

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Tivessem votado a favor!

O Sr. Jorge Salgueiro Mendes (PSD): — É neste contexto ambivalente que podemos e devemos encontrar

justificação também para o projeto de resolução do Partido Socialista apresentado recentemente. O projeto de

resolução do PS é, acima de tudo, uma resposta política oportunista quanto ao timing e à substância…

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O Sr. Adão Silva (PSD): — Muito bem!

O Sr. Jorge Salgueiro Mendes (PSD): — … e visa preparar tão-só a orientação do voto em resposta às

iniciativas das esquerdas, a quem o PS acalenta esperança, por conveniência política, da reversão da

privatização.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Jorge Salgueiro Mendes (PSD): — Em 2020, Sr.as e Srs. Deputados, quando o Governo considerar

que chegou o momento, quando o Governo disser «agora é que vai ser», o PSD cá estará, onde sempre esteve:

na defesa de Portugal e dos portugueses!

Aplausos do PSD.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Vamos ver isso agora!

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Cristina Rodrigues, do PAN, para uma

intervenção.

A Sr.ª Cristina Rodrigues (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em 2020, celebram-se 500 anos

da carta régia que institucionalizou os correios em Portugal. Independentemente da discussão que hoje estamos

a fazer, penso que é da opinião de todos que os Correios de Portugal fazem parte da história do nosso País e,

mesmo num contexto de digitalização da economia, continuam a ser um elemento fundamental na vida de todos

nós. Contudo, em 2020, terminará o atual contrato de concessão do serviço universal postal, uma questão

determinante para a vida dos cidadãos.

Relembre-se que a privatização dos CTT decorreu do Memorando de Entendimento com a troica, negociado

com o PS, o PSD e o CDS-PP,…

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Não é verdade!

A Sr.ª Cristina Rodrigues (PAN): — … tendo sido a privatização total da empresa, em 2014, uma opção

política do então Governo.

Este modelo, invulgar na União Europeia, tem tido resultados negativos em Portugal. Ainda que os resultados

da auditoria ao funcionamento do serviço postal universal, requerida em 2017 à Inspeção-Geral de Finanças,

não sejam conhecidos pela Assembleia da República, há dados que demonstram que a degradação dos serviços

é clara.

Vejamos dois dados sintomáticos desta realidade: em maio deste ano, a ANACOM reduziu os preços dos

CTT por incumprimento dos indicadores de qualidade de serviço no ano de 2018, sublinhando que foi o terceiro

ano consecutivo em que houve falhas nas metas de qualidade do serviço por parte da empresa; no final do mês

passado, a Associação Nacional de Municípios Portugueses alertou para que, nos últimos anos, foram extintas

estações de Correios em perto de 50 concelhos do nosso País.

Estes problemas nos CTT e no serviço postal universal são, em grande medida, justificados por uma opção

dos gestores privados, que têm procurado maximizar o seu lucro, o que se traduz na diminuição do número de

trabalhadores, na secundarização dos serviços de distribuição postal e no isolamento das populações do interior

do País.

Estes dados demonstram que este experimentalismo com os CTT falhou. Por isso mesmo, em nome do

interesse público, da qualidade do serviço postal universal e da garantia dos direitos dos cidadãos, é urgente

que o Governo clarifique, sem rodeios, a sua posição sobre o tema que hoje discutimos e que não deixe esta

decisão estruturante para a 25.ª hora.

O PAN defende a manutenção da atual estrutura dos CTT, mas deve ser assegurada uma participação

determinante do Estado no seu capital social, de modo a garantir uma gestão que assegure a qualidade do

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serviço e a salvaguarda do interesse dos cidadãos. A operacionalização desta participação deve, de forma

responsável, garantir a sustentabilidade financeira e evitar custos demasiado elevados para o País.

Sublinhamos que, num momento tão próximo do fim do contrato de concessão, importa dizer aos portugueses

e às portuguesas qual o modelo a implementar a partir de 2021.

O desconhecimento nesta matéria é algo que é, no mínimo, preocupante.

Aplausos do PAN.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem, agora, a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Meireles, do CDS-PP,

para uma intervenção.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Queria, em primeiro lugar,

cumprimentar os muitos peticionários que fizeram aqui chegar as suas reivindicações e também os partidos que

apresentaram projetos.

Gostaria de distinguir duas questões que, muitas vezes, neste Plenário, têm sido tratadas em conjunto, mas

que, do ponto de vista do CDS, são distintas. A primeira questão, que é séria e muito pertinente, tem a ver com

a degradação da qualidade dos serviços dos CTT, que muitos cidadãos têm vindo a sentir. Esta questão é muito

séria, sim! Devemos debatê-la e ela tem de ser resolvida.

A segunda questão, diferente desta, é a da propriedade dos CTT. E, embora muitos queiram dizer que o

problema da falta de qualidade dos CTT tem que ver com o facto de a sua propriedade ser privada e não pública,

gostaria de lembrar a qualidade dos serviços dos CTT antes de a propriedade ser privada.

Se a ideia que querem passar é a de que o funcionamento era perfeito, lamento dizer-vos que todos nós

somos portugueses e clientes dos CTT.

Protestos do BE e do PEV.

Se a ideia que querem passar é a de que todos os serviços públicos garantem qualidade, se calhar terei de

lembrar, por exemplo, o que se passa com a Caixa Geral de Depósitos, com os balcões da Caixa Geral de

Depósitos ou com as comissões cobradas pela Caixa Geral de Depósitos.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Exatamente!

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Isso, vindo do CDS, não vale muita coisa!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Aí, os Srs. Deputados assobiam para o alto, já não estão preocupados

com a propriedade e já não é a propriedade o problema!

O problema, neste caso, é a qualidade do serviço e não a propriedade do serviço.

Protestos da Deputada do BE Isabel Pires e do Deputado do PEV José Luís Ferreira.

Portanto, em relação a todas as iniciativas que demonstram preocupação com a qualidade do serviço e que

propõem medidas para tal — e, no caso, há uma do PS —, naturalmente temos toda a abertura. Quanto a todos

aqueles que acham que tudo o que é privado é mau e que o que é público é bom, lamento, mas a realidade

desmente-vos e não damos para esse peditório.

Aplausos do CDS-PP.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Os serviços universais têm de ser públicos!

O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, concluímos este debate. As iniciativas que estiveram

em discussão serão votadas oportunamente.

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Vamos passar ao quarto ponto da ordem do dia, que consta da apreciação da Petição n.º 545/XIII/4.ª (Luís

Miguel Machado Figueiredo e outros) — Solicitam a abertura de um inquérito parlamentar sobre a utilização dos

apoios prestados às vítimas dos incêndios de Pedrógão Grande.

A Mesa aguarda inscrições dos Srs. Deputados para intervirem. Caso não existam, passaremos ao próximo

ponto.

Pausa.

Já há uma primeira inscrição, mas a Mesa continua a aguardar mais inscrições.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Dias, do PCP.

O Sr. João Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, quero cumprimentar os mais de

12 000 peticionários que assinaram esta petição, na qual é pedido que seja aberto um inquérito parlamentar

relativamente aos apoios concedidos à reconstrução das habitações ardidas nos trágicos incêndios de

Pedrógão.

Não bastando terem sido vítimas de quatro décadas de política de direita dos Governos PS, PSD e CDS,

que se traduziram em défices estruturais bem visíveis na redução da área agrícola, nos sucessivos

encerramentos de serviços públicos e na crescente desertificação do mundo rural, desta vez foram vítimas dos

mais trágicos incêndios que atingiram o nosso País.

O PCP entende que, em relação à matéria em questão, devem ser investigadas e apuradas todas as

eventuais irregularidades. Não pactuamos com ilegalidades e defendemos a verdade e o esclarecimento, porém,

as questões de justiça devem ser tratadas pela justiça. Para nós, à justiça o que é da justiça.

Deve, portanto, a Assembleia da República assumir a sua competência de exigir ao Governo que preste

contas do que foi feito para reparar os prejuízos e refazer, no possível, a vida dos atingidos por esta tragédia.

Essas pessoas são vítimas, e é esse o estatuto que têm de ter. Não contribuiremos para lançar sobre quem viu

os seus bens desaparecer de um dia para o outro a desconfiança de que são todos suspeitos ou até corruptos.

É preciso dizer também, como temos dito, que a opção do Governo de não reconstruir as casas de segunda

habitação foi um erro para as pessoas, para a região e para o País.

Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, mais de dois anos após os brutais incêndios que consumiram

milhares de hectares, não só no concelho de Pedrógão Grande, como também em seis concelhos vizinhos,

provocando a destruição de floresta, culturas, produções agrícolas e pecuárias, empresas e equipamentos

públicos, não esquecendo também os grandes impactos na biodiversidade, incêndios que afetaram de forma

particular centenas de habitações e que, infelizmente, também provocaram a morte e ferimentos a dezenas de

pessoas, afirmamos que o balanço não é positivo.

A burocracia, os atrasos e os cortes nos merecidos apoios conduziram a que muitas vítimas tenham ficado

por indemnizar. Muitas famílias esperam pela reparação das habitações, muitos agricultores que perderam o

potencial produtivo ainda não o recuperaram e, entretanto, a proliferação do eucalipto, a partir da sua

regeneração natural, está completamente descontrolada e sem resposta. Entendemos que é também tempo de

avaliar o que foi feito no plano da prevenção de incêndios e da política florestal. A verdade é que, apesar das

sucessivas chamadas de atenção por parte do PCP, a opção foi a de legislar à pressa e de anunciar milhões

que nunca se concretizaram.

O PCP esteve sempre ao lado das vítimas e da população, que clamam por medidas. Foi o PCP que esteve

na origem da lei do apoio às vítimas…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Por acaso não foi!

O Sr. João Dias (PCP): — … e que apresentou, no debate dos Orçamentos do Estado para 2018 e para

2019, propostas para garantir essas medidas.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. João Dias (PCP): — Concluo, Sr. Presidente.

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O PCP não deixará, seja no quadro institucional, seja no quadro da sua ação política, de exigir medidas

concretas para dar resposta aos problemas que persistem.

Aplausos do PCP e do PEV.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra o Sr. Deputado João Marques, do PSD, para uma

intervenção.

O Sr. João Gomes Marques (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por cumprimentar

os milhares de peticionários, agradecendo-lhes por trazerem ao debate esta relevante matéria, que urge ser

cabalmente esclarecida.

Em junho de 2017, a região de Pedrógão Grande, a minha terra natal, sofreu uma das maiores catástrofes

ocorridas em território nacional: um enorme incêndio florestal, que, por razões várias, como a falta de meios

humanos e de combate, a falta de limpeza de estradas e aceiros, as falhas do SIRESP (Sistema Integrado das

Redes de Emergência e Segurança de Portugal) e as condições climatéricas adversas, dizimou a sua principal

riqueza natural e a principal fonte de rendimento das populações ali residentes, a floresta, deixando em ruínas

centenas de habitações, infraestruturas agropecuárias e empresas e ceifando as vidas de muitos desses

residentes, espalhando o luto, a tristeza e muito sofrimento.

Assistiu-se a um movimento de solidariedade, protagonizado pelo povo português, jamais visto, mas

sabemos que nem tudo correu bem. Sabemos que, por falta de organização na distribuição desses apoios, por

incapacidade e incompetência do poder local e do Governo, se verificaram situações absolutamente

inaceitáveis, com benefícios financeiros e materiais distribuídos aleatória e indevidamente e reconstruções de

casas e ruínas abandonadas e inabitadas há longos anos.

As populações mais não fizeram do que solicitar socorro e ajuda para refazer as suas vidas, correspondendo

às instruções das autarquias e dos serviços regionais do Estado no sentido de que declarassem todos, mas

todos, os bens móveis e imóveis que tivessem ardido ou sido de alguma forma afetados pelo fogo. Foi

exatamente isso que fizeram. E, se fizeram mal, não foi por sua iniciativa, pois desconheciam as regras e os

regulamentos vigentes.

A responsabilidade por esta situação cabe por inteiro à inépcia do poder local e ao Governo, que, surdo e

mudo, deliberada e lamentavelmente, se absteve de intervir, como seria sua obrigação. Resta-nos confiar nas

investigações, que continuam a decorrer sob a égide do Ministério Público, e esperar que se faça justiça, por

forma a recuperar-se o bom nome daquelas populações e a confiança dos portugueses.

Contudo, e embora reconhecendo o avançar das investigações judiciais, que aguardamos com serenidade,

concordamos que o Parlamento deverá cumprir as suas obrigações de fiscalização, pelo que deixamos algumas

interrogações ao Governo.

Primeira: quando e como ressarcir as pequenas empresas de construção que, com o cancelamento de muitas

obras, não receberam os montantes correspondentes ao trabalho já realizado? São a sua viabilidade e os postos

de trabalho que estão em causa.

Segunda: como pretendem o Governo resolver e recuperar os montantes aplicados em obras irregulares ou

ilegais, em que se venha a verificar judicialmente que os proprietários não foram responsáveis?

Terceira: pretende o Governo intervir e orientar a aplicação dos fundos doados, ainda na posse do REVITA,

das câmaras e das instituições que atuaram no terreno? Deverão ou não ser investidos, naquela região, em

equipamentos sociais que apoiem as populações e promovam o emprego e o desenvolvimento económico?

Pretende promover a reconstrução das pequenas explorações agrícolas e pecuárias familiares que ainda não

foram apoiadas, porque os seus proprietários não estavam — nem tinham de estar — coletados e declarados

como agricultores?

Deixamos uma última palavra de apreço e reconhecimento às instituições de solidariedade, às fundações,

às empresas, às associações de cidadãos, às pessoas individuais e voluntárias que, no terreno, tudo fizeram

para minimizar o sofrimento daquela população mártir.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra o Sr. Deputado João Almeida para uma intervenção.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar,

naturalmente, quero cumprimentar os mais de 4000 peticionários de uma petição que nunca deveria ter de

existir.

Estão em causa três questões essenciais, e as três são graves.

A primeira diz respeito à incapacidade do Estado de atender a quem sofreu, a quem continua a sofrer e a

quem acrescenta ao sofrimento a incompreensão pela forma como o Estado lidou com esta situação.

Em segundo lugar, está em causa a própria conceção do Estado como pessoa de bem, de um Estado que

tem de ser transparente e rigoroso na utilização de recursos públicos.

Em terceiro lugar, está em causa algo ainda mais perigoso: a frustração da solidariedade nacional, que, numa

circunstância como esta, numa circunstância trágica, se une para apoiar aqueles que mais sofreram e fica na

dúvida sobre se esses apoios foram efetivamente canalizados para quem mais precisava.

Portanto, são três questões em relação às quais uma democracia não pode viver em dúvida.

Uma democracia tem de ter mecanismos próprios e suficientes para esclarecer que o Estado, quando lida

com uma tragédia, é suficientemente justo e eficaz a fazê-lo.

Em segundo lugar, não pode haver dúvidas de que o Estado é pessoa de bem e de que, portanto, não há a

menor hipótese de ter beneficiado quem não merecia esse benefício e de não ter atendido a quem tinha toda a

razão para ter a sua pretensão atendida.

Em terceiro lugar, numa democracia, não podemos viver bem com uma onda de solidariedade que, a

acontecer um próximo evento — que esperemos que nunca aconteça —, corre o risco de ser muito menor,

porque as pessoas não acreditam que aquilo que estão a dar chegue efetivamente a quem precisa.

Trata-se de uma degradação profunda da confiança no Estado democrático, e só há uma maneira de a

resolver: esclarecendo tudo o que está em causa. Sabemos que há já um processo judicial a correr, o qual deve

ter a sua independência e todas as condições para fazer o apuramento de factos e responsabilidades. Sabemos

que o Tribunal de Contas já se pronunciou exatamente no sentido de todas as questões que levantámos.

Não se compreenderia que a Assembleia da República, com os instrumentos que tem, não fizesse o

apuramento das responsabilidades políticas, até porque este é um processo atípico, que teve, do ponto de vista

político, uma série de responsabilidades que não correspondem meramente a processo administrativo, mas a

decisões políticas tomadas por responsáveis, os quais, obviamente, devem ser escrutinados.

Assim sendo, no CDS, entendemos que o mecanismo que temos à nossa disposição é, efetivamente, o

requerido pelos peticionários, ou seja, o inquérito parlamentar, e estamos disponíveis para aquela que achamos

ser a única resposta possível a esta petição: um consenso deste Parlamento na concretização deste inquérito

parlamentar.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra o Sr. Deputado Santinho Pacheco para uma intervenção.

O Sr. Santinho Pacheco (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Petição n.º 545/XIII/4.ª, subscrita

por mais de 4000 cidadãos, tendo como primeiro subscritor Luís Miguel Machado Figueiredo, que saudamos

respeitosamente, solicita a abertura de um inquérito parlamentar sobre a utilização dos apoios prestados às

vítimas dos incêndios de Pedrógão Grande.

A petição está datada — Setembro de 2018. Era o tempo da divulgação, em revistas e num canal de televisão,

dos resultados de investigações jornalísticas que punham em causa a seriedade do processo de apoio e

assistência às vítimas dos grandes incêndios de junho de 2017 e o programa de reconstrução de habitações.

Entretanto, tudo acalmou. Deixou de ser notícia.

Na anterior Legislatura e no âmbito das atividades, atribuições e competências da Comissão de Agricultura

e Mar, a temática dos incêndios florestais e rurais esteve sempre presente. Pedrógão, e mais tarde toda a região

Centro, foram demasiado graves e por isso nos mobilizaram a todos.

Na resposta à tragédia, o Governo esteve à altura das exigências do momento. Não vale a pena negar as

evidências.

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Também os Deputados da Assembleia da República visitaram as zonas de catástrofe em março de 2018,

reuniram com autarcas, dialogaram com as populações. Em audições sucessivas foram ouvidos membros do

Governo, técnicos, comissões, associações de vítimas. Procurou-se esclarecer a denúncia pública da

comunicação social de casos de uso fraudulento de dinheiros públicos e de donativos, de ilegalidades no

processo de reconstrução de habitações.

O Governo investiu no território atingido pelo fogo de Pedrógão dezenas de milhões de euros, na recuperação

de infraestruturas, de empresas, de residências.

Em outubro de 2018, já depois da apresentação desta petição, o Fundo REVITA revelou que, das 259 casas

de primeira habitação para reconstrução, só sete iriam ser reavaliadas pelos municípios — 3% do total. Não vale

a pena tentar generalizar aquilo que terá sido uma exceção naquele território.

A Sr.ª Elza Pais (PS): — Muito bem!

O Sr. Santinho Pacheco (PS): — Os Deputados da Assembleia da República não permaneceram em

silêncio perante as suspeitas. Prova de que houve muita mistificação, à mistura com a verdade dos factos, é a

conclusão de um dos responsáveis do Fundo REVITA de que àquela estrutura nunca tinha chegado, até àquela

altura, a denúncia de nenhum facto ilícito sobre a reconstrução de habitações.

A Sr.ª Elza Pais (PS): — Muito bem!

O Sr. Santinho Pacheco (PS): — Isto é muito significativo.

Apelar aos Deputados para a abertura de um inquérito parlamentar para apurar responsáveis políticos e

legais é uma saída simplista para um caso sob investigação judicial.

A Sr.ª Elza Pais (PS): — Muito bem!

O Sr. Santinho Pacheco (PS): — Ver nos inquéritos parlamentares a resposta a todo o tipo de frustração é

muito redutor.

O Ministério Público e a Polícia Judiciária são as entidades competentes para essa tarefa de investigação.

Banalizar as comissões parlamentares de inquérito é um mau serviço que esta Assembleia da República presta

a si própria enquanto órgão de soberania.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Filipe

Soares.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, creio que muito do que havia a dizer

sobre este tema já foi dito nas intervenções anteriores e por isso serei absolutamente sintético.

Em primeiro lugar, quero saudar os peticionários que trouxeram este debate ao Parlamento e colocar em

cima da mesa a nossa solidariedade para com toda uma região que foi confrontada com um dos maiores flagelos

que vivemos nos últimos anos.

Foi um flagelo que levou a uma perda de dezenas de vidas e que nos confrontou a todos, como sociedade,

primeiramente com a necessidade de responder, enquanto País, para que este flagelo nunca mais se repita,

assim como a perda de vidas humanas em fogos rurais, para além da exigência de que tivessem havido

consequências daquilo que aconteceu.

Este clamor nacional e a solidariedade nacional que se gerou foi depois boicotada, aparentemente, por um

aproveitamento indevido. Se isso aconteceu é absolutamente condenável, porque o nosso povo, sendo um povo

solidário nos momentos de tragédias, não pode ver essa solidariedade minada em nome de interesses pessoais,

nem pode ver destruída a confiança que depositou nessa solidariedade. Se não estamos a minar aquilo que nos

une enquanto sociedade. Creio que esta condenação é generalizada em todos os grupos parlamentares nesta

Assembleia da República.

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Agora, aquilo que os peticionários nos exigem é algo que nós não podemos dar. Se podemos condenar

politicamente qualquer aproveitamento que tenha existido, se podemos exigir que a solidariedade não seja em

vão e que ela seja respeitada como um ato nobre do nosso povo, não nos podemos substituir às instâncias

judiciais e elas estão a investigar aquilo que aconteceu.

Por isso, da parte do Bloco de Esquerda, termino, Sr. Presidente, dizendo que a nossa solidariedade é para

com toda aquela região e para com todos familiares e vítimas dos fogos que chegaram a Pedrógão Grande, à

região Centro, e que, meses depois, atingiram também uma parte considerável do País, e é nossa exigência

singela que rapidamente a justiça chegue a bom porto para garantirmos, de uma vez por todas, que se houve

alguém que brincou com a solidariedade do nosso País, ele seja condenado, ou que se acabe com uma

suspeição que mina a confiança que todos temos uns nos outros.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Inês de Sousa

Real.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Gostaria de começar por saudar

os peticionários que trouxeram hoje esta iniciativa e também lamentar, uma vez mais, esta profunda tragédia

que atingiu o nosso País, que atingiu pessoas e os seus pertences, animais e a própria floresta.

Portanto, quanto mais não seja, a memória daquilo que aconteceu deve convocar-nos — ainda que possa

não ser para dar resposta imediata àquilo que é solicitado pelos peticionários — para continuarmos a fazer um

esforço para trabalhar em conjunto, para implementar medidas e ferramentas que, por um lado, evitem que esta

tragédia volte a acontecer e, por outro, para que seja apurada toda a verdade em relação àquilo que foi depois

o destino de uma onda de solidariedade que mobilizou todo o País. Temos de perceber, não só em sede judicial

mas também em sede administrativa e em sede política, o que podemos fazer não só para se evitar esta

suspeição mas também para melhorar a gestão e o ordenamento do território como capacidade de resposta

perante este tipo de catástrofes.

Resta-nos, por isso, reforçar aquilo que é o nosso compromisso nesta sede e agradecer uma vez mais terem

trazido aqui, hoje, esta lamentável preocupação, na medida em que é um episódio que todos nós gostaríamos

de não ter de recordar, pese embora o tempo que já passou.

Muito obrigada, uma vez mais, aos peticionários.

Aplausos do PAN.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Concluímos, assim, o debate da Petição n.º 545/XIII/4.ª e vamos passar,

então, ao próximo ponto da ordem de trabalhos, que consiste na apreciação da Petição n.º 586/XIII/4.ª (Sílvia

Maria dos Ramos Alves Sequeira e outros) — Solicitam a adoção de medidas de defesa da Reserva Natural do

Sado, em conjunto com os Projetos de Resolução n.os 14/XIV/1.ª (PEV) — Sobre as dragagens no estuário do

Sado, 33/XIV/1.ª (PAN) — Recomenda ao Governo que revogue a autorização concedida à Administração do

Porto de Setúbal para avançar com as dragagens no Sado e 46/XIV/1.ª (BE) — Recomenda a suspensão das

dragagens no Porto de Setúbal.

Para apresentar o projeto de resolução do PEV, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As minhas primeiras palavras são

para, em nome de Os Verdes, saudar os milhares de cidadãos que subscreveram a petição que agora estamos

a discutir, reclamando a adoção de medidas de defesa da Reserva Natural do Sado, exigências que, de resto,

Os Verdes subscrevem, porque, como sabemos, as dragagens previstas no estuário do Sado destinam-se à

introdução de elementos e atividades que hoje não existem no estuário.

E se é verdade que não é a primeira vez que se fazem dragagens no estuário do Sado, também é verdade

que é a primeira vez que se pretende fazer dragagens tão profundas e com a dimensão prevista. Não estranha,

por isso, que a preocupação com os impactos de uma intervenção desta natureza no estuário do Sado tenha

sido manifestada por muitos cidadãos, movimentos, associações, autarquias e também pelo Partido Ecologista

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«Os Verdes», uma vez que pode estar em causa a riqueza da biodiversidade que o estuário encerra e,

designadamente, a comunidade residente de golfinhos, que pode ser afetada pelo ruído provocado pelas

dragagens.

Por outro lado, a contestação dos pescadores tradicionais fez-se também ouvir, uma vez que a sua atividade

pode ser posta em causa quando a zona de deposição dos dragados interfere claramente com a área onde há

mais atividade piscatória, o que demonstra que, efetivamente, o projeto da Administração dos Portos de Setúbal

e de Sesimbra (APSS) não teve em conta o conjunto dos interesses e valores a preservar, nem ambientais, nem

sociais.

Para além disso, o estudo de impacte ambiental realizado, apesar de favorável, aponta, contudo, um conjunto

de impactos bastante significativos no estuário do Sado, designadamente ameaça a estabilidade de algumas

espécies, com risco de poluição decorrente da circulação de navios, tem impacto sobre as areias das praias da

Arrábida, com sedimentos eventualmente contaminados.

Acresce ainda que foi encomendado pelo Estado português um estudo a uma equipa de biólogos da

Universidade de Aveiro que propôs a classificação ecológica de quatro zonas para proteger fauna relevante.

Sucede que, dessas quatro zonas, duas ficaram de fora: Sado e costa de Setúbal. Curiosamente, as duas que

colidem com o projeto das dragagens do estuário do Sado. Ao que parece, uma parte desse estudo foi

completamente ignorado, de modo a que, conforme desconfiança que legitimamente se pode levantar, não se

colocassem obstáculos decorrentes de uma classificação ecológica às referidas dragagens.

Ora, face a tudo o que foi referido, Os Verdes, procurando ir ao encontro das preocupações e propósitos dos

peticionantes, apresentam a uma iniciativa legislativa com vista à suspensão do processo relativo às dragagens

do Sado, da responsabilidade da Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra, e a promoção de um amplo

debate público, com informação atualizada, designadamente sobre défices de estudo, processos de

classificação não concretizados e relacionamento com as partes interessadas.

Aplausos do PEV.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem agora a palavra, para apresentar o projeto de resolução do PAN,

a Sr.ª Deputada Cristina Rodrigues.

A Sr.ª Cristina Rodrigues (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começamos por agradecer a

todas as pessoas que assinaram esta petição, às que estão aqui hoje nas galerias e àquelas que estão lá fora

a manifestar-se e que têm feito tudo para que o rio Sado não seja vítima de mais um crime ambiental.

Depois de tantas chamadas de atenção para este tema, depois de várias iniciativas nacionais do PAN e da

denúncia deste caso à Comissão Europeia, parece inacreditável que tenhamos de voltar a ele.

A movimentação de quase 7 milhões de m3 de areia afeta — reconhece o próprio estudo de impacte

ambiental — negativamente a qualidade da água. Acresce que algumas das zonas de dragagens estão

contaminadas com diversos metais pesados, além de pesticidas e hidrocarbonetos.

Em relação à qualidade do ar, o Estudo de Impacte Ambiental (EIA) admite o aumento das emissões de

poluentes, evidenciando riscos para a saúde da população residente, seja pela exposição aos contaminantes

através da ingestão de alimentos provenientes do estuário ou pela simples inalação da poluição. Ou seja, vende-

se a esta população a ideia do crescimento económico omitindo-se que o mesmo ocorrerá à custa da sua saúde.

Relativamente à biodiversidade, o Estudo de Impacte Ambiental assume elevadas taxas de mortalidade em

várias comunidades estuarinas, reconhecendo perigo para a única comunidade de golfinhos roazes em Portugal

e uma das três últimas existentes na Europa.

Há uma reconhecida necessidade de redução de emissões de gases com efeitos de estufa e de captura de

carbono, pelo que seria de se preservar um dos principais sumidouros de carbono, que são as pradarias

marinhas no estuário do sado. Infelizmente, tal não está a acontecer.

A localização destas dragagens é na imediação da Reserva Natural do Estuário do Sado e do Parque Marinho

Prof. Luiz Saldanha, zonas protegidas pelas Diretivas Aves e Habitats. A própria área a intervencionar encontra-

se dentro do plano de extensão da proteção do estuário do Sado, que se encontra em fase de aprovação há

sete anos!

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Perante todos estes dados, como podemos confiar na Agência Portuguesa do Ambiente, cuja inércia e

pareceres similares parecem revelar uma permanente parcialidade? Este projeto foi alvo de avaliação de

impacte ambiental com parecer favorável condicionado, apesar de apresentar inúmeras lacunas, medidas

mitigadoras insuficientes, não terem sido tomadas em conta as alterações climáticas e terem sido ignoradas as

opiniões de especialistas ligados a este ecossistema. Mas alguém acredita que só 7% das avaliações de impacte

ambiental mereçam parecer desfavorável?

Aplausos da Deputada do PAN Inês de Sousa Real.

Por isso, não vale a pena o Governo dizer que o projeto cumpre todos os requisitos legais e que a Agência

Portuguesa do Ambiente é um verdadeiro exemplo de competência. Esta declaração de impacte ambiental, em

particular, reconhece que o fator determinante da sua avaliação é a economia, o que é particularmente perverso

na medida em que o objetivo é avaliar o impacte ambiental. É por isto que o PAN defende a retirada das

considerações económicas destes estudos.

Sr.as e Srs. Deputados, sem qualidade de água, alimentos e ar, sem qualidade de vida do que nos rodeia,

não há como falar numa economia sustentável, especialmente quando os recursos de todos são usados e

abusados para benefício de apenas alguns.

Não vale a pena afirmar ao mundo que estamos na vanguarda das políticas ambientais quando, depois, se

apoia este tipo de projetos, com impactos significativos para o ambiente e para as pessoas, defendendo

interesses que são exclusivos da APSS, uma vez que, na região, as atividades piscatória e turística têm mais

impacto na economia local do que o aumento da capacidade do porto, já que se prevê a criação de 60 postos

de trabalho. Mas quantos postos de trabalho se perderão?!

É por isso de estranhar que a Câmara Municipal de Setúbal o apoie. Pelos vistos, o capitalismo, às vezes,

também pode ser verde.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Cristina Rodrigues (PAN): — O rio Sado, as populações que dele e nele vivem não são dos Srs.

Deputados, não são do Governo nem da APSS. O Sado é de todos nós e a todos nós cabe defendê-lo.

Aplausos do PAN.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para apresentar o projeto de resolução do BE, tem a palavra a Sr.ª

Deputada Sandra Cunha.

A Sr.ª Sandra Cunha (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quero começar por saudar os

peticionários, as associações ambientais, as cooperativas de pescadores, de operadores turísticos, a população,

os cidadãos e cidadãs de Setúbal, que têm sido absolutamente incansáveis na defesa do estuário do Sado.

O que é que está aqui em causa? Está em causa um projeto da Administração dos Portos de Setúbal e

Sesimbra de dragagem do rio Sado para aumentar a acessibilidade do porto de Setúbal e permitir a receção de

navios de maior dimensão.

Mas olhemos para os factos: durante 7 anos, uma equipa de biólogos contratada pelo próprio Governo

estudou as zonas marinhas na costa portuguesa com o objetivo de identificar quais deveriam ser classificadas

como Rede Natura 2000 e merecedoras de proteção especial. Das quatro zonas propostas para integrar esta

rede, as duas que colidiam de forma evidente com o projeto de dragagens do Porto de Setúbal saíram de repente

e inexplicavelmente de cima da mesa.

Não existem provas de que esta intervenção não provoque um desastre ambiental de consequências

devastadoras na área da reserva natural do Sado. Existem, sim, pelo contrário, inúmeras evidências de como

um projeto de dragagens desta envergadura é um desastre ambiental e social, a nível local e nacional, não só

pela destruição do ecossistema daquela zona, que, para além de tudo o que já foi dito hoje, é um local de

nidificação para cerca de 220 espécies de aves e que acolhe uma população de golfinhos, os roazes corvineiros,

que é a única população residente de cetáceos em Portugal que utiliza um estuário como área de alimentação

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e reprodução. Mas esta área afetada quer pelas dragagens, quer pelas deposições das areias, depois, serve

ainda de maternidade para várias espécies de peixes e outras espécies marinhas.

As preocupações da população de Setúbal, das associações ambientais, dos pescadores, dos operadores

turísticos são mais do que justificadas. As dragagens colocam em causa não apenas o ecossistema do estuário

do Sado mas, óbvia e consequentemente, todo o ecossistema global e também as atividades turísticas,

económicas e tradicionais, e colocam em causa o objetivo de diminuição das emissões de CO2 numa altura em

que todos aqui, bem como todo o País, já falaram da necessidade do combate às alterações climáticas. Este

projeto tem tudo aquilo que é de mau.

Para terminar, os trabalhos de dragagens começaram ao arrepio das providências cautelares em curso e ao

arrepio da transparência democrática. A consulta e a discussão pública foram uma farsa e mesmo com a

perspetiva deste debate, que já estava agendado para acontecer hoje, as dragas começaram a laborar. Não nos

admiramos. Sabemos que a decisão do Governo estava tomada mesmo antes de estudos de viabilidade ou de

impacte ambiental, aliás, à semelhança do que aconteceu com outros projetos também no distrito de Setúbal,

como, por exemplo, o aeroporto do Montijo.

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Muito bem! Bem lembrado!

A Sr.ª Sandra Cunha (BE): — Isto só prova que o discurso ambiental do Governo salta pela janela assim

que entram pela porta os lucros das multinacionais.

Mas o Governo ainda vai a tempo de arrepiar caminho, de ouvir as populações e de suspender as dragagens

do rio Sado.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Ainda neste ponto, está inscrito para intervir o Sr. Deputado André

Pinotes Batista, do PS. Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, antes de mais, começo por

saudar todos os partidos que apresentaram iniciativas e, em particular, os peticionários.

A melhoria dos acessos marítimos ao Porto de Setúbal é estratégica do ponto de vista da competitividade

portuária e do ponto de vista económico, pelo emprego, pelas exportações e pelo papel que nelas tem, mas

também é sensível do ponto de vista ambiental. O Grupo Parlamentar do Partido Socialista respeita esta

dimensão e aponta também para um aspeto que raras vezes é referido: é que a modernização deste porto

permitirá que passemos a receber navios diferentes, navios mais amigos do ambiente, navios que transportam

mais carga e, desta forma, geram menos dano para o ambiente.

Vozes do PS: — Muito bem!

Risos do BE.

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — Reconhecemos a importância do tema, mas recusamos um debate

entre os bons e os maus, os criminosos e os inocentes.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — O Partido Socialista tem uma posição clara e o nosso grupo

parlamentar respeita a declaração de impacte ambiental. Respeitamo-la porque ouvimos muitas entidades, já

que no período de consulta pública todos nela puderam participar, mas defendemos também uma intervenção

com compromisso ambiental.

Queria aqui deixar bem claro que, ao contrário do projeto megalómano que o Governo de Passos Coelho

nos quis deixar, com 6,5 milhões de m3, aquilo que o Partido Socialista fará, o que está no concurso, é apenas

a fase A: 3,5 milhões de m3. Não mintam às pessoas, temos de discutir com rigor.

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Aplausos do PS.

Diria, então, que o Partido Socialista — e dizemo-lo olhos nos olhos não só aos setubalenses mas também

ao todo nacional, porque este é um porto com dinâmica nacional — não vê motivo para a suspensão destas

dragagens. Não vemos porque todos os preceitos legais foram cumpridos, não vemos porque hoje existem mais

estudos, mais conhecimento e mais informação do que havia anteriormente. Mas isso não aconteceu por acaso,

aconteceu por responsabilidade do Governo e das entidades desconcentradas do Estado.

Porquê, Srs. Deputados? Porque investimos 2 milhões de euros em estudos sobre sedimentos e sobre

hidrodinâmica e também em estudos arqueológicos. Aliás, gostaria de dizer que esta operação é acompanhada

em permanência por uma equipa de arqueólogos, mas também é acompanhada semanalmente por uma equipa

de cientistas, que estão a monitorizar os impactos que ali possa haver.

Permitam-me, Srs. Deputados, que faça uma consideração. Relativamente à CDU não vale a pena ser muito

extenso em palavras porque já percebemos que o PEV é a favor da suspensão e que o PCP autárquico é a

favor das dragagens. Amanhã ficaremos a saber a quem é que a CDU vai tirar o tapete.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Isso é hipocrisia!

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — Amanhã saberemos por quem é que votará o PCP: se pela posição

da autarquia, se pela posição do PEV.

Aplausos do PS.

Seguindo, para aquilo que me parece essencial, Sr. Deputado Nuno Carvalho, não sei se esta fotografia lhe

diz alguma coisa.

Neste momento, foi exibido um recorte de jornal com uma fotografia.

Não sei se se reconhece nesta imagem de quando foi com o Primeiro-Ministro Passos Coelho ver as

potencialidades que este investimento tinha.

O Sr. José Magalhães (PS): — Ah!

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — Sabe, Sr. Deputado, nós estranhamos muito a posição do PSD.

Levados por uma maré de populismo, talvez das redes sociais, deixaram levar a vossa coerência pela preia-

mar.

Perguntamos o seguinte, Sr. Deputado: é possível que, em 2013, estivessem a exigir no PETI 3+ (Plano

Estratégico de Transportes e Infraestruturas) o dobro daquilo que pedem hoje que não se concretize? Isto é, o

Sr. Deputado tem mesmo coragem de vir aqui dizer que não quer que aconteça hoje metade do que exigia no

passado?

Aplausos do PS.

Srs. Deputados, finalizo dizendo que estivemos no terreno e tivemos oportunidade de falar com muitos dos

pescadores. Como nos disse o tio João da Cunha, queria dizer-vos, com toda a franqueza, que o Sado é muito

importante, o Sado é muito resiliente e como o Governo está a fazer as coisas bem assim continuará: importante,

resiliente e belo. Este é o compromisso do Partido Socialista.

Estamos a fazer bem e, por fazer bem, o Sado continuará a ter um porto.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Carvalho,

do PSD.

O Sr. Nuno Miguel Carvalho (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, antes de mais, quero apresentar um

cumprimento muito especial aos peticionários e, naturalmente, a todas as pessoas que têm estado do lado do

que é um ponto fundamental, ou seja, do esclarecimento de que precisamos.

A bancada do Partido Socialista está tão preocupada com o esclarecimento que se esqueceu de esclarecer,

de falar do Sado, e falou mais do Partido Social Democrata. Isto é muito curioso porque é uma posição

tipicamente socialista.

Protestos da Deputada do PS Ana Catarina Mendonça Mendes.

Mas vou começar por explicar qual é a fonte do problema. A fonte do problema chama-se consulta pública.

Uma decisão política, como a que os senhores estão a tomar, tem regras e a consulta pública tem regras, Srs.

Deputados.

O Sr. Luís Moreira Testa (PS): — Ai é?!

O Sr. Nuno Miguel Carvalho (PSD): — Essas regras implicam o quê? Implicam uma coisa muito simples:

por exemplo, o município de Setúbal foi consultado diretamente, mas o município de Grândola não. O rio tem

duas margens, sabiam?!

As juntas de freguesia de Setúbal foram consultadas. São Sebastião foi consultada, a união das freguesias

de Setúbal foi consultada mas — pasme-se! — a freguesia do Sado, que tem o mesmo nome, não foi consultada.

Rio Sado, freguesia do Sado!

E os pescadores de que falam foram consultados?

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — Foram consultados, foram!

O Sr. Nuno Miguel Carvalho (PSD): — Mas o Turismo da Arrábida foi. O Turismo foi consultado? Não foi,

mas a Sociedade de Observação de Aves foi consultada.

Srs. Deputados, falharam na consulta pública e têm um problema: os senhores não sabem assumir erros e,

como não os sabem assumir, nunca os corrigem.

Mas vou dizer-vos que se não corrigirem este erro não sabem o dano que podem causar ao rio Sado.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Nuno Miguel Carvalho (PSD): — O que falta neste discurso é uma solução para o rio Sado; o que

falta neste discurso é uma solução para o problema que os senhores estão a criar; o que falta neste discurso é

uma solução para colmatar as falhas na consulta pública.

Pode falar no meu nome, mas fale mais no rio Sado. Pode falar no PSD, mas fale mais do rio Sado. Pode

falar em Setúbal, sim, fale em Setúbal e fale daquilo que Setúbal pode ter no turismo e na pesca mas garanta

que o Porto de Setúbal pode coexistir no concelho de Setúbal com a pesca e com o turismo. Para isso, os

senhores do Partido Socialista não têm solução.

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — Mas é para suspender ou não é para suspender?!

O Sr. Nuno Miguel Carvalho (PSD): — Para isso, meus senhores, então, temos de suspender esta obra e

esclarecer o que foi a consulta pública. Temos de esclarecer e colmatar as falhas que os senhores tiveram na

consulta pública.

Vou dizer mais: os senhores lembram-se sempre de Passos Coelho. Os senhores tiveram algum coma

político antes de Passos Coelho? Antes de Passos Coelho já não se lembram de nada?

Srs. Deputados, agora quem governa são os senhores e há mais tempo do que Passos Coelho governou!

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O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — É verdade!

O Sr. Nuno Miguel Carvalho (PSD): — Os senhores são do Partido Socialista. É típica a vossa posição: eu

governo, a culpa é dos outros; eu faço, a culpa é dos outros.

Sr. Deputado André Pinotes, assuma as posições e vamos tratar do Sado. Pense menos no PSD, pense

mais no País, pense mais em Setúbal, pense mais no rio Sado.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — E sobre as dragagens não diz nada?

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Santos.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É indiscutível a riqueza do património

natural da Reserva Natural do Estuário do Sado, ao qual se associa o património histórico e cultural e a sua

indissociável relação com as comunidades humanas.

A defesa do Sado não é possível sem a valorização do setor da pesca, do desenvolvimento da atividade

turística e de outras atividades económicas, assim como do usufruto pelas populações destas riquezas naturais,

aspetos que consideramos centrais para a melhoria da qualidade de vida e bem-estar.

A propósito do projeto de melhoria das acessibilidades marítimas ao Porto de Setúbal gerou-se um amplo

debate no concelho de Setúbal e na comunidade, com opiniões diversas e muitas vezes contraditórias.

Temos exigido do Governo e da Administração do Porto os esclarecimentos sobre o projeto e os seus

objetivos, o escrupuloso cumprimento de todas as medidas de mitigação e compensação previstas, que se

encontrem alternativas à deposição dos dragados na restinga e se preste informação pública regular.

Aliás, a única entidade que apontou críticas, no âmbito da discussão pública, foi a Câmara Municipal de

Setúbal…

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Bem lembrado!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — … que lamentavelmente não foram devidamente consideradas pelas

entidades da administração central, nem pelo Governo, que é quem tem a responsabilidade de gerir os portos

nacionais. Caso contrário, muitas das preocupações que hoje se colocam tinham sido ultrapassadas,

nomeadamente no que se refere à deposição dos dragados, à comunidade de golfinhos, ao ruído ou ao

desassoreamento das praias da Arrábida.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Permita-me, Sr. Presidente, dizer, relativamente à intervenção do Sr.

Deputado André Pinotes, que, em vez de estar preocupado em atacar o PCP e a sua intervenção, devia estar,

sim, mais preocupado em que o Governo cumprisse com o que tem sido exigido, nomeadamente pelas

organizações da pesca.

Aplausos do PCP.

Essas questões foram colocadas pela Câmara Municipal de Setúbal, mas o Governo não deu qualquer

resposta no âmbito do processo de discussão pública.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

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A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Por proposta da CDU, a Assembleia Municipal de Setúbal criou uma comissão

eventual para o acompanhamento do projeto que tem procurado, de forma serena e ativa, aprofundar o

conhecimento sobre os problemas que as dragagens colocam e fiscalizar as formas de mitigação assumidas.

Rejeitamos abordar esta matéria numa lógica simplista de sim ou não, dado que a realidade é bem mais

complexa do que isso. E para que não fiquem dúvidas, o PCP não se opõe à realização de dragagens em

abstrato nem se opõe ao desenvolvimento. Mas, contrariamente ao que parece ser a posição assumida, pelo

menos pelo Sr. Deputado André Pinotes, queremos desenvolvimento, respeitando o ambiente, salvaguardando

o Sado.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — Nós também!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Não queremos um desenvolvimento de qualquer maneira, sem dar

cumprimento àquilo que é exigido, nomeadamente pela autarquia.

Aplausos do PCP.

O que é preciso é promover uma maior participação das entidades e das comunidades locais na procura de

soluções e adotarem-se as medidas que permitam resolver os problemas concretos.

Os problemas do estuário do Sado estão longe de se restringir à realização de dragagens. Por isso, o PCP

apresentou um projeto de resolução em defesa do estuário do Sado, que foi ontem discutido em comissão e que

será votado amanhã no Plenário.

Nesse projeto propomos o reforço de meios humanos e materiais, a valorização dos recursos naturais, a

proteção dos golfinhos, a monitorização das massas de água e a eliminação dos focos de poluição e que, no

âmbito do projeto, seja garantido o cumprimento das medidas de mitigação e de compensação, de salvaguarda

dos valores naturais e ambientais e que seja encontrada uma solução para a deposição dos dragados alternativa

à restinga, como exigem as comunidades piscatórias.

Defendemos o desenvolvimento da atividade portuária na região, com a ampliação e qualificação do porto,

com a atividade histórica da cidade, articulada com o desenvolvimento portuário no resto do País, e entendemos

que é fundamental compatibilizar esse desenvolvimento com o desenvolvimento de outras atividades

económicas tradicionais, como a pesca, e com a proteção e conservação da natureza e da biodiversidade.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — A Mesa foi informada que o CDS cedeu um minuto ao PSD, que só

dispunha de 19 segundos.

Assim, dou a palavra ao Sr. Deputado Nuno Carvalho, para uma segunda intervenção.

O Sr. Nuno Miguel Carvalho (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sobre a questão que foi mencionada,

do bom e do mau, eu até diria que, no discurso do Partido Socialista, parece que há um bom, um mau e um

vilão, porque, quando passa pelo Governo, tudo o que o PSD faça é sempre o vilão. Mas não é, Sr. Deputado.

Não é!

A questão está aqui muito presente, pois trata-se de defender, ou não, o setor turístico e de defender, ou

não, a pesca, não se trata apenas e só de defender a questão ambiental.

O Sr. Deputado, quando faz referência aos pescadores, não tem a perceção, não tem a capacidade de dizer

que os pescadores estão sempre com o desenvolvimento do concelho de Setúbal e do concelho de Grândola;

não tem a capacidade de dizer e de afirmar que esta obra, da forma como está pensada, vai colocar em causa

mais 300 postos de trabalho dos pescadores; não tem a capacidade de dizer que esta obra, falando de questões

económicas e pelas suas palavras, coloca em causa a economia da região, que não é só à volta do Porto de

Setúbal.

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De facto, o Sr. Deputado não tem essa capacidade porque, na prática, não conhece o problema. E não o

conhece porque não quer, porque há bem mais de um ano que podia ter dado os esclarecimentos à população,

porque há bem mais de um ano que a população o exige.

Portanto, Sr. Deputado, aconselho-o a que possa esclarecer as pessoas, a que possa esclarecer a sociedade

civil, a que possa esclarecer as empresas, a que possa esclarecer os pescadores e não fale em nome deles

sem saber o que eles estão a pedir.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Agora é o Partido Socialista que beneficia de um minuto cedido pelo

CDS. Portanto, dou a palavra ao Sr. Deputado André Pinotes Batista.

O Sr. André Pinotes Batista (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: De forma muito sintética, Sr.

Deputado, quero dizer-lhe que na sua primeira intervenção falou tanto do PSD que se esqueceu de falar de

Setúbal e teve de voltar a terreiro.

Sr. Deputado, deixe-me só chamar-lhe a atenção, novamente, para este facto incontornável: o Sr. Deputado

há não muitos anos defendia o dobro do que agora vai ser feito e vem, hoje, dizer-nos que falamos pelas

pessoas?! Não, Sr. Deputado, nós falamos pelos compromissos que assumimos, que são compromissos

realistas, que defendem a comunidade piscatória, que defendem o setor do turismo, mas também defendem os

empresários e o setor portuário.

Sr. Deputado, quero terminar dizendo-lhe o seguinte: o Sr. Deputado pode ter todas as contradições do

mundo, mas há uma coisa que não pode apagar, que é a história das suas posições.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça Mendes (PSD): — Muito bem!

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — O Sr. Deputado defendeu uma coisa no passado e, hoje, ao sabor de

uma qualquer maré populista ou de algum ato de popularidade, deixou ir por água abaixo as suas convicções.

Está aqui, Sr. Deputado.

Neste momento, foi exibido, de novo, um recorte de jornal com uma fotografia.

Reconhece-se? É mesmo você!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — A Mesa foi informada que o CDS, que ainda dispõe de um minuto, cede-

o ao PSD.

Assim, dou a palavra o Sr. Deputado Nuno Carvalho.

O Sr. Nuno Miguel Carvalho (PSD): — Sr. Presidente, agradeço ao CDS este minuto que me cedeu.

Indo muito rapidamente à questão, o Sr. Deputado pode arranjar muitas fotografias minhas com Passos

Coelho, há várias,…

O Sr. Adão Silva (PSD): — Bem lembrado!

O Sr. Nuno Miguel Carvalho (PSD): — … pode arranjar as fotografias de 2017 e pode fazer ruído com isso

à vontade – nós já sabemos como é que os senhores funcionam.

Mas, agora, vou dizer-lhe uma coisa: sabe o que é uma contradição? É o que os senhores estão a fazer

quando dizem que defendem a economia e atacam a economia. Sabe porquê? Por teimosia! Porque não sabem

assumir os erros!

E vou dizer-lhe outra coisa: onde é que está uma frase, onde é que está uma palavra, aí nesse papel que o

senhor está a mostrar, que fale desta obra – acesso a melhoria marítima do Porto de Setúbal? Onde é que está

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isso aí escrito, Sr. Deputado? Seja sério! Não procure contradições onde não elas não existem! Olhe para a sua

bancada, olhe para este Governo e trate das contradições desta obra, que podem pôr em risco uma região do

ponto de vista económico e do ponto de vista ambiental.

Pare de olhar para o PSD, olhe para a sua governação! Pare de olhar para Passos Coelho, olhe para António

Costa, olhe para o seu Governo e trate dos problemas das pessoas! Suspendam as dragagens e esclareçam a

população. Pensem no Sado, pensem em Setúbal, pensem em Portugal e façam o que têm de fazer.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, terminámos este ponto da nossa ordem do dia e vamos

passar ao próximo, que consta da apreciação conjunta da Petição n.º 607/XIII/4.ª (FENPROF – Federação

Nacional dos Professores) — Solicitam a adoção de medidas com vista à negociação do modo e prazo para a

recuperação de todo o tempo de serviço cumprido e, na generalidade, dos Projetos de Lei n.os 98/XIV/1.ª (PCP)

— Contabilização integral de todo o tempo de serviço das carreiras e corpos especiais e 100/XIV/1.ª (BE) —

Recuperação integral do tempo de serviço cumprido.

Para apresentar o projeto de lei do PCP, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Mesquita.

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PCP começa por saudar a

FENPROF, enquanto primeira subscritora desta petição, e a plataforma dos 10 sindicatos que promoveu a maior

petição de sempre de um só grupo profissional, com mais de 60 000 assinaturas de professores e de

educadores, em defesa da contabilização integral do tempo de serviço.

Mais uma etapa de uma luta já longa, com uma história que não pode ser apagada, em defesa de um direito

que, particularmente na educação, contou com um caminho de unidade e de mobilização de sindicatos e de

trabalhadores. Um direito que é também de várias carreiras e corpos especiais, como militares, profissionais das

forças e serviços de segurança, da justiça, da saúde, entre outros.

A proposta do PCP, de seu próprio punho e autoria, entregue em tempo certo, sem alterações nem

habilidades, é coerente com aquele que tem sido o percurso inabalável do Partido Comunista Português no

tratamento desta matéria,…

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — … com firmeza, determinação, honestidade, sem se deixar intimidar nem

fazer piruetas, dando o dito por não dito, sem impor soluções ao arrepio da vontade dos trabalhadores e dos

seus sindicatos e colocando, acima de tudo, a defesa dos direitos dos trabalhadores e da unidade na luta de

todos os trabalhadores.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Por força da luta foram conquistados 2 anos, 9 meses e 18 dias. Faltam

recuperar 6 anos, 6 meses e 23 dias e falta erradicar a injustiça criada pelo Governo do Partido Socialista de

um apagão inaceitável do tempo trabalhado, bem como de ultrapassagens de docentes com mais tempo de

serviço por outros com menos tempo.

Tempo de serviço trabalhado não pode simplesmente ser colocado no caixote do lixo por qualquer governo,

seja ele qual for.

Então, a proposta do PCP é simples: primeiro, proceder à contabilização integral de todo o tempo de serviço

em todas as carreiras, categorias e corpos especiais; segundo, o faseamento que eventualmente ocorrer em

termos de valorização remuneratória não pode ultrapassar o prazo máximo de seis anos; terceiro, ao nível da

carreira docente, possibilitar a utilização do tempo recuperado para efeitos de aposentação ou de dispensa da

obtenção de vaga de acesso ao 5.º e ao 7.º escalões, nos termos do estatuto da carreira; quarto, considerar o

tempo prestado em regime de contrato a termo resolutivo; quinto, eliminar as ultrapassagens da única forma

que, de facto, o garante, isto é, contando todo o tempo trabalhado.

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Sr.as e Srs. Deputados, o tempo para resolver esta situação é o tempo de hoje, com a assunção desse

compromisso aqui no debate, e amanhã na altura das votações.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Muito bem!

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Então, a pergunta que tem de ser feita é a seguinte: o que irão fazer PS,

PSD e CDS? Serão todos, mais uma vez, muletas uns dos outros nesta agressão aos direitos dos trabalhadores,

que foram as iniciativas legislativas do Governo que procederam ao apagão do tempo de serviço, ou não? Ou

vão dizer a estes mais de 60 000 trabalhadores, que aqui hoje estão representados nas galerias, que vão votar

favoravelmente o projeto do PCP, sem colocar como condições propostas para partir a carreira docente e outras

carreiras da administração pública, utilizando os professores como meros joguetes de um programa encapotado

de agressão aos direitos dos trabalhadores?

A luta e a força dos professores e dos demais trabalhadores da Administração Pública em defesa do direito

à contabilização de todo o tempo de serviço pode continuar a contar com a força e a luta do PCP, dentro e fora

da Assembleia da República.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem agora a palavra, para apresentar o projeto de lei do Bloco de

Esquerda, a Sr.ª Deputada Joana Mortágua.

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Queria, em primeiro lugar, saudar

todos os professores e sindicatos que promoveram esta petição com mais de 60 000 subscritores.

Na Legislatura anterior aconteceram dois erros, dois grandes erros, sendo o maior deles o do Partido

Socialista ao impedir a recuperação de tempo de serviço de professoras e professores da escola pública.

Foi o maior erro por quatro razões: em primeiro lugar, porque quis retirar aos professores o que era seu por

direito, que é a sua carreira, e também aquilo que é de justiça, que é o direito a uma aposentação e a um salário

dignos.

Em segundo lugar, porque não hesitou, para conseguir impedir a recuperação de tempo de serviço, em

desvalorizar socialmente o papel dos professores e das professoras, com mitos e inverdades sobre os supostos

privilégios da sua carreira e com muito pouca transparência sobre o custo da medida.

Em terceiro lugar, porque abdicou de negociar com os sindicatos as soluções para alguns dos maiores

problemas da escola pública.

Em quarto lugar, porque, ao matar a negociação com os professores e as professoras, quis matar a

negociação com todos os outros corpos e carreiras especiais da Administração Pública.

Desengane-se quem achar que estes erros não vão ter o seu preço, provavelmente muito maior do que o

pior cenário que Mário Centeno fez para assustar o País com a recuperação da carreira dos professores e das

professoras.

O segundo erro foi o do PSD que, ao prometer esperança aos professores, apenas lhes entregou desilusão.

Sr.as e Srs. Deputados, temos hoje a oportunidade de corrigir estes erros. Por isso, propomos que o Governo

seja obrigado a negociar com as carreiras e corpos especiais a recuperação do tempo de serviço e, no caso dos

professores, a recuperação do seu tempo de serviço até 2025.

É tempo de acabar com os fantasmas do natal passado. A única coisa que este projeto de lei obriga em 2020

– o ano dos 500 milhões do excedente de Mário Centeno – é que se devolvam aos professores 399 dias de

serviço. Esta é a única obrigação para 2020, que decorre do projeto de lei que agora apresentamos.

Mais de metade dos professores vai aposentar-se nos próximos 10 anos, apenas 1% dos professores tem

menos de 35 anos e 60% das docentes e dos docentes estão nos quatro primeiros escalões. Isto não é o retrato

de uma carreira automática e privilegiada, isto é o retrato de uma carreira desvalorizada e mal paga.

Por isso, Sr.as e Srs. Deputados, apelamos a que se permita que este projeto de lei chegue à especialidade.

Apelamos a todos os partidos, mas em especial ao PSD, que tem a recuperação do tempo de serviço como uma

promessa eleitoral do programa com que se apresentou a eleições, e que o façam por três razões: porque o

País pode, porque a escola pública precisa e, também, porque os professores merecem respeito.

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É também este sinal que queremos deixar aqui hoje, que o Bloco de Esquerda deixa aqui hoje, com a

apresentação deste projeto de lei. Os professores e as professoras merecem e têm o nosso respeito.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Bebiana Cunha.

A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, antes de mais, queremos saudar a

FENPROF, em representação de 10 organizações sindicais de professores e de educadores, pela entrega desta

petição com mais de 60 000 assinaturas.

Desde logo, gostaríamos de dizer que o PAN considera que a razão dos professores foi reforçada, quer pela

Assembleia da República, com a aprovação do Orçamento do Estado para 2019, que incluía a norma que

limitava esta exigência apenas à negociação do modo e do prazo de recuperação, quer também pelo veto do

Sr. Presidente da República ao decreto-lei do Governo que apagava mais de 6 anos de tempo de serviço.

O Governo, no entanto, impôs às carreiras especiais uma fórmula de recuperação do tempo de serviço criada

a partir de 70% do módulo-padrão, calculado a partir das carreiras gerais e não das suas respetivas carreiras.

Nessa altura, o PAN não tinha assento na Comissão de Educação, mas acompanhámos com muita preocupação

esta situação de desigualdade e de perda de direitos de remuneração e de progressão na carreira docente.

Consideramos que não se pode exigir uma escola de qualidade sem dar condições de dignidade, de respeito

e de valorização a todos os seus agentes.

Não nos podemos rever num posicionamento político que considera apenas as questões económicas e

financeiras, com prejuízo daquilo que é a maior fonte de riqueza de uma sociedade: o seu capital humano, a sua

competência, o seu conhecimento e a sua experiência. Não podemos exigir métricas competitivas, de sucesso,

um clima escolar positivo, de saúde psicológica e com motivação dos profissionais, desvalorizando o seu

trabalho, o seu papel pedagógico e relacional, a sua capacidade de todos os dias lidarem com mudanças e

dificuldades tão abrangentes como as que existem nas escolas.

É incoerente, por um lado, investir em projetos e medidas de promoção do sucesso escolar, que são

obviamente fundamentais, mas que, por outro lado, não se associem a estes investimentos uma política de

valorização e de dignificação profissional de quem implementa esses projetos e essas medidas.

Naturalmente, não podemos rever-nos numa perspetiva política que trate de forma desigual e injusta os

funcionários públicos, particularmente no que se refere às condições de trabalho, ao tempo de serviço

remunerado e à progressão na carreira. Não podemos rever-nos numa perspetiva política que negue e distorça

a realidade das escolas e dos seus profissionais, sem o devido respeito pelas pessoas e pelas consequências

das opções políticas assumidas. É fundamental a valorização de todos os profissionais da educação e todos

conhecemos — ou deveríamos conhecer — o elevado risco de desgaste rápido, psicológico e emocional, por

todas as contingências associadas à sua prática profissional.

Com a atual proposta de Orçamento do Estado para 2020, que prevê o parco aumento de 1% face ao ano

anterior, quando são claras as necessidades de investimento sério na educação, e uma atualização de salários

na ordem dos 0,3%, questionamo-nos se é com esta suborçamentação da educação que se irá conseguir dar

resposta aos muitos dos problemas que têm sido apresentados ao Sr. Ministro da Educação. Afinal, que

prioridades assumirá o Partido Socialista em matéria de educação para o próximo ano?

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Vou concluir, Sr. Presidente.

O PAN considera, então, que deve ser assumida uma posição de disponibilidade para a negociação entre o

Governo e as associações representativas dos professores relativa ao prazo e ao modo de recuperação do

tempo de serviço congelado dos docentes, com vista à sua efetiva recuperação integral.

Aplausos do PAN.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa, do CDS-PP.

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A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos a Petição n.º

607/XIII/4.ª, da iniciativa da FENPROF (Federação Nacional dos Professores) e de um conjunto de sindicatos

sobre um assunto que tem, pelo menos, dois anos de debate.

Com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 36/2019 subsistem ainda dois problemas. O primeiro é o facto de

vigorarem dois regimes diferentes no País: um para os professores dos Açores e da Madeira, para os quais

houve uma recuperação integral dos 9 anos, 4 meses e 2 dias, embora com processos diferentes, e outro para

os professores do Continente, aos quais este decreto permitiu a recuperação de 2 anos, 9 meses e 18 dias. O

segundo problema tem a ver com as ultrapassagens que se registam na seriação dos docentes para efeitos de

concurso. Cabe ao Governo atender a estes dois temas, é da responsabilidade do Governo resolver estes dois

temas.

Para o CDS, o cerne da questão está no descongelamento. Na verdade, está no congelamento verificado

nos anos de 2005 e 2007, nos Governos de José Sócrates, que aconteceu exatamente porque o aumento da

massa salarial da Administração Pública, na qual se incluíam os professores, tornava insustentáveis as contas

públicas. Ora, de lá para cá, nada de substantivo foi alterado na carreira dos professores que mude esta

realidade. De resto, basta olhar para o Orçamento do Estado para 2020: a massa salarial aumentará 715 milhões

de euros, dos quais 527 serão para progressões remuneratórias, e, desses 527, 150 milhões dizem respeito às

progressões dos professores. Estamos, em tudo o resto, iguais, ou seja, a criar despesa fixa que sabemos que

pode voltar a criar um problema de insustentabilidade no curto prazo.

Portanto, enquanto não estiver em cima da mesa uma revisão da carreira docente, de forma a que esta seja

sustentável para todos os contribuintes, incluindo professores, e de forma a que esta reconheça e premeie o

mérito da carreira docente, o CDS não tomará parte nesta discussão.

Aplausos dos CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem, agora, a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Silva, do Partido

Ecologista «Os Verdes».

A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em nome do Partido Ecologista «Os

Verdes» saúdo, por via daqueles que aqui estão enquanto peticionários, os milhares de docentes que

subscreveram a petição, demonstrando que não se conformam com a injustiça que lhes foi imposta e exigindo

respeito pela sua vida profissional.

Na anterior Legislatura, um dos objetivos assumidos por Os Verdes foi o da reposição de direitos

anteriormente retirados aos portugueses, fosse pelo Governo do PSD/CDS, fosse pelo Governo do PS. Assim

foi no caso do congelamento de carreiras da função pública, a partir do qual os funcionários públicos estiveram

cerca de uma década sem poderem progredir na carreira. A injustiça gritante dessa decisão levou a que o PEV

se empenhasse na defesa da sua revogação.

O Orçamento do Estado para 2018 consagrou esse descongelamento; porém, existem carreiras em que o

tempo de serviço é um fator determinante para a progressão e respetiva valorização remuneratória, como é, por

exemplo, o caso dos docentes que temos hoje em apreço. Os Verdes apresentaram, então, uma proposta de

alteração que determinava que seria considerado todo o tempo de serviço prestado pelo trabalhador, proposta

essa que, infelizmente, foi rejeitada — o PS, o PSD e o CDS juntos, uma vez mais.

O Grupo Parlamentar de Os Verdes apresentou, ainda, um projeto de resolução que recomendava ao

Governo que, em diálogo com os sindicatos, garantisse que, nas carreiras cuja progressão estivesse

dependente também do tempo de serviço prestado, fosse contado todo esse tempo para efeitos de progressão

na carreira e da correspondente valorização remuneratória. Este projeto de resolução foi aprovado, apesar da

abstenção dos que agora «choram lágrimas de crocodilo» pelo estado a que chegou a escola pública, o PS e o

CDS.

A lei do Orçamento do Estado para 2019 voltou a consagrar o princípio da contagem do tempo de serviço,

ficando apenas por considerar o prazo e o modo de o fazer. Ao longo de todo este tempo, o Governo do PS,

fazendo ouvidos moucos aos protestos e ao consenso nacional, procurou que esse tempo de serviço não fosse

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contabilizado, impondo um injusto apagão, mas a luta expressiva impediu que se fechasse essa questão,

obrigando a reuniões com as suas estruturas representativas.

Apesar de esta petição ainda fazer referência à devolução dos 9 anos, 4 meses e 2 dias não deixa de ter

atualidade, porque o que continua a estar em causa é a recuperação integral de todo o tempo de serviço prestado

pelos docentes, que Os Verdes continuam — e continuarão — a defender. Falta, por isso, devolver aos docentes

6 anos, 6 meses e 23 dias de trabalho efetivo e é por esta devolução que nos vamos bater.

Aplausos do PEV e do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, pelo PS, a Sr.ª Deputada Alexandra Tavares de Moura.

A Sr.ª Alexandra Tavares de Moura (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Cumprimentamos os

peticionários e sindicatos aqui presentes e saudamos os grupos parlamentares que apresentaram os projetos

de lei que se discutem hoje.

Começo por salientar que o Programa do XXI Governo Constitucional determinava «como objetivo primordial

aumentar o rendimento disponível das famílias. Para os trabalhadores da Administração Pública, este objetivo

concretiza-se, nomeadamente, através do descongelamento das carreiras a partir de 2018». O Orçamento do

Estado para 2018 operacionalizou o descongelamento de todas as carreiras da Administração Pública; o

Orçamento do Estado para 2019 reafirmou e manteve esta premissa. Os descongelamentos processaram-se

desde o dia 1 de janeiro deste ano, tendo o Governo garantido equidade de tratamento entre as carreiras da

Administração Pública. Mais: garantiu a sustentabilidade, garantiu a compatibilização com os recursos

disponíveis.

Sabemos que este é um tema complexo, mas temos de ser muito claros na forma como o abordamos. Não

podemos relevar o caráter excecional da solução apresentada para a carreira dos docentes por ser uma carreira

com uma única categoria, que se traduz num desenvolvimento unicamente horizontal e no facto de os

trabalhadores nela integrados não terem tido valorização remuneratória durante o período do congelamento.

A adoção de uma solução como a que se pretende nas iniciativas em apreciação seria socialmente injusta e

financeiramente insustentável, pois como disse o Sr. Primeiro-Ministro, a 3 de maio deste ano, «a restrição desta

solução aos professores e restantes corpos especiais coloca em situação de desigualdade os demais

funcionários públicos e, convém acrescentar, todos os portugueses que sofreram nos seus salários, nas suas

pensões, no seu emprego e nos seus impostos, os efeitos da crise».

Vozes do PS: — Muito bem!

A Sr.ª Alexandra Tavares de Moura (PS): — Para o Governo e para esta bancada, a questão está encerrada

e fomos claros! Não fizemos nenhuma promessa no programa eleitoral, nem no Programa do Governo, nem

neste Orçamento. Não enganámos ninguém!

Sr.as e Srs. Deputados, assumimos que apostamos na Administração Pública elaborando um quadro

estratégico em que a valorização e o rejuvenescimento das carreiras estará presente. Apostamos na criação de

condições à capacitação da Administração Pública e de reconhecimento de mérito como fatores decisivos para

garantir o envolvimento de todos na construção de serviços públicos produtivos, sustentáveis e de qualidade.

Apostamos em instrumentos gestionários, como as pré-reformas, pois, tal como disse a Sr.ª Ministra da

Modernização do Estado e da Administração Pública, os professores são uma classe em que a pré-reforma faz

muito sentido. Apostamos na promoção de programas de mobilidade transversal, um mecanismo que queremos

estudar, negociar e implementar. Apostamos no planeamento das necessidades a médio e longo prazo.

Apostamos, essencialmente, num tratamento justo, equilibrado e equitativo para todos os trabalhadores da

função pública.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — De seguida, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Leite Ramos, do PSD.

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O Sr. Luís Leite Ramos (PSD): — Sr. Presidente, começo por cumprimentar os mais de 60 000 peticionários,

em particular os que estão hoje presentes nas galerias deste Parlamento, e que solicitam a adoção de medidas

com vista à negociação do modo e do prazo para a recuperação de todo o tempo de serviço cumprido.

Sobre esta petição e sobre os projetos de lei entretanto apresentados, quer pelo PCP, quer pelo Bloco de

Esquerda, a posição do PSD é a de sempre: não mudamos de opinião, nem mudamos de posição. A

contabilização do tempo congelado de todos os funcionários públicos para efeitos de progressão na carreira é

uma questão de elementar justiça. Sem demagogias, sem criar ilusões, a nossa proposta, apresentada aquando

da apreciação parlamentar do Decreto-Lei n.º 65/2019, previa a contabilização do tempo do serviço para efeitos

de progressão na carreira, mas dilatada no tempo e com a garantia da necessária sustentabilidade financeira.

Mas também dissemos inúmeras vezes, e vamos repeti-lo outra vez, que esta é uma matéria da

responsabilidade do Governo. Os termos e o modo como se dará a recuperação integral do tempo não

contabilizado para efeitos de progressão na carreira ou outros terão de ser estabelecidos pelo Governo em

processo negocial, atendendo a critérios de compromisso da sociedade com os recursos disponíveis, face à

situação económica e financeira do País, tendo em conta, nomeadamente, a taxa de crescimento do PIB

(produto interno bruto) e a evolução da dívida pública, a sustentabilidade futura do sistema público de educação,

designadamente a nível da necessidade de rejuvenescimento do pessoal docente, de revisões de carreiras, do

ritmo de aposentações e das necessidades futuras do sistema educativo.

É o Governo que tem de dialogar e negociar com os parceiros sociais e propor, de forma séria e aberta, uma

solução transparente, justa, equilibrada e sustentada.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Muito bem!

O Sr. Luís Leite Ramos (PSD): — A este propósito, gostaria de lembrar também o nosso programa eleitoral

e o compromisso expresso que lá deixámos, caso fôssemos Governo. A saber, que, sem prejuízo de uma futura

avaliação das condições de progressão entre os diferentes escalões, o PSD continuará a defender o

reconhecimento do tempo total de serviço prestado e negociará com as organizações sindicais o modo de o

consagrar na progressão da carreira, sujeito às seguintes condições: primeira, faseamento para um período não

inferior a seis anos; segunda, disponibilidade financeira de forma a não afetar a sustentabilidade das contas

públicas e o princípio da igualdade de tratamento das carreiras especiais da Administração Pública; terceira,

repartição do tempo apurado entre progressão, redução da componente letiva e despenalização da reforma

antecipada a partir dos 63 anos. E dissemos que a redução da componente letiva seria importante para libertar

os docentes para funções de supervisão e formação quer no quadro de lançamento de um novo modelo de

profissional em exercício, quer no quadro da valorização da carreira docente.

Srs. Deputados, continuamos, e continuaremos, sempre disponíveis para apoiar todas as soluções que

defendam com justiça os direitos de todos os professores e também de todos os funcionários públicos que estão

nesta situação, mas que, simultaneamente, garantem os compromissos responsáveis com a sustentabilidade

financeira e a valorização da educação pública.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, concluído este ponto, recordo que as iniciativas

legislativas serão votadas amanhã durante o período regimental de votações.

Vamos passar ao sétimo ponto da ordem do dia, que consiste na apreciação da Petição n.º 316/XIII/2.ª

(uAPHu - Associação de Pais Heróis) — Solicitam a criação de legislação que colmate a falta de apoio financeiro

e os direitos dos pais de crianças/jovens com cancro, juntamente com, na generalidade, os Projetos de Lei n.os

91/XIV/1.ª (BE) — Alarga a proteção na parentalidade aos progenitores com filhos com deficiência, doença rara

ou doença oncológica e determina o pagamento a 100% do subsídio para assistência a filho com deficiência,

doença crónica ou doença oncológica, 95/XIV/1.ª (PCP) — Reforço de direitos e condições de acompanhamento

a filho com doença crónica, oncológica ou resultante de acidente, 102/XIV/1.ª (PAN) — Reforça a proteção social

e laboral dos pais num quadro de assistência do filho com doença oncológica e 111/XIV/1.ª (CDS-PP) — Acresce

em 60 dias o período de licença parental inicial, em caso de nascimento de criança com deficiência ou doença

rara e aumenta o montante do subsídio para assistência a filho com deficiência, doença crónica ou doença

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oncológica, procedendo à 15.ª alteração à Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro (Código do Trabalho), à 7.ª alteração

ao Decreto-Lei n.º 91/2009, de 9 de abril (Regime Jurídico de Proteção Social na Parentalidade) e à 4.º alteração

ao Decreto-Lei n.º 89/2009, de 9 de abril (Regime Jurídico de Proteção Social na Parentalidade dos

Trabalhadores da Função Pública Integrados no Regime de Proteção Social Convergente).

Para apresentar o projeto de lei do BE, tem a palavra o Sr. Deputado José Soeiro.

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Às crianças com cancro não

devemos apenas empatia: devemos políticas públicas que lhes garantam os melhores cuidados de saúde que,

enquanto comunidade, podemos disponibilizar e devemos-lhes a garantia do direito a serem acompanhadas por

aquelas pessoas com quem os seus vínculos afetivos são mais fortes.

É disso que trata este debate sobre as licenças para pais e mães de crianças com doença oncológica ou

com deficiência e do valor dessas licenças.

Não vou aqui retomar todos os testemunhos que ouvimos no Parlamento quando recebemos os peticionários,

nem vou retomar os testemunhos que tive oportunidade de ouvir por todo o País nas sessões públicas em que

participei quando fizemos o estatuto do cuidador e da cuidadora informal.

São situações emocionalmente exigentes e, às vezes, dilacerantes e a insuficiência da rede de apoios, as

debilidades que persistem no apoio social e nos cuidados de saúde tornam a vida destas famílias ainda mais

difícil.

Frequentemente, como dizem os peticionários, o cuidar destas crianças acaba por implicar o abandono por

parte de um dos progenitores do seu emprego e, como se sabe, nestas questões relacionadas com os cuidados

são quase sempre as mulheres, são quase sempre as mães que acabam por fazê-lo. Mais apoios públicos

houvesse para as crianças e, provavelmente, não teria de ser assim.

A questão, contudo, é que quer as famílias quer as crianças devem ter direito, para além do apoio público,

das políticas públicas, dos cuidados formais, à presença dos seus pais, querendo e podendo estes, no

acompanhamento dos filhos com doença ou com deficiência.

Na anterior Legislatura, demos um passo de sentido positivo quando aumentámos a duração da licença de

quatro para seis anos e quando definimos que essa licença não tem limite, no caso de doenças graves em

crianças em estado terminal — era, aliás, o mínimo de sensibilidade que o legislador deveria ter. Mas foi preciso

esperar até 2019 e foi preciso esperar por essa discussão aqui e orgulhamo-nos de ter feito uma proposta e de

ter negociado a solução que foi aprovada.

Só que os valores das licenças, pagos a 65%, colocam muitas vezes as famílias numa situação de pobreza

e de dificuldade em fazer face às despesas básicas do quotidiano e, mesmo em relação às licenças, podemos

ir mais longe.

Acompanhando esta petição de cerca de 30 000 pessoas, o Bloco de Esquerda apresenta, hoje, um projeto

de lei com três medidas que, esperamos sinceramente, este Parlamento possa aprovar: em primeiro lugar, a

majoração em 60 dias da licença parental inicial, no caso de nascimento de criança com deficiência ou doença

rara; em segundo lugar, um acompanhamento maior aos progenitores de menores com deficiência ou doença

crónica, por via do alargamento da redução de 5 horas do período normal de trabalho até o menor completar os

três anos de idade; em terceiro lugar, o pagamento a 100%, em vez dos 65% que hoje estão na lei, do subsídio

para assistência a filho com deficiência, doença crónica ou doença oncológica.

É nossa obrigação, não apenas do Bloco de Esquerda mas de toda a Assembleia, responder positivamente

às mais de 30 000 pessoas que nos interpelam com esta petição. Essas pessoas contam connosco não apenas

em declarações de simpatia, mas também com este projeto e com o nosso voto favorável neste Plenário.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para apresentar o projeto de lei do PCP, tem a palavra a Sr.ª Deputada

Diana Ferreira.

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de, em nome do Grupo Parlamentar

do Partido Comunista Português, cumprimentar a Associação de Pais Heróis, que dinamizou esta petição, e

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todos os signatários desta petição, quase 30 000, que aqui nos trouxeram um conjunto de preocupações e

também de propostas para essas preocupações.

Para o PCP, é inquestionável que, desde o momento do diagnóstico e em todo o processo de

acompanhamento das crianças e jovens com doença oncológica, com doença crónica ou, mesmo, em caso de

episódio de acidente, o afeto, a disponibilidade física e mental, o carinho dos pais são indispensáveis e

insubstituíveis, devendo, por isso, ser garantidas todas as condições que permitam aos pais estarem presentes

em todo este processo e em todos os momentos necessários.

Há vários anos que o PCP tem apresentado propostas neste sentido e, na passada Legislatura, foi aprovada

uma iniciativa do PCP para reforço das medidas na área da oncologia e de apoio às crianças e jovens com

cancro, bem como às suas famílias, de entre os quais o reforço do apoio psicológico à criança, ao jovem e à sua

família, o alargamento das condições de acesso e dos montantes das prestações sociais disponibilizadas aos

pais e aos cuidadores, a obrigatoriedade de a entidade patronal adequar o horário de trabalho e as funções a

desempenhar no respeito pelas especificidades concretas do cuidador.

Mas, entendendo que importa ir mais longe e garantir, em lei, o reforço dos direitos e condições de

acompanhamento a filho com doença crónica, com doença oncológica ou resultante de acidente, o PCP traz a

debate este projeto de lei.

Assim, propomos: o aumento para 90 dias de faltas justificadas e remuneradas ao trabalho, durante o período

completo de eventual hospitalização, tratamento ou convalescença para assistência a filho; a criação de um

subsídio para assistência a filho durante o período completo dessa mesma hospitalização, do tratamento ou da

convalescença; a garantia do gozo em simultâneo da licença para assistência a filho por parte dos progenitores;

que o montante diário do subsídio para assistência a filho corresponda a 100% da remuneração de referência

do beneficiário e a 80% da remuneração de referência do outro progenitor; que, nas situações de desemprego,

a remuneração para cálculo de atribuição do subsídio de assistência a filho tenha por referência o último mês

com registo de remuneração; a garantia do limite do subsídio para assistência a filho que corresponda ao salário

mínimo nacional; e também a manutenção dos direitos dos trabalhadores, nomeadamente no direito à retribuição

e ao subsídio de alimentação, no caso das faltas previstas para assistência a filho.

Estas são propostas que reforçam direitos de maternidade e de paternidade, avançando nas condições de

acompanhamento às crianças e jovens com doença crónica, com doença oncológica ou na sequência de

acidente, concretizando o objetivo de defesa do superior interesse da criança e do seu desenvolvimento integral.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem, agora, a palavra, para apresentar o projeto de lei do PAN, a Sr.ª

Deputada Inês de Sousa Real.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começaria por congratular os

quase 30 000 peticionários, que solicitam a criação de legislação que colmate a falta de apoio financeiro e os

direitos dos pais de crianças e jovens com cancro, por terem trazido este importante tema a debate.

As doenças oncológicas são a segunda causa de morte em Portugal, podendo atingir qualquer grupo etário.

O cancro em crianças e jovens é raro e a taxa de cura ronda os 80%, sendo diagnosticados, em Portugal,

anualmente, entre 400 e 450 novos casos de cancro pediátrico. Ou seja, por ano, são 400 ou 450 as famílias

que têm de se adaptar subitamente a uma realidade e a uma rotina completamente diferente da que tinham até

então.

As doenças que afetam a saúde infantil, sejam do foro crónico ou oncológico, têm um grande impacto na

vida não só das crianças, mas também das suas famílias, em especial dos progenitores, com consequências a

nível físico, emocional, económico, social e laboral.

Referimos, aqui, as doenças que requerem tratamentos prolongados ou permanentes e que, por um lado,

podem ter como consequência o afastamento do estabelecimento escolar durante períodos de tempo

prolongado e, por outro, implicam que as famílias se reorganizem em torno da criança e dos cuidados de que

esta agora precisa, dadas as necessidades que surgem com a doença.

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Muitas vezes, este reajustamento implica mudanças na gestão da família a vários níveis, nomeadamente na

situação laboral dos pais, uma vez que falamos de tratamentos ou cuidados que podem durar vários anos, ou a

vida inteira, e que podem decorrer em locais longe da área residencial das famílias.

Assim, é essencial reforçar os direitos parentais em matéria de apoio a filhos com deficiência, doença crónica

ou oncológica, criando-se um quadro legal justo que garanta o exercício pleno deste direito, mas também que

não descuide a integração laboral, a realização pessoal e o apoio emocional aos pais e às mães.

Neste sentido, reconhecendo como positivo o recente alargamento da licença para assistência a filho com

deficiência, doença crónica ou doença oncológica até aos seis anos, consideramos que, ainda assim, este limite

temporal pode constituir um entrave ao acompanhamento de filho com cancro, na medida em que, infelizmente,

a doença pode persistir ou apresentar recidiva para além daquele prazo.

Nestes casos, entendemos que deve ser sempre admitido o prolongamento da licença, devendo ser,

igualmente, aceite que ambos os progenitores possam gozar conjuntamente da licença em determinadas

situações.

No que respeita ao montante diário do subsídio para assistência a filho — que, atualmente, é igual a 65% da

remuneração de referência do beneficiário —, sendo esta uma altura em que se verifica um aumento significativo

das despesas e os pais se veem confrontados com reduções significativas nos rendimentos auferidos, propomos

o pagamento a 100% do subsídio para assistência a filho com deficiência, doença crónica ou doença oncológica.

Para além disso, atendendo a que as famílias necessitam de se deslocar para a realização de tratamentos,

muitas vezes centralizados nas grandes cidades por ausência de respostas noutros locais do País,

consideramos também importante a comparticipação das despesas com alojamento nos casos de insuficiência

económica.

Por último, vemos como essencial que seja assegurada aos sobreviventes de cancro infantil a consulta de

acompanhamento especializado, devendo esta existir em todos os centros oncológicos, dado que atualmente

só existe em Lisboa, e, atendendo à sua importância, que seja reforçado o acompanhamento psicológico da

criança e da sua família, devendo ser garantido o acesso a consulta no prazo máximo de 30 dias após o

diagnóstico.

Por fim, não posso deixar de referir que as diferentes iniciativas aqui hoje referidas, a par desta petição,

manifestam convergência entre algumas forças políticas com as preocupações aqui trazidas.

Esperamos, por isso, que seja finalmente o tempo de esta Assembleia da República dar resposta às mesmas.

Aplausos do PAN.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para apresentar o projeto de lei do CDS-PP, tem a palavra a Sr.ª

Deputada Ana Rita Bessa.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Tratamos, hoje, aqui de uma

petição datada de 2017, da iniciativa da Associação de Pais Heróis, que recolheu cerca de 30 000 assinaturas

e que solicita legislação para colmatar a falta de apoio financeiro e que considere os direitos dos pais de crianças

e jovens com cancro.

Para o CDS, uma sociedade justa e solidária deve olhar para todos os cidadãos com a atenção que merecem,

particularmente aqueles que estão em situação de fragilidade, e desenvolver políticas integradas que vão ao

encontro dos seus direitos. É nesse sentido que o CDS tem apresentado várias iniciativas, desde logo na área

dos direitos das crianças com doença oncológica.

É também neste âmbito que o CDS apresenta o Projeto de Lei n.º 111/XIV/1.ª, que vem alterar o Código do

Trabalho e o Regime jurídico de proteção social na parentalidade, assim como o regime jurídico de proteção

social na parentalidade dos trabalhadores em funções públicas.

Que alterações propomos?

Primeira alteração: sabendo que a legislação que regula a licença parental inicial apenas discrimina

positivamente as situações de nascimentos múltiplos ou prematuros, é nosso entendimento que essa

discriminação positiva deve ser alargada a outros casos, pelo que propomos o alargamento a 60 dias para quem

tenha um filho com deficiência ou doença rara e que essa licença possa ser gozada pelo pai ou pela mãe. De

resto, esta medida já tinha sido apresentada pelo CDS na anterior Legislatura, tinha sido chumbada na

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especialidade pelo PS, pelo Bloco, pelo PCP e pelo Partido Ecologista «Os Verdes», mas penso que agora, pela

intervenção do Bloco de Esquerda, talvez haja capacidade de a fazer levar avante.

Segunda alteração: no final da Legislatura anterior, foi aprovado o aumento do montante de subsídio por

riscos específicos e assistência a filhos, que passou de 65% a 100% da remuneração de referência, mas só

para os trabalhadores do setor privado. Para o CDS, não faz sentido que vigorem dois regimes diferentes para

estes dois tipos de trabalhadores, pelo que propomos o mesmo aumento, para 100%, também para os

trabalhadores do setor público.

Finalmente, entendemos ser uma falha da legislação que o subsídio para assistência a um filho com

deficiência, doença crónica ou doença rara se mantenha nos 65% da remuneração de referência. Por isso,

concordamos com a petição e a proposta que fazemos é que se equiparem estes casos aos dos riscos

específicos para assistência a filho, aumentando, portanto, o subsídio para 100% da remuneração para todos

os trabalhadores.

Para o CDS, estas alterações tornam a legislação equitativa nos diferentes casos de fragilidade, mas também

equitativa entre os diferentes setores de trabalho e refletem uma maior capacidade de apoio às famílias e aos

filhos em situação de fragilidade.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Barroco

de Melo.

O Sr. Eduardo Barroco de Melo (PS): — Ex.mo Sr. Presidente e demais Membros da Mesa, Caras Deputadas

e Caros Deputados: O debate a que hoje somos convocados decorre da apresentação da Petição n.º 316/XIII/2.ª,

submetida à Assembleia da República, em 9 de maio de 2017, pela Associação de Pais Heróis.

O Grupo Parlamentar do Partido Socialista gostaria, antes de mais, de saudar os peticionários e as suas

justas reivindicações, que merecem a melhor atenção deste grupo parlamentar.

Com efeito, a petição submetida alerta-nos para um conjunto de situações de incapacidade de resposta na

proteção laboral, no uso do direito de assistência e no apoio financeiro a pais de crianças ou jovens com cancro.

No quadro mais alargado da proteção a estes pais de crianças com deficiência, doença crónica ou

oncológica, seria impossível imaginar que o Partido Socialista não se colocasse ao seu lado. O humanismo que

nos caracteriza é central na ideologia e na atividade política do nosso partido e do nosso grupo parlamentar.

Não há melhor forma de o demonstrar do que atentar no comportamento do Partido Socialista durante o

processo que conduziu às alterações legislativas recentemente levadas a cabo nesta matéria. Refiro-me, em

particular, ao trabalho efetuado pelo Grupo de Trabalho «Deficiência» e pelo Grupo de Trabalho «Parentalidade

e Igualdade de Género» da Comissão de Trabalho e Segurança Social, na Legislatura transata.

A análise dos problemas elencados na petição, bem como outros similares e aplicáveis às situações de

deficiência e doença crónica, foram responsáveis pela promoção das alterações operadas na Lei n.º 90/2019.

Esta lei, aprovada em maio de 2019 e publicada a 4 de setembro, mereceu o contributo e a aprovação do

Partido Socialista. Aliás, mereceu mesmo a aprovação unânime, colhendo o apoio de todos os partidos.

Os projetos de lei submetidos pelo Bloco de Esquerda, pelo PCP, pelo PAN e pelo CDS, sendo diferentes

entre si, vão no sentido de reforçar o quadro de proteção aos pais de crianças com deficiência, doença crónica

ou oncológica. Contudo, o Partido Socialista não pode acompanhá-los nem apresenta iniciativa própria sobre

esta temática, precisamente porque a discussão deste assunto não se faz no contexto da data da submissão da

petição, 2017, mas nos dias de hoje. Não podemos, por isso, ignorar que as alterações provocadas pela Lei n.º

90/2019 respondem a muitas das necessidades identificadas pelos peticionários e pelos diversos partidos

representados na Assembleia da República.

Destacamos, por exemplo, a extensão da licença para assistência a filhos com deficiência ou doença crónica

aos casos de doença oncológica; a majoração da licença parental para os casos de prematuridade e

internamento hospitalar pós-parto; a possibilidade de prorrogação do direito a licença de seis meses até quatro

anos ou seis anos, mediante atestado médico, entre outras alterações ao regime de proteção à parentalidade.

Acresce a isto que as medidas com impacto orçamental entrarão apenas em vigor com o Orçamento do

Estado para 2020, pelo que não se encontram ainda em execução.

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Não seria compreensível produzir alterações legislativas passados apenas dois meses da publicação da

última legislação sobre esta temática e ainda antes de esta poder produzir plenos efeitos.

Por essa razão, o Partido Socialista continuará disponível para receber todos os contributos e fomentar a

discussão da melhoria da proteção da parentalidade para pais de filhos com deficiência, doença crónica ou

oncológica, aguardando que as alterações legislativas promovidas e para as quais contribuiu possam ser alvo

de avaliação suportada pela sua aplicação.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Carla Madureira.

A Sr.ª Carla Madureira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por saudar todos os

signatários e promotores desta petição que nos alerta para a realidade dos pais que vivem o drama de ter um

filho a quem foi diagnosticada uma doença oncológica.

Ao drama humano acrescem as rotinas que se alteram drasticamente, a ansiedade permanente e os

constrangimentos profissionais e económicos com que se debatem para poderem acompanhar o filho de uma

forma tão próxima quanto a dura circunstância exige.

Ao Estado, através do legislador, compete criar condições e tomar as medidas julgadas adequadas para

minimizar essas dificuldades e assegurar que estas famílias não sejam mais discriminadas por terem uma

criança com cancro.

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Sr.ª Carla Madureira (PSD): — É esse o apelo que nos lança esta petição, dinamizada pela Associação

de Pais Heróis, entretanto extinta com o falecimento da sua fundadora, Adelaide Silva, que aqui queremos

justamente lembrar.

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Sr.ª Carla Madureira (PSD): — O Partido Social Democrata, sensível a esta realidade, em 2017 apresentou

o projeto de resolução que recomenda ao Governo que adote medidas de reforço do apoio às crianças e jovens

com cancro, que veio dar corpo a algumas das pretensões da parte referente à lei da parentalidade, no final da

última Legislatura.

Reconhecemos que podemos e devemos continuar a trabalhar nestas matérias, desde logo no sentido de

corrigir desigualdades. Nesse sentido, não iremos inviabilizar nenhum dos projetos que aqui se encontram em

discussão. Esta é uma matéria que nos deve unir a todos e deve, pois, merecer um trabalho em sede de

especialidade que possa trazer mais justiça, mais equilíbrio e, por isso, mais apoio a todas as famílias com filhos

com doença oncológica.

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Sr.ª Carla Madureira (PSD): — Queremos lembrar, por fim, que na anterior Legislatura, com o apoio do

PSD, foram dados passos, que consideramos muito positivos, nesta matéria e no apoio a estas famílias.

Por isso, o Partido Social Democrata não deixa de estar disponível para construir consensos e soluções que

dignifiquem esta Assembleia, estas crianças e estes pais.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr.as e Srs. Deputados, assim concluímos mais um ponto da nossa

ordem de trabalhos de hoje, que já vai longa.

Vamos dar início ao último ponto, que consiste na apreciação da Petição n.º 497/XIII/3.ª (CGTP -

Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses) — Contra a precariedade, pelo emprego com direitos, em

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conjunto com, na generalidade, os Projetos de Lei n.os 11/XIV/1.ª (PCP) — Combate a precariedade laboral e

reforça os direitos dos trabalhadores (16.ª alteração à Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que aprova o Código

do Trabalho) e 89/XIV/1.ª (BE) — Combate o falso trabalho temporário e restringe o recurso ao outsourcing e

ao trabalho temporário.

Para apresentar o projeto de lei do PCP, tem a palavra a Sr.ª Deputada Diana Ferreira.

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nome do Grupo Parlamentar do Partido

Comunista Português, gostaria de começar por saudar a CGTP – Intersindical Nacional, dinamizadora desta

petição, os seus representantes aqui presentes e também os mais de 51 000 signatários que aqui nos fazem

chegar as suas reivindicações, bem como todos os trabalhadores com vínculo precário que todos os dias lutam

pelo seu direito a terem emprego com direitos.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — A precariedade laboral é uma realidade que marca profundamente a situação

social do País e que evidencia bem a exploração que a política de direita quer impor aos trabalhadores. Serão

mais de 1 milhão e 200 mil os trabalhadores que todos os dias, respondendo a necessidades permanentes, no

setor público e no setor privado, têm um vínculo precário.

Falsos recibos verdes, contratos a termo em desrespeito pela lei, bolsas de investigação ou estágios

profissionais e trabalho temporário sem observância de regras, outsourcing, em todas estas situações são

trabalhadores confrontados continuadamente com a incerteza e a instabilidade no emprego, que não sabem se

no próximo mês ou se na próxima semana terão emprego ou terão salário.

A precariedade anda de mãos dadas com o desemprego, com os baixos salários, com horários desregulados,

com o atropelo de direitos, com a realidade do empobrecimento dos trabalhadores e das suas famílias. Esta é

uma realidade à qual é preciso pôr fim.

Com a iniciativa que hoje apresentamos, o PCP dá mais um contributo para o reforço dos direitos dos

trabalhadores e para que se faça um firme caminho de combate e erradicação deste flagelo económico e social.

Entre outras propostas, defendemos a redução das situações em que é possível recorrer à contratação a

termo: a revogação do aumento do período experimental para 180 dias e dos contratos especiais de muito curta

duração, introduzidos pelo anterior Governo do PS; a redução do número de renovações do contrato a termo

certo e da duração do contrato a termo incerto.

A precariedade não é uma inevitabilidade, resulta de opções políticas de sucessivos Governos do PS, do

PSD e do CDS e também de opções do patronato, que assim agravam e acentuam a exploração sobre os

trabalhadores, substituindo trabalhadores com direitos por trabalhadores sem direitos.

A um posto de trabalho permanente tem que corresponder um vínculo efetivo, um vínculo com direitos. O

posto de trabalho está lá, todos os dias; os trabalhadores também. Falta o vínculo efetivo; faltam os direitos a

estes trabalhadores. E da mesma forma que, no passado, a luta dos trabalhadores foi determinante para

conquistar e para garantir direitos, essa força e essa luta serão motores imprescindíveis neste combate contra

a precariedade e pela sua erradicação.

O PCP estará cá, como sempre esteve, com os trabalhadores neste combate, intervindo e apresentando

propostas que reforcem os direitos laborais e sociais, de combate a todas as formas de precariedade — no setor

público e no setor privado —, mas também pelo aumento geral dos salários, pelas 35 horas para todos os

trabalhadores, pelo reforço dos direitos de quem trabalha por turnos e em horário noturno, pela defesa da

contratação coletiva, porque o combate à precariedade é inseparável do cumprimento do direito constitucional

ao trabalho e à segurança no emprego, é inseparável da valorização dos salários, do direito à contratação

coletiva e a horários dignos que signifiquem uma efetiva articulação da vida profissional com a vida pessoal e

familiar.

Este é o compromisso que temos com os trabalhadores e com o povo português. Este é um combate que

não abandonaremos.

Aplausos do PCP e do PEV.

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O Sr. Presidente (António Filipe): — Para apresentar o projeto de lei do BE, tem a palavra o Sr. Deputado

José Soeiro.

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Queria começar por saudar a

CGTP e os mais de 51 000 peticionários que trazem a este Parlamento uma das questões centrais do mundo

do trabalho e da democracia, que é o combate à precariedade.

Na última década, a questão da precariedade saltou para o centro do debate político, ganhou visibilidade a

fraude em grande escala dos falsos recibos verdes, os esquemas de trabalho temporário, o abuso nos contratos

a prazo e na utilização do recurso aos estágios, a profusão de contratos de emprego-inserção para ocupar

postos de trabalho permanentes, o recurso à intermediação laboral e à subcontratação, para comprimir direitos

e fragmentar os coletivos de trabalho e os seus instrumentos de regulação.

A precarização do trabalho não é uma decorrência inevitável das transformações na economia nem uma

exigência de novas formas produtivas. É, isso sim, uma estratégia política e um modo de dominação que tem

objetivos precisos: embaratecer o trabalho — não é por acaso que os trabalhadores precários ganham, em

média, menos 30% do que os trabalhadores efetivos —; aumentar a chantagem e o medo para inibir o exercício

de direitos; rebaixar a proteção social e desarticular as formas de organização e de representação coletiva do

mundo do trabalho.

Nos últimos anos e na anterior Legislatura, houve três progressos para os trabalhadores: aumentou o

emprego, aumentou o salário mínimo e a esquerda conseguiu arrancar ao Governo um processo de

regularização de precários, que ainda se encontra longe de estar concluído. Só que o padrão de emprego e de

precariedade manteve-se totalmente inalterado, tal como, aliás, o modelo de baixos salários e o Código do

Trabalho da troica manteve as suas normas principais.

O emprego que hoje é criado, nomeadamente para os mais jovens, é emprego precário e mal pago. Há mais

de 1 milhão de trabalhadores precários em Portugal. Portugal continua com os mesmos níveis, completamente

excessivos, de contratos a prazo acima de 20%.

O trabalho temporário continua a ser utilizado impunemente para funções permanentes, seja na indústria,

nos call centers, na saúde, no jornalismo — hoje, de manhã, acordei com a notícia de que a TVI recorre à

empresa Hospedeiras de Portugal para contratar jornalistas.

A somar às formas mais típicas de precariedade das últimas décadas, assistimos a um desenvolvimento de

outras técnicas de precarização que ganham terreno, como, por exemplo, o recurso à externalização e ao

outsourcing, que se tornou a regra nos call centers — toda gente o sabe e a ACT (Autoridade para as Condições

do Trabalho) não acaba com essa vergonha que faz com que, no mesmo local de trabalho, haja estatutos e

direitos laborais completamente diferentes —, ou o logro da transformação de trabalhadores em empresários

individuais e a transformação de patrões em clientes, ou seja, a criação de uma espécie de «emprecários», cuja

único efeito é aumentar a exploração e os horários, fragilizar a proteção social e fingir que não há trabalho

subordinado em todas essas situações onde deveria existir um contrato.

A verdade é que estas formas de precarização que se têm alastrado nos últimos anos não têm sido objeto

de combate por parte do Governo. Mais grave, na última alteração ao Código do Trabalho, com a duplicação do

período experimental e com a generalização dos contratos orais de muito curta duração, abriram-se novas

janelas de precarização, nalguns casos da mais duvidosa constitucionalidade.

As soluções sugeridas por esta petição seriam, pois, formas concretas de combater estas múltiplas vias de

precarização: para cada posto de trabalho permanente um contrato efetivo, limitar o trabalho temporário, impedir

o falso outsourcing, vincular e igualizar as condições dos chamados «externos», reforçar o combate aos falsos

recibos verdes, os poderes, os meios e a capacidade de atuação da Autoridade para as Condições do Trabalho.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Termino, Sr. Presidente.

O projeto que hoje apresentamos vai justamente nesse sentido. Resta saber se esses passos serão dados

ou se o PS se juntará à direita, mais uma vez, para manter a mesma precariedade que aqui vem lamentando

nos seus discursos.

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Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Inês de Sousa

Real.

A Sr.ª Inês de SousaReal (PAN): — Sr. Presidente: Gostaríamos de começar por saudar quer os cerca de

50 000 peticionários quer a CGTP que nos trazem esta petição contra a precariedade, pelo emprego com

direitos.

Acompanhamos as suas preocupações, as quais traduzem, também, preocupações nossas. De facto, o PAN,

na Legislatura passada, apresentou diversas iniciativas que visam combater a precariedade laboral e garantir

uma maior estabilidade no emprego.

Destacamos, a título de exemplo, o reforço da proteção dos trabalhadores em caso de assédio, as medidas

de apoio na parentalidade, nomeadamente o alargamento de licenças parentais, a garantia do direito à

desconexão profissional, a reposição do direito ao descanso compensatório por trabalho suplementar e dos

valores de compensação pela prestação de trabalho suplementar, as medidas de promoção da igualdade

remuneratória entre homens e mulheres, o reforço da fiscalização no âmbito das relações de trabalho,

assegurando mais meios à ACT e, por último, medidas que permitam uma maior conciliação da vida familiar

com a vida profissional, como a redução do horário de trabalho para as 35 horas para todos e o direito a 25 dias

úteis de férias.

No entanto, apesar destes esforços, ainda há um longo caminho a percorrer. As relações de trabalho

continuam a ser marcadas por enormes desigualdades, o número de trabalhadores com vínculo precário é ainda

bastante elevado, a percentagem de trabalhadores que têm vínculos temporários, em Portugal, tem oscilado

entre os 20% e 22%, na última década, segundo dados divulgados pelo Eurostat, valores superiores à média da

União Europeia, sendo que estes trabalhadores estão sujeitos a inúmeras pressões, maior risco de desemprego

e salários baixos.

Para além disso, a utilização de novas tecnologias em contexto laboral tem possibilitado a perturbação dos

períodos de descanso do trabalhador, impedindo que estes se desliguem do trabalho, criando um ambiente de

permanente stress e exaustão, tornando as pessoas trabalhadoras a tempo inteiro.

Trabalhar ininterruptamente não é sinónimo de excelência, de produtividade e pode, inclusivamente, levar ao

burn-out, fenómeno que tem vindo a ganhar escala a nível global e que está a registar níveis preocupantes entre

gerações de profissionais mais jovens, o que levou a Organização Mundial de Saúde a classificá-lo como uma

doença profissional.

Ainda temos um longo caminho a percorrer para garantir a efetiva qualidade do emprego, que passa, de

facto, por uma aposta na formação profissional dos trabalhadores, no pagamento de salários dignos e na

erradicação de toda as formas de precariedade laboral.

É fundamental limitar os critérios de recurso ao trabalho temporário, não só pelo efeito negativo que tem na

qualidade do emprego, como para reforçar os direitos dos trabalhadores em regime de trabalho noturno e por

turnos, rever o âmbito da utilização dos contratos de trabalho de muita curta duração e reforçar o número de

efetivos da Autoridade para as Condições do Trabalho, assegurando, assim, a devida e necessária fiscalização

e intervenção mais eficaz que impeça o recurso à contratação de trabalhadores com vínculo precário e

desempenho de funções permanente.

Entendemos, também, que é essencial a criação de ambientes laborais mais saudáveis, com uma aposta

clara na saúde mental dos trabalhadores e na criação de condições que permitam conciliar a sua vida

profissional com a vida pessoal e familiar, particularmente através da redução do tempo de trabalho e do

aumento de tempos de repouso e de lazer.

Por último, a discriminação em contexto laboral é, ainda hoje, uma realidade, sendo, por isso, indispensáveis

medidas que a proíbam e promovam a igualdade. Neste âmbito, devemos garantir a monitorização das recentes

alterações legislativas em matéria de assédio e igualdade remuneratória entre homens e mulheres e melhorar

a empregabilidade dos imigrantes, bem como das pessoas com deficiência, as quais ainda são confrontadas

com muitos entraves no acesso ao mercado de trabalho e no acesso ao seu trabalho no dia a dia.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr.ª Deputada.

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A Sr.ª InêsdeSousaReal (PAN): — Vou concluir, Sr. Presidente.

Podem contar com o PAN para acompanhar as iniciativas aqui apresentadas, bem como as preocupações

trazidas. Continuaremos a trabalhar para garantir que a postos de trabalho permanente correspondem vínculos

de trabalho efetivo.

Aplausos do PAN.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Mara

Lagriminha.

A Sr.ª MaraCoelho (PS): — Sr. Presidente, Srs. Peticionários, da CGTP, Sr.as e Srs. Deputados: Por vezes,

para construirmos uma posição de futuro, é muito importante conhecermos o passado. E a Assembleia da

República é profícua em conhecermos um passado, um passado bastante recente.

Recordo que, entre 2011 e 2015, assistimos a um pesado processo de desregulação e individualização das

relações laborais, em Portugal. Assistimos a um País de costas voltadas, em detrimento do diálogo social, da

contratação coletiva e de relações laborais equilibradas, onde a precariedade se alargou no espaço social.

O Sr. PauloNeves (PSD): — Disparates! Está a dizer disparates!

A Sr.ª MaraCoelho (PS): — Ora, este não é o caminho que queremos, nem foi o caminho que seguimos na

anterior Legislatura.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

A estrada que trilhamos não foi um caminho de facilitismo, mas o caminho necessário para construir as

condições adequadas para um novo consenso social que contrarie a tendência excessiva de individualização

das relações laborais e que afirmou o diálogo social como vantagem estratégica da negociação, nomeadamente

para reposição da confiança e da dinâmica económica do nosso País.

A Sr.ª MariaAntóniadeAlmeidaSantos (PS): — Muito bem!

A Sr.ª MaraCoelho (PS): — Aquilo que fizemos e que se traduz na alteração, recentemente aprovada nesta

Assembleia da República, do Código do Trabalho, e que entrou em vigor no mês de outubro, foi recolocar o País

a caminhar na mesma direção, sem estarmos de costas voltadas, como foi apanágio dos tempos da PàF

(Portugal à Frente).

A Sr.ª MariaAntóniadeAlmeidaSantos (PS): — Bem lembrado!

Protestos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª MaraCoelho (PS): — Se há coisa que o PS, que a esquerda desta Assembleia conseguiu foi agregar

e unir a sociedade portuguesa…

O Sr. PauloNeves (PSD): — Não diga disparates!

A Sr.ª MaraCoelho (PS): — … e, por isso, caminhamos juntos contra a precariedade e enfrentamos esse

desafio de frente.

Aplausos do PS.

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Porém, hoje, nesta Assembleia e na discussão destes projetos de lei, ainda que unidos em torno do combate

à precariedade, não podemos deixar de estranhar a extemporaneidade da retoma destes diplomas. E digo

retoma porque, na Legislatura anterior, durante um ano, neste Plenário e no grupo de trabalho das leis laborais,

tivemos uma ampla discussão, análise e apresentação de propostas referentes às relações laborais, ao combate

à precariedade e ao trabalho temporário, do que resultou, e repito, depois dessa ampla e aberta discussão, na

aprovação do novo Código do Trabalho.

O Sr. JoãoOliveira (PCP): — Mas não deu grande resultado!

A Sr.ª MaraCoelho (PS): — Para o PS, o diálogo social continua a ser um fator de ajustamento e um desafio

muito importante para o combate às desigualdades.

A Sr.ª MariaAntóniadeAlmeidaSantos (PS): — Muito bem!

A Sr.ª MaraCoelho (PS): — Tal como o Primeiro-Ministro, António Costa, recordou aquando da aprovação

do Código do Trabalho, esta é a primeira legislação aprovada desde 1976 para combater a precariedade no

mercado de trabalho e representa uma rutura com muitos anos de práticas — más práticas — no que toca à

precariedade.

O Sr. JoãoOliveira (PCP): — Isso é manifestamente exagerado!

O Sr. PedroFilipeSoares (BE): — Não exageremos!

A Sr.ª MaraCoelho (PS): — Para tal, introduzimos a limitação do uso excessivo de contratos de trabalho a

termo, a promoção da contratação sem termo de trabalhadores à procura do primeiro emprego e desempregados

de longa duração, a garantia de maior proteção dos trabalhadores temporários, a promoção de maior dinamismo

da contratação coletiva.

No entanto, o combate à precariedade e as restrições ao trabalho temporário não se esgotam apenas nas

alterações legislativas, mas também na melhoria dos meios de fiscalização da Autoridade para as Condições do

Trabalho.

O Orçamento do Estado reforça essa ação promovendo a melhoria das condições de trabalho e dinamizando

a negociação coletiva. Para tal, é objetivo reforçar a ACT, incluindo a conclusão do processo de recrutamento

de 80 novos inspetores, um novo recrutamento externo de inspetores com intuito de cumprir os rácios, um

recrutamento para reforçar os recursos, a melhoria dos meios necessários à atuação inspetiva no terreno e a

interconexões de dados com outros organismos para garantir uma maior eficácia das ações inspetivas.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª MaraCoelho (PS): — Vou terminar, Sr. Presidente.

Eis o tempo da consolidação das políticas públicas. Este não pode ser o tempo do dislate legislativo, porque

a mudança só se faz e opera com o tempo necessário para se perceber os impactos na sociedade e o PS irá

sempre contribuir para ser o garante dessa segurança, estabilidade e confiança!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Carla

Barros.

A Sr.ª CarlaBarros (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por saudar os peticionários

que subscreveram esta petição sobre o combate à precariedade, uma petição da CGTP.

Gostaria de dar aos Srs. Peticionários uma nota de tranquilidade sobre aquilo que é a agenda política do

PSD nesta matéria.

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O Sr. JoãoOliveira (PCP): — É o tabu da tarde!

A Sr.ª CarlaBarros (PSD): — O PSD, nesta matéria, tem no topo das suas prioridades o combate à

precariedade laboral.

Mesmo em tempos em que o País passava por inúmeras dificuldades, tivemos uma agenda forte para a

competitividade, uma agenda forte para o crescimento económico, uma agenda forte para o crescimento do

emprego, mas nunca abdicámos da questão da qualidade do emprego — mais emprego, sempre acompanhado

por melhor emprego.

Protestos do PS.

O Sr. JoãoOliveira (PCP): — Que descaramento!

A Sr.ª CarlaBarros (PSD): — Sr.as e Srs. Deputados, sei que o discurso não agrada muito ao Partido

Socialista, mas já lá vou.

Sobre a CGTP, deixo uma nota: gostaria de apelar à CGTP para que encontre, também no seio da

concertação social, no seio do diálogo social saudável, tripartido — com os patrões, com o Governo, com os

representantes dos trabalhadores —, o melhor entendimento sobre esta matéria da precariedade.

Sabemos que os melhores alcances, os melhores alicerces da legislação laboral são encontrados no seio da

concertação social. Por isso, apelo a que a CGTP ensaie este entendimento neste órgão tripartido.

Agora, iria dirigir algumas palavras aos autores dos projetos de lei, ao PCP e ao Bloco de Esquerda, mas a

intervenção do Partido Socialista merece que nós a chamemos aqui a debate, até porque, Sr.as e Srs. Deputados,

têm responsabilidade pelos últimos quatro anos e é importante que, depois da intervenção da Sr.ª Deputada

Mara Lagriminha, possamos chamar aqui o Partido Socialista à responsabilidade por aquilo que escreveram na

história do combate à precariedade — não escreveram nada, escreveram zero, Sr.ª Deputada!

Protestos do PS.

A prova disso é que os senhores usaram um discurso com floridos, com palavras, mas esqueceram-se de ir

buscar os números. O PSD não tem medo de falar em números. Vamos falar naquele relatório que a Sr.ª

Deputada não leu e que saiu no passado dia 27 de novembro, que é o relatório-síntese do emprego público.

Sr.ª Deputada, o patrão dos funcionários públicos é o Governo. É ou não é? A Sr.ª Deputada sabe que os

dados do terceiro trimestre de 2019 apontam um crescimento de mais 4611 contratados a prazo? Vamos

comparar com o Governo do PSD, de que a Sr.ª Deputada tanto falou? Vamos ao PSD?

Então, deixe-me dizer-lhe: se compararmos com o mesmo trimestre, o terceiro trimestre de 2015, do Governo

do PSD, o Partido Socialista aumentou 7,3% a precariedade na Administração Pública.

Aplausos do PSD.

Eu não preciso de palavras, eu uso números, Sr.ª Deputada, e os números, aqueles que o Partido Socialista

não gosta de ler, desmontam qualquer realidade.

Portanto, Srs. Deputados do PCP, do Bloco de Esquerda e do Partido Socialista, o combate à precariedade

foi a bandeira que os uniu — certamente que foi —, mas de combate à precariedade não temos nada.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr.ª Deputada

A Sr.ª CarlaBarros (PSD): — Temos, infelizmente, o aumento da precariedade laboral, que é aquilo por que

os senhores têm de responder aos portugueses e, enfim, pedir desculpas, se tiverem tempo!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado José Luís

Ferreira.

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O Sr. JoséLuísFerreira (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A solução que o PSD encontrou

de combater a precariedade, Sr.ª Deputada Carla Barros, fez-me lembrar aquela ideia de alguém que, para

combater os fogos, arrancava as árvores.

Risos.

O PSD combatia a precariedade despedindo funcionários públicos. Foi isso que fez.

Risos e aplausos do PEV, do PCP e de Deputados do PS.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Essa está boa!

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, antes de mais, em nome de Os Verdes, queria saudar os

cidadãos que subscreveram a petição que motivou este agendamento, bem como a Confederação Geral dos

Trabalhadores Portugueses — Intersindical Nacional (CGTP-IN), que a promoveu e dinamizou.

Queria também dizer que Os Verdes acompanham, na íntegra, tanto as preocupações como os objetivos

expressos nesta petição, porque exigir o fim da precariedade laboral, exigir emprego com direitos e exigir que a

um posto de trabalho corresponda um vínculo de trabalho efetivo mais não é do que exigir respeito por quem

trabalha. E quem trabalha tem razão, sobretudo quando constatamos que a precariedade tem vindo a tomar

conta da realidade laboral no nosso País.

Na verdade, as opções políticas assentes nos baixos salários e no trabalho sem direitos, bem como as várias

alterações legislativas em matéria laboral, constituem fatores determinantes para a generalização da

precariedade laboral, para a desregulação das condições de trabalho e para a fragilização dos direitos laborais.

Sobre esta matéria, é bom não esquecer que, quando falamos de precariedade laboral, estamos a falar de

relações laborais à margem da lei, estamos a falar de atropelos aos direitos de quem trabalha, estamos a falar

da violação de direitos fundamentais, estamos a falar da degradação das condições de trabalho e estamos a

falar do aumento dos níveis de exploração. Estes são os factos, os números são ainda mais cruéis.

No nosso País, mais de 1 milhão de pessoas trabalham com vínculo laboral precário, contratos a termo

grosseiramente ilegais, recibos verdes que apenas disfarçam um suposto regime de prestação de serviços,

eternas bolsas de investigação que mais não visam do que perpetuar a precariedade e contratos de trabalho

temporário, em claro confronto com as mais elementares regras do direito do trabalho, porque de temporário

não têm nada.

É este o retrato laboral no nosso País, um retrato de mentiras, de falsidades e de simulações, com o único

propósito de enganar as estatísticas do desemprego, de institucionalizar o trabalho sem direitos e de acentuar

a exploração de quem trabalha. Mas é, também, um retrato de intervalos, porque os períodos de precariedade,

curtos ou longos, intervalam invariavelmente com períodos de desemprego. Uns meses precário, uns meses

sem trabalho, é este o ritmo de vida que está imposto a milhares e milhares de trabalhadores e que importa

combater, até porque, quando combatemos a precariedade laboral, não estamos apenas a combater a mentira

nas relações laborais e o atropelo aos direitos de quem trabalha, estamos também a combater o desemprego.

Portanto, importa respeitar quem trabalha, repor a verdade e, ao mesmo tempo, moralizar as relações

laborais. Ou seja, importa, sobretudo, combater a precariedade laboral, garantir emprego com direitos e

assegurar que a um posto de trabalho efetivo corresponda também um vínculo de trabalho efetivo.

É este o compromisso de Os Verdes e é nesse sentido, é com esse objetivo que Os Verdes vão continuar a

trabalhar em matéria laboral.

Aplausos do PEV e do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado João

Almeida.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quero começar por

cumprimentar os peticionários, desde logo a CGTP, e por dizer que, do ponto de vista do CDS, normalmente, a

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matéria em discussão provoca estas tensões político-partidárias, e até ideológicas, mas isso resolve pouco na

vida de quem está, efetivamente, nesta situação. Acho que ninguém se pode conformar com a situação atual,

designadamente quem governou nos últimos quatro anos de forma inédita, com uma maioria de esquerda, e

não conseguiu produzir uma diferença substancial na realidade da precariedade do trabalho em Portugal.

Protestos do Deputado do PEV José Luís Ferreira.

Nem sequer na Administração Pública, onde se propuseram resolver o problema, o conseguiram fazer.

Portanto, a nossa posição é a mesma que serenamente tivemos no passado, a de que o trabalho precário

se combate de várias maneiras, entre as quais com fiscalização, o que não melhorou no tempo do Governo de

esquerda. Combate-se, também, com a promoção de acordos tripartidos na concertação social, que permitam

a estabilidade suficiente para que as medidas que venham a ser decididas possam produzir resultados. Porque

a questão é que, muitas vezes, aquilo que, panfletariamente, a esquerda apresenta sucessivas vezes como

sendo a solução do problema da precariedade em Portugal…

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Um problema que vocês criaram!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Os senhores já resolveram retoricamente o problema da

precariedade cinco ou seis vezes, mas, na prática, nunca conseguiram chegar perto disso. O problema é que,

na prática, as soluções que não derivam de um diálogo social aberto, aprofundado e consistente têm, depois,

dificuldades em ser implementadas.

Portanto, ou nós percebemos a importância desse caminho, e seguimo-lo, ou continuamos nesta batalha

político-ideológica, que não adianta absolutamente nada, e a promover unilateralmente medidas que depois

alteram pouco a realidade.

Por isso, dizemos que, primeiro, é necessário que haja estabilidade na evolução do emprego, que é positiva,

mas não desde a anterior Legislatura. Essa evolução é positiva desde o Governo que alterou — é verdade! —

as leis do trabalho, que os senhores muito criticam, mas foi exatamente a seguir a essa alteração…

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Isso não foi connosco! Foi antes de nós.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Pois foi! É o que estou a dizer. Foi antes, foi no Governo

PSD/CDS. Mas eu estou a dizer isso! Alterou leis do trabalho que são criticadas quer no projeto do PCP, quer

no projeto do Bloco de Esquerda, mas, curiosamente, foi a seguir a essa alteração, com um Governo PSD/CDS,

que o emprego começou a subir.

Risos de Deputados do PS.

Portanto, até hoje, os senhores têm de fazer a prova de que uma legislação que diabolizam teve, de facto, o

efeito que anunciaram no mercado de trabalho, porque o que dizem os dados é que essa legislação permitiu

aumentar o emprego em Portugal.

Protestos do Deputado do PEV José Luís Ferreira.

Até hoje, esse ciclo foi imparável e, portanto, os senhores vão ter de provar que algum dia a legislação que

apresentaram e que eventualmente aprovarem conseguirá ter o efeito no mercado de trabalho que teve aquela

que foi aprovada no Governo PSD/CDS.

Aplausos do CDS-PP.

Protestos do Deputado do PEV José Luís Ferreira.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, a próxima reunião plenária realizar-se-á amanhã, com

início às 10 horas.

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No primeiro ponto da ordem de trabalhos, iremos proceder às eleições do Presidente do Conselho Económico

e Social e dos elementos designados pela Assembleia da República para a Comissão Nacional de Eleições,

para o Conselho Superior da Magistratura e para o Conselho Superior do Ministério Público.

No segundo ponto, vamos apreciar a Petição n.º 589/XIII/4.ª (José Duarte de Almeida Ribeiro e Castro e

outros) — Solicitam a alteração da Lei Eleitoral da Assembleia da República, preconizando a reforma do sistema

eleitoral.

No terceiro ponto, teremos a apreciação da Petição n.º 567/XIII/4.ª (António Mateus Simão da Conceição

Ferreira de Carvalho e outros) — Solicitam a adoção de medidas com vista à proibição do herbicida glifosato

em Portugal, juntamente com, na generalidade, os Projetos de Lei n.os 77/XIV/1.ª (PAN) — Determina a

obrigatoriedade de proceder a análise mensal das águas destinadas a consumo humano a fim de verificar da

presença de glifosato, 78/XIV/1.ª (PAN) — Visa a não comercialização de herbicidas com glifosato para usos

não profissionais, 81/XIV/1.ª (BE) — Determina a obrigatoriedade de análise à presença de glifosato na água

destinada ao consumo humano (terceira alteração ao Regime da Qualidade da Água Destinada ao Consumo

Humano, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 306/2007, de 27 de agosto), 82/XIV/1.ª (BE) — Proíbe a aplicação de

produtos contendo glifosato em zonas urbanas, zonas de lazer e vias de comunicação (segunda alteração à Lei

n.º 26/2013, de 11 de abril) e 83/XIV/1.ª (BE) — Proíbe o uso não profissional de produtos contendo glifosato

(primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 101/2009, de 11 de maio, e terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 173/2005,

de 21 de outubro) e com o Projeto de Resolução n.º 21/XIV/1.ª (PEV) — Medidas para erradicar o uso do

glifosato.

No quarto ponto, apreciaremos a Petição n.º 513/XIII/3.ª (Pedro Choi de Amélia Cordeiro e outros) —

Igualdade no exercício profissional de terapeutas não convencionais.

No quinto ponto, iremos apreciar a Petição n.º 592/XIII/4.ª (Susana Maria de Oliveira Santos e outros) —

Solicitam a criação de legislação para locais de acolhimento de animais de quinta e selvagens, conhecidos como

santuários ou refúgios de vida animal, juntamente com, na generalidade, os Projetos de Lei n.os 90/XIV/1.ª (PAN)

— Prevê a melhoria do sistema de identificação do fim funcional de equídeos com vista à sua proteção e

96/XIV/1.ª (PCP) — Cria a rede de centros de acolhimento e reabilitação de animais selvagens e exóticos e com

os Projetos de Resolução n.os 74/XIV/1.ª (BE) — Criação de locais de acolhimento de animais selvagens e de

animais de quinta e respetivo quadro jurídico e 82/XIV/1.ª (PAN) — Recomenda ao Governo a criação de um

enquadramento jurídico para os locais de acolhimento de animais de quinta e de animais selvagens.

No sexto ponto, teremos a apreciação da Petição n.º 599/XIII/4.ª (Maria de Lurdes Lopes Pedro e outros) —

Solicitam a concessão de convenção para o Centro Médico de Diálise da Benedita, Alcobaça, juntamente com

o Projeto de Resolução n.º 76/XIV/1.ª (BE) — Reforço da oferta pública na área da hemodiálise.

Seguir-se-á, no sétimo ponto, sem tempos atribuídos para discussão, o Projeto de Lei n.º 174/XIV/1.ª (BE,

PS, PCP, PSD, CDS-PP, PAN e PEV) — Prorrogação da vigência do Observatório Técnico Independente para

análise, acompanhamento e avaliação dos incêndios florestais e rurais que ocorram no território nacional, criado

pela Lei n.º 56/2018, de 20 de agosto.

Do oitavo ponto, também sem tempos atribuídos para discussão, consta o Projeto de Deliberação n.º

5/XIV/1.ª (PAR) — Processo orçamental na Assembleia da República.

No final dos debates, haverá votações regimentais.

Srs. Deputados, estamos a concluir os nossos trabalhos. Desejo a todos um bom regresso a casa, tendo em

conta o mau tempo que se faz sentir.

Como os Srs. Deputados sabem, vai agora decorrer, no Salão Nobre, o tradicional lanche de Natal da

Assembleia da República.

Até amanhã e muito boa noite a todos.

Está encerrada a reunião plenária.

Eram 18 horas e 57 minutos.

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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