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Quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020 I Série — Número 27

XIV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2019-2020)

REUNIÃOPLENÁRIADE12DEFEVEREIRODE 2020

Presidente: Ex.mo Sr. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues

Secretários: Ex.mos Srs. Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Ana Cristina Cardoso Dias Mesquita Ana Sofia Ferreira Araújo

S U M Á R I O

O Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 3

minutos. Deu-se conta da entrada na Mesa das Propostas de Lei

n.os 13 a 15/XIV/1.ª, do Projeto de Lei n.º 195/XIV/1.ª e dos Projetos de Resolução n.os 241 e 242/XIV/1.ª.

Em declaração política, a Deputada Ana Rita Bessa (CDS-PP) criticou o agendamento da discussão e votação de projetos de lei sobre a eutanásia, considerando necessária uma maior reflexão e mais pareceres técnicos sobre o tema. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos

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Deputados André Silva (PAN), Bacelar de Vasconcelos (PS), José Manuel Pureza (BE) e António Filipe (PCP).

Em declaração política, o Deputado André Silva (PAN) defendeu alterações às regras de nomeação do Governador do Banco de Portugal, tendo anunciado a apresentação de um projeto de lei nesse sentido. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Deputados Fernando Anastácio (PS), Duarte Pacheco (PSD), Mariana Mortágua (BE), João Pinho de Almeida (CDS-PP) e Duarte Alves (PCP).

Em declaração política, o Deputado José Luís Ferreira (PEV) referiu-se à necessidade de publicação de legislação relativa à proteção dos solos e reparação de áreas contaminadas, após o que respondeu a pedidos de esclarecimento dos Deputados Hugo Patrício Oliveira (PSD), Joana Lima (PS), Paula Santos (PCP) e Nelson Peralta (BE).

Em declaração política, o Deputado Carlos Pereira (PS) abordou questões relativas ao investimento público nos últimos anos e à necessidade do seu aumento, com vista a um maior crescimento económico, após o que respondeu a pedidos de esclarecimento dos Deputados Cristóvão Norte (PSD), Bruno Dias (PCP), João Gonçalves Pereira (CDS-PP) e Isabel Pires (BE).

Em declaração política, o Deputado José Silvano (PSD) deu conta da realização do 38.º Congresso do PSD, em Viana do Castelo, e da estratégia política aí aprovada, tendo ainda agradecido a presença dos representantes dos diversos partidos políticos. Em seguida, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Deputados Porfírio Silva (PS), Cecília Meireles (CDS-PP), Inês de Sousa Real (PAN), João Oliveira (PCP) e Pedro Filipe Soares (BE), que também saudaram o PSD pela realização do seu Congresso.

Em declaração política, a Deputada Sandra Cunha (BE) lembrou o referendo sobre o aborto realizado há 13 anos e considerou que o caminho a prosseguir deveria ser o de o Serviço Nacional de Saúde garantir todas as condições para se realizarem as interrupções voluntárias da gravidez solicitadas e o respetivo acompanhamento. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento das Deputadas Isabel Alves Moreira (PS) e Alma Rivera (PCP).

Em declaração política, a Deputada Paula Santos (PCP) manifestou indignação por haver hospitais que estão impedidos de adquirir medicamentos por causa da Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em Atraso e informou a

Câmara do agendamento de um projeto de lei do seu grupo parlamentar excecionando da aplicação desta Lei a aquisição de medicamentos, produtos químicos e farmacêuticos, material clínico e dispositivos médicos nas unidades de saúde que integram o SNS. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Deputados Moisés Ferreira (BE), Álvaro Almeida (PSD), André Ventura (CH), Bebiana Cunha (PAN) e Paulo Marques (PS).

Foi apreciada a Petição n.º 216/XIII/2.ª (União dos Sindicatos do Distrito de Viseu) — Solicitam a adoção de medidas de combate à desertificação do interior do País, juntamente com, na generalidade, o Projeto de Lei n.º 24/XIV/1.ª (PEV) — Determina a elaboração pelo Governo de relatório anual sobre as assimetrias regionais em Portugal, prévia à apresentação do Orçamento do Estado, com vista à sua apresentação à Assembleia da República, juntamente com os Projetos de Resolução n.os 211/XIV/1.ª (BE) — Investir na coesão territorial e combater a desertificação do interior do País, 218/XIV/1.ª (BE) — Plataforma Digital em Sistema de Informação Geográfica (SIG) e 237/XIV/1.ª (PCP) — Recomenda ao Governo a realização de um plano de desenvolvimento do território nacional com medidas de valorização do interior e de combate ao abandono do mundo rural. Proferiram intervenções os Deputados José Luís Ferreira (PEV), José Maria Cardoso (BE), Ana Mesquita (PCP), Isaura Morais (PSD), João Cotrim de Figueiredo (IL), Cecília Meireles (CDS-PP), José Rui Cruz (PS) e André Ventura (CH).

Procedeu-se à apreciação conjunta da Petição n.º 510/XIII/3.ª (Fernando António Pinheiro Correia e outros) — Sobre a operação da Altice de aquisição do Grupo Media Capital e seus efeitos e do Projeto de Resolução n.º 193/XIV/1.ª (PEV) — Adoção dos mecanismos necessários com vista a impedir a compra do Grupo Media Capital pela Cofina, assim como a impedir conglomerados na área da comunicação social. Intervieram os Deputados José Luís Ferreira (PEV), Diana Ferreira (PCP), João cotrim de Figueiredo (IL), José Magalhães (PS), Jorge Costa (BE), André Ventura (CH) e Paulo Rios de Oliveira (PSD).

O Presidente (José Manuel Pureza) encerrou a sessão eram 18 horas e 29 minutos.

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O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Funcionários, Sr.as e Srs. Jornalistas, vamos dar início à sessão.

Eram 15 horas e 3 minutos. Srs. Agentes de autoridade, peço para abrirem as portas das galerias. Antes de entrarmos na ordem do dia, a Sr.ª Secretária Deputada Maria da Luz Rosinha tem várias

comunicações para nos fazer. Faça favor, Sr.ª Secretária. A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa,

e foram admitidas, as iniciativas legislativas que passo a anunciar: Propostas de Lei n.os 13/XIV/1.ª (ALRAM) — Procede à alteração do Código do Imposto Sobre o Valor Acrescentado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de dezembro — Isenção das prestações de serviços efetuadas no exercício da profissão de médico-veterinário do pagamento do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), que baixa à 5.ª Comissão; 14/XIV/1.ª (ALRAM) — Procede à alteração do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro, e ao Decreto-Lei n.º 413/98, de 31 de dezembro, na sua redação atual, que aprovou o Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira — Pelo direito das Regiões Autónomas à receita fiscal de IRC resultante dos rendimentos obtidos no seu território, que baixa à 5.ª Comissão, e 15/XIV/1.ª (ALRAM) — Procede à alteração do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro — Pela eliminação da tributação, em sede de IRS, sobre as compensações e subsídios auferidos pelos bombeiros portugueses na prestação do serviço voluntário, que baixa à 5.ª Comissão.

Deram ainda entrada na Mesa, e foram admitidos, o Projeto de Lei n.º 195/XIV/1.ª (IL) — Regula a antecipação do fim da vida, de forma digna, consciente e medicamente assistida, que baixa à 1.ª Comissão, em conexão com a 9.ª Comissão, e os Projeto de Resolução n.os 241/XIV/1.ª (BE) — Recomenda ao Governo colocar em consulta pública os programas de ação do Plano Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais, que baixa à 7.ª Comissão e 242/XIV/1.ª (PAN) — Recomenda ao Governo que assegure uma participação determinante do Estado no capital social dos CTT — Correios de Portugal, SA, que baixa à 6.ª Comissão.

É tudo, Sr. Presidente. O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos, então, entrar na ordem do dia. O primeiro ponto destina-se a declarações políticas, a primeira das quais cabe ao Grupo Parlamentar do

CDS-PP. Tem, pois, a palavra, para uma declaração política, a Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa. A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No dia 20 de fevereiro, o

Parlamento português voltará a discutir e a votar, na generalidade, os projetos de lei do PS, do Bloco, do PAN e de Os Verdes para, sob determinadas condições, legalizar a eutanásia.

O agendamento foi decidido no dia 30 de janeiro, em pleno período de discussão orçamental, sem nenhum tempo prévio para preparação, para auscultação de interessados, e faltando, ainda, alguns pareceres, como o do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, da Ordem dos Advogados, da Ordem dos Psicólogos e até da Ordem dos Médicos, no caso do projeto do PEV.

Dir-me-ão que já houve tempo, em maio de 2018, para a discussão, para os pareceres e para todos os esclarecimentos. A isso respondo com simplicidade: se essa discussão já aconteceu, e se já aconteceu de forma clarificadora, o resultado da votação de então também foi clarificador. E o Parlamento votou contra a eutanásia.

Se a discussão está encerrada, então, a decisão também deveria estar. Mas, no dia 20 de fevereiro, nós, os 230 Deputados, seremos novamente chamados a decidir sobre a legalização da eutanásia.

Partidos como o PS ou o PSD não apresentaram, nos seus programas eleitorais, uma posição sobre esta matéria. Isto significa que 187 Deputados votarão sem um mandato claro por parte dos seus eleitores. Votarão, por isso, de acordo com a indicação do partido, dada a posteriori, ou de acordo com a sua consciência. Muitos destes 187 Srs. Deputados e Sr.as Deputadas não estavam aqui na discussão anterior e mereceriam, se não por

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si pelo menos por aqueles que representam, o mesmo tempo de consulta, reflexão e discussão que foi permitido na Legislatura anterior, antes do voto na generalidade.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Muito bem! A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — A pressa não é sensata nem recomendável num assunto desta

natureza. E não deixa de ser inquietante perceber que esta pressa não tenha existido noutras iniciativas legislativas, até consensuais nos seus princípios, como o Estatuto do Cuidador Informal, que precisou de três anos e meio entre a primeira proposta, trazida pelo CDS, e a lei final, aprovada em setembro de 2019, e que ainda hoje não produziu efeitos.

Igualmente inquietante é votarmos sobre a legalização da eutanásia quando acabámos de conhecer o Relatório de Outono do Observatório Português de Cuidados Paliativos, que expõe que a cobertura universal de cuidados paliativos no nosso País está longe de estar alcançada, com profundas assimetrias quer a nível geográfico quer a nível de tipologias de cuidado. Esse Relatório refere também que, em 2018, cerca de 102 000 doentes adultos e cerca de 8000 crianças necessitaram de cuidados paliativos, mas apenas 25% dos adultos e 0,1% das crianças tiveram efetivo acesso. Diz igualmente que existe o equivalente a 66 médicos, quando deveria haver pelo menos 496; que temos 243 enfermeiros, quando deveriam existir 2384; que aí trabalham 17 psicólogos, quando a necessidade é de 195, e 22 assistentes sociais, quando deveriam ser também 195.

Sr.as e Srs. Deputados: Segundo este Relatório, em 2018, a mediana dos tempos de dedicação semanal a cada doente em cuidados paliativos é de 44,5 minutos na área da medicina, 82,5 minutos na da enfermagem, 8,8 minutos na da psicologia e 10 minutos na área do serviço social. Repito: são três quartos de hora por semana em cuidados médicos e 10 minutos de apoio social oferecidos a um doente em situação-limite.

Argumentarão que cuidados paliativos e eutanásia são assuntos diferentes, mas a verdade é que são indissociáveis. Sem cuidados paliativos, que escolha julgam estar a dar?!

Perante um sofrimento sem alívio, em solidão, sem cuidados nem cuidador, a eutanásia será uma limitação e não uma ampliação da escolha. Será, por omissão, empurrar as pessoas e as suas famílias para vivências evitáveis. Serão escolhas, afinal, desumanas sob uma capa de humanização.

Sr.as e Srs. Deputados: Este agendamento, rápido e sem discussão, não é um modo informado e justo de tratar este tema. É verdade que cumpre os requisitos processuais, mas, num assunto como este, seria esperado desta Casa mais do que os mínimos, desde logo nos tempos de debate. De um total de 157 minutos, o «não» tem apenas 18 para expor os seus argumentos.

O CDS apresentar-se-á nesta discussão com um mandato claro e conhecido: o suporte infatigável à vida. Cada um de nós fez e fará o discernimento das suas razões e, no dia 20, votaremos contra.

Gostaria que cada Sr. Deputado tivesse o tempo de amadurecimento para uma decisão que o acompanhará para o resto da vida, com implicações fortes na vida de muitos e que, por isso, merecia de nós mais do que 157 minutos na tarde do dia 20 de fevereiro de 2020.

Aplausos do CDS-PP e do Deputado do PSD Ricardo Baptista Leite. O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa, inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, quatro Srs.

Deputados. Não sei como pretende responder… A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Responderei em conjunto, Sr. Presidente. O Sr. Presidente: — Então, para pedir esclarecimentos, tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado

André Silva, do PAN. O Sr. André Silva (PAN): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa, nem uma semana passou desde

que ouvimos, nesta mesma Câmara, a Sr.ª Deputada Cecília Meireles a reclamar do excesso de intervenção que o Estado assume na vida dos cidadãos, um Estado, dizia, e vou citar, «que acha que pode controlar e fazer juízos morais sobre a vida de cada um».

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Estivesse um qualquer cidadão, que desconhecesse o que se debatia e que não conhecesse a Sr.ª Deputada, a ouvir aquele debate e poderia perfeitamente achar que se debatia a não penalização da morte medicamente assistida e que o CDS era uma acérrimo defensor das liberdades individuais.

Porém, sabemo-lo bem, aquelas palavras não eram sobre liberdades individuais, eram sobre impostos. Só mesmo cidadãos pouco atentos ou recém-chegados ao nosso País se podem deixar surpreender pela posição que o CDS assume em relação à despenalização da morte medicamente assistida, exatamente a mesma posição conservadora já assumida, no passado, noutras matérias, como a da interrupção voluntária da gravidez, a do casamento entre pessoas do mesmo sexo, a adoção por casais do mesmo sexo ou a procriação medicamente assistida.

É caso para dizer que, para o CDS, Estado mínimo só em matéria fiscal, ou seja, liberdade só mesmo a fiscal.

Para o PAN, a despenalização e a regulamentação da morte medicamente assistida assumem a expressão maior dos direitos individuais e não aceitamos as mentiras e as chantagens sobre o suposto desvario que aí vem, com a aprovação de uma lei que alarga a autonomia das pessoas.

Um Estado democrático e plural tem de dar respostas concretas a pessoas e a problemas concretos. A possibilidade de cada pessoa conformar a sua vida de acordo com os seus valores, de acordo com a sua mundivisão tem de ser garantida. Não aceitamos que orientações políticas, religiosas ou filosóficas mantenham uma visão de Estado autoritário que impeça alargar a liberdade, a autonomia e a autodeterminação das pessoas.

Aplausos do PAN. O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Bacelar de

Vasconcelos, do Grupo Parlamentar do PS. O Sr. Bacelar de Vasconcelos (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa, tenho de confessar

que a ouvi com imenso agrado e que estaria até tentado a concordar com grande parte das questões que aflorou na sua intervenção.

Sucede, porém, que a questão que aqui tratamos não é nem eutanásia, que está prevista e punida no Código Penal, e ninguém aqui pretende apagar essa punição, nem cuidados paliativos, que também geram um larguíssimo consenso nesta Casa.

O que é verdadeiramente surpreendente, e, confesso, Sr.ª Deputada, algo lesivo da própria dignidade da instituição parlamentar, é que, há menos de dois anos, travámos aqui um debate sereno e profundo não sobre a eutanásia, não sobre os cuidados paliativos, que, repito, merecem um largo consenso nesta Casa, mas sobre uma medida que visa exclusivamente…

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Legalizar a eutanásia! O Sr. Bacelar de Vasconcelos (PS): — … proteger e reforçar a liberdade e a dignidade humana: a morte

assistida, prevista nos vários projetos que discutimos e sobre os quais ouvimos todas as instituições e todos os cidadãos que manifestaram interesse, em duas comissões de trabalho, constituídas no âmbito da 1.ª Comissão, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, a segunda das quais presidida por uma Deputada do CDS, a Sr.ª Deputada Vânia Dias da Silva, que, infelizmente, já não está entre nós,…

Vozes do CDS-PP: — Está, está! Calma! Está em Braga! O Sr. Bacelar de Vasconcelos (PS): — Entre nós, aqui, nesta Casa! Mas essa é uma questão que apenas

o CDS pode esclarecer. Nessa ocasião, houve oportunidade abundante para esclarecer, precisar e registar uma operação

extremamente delicada de defender a liberdade e a dignidade da vida humana. O Sr. Presidente: — Tem de terminar, Sr. Deputado.

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O Sr. Bacelar de Vasconcelos (PS): — É isso que temos de discutir e não os preconceitos ou os tabus de que aqui se fez eco.

Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra, para um pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado José Manuel

Pureza, do Bloco de Esquerda. O Sr. JoséManuelPureza (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa,

queria cumprimentá-la pelo modo sereno como fez a sua declaração política, porque é justamente nesse registo que entendemos que esta questão complexa deve ser abordada no Parlamento e fora dele. Mas o cumprimento pelo registo formal, que apreciamos, não é, evidentemente, uma concordância com a substância.

Na verdade, o que temos para decidir — e não vamos hoje antecipar esse debate que temos vindo a fazer ao longo de muito tempo, mas a que voltaremos no dia 20 —, é, em bom rigor, se estamos ou não estamos, enquanto Deputados e Deputadas, disponíveis para dar uma resposta positiva àquelas pessoas que, conscientemente, não querem ter o seu fim de vida nem mergulhado em agonia, nem mergulhado em perda de sentido relacional, resultante de cuidados paliativos intensos.

Por isso mesmo, colocar a questão, como a Sr.ª Deputada colocou, como uma alternativa, na prática, entre cuidados paliativos e despenalização da morte assistida não nos parece ser um caminho certo. Na verdade é um caminho que tem de ser complementar.

Deste lado, têm uma bancada que está firmemente empenhada, como demonstrámos tão recente no próprio debate do Orçamento, em contribuir para que se cumpra o conjunto de desígnios que estão estabelecidos no Plano Estratégico para o desenvolvimento dos Cuidados Paliativos, já em 2020.

Sr.ª Deputada, aquilo que temos de decidir é, na verdade, se estamos, ou não, disponíveis para alargar o espaço da tolerância em Portugal. É essa a decisão que vamos ter de tomar no dia 20.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de concluir. O Sr. JoséManuelPureza (BE): — Termino, Sr. Presidente. Estou convencido de que haverá nesta Câmara uma larga maioria de pessoas que estão disponíveis para

assumir todas as responsabilidades pelo alargamento da tolerância em Portugal. Aplausos do BE. O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para um pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado António Filipe, do

PCP. O Sr. AntónioFilipe (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as Deputados, a Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa antecipou,

de certa forma, parte do debate que, naturalmente, iremos ter no dia 20. O que, fundamentalmente, queríamos dizer, hoje, é que o que vamos discutir no dia 20 não é a consciência

individual de cada um. A Sr.ª IsabelAlvesMoreira (PS): — Muito bem! O Sr. AntónioFilipe (PCP): — Não vamos discutir a validade da opção de alguém que faça um juízo sobre

o seu fim de vida. Vamos discutir uma atitude do Estado, uma atitude do legislador. É isso que vamos discutir. O Sr. AfonsoOliveira (PSD): — Ora bem! O Sr. AntónioFilipe (PCP): — Daí que, quando se traz aqui à discussão a questão dos cuidados paliativos,

a questão que se pode colocar é esta: um Estado que não garante cuidados paliativos às pessoas, um Estado que não garante, ainda, as condições para que as pessoas possam ter uma situação de conforto, de não

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sofrimento no seu fim de vida, é o mesmo Estado que vai garantir as condições legais para que as pessoas possam pedir ao Estado que as ajude a morrer? É essa a questão!

Não estamos aqui a discutir a dignidade das pessoas, a dignidade de cada um. Estamos a discutir a dignidade do Estado perante esta questão, que mais não é do que a assunção das suas responsabilidades perante os cuidados que deve prestar às pessoas em fim de vida.

O Sr. Luís MarquesGuedes (PSD): — Muito bem! O Sr. AntónioFilipe (PCP): — Sr.ª Deputada, é importante haver uma reflexão sobre as experiências que

existem. Sabemos que há quatro países na Europa que foram pelo caminho da legalização da eutanásia. O Sr. JoséManuelPureza (BE): — Mais um, ontem! O Sr. AntónioFilipe (PCP): — Não fazemos processos de intenções, mas julgamos que se deve observar

a realidade. Sabendo a realidade que existe em países como a Suíça ou como a Holanda em matéria da eutanásia, que também tiveram legislação supostamente muito cuidadosa, temos de saber se é isso que queremos para o nosso País.

Não é isso que, no PCP, queremos para o nosso País e é essa a posição que iremos manter no debate, no dia 20, com todo o respeito pela opinião contrária, esperando, também, que haja tolerância e respeito para com a nossa posição.

Aplausos do PCP e de Deputados do PSD. O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa, do CDS-PP. A Sr.ª AnaRitaBessa (CDS): — Sr. Presidente, agradeço aos Srs. Deputados André Silva, Bacelar

Vasconcelos, José Manuel Pureza e António Filipe pelas questões colocadas. Falou-se de vários aspetos, e para começar, falou-se de liberdade. Sr. Deputado André Silva, quero mesmo

manter este debate no tom certo, mas não consigo comparar o que estamos a discutir com aquilo de que a Sr.ª Cecília Meireles tratou há uns dias atrás relativamente à liberdade de decidir sobre as escolhas alimentares.

Parece-me que estamos em planos tão diferentes que até acho desajustado trazer essa comparação para aqui.

Aplausos do CDS-PP e de Deputados do PSD. O Sr. AntónioFilipe (PCP): — Há tempo para tudo. A Sr.ª AnaRitaBessa (CDS): — Se estivéssemos a falar simplesmente de liberdade, da forma como o Sr.

Deputado aqui coloca a questão, então seria muito simples: bastaria alguém chegar a um hospital e, em plena consciência, pedir para ter a sua vida terminada, provada a sua sanidade para essa decisão.

A Sr.ª IsabelAlvesMoreira (PS): — Seria inconstitucional! A Sr.ª AnaRitaBessa (CDS): — O Sr. Deputado sabe que não é assim, desde logo porque no seu projeto

— aliás, em todos os projetos em discussão, com mais ou menos restrições, e, compreensivelmente, ainda bem — essa decisão é entregue a médicos, que validarão se ela pode ou não ser tomada, no limite, dizendo que não.

Portanto, não sei se é tão correto e tão rigoroso colocar essa questão no campo da liberdade de escolha, como aqui fez o Sr. Deputado. Na minha opinião, claramente não é.

O Sr. JoséManuelPureza (BE): — Queria a liberdade total?!

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A Sr.ª AnaRitaBessa (CDS): — Sim, Sr. Deputado José Manuel Pureza, estamos a decidir sobre a legalização da eutanásia.

A Sr.ª IsabelAlvesMoreira (PS): — Não é legalizar, é despenalizar! A Sr.ª AnaRitaBessa (CDS): — Podemos usar muitos eufemismos e falar sobre morte assistida, mas, na

verdade, o que estamos a discutir é a possibilidade de o Estado permitir que alguém, a pedido de outrem, retire a vida a essa pessoa.

Isso não é uma coisa menor. É uma alteração civilizacional, não é uma pequena alteração ao Código Penal. Como o Sr. Deputado bem sabe, trata-se de uma questão que tem implicações em todos os campos e valeria a pena pensarmos muito bem sobre o que estamos a fazer e não tentarmos menorizá-la a fim de que ela passe mais suavemente pela discussão.

Sobre o facto de sabermos se a discussão já existiu ou não, volto a dizer que, em maio de 2018, houve um tempo em que, antes da votação na generalidade, houve capacidade para refletir e discutir sobre os assuntos. Gostaria que, desta vez, tivesse havido o mesmo tempo, porque se esta discussão não é necessária, então, volto a dizer, a votação também não seria necessária. Se a discussão acabou e foi esclarecedora, a votação foi igualmente esclarecedora.

Para terminar, concordo inteiramente com aquilo que disse o Sr. Deputado António Filipe. Um Estado que não garante o acesso a 100% aos cuidados paliativos — independentemente da capacidade financeira, porque sabemos, realisticamente, que, hoje em dia, depende disso — é um Estado que se demitiu do seu papel de construir um contrato social, de o concretizar e de cuidar dos seus cidadãos até ao fim da sua vida, admitindo que não é capaz de o fazer, oferecendo, por isso, uma outra via, aparentemente mais humanizante, mas profundamente desumanizadora.

Aplausos do CDS-PP. O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra, para uma declaração política, o Sr. Deputado André Silva, do

PAN. O Sr. AndréSilva (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este Orçamento do Estado comporta em

si uma carga simbólica especial. Foi provavelmente o Orçamento do adeus de Mário Centeno, que, segundo notícias consistentes, que têm vindo a público nos últimos tempos, estará já de malas aviadas para suceder a Carlos Costa como Governador do Banco de Portugal. Este é ainda um tabu para o PS e para o Governo, mas eu diria que é o segredo mais mal escondido de Portugal.

Contudo, este segredo tem o mérito de permitir que se reabra a discussão sobre o atual modelo de nomeação do Governador do Banco de Portugal.

No que concerne ao tema da supervisão financeira, na última Legislatura, diversos partidos políticos colocaram o foco da discussão na questão da exoneração do Governador do Banco de Portugal, procurando reforçar o papel da Assembleia da República neste domínio.

Contudo, é preciso não perder de vista que o enquadramento resultante do direito da União Europeia e da interpretação que lhe é dada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia e pelo Banco Central Europeu trazem um conjunto de regras altamente restritivas sobre a destituição dos governadores dos bancos centrais dos Estados-membros, o que se percebe em nome da garantia da independência funcional destas instituições, que não devem ser permeáveis ao risco de mudanças ao sabor das maiorias políticas.

O Sr. JoãoOliveira (PCP): — Essa agora! O Sr. AndréSilva (PAN): — Do ponto de vista do PAN, mais importantes do que as regras sobre exoneração

são as regras de nomeação do Governador do Banco de Portugal, uma vez que é nesta fase que se assegura a plena idoneidade da personalidade escolhida e, assim, se evita a necessidade de se discutirem futuras exonerações.

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Hoje, como sabemos, a designação do Governador do Banco de Portugal é feita por resolução do Conselho de Ministros, sob proposta do Ministro das Finanças e após audição da comissão competente da Assembleia da República, que deverá elaborar um relatório que apenas descreve a audição e que em nada condiciona ou limita a decisão do Governo.

O Sr. LuísMoreiraTesta (PS): — Se assim não fosse, seria inconstitucional! O Sr. AndréSilva (PAN): — O PAN quer mudar este enquadramento e, por isso, apresentará, nos próximos

dias, um projeto de lei que proporá um conjunto de alterações tendentes a assegurar que, primeiro, passe a ser necessário um parecer da Comissão de Orçamento e Finanças relativo à adequação do perfil do indivíduo às funções a desempenhar; segundo, que esse parecer tenha de ser aprovado por maioria qualificada dos Deputados em efetividade de funções; terceiro, que o Governo tenha de respeitar o sentido do parecer do Parlamento na nomeação, dando assim um poder de oposição ao Parlamento, conforme recomendou o relatório do Grupo de Trabalho para a Reforma do Sistema de Supervisão Financeira, em 2017; e, quarto, que se passe a prever um período de nojo que impeça a ocupação do cargo de Governador do Banco de Portugal por pessoas que nos últimos anos tenham desempenhado funções no setor bancário ou tenham tido certos cargos políticos.

Estas alterações que propomos, e que, esperemos, sejam acompanhadas de propostas alternativas das outras forças políticas, visam, no essencial, atingir dois grandes objetivos. Por um lado, pretende-se assegurar que o Governador do Banco de Portugal é uma figura que reúne o consenso não só dos partidos que formam a maioria parlamentar que sustenta o Governo mas também dos partidos da oposição, algo bastante importante tendo em conta o papel crucial que o governador desempenha na supervisão do sistema bancário e para se evitar que a figura do governador seja lançada em querelas de natureza política.

Por outro lado, procura assegurar-se uma maior credibilidade, um maior profissionalismo e uma maior ética à figura do Governador do Banco de Portugal, evitando, por antecipação, que a nomeação do próximo fique marcada por uma lógica de portas giratórias entre os regulados e o regulador, que tem existido até aqui. Relembre-se, para os mais esquecidos, que, antes de ocuparem o cargo de governador, Vítor Constâncio era diretor executivo do BPI e Carlos Costa ocupou cargos no Millenium BCP e na Caixa Geral de Depósitos.

Pretendem evitar-se também as excessivas ligações políticas. Devido ao facto de os Governos de Sócrates, de Passos Coelho e de Costa terem tido intervenções relevantes no setor bancário relativamente ao BPN, ao BES, ao Banif e à Caixa Geral de Depósitos, isso pode levar a que a figura do governador, que teve um papel relevante nesses Governo, se veja envolvida em escândalos e polémicas que só enfraquecerão ainda mais a instituição e a figura do governador.

Protestos do Deputado do PS Ascenso Simões. Esta reforma é urgente, porque os cidadãos já estão fartos dos muitos milhões de euros gastos devido à falta

de credibilidade e competência na supervisão, a falhas de regulação e a ligações demasiado estreitas do poder político à banca comercial e ao Banco de Portugal.

Terminada que está a fase de discussão do Orçamento e sendo este, ou não, o último de Mário Centeno, é agora tempo de olhar para as prioridades que se colocam no imediato ao País.

Para o PAN, nesta Sessão Legislativa, o caminho passa também por assegurar o consenso necessário para viabilizar um conjunto de reformas no sentido do reforço da credibilidade do sistema político, tais como sejam o aprofundamento do registo de interesses ou a criação de um mecanismo de pegada legislativa.

Os cidadãos exigem-nos ação. Saibamos, cada um de nós, estar à altura da exigência que o momento coloca e ter coragem para introduzir as mudanças necessárias, sob pena de abrirmos as portas para a fragmentação da nossa democracia pluralista.

Aplausos do PAN. O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, a Mesa registou pedidos de esclarecimento do PS, do PSD, do CDS e

do PCP. Como pretende responder?

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O Sr. André Silva (PAN): — Responderei em conjunto, Sr. Presidente. O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para o primeiro pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado Fernando

Anastácio, do PS. O Sr. Fernando Anastácio (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado André Silva, penso que

todos devemos aprender, e acho que já tivemos oportunidade para isso, que os processos legislativos criados e começados com vista a um resultado concreto e com um nome próprio normalmente dão mau resultado.

O Sr. Deputado começou por apelar a que a Assembleia se credibilize em função de uma capacidade de discutir em geral e em abstrato, mas acho que começou da pior maneira, porque anunciou um processo legislativo com nome próprio. Não é esse o caminho e não é por aí que devemos ir.

Aplausos do PS. Relativamente ao modelo de nomeação do Governador do Banco de Portugal, quero dizer que, com certeza,

poderemos fazer sempre esse debate, como já tivemos oportunidade de o fazer aqui em 2015. Nessa altura, o Partido Socialista apresentou uma alteração ao artigo 27.º da lei da regulação bancária e o PSD e o CDS apresentaram propostas de alteração em sede de especialidade, as quais foram aprovadas nesta Assembleia por estes três partidos políticos. Portanto, a norma, na sua redação atual, foi aquela que o PSD e o CDS propuseram.

Contudo, prefiro fazer um debate pondo a tónica não no modelo de nomeação mas sim na execução do mandato, ou seja, meus caros amigos e Deputados, não tanto sobre a forma como se nomeia mas sobre o exercício do mandato do Governador do Banco de Portugal.

Penso que todos estaremos de acordo que o mandato do atual Governador do Banco de Portugal não gerou, nem está a gerar, consenso nem apreciação global. Aliás, não gerou na sua primeira nomeação e não gerou na segunda. E muitos daqueles casos que o Sr. Deputado referiu, como o das intervenções bancárias, aconteceram apesar de — e termino com esta nota — o Sr. Dr. Carlos Costa não ter qualquer relação com os governos. E por aqui me fico.

Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — É a vez de o Sr. Deputado Duarte Pacheco, do Grupo Parlamentar do PSD, pedir

esclarecimentos. Faça favor. O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado André Silva, em

primeiro lugar, gostaria de dizer que o PSD não comenta especulações jornalísticas sobre os nomes que estão em cima da mesa para Governador do Banco de Portugal.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Não é isso que é feito ao domingo à noite! O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Aguardaremos, com paciência, a indicação do Governo, quer para

Governador, quer para a restante administração, e, nesse momento, tomaremos posição. Não nos inibiremos de dizer o que pensamos sobre isso no momento exato, mas não sobre especulações.

O processo de nomeação deve ser ou não revisto? Sim, estamos sempre disponíveis para melhorar qualquer procedimento sobre nomeações, nomeadamente para altos cargos do Estado, como é o caso do Governador do Banco de Portugal, e para salvaguardar quer a independência da instituição quer a competência técnica dos indigitados.

Mas, Srs. Deputados, não podemos fazer alterações ad hominem escrupulosamente pensadas para incluir ou excluir alguém. As leis da República têm de ser gerais e abstratas. Esta é a nossa postura sempre.

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Finalmente, gostaria de dizer ao Sr. Deputado que hoje a comissão parlamentar já tem competência sobre esta matéria: faz as audições e faz um relatório. É verdade que o relatório não é vinculativo, mas também duvido que um Governo venha a nomear alguém se vir aprovado no Parlamento um relatório crítico ou negativo sobre a personalidade que venha a ser indicada.

Acresce que, não sendo vinculativo, aumenta a nossa responsabilidade, pois estas audições em sede de comissão de orçamento não podem ser um pro forma nem para a personalidade que cá vem, nem para os Deputados que vão inquirir o indigitado.

Devemos cumprir escrupulosamente o nosso papel de garantir que a pessoa que está à nossa frente tem um projeto sólido para a instituição que vai presidir e que tem a competência para ocupar o lugar.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado. O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Termino, Sr. Presidente. Se executarmos este nosso papel como deve ser, já está salvaguardada a independência da pessoa indicada

para Governador do Banco de Portugal. Aplausos do PSD. O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, a Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, do

Bloco de Esquerda. A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado André Silva, todas as alturas são boas para

discutir as regras do Banco de Portugal — regras de nomeação, regras de exoneração, regras de funcionamento. Tudo isto já foi discutido na Assembleia da República e vai continuar a ser.

O PAN chega, de novo, a um debate que é muito antigo nesta Casa e desde já lhe digo que a posição do Bloco de Esquerda é a de que a nomeação do Governador do Banco de Portugal deve ser feita com parecer vinculativo da Assembleia da República. Esta é a posição histórica do Bloco de Esquerda e já a defendemos aqui. Outros partidos defendem, por exemplo, que deve ser o Presidente da República a nomeá-lo.

Também lhe digo, Sr. Deputado, que está enganado se pensa que isso vai resolver o problema do Banco de Portugal.

O Sr. André Silva (PAN): — Não disse isso! A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Pense, por exemplo, em Carlos Costa. A sua nomeação para Governador

do Banco de Portugal foi consensual entre os maiores partidos da Assembleia da República — o PS, o PSD e o CDS.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Não é verdade! A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Foi assim na primeira nomeação e foi assim quando foi reconduzido pelo

Governo PSD/CDS, já depois da crise do BES. Tanto em 2017 como em 2019, quando o Bloco de Esquerda apresentou um projeto a recomendar a

exoneração de Carlos Costa como Governador, o PAN votou contra. Aliás, em 2019 votou a favor e em 2017 votou contra.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE) — Bem lembrado! A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Portanto, as maiorias conjunturais criam-se. Mas, para além das regras de nomeação, temos de saber quais são as regras de exoneração. Ou seja,

quando um Governador mostra que é incompetente ou incapaz para desempenhar as suas funções, como é o caso do atual Governador do Banco de Portugal, temos de saber quais são os poderes que a Assembleia da República e o Governo têm para o exonerar.

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Lamento que o PAN tenha desistido desse combate, pelo menos foi isso que me pareceu pela sua intervenção.

Coisa diferente, também, é discutirmos a porta giratória dos quadros entre o Banco de Portugal e o sistema bancário, mas não só, entre o Banco de Portugal e as grandes consultoras: saem da Deloitte vão para o Banco de Portugal, saem do Banco de Portugal vão para a Price, saem da Price voltam ao Banco de Portugal, e assim se perpetua uma roda de quadros.

O Sr. Presidente: — Tem de terminar, Sr.ª Deputada. A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Finalmente, Sr. Presidente, há ainda que discutir as próprias

características institucionais do Banco de Portugal, que, ao abrigo do seu estatuto de independência, acaba por achar que está acima da democracia e de qualquer escrutínio democrático.

Aplausos do BE. O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida para pedir esclarecimentos. O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado André

Silva, a matéria que aqui traz é relevante porque não é indiferente ao debate político. Pelo contrário, é muito relevante saber se temos ou não um Ministro das Finanças a prazo. Esta é a primeira questão política.

Antes de analisarmos qualquer possível nomeação do Ministro das Finanças para um qualquer cargo político, é preciso saber se alguém que tem a responsabilidade que tem na hierarquia do Governo e que é, ainda por cima, Ministro de Estado, que acaba de apresentar na Assembleia da República um Orçamento, tendo-o visto aprovado, e que em nome de Portugal preside ao Eurogrupo, está concentrado nas suas funções ou se está concentrado em discutir o seu futuro e para que cargo vai a seguir.

Do nosso ponto de vista, politicamente, esta é matéria suficiente para aqui ser discutida, porque entendemos que o Ministro das Finanças tem de estar a 100% nas suas funções.

Todo o País tem discutido, desde a sua nomeação para este Governo — não é sequer desde a discussão deste Orçamento —, se o Ministro das Finanças sai no primeiro ano de governação, se sai a seguir ao primeiro ou ao segundo Orçamento ou se sai a meio do mandato. Isto porque ninguém lhe dá mais longevidade do que isso, o que é péssimo para a estabilidade da governação em Portugal.

Portanto, não só censuramos isso, como vamos mais longe no debate sobre a independência do Banco de Portugal e o processo de nomeação de todos os reguladores — o CDS apresentou iniciativas sobre essa matéria na Legislatura passada. É que há aqui um problema com todos os reguladores: o Estado português nunca conseguiu consolidar um modelo de regulação e de supervisão com entidades verdadeiramente independentes. Temos de ter consciência disso e debater essa questão.

Temos um problema em muitas áreas que é o de termos um mercado pequeno, o que dificulta a independência e a isenção dessa regulação. Mas, se introduzirmos, para além dos problemas que já temos de falhas de mercado, o problema da confusão entre a independência dos reguladores e dos supervisores e o exercício de cargos políticos, estamos, obviamente, a prejudicar essa solução.

O Sr. Presidente: — Já ultrapassou o seu tempo, Sr. Deputado. O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Vou terminar, Sr. Presidente. Sr. Deputado, pergunto-lhe, muito claramente, se reconhece ou não que, para além de um problema formal,

há um problema político nesta indefinição da situação do Sr. Ministro das Finanças. Aplausos do CDS-PP. O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Alves, do Grupo

Parlamentar do PCP.

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O Sr. Duarte Alves (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado André Silva, o PAN traz a este debate o tema da transparência nas regras de nomeação do Governador do Banco de Portugal.

Registámos que o PAN, na sua intervenção, não pôs em causa as regras sobre esta matéria emanadas da União Bancária, mas nós pusemos e não estamos de acordo.

Sobre esta matéria, a posição do PCP é conhecida e a realidade tem vindo a dar-nos razão. Não há ponta por onde se pegue num sistema de supervisão que é baseado na confiança cega nos auditores que são pagos pelos próprios bancos.

Como já temos dito, a supervisão bancária, no quadro do sistema financeiro capitalista, é um mecanismo de controlo insuficiente e ineficiente. É insuficiente porque as condições objetivas em que o supervisor desenvolve a sua missão não permitem uma presença intrusiva e um controlo eficaz sobre as contas e práticas do sistema financeiro. É ineficiente porque o supervisor é uma emanação do sistema bancário e não um instrumento público de escrutínio e de efetivo controlo.

A realidade tem dado razão ao PCP: este modelo de supervisão falhou, não evitou os sucessivos escândalos do BPN, do BES, do BANIF, entre outros, e não foi capaz de impedir as práticas fraudulentas da banca.

Não esqueçamos que hoje o Banco de Portugal é uma sucursal do BCE (Banco Central Europeu) e que os maiores bancos portugueses estão sob a sua supervisão direta, ultrapassando a soberania nacional e agravando a ineficiência deste sistema.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente! O Sr. Duarte Alves (PCP): — A minha pergunta ao Sr. Deputado do PAN é a seguinte: considera — para lá

dos nomes, para lá da questão, que é importante, da transparência das nomeações — que aquilo que é preciso, verdadeiramente, é romper com um sistema de supervisão insuficiente e ineficiente e que a única solução, para acabar com os escândalos e para colocar a banca ao serviço do País, é assegurar o controlo público da banca?

Aplausos do PCP. O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado André Silva. O Sr. André Silva (PAN): — Sr. Presidente, agradeço as questões de todos os Srs. Deputados. O Sr. Deputado Duarte Pacheco, do PSD, disse que não comenta especulações sobre nomes indicados para

o Banco de Portugal, mas Deputados do PSD fizeram-no hoje de manhã dizendo que eram contra a nomeação de Mário Centeno. Portanto, os senhores deveriam estar um pouco mais alinhados nas declarações que fazem.

Também disse que, sim, claro que sim, o processo deverá ser revisto mas que não o podemos fazer neste momento. Claro, vamos esperar mais cinco anos!

Além disso, o Sr. Deputado disse que a comissão parlamentar já tem competências sobre esta matéria. Não, não tem. Tem competências para elaborar um relatório que é apenas descritivo, não responsabiliza e não vincula.

A Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, disse que concorda que todas as alturas são boas para discutir as regras de supervisão e disse que o PAN chegou agora a um debate antigo. Sim, este é um debate que tem décadas, ao qual o PAN chega agora para dar a sua contribuição. Relembro que só há três meses é que somos um grupo parlamentar, por isso é natural que o PAN só tenha chegado agora, Sr.ª Deputada.

Mais: o PAN não disse aqui que descobriu a roda, o PAN está a chegar neste momento e a contribuir para um debate que já existe, evidentemente.

A Sr.ª Deputada também disse que a proposta do PAN não vai resolver os problemas do Banco de Portugal. Não, não vai resolver, mas pode ajudar, aliás, vai ajudar, como concordará connosco.

Referiu também que o nome de Carlos Costa não foi consensual no Parlamento. Foi consensual entre o PS e o PSD — claro! —, mas concordará comigo que temos de encetar novas regras e novos dispositivos para que se vá mais além do que o normal consenso entre o PS e o PSD.

Ainda referiu que o PAN, eventualmente, terá desistido do combate relativo à exoneração. Não, não desistimos. Estamos ao lado. A questão é que, para nós, neste momento, é prioritário resolvermos o problema

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da nomeação e estaremos ao lado de qualquer partido que resolva, de acordo com o direito europeu, as questões da exoneração, tão-somente isso. Portanto, concordamos com essa questão.

O Sr. Deputado João Almeida, do CDS, disse que já propuseram no passado uma solução para esta matéria, solução que acompanhamos mas que é, porventura, inconstitucional, na medida em que as competências do Presidente da República são aquelas que estão inscritas na Constituição.

Se queremos, eventualmente, alargar uma competência e um poder ao Presidente da República, então, encetemos um processo de revisão constitucional — aliás, tal como está previsto no nosso programa eleitoral. Independentemente de haver uma maioria que não queira iniciar um processo de revisão constitucional, esperamos que o CDS nos acompanhe nesta e noutras matérias.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Desejosos estão eles para rever a Constituição! O Sr. André Silva (PAN): — Já o Sr. Deputado Fernando Anastácio, do Partido Socialista, disse que os

processos legislativos não se encetam com um nome, porque assim não credibilizam a Assembleia da República e que, no fundo, este não é um bom momento para abrir o debate. Nós achamos que é.

Vamos esperar mais cinco anos?! O PAN não quer nem está a pessoalizar a questão da ida ou não de Mário Centeno para o Banco de Portugal. Ele é reconhecido como um técnico muito competente. Isto nada tem a ver com a pessoa em si.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, ultrapassou o seu tempo. O Sr. André Silva (PAN): — Mas naturalmente que o nome de Mário Centeno coloca as maiores dúvidas do

ponto de vista ético, já que estamos perante um claro conflito de interesses. A confirmar-se a nomeação, Centeno será nomeado pelo mesmo Conselho de Ministros de que faz parte, vai liderar um conselho regulador que ele próprio escolheu e nomeou, vai aplicar um conjunto de diplomas que ele próprio andou a rever nos últimos anos e vai levar a cabo estudos e análises técnicas sobre o desempenho da economia portuguesa em que o seu papel e as suas opções, como Ministro das Finanças, terão sempre de vir à colação.

Aplausos do PAN. O Sr. Presidente: — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira. O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os solos são um pilar fundamental

para o desenvolvimento da vida no planeta, desempenhando importantes funções a nível ambiental, social e económico.

Falamos de um recurso sujeito a crescentes pressões e à sobre-exploração, o que resulta na sua degradação por contaminação, impermeabilização ou erosão que os pode deteriorar de forma grave e irreversível.

Os Verdes trazem hoje o tema da contaminação dos solos, que é um grave problema e um perigo para a saúde pública e para o ambiente, pelo que, em nenhuma situação, se pode negligenciar a sua correta descontaminação e assegurar a não contaminação de novos locais.

Importa relembrar que existem instrumentos e compromissos nacionais e internacionais com vista à proteção e reparação das áreas contaminadas, mas ainda estamos longe de atingir este objetivo.

Em Portugal, não existe legislação específica que acautele devidamente, e de forma integrada, a proteção dos solos, apesar de existir legislação em diversos domínios que acaba por abordar questões relativas à proteção do solo contra a contaminação antropogénica.

A verdade é que a lei PRoSolos, que visa estabelecer o regime jurídico da prevenção da contaminação e remediação dos solos, se encontra indefinidamente por publicar. Recorde-se que o período de consulta pública deste diploma ficou concluído em novembro de 2015, mas acontece que chegámos ao dia de hoje, quase cinco anos após a conclusão da dita consulta pública, e o País continua a aguardar a publicação de uma lei que dê resposta a um conjunto de problemas.

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Ora, isto é preocupante, sobretudo quando se estima que haja cerca de 2000 sítios contaminados em Portugal, que é um dos poucos países da União Europeia sem legislação específica sobre solos contaminados e que não dispõe de mapeamento de áreas contaminadas.

O problema está longe de estar resolvido, mas, inacreditavelmente, a lei continua na gaveta. Os Verdes têm, no entanto, vindo a questionar o Governo que, apesar de algumas respostas, não esclarece de forma palpável o motivo pelo qual este diploma se encontra por publicar nem quando será publicado, o que nos remete para uma indefinição que não podemos aceitar.

Sendo certo que este diploma não é perfeito e que poderia ter ido mais longe, ainda assim, viria preencher uma lacuna no quadro legislativo, uma vez que prevê a emissão de um certificado de qualidade do solo por parte da entidade que vende o terreno, quando se trate de locais onde tenham funcionado atividades com risco de contaminação.

Hoje, nada obriga uma entidade que vende um terreno a comprovar que o mesmo está descontaminado. Quer isto dizer que a legislação em causa clarificaria a cadeia de responsabilidade dos diversos intervenientes, em caso de contaminação dos solos e este é um passo importantíssimo.

Precisamente por essa razão, Os Verdes apresentaram, na anterior Legislatura, um projeto de resolução com vista à publicação dessa legislação, que, recorde-se, foi aprovado por unanimidade, mas, um ano depois, isso ainda não aconteceu.

Pelo meio, sucederam-se episódios que evidenciam as fragilidades nesta matéria. Entre os vários casos que poderíamos dar como exemplo escolhemos dois que se passaram em Lisboa.

No final de 2016, as obras de expansão do Hospital da CUF Descobertas, no Parque das Nações, onde havia solos contaminados por hidrocarbonetos, foram um exemplo de tudo o que não poderia ter acontecido. A APA (Agência Portuguesa do Ambiente) e a CCDR (Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional) foram muito permissivas e só depois de a polémica estar instalada é que acordaram para o problema, quando grande parte dos solos contaminados já não estava no local.

Veio agora a público o caso das obras de ampliação da Fundação Champalimaud, em Pedrouços, que foram suspensas pela CCDR, devido à existência de solos contaminados. Mais uma vez, só a meio das obras foram realizadas análises que indicaram a contaminação por hidrocarbonetos, sem que tenha havido um plano de descontaminação.

Como se sabe, os hidrocarbonetos, em contacto com o ar, podem dar origem a gases tóxicos que, inalados em grandes quantidades, podem causar náuseas, doenças respiratórias e, no limite, até cancro.

É a estas situações que as populações e os trabalhadores das empresas de construção civil estão sujeitos. Isto é de uma grande irresponsabilidade e imoralidade, mas pode e deve ser evitado.

Apesar de as empresas de construção ou os proprietários terem de pedir à CCDR uma licença de operação de gestão de resíduos para a sua remoção e tratamento, a realidade mostra-nos que, reiteradamente, várias obras se iniciam sem uma avaliação da contaminação e as análises só são realizadas já com a obra a decorrer.

Isto é inacreditável e não se compreende como a CCDR e a APA permitem estes procedimentos, limitando-se a considerar que não há contaminação, mesmo tendo em conta as atividades poluentes que funcionam nestes locais.

Pelo meio, os solos contaminados podem ser removidos, podem ser olhados como simples inertes e, até, sem qualquer tratamento, usados em novas obras, desconhecendo-se também, muitas vezes, o destino das águas resultantes da escavação.

Assim, é caso para perguntar o seguinte: onde anda, afinal, o princípio da precaução, o controlo prévio e a fiscalização?

Ora, facilmente se percebe que a legislação relativa à contaminação dos solos ajudará a evitar estas situações. Em síntese, Os Verdes reforçam que esta situação não pode continuar e que é fundamental que a legislação veja, finalmente, a luz do dia. As populações precisam de ter a certeza de que o princípio da precaução é concretizado e que todos os procedimentos são rigorosamente cumpridos.

Bem sabemos que é mais caro tratar solos contaminados, mas falamos de riscos para a saúde pública e para o ambiente que não podem servir de desculpa ou de facilitismos, nem sequer os interesses económicos se podem sobrepor à segurança e à qualidade de vida dos cidadãos.

Aplausos do PEV.

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O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, a Mesa registou a inscrição de três Srs. Deputados para lhe pedirem

esclarecimentos. Como pretende responder, Sr. Deputado? O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Em conjunto, Sr. Presidente. O Sr. Presidente: — Muito bem, Sr. Deputado. Assim sendo, tem, desde já, a palavra o Sr. Deputado Hugo Oliveira, do Grupo Parlamentar do PSD. O Sr. Hugo Patrício Oliveira (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Luís Ferreira, o PEV fala hoje de

uma matéria que tem preocupado muito o PSD. Estava a ouvi-lo e a revisitar as perguntas que foram aqui feitas ao Sr. Ministro do Ambiente, mas julgo que

ele não teve a oportunidade ou, pelo menos, a vontade de responder na altura. Aliás, já, por diversas vezes, apresentámos por escrito várias questões sobre esta matéria.

Sobre questão da lei PRoSolos de que falava há pouco, a verdade é que esta legislação ainda não viu a luz do dia o que prejudica, no fundo, as populações. Deixe-me dizer-lhe, também, que a geringonça no mandato passado não conseguiu resolver isso, mas espero que agora se consiga resolver.

Podia, ainda, falar dos problemas de São Pedro da Cova, que são crónicos, mas também dos de Montemor-o-Velho ou de Leça da Palmeira ou até das obras da Fundação Champalimaud, como falou há pouco.

Queria, no entanto, falar de algo que também me preocupa: de Sacavém e do facto de a GALP ter lançado no dia 6 um concurso para apresentação da solução de remediação que deixa a cargo do operador a solução de tratamento no local ou a remoção para unidades ou aterros licenciados.

Será que o Governo está seguro de que esta solução vai criar condições de utilização do terreno, em 2022, para a Jornada Mundial da Juventude? Vai o Governo — e esta é uma dúvida grande! — assumir o correto tratamento destes terrenos por forma a assegurar a tranquilidade dos futuros utilizadores do local? Sabem que 7000 jovens vão estar num parque de campismo localizado nesse sítio quando se realizarem a Jornada Mundial da Juventude? Não será mais seguro optar pela remoção de 180 000 m3 de solos contaminados com resíduos perigosos?

Aplausos do PSD. O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Joana Lima. A Sr.ª Joana Lima (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Luís Ferreira, bem-vindo ao debate. Sem

dúvida alguma que o Partido Socialista o acompanha em todas as preocupações que manifestou e deu a conhecer na tribuna do orador pelo que estaremos na primeira linha defendendo os solos descontaminados.

Este é um debate que não só importa fazer, como deve mobilizar todos os grupos parlamentares, mas não só: deve mobilizar, também, todos os cidadãos.

Está em causa a saúde pública — como disse, e bem, e nós reiteramos — e o ambiente. Todos temos consciência, conforme teve o cuidado de referir, de que os solos contaminados trazem muitos riscos.

Na verdade, o solo tem vindo a ser sujeito a crescentes pressões e a uma sobre-exploração com a sua consequente degradação por contaminação, por impermeabilização e por erosão. Todos sabemos que isto é o resultado da ação humana e, por isso, este é um assunto de todos, logo todos temos de contribuir para a resolução do mesmo.

O Partido Socialista continua a defender que as questões relativas à qualidade do solo devem ser tratadas no âmbito de um quadro legislativo vinculativo, como o Sr. Deputado referiu, até porque sabemos o quão importante é regular a gestão dos solos em Portugal, em particular na prevenção ou minimização da contaminação e também no tratamento de solos contaminados, assegurando, assim, a sua qualidade.

Mas é preciso também acautelar as responsabilidades de todas as partes e garantir que isto não seja inviável. Portanto, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado José Luís Ferreira, é preciso garantir que esta matéria é tratada com sentido de responsabilidade para que a legislação seja exequível.

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Por isso, falamos de um diploma de grande complexidade e que deve refletir o contributo dos diversos setores. Bem sabemos — temos consciência — que há muito a fazer, mas Sr. Deputado, posso garantir-lhe, assim como a toda Câmara, que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista, partilha da maior parte das vossas preocupações e que está disponível para contribuir para a resolução deste problema.

Sr. Deputado, deixo-lhe esta reflexão e o nosso compromisso para acompanharmos este problema que é de todos.

Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Santos, do Grupo Parlamentar do PCP, para

pedir esclarecimentos. A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, começo por cumprimentar o Partido Ecologista «Os Verdes»

e o Sr. Deputado José Luís Ferreira por trazer este tema à Assembleia da República. É um tema, de facto, de elevada sensibilidade, mas que também conhece enormes atrasos. A verdade é que

estamos em pleno século XXI e, no nosso País, continuamos a não ter uma legislação atualizada e necessária para responder ao problema que está identificado relativamente aos solos contaminados.

No nosso País não há uma intervenção do Estado que salvaguarde a saúde pública e o ambiente e que salvaguarde, também, e como disse o Sr. Deputado na sua intervenção, os trabalhadores de um conjunto de empresas que acabam por laborar em áreas com estas características. É importante que haja, efetivamente, um levantamento e um conhecimento real da situação do nosso País.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, só um momento. Srs. Deputados, há um barulho enorme na Sala. Não sei de onde vem, mas peço a quem está de pé para se

sentar e a quem quiser conversar para fazê-lo fora da Sala das Sessões. Peço também a todos os que se encontram nas galerias que preservem o silêncio adequado.

Pode continuar, Sr.ª Deputada. A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Muito obrigada, Sr. Presidente. Os impactos da contaminação dos solos na fauna, na flora, mas também em determinadas situações, são

impactos que não devemos negligenciar pois podem mesmo colocar em causa a qualidade das águas subterrâneas.

Por isso, a questão que é aqui trazida pelo Partido Ecologista «Os Verdes», ou seja, a necessidade de legislação específica para intervir sobre esta questão em concreto e da intervenção do Estado para salvaguardar a saúde pública e proteger o ambiente, de se identificar e conhecer e ter um plano de intervenção para a resolução destes problemas, responsabilizando, naturalmente, os responsáveis e as entidades privadas pela contaminação de um conjunto vasto de áreas no nosso País, é, a nosso ver, imprescindível e também uma necessidade para podermos avançar e melhorar a qualidade de vida de todos.

Aplausos do PCP. O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nelson Peralta, do Grupo

Parlamentar do Bloco de Esquerda. O Sr. Nelson Peralta (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Luís Ferreira, os solos são um elemento e

um recurso limitado na sociedade e são essenciais. E é por serem um recurso limitado que é bastante grave estarem contaminados. É grave porque solos contaminados colocam em risco, desde logo, o ecossistema, as reservas de água, mas também quem vive nesses locais e quem colhe alimentos aí produzidos, sendo também um risco imenso para os trabalhadores da construção civil e para quem, futuramente, vai ocupar os edifícios neles construídos. E também por serem usados como areias, como inertes da construção civil, estes solos colocam em causa a saúde pública.

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É por isso mesmo que o Bloco de Esquerda lhe pergunta, Sr. Deputado, se não considera essencial, primeiro, o mapeamento das regiões com solos contaminados no País e, depois, que a lei de prevenção e remediação dos solos seja publicada, lei esta que está na gaveta desde 2016, que o Governo ainda não publicou, apesar de ter prometido fazê-lo até junho do ano passado, que resolve ou, pelo menos, responde a este problema.

Quero ainda questioná-lo sobre se não considera que esta matéria dos solos contaminados coloca em evidência uma outra questão, que são as externalidades ambientais. É que os solos estão contaminados porque a indústria pesada, a indústria de metais, a indústria química, as fábricas de fibrocimento, a deposição de resíduos, os curtumes, a indústria têxtil, a pasta de papel, enfim, toda esta indústria laborou em alguns sítios e deixou como herança os solos contaminados.

Não considera que esta herança é demasiado pesada para a sociedade, do ponto de vista dos riscos para a saúde pública, mas também do ponto de vista económico? É que, agora, será a sociedade que, em muitos casos, terá de resolver estes problemas.

Não deveria também ser tido em conta nas atividades a essencial proibição da poluição, não gerando esta externalidade, em que uma atividade económica continua a sua laboração deixando os custos de saúde pública e os custos económicos para a sociedade e para o futuro?

Aplausos do BE. O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira. O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, quero antes de mais, agradecer as questões colocadas

pelos Srs. Deputados Hugo Patrício Oliveira, do PSD, Joana Lima, do PS, Paula Santos, do PCP, e Nelson Peralta, do Bloco de Esquerda.

Creio que todos focaram o essencial. E o essencial é que falta, de facto, a lei ProSolos. Recordo que, sobre essa lei, houve uma discussão pública já há cinco anos, o que é tempo suficiente para a mesma estar fora da gaveta. Houve, aliás, há dois anos, um compromisso do Governo com o acelerar do processo. Os Verdes conseguiram que fosse aprovada uma resolução na Assembleia da República para que a lei fosse publicada, mas ela continua sem ver a luz do dia.

É verdade que esse diploma não é perfeito. O texto que veio para discussão pública podia até ir mais longe, mas, ainda assim, tratava-se de uma lei que vinha preencher uma lacuna no quadro legislativo, uma vez que se previa um elemento que, a nosso ver, ganha muita relevância e que era a emissão de um certificado de qualidade de solo por parte da entidade que vende o terreno, quando se trate de locais onde tenham funcionado atividades de risco de contaminação. Isso é que era fundamental.

Foi o que sucedeu nos locais que aqui referi. Referi-me ao Hospital CUF Descobertas, no Parque das Nações, cujos solos estavam contaminados com hidrocarbonetos, mas, quando o problema foi detetado, grande parte dos solos já não estavam no local, nem sequer sabemos onde estavam — se calhar, como dizia há pouco o Sr. Deputado Nelson Peralta, até serviram para outras obras, o que significa que vão contaminar outros solos. O mesmo aconteceu com as obras de ampliação da Fundação Champalimaud, em Pedrouços, porque foi a meio das obras que se detetou que os solos estavam contaminados.

Portanto, o fundamental, aqui, é que o Governo se decida a publicar a lei ProSolos porque, podendo a mesma não ser a solução, viria, no entanto, contribuir para resolver muitos destes problemas.

Sr. Deputado Hugo Patrício Oliveira, Os Verdes também formularam perguntas escritas ao Governo. O Sr. Deputado diz que o Governo anterior não resolveu o problema, e é verdade, mas não foi só o Governo anterior que não resolveu o problema, porque o mundo também não começou só há cinco anos, os Governos anteriores também não o resolveram e isso também tem de ser dito.

Sr.ª Deputada Joana Lima, registo o compromisso aqui assumido para resolver o problema. É, de facto, um problema que deve mobilizar todos os portugueses neste debate e, sobretudo, o Governo. O Governo é que tem de ser mobilizado para publicar a lei.

Não há intervenção pública que salvaguarde a saúde das populações, como dizia a Sr.ª Deputada Paula Santos, e este problema só é resolvido com a lei ProSolos.

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Depois, há o problema colocado, com toda a pertinência, pelo Sr. Deputado Nelson Peralta. De facto, falta o mapeamento, para além da lei ProSolos. E, de facto, há o risco de os solos contaminados serem usados noutras obras.

E esta coisa da herança que fica é o «prato do dia», ainda que seja de todo censurável, porque normalmente fazem-se as obras que se entende e, depois, o passivo ambiental fica por conta do contribuinte, o que é absolutamente inaceitável.

Aplausos do PEV e de Deputados do PCP. O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra, para uma declaração política, o Sr. Deputado Carlos Pereira, do

Grupo Parlamentar do PS. O Sr. Carlos Pereira (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Orçamento do Estado para 2020

marca uma viragem substantiva no esforço do Estado no impulso ao investimento público. Nos anos da troica, o investimento público caiu sistematicamente: 35,2%, em 2011; mais 32,3%, em 2012;

mais 11%, em 2013; e ainda mais 6,9%, em 2014. E apenas recupera 17,4% em 2015, muito à custa do encerramento do QREN (Quadro de Referência Estratégico Nacional), cuja execução tinha, obrigatoriamente, de ser finalizada nesse ano.

Ora, este rombo tremendo nas opções públicas de investimento, de uma queda histórica acumulada de 85,4%, entre 2011 e 2014, teve obviamente consequências na qualidade da oferta dos serviços públicos.

Recuperar os níveis de investimento de antes da troica, depois da razia ocorrida entre 2011 e 2014, significaria passar dos atuais 4200 milhões de euros, dados de execução de 2019, para 9500 milhões de euros, mais do que duplicar o esforço de investimento público num contexto de recursos escassos.

Sr. Presidente, na anterior Legislatura, o Governo encetou um caminho de prudência, baseado na ideia de que cumprir com o objetivo da normalização das contas públicas, mas, sobretudo, da devolução de melhores condições de vida às populações — designadamente, mais salários, mais prestações sociais e menos impostos para as famílias —, só era possível com crescimento económico…

Aplausos do PS. … e este tinha de passar, sobretudo, pelo reforço do investimento privado e das exportações. De resto, logo em 2016 foi muito claro que o principal instrumento de financiamento do investimento público,

o PT2020 (Portugal 2020), não estava totalmente preparado para responder às necessidades e, num contexto de falta de recursos, o Governo concentrou-se em preparar o programa, que, depois, reprogramou, com a oposição apenas do PSD e com o apoio de todo o País, incluindo o País da coesão, para responder às necessidades públicas de investimento.

Aplausos do PS. Foi por isso, pela impreparação do PT2020, que, em 2016, se verificou nova queda no investimento público,

mas 2017, 2018 e 2019 ficam marcados por uma inversão na queda desse investimento, com um crescimento de 37% nesses anos.

Sr.as e Srs. Deputados, não estamos eufóricos com os níveis de investimento público mas não aceitamos lições de quem ancorou lá no fundo as necessidades, quase básicas, de investimento, cujas consequências continuam a atormentar os portugueses.

É neste quadro que, para 2020, os objetivos orçamentais são muito claros, com o arranque de projetos há muito esperados pela população em áreas críticas como a mobilidade, com investimentos na ferrovia e com estímulos nunca vistos à utilização de transportes públicos, mas também com esforços concretos nas áreas da saúde e da habitação.

Em termos macroeconómicos, o Orçamento de Estado prevê um novo crescimento do investimento público, na ordem dos 22%, procurando assegurar um investimento próximo de 5000 milhões de euros.

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Sr. Presidente, o PS e o Governo têm os pés bem assentes na terra: fazer mais implica mais crescimento económico ou prioridades diferentes.

No quadro do crescimento económico, o País tem progredido bem e de forma sustentável. Cresce à custa do investimento privado, que bateu recordes nunca vistos, sempre acima da média da União Europeia, e das exportações, cujo comportamento excedeu as expectativas dos mais otimistas…

Aplausos do PS. … e sobretudo dos adeptos da chegada do diabo, com crescimentos médios de 5,3% na anterior Legislatura. Estes dados dão sustentabilidade ao modelo económico português, que, em termos de investimento total e

em percentagem do PIB, passou de 15,5%, em 2015, para quase 18%, em 2019. É verdade que o País podia crescer mais, com mais investimento público, mas a dimensão da sua dívida e a necessidade de não anular os mecanismos que permitem acionar medidas anticíclicas obrigam-nos a uma prudência mínima. De resto, crescimento puxado, sobretudo, pelo investimento público é o principal sinal de insustentabilidade.

Aplausos do PS. De qualquer modo, também não observamos qualquer atitude corajosa e arrojada de mudar as prioridades

da despesa. A proposta da oposição, em relação à despesa, foi sempre no sentido da subida e, para a receita, por outro lado, foi sempre no sentido da descida. É por estas e por outras que, no passado, em vez de 4, tivemos 11 Orçamentos. Na verdade, «a bota nunca bateu com a perdigota». Diga-se em abono da verdade que nem era um problema de previsão, era de governação.

Mas fazer mais rápido também implica remover obstáculos, que se relacionam com o regime em vigor da contratação pública. Na prática, sem alterações que assegurem a manutenção da transparência e que, ao mesmo tempo, reduzam os tempos de implementação das opções de investimento público, dificilmente será possível mudar o panorama.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado. O Sr. Carlos Pereira (PS): — Termino já, Sr. Presidente. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Neste trajeto bem-sucedido, o investimento público foi sempre

presente e nunca diabolizado. Mas, neste caminho, verificamos muito ruído, algumas vezes histriónico, sobre o investimento público. Curiosamente, a maior parte dele veio precisamente do lado daqueles que o afundaram.

O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Deputado. O Sr. Carlos Pereira (PS): — São, aliás, os mesmos que suspendem obras quase no mesmo tom e com a

mesma sagacidade com que propõem mais e mais investimento. Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Cristóvão Norte, do

PSD, Bruno Dias, do PCP, João Gonçalves Pereira, do CDS-PP, e Diana Pereira, do BE, aos quais o Sr. Deputado Carlos Pereira responderá, segundo informou a Mesa, em grupos de dois.

Tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado Cristóvão Norte. O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Pereira, não haveria melhor momento

para o PS proclamar, uma vez mais, o seu amor inveterado pelo investimento público. É que faz hoje precisamente quatro anos que, em 2016, o Governo do Partido Socialista lançou o Ferrovia 2020, com uma projeção de revolucionar, com 2,7 mil milhões de euros, a ferrovia, em Portugal.

Ora, esse programa tem, hoje, segundo a auditoria do Tribunal de Contas e também pelo reconhecimento da Infraestruturas de Portugal, uma taxa de execução na ordem dos 11%.

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Vozes do PSD: — É verdade! O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Portanto, o que temos a dizer ao Partido Socialista é que, quanto mais o

Partido Socialista fala de investimento público, menos investimento público há. Vozes do PSD: — Muito bem! O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Os Srs. Deputados dizem, de forma absolutamente contraditória, que o

investimento público registou uma enorme recuperação. Os dados, todavia, desmentem-vos. Dar-vos-ei os seguintes exemplos: em 2015, registou-se um investimento público na ordem dos 4000 milhões de euros; no ano de 2016 foram menos 1200 milhões de euros; em 2017 foram menos 700 milhões de euros do que o orçamentado, e apenas em 2019 é que estamos ao nível daquele governo que tinha uma visão dantesca contra o investimento público, que saía de um episódio muito difícil de consolidação financeira mas que, ainda assim, conseguia fazer mais investimento público do que aqueles que lhe fazem juras de amor.

Não podemos dizer que este não é um exemplo ilustrativo, porque não tem significado na vida das pessoas. Tem, Srs. Deputados! Tem significado nos barcos que não navegam, nos comboios suprimidos, nos hospitais que não são feitos,…

Vozes do PSD: — Muito bem! O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — … no Serviço Nacional de Saúde que é derrotado, nos serviços públicos

que estão depauperados. Em todas estas dimensões da vida dos portugueses, essas opções — opções conscientes e deliberadas,

opções que no Orçamento são diferentes, porque as verbas lá constam — são opções que são da responsabilidade do Partido Socialista. E o Partido Socialista vem dizer, uma vez mais, aquilo que tem sempre repetido: «este ano é que é! Agarrem-nos que este ano é que é; vamos conseguir fazer investimento público!».

Portugal tem, hoje, menos investimento público do que a média europeia— 0,7% abaixo da média europeia — e essa responsabilidade é só do Partido Socialista, sobretudo quando a carga fiscal aumenta para níveis recorde.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, já devia ter terminado. Agradeço-lhe muito. Estava distraído e peço-lhe desculpa, mas tem de terminar, porque já esgotou o seu

tempo. O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Portanto, o que os Srs. Deputados do Partido Socialista deviam fazer, em

vez de trazerem aqui a questão do investimento público, era retratarem-se pelo que não fizeram. Aplausos do PSD. O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado. Tem agora a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Bruno Dias, do Grupo Parlamentar do PCP. O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Carlos Pereira, da parte do PCP,

o Sr. Deputado bem sabe que nunca houve dúvidas quanto à necessidade de reforçar e apostar no investimento público como fator de desenvolvimento. E também não esquecemos que alguns dos que estão hoje, num volume de som mais alto, a reclamar pela falta de investimento são precisamente aqueles que estão na primeira linha das responsabilidades pela falência em relação ao investimento público e pela insuficiência profunda, coartando perspetivas de investimento e desenvolvimento no País, inclusive em relação à ferrovia e à rodovia,…

O Sr. João Oliveira (PCP): — Muito bem apanhado!

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O Sr. Bruno Dias (PCP): — … onde temos hoje um retrato de desgraça, resultado do que foi a política de tantos anos.

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Fomos nós?! O Sr. Bruno Dias (PCP): — É fundamental reforçar o investimento público no Orçamento do Estado, mas

também há que executar. E a questão da execução orçamental em relação ao investimento público, como o Sr. Deputado bem sabe, é um problema que temos vindo a denunciar e para o qual temos vindo a alertar, e que o próprio Governo reconhece.

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Ah, reconhece?! Então está bem! O Sr. Bruno Dias (PCP): — Foi o próprio Governo que, no passado recente, alterou a legislação e que agora

dela se queixa, relativamente ao que se passa quanto às dificuldades de investimento. Gostava de lhe colocar uma questão muito objetiva, que tem que ver com o investimento necessário em

relação às infraestruturas. O PS e o PSD, no seu voto conjugado, chumbaram a proposta do PCP para a aquisição de material circulante

ferroviário para o serviço suburbano e de longo curso. Depois do que foi aqui ouvido, a nossa pergunta é: mudaram de ideias? Arrependeram-se? Ou, afinal, têm alguma explicação para o chumbo que deram às propostas urgentes de reforço de comboios, que tanta falta fazem às populações?

Mas também queremos chamar a atenção para o facto de não ser verdade que as propostas fossem só para mais despesa e menos receita. A pergunta é: então e as PPP (parcerias público-privadas), Sr. Deputado?!

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Até agora quem renegociou as PPP fomos nós! Bem lembrado! O Sr. Bruno Dias (PCP): — Mais de 1,4 mil milhões de euros que propúnhamos que fossem colocados em

cima da mesa para renegociação, para que não fosse continuada aquela política das PPP, e, afinal, os senhores mantêm como intocadas essas PPP.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Bem lembrado! O Sr. Bruno Dias (PCP): — Para terminar, diria que o investimento tem de ser de qualidade, Sr. Deputado.

Tem de um ser investimento que responda às necessidades da população e que tenha transparência. Não é feito com adjudicações de contratos de metropolitano a um sábado — como aconteceu este fim de semana —, não é, seguramente,…

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de terminar. O Sr. Bruno Dias (PCP): — Termino, Sr. Deputado. Dizia eu que não é, seguramente, feito com aberrações técnicas e estratégicas que não servem as

populações, como é o caso da linha circular, que os senhores insistem, de uma forma muito preocupante, em impor às populações.

Aplausos do PCP. O Sr. João Oliveira (PCP): — A renegociação das PPP foi uma tragédia! É preciso é acabar com elas! O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Ou então é melhor não fazer nada! Vocês já se esqueceram de que as

votaram nos Orçamentos todos?! O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, é melhor manter um bocadinho de serenidade. Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Carlos Pereira.

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O Sr. Carlos Pereira (PS): — Sr. Presidente, antes de mais, quero agradecer aos Srs. Deputados que fizeram

perguntas. Gostava de começar por responder precisamente ao Sr. Deputado Cristóvão Norte, dizendo que não estamos

muito surpreendidos com a origem da sua pergunta. É que ela tem origem na imprensa e os Srs. Deputados fazem política consoante aquilo que sai na imprensa, mas sugeria ao Sr. Deputado que…

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — A Infraestruturas de Portugal esteve aqui, Sr. Deputado! O Sr. Luís Moreira Testa (PS): — Ouça, ouça! O Sr. Carlos Pereira (PS): — Como dizia, sugeria ao Sr. Deputado que, a partir de agora, na sequência da

intervenção que fez, além de ler os jornais, lesse os boletins estatísticos do INE (Instituto Nacional de Estatística).

O Sr. Fernando Anastácio (PS): — Era melhor. O Sr. Carlos Pereira (PS): — É que, pelo que percebi, o Sr. Deputado fez uma confusão tremenda com os

números. E, além de ter feito uma confusão tremenda, ou mentiu ou não sabe ler os números. Ora, no Parlamento, qualquer uma destas duas circunstâncias é grave.

O Sr. Luís Moreira Testa (PS): — Exatamente! O Sr. Carlos Pereira (PS): — Queria dizer ao Sr. Deputado que os números não mentem. Se o Sr. Deputado

for ler as estatísticas — aliás, tive oportunidade de falar dos números, ano a ano, até para o Sr. Deputado poder somá-los —, vê que é muito simples: na época da troica, em que os senhores governaram o País, a verdade é que o investimento público caiu 85%, repito, 85%!

O Sr. Deputado pode fazer os malabarismos que quiser, mas isto são números: caiu! Protestos do Deputado do PSD Cristóvão Norte. No tempo em que o Partido Socialista governou Portugal, nos últimos quatro anos, o investimento subiu 37%! O Sr. Deputado diz,… Protestos do Deputado do PSD Cristóvão Norte. Sr. Deputado, deixe-me falar. O Sr. Luís Moreira Testa (PS): — Ouça, ouça! O Sr. Carlos Pereira (PS): — O Sr. Deputado diz que no ano de 2016 o investimento caiu. Pois caiu, também

dissemos, ali da tribuna, que caiu. E o Sr. Deputado sabe porque é que caiu? Caiu porque os senhores deixaram o PT2020 de rastos!

Aplausos do PS. * Não souberam preparar o programa e quando nós chegámos tivemos de o preparar. O Sr. Deputado sabe, de forma clara, que num contexto de recursos escassos, como o País tinha, era

absolutamente indispensável haver investimento público financiado por fundos europeus. O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — De 2011 a 2015 não havia recursos escassos?! O Governo anterior já era

o do Partido Socialista!

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O Sr. Carlos Pereira (PS): — Mas termino, Sr. Deputado, a lembrar-lhe um outro gráfico, relativo ao

investimento público financiado por impostos. Neste momento, o Deputado exibiu um documento com um gráfico. Ora, pode ver que a linha que representa o vosso investimento está aqui em baixo e a do Partido Socialista

está aqui na parte de cima do gráfico. Ou seja, o financiamento do investimento por impostos — por Orçamento do Estado, se os senhores preferirem — é de 600 milhões de euros.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Tenha vergonha! O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Mais impostos, é verdade! O Sr. Carlos Pereira (PS): — Os senhores não querem financiamento do investimento público por impostos?!

Isto até tem piada, parece um circo. Os senhores querem financiamento do investimento público como, Srs. Deputados?!

Entretanto, assumiu a presidência o Vice-Presidente José Manuel Pureza. O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de terminar. O Sr. Carlos Pereira (PS): — Sr. Deputado Bruno Dias, gostaria de lhe dizer… O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, tem de terminar. Já esgotou o seu tempo. O Sr. Carlos Pereira (PS): — Sr. Presidente, vou terminar e responderei ao Sr. Deputado Bruno Dias já a

seguir. Aplausos do PS. O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Entramos na segunda fase de pedidos de esclarecimento ao Sr.

Deputado Carlos Pereira. Assim, tem a palavra, para formular um pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado João Gonçalves Pereira,

do CDS. O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Pereira, o Sr. Deputado e

o Partido Socialista trazem a estas declarações políticas o tema do investimento público. Diria que deve ser um problema de consciência do próprio Partido Socialista, uma vez que teve muitas

cativações e muito pouco investimento público. Mas, quando fala de investimento público, permita-me que fale também das infraestruturas de que o senhor

aqui falou e que traga aqui um tema que tem estado na ordem do dia e sobre o qual importa ter esclarecimentos, da parte do Partido Socialista e também do próprio Governo, e que diz respeito ao metropolitano e à linha circular.

Há cerca de 8 meses, esta mesma Câmara tomou uma deliberação relativamente à questão do metropolitano, onde o próprio Partido Socialista, aqui, expressou reservas quanto à questão da linha circular.

Mais recentemente, ao nível do Orçamento do Estado, o Parlamento— o CDS, o PSD, o PCP, o PAN e agora até o Chega— voltou novamente a colocar reservas sobre essa mesma linha circular.

Quanto ao Bloco de Esquerda tem dias: na Câmara de Lisboa diz uma coisa e vota uma coisa, aqui no Parlamento diz uma outra e vota outra coisa diferente.

Quanto ao PS, este reviu a sua posição e acabou vencido nessa mesma posição.

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O Sr. Carlos Pereira (PS): — Não reviu nada! O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Portanto, os senhores mudaram, entretanto, de posição. Mas, em relação à questão do metropolitano, importa aqui lembrar uma autoridade que também tem reservas,

o próprio Bastonário da Ordem dos Engenheiros, o Eng.º Mineiro Aires, que, por acaso, até foi Presidente da Metropolitano de Lisboa, e que diz uma coisa muito simples, que passo a citar: «A linha circular, enquanto projeto, é um enorme erro.».

Mas, depois disto, temos ouvido o Ministro do Ambiente e da Ação Climática e o Ministro do Planeamento dizerem coisas completamente diferentes em relação aos fundos europeus, que se podiam ou não perder. Um diz uma coisa num dia, o outro diz outra coisa diferente noutro dia.

Sr. Deputado Carlos Pereira, está em condições de confirmar qual dos Ministros é que tem razão, quando um diz que se perdem os fundos europeus e o outro diz que, afinal, podem ser alocados a outro projeto?

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, tem de terminar. O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Sr. Deputado, era importante esclarecer essa mesma matéria

e, portanto, agradecia-lhe que a clarificasse aqui, no Parlamento. Para terminar, Sr. Presidente, deixo uma nota sobre a posição do próprio Governo. O Governo diz — e há uma notícia que dá conta disso — que a linha circular vai avançar até o Tribunal

Constitucional decidir. Sr. Deputado, isto é verdade? É esta a posição do Partido Socialista? É este o respeito que o Partido Socialista tem por este Parlamento?

É essa questão que aqui coloco. Aplausos do CDS-PP. O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, a Sr.ª Deputada

Isabel Pires, do Bloco de Esquerda. A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Pereira, agradeço-lhe o tema que traz a

debate. É um tema muito importante, pois tem que ver com o investimento público. As posições que o Bloco de Esquerda tem tomado relativamente a esta matéria são sobejamente conhecidas.

Obviamente, o investimento público deve ser um desígnio muito importante, não só por causa da coesão territorial mas também por causa dos serviços públicos e dos avanços que são necessários.

Sabemos que tivemos um atraso no País, muito significativo, durante a vigência do Governo da direita, nomeadamente, e com grande força, em matéria dos serviços públicos e sabemos dos ataques que foram feitos aos serviços públicos.

Sabemos também que ainda estamos com avanços muito tímidos para as necessidades existentes, até porque o caminho da recuperação é longo. E neste caminho de recuperação temos não só os serviços públicos mas uma matéria de que o Sr. Deputado falou quando esteve na tribuna a fazer a sua declaração política, que tem que ver com a mobilidade e com a ferrovia.

Sr. Deputado, falou do arranque de projetos. No entanto, convinha começar aqueles que, pelas previsões iniciais, já deviam estar a terminar.

Sabe muito bem que temos falado bastante desta matéria. Já tivemos oportunidade de ouvir o Presidente da Infraestruturas de Portugal, teremos oportunidade de ouvir o Sr. Ministro das Infraestruturas e da Habitação, mas a verdade é que as notícias e os dados que saem a público — nomeadamente do Tribunal de Contas, mas de outras entidades também — são sobre uma baixíssima execução das obras na ferrovia.

Tivemos planos de 2016 que em 2018 não se concretizaram; tivemos novos planos e novas datas em 2019 que em 2020 já estão ultrapassados, porque já há previsão de novos atrasos.

A taxa de execução continua baixíssima e, no meio disto tudo, a grande preocupação é sobre como se vai avançar num ritmo mais rápido para a resolução dos problemas de mobilidade e para a execução, finalmente, do Ferrovia 2020, porque este programa é absolutamente essencial para as populações, para o território e para a sua coesão.

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Pergunto-lhe, para terminar, Sr. Deputado, se não seria melhor estarmos num debate diferente, não fosse a obsessão que o Partido Socialista tem demonstrado pelo superavit e pelo desperdício de dinheiro para investimento público, também na ferrovia.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para responder a estes dois pedidos de esclarecimento, tem a

palavra o Sr. Deputado Carlos Pereira, do Partido Socialista. O Sr. Carlos Pereira (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, obrigado pelas vossas questões. Começo por responder ao Sr. Deputado Bruno Dias, a quem não tive oportunidade de responder há pouco,

porque a pergunta que me fez é bastante relevante. Aliás, a questão que se prende com a execução do investimento público é, do nosso ponto de vista, uma

questão de todos. É preciso que haja um empenho de todos, incluindo de todos os partidos, no sentido de ultrapassar as graves dificuldades que o País tem tido na execução do investimento público. E estas prendem-se, basicamente, com o regime da contratação pública, que, do nosso ponto de vista, merece ser revisitado.

O grande desafio que, provavelmente, todos nós temos, que os partidos têm — e o desafio que faço ao Partido Comunista Português é precisamente o de que se junte ao Partido Socialista —, é no sentido de encontrar uma plataforma que permita, de facto, garantir que, sem perda de transparência, sem perda escrutínio, seja possível ultrapassar os problemas com que temos sido confrontados.

Aplausos do PS. Sr. Deputado João Gonçalves Pereira, diria que o problema não é do Tribunal Constitucional. O problema é

da ingerência da Assembleia da República em matérias que não são da sua responsabilidade e que são do poder executivo.

Aplausos do PS. O Sr. Deputado sabe bem disso, como me parece evidente. Devo também dizer que o Partido Socialista não muda de opinião. Só queria saber é se o CDS já mudou de

opinião ou se quer continuar a construir 20 estações de metro, sem modelo económico, sem modelo de estudo financeiro,…

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Não! Não! O Sr. Carlos Pereira (PS): — … sem saber como é que paga ou não paga o investimento no metro de

Lisboa. O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Não diga disparates! O Sr. Carlos Pereira (PS): — Isso, sim, é que é preciso saber, isto é, se o CDS, este CDS, já mudou de

opinião ou se vai manter a mesma estratégia de querer 20 estações, custe o que custar e pague quem pagar, não estando preocupado com isso. Fazem o anúncio para a campanha eleitoral e depois deixam andar.

Aplausos do PS. O Sr. Carlos Pereira (PS): — Sr.ª Deputada Isabel Pires, comecei a anotar as suas perguntas com alguma

serenidade e calma, mas a meio das anotações que fui fazendo lembrei-me que talvez o melhor mesmo fosse desafiar a Sr.ª Deputada e o Bloco de Esquerda a fazerem uma reflexão sobre o que pensam realmente do investimento público e que opções querem fazer, porque, sem aprofundar muito o tema, parece-me que estamos perante uma fábula do género Olívia-patroa/Olívia-costureira, em que poderíamos dizer Olívia-Câmara de Lisboa/Olívia-Assembleia da República, em que num dia vota a favor de uma coisa mas noutro lugar vota a favor de outra. Julgo que é importante que a Sr.ª Deputada Isabel Pires pergunte à Sr.ª Deputada Isabel Pires da

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Câmara Municipal de Lisboa o que acha sobre esta matéria, para que fiquemos esclarecidos e, depois, poderemos falar sobre o assunto.

Aplausos do PS. O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Passamos agora à declaração política do Partido Social

Democrata. Para esse efeito, tem a palavra o Sr. Deputado José Silvano. O Sr. José Silvano (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Realizou-se, no passado fim de

semana, o 38.º Congresso do Partido Social Democrata, em Viana do Castelo. Gostaria de saudar os partidos políticos que se fizeram representar na cerimónia de encerramento deste Congresso, em particular o CDS-PP, cujo Presidente nos honrou com a sua presença.

Neste Congresso foi eleita uma nova Direção Nacional do PSD e foi aprovada, por ampla maioria, a estratégia política do partido para os próximos dois anos, cujo principal desígnio é preparar o caminho para ganhar as próximas eleições legislativas e tornar o nosso Presidente, o Dr. Rui Rio, o próximo primeiro-ministro de Portugal.

Aplausos do PSD. O Sr. João Oliveira (PCP): — Começa mal! O Sr. José Silvano (PSD): — Neste percurso apostaremos fortemente nas eleições regionais dos Açores e

na preparação das eleições autárquicas a realizar em outubro de 2021. A nossa marca vai ser o reformismo. O PSD sempre foi, ao longo da sua história, um partido reformista. A sociedade hoje vive em plena

transformação e exige mais mudanças e adaptações e, com elas, profundas reformas. Por isso, o Partido Social Democrata aprovou uma estratégia que aposta num crescimento económico

assente na produção de bens transacionáveis de maior valor acrescentado, de modo a conseguir equilibrar as nossas contas externas e potenciar um melhor nível de vida aos portugueses. Só assim teremos condições de pagar melhores salários e criar melhores empregos. Da forma como o Governo tem vindo a fazer, jamais o País terá condições de pagar melhores salários e conseguir que a nossa economia possa criar melhores empregos. Para que tal pudesse vir a acontecer seria necessário que o Governo percebesse que, para que hajam melhores salários, são precisos melhores empregos e mais investimento.

Portugal precisa de uma aposta na redução da carga fiscal e no aumento do investimento público, pois só assim marcaremos a diferença entre a política de um Governo que olha mais para o presente e para o futuro imediato e uma estratégia consistente de desenvolvimento do País a médio e longo prazos.

Cobrar cada vez mais impostos para saciar a permanente vontade de crescimento da despesa pública corrente é marca estruturante da governação socialista, que o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda acarinham e incentivam.

Acresce que, apesar do fortíssimo crescimento da receita de impostos, o investimento público tem vindo a cair para patamares nunca antes imaginados. Desprezar o investimento público é desprezar a aposta na qualidade de vida futura das pessoas e renunciar à modernização do Estado.

Portugal precisa de uma aposta na melhoria da qualidade dos serviços públicos, em particular do Serviço Nacional de Saúde, em contraponto com a constante degradação da qualidade dos serviços levada a cabo por este Governo.

Na saúde aumentam os tempos de espera para consultas e cirurgias, agravam-se as dívidas a fornecedores, cresce a desmotivação por força das fracas condições de trabalho, faltam recursos humanos e tardam a aparecer os médicos de família para os 700 000 portugueses que não os têm.

Se nos focarmos na saúde, nos transportes, na segurança e na educação, chegamos à conclusão que a qualidade dos nossos serviços públicos se afundou de forma nunca antes vista.

Também analisámos, no nosso Congresso, as matérias de ordem estrutural que o País tem de ter a capacidade de ultrapassar e, independentemente da responsabilidade do Governo, o seu êxito depende do

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nosso sentido de responsabilidade. Falo do problema demográfico que Portugal enfrenta, das assimetrias regionais e da reforma da segurança social.

O problema demográfico que Portugal enfrenta com o aumento da esperança de vida e sem a respetiva compensação ao nível da natalidade tem de ter uma atenção especial por parte de todos os responsáveis políticos. Há 50 anos nasciam mais de 200 000 crianças por ano em Portugal, hoje nascem pouco mais de 80 000.

Também o nível de assimetrias regionais que o território nacional apresenta não é próprio de um país desenvolvido; é, sim, característica de um país atrasado. Não é aceitável, sob nenhum ponto de vista, concentrar os meios num único espaço territorial e deixar uma parte substancial do País a definhar, económica, social e demograficamente. Temos de apostar na desconcentração e descentralização do País, tal como acontece em todos os países democráticos e desenvolvidos. É imperioso que tomemos consciência dessa realidade para que possamos agir em tempo útil.

Há duas reformas estruturais que só podem concretizar-se em diálogo entre partidos, porque se prendem com questões de regime: a reforma do sistema político e a reforma da justiça.

No sistema político impõe-se fazer uma reforma que devolva transparência, verdade e eficácia, que acabe com os sintomas de enquistamento e descredibilização do sistema atual, que aproxime os eleitores dos eleitos, que não promova o populismo e a demagogia.

É manifestamente evidente que a confiança que os portugueses depositam no seu sistema judicial está muito aquém do necessário e muito abaixo do que já foi. Impõe-se, por isso, uma reforma alargada da justiça, uma reforma que dê resposta às questões da morosidade das decisões, da devassa do segredo de justiça, da opacidade do seu funcionamento, mas, também, que não deixe de olhar para as condições deficientes em que muitos agentes judiciais são obrigados a trabalhar.

Rever o sistema político e fazer uma reforma na justiça é reforçar os alicerces do regime; não o fazer será permitir que esses mesmos alicerces continuem a enfraquecer-se.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira terminar, por favor, Sr. Deputado. O Sr. José Silvano (PSD): — Tanto se serve Portugal na oposição como no governo. O PSD esteve e

continuará a estar disponível para encontrar pontos de entendimento com os outros partidos e a sociedade em geral para que o País e o regime possam ser dotados destas importantes reformas. Sempre e acima de tudo por Portugal!

Aplausos do PSD. O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A Mesa regista cinco pedidos de esclarecimento à intervenção

do Sr. Deputado, que se desenvolverão em duas rondas: três na primeira ronda e dois na segunda. Para formular o primeiro pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Porfírio Silva, do Partido

Socialista. O Sr. Porfírio Silva (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Silvano, o Partido Socialista saúda o Partido

Social Democrata pela realização do seu 38.º Congresso. A democracia saudável é a da pluralidade e diversidade e, portanto, a realização de um congresso democrático, em liberdade, de um partido democrático é, evidentemente, um ponto positivo deste nosso caminho que temos vindo a trilhar desde o 25 de Abril de 1974.

Saudamos também os dirigentes eleitos, especialmente o seu presidente reeleito, Rui Rio, e todos os demais e estamos certos de que nenhum terá de se demitir nos próximos dias por ter dado vivas a Salazar e à PIDE. Penso que estamos descansados sobre essa matéria.

Risos do PS. O PSD veio propor um reajustamento ideológico falando de uma nova ideia da social-democracia, dizendo

que a social-democracia nem é de esquerda nem de direita. Estamos curiosos sobre essa ideia de social-

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democracia, que gostaríamos de aprofundar a ver se entendemos o que é que querem dizer, em termos concretos, com essa ideia de social-democracia que nem é de esquerda nem de direita. E vou ser concreto.

Em 2015, a antiga Presidente do PSD, a Prof.ª Manuela Ferreira Leite, criticou o programa da PAF dizendo que não era um programa social-democrata, que não era um programa que a satisfizesse em termos sociais-democratas, designadamente por usar o conceito de liberdade de escolha. E dizia ela que esse não era um conceito social-democrata. Sobre educação, dizia, por exemplo, e vou citar: «Tem graça nos três primeiros anos, mas ao fim de 10 anos acabámos, ficámos com um setor em que a qualidade do ensino privado é para alguns e o público vai ficar apenas com a parte de menor qualidade e, portanto, para aqueles que menos podem».

Temos visto que nos últimos dias o PSD, na questão da educação, tem insistido, designadamente e mais uma vez, nesta ideia da liberdade de escolha. É esta a vossa conceção de social-democracia que não é de direita nem de esquerda e que a vossa ex-presidente criticou?

Outra pergunta que também lhe queria fazer, em termos concretos — e termino já, Sr. Presidente —, é esta: os senhores falam de reformas, que falta fazer reformas. Normalmente, a direita quando fala de reformas refere-se a privatizações, à desregulação do mercado do trabalho, etc., etc..

Protestos do Deputado do CDS-PP João Pinho de Almeida. Nós temos outro entendimento de reformas. Para nós, reformas é a aposta no transporte público, a aposta

na habitação, a aposta nas energias renováveis e na descarbonização, a aposta na escola progressivamente gratuita. Estas são as verdadeiras reformas estruturais. É isto que os senhores entendem como reformas estruturais?

Aplausos do PS. O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, já terminou o tempo de que dispunha. O Sr. Porfírio Silva (PS): — Vão passar a acompanhar-nos nestas reformas estruturais que estamos a fazer?

É que nós queremos saber que social-democracia é essa que nem é de direita nem de esquerda. Aplausos do PS. O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — O segundo pedido de esclarecimento cabe ao CDS. Sr.ª Deputada Cecília Meireles, faça favor. A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, queria começar por

cumprimentar o Sr. Deputado José Silvano e deixar aqui um cumprimento muito especial a todo o PSD, saudando-o pelo Congresso, com uma palavra em particular para com o Sr. Presidente do PSD que aqui está, e todos os novos dirigentes eleitos, muitos dos quais de quem posso dizer que sou amiga e é com particular alegria que vejo o seu mérito reconhecido.

Gostaria também de reafirmar aqui o que já foi dito… Risos e protestos do Deputado do PS Carlos Pereira. O Sr. Deputado quer intervir? Não sei se não gostou da intervenção do seu colega de bancada, do Sr.

Deputado Porfírio Silva, mas, se quiser, é com alegria que lhe dispenso algum do meu tempo. Risos do CDS-PP. O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira continuar, Sr.ª Deputada. A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Muito obrigada, Sr. Presidente.

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Gostaria também de reafirmar o que o Presidente do CDS, que esteve presente no Congresso, já lhe disse em relação ao facto de o PSD ser um aliado tradicional e preferencial do CDS. Isto é particularmente visível não apenas no que é um entendimento político que já várias vezes reafirmámos, quer em muitas autarquias em que fomos governo em conjunto, quer no verdadeiro «governo de salvação nacional» de que fizemos parte, mas também na criação de uma alternativa ao socialismo. E é sobre esta alternativa que gostaria de deixar-lhe algumas questões.

A primeira tem a ver com um modelo de crescimento e com aquilo que todos desejamos, que é uma vida melhor para os portugueses e salários melhores para os portugueses.

Gostaria de saber se o PSD está de acordo que o único caminho verdadeiro e real para atingir esta vida melhor e estes salários melhores é através do crescimento económico, ou seja, fazendo crescer o bolo para depois o distribuir melhor.

Em segundo lugar, e também neste caminho reformista, muitas vezes oiço o PS falar em reformas, e ainda agora aqui o fizeram. A reforma mais particular que tenho visto nos últimos anos é a chamada «reforma do crescimento dos governos». De facto, este é o maior governo de sempre, com empregos para toda a família socialista, mas eu gostaria de saber se o PSD terá abertura para outras reformas que creio que farão bastante melhor pelo País e pelos portugueses.

Aplausos do CDS-PP. O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para formular o terceiro e último pedido de esclarecimento desta

primeira fase, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do PAN. Faça favor, Sr.ª Deputada. A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, começo, obviamente, por saudar

o Partido Social Democrata pelo seu Congresso e também pela eleição que ocorreu. Ouvimos aqui falar de reformas estruturais. No entanto, nessas reformas estruturais não houve uma palavra

— e consideramos que seria relevante, pelo menos neste Parlamento — sobre as matérias ambientais e a necessária descarbonização da economia.

Estamos plenamente de acordo com o que referiram relativamente à diminuição das assimetrias regionais. De facto, é necessário que não tenhamos um Portugal a dois ritmos e é também necessário apostar em serviços essenciais, como o Serviço Nacional de Saúde, que tem sofrido um desinvestimento de sucessivos governos. Portanto, gostaríamos de saber se, nesta medida, o PSD está disponível para dialogar não apenas com o PS ou o CDS mas com todas as forças políticas, a começar não somente pelo investimento nos serviços públicos mas também em matérias fundamentais como a descarbonização da economia e o cumprimento de metas estruturais para o País, como o combate às alterações climáticas, que tem de ser o ajustamento das diferentes políticas públicas a este desafio, que é o mais presente nos nossos dias.

Ainda em relação à questão das reformas estruturais, gostaríamos de ouvir o PSD em relação ao plano da justiça, que sofreu, também ele, um desinvestimento, a começar pelo Orçamento do Estado para 2020.

No curto espaço de tempo que passou nesta Legislatura, o PAN já apresentou algumas iniciativas sobre esta matéria e, em relação a uma que dará entrada em breve, gostaríamos de saber se o PSD nos acompanhará.

Esta iniciativa tem a ver com a proteção dos denunciantes, com a própria diretiva europeia de proteção dos denunciantes e também com as recomendações da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) e do Conselho da Europa sobre esta matéria, visando-se alargar o conceito legal de «denunciante» de modo que passe a abranger também pessoas que não possuem qualquer tipo de relação de trabalho com a pessoa ou entidade responsável pela prática das irregularidades e dos crimes denunciados, garantindo assim, obviamente, o anonimato e a segurança dos próprios denunciantes, nomeadamente por via de mecanismos sancionatórios, de forma que não haja tentativas de retaliação ou coação dos denunciantes, para uma melhoria dos canais de denúncia.

Ainda em relação às matérias da transparência e do combate à corrupção do sistema político, é com agrado… O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, vou pedir-lhe que termine.

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A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Concluo mesmo, Sr. Presidente. Peço desculpa. Dizia eu que é com agrado que ouvimos o PSD afirmar que são necessárias reformas, mas é preciso ir mais

longe. Gostaríamos de saber o que é que o PSD está disponível para apresentar neste contexto. Aplausos do PAN. O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para responder a estes três pedidos de

esclarecimento, o Sr. Deputado José Silvano. O Sr. José Silvano (PSD): — Sr. Presidente, agradeço aos Deputados as perguntas que me fizeram. Deputado Porfírio Silva, começo por lhe dizer que quase acabou por responder à sua pergunta. Se o PSD

não é da esquerda nem da direita, só faltou dizer que é do centro. O Sr. Adão Silva (PSD): — Exatamente! O Sr. Luís Moreira Testa (PS): — Mas o que é que isso significa? O Sr. José Silvano (PSD): — Faltou essa parte para dizer que o PSD se situa no centro do espaço político

e é verdadeiramente social-democrata. Não é socialista, não será comunista, não será de direita ou de extrema-direita, mas é de todo o espaço do centro e é, principalmente, dos portugueses que escolhem o centro. Esta é a resposta concreta à sua pergunta.

Aplausos do PSD. E não tenha dúvidas de que, dentro de pouco tempo, os portugueses que escolhem o centro e que têm

votado no Partido Socialista facilmente votarão no PSD, a seguir. Disso pode ter a certeza absoluta! O Sr. Afonso Oliveira (PSD): — Isso é o que vai acontecer! O Sr. José Silvano (PSD): — A questão do público e do privado foi em relação ao ensino, mas eu até estava

à espera que fosse em relação às parcerias público-privadas da saúde. O Sr. Adão Silva (PSD): — Ora bem! O Sr. José Silvano (PSD): — Talvez se tenha sentido incomodado para falar sobre essa área, mas a filosofia

é a mesma. Nós somos sempre defensores do público acima de tudo — que fique claro! —, aliás, como o Presidente do partido tem afirmado várias vezes. Mas, atenção, onde o público não responde deve responder o privado, se fizer melhor e mais barato. Disso pode ter a certeza absoluta!

O Sr. Adão Silva (PSD): — Exatamente! O Sr. José Silvano (PSD): — Tanto na educação como na saúde ou em qualquer outra área, o que os

portugueses querem é ser servidos, e bem servidos. O público tem essa obrigação. Se não conseguir e o privado conseguir, ainda por cima melhor e mais barato, deve seguir-se o privado. O Estado deve é fiscalizar se esse privado cumpre as condições que lhe estabelece. É esta a prioridade do PSD, tanto num lado como no outro, quer na educação, quer na saúde.

Deputada Cecília Meireles, agradeço também as suas palavras. Quanto à alternativa ao socialismo, acho que estamos perfeitamente de acordo e disponíveis. O comboio começou em andamento a seguir ao Congresso e acho que vai continuar.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, queria pedir-lhe que terminasse, por favor.

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O Sr. João Oliveira (PCP): — São 3 minutos para a resposta, não são 2! O Sr. José Silvano (PSD): — Sr. Presidente, deixe-me só responder à minha colega do lado, do PAN,… O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Peço desculpa, Sr. Deputado, enganei-me. Tem 3 minutos,

desculpe. O Sr. José Silvano (PSD): — … dizendo-lhe que uma das preocupações essenciais que referimos tinha a

ver com o ambiente e as alterações climáticas e que tudo faremos em relação àquela que tem sido uma das nossas bandeiras. Aliás, acho que, sobre este assunto, ninguém deve dar lições ao PSD, porque, há 20 anos, quem começou a falar destas matérias foram dirigentes do PSD, que estiveram, nessa altura, na linha da frente do ambiente e das alterações climáticas.

Aplausos do PSD. O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado José Silvano, peço-lhe desculpa. Fiz uma

interrupção que não devia ter feito, porque estava convencido de que o Sr. Deputado tinha 2 minutos e, afinal, tinha 3. Peço-lhe desculpa por isso. Espero não ter prejudicado a sua resposta. De qualquer forma, na próxima ronda terá certamente ocasião de a completar, se necessário for. Peço-lhe desculpa, mais uma vez.

Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado João Oliveira, do PCP. O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Silvano, felicito-o, a si e ao seu partido,

pela realização do Congresso, mas não levará a mal que simultaneamente faça votos para que não atinjam o vosso objetivo de regressarem ao poder,…

Protestos do PSD. O Sr. Adão Silva (PSD): — Nós sabemos! O Sr. João Oliveira (PCP): — … porque, naturalmente, isso seria o regresso da tragédia que vivemos entre

2011 e 2015. Portanto, Sr. Deputado José Silvano, ficam feitas as saudações e as apreciações quanto aos objetivos que saíram do Congresso do PSD.

Ainda assim, Sr. Deputado José Silvano, queria colocar-lhe algumas questões sobre alguns aspetos que me parecem relevantes quanto ao Congresso que realizaram e à apreciação que fizeram do posicionamento do PSD em relação não apenas ao passado mas também aos objetivos futuros.

Queria dizer-lhe, Sr. Deputado José Silvano, que, naturalmente, registámos o facto de não ter havido da parte do PSD, neste Congresso, uma palavra de autocrítica por aquilo que fizeram ao País e aos portugueses nos quatro anos em que estiveram no Governo, entre 2011 e 2015.

Protestos do PSD. Gostava de saber, Sr. Deputado José Silvano, se é hoje que vamos ter oportunidade de o registar. O PSD,

que hoje se diz um partido do centro e com preocupações sociais, revê-se naqueles quatro anos de governação do PSD e do CDS, entre 2011 e 2015? Revê-se no corte de direitos, na política de exploração e de empobrecimento que levaram por diante?

Nestes últimos quatro anos, não disseram uma única palavra sobre a rutura com as opções da política de direita que levaram por diante. O PSD assume, hoje, uma posição contrária àquela que pôs em prática nesses quatro anos em que esteve no Governo e assume, hoje, uma perspetiva de rutura com as opções da política de direita? Se se reclama do centro, o mínimo que se podia esperar era isso.

Depois daquilo que já ouvimos sobre PPP e sobre defesa do negócio das PPP — que, naturalmente, Sr. Deputado José Silvano, prejudicam os utentes, porque nos hospitais em PPP só têm metade do serviço em vez daquilo a que teriam direito —, devo dizer que não nos parece que esse possa ser um bom caminho.

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A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — As pessoas são atendidas mais depressa e melhor! O Sr. João Oliveira (PCP): — Por último, Sr. Deputado José Silvano, queria deixar-lhe uma nota de

preocupação. Ouvimos os apelos que os senhores fizeram ao Partido Socialista para entendimentos em matéria de leis eleitorais, justiça e legislação laboral.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, queira terminar. O Sr. João Oliveira (PCP): — Concluo, Sr. Presidente. Percebemos que daí não pode vir coisa boa, a julgar pelos entendimentos que fizeram no passado. A

começar pelo pacto para a justiça que assinaram com o então Primeiro-Ministro José Sócrates e pelos entendimentos sobre as últimas alterações que foram feitas à legislação laboral, daí não pode vir coisa boa.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, queira terminar. O Sr. João Oliveira (PCP): — Gostava que, já agora, aproveitasse esta oportunidade para explicar, em

concreto, que possibilidade é que os senhores veem de resolver os problemas do País… O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, queira terminar. O Sr. João Oliveira (PCP): — … quando fazem esses apelos de entendimento ao Partido Socialista nestas

três matérias, algo que, até hoje, nunca vimos em entendimentos anteriores que assumiram com o PS. Aplausos do PCP. O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para formular o último pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado

José Silvano, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, do Bloco de Esquerda. O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Silvano, como é óbvio, registamos a

existência do Congresso do PSD sem grande suspense. Aliás, como os próprios reconheceram, não estava a liderança em disputa, nesse Congresso.

Porém, na intenção de chegar ao poder, há um elencar de reformas que merece alguma atenção. É curioso verificar que, quanto mais difícil é para o PSD arranjar votos nas urnas, maior é a tentação de rever o sistema político para ganhar na secretaria aquilo que não consegue ganhar nas urnas.

Por isso, a primeira pergunta que tenho para lhe fazer é no sentido de saber se essa abertura do PSD para fazer acordos com o PS é, na prática, uma tentativa de rever o sistema eleitoral para que o centrão continue a ganhar os votos que o povo não lhe quer dar; ou, de outra forma, uma tentativa de, na secretaria, fazer esquecer o desastre da governação do PSD no País. Se é isso, percebemos. Percebemos o jogo político, mas o que falta é estratégia para o País.

Queria fazer-lhe uma segunda pergunta. Percebo que, na prática, estes arranjinhos para o jogo de secretaria comecem já a verificar-se. Ainda hoje de manhã, PS, PSD e até PCP se uniram para tornar a Casa da democracia na Casa da burocracia, no que toca à apresentação de votos. Mais um exemplo de como negar a política neste contexto.

Sr. Deputado, a pergunta que tenho para lhe fazer, diretamente, é a seguinte: na falta de apoio popular, querem uma reforma do sistema eleitoral e também querem prometer apoio aos grupos económicos para, ou na saúde ou na educação, onde virem fragilidades no Estado social, procurarem mais um negócio para entregar a privados e, aí, conquistarem o apoio que as pessoas, em concreto aquelas que vivem do trabalho no nosso País, têm negado ao PSD?

Aplausos do BE.

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O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado José Silvano. O Sr. José Silvano (PSD): — Sr. Presidente, começando pelo Deputado João Oliveira, do PCP, queria dizer-

lhe, com toda a clareza, que queremos regressar ao poder a ganhar eleições legislativas — disso pode ter a certeza absoluta! — e não de uma forma enviesada qualquer.

Aplausos do PSD. Quanto à autocrítica, esse discurso deu nos primeiros anos do Governo anterior, que os senhores apoiaram

em 2016, 2017, 2018 e 2019. Agora, depois de terminar um Governo que durou quatro anos — que, pelo visto, tem matéria para mostrar e para poderem criticar —, ainda irem buscar um Governo que já terminou o seu mandato há cinco anos é a prova evidente de que continuam ligados a esta política, a este Governo e, com isso, é evidente que não querem a nossa política nem o nosso governo. Disso podem ter a certeza absoluta!

Aplausos do PSD. Em relação ao Deputado Pedro Filipe Soares, queria dizer-lhe que dramatizações ou suspense não são

connosco. Dramatizações são com alguém muito mais especialista do que nós, que, cada vez que há uma contrariedade, faz um ato de suspense, uma dramatização. Não é com o PSD, é mais para o lado do Governo e de quem o apoia nas questões dos professores ou do IVA. Portanto, o suspense não é connosco, de certeza absoluta. Nós, como se costuma dizer, somos «meninos de coro», em comparação com o atual Primeiro-Ministro e com o Governo, a fazer suspense e dramatização. Portanto, nessa parte estamos entendidos.

Em relação à questão da alteração do sistema político como reforma essencial do regime, o objetivo não é ganhar na secretaria. Nada disso! Até porque, como dissemos da tribuna, queremos um entendimento de todos. Não é só do PS ou do CDS, é de todos os que se quiserem empenhar numa melhor relação entre eleitores e eleitos, para que aqueles que escolhem quer os Deputados quer os outros órgãos de soberania sintam perfeita identificação e confiança naqueles que elegem, porque a relação de proximidade entre o eleito e o eleitor deve ser o ponto fulcral de qualquer proposta que enforme a revisão do próprio sistema político.

Todos concordamos, incluindo o Sr. Deputado, que há que aperfeiçoar este regime, porque todos sabemos — basta ler os estudos de opinião — que grande parte da população já não se identifica com este sistema político e com a forma como ele funciona. Seria, para nós, um ato de silenciamento não perceber os tempos, não perceber os eleitores, não perceber o País e não fazer nada para que os eleitores se identifiquem melhor com os eleitos, na Assembleia da República ou noutro órgão qualquer.

É a esta revisão do sistema político que nos estamos a referir. Não temos documento nenhum que a imponha mas temos a vontade, e acho que todos temos o dever, de modificar aquilo que está mal e de aproximar os eleitores dos eleitos. Disso tenho a certeza absoluta!

Aplausos do PSD. O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado José Silvano, uma vez mais, peço-lhe desculpa

pelo meu lapso de há pouco. Passamos à declaração política do Bloco de Esquerda, que irá ser proferida pela Sr.ª Deputada Sandra

Cunha. Faça favor, Sr.ª Deputada. A Sr.ª Sandra Cunha (BE): — Boa tarde, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados. Fez ontem 13 anos que o «sim» à interrupção voluntária da gravidez venceu o referendo, com mais de 59%

dos votos. Aplausos do BE, da Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira e de Deputados do PS.

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A partir desse dia, acabaram-se os tempos obscuros da perseguição social e judicial às mulheres, em que importavam mais as crenças conservadoras completamente desfasadas da realidade do que a vida de tantas mulheres.

Acabaram-se os interrogatórios e exames ginecológicos forçados, os processos criminais, as condenações, por não se aceitar o direito à autodeterminação da mulher, o direito à escolha sobre o seu próprio corpo.

Acabaram-se os tempos dos abortos clandestinos, realizados em clínicas de vão de escada. Acabaram-se os tempos das mortes por abortos inseguros realizados nas situações mais precárias e tantas

vezes insalubres. E, ao contrário dos que vaticinavam o desastre — seriam filas sem fim de mulheres à espera de abortar, as

mulheres deixariam de ter filhos, o aborto seria transformado em método contracetivo, como se as mulheres fossem desprovidas de razão e consciência —, ao contrário de tudo isso, a lei foi um sucesso.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem! A Sr.ª Sandra Cunha (BE): — Ao contrário de quem, como o líder do CDS de então, anunciava a «loucura

do aborto livre» ou de quem, como Marcelo Rebelo de Sousa, acenava com o espectro da «liberalização total» para preferir a hipocrisia do «é proibido, mas pode-se fazer», o que temos hoje é uma diminuição constante e significativa do número de abortos.

Entre 2011 e 2018, as interrupções de gravidez por todos os motivos decresceram 24,2% e as realizadas apenas por opção da mulher até às 10 semanas diminuíram 27,1%. Mais: os dados disponíveis publicados pelas instituições europeias indicam que o número de interrupções de gravidez por 1000 nados-vivos em Portugal está abaixo da média europeia desde, pelo menos, 2015.

Ao contrário do que anunciavam os arautos do apocalipse, não só nada piorou, como o que temos hoje é mais informação, mais acompanhamento, mais saúde e mais segurança. Temos mais planeamento familiar e temos um aumento do recurso aos métodos contracetivos de longa duração, o que contraria a ideia propalada pelo «não» no referendo de que as mulheres recorreriam, a partir daí, a múltiplos abortos.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem! A Sr.ª Sandra Cunha (BE): — Mais de 92% das mulheres que realizaram uma interrupção voluntária da

gravidez recorrem à contraceção de longa duração. Mas é também crucial lembrar que até 2008 o aborto clandestino era a terceira maior causa de morte das

mulheres em Portugal e que, desde 2012, não houve mais nenhuma mulher em Portugal a morrer vítima de um aborto clandestino.

Aplausos do BE e de Deputadas do PS. E acabaram, também, as perseguições aos profissionais de saúde. No baú do obscurantismo do nosso passado, ficam os preconceitos, o autoritarismo, a sobranceria com que

se apontava o dedo, com que se perseguiam e humilhavam as mulheres. Será esse também o destino das opiniões de quem tudo fez para impedir que se caminhasse para uma sociedade mais democrática, mais respeitadora dos direitos, mais livre e mais saudável.

A Sr.ª Beatriz Gomes Dias (BE): — Muito bem! A Sr.ª Sandra Cunha (BE): — Mas o trabalho não está todo feito, porque, para além da conquista de direitos,

importa garantir as condições para a sua efetivação e, por isso, importa garantir que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) tenha todas as condições necessárias para realizar as IVG (interrupção voluntária da gravidez) solicitadas e fazer o acompanhamento devido.

No hospital de Santarém, deixaram de se realizar IVG; em Beja, o serviço é intermitente; o Hospital Garcia de Orta envia os abortos cirúrgicos para a Clínica dos Arcos; em Lisboa, três hospitais são objetores. Esta é uma realidade que coloca em causa a equidade no acesso à IVG e reduz os direitos das mulheres. A formação

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e o investimento no Serviço Nacional de Saúde são essenciais para garantir a igualdade de acesso e serviços de saúde de qualidade.

A questão da IVG constituiu sempre uma divisória entre conceções progressistas e conservadoras, conceções que reportam ao papel das mulheres e aos direitos das mulheres, em particular, mas que encerram também conceções sobre a sociedade e os direitos individuais, no geral.

O Bloco de Esquerda assumiu, desde sempre, uma posição progressista e muito clara sobre esta matéria: empenhámo-nos nas campanhas, na informação, na sensibilização, na proposta política. Em 2004, iniciámos o processo que culminou a 11 de fevereiro de 2007, trabalhámos para a promoção de alianças progressistas com partidos e movimentos cívicos e apostámos na diversidade do campo do «Sim».

Hoje, por Liseta Moreira e por todas as mulheres perseguidas e acusadas, pelos arguidos e arguidas dos megajulgamentos da Maia, de Aveiro, de Lisboa e de Setúbal, pelos médicos, técnicos e enfermeiros condenados ao longo de todos estes e outros processos, por todas as mulheres a quem o dedo foi apontado, por todas as humilhadas e ostracizadas, por todas aquelas que ficaram com sequelas para toda a vida, por todas aquelas que não resistiram e morreram, por todo o trajeto de sofrimento, violência e humilhação, mas também de luta e solidariedade, o Bloco de Esquerda não pode deixar de lembrar e assinalar esta que foi uma batalha decisiva, rumo à modernidade, ao desenvolvimento, ao respeito pela livre escolha, ao direito à autodeterminação.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira fazer o favor de terminar, Sr.ª Deputada. A Sr.ª Sandra Cunha (BE) — Vou já terminar, Sr. Presidente. Uma batalha cuja vitória trouxe, finalmente, Portugal para o conjunto de países em que o respeito pela

liberdade de escolha e autodeterminação da mulher é mesmo para cumprir. E, passados 13 anos, apresentamos a fatura dos argumentos falsos e preconceituosos,… O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada, queira terminar. A Sr.ª Sandra Cunha (BE) — … propalados contra as mulheres por quem quer impor aos outros as suas

opções de vida. Hoje, temos uma certeza: essa propaganda… O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Muito obrigado. Sr.ª Deputada. A Sr.ª Sandra Cunha (BE) — Vou mesmo terminar, Sr. Presidente. Como eu estava a dizer, essa propaganda conservadora perdeu no passado e perderá no presente, porque

há uma maioria no País para construir um futuro com tolerância e respeito pelos direitos de todas e de todos. Aplausos do BE e do PS. O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, as Sr.as Deputadas

Isabel Alves Moreira, do PS, e Alma Rivera, do PCP. A Sr.ª Deputada deseja responder em conjunto ou separadamente? A Sr.ª Sandra Cunha (BE) — Respondo em conjunto, Sr. Presidente. O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel

Alves Moreira, do Partido Socialista. A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Sandra Cunha, muito obrigada pela sua

intervenção sobre a IVG, 13 anos depois do referendo. Permitam-me que recorde o jovem Deputado Sérgio Sousa Pinto, que, com apenas 23 anos, em 1998,

protagonizou o projeto de lei do PS, que permitia o aborto por vontade da mulher até às 10 semanas.

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Aplausos do PS. É justo recordar a luta da Juventude Socialista de então, de gente que acreditava que tinha de se acabar

com a infame perseguição penal da pobreza. Ao lado de Sérgio Sousa Pinto, estava também Ana Catarina Mendes, entre outros rostos que nunca desistiram.

Aplausos do PS. Até que, em 2007, por impulso do Partido Socialista, em novo referendo, finalmente, o 25 de Abril chegou,

como era sonho de Natália Correia, à escolha das mulheres, colocadas antes na agonizante situação de «criminosas» e de «pecadoras».

Contra tudo o que nos disseram, o aborto não aumentou, as mulheres não recorreram à IVG como «método contracetivo», as consultas de planeamento familiar não foram uma promessa vazia e as mulheres não continuaram a morrer.

Vozes do PS: — Muito bem! A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — O aborto diminui de ano para ano, as consultas de planeamento familiar

dispararam, a taxa de repetição da IVG é uma das mais baixas da Europa, acabou aquela que era a segunda causa de morte materna em Portugal: o aborto clandestino.

Aplausos do BE. Parámos de morrer. A lei parou de nos matar. A lei parou de nos confrontar com julgamentos humilhantes,

como os da Maia ou de Aveiro, aqui já referidos. Continuamos atentas. No último dia da penúltima Legislatura, o PSD e o CDS aprovaram uma iniciativa que

revogava a liberdade das mulheres e ditava, novamente, sentenças de morte. A Sr.ª Ana Catarina Mendonça Mendes (PS): — Bem lembrado! O Sr. João Oliveira (PCP): — Uma vergonha! A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Não nos esquecemos e os tempos não estão para esquecimentos.

Mantemo-nos firmes, assim como, estamos certos, o Bloco de Esquerda e toda a esquerda, ao lado de uma lei progressista que nos permite dizer, hoje, que o número de abortos em Portugal é o mais baixo desde a legalização. E, 13 anos depois, estamos vivas e estamos livres.

A lei parou de nos matar! Aplausos do PS e do BE. O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para pedir esclarecimentos, tem agora a palavra a Sr.ª Deputada

Alma Rivera, do PCP. A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, há 13 anos, Portugal despenalizava a

interrupção voluntária da gravidez até às 10 semanas e as mulheres portuguesas deixaram de ser empurradas para o aborto ilegal.

Foram precisas décadas de luta, não foi fácil. Existiram julgamentos, em que as mulheres sofreram a humilhação de se verem no banco dos réus e verem

a sua privacidade e dignidade violadas. Existiram sequelas físicas e psicológicas para a vida. Existiram milhares de mortes de mulheres que abortaram clandestinamente em condições terríveis. Mas existiu, também, um movimento, com as mulheres na frente, que não desistiu até que se despenalizasse a IVG e se garantisse a opção de se poder interromper a gravidez de forma segura no Serviço Nacional de Saúde.

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O Sr. João Oliveira (PCP): — Muito bem! A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Passados 13 anos, a realidade veio desmontar os argumentos do contra. «Vai aumentar o número de abortos», diziam. E, pelo contrário, o número baixou, estando em decréscimo

constante, num valor abaixo da média europeia. «Essa lei vai fazer do aborto um método contracetivo», diziam. Para além da insensibilidade que esta

afirmação revela sobre a difícil decisão em causa, os números mostram precisamente o contrário. Aliás, aumentou a procura de consultas de planeamento familiar e aconselhamento contracetivo.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente! A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Conseguiu-se mais: desde 2011 — o mais importante de tudo isto —, não se

registam casos de morte ou internamento ligados à IVG. Foi um grande avanço para as mulheres. Mas se há coisa que sabemos é que nenhum direito está garantido para sempre. Ainda recentemente, vimos

o PSD e o CDS a tentarem introduzir dificuldades, obstáculos, custos, no acesso à IVG. Foram derrotados. Mas ainda há muito por fazer para garantir que o Serviço Nacional de Saúde é capaz de assegurar em todo

o País respeito pela decisão da mulher e um acesso real e em condições ao aborto seguro e acompanhado. Da parte do PCP, continuaremos a lutar pela dignidade da maternidade e paternidade responsável e exercida

em liberdade,… O Sr. João Oliveira (PCP): — Muito bem! A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — … para reforçar os direitos sexuais e reprodutivos, o acesso ao planeamento

familiar, a garantia da educação sexual em todas as escolas, mas também as condições de vida no trabalho, nos serviços públicos, para que as mulheres e as famílias tenham os filhos que desejam.

A pergunta que faço é a de saber se o BE nos acompanhará neste sentido. O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para responder, a Sr.ª Deputada Sandra Cunha. A Sr.ª Sandra Cunha (BE) — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Moreira e Sr.ª Deputada Alma Rivera,

efetivamente, este foi um caminho só possível porque se estabeleceram alianças amplas entre vários partidos, entre movimentos cívicos, entre ativistas, entre mulheres e homens, entre todos aqueles e todas aquelas que compreendiam a importância da livre escolha, mas, sobretudo, que compreendiam e que lutavam para terminar com este horror que eram as mortes de mulheres por abortos clandestinos, assim como a perseguição pública e judicial das mulheres e dos vários técnicos profissionais de saúde.

Falei, há pouco, da necessidade de garantir o acesso ao direito ao aborto, no âmbito do Serviço Nacional de Saúde, e de como isso implica investimento no SNS — investimento em meios humanos, investimento nos serviços de saúde de proximidade, investimento em formação, também.

Para isso esperamos contar com o apoio dos partidos à esquerda, que estiveram neste combate durante a campanha do referendo do aborto e durante todo este período.

Importa manter, também, evidentemente, a vigilância sobre os ataques e os retrocessos que foram tentados, como bem aqui foi lembrado pela Sr.ª Deputada Isabel Moreira, ainda há bem pouco tempo, pela direita, pela bancada do PSD e também durante o Governo do PSD, retrocessos de direitos adquiridos, de direitos conquistados, aliás, e que são tão importantes.

Protestos do PSD. Por isso, o Bloco de Esquerda acompanha, evidentemente, todos os esforços nesta vigilância e todas as

propostas no que respeita ao investimento no Serviço Nacional de Saúde para o acesso ao aborto em condições de igualdade e de qualidade, para serviços de acompanhamento, bem como todas as opiniões, todas as ideias, todas as iniciativas que vierem nesse sentido.

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Aplausos do BE e de Deputados do PS. O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A última declaração política cabe à Sr.ª Deputada Paula Santos,

do PCP. Faça favor, Sr.ª Deputada. A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não fomos surpreendidos, mas não

deixámos de ficar indignados ao saber que há hospitais que estão impedidos de adquirir medicamentos por causa da Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em Atraso (LCPA).

Nas últimas semanas, o Tribunal de Contas recusou o visto prévio para a aquisição de medicamentos essenciais para o tratamento do cancro, do VIH/SIDA, da artrite reumatoide ou da doença rara de Fabry. O argumento é idêntico em todos os acórdãos do Tribunal: a falta de fundos disponíveis para assunção de novos compromissos, nos termos desta lei.

Desde 2017, o Tribunal de Contas recusou o visto prévio a cerca de 40 contratos, apresentados por hospitais, para a aquisição de medicamentos, alimentação, tratamento de roupa, serviços vários e até para a realização de investimentos, criando constrangimentos no funcionamento dos hospitais. Mais grave ainda: essas recusas de visto podem mesmo vir a comprometer o acesso dos doentes aos cuidados de saúde a que têm direito, o que é impensável no regime democrático do nosso País.

Aquando da imposição da Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em Atraso, por PSD e CDS, alertámos, desde logo, que esta não era compatível com o funcionamento e a missão dos estabelecimentos de saúde que integram o SNS.

Não será por acaso que um dos setores da Administração Pública onde se regista maior incumprimento é exatamente o da saúde. Na verdade, não é possível cumprir os espartilhos daquela lei e assegurar os cuidados de saúde a que os doentes têm direito, como também já foi afirmado pela Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares.

É preciso dotar o Serviço Nacional de Saúde do financiamento adequado para assegurar o direito constitucional à saúde, mas é preciso, igualmente, remover os obstáculos existentes, como a Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em Atraso, para permitir o funcionamento dos serviços públicos de saúde e assegurar que nenhum doente fique privado de cuidados de saúde ou de terapêutica por causa de uma lei com critérios que ignoram em absoluto essas necessidades e os direitos.

Num acórdão do Tribunal de Contas, uma unidade hospitalar alegava que, e passo a citar, «A eventual impossibilidade de aquisição de medicamentos, por causa desta regra orçamental e financeira, constituiria uma grave violação do princípio da proporcionalidade e do direito à saúde constitucionalmente consagrados.»

Ao que o Tribunal de Contas responde que, e cito, «sem pôr em causa o supremo interesse público invocado (…), de ordem constitucional, como é ‘o direito à saúde’, que, no caso concreto, colide com a obrigatoriedade de cumprir normas legais de natureza estritamente financeira previstas na LCPA, a verdade é que tal lei se impõe indistintamente aos serviços e organismos públicos — incluindo os do SNS — sem valorar, sequer, de modo distinto, a natureza das despesas em causa em função da sua premência ou importância para assegurar o referido direito. Antes, pelo contrário, a referida lei apresenta-se como uma lei prevalecente sobre as demais, resultando do seu artigo 13.º que as normas da referida lei têm natureza imperativa, ‘prevalecendo sobre quaisquer outras normas legais ou convencionais, especiais ou excecionais, que disponham em sentido contrário’.»

Acrescenta, ainda, que, e cito, «(…) este Tribunal limita-se, assim, a cumprir e fazer cumprir a lei (…) que, como já salientou, não distingue as entidades do SNS das demais entidades e organismos públicos a ela sujeitos, nem exceciona determinados tipos de aquisições face a outros, nomeadamente os relacionados com a aquisição de refeições, medicamentos ou dispositivos médicos.»

O que daqui se conclui é que, entre assegurar o direito à saúde e cumprir critérios estritamente financeiros, o que prevalece não é a saúde dos utentes, independentemente das consequências que daí decorram para a sua saúde. É desumano!

O Tribunal de Contas reconhece, ainda, que se está «perante um verdadeiro problema sistémico a carecer de resolução urgente por parte do legislador».

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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É urgente a remoção deste obstáculo na prestação de cuidados. A alteração aprovada no Orçamento do Estado para 2020 alivia, mas não resolve o problema; é preciso criar

um regime excecional para o SNS (Serviço Nacional de Saúde), de forma a salvaguardar o que é mais relevante: a saúde e a vida dos utentes.

Neste sentido, o PCP agendou para o dia 6 de março a discussão do projeto de lei que exceciona da aplicação da Lei dos Compromissos e Pagamentos em Atraso a aquisição de medicamentos, de produtos químicos e farmacêuticos, de material clínico e de dispositivos médicos, de investimentos financiados por fundos comunitários e investimentos com cabimentação orçamental nas unidades de saúde que integram o SNS.

Foi possível já excecionar a aplicação desta lei para as autarquias. Também é possível, haja vontade e coragem política, excecionar a aquisição de bens essenciais e a realização de investimentos fundamentais no Serviço Nacional de Saúde.

Há consenso dos administradores, dos profissionais de saúde e de várias entidades ao afirmarem que esta lei não serve e não se deve aplicar à saúde.

Apresentamos a proposta, mais uma vez, para a resolução deste problema imediato. A questão que se vai colocar é se os demais partidos irão optar pela proteção da saúde dos doentes ou se, mais uma vez, serão os condicionalismos económicos e financeiros a ditar e a prevalecer sobre o direito à saúde.

Da nossa parte, não temos dúvidas: estamos do lado do direito à saúde! Aplausos do PCP. O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A Mesa registou a inscrição de cinco Srs. Deputados para pedir

esclarecimentos. Como é que a Sr.ª Deputada pretende responder? A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, responderei, em conjunto, aos dois primeiros Srs. Deputados

e, depois, aos restantes três. O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Com certeza, Sr.ª Deputada. Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Moisés Ferreira. O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados Sr.ª Deputada Paula Santos,

efetivamente, há, neste momento, em Portugal, hospitais que estão impedidos de adquirir medicamentos para diversas patologias, inclusivamente até para doenças raras, e isso não é aceitável. Há hospitais impedidos de adquirir medicamentos e terapêuticas para doentes oncológicos, e isso não é aceitável.

Desde 2017, houve, pelo menos, 35 recusas de visto prévio por parte do Tribunal de Contas que impediram a aquisição de medicamentos, de compra de alimentos para os hospitais, a aquisição de serviços de diálise e de radiologia, e isso, Sr.as e Srs. Deputados, não é aceitável.

Ora, se não é aceitável, por que razão está a acontecer isto em Portugal? Por causa de uma pequena grande coisa chamada «Lei dos Compromissos», que é uma lei que está a manietar o Serviço Nacional de Saúde, que está a impedir o investimento, que está a secundarizar o direito à saúde e que está a privar os utentes de cuidados de saúde.

A Lei dos Compromissos, que foi feita pelo PSD e pelo CDS-PP, no seu primeiro momento, teve a oposição do Partido Socialista, mas, agora, o Partido Socialista tem vindo a defendê-la. Todavia, trata-se de uma lei que tem de ser, obviamente, debelada e tem de ser retirada do caminho do Serviço Nacional de Saúde.

O Bloco de Esquerda tem insistido nisso — aliás, na Legislatura passada, apresentámos um projeto de lei, que teve os votos contra do PSD, do PS e a abstenção do CDS-PP, e, no Orçamento do Estado para 2020, voltámos a apresentar essas mesmas iniciativas, mas a coligação negativa alargou-se agora ao CDS, à Iniciativa Liberal e ao Chega, que se abstiveram.

A verdade é que não é possível desenvolver o SNS com esta Lei dos Compromissos. A questão fundamental que se coloca é a seguinte: é possível termos um SNS desenvolvido com esta Lei

dos Compromissos? É possível termos autonomia das instituições do SNS, como tantos parecem reivindicar, com esta Lei dos Compromissos?

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Não nos parece e, por isso, entregaremos, novamente, um projeto de lei para retirar o SNS desta famigerada Lei dos Compromissos.

— Aplausos do BE. O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro

Almeida, do PSD. O Sr. Álvaro Almeida (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Paula Santos, felicito-a por trazer aqui um

tema que considero realmente importante. É, de facto, inadmissível que haja hospitais do Serviço Nacional de Saúde que não adquiram os medicamentos que os seus doentes precisam.

Todavia, apesar de concordarmos com o tema, discordamos do diagnóstico. É que o problema não está na Lei dos Compromissos, esta lei existe há muitos anos e só desde 2017 é que os hospitais deixaram de comprar medicamentos por causa da lei.

O Sr. Ricardo Baptista Leite (PSD): — Bem lembrado! O Sr. Álvaro Almeida (PSD): — O problema está na falta de fundos disponíveis. A razão pela qual o Tribunal

de Contas recusa o visto prévio é exatamente essa: falta de fundos disponíveis. E de onde vem a responsabilidade pela falta de fundos disponíveis? Vem dos Orçamentos que o Partido Socialista apresentou e que o PCP e o Bloco de Esquerda aprovaram desde 2016.

Aplausos do PSD.Protestos do BE e do PCP. É dessa falta de financiamento que resulta a falta de acesso a cuidados de saúde por parte de doentes de

alguns dos hospitais portugueses. Não é por causa da Lei dos Compromissos. Esta lei limita-se a aplicar regras de boa gestão, pelo que não é dessa lei que resulta o problema.

Diz a Sr.ª Deputada que aquilo que a preocupa são os doentes. Também estamos de acordo, mas não é acabando com regras de boa gestão financeira que se protegem os doentes. Sabe como é que se protegem os doentes, Sr.ª Deputada? Protegem-se, apresentando propostas para a redução de listas de espera para as consultas de especialidade, como fez o PSD e o PCP votou contra. Protegem-se, dando-lhes médico de família a todos, como o PSD propôs e o PCP votou contra.

Portanto, quando se trata de defender o interesse dos utentes, Sr.ª Deputada, o PCP passe a preocupar-se mais com as listas de espera, com os médicos de família e menos com a ideologia e, então, sim, estaremos de acordo e estaremos a defender o interesse dos doentes.

Aplausos do PSD. O Sr. Presidente: — Para responder aos dois primeiros Srs. Deputados, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula

Santos. A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, começo por agradecer as questões que me foram dirigidas

pelo Sr. Deputado Moisés Ferreira, do Bloco de Esquerda, e pelo Sr. Deputado Álvaro Almeida, do PSD. O Sr. Deputado Álvaro Almeida afirma que é inadmissível que os hospitais estejam impedidos de adquirir os

medicamentos e nós também o consideramos, mas o Sr. Deputado, o seu partido e o CDS têm toda a responsabilidade no que está a acontecer.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente! O Sr. Álvaro Almeida (PSD): — Isso nunca existiu no nosso tempo!

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A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Há aqui um aspeto fundamental: os critérios que devem definir o

funcionamento e a missão dos hospitais, mais do que critérios de natureza económica e financeira, devem ser critérios clínicos,…

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente! A Sr.ª Paula Santos (PCP): — … devem ser critérios de vantagem para os doentes, do ponto de vista da

sua saúde, e não critérios que impeçam que os hospitais possam adquirir os medicamentos fundamentais para que os utentes se possam tratar, para que os utentes, em determinadas situações, possam, inclusivamente, sobreviver, hospitais esses que ficam, agora, com as mãos e os pés atados porque não lhes é possibilitada essa aquisição.

O Sr. Álvaro Almeida (PSD): — O problema está nos Orçamentos que os senhores aprovaram! A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Mas vou dizer-lhe mais, Sr. Deputado: em 2013 — e a lei é de 2012 –, houve

11 unidades hospitalares que não cumpriram a Lei dos Compromissos; em 2014, houve 18; em 2015, houve 42; em 2016, houve 49; em 2017, houve 10; em 2018, houve 52; e em 2019, houve 28.

Estamos, de facto, perante um problema que, tal como o Tribunal de Contas refere, é sistémico e que exige resolução, porque, de facto, esta lei não se deve aplicar ao Serviço Nacional de Saúde.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente! A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Aliás, está vista a consequência da sua aplicação ao pôr em causa o direito

e o acesso à saúde por parte dos utentes. Mas também podemos falar em matéria de subfinanciamento. É que, se houve Governo que mais cortou no

financiamento do Serviço Nacional de Saúde, o Governo do PSD e do CDS-PP foi o campeão,… O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente! A Sr.ª Paula Santos (PCP): — … com cortes brutais que impediram o funcionamento do SNS. Protestos do PSD. Sr. Deputado, é um facto que o problema não está resolvido e é por isso que colocamos a questão da

necessidade de o financiamento ser adequado, de contratar mais trabalhadores, de um investimento plurianual em médicos de família, em enfermeiros de família, propostas que PCP aqui trouxe, inclusivamente no Orçamento do Estado, que o seu partido também não acompanhou mas que podiam resolver muitos dos problemas com os quais o SNS está confrontado, incluindo o da aplicação da Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em Atraso ao Serviço Nacional de Saúde.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente! A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Deputado Moisés Ferreira, acompanhamos o conjunto de preocupações

que tive oportunidade de referir na intervenção que fiz e quero dizer-lhe que, de facto, a Lei dos Compromissos aplicada ao Serviço Nacional de Saúde é um claro obstáculo à garantia do direito à saúde dos utentes.

Por isso, quisemos agendar para o dia 6 de março a discussão da nossa iniciativa e veremos quais são os partidos que defendem o Serviço Nacional de Saúde e que querem garantir que nenhum doente, nenhum utente fique impedido de aceder aos cuidados de saúde por causa de uma lei que não tem um único critério de cariz clínico.

Aplausos do PCP e do PEV.

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O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado André

Ventura. O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, por vezes, dá a ideia de que o PCP — e nós

sabíamos que tinha parado um pouco na história —, afinal, só se lembra até ao final do Governo PSD/CDS-PP. A partir daí, passou a esquecer-se de tudo o que aconteceu.

Sr.ª Deputada, é evidente, para qualquer pessoa, que o direito à saúde é um direito constitucionalmente assegurado e, sobretudo, um direito que ninguém quer precludir.

Mas, Sr.ª Deputada, sabe onde é que não há vistos do Tribunal de Contas, nem controlo de gestão dos hospitais? É na Venezuela, é em Cuba… Aí não há controlo nenhum. Mas sabe por que é que não há controlo nenhum? Porque não há dinheiro! Aí não há controlo, porque não há dinheiro! Portanto, não há visto nenhum, porque também não há nada para gastar! É muito fácil dizer que não tem de haver controlo nenhum, quando não há dinheiro para gastar e quando o dinheiro para gastar é sempre dos outros.

Também gostava de dizer o seguinte: se acha que deve simplesmente acabar o controlo público por parte do Tribunal de Contas sobre a gestão de hospitais e de outras entidades, explique isso às pequenas e médias empresas e aos que fornecem o sistema nacional de saúde, o qual tem uma dívida de milhões de euros.

É muito difícil de explicar que, a partir de agora, não vai haver nenhum controlo, nem vamos ter absolutamente nada.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira terminar, Sr. Deputado. O Sr. André Ventura (CH): — Vou terminar, Sr. Presidente, dizendo só isto: é muito curioso que o PCP

venha criticar o visto e o controlo de gestão na saúde e, ao mesmo tempo, aprove — o que tem acontecido nos últimos cinco anos — Orçamentos do Partido Socialista. É isso que é muito curioso.

Protestos do Deputado do PCP António Filipe. O Sr. Jorge Costa (BE): — O «laranjinha» não sai de dentro dele! O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada

Bebiana Cunha, do PAN. A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Paula Santos, antes

de mais, gostaríamos de lhe dizer que partilhamos totalmente a preocupação aqui trazida no que diz respeito à impossibilidade de os hospitais darem resposta às necessidades que têm. Concordamos consigo que é desumano, é urgente, é inaceitável que os hospitais fiquem impedidos de dar resposta às suas próprias necessidades.

Sabemos todos que é fundamental investir e reforçar o Serviço Nacional de Saúde, valorizar os profissionais, que haja autonomia para se realizarem as obras necessárias ao adequado funcionamento dos serviços, que se instalem os materiais e a tecnologia necessários. Enfim, é necessário colocar uma visão de médio e de longo prazos às políticas de saúde, pois todos sabemos os elevadíssimos riscos que os profissionais de saúde enfrentam no dia a dia, sabemos que não se podem manter serviços de saúde com serviços mínimos e, também, que muitos portugueses e muitas portuguesas continuam sem um real acesso à saúde, com tempos de espera completamente incompreensíveis.

Sr.ª Deputada, aproveitamos este momento para lhe perguntar o que pensa o PCP sobre o seguinte: têm sido realizados diversos alertas nacionais e internacionais para a importância de se privilegiar mais a prevenção do que a remediação. Sabemos que temos muito para remediar, mas, se queremos realmente impedir uma queda do Serviço Nacional de Saúde no abismo, é fundamental uma intervenção estruturada que privilegie uma saúde preventiva e de proximidade.

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Nesse sentido, o PAN tem vindo a insistir reiteradamente na necessidade de quantificar o que é investido em prevenção na saúde. Isto é, as contas devem ser apresentadas para se conhecer não só quanto se gasta nesta matéria em Portugal, mas também o impacto que a prevenção tem na saúde das pessoas no nosso País.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada, vou pedir que termine. A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Vou concluir, Sr. Presidente. A prevenção em saúde existe, mas tem sido baseada em medidas de vacinação, campanhas de informação

e sensibilização, bem como em projetos diversos. Entendemos que tem faltado uma estratégia integrada e, neste sentido, gostaríamos de questionar o PCP sobre essa necessidade.

Aplausos do PAN. O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo

Marques, do Partido Socialista. O Sr. Paulo Marques (PS): — Sr. Presidente, em primeiro lugar, gostaria de deixar uma palavra de

serenidade. Não há nenhum utente do Serviço Nacional de Saúde que fique sem medicamentos por causa dos vistos do Tribunal de Contas.

Aplausos do PS. Se leram os relatórios do Tribunal de Contas e se leram o que disse o Presidente da Associação Portuguesa

de Administradores Hospitalares, referindo-se criticamente a essa situação, viram que nesse mesmo «recorte» ele também disse que, em situações limite, faziam um ajuste direto para adquirir esses medicamentos. Portanto, não vale a pena alarmar os portugueses com isso.

Queria também dizer ao Deputado do Bloco de Esquerda, que há pouco falou nas alterações que nós propusemos, que acho curioso o Bloco não ter aprovado o artigo 175.º da proposta de lei do Orçamento do Estado, do Governo, que permitia dotar os hospitais de fundos disponíveis de uma forma mais alargada.

Ao Sr. Deputado do PSD, ainda sobre o mesmo articulado, tenho pena que não tenha votado a favor desta medida, visto que iria aligeirar as dificuldades sentidas pelos administradores hospitalares.

Fruto disto, queria só dizer que se há assunto que merece consenso na sociedade portuguesa é o da importância capital que tem o Serviço Nacional de Saúde. Bem sabemos que, historicamente, nem sempre foi assim, mas hoje todos os partidos estão alinhados no mesmo sentido, assim espero.

Em 2015, fruto da maioria parlamentar, o Partido Socialista formou Governo e o Primeiro-Ministro, então indigitado, era António Costa e hoje, em 2020, o Primeiro-Ministro é o mesmo e na última campanha eleitoral foi estabelecido com os portugueses o compromisso de reforçar o Serviço Nacional de Saúde.

É aceite por todos nós que o Serviço Nacional de Saúde precisa de mais recursos, sejam eles técnicos, humanos ou financeiros, mas não é menos verdade que aprovámos um Orçamento há meia dúzia de dias que dotou este Serviço com verbas muito substanciais — nunca, até hoje, ele tinha tido uma dotação inicial tão relevante — e isso prova bem o compromisso que assumimos com os portugueses. Estamos a cumpri-lo, ainda que estejamos no primeiro ano da Sessão Legislativa.

Portanto, queria perguntar à Sr.ª Deputada do PCP se as iniciativas tomadas na anterior Legislatura e que continuamos a tomar na atual tornam, ou não, o Serviço Nacional de Saúde mais capaz e mais robusto para responder aos propósitos para o qual foi criado.

Aplausos do PS. O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Santos,

do PCP.

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A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, agradeço as questões que me foram colocadas e começo por uma que está à margem do tema que trouxemos para discutir na Assembleia da República, a questão da prevenção e a sua necessidade. São matérias que, há muito, o PCP tem vindo a discutir, até como uma questão da promoção da saúde e da prevenção da doença. Aliás, é importante registar que se vai haver um alargamento do Plano Nacional de Vacinação, no ano de 2020, é porque foi aprovada na Assembleia da República uma proposta do PCP…

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente! A Sr.ª Paula Santos (PCP): — … para a inclusão de mais três vacinas. O Sr. João Oliveira (PCP): — Bem lembrado! A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Custou, mas, finalmente, o Governo lá avançou com a concretização do que

constava no Orçamento do Estado. Por isso, relativamente à prevenção, consideramos que é fundamental. Estamos aqui — e foi, naturalmente, com esse intuito que o PCP trouxe este tema a debate — para discutir

os problemas que afetam os portugueses, para discutir os problemas do Serviço Nacional de Saúde, e não para discutir problemas de outros países. Porém, registamos que há um conjunto de países, nomeadamente Cuba, que tem ajudado o nosso,…

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente! O Sr. André Ventura (CH): — Oh!… Protestos dos Deputados do CDS-PP. A Sr.ª Paula Santos (PCP): — … nomeadamente com a colocação de médicos de família,… O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente! Protestos do Deputado do CH André Ventura. A Sr.ª Paula Santos (PCP): — … o que para muitos e muitos portugueses tem sido a solução para que lhes

seja atribuído médico de família, dada a carência existente no nosso País relativamente a estas matérias. O Sr. João Oliveira (PCP): — Bem lembrado! A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Aquilo que é fundamental para o Serviço Nacional de Saúde, para que este

dê aos portugueses a resposta a que têm direito, cumprindo a nossa Constituição, é dotá-lo dos meios que são necessários.

Quanto às questões que aqui se colocam, não é através de discursos eloquentes ou de grandes proclamações que os problemas são resolvidos. São precisas medidas concretas e o que verificamos é que, por parte do Governo do Partido Socialista, elas não têm sido suficientes para responder aos problemas. É verdade que, como já referi, o PSD e o CDS deixaram o SNS numa situação lastimável, mas o que era necessário fazer e não foi feito era, efetivamente, um investimento que dotasse os serviços públicos dos serviços e valências necessários, que reforçasse os trabalhadores de uma forma mais efetiva, para que houvesse um médico de família, um enfermeiro de família, para que houvesse uma valorização dos trabalhadores e eles ficassem no Serviço Nacional de Saúde e não o abandonassem por se sentirem desmotivados. Isto é fundamental, porque pode colocar em causa não só a prestação de cuidados mas também a formação dos próximos profissionais no Serviço Nacional de Saúde.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

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A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Esta é uma questão que consideramos absolutamente estratégica. Relativamente ao problema dos medicamentos nos hospitais, queria ainda dizer que já percebemos que no

PSD não estão preocupados com a saúde, estão mais preocupados com as contas. Risos do PSD. Mas a verdade é que há um problema concreto que exige uma resposta, e essa resposta tem de passar pela

exceção de um conjunto de contratos de aquisição de medicamentos, de produtos químicos e farmacêuticos, de vários serviços que são fundamentais para que os hospitais cumpram a sua missão. E a sua missão é prestar cuidados às pessoas.

O Sr. André Ventura (CH): — Haja dinheiro! O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada, queira terminar, por favor. A Sr.ª Paula Santos (PCP): — A sua missão é tratar das pessoas, convenientemente, a tempo e horas, com

qualidade, e não deixar de as tratar. O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada, tem mesmo de terminar. A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Vou mesmo terminar, Sr. Presidente. Trazemos a proposta que resolve o problema. Fica bem claro que a preocupação de quem se opuser a esta

proposta não é com os doentes nem com a saúde, mas com um conjunto de outros critérios que para os portugueses pouco importa.

Aplausos do PCP. O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Terminamos assim o primeiro ponto da ordem de trabalhos. Passamos ao segundo ponto, que consiste na apreciação da Petição n.º 216/XIII/2.ª (União dos Sindicatos

do Distrito de Viseu) — Solicitam a adoção de medidas de combate à desertificação do interior do País, conjuntamente com, na generalidade, o Projeto de Lei n.º 24/XIV/1.ª (PEV) — Determina a elaboração pelo Governo de relatório anual sobre as assimetrias regionais em Portugal, prévia à apresentação do Orçamento do Estado, com vista à sua apresentação à Assembleia da República, e com os Projetos de Resolução n.os 211/XIV/1.ª (BE) — Investir na coesão territorial e combater a desertificação do interior do País, 218/XIV/1.ª (BE) — Plataforma Digital em Sistema de Informação Geográfica (SIG) e 237/XIV/1.ª (PCP) — Recomenda ao Governo a realização de um plano de desenvolvimento do território nacional com medidas de valorização do interior e de combate ao abandono do mundo rural.

Para apresentar a iniciativa legislativa de Os Verdes, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira. O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: As assimetrias regionais constituem um

problema estrutural em Portugal que, pese embora as proclamadas intenções de as combater, têm sido agravadas ao longo dos anos. Com efeito, as desigualdades territoriais num país tão pequeno como Portugal, que distanciam — elas, sim! — o litoral do interior, as zonas urbanas das áreas rurais, foram fomentadas por décadas de políticas de desinvestimento no interior do território.

Os Verdes aproveitam para saudar os milhares de cidadãos que subscreveram a petição promovida pela União de Sindicatos do Distrito de Viseu, que pretende defender o interior do País e combater a desertificação, e acompanham as suas preocupações.

Foi exatamente com o propósito de contribuir para o combate à desertificação do interior e para a necessidade de esbater as assimetrias regionais que Os Verdes apresentaram um projeto de lei que, estamos em crer, vai ao encontro das preocupações expressas nesta petição, um projeto que determina a elaboração pelo Governo de um relatório anual sobre as assimetrias regionais em Portugal.

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O desinvestimento no interior do País encerrou escolas, unidades de saúde, postos da GNR, estações dos CTT, repartições de Finanças, linhas e ramais ferroviários. Contribuiu diretamente para a perda de potencialidades de desenvolvimento daquele território e, naturalmente, desprovidas de serviços, essas zonas geram menos capacidade de atrair pessoas e empresas, formando-se, assim, um ciclo vicioso de esvaziamento e de despovoamento do interior. Se há menos população, encerram-se serviços e se não há serviços, não se fixa população nem atividade económica.

Como sabemos, os Orçamentos do Estado traduzem, por definição, as diretrizes e as opções políticas de investimento a ter lugar num determinado ano civil, pelo que Os Verdes consideram fundamental que, aquando do debate do Orçamento do Estado e das respetivas propostas de alteração, a Assembleia da República tenha um conhecimento efetivo sobre a situação e a evolução do País em termos de desigualdades territoriais. A nosso ver, este conhecimento sobre a realidade e as necessidades do território é fundamental para que se façam as opções de investimento adequadas para prosseguir os desígnios nacionais propostos.

Até podemos criar planos, programas, estratégias e leis de ordenamento do território e coesão territorial, mas, se não houver financiamento e investimento adequado e incentivos apropriados para promover o objetivo de combater as assimetrias regionais, o certo é que a realidade não se alterará, manter-se-á o desperdício do potencial de desenvolvimento de uma parte muito significativa do nosso território e a situação continuará a agravar-se com o tempo.

É por isto que Os Verdes consideram urgente e imperioso que o Estado contribua para criar condições para fixar as populações, e não o oposto. Para isso é necessário dispor de informação sobre as necessidades do território e é exatamente isso que se pretende com a iniciativa legislativa que Os Verdes juntam à discussão desta importante petição.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A próxima intervenção, para apresentar as duas iniciativas do

Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda associadas a esta petição, cabe ao Sr. Deputado José Maria Cardoso. Faça favor. O Sr. José Maria Cardoso (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, queria saudar os

proponentes e signatários da presente petição. Tudo o que se diga sobre as assimetrias regionais e territoriais no nosso País não é novidade para ninguém. Há muito que o diagnóstico está feito e convenhamos que é desastroso, é preocupante e é de risco.

Há uma profunda desigualdade entre o litoral e o interior— no Norte e no Centro —, uma marcada disparidade entre o Norte e o Sul e um total desequilíbrio entre as áreas metropolitanas e as cidades médias. Litoralizamos, bipolarizamos e despovoamos sem aferir os problemas nem refletir sobre as consequências. Basta evidenciar um indicador demográfico destas desigualdades para percebermos isto: mais de 60% da população está nos concelhos das Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto e 85% dos concelhos têm menos de 50 000 habitantes.

Sucessivos Governos do PS, do PSD e do CDS aceitaram passivamente esta alarmante realidade, como uma espécie de premissa da fatura do progresso, normalizando o anormal. Independentemente das características físicas da área territorial, o problema foi criado pelas negligentes políticas adotadas.

Hoje, temos dois gravíssimos problemas: por um lado, a desertificação e abandono do interior, especialmente do mundo rural, e, por outro, as áreas metropolitanas superpovoadas sem capacidade de resposta estrutural e de serviços, numa espécie de deseconomia de aglomeração. E qual tem sido a resposta? Para as áreas metropolitanas é a de aumentar a concentração de atividades, porque aí é que está o mercado da rentabilidade financeira; para o interior é a de encerrar serviços por falta de escala e inviabilidade económica, com o lapidar argumento da inevitabilidade. Sem dúvida, eficaz e estimulante resposta: «têm pouco, então, vão ficar com menos».

Só neste século encerraram-se 6500 serviços públicos, retirando a atratividade de viver nestes territórios, nomeadamente para os mais jovens.

A resposta a esta situação de risco de coesão territorial e de risco ambiental tem de ser estrutural e consistente e não ocasional ou circunstancial, do género de pontuais benefícios fiscais ou desesperadas iniciativas municipais.

É tempo de devolver os serviços retirados e fazer com que o investimento público seja o catalisador da criação de condições para outros investimentos promotores da coesão.

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Por isso, apresentamos, no nosso projeto de resolução, a elaboração de um programa de reabertura de serviços públicos nos territórios de baixa densidade, estruturado em colaboração com os municípios e de acordo com a avaliação do seu efeito no povoamento, o qual se deve iniciar no primeiro semestre de 2020.

Outra proposta que apresentamos é a da criação de um plano estratégico de desenvolvimento do interior, como área de intervenção de um novo ministério da coesão territorial, que perspetive, sem dúvida alguma, uma outra capacidade e uma outra oportunidade de intervenção, através, inclusive, daquele que é o papel intermédio e intermediário das cidades médias.

Por fim, até contribuindo para a senda da digitalização da sociedade, propalada pelo Governo, e como instrumento prático de ordenamento e gestão territorial, apresentamos a proposta de uma plataforma digital em sistema de informação geográfica (SIG), a qual, mapeando à escala local e regional mas, simultaneamente, inserida numa visão nacional, permita determinar a localização espacial mais adequada à criação/construção de qualquer infraestrutura, através de uma ajustada combinação de variáveis intervenientes no processo.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, quero pedir-lhe que termino. O Sr. José Maria Cardoso (BE): — Termino já, Sr. Presidente. Convém dizer que estas plataformas estão implementadas em diferentes países e, em Portugal, já alguns

municípios as implementaram. Importa potencializar instrumentos de produção e de informação que permitam melhores e mais organizadas

tomadas de decisão política. É esta a intenção das nossas propostas. Aplausos do BE. O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Também para apresentar a respetiva iniciativa, tem a palavra,

em nome do PCP, a Sr.ª Deputada Ana Mesquita. A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PCP saúda a União dos Sindicatos

do Distrito de Viseu pela dinamização da petição que solicita a adoção de medidas de combate à desertificação do interior do País.

Pela nossa parte, acompanhamos as preocupações e reivindicações expressas pela União e por todos os subscritores e mais dizemos que corrigir as desigualdades no território exige forçosamente a rutura com a política de direita que foi praticada e seguida por sucessivos Governos.

Por isso, dizemos e reafirmamos que é preciso muito mais do que medidas avulsas, desconexas, e parcos recursos para o investimento público. A situação que está colocada exige uma opção, um compromisso com o equilíbrio do território, respeitando as características e as especificidades locais, bem como as populações.

E, Sr.as e Srs. Deputados, não é fácil viver nos sítios do nosso País onde ainda faltam tantas coisas e muitas vezes abunda o isolamento. A verdade é que importa valorizar toda a gente, cada uma das pessoas que lá está e que merece viver melhor no chão para onde deitou as sementes da sua vida.

Precisamos, no nosso País, de um verdadeiro programa de desenvolvimento das aldeias, das vilas, das localidades, que tenha um conjunto de medidas integradas e dinamizadas a nível regional, com a afirmação do papel do Estado em termos económicos, sociais e culturais, assumindo o Governo as suas responsabilidades a nível central, com respeito pela autonomia do poder local democrático, a reposição das freguesias e uma questão fundamental da qual não abdicamos: o caminho para a regionalização, que o PCP defende e trará a Plenário da Assembleia da República já no dia 19 de fevereiro, propondo o estabelecimento do calendário para a instituição, em concreto, das regiões administrativas em 2021.

O Sr. António Filipe (PCP): — Muito bem! A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Mas, Sr.as e Srs. Deputados, queremos mais e temos mais propostas. O que propomos, desde logo, com a nossa iniciativa é que o Governo proceda, no ano de 2020, à realização

de um plano de desenvolvimento do território nacional com medidas de valorização do interior do País e de

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combate ao abandono do mundo rural, que passe, designadamente, pela reabertura de serviços públicos nas áreas da saúde, da educação, dos transportes, da justiça, da segurança, das finanças, da agricultura, e outros; pelo fim da transferência de encargos de funções sociais do Estado para os municípios; que contenha medidas dirigidas à redução dos custos dos fatores de produção e, em particular, da energia; que proceda à abolição das portagens nas ex-SCUT, que é uma questão fundamental para a mobilidade das populações; que abranja o investimento na melhoria das condições de mobilidade a nível da ferrovia e do respetivo material circulante, repondo os troços encerrados, e também dos horários de carreiras rodoviárias; que proceda à melhoria dos serviços de telecomunicações, com a expansão da rede de banda larga móvel e da TDT; e, Sr.as e Srs. Deputados, que valorize a agricultura familiar naquelas que são as suas múltiplas dimensões, a dimensão agrícola, a florestal, a pecuária, atendendo à necessidade de implementação efetiva do respetivo estatuto.

O PCP não vai desistir e vai continuar a intervir em relação a esta matéria, propondo a defesa deste mundo e deste País que tem vários equilíbrios que precisam de ser respeitados,…

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada Ana Mesquita, peço-lhe que termine. A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Peço desculpa, Sr. Presidente. Termino já. Como estava a dizer, o PCP não vai desistir e vai continuar a intervir em relação a esta matéria, propondo a

defesa deste mundo e deste País que tem vários equilíbrios que precisam de ser respeitados, garantindo que vivemos todos num País mais equilibrado e territorialmente mais harmonioso.

Aplausos do PCP. O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem, agora, a palavra, para intervir em nome do PSD, a Sr.ª

Deputada Isaura Morais. A Sr.ª Isaura Morais (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quero começar por dizer que o PSD

converge nas preocupações essenciais que são transversais a todos os projetos, que são o combate à desertificação do interior do País e a correção das assimetrias regionais. São iniciativas destas que ainda mantêm o interior com alguma esperança no futuro.

O nível dos desequilíbrios regionais que Portugal apresenta não é próprio de um País desenvolvido mas, sim, de um País atrasado.

Quando em dois terços do território vivem apenas 13,5% da sua população, com tendência para decrescer, algo está mal.

Quando não há nenhum sobressalto cívico ou político perante este estado de coisas, ninguém se poderá queixar do envelhecimento acentuado das populações do interior, da subutilização das suas infraestruturas, do seu fraco dinamismo empresarial e do abandono dos seus solos e florestas.

É urgente inverter esta dinâmica de esvaziamento e de morte lenta. É obrigatório implementarmos medidas drásticas e não apenas receitas que o passado já comprovou serem

incapazes de resolver seja o que for. Se quiser ter algum sucesso, o Governo está condenado a atrair mais investimento, mais empresas e mais

postos de trabalho para esses territórios. No discurso e nas palavras, o interior é uma prioridade; nas políticas desenvolvidas, o interior continua

esquecido. O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Muito bem! A Sr.ª Isaura Morais (PSD): — O PS e a esquerda parlamentar falam mas não fazem. E a melhor prova… Protestos da Deputada do PCP Paula Santos. O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Ouça, ouça!

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A Sr.ª Isaura Morais (PSD): — … é a de que ainda na passada semana chumbaram as propostas apresentadas pelo PSD que promoviam, a sério, a coesão territorial e a valorização dos territórios do interior,…

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Pois é! Essa é que é essa! A Sr.ª Isaura Morais (PSD): — … inclusive a que sugeria, e já aqui foi referida, que os futuros serviços

públicos lá fossem, preferencialmente, instalados. Protestos do PCP. Para o PSD, o Estado tem uma particular responsabilidade no processo de concentração espacial da

população, por ser o único responsável pela localização dos seus próprios serviços e pela definição das suas próprias políticas de fixação de pessoas e de emprego.

Para o PSD, o desequilíbrio do País é um dos maiores insucessos da nossa democracia. Precisamos, todos, de interromper o ciclo vicioso que faz com que, em muitos territórios, as pessoas saiam,

porque não há oportunidades, e, porque saem, as oportunidades ainda mais se reduzam para os que ficam. O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Muito bem! A Sr.ª Isaura Morais (PSD): — Termino, Sr. Presidente, dizendo que ou este tema é colocado no topo da

agenda de prioridades, como um verdadeiro desígnio nacional, ou não saímos deste crescente degredo. O PSD tudo fará para que agora, e de uma vez por todas, passemos das palavras aos atos. Contem

connosco! Aplausos do PSD. O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A próxima intervenção cabe ao Sr. Deputado João Cotrim de

Figueiredo. Faça favor. O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Inauguro hoje, aqui, um novo

formato de intervenção, de 1 minuto, a que passarei a chamar o «minuto liberal». Este «minuto liberal» é hoje dedicado à desertificação do interior, que é um tema importante, sério e real e que, por isso, merecia uma solução real, a qual não virá dos quatro projetos que estão em discussão, arrastados por uma petição, porque eles são de dois tipos. A saber: ou são uma espécie de pretexto para o Estado intervir mais na economia, na agricultura, nas infraestruturas e — pasme-se! — na reabertura de serviços públicos, como se eles tivessem sido fechados por causa da desertificação e não ter sido a desertificação que provocou o encerramento e a saída desses serviços — e estão a esquecer-se de que dos 20 tribunais que reabriram em 2017 mais de metade continuam «às moscas» —, o que parece resolver os problemas todos; ou são outro tipo de solução, que são estudos, relatórios, plataformas digitais, com os quais já posso estar mais de acordo, sobretudo se fizerem menção de perguntar às pessoas que queriam ir para o interior, e foram, ou às pessoas que queriam ir para o interior, e não foram, ou às pessoas e empresas que estavam no interior, e saíram, o porquê. Por que razão é que isso aconteceu ou por que razão é que, em alguns casos, isso não aconteceu?

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, já ultrapassou o seu «minuto liberal» e, portanto,

peço-lhe o favor de concluir. O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, peço-lhe que seja liberal com este minuto. O Sr. Jorge Costa (BE): — Isso já não é liberalismo, é liberalidade!

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O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — A resposta a essa pergunta é uma forma de respeitar a livre escolha das pessoas e de começar a responder, efetivamente, aos problemas, encontrando uma solução real.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A próxima intervenção cabe à Sr.ª Deputada Cecília Meireles,

do CDS-PP. Faça favor. A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Queria, em primeiro lugar,

cumprimentar os peticionários que nos trouxeram a questão da desertificação do interior e dizer algumas coisas quer sobre o problema da falta de coesão territorial, que é um problema grave que existe em Portugal, quer sobre as iniciativas que estão em debate.

Acho que as iniciativas do PCP, do Bloco de Esquerda e do PEV dividem-se em dois tipos, o primeiro dos quais é o das iniciativas a que chamaria «Melhoral», porque não fazem bem mas também não fazem mal, que são as de «vamos estudar», «vamos fazer mais um relatório», como se não houvesse abundantes relatórios sobre a falta de coesão territorial e os problemas do interior em Portugal. Enfim, vamos criar mais estudos, observatórios e relatórios, o que não fará mal, mas também não resolverá o problema, e é sempre melhor do que a iniciativa do Governo, que é a de «vamos criar uma ministra e um ministério», que também não resolve problema nenhum e cria alguns, como os de sustentar o ministério.

O segundo envelope de medidas é o de «vamos criar mais serviços públicos, vamos reabrir os serviços públicos, vamos ter mais investimentos públicos, vamos acabar com as portagens nas ex-SCUT, enfim, vamos pôr o Estado em força no interior», o que, do vosso ponto de vista, vai resolver todos os problemas.

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Não!… Abandonado é que é bom! A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Quanto a isso, gostava de dizer duas coisas. Primeiro, esqueceram-

se de algo de que os Deputados do PCP costumam gostar muito, que é do exercício de autocrítica, porque se esqueceram de dizer que, nos últimos quatro anos, estiveram ativamente a apoiar o Governo…

Vozes do PSD e do CDS-PP: — Ora! A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — … e talvez pudessem ter feito um bocadinho mais do que projetos de

resolução. Não fizeram nada! Daquilo que estão agora a pregar nada puseram em prática! Portanto, a primeira coisa que têm de fazer é apresentar um pedido de desculpas, porque, afinal, se era esta que pensavam ser a solução, então, mais valia que a tivessem posto em prática.

Em segundo lugar, gostaria de vos dizer que, do meu ponto de vista, não é esta a solução. A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — É fechar! A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Enquanto os senhores não compreenderem que a solução para o

interior são oportunidades para as pessoas — oportunidades de vida, oportunidades de trabalho —,… Vozes do CDS-PP: — Muito bem! A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — … e que isso se consegue, sobretudo, com a iniciativa privada, Srs.

Deputados, não vamos lá. Aplausos do CDS-PP. O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A próxima intervenção cabe ao Sr. Deputado José Rui Cruz, do

Partido Socialista.

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O Sr. José Rui Cruz (PS): — Sr. Presidente, antes de mais, cumprimento as Sr.as Deputadas e os Srs. Deputados, os representantes dos mais de 4000 peticionários e, mesmo não estando presentes, todos aqueles que contribuíram para a apresentação desta petição.

Discutimos hoje a Petição n.º 216/XIII/2.ª, subscrita pela União dos Sindicatos do Distrito de Viseu, na qual os peticionários solicitam ao Governo a adoção de medidas de combate à desertificação do interior do País, e ainda quatro iniciativas legislativas conexas.

Em 2016, data da entrada da referida petição nesta Assembleia, o nosso País ainda mal se erguia de um dos períodos mais difíceis da sua democracia, imposto pelo Governo de coligação do PSD e do CDS durante quatro longos anos e que muito se fez sentir nos territórios do interior.

Protestos do PSD. Os peticionários — importa ler a petição — descrevem bem, no texto da sua petição, esse interior que foi

abandonado pelo Governo de então: encerramento de serviços públicos, nomeadamente escolas, unidades de saúde, tribunais, serviços de finanças, serviços dos CTT; o abandono do território pela população por ausência de investimento, de oportunidades, de condições de vida.

No fim desses quatro anos, restou um território desertificado e abandonado, e de 2015 para cá o Governo do Partido Socialista tem procurado reverter essa situação de pleno abandono através da adoção de um conjunto diversificado de medidas, nomeadamente: a reabertura dos tribunais e o reforço dos serviços públicos de proximidade; a redução dos custos de portagens nas autoestradas do interior e, neste caso particular, nas autoestradas A24 e A25; o desagravamento fiscal, em sede de IRC, das empresas sedeadas em territórios de baixa densidade, nomeadamente o alargamento da matéria coletável de 15 para 25 mil euros; o Programa «Trabalhar no Interior», com incentivos à mobilidade geográfica de caráter pecuniário e não pecuniário; o reforço do Programa +Superior para apoiar bolseiros no interior do País; medidas aprovadas recentemente no Orçamento do Estado que facilitem a mobilidade em termos habitacionais, para que se fixem no interior; o lançamento, muito importante, do concurso público e o início das obras de requalificação do IP3, nomeadamente no troço que permite a ligação entre Viseu e Coimbra. Esta obra, há muito reclamada, cuja primeira fase de requalificação decorre no troço da zona de Penacova, só agora se iniciou, e custará cerca de 150 milhões de euros, exclusivamente custeada com dinheiros do Orçamento do Estado. Podemos vê-la no terreno, por muito que custe à nossa oposição ver avançar esta obra importante para a região.

O Sr. CarlosPeixoto (PSD): — Já está lá há muito tempo! O Sr. JoséRuiCruz (PS): — Esta obra representa, como sabemos, um importante passo para a diminuição

das assimetrias regionais e para o reforço da coesão dos territórios do interior da região Centro do País. Também o recente lançamento do concurso público para as obras de requalificação e ampliação da urgência

do Hospital de Viseu, que custará cerca de 6,4 milhões de euros, é uma forma de responder ao anseio da região Centro do País. Já está no terreno e já foi lançado o concurso!

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, pedia-lhe que terminasse. O Sr. JoséRuiCruz (PS): — Na atual Legislatura, o Governo não só vai dar continuidade a essas medidas,

como pretende reforçar essa estratégia de valorização do interior em todos esses territórios para serem mais atrativos.

Aplausos do PS. O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A última intervenção sobre este ponto cabe ao Sr. Deputado

André Ventura. Tem a palavra.

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O Sr. AndréVentura (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não será «1 minuto liberal», nem nada que se compare, mas este debate não deixa de ser uma certa falta de vergonha, porque, de facto, se temos as assimetrias que temos é por causa de um sistema político que hoje, por exemplo, deixa Portalegre com dois Deputados, tornando esse distrito completamente insignificante.

Não deixa de ser também muito engraçado que, no combate às assimetrias, os principais autarcas sejam do Partido Socialista e, precisamente, do Partido Comunista.

Olhem para as regiões mais desertificadas, mais afastadas, mais escondidas. Aí estão os autarcas do Partido Comunista e do Partido Socialista, que, de facto, fizeram um excelente trabalho ao longo dos últimos anos!…

Se o Alentejo vier a ser alguma coisa será porque o Chega lançará sobre ele um longo manto de cobertura que, em breve, se conhecerá em toda a região.

Risos de Deputados do PS, do BE e do PCP. O Sr. JorgeCosta (BE): — É um projeto megalómano!… O Sr. AndréVentura (CH): — Mas também se trata de falta de vergonha ouvir o líder do Partido Comunista

dizer «vou impor ao Partido Socialista uma lista para aprovar este Orçamento do Estado». E, nessa lista, estava o combate à desertificação!

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, queira terminar, se faz favor. O Sr. AndréVentura (CH): — Vou terminar. O que é que o Partido Socialista apresentou de combate à desertificação? Nada! Qual foi o voto do Partido Comunista Português? Abstenção! Aí estão as vossas assimetrias, aí está a vossa luta, o vosso combate àquilo que é o País escondido! Ao menos, houvesse vergonha de assumir isso! O Sr. AntónioFilipe (PCP): — Foi o «minuto em família»! O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Passamos ao terceiro ponto da nossa ordem de trabalhos, a

apreciação conjunta da Petição n.º 510/XIII/3.ª (Fernando António Pinheiro Correia e outros) — Sobre a operação da Altice de aquisição do Grupo Media Capital e seus efeitos e do Projeto de Resolução n.º 193/XIV/1.ª (PEV) — Adoção dos mecanismos necessários com vista a impedir a compra do Grupo Media Capital pela Cofina, assim como a impedir conglomerados na área da comunicação social.

Para apresentar este projeto de resolução, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira. O Sr. JoséLuísFerreira (PEV): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: As minhas primeiras palavras são para,

em nome de Os Verdes, saudar os milhares de cidadãos que, fazendo uso deste importante instrumento da democracia participativa que é a petição, nos fazem chegar as suas preocupações sobre um assunto tão importante como é a pretensão ou a tentativa de constituir uma poderosa concentração da titularidade na área da comunicação social.

Como referem, e bem, os peticionantes, a multinacional Altice notabilizou-se como rolo compressor do capital financeiro na comunicação social e telecomunicações, mas também nos direitos dos trabalhadores.

Ora, face a este quadro, importa, antes de mais, não só procurar mecanismos que travem as ilegalidades da Altice em curso na PT (Portugal Telecom) e noutras empresas do grupo, como também reverter a situação inquietante que afeta os jornalistas e outros profissionais da comunicação social no plano deontológico, nos direitos profissionais e laborais, na precarização do respetivo vínculo e no desemprego. Mas importa, ainda, promover a retoma do controlo público da Portugal Telecom e impedir a criação de conglomerados na área da comunicação social, como, de resto, aponta a nossa Constituição, que, no seu artigo 39.º, elege a não concentração da titularidade dos meios de comunicação social como um dos princípios basilares da regulação da comunicação social.

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Por isso, Os Verdes consideram que, por uma cultura de responsabilidade democrática, o Governo deve impedir a compra do grupo Media Capital, seja pela Cofina, seja pela Altice. Recorde-se que a comunicação social é um pilar da democracia — apesar de, muitas vezes, subestimado ou esquecido — que tem um papel fundamental na informação e na construção de formas de pensar e de agir, cuja influência é potenciada pelas novas tecnologias de informação e da comunicação.

Em bom rigor, essa eventual operação representaria muito mais do que um mero negócio ou uma simples questão económica. O grupo que daí nascesse seria o principal player dos media em Portugal e presença ou domínio em todos os segmentos. A esse negócio, a consumar-se, somar-se-iam elevados riscos na já preocupante situação da propriedade dos media em Portugal, que se carateriza, como todos sabemos, pela concentração num reduzido número de grupos económicos ligados, invariavelmente, aos senhores do dinheiro.

Nesse sentido, e não se tratando de uma operação económica, o Governo deverá, no cumprimento da Constituição, desenvolver as diligências necessárias para impedir que essa operação se concretize, porque do que se trata é de assumir uma responsabilidade política, importando, por isso, garantir a liberdade de expressão, a diversidade e o pluralismo nos vários setores de comunicação social, bem como o direito dos cidadãos à informação.

Trata-se ainda de prevenir o risco da degradação das condições de trabalho dos jornalistas e da propagação de práticas de desregulação e de respeito pelo trabalho e de, ao mesmo tempo, evitar outros conglomerados que se possam vir a concretizar.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada

Diana Ferreira, do PCP. A Sr.ª DianaFerreira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria, em nome do Grupo Parlamentar

do PCP, de cumprimentar os signatários desta petição e de todos os que a dinamizaram e que trouxeram a esta Assembleia da República preocupações que, aliás, que o PCP acompanha no que se refere à criação de um conglomerado de poder nas áreas das telecomunicações e da comunicação social.

Aliás, em 2018, o PCP manifestou essas preocupações aquando da anunciada compra do Grupo Media Capital pela Altice, denunciando que tal significaria riscos profundos para o nosso País, trazendo consigo evidentes e gravíssimos prejuízos tanto nos planos económico e social como também no plano cultural e político, além de profundíssimas implicações ao nível da liberdade de informação e do pluralismo e, nesse sentido, do próprio regime democrático.

Não tendo essa operação sido consumada, o que se prevê que seja agora concretizado com a compra da Media Capital pela Cofina não fica muito longe do cenário que o PCP analisou em relação à anterior operação económica.

A consumação deste negócio, uma gigantesca concentração, significará que a Cofina, à estação de televisão, revistas e jornais dos quais é proprietária juntará seis canais de televisão, estações de rádio com grandes audiências, portal da internet e, ainda, produção de conteúdos, edição musical e eventos, além de operações no mercado publicitário.

São evidentes as nefastas consequências para o pluralismo, a diversidade e a qualidade da informação que esta concentração comporta, além dos prejuízos que trará aos trabalhadores destas empresas — a vida tem mostrado que, nestas situações, o que está reservado aos trabalhadores é a realidade dos despedimentos, da precariedade, da redução de direitos e rendimentos.

Importa, a este propósito, lembrar também que a Constituição da República Portuguesa determina um conjunto de pressupostos para a liberdade de imprensa que estão em causa caso se concretize esta manobra de concentração no setor da comunicação social, bem como estão em causa outros comandos constitucionais quanto à não concentração da titularidade dos meios de comunicação social.

O Sr. AntónioFilipe (PCP): — Muito bem lembrado! A Sr.ª DianaFerreira (PCP): — Mas importa também lembrar que cabe ao Estado contrariar as formas de

organização monopolistas e reprimir os abusos de posição dominante e outras práticas lesivas do interesse geral.

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Deve, pois, o Governo assumir as suas responsabilidades e travar esta concentração de propriedade, e, com isso, defender, também, o pluralismo e a democracia.

Entendendo que esta não é uma situação da responsabilidade de uma dimensão regulatória, não podemos deixar de considerar inaceitável a posição da ERC sobre esta matéria, que deixa o caminho livre para a acumulação de lucro neste setor e para que o poder económico reforce a sua influência e o poder que detém sobre a informação, sobre a produção da informação e sobre a disseminação da informação.

O que é preciso é que se recorra aos mecanismos legais necessários para impedir a concretização desta operação, para impedir a concentração da propriedade dos órgãos de comunicação social e a criação de conglomerados neste setor; como é preciso que sejam garantidas ações firmes em defesa de todos os postos de trabalho e dos direitos dos trabalhadores da Media Capital e da Cofina, mas também de todos os profissionais do setor da comunicação social.

Este é o caminho que o PCP defende, este é o caminho que faremos e pelo qual nos bateremos. Aplausos do PCP. O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado

João Cotrim de Figueiredo, do Iniciativa Liberal. O Sr. JoãoCotrimdeFigueiredo (IL): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou dedicar este «minuto liberal»

à aquisição da Media Capital e a um mantra, muito querido dos liberais, que é «máxima liberdade com máxima responsabilidade» e a sua declinação no mundo empresarial, que é «liberdade contratual sujeita a regulação e fiscalização forte e independente».

Já tivemos exemplos das duas coisas neste caso: a Media Capital já celebrou dois acordos de princípio de venda, os reguladores já inviabilizaram o primeiro e já deram luz verde ao segundo. Os reguladores, neste caso a ERC (Entidade Reguladora para a Comunicação Social) e a Autoridade da Concorrência, sobretudo a Autoridade da Concorrência, são reguladores fortes e independentes e estão muito bem respaldados na Lei da Televisão, que, no seu artigo 4.º-B, prevê, exatamente, as condições em que pode haver excessiva concentração do setor audiovisual.

Portanto, deixemos os reguladores trabalhar e tudo o resto vamos deixar à liberdade das pessoas e das empresas, por muita confusão que isso possa causar à esquerda parlamentar.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para proferir a próxima intervenção, o Sr.

Deputado José Magalhães, do Partido Socialista. O Sr. JoséMagalhães (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de saudar os peticionários que se

manifestaram contra a aquisição do Grupo Media Capital pela Altice — o seu objetivo, na verdade, acabou por ser alcançado — e gostaria de dizer que o diploma do PEV coloca um problema realmente bastante sério.

E devemos dizer os nomes das coisas, se não este debate parece um pouco estranho. O projeto de resolução do PEV visa que tenham provimento as reclamações do Grupo Impresa e do Grupo

Global Media, que discordam do novo quadro mediático que resultará da aquisição da Media Capital pela Cofina. Esta é a questão! Poderia apresentar um projeto de lei antimonopolista ou um semelhante ao apresentado pelo Bloco de Esquerda em 2003 ou 2004, que não teve provimento, sobre a concentração. Mas não, apresenta um projeto de resolução, isto é, uma recomendação, que é soft law, para lhe chamar alguma coisa,…

O Sr. JoséLuísFerreira (PEV): — É o que faz o PS! O Sr. JoséMagalhães (PS): — … dizendo «o Governo que resolva o problema». Mas há um problema: o

Governo não tem habilitação legal para suspender um tal processo, que está a seguir os seus trâmites com a intervenção de todas as entidades — a ERC, a Autoridade da Concorrência, a ANACOM (Autoridade Nacional de Comunicações), etc. —, com cada um dos passos validados, a não ser que fizesse um mostrengo, como aquele que suspendeu as obras do metro, através de uma norma orçamental.

Ora, para mostrengos não contem connosco. Esse ponto é completamente claro!

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Impressiona também que não se tenha em conta que estamos perante um novo ecossistema, que continua a ser muito hiper-regulado em relação ao audiovisual — vamos ter de transpor a Diretiva (EU) 2018/1808, ainda nesta sessão legislativa —, mas que tem outras componentes desreguladas ou pouco reguladas, como, por exemplo, o direito respeitante às novas plataformas.

Portanto, o velho sistema híbrido com canais de sinal aberto, públicos e privados, está, na realidade, a ser substituído por uma multiplicidade de canais, alguns dos quais são acessíveis por operadores over-the-top, ou seja, entidades que operam através da internet e com as quais nós contratamos, sem qualquer intervenção do Estado, usando o nosso cartão de crédito ou coupons respetivos, e estabelecendo uma relação contratual segundo a nossa livre vontade. Esse é um caminho de futuro!

A nossa posição sobre essa matéria é a seguinte: em primeiro lugar, somos por um ecossistema em que o serviço público tem um papel essencial — na Grã-Bretanha, por exemplo, Boris Johnson prepara-se para desmantelar a BBC, o que é um crime nefando; em segundo lugar, achamos que se deve fazer intervir as autoridades administrativas e independentes para garantir que não há lesões da concorrência nem atentados contra o pluralismo; em terceiro lugar, achamos que o Parlamento deve intervir para acompanhar e fiscalizar, através das suas comissões competentes, todos os passos destas medidas.

Suspender à bruta ou chutar a dificuldade para o Governo é que não! Aplausos do PS. O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Costa,

do Bloco de Esquerda. O Sr. JorgeCosta (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este é, de facto, como acaba de ser lembrado,

um tema recorrente. A oposição à concentração dos media parece ser um consenso quando ouvimos estes debates, bem como a ideia de que a concorrência, a diversidade e o pluralismo na comunicação social são um bem a defender.

Como também foi lembrado ainda agora pelo Sr. Deputado José Magalhães, em 2003, quando havia uma maioria absoluta de direita no Parlamento, o Bloco de Esquerda apresentou um projeto de lei antimonopolista em relação à comunicação social. Na altura, o Deputado Arons de Carvalho elogiou-o dizendo que era à medida das necessidades e que era contra a concentração da comunicação social, que já então se fazia sentir de maneira aguda em Portugal.

O problema é que o Bloco de Esquerda voltou a apresentar essa iniciativa em 2008 e ela foi chumbada pelo Partido Socialista, que volta sempre com lamentos sobre a concentração monopolista na comunicação social.

Pois o problema é mesmo este: temos uma preocupação constante e uma inação permanente sobre o problema da concentração dos meios de comunicação social.

O que está perante nós é a possibilidade de virmos a ter, no plano imediato, com esta operação de conglomerado, uma das três televisões generalistas, o segundo grupo de rádio, o primeiro jornal diário, os sites de maior frequência na internet em termos noticiosos e um terço da maior distribuidora de publicações periódicas em Portugal nas mãos do mesmo grupo, o Grupo Cofina. Este é um agravamento qualitativo do cenário já existente de alta concentração dos media em Portugal, um oligopólio que convive e se alimenta da debilidade do próprio regulador.

Quando olhamos para o parecer da ERC sobre esta manobra de concentração, parece que estamos a ler o argumentário do Prof. Mário Mesquita — o único que na ERC se opôs à concentração —, tendo-se apenas mudado a última linha, em que foi dado parecer positivo em vez de ter sido dado parecer negativo. É que esse parecer explica que está em causa o pluralismo, que há um risco forte de uniformização temática, que há um risco forte de condicionamento da opinião pública, do jornalismo e das condições do exercício da profissão. Ou seja, tudo aquilo que sabemos que resulta da concentração dos meios de comunicação social é aquilo que a ERC diz que vai acontecer, mas dá parecer positivo à operação.

Ora, em face disto, é preciso regressar ao básico, é preciso regressar à Constituição da República Portuguesa, que é a lei fundamental e que tem, no seu texto, a explícita referência ao dever do Estado de impedir a concentração dos meios de comunicação social, em nome da liberdade de imprensa, em nome do direito a ser informado e a informar. É isso que hoje está em causa.

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Portanto, o Governo tem a base legal mais forte que pode ter para intervir neste contexto, mesmo não havendo uma lei antimonopolista, graças ao Partido Socialista, que trate concretamente esses assuntos.

O Governo tem o dever de, à luz da Constituição, impedir o agravamento da situação de oligopólio que hoje temos na comunicação social portuguesa, em nome, acima de tudo, da liberdade do exercício da profissão de jornalista e da liberdade de imprensa. E essa liberdade fica afetada quando passamos a ter um panorama mediático absolutamente concentrado e quando sabemos que um jornalista que seja despedido hoje de um grupo económico terá dificuldades maiores em prosseguir a sua atividade profissional.

É esse contexto de falta de liberdade democrática que nós estamos a construir ao permitir e ao fechar os olhos a estas manobras de concentração.

Aplausos do BE. O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A próxima intervenção cabe ao Sr. Deputado André Ventura. Faça favor. O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: De facto, este projeto do PEV não deixa de

nos surpreender, porque, para além de querer uma qualquer regulação, diz «um projeto que vise impedir a compra de um grupo por outro».

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Não apresenta declaração de conflito de interesses?! O Sr. André Ventura (CH): — Vamos ser muitos claros: os senhores não estão preocupados com os

trabalhadores, nem com os jornalistas, nem com nada disso. O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — O senhor é que sabe! O senhor sabe tudo! O Sr. André Ventura (CH): — Os senhores estão a escolher uns grupos em vez de outros, estão a escolher

determinadas pessoas em vez de outras. É isso que aqui se passa. Mas há uma agravante, que é o facto de os senhores passarem o ano a elogiar as entidades independentes e reguladoras, mas quando chega a altura de acreditar nelas já não acreditam e depois querem que o Governo intervenha.

Protestos do BE e do PCP. Então, digam lá, Srs. Deputados, o que é que querem: querem o Governo a dizer «sim» e «não» a cada

compra relacionada com a comunicação social?! Querem o Governo a decidir, como em Cuba e na Venezuela, quem é que passa rádios, quem é que passa televisões e quem é que passa jornais?! Esse tempo acabou! Vivemos num tempo de iniciativa privada, de liberdade económica. Vivemos num tempo de pluralismo.

O Sr. JorgeCosta (BE): — Mostre a fatura! O Sr. André Ventura (CH): — Já disse que não lhe admito isso! Protestos do BE e do PCP. O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Srs. Deputados, vamos criar condições para que o Sr. Deputado

André Ventura continue a sua intervenção. Faça favor, Sr. Deputado. O Sr. André Ventura (CH): — Em relação a esta operação, que visa ser impedida, o que está em causa é

nada mais do que a passagem do controlo de mãos espanholas para mãos portuguesas, mas isso devia, pelo menos, orgulhar-nos enquanto País. Quanto mais não seja, os senhores deveriam orgulhar-se por haver um grupo que passa de mãos espanholas para mãos portuguesas.

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O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A próxima e última intervenção sobre este ponto cabe ao Sr.

Deputado Paulo Rios de Oliveira, do PSD. Tem a palavra, Sr. Deputado. O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em nome do PSD,

cumprimento os peticionantes pela sua iniciativa, embora, por motivos que não são da vossa responsabilidade, tenha perdido atualidade. Por arrastamento, discutimos um projeto de resolução do PEV, requentado de um projeto do PCP de 2018, sobre a Cofina e o Grupo Media Capital.

Sr.as e Srs. Deputados, este tema leva já mais de dois anos desde que se tornou notícia e, recorde-se, percorreu um longo processo de avaliação e validação.

Curiosamente, o PEV socorre-se da ERC, da ANACOM e da Autoridade da Concorrência para ancorar o seu projeto de resolução.

Vejamos: Em setembro de 2019, a Cofina anunciou que tinha chegado a acordo com a espanhola Prisa para comprar

a Media Capital; Em outubro do mesmo ano, o Conselho Regulador da ERC deliberou «não se opor» ao negócio de compra

da Media Capital pelo Grupo Cofina «por não se concluir que tal operação coloque em causa os valores do pluralismo e da diversidade de opiniões, cuja tutela incumbe à ERC acautelar»;

Em novembro do mesmo ano, a ANACOM aprovou, com caráter não vinculativo, a operação de concentração Cofina/Media Capital por esta não suscitar «questões concorrenciais relevantes nos mercados de comunicações eletrónicas»;

Em dezembro ainda do mesmo ano, a Autoridade da Concorrência dá luz verde definitiva à compra da TVI pela Cofina — «Após análise exaustiva, a Autoridade da Concorrência considera que a operação de concentração não é suscetível de criar entraves significativos à concorrência em qualquer um dos mercados relevantes. (…) Na investigação foram consultadas duas associações representativas das agências de meios e uma associação representativa dos anunciantes, tendo as mesmas confirmado que o contrapoder negocial dos clientes é suficiente para tornar improvável qualquer impacto negativo da operação de concentração.» E só estou a citar!;

Em janeiro deste ano, em assembleia geral extraordinária, os acionistas da Cofina aprovaram a compra da Media Capital à Prisa.

Srs. Deputados, ultrapassados todos os potenciais constrangimentos ou limitações legais ou regulatórias a esta operação, esta iniciativa em nada contende com o modelo de economia de mercado com presença ativa e de regulação independente em que o PSD acredita.

Assim, e não sendo esta uma questão de legalidade ou legitimidade, os motivos da oposição do PCP e do PEV têm de ser assumidos comopolíticos ou, mais do que isso, como mero preconceito ideológico.

A aprovação da operação de concentração não impossibilita que, no futuro, as autoridades próprias de defesa da concorrência, da comunicação ou das relações laborais, ou mesmo os tribunais, fiquem impedidas de fiscalizar ou impeçam abusos ou distorções às leis portuguesas ou comunitárias.

O que não podemos é, por cartilha ideológica, impedir uma operação de mercado validada por todas as entidades relevantes e de regulação.

Ou será que o investimento espanhol é virtuoso e o investimento português é pecaminoso? Em suma, o PSD não acompanha os termos e as conclusões deste projeto. Aplausos do PSD. O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Terminamos, assim, a nossa ordem de trabalhos de hoje. Amanhã o Plenário reunirá às 15 horas e da ordem de trabalhos constam vários pontos para discussão. Em primeiro lugar, será apreciado o Inquérito Parlamentar n.º 1/XIV/1.ª (CH) — Constituição de uma

comissão parlamentar de inquérito às fraudes de Pedrogão Grande na atribuição de subsídios. Em segundo lugar, será apreciada a Petição n.º 437/XIII/3.ª (André Lourenço e Silva e outros) — Solicita a

criação de um conselho nacional de experimentação animal, juntamente com os Projetos de Lei n.os 189/XIV/1.ª

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(PAN) — Altera o Decreto-Lei n.º 113/2013, de 7 de agosto, reforçando as regras de proteção e bem-estar animal na investigação científica, 78/XIV/1.ª (BE) — Valorização da Comissão Nacional para a Proteção de Animais utilizados para fins científicos, 208/XIV/1.ª (BE) — Reforça as regras de proteção e bem-estar animal na investigação científica e 87/XIV/1.ª (PCP) — Recomenda adoção de medidas concretas e imediatas no âmbito da utilização de animais em investigação científica.

De seguida, será apreciada a Petição n.º 610/XIII/4.ª (Ana Celeste Maia Pires Glória e outros) — Solicitam à Assembleia da República a adoção de medidas com vista a salvar a Casa da Pesca, património classificado, situada na Quinta de Recreio dos Marqueses de Pombal, em Oeiras, e a garantir a preservação, divulgação e abertura ao público deste conjunto patrimonial, em conjunto com o Projeto de Resolução n.º 233/XIV/1.ª (PCP) — Pela salvaguarda do património e reabilitação da Casa da Pesca, em Oeiras (Lisboa).

Depois, apreciaremos a Petição n.º 614/XIII/4.ª (FENPROF - Federação Nacional dos Professores) — Solicitam a revisão do Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de abril, que aprova o regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, juntamente com os Projetos de Lei n.os 190/XIV/1.ª (BE) — Altera o Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de abril - Regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário e 192/XIV/1.ª (PCP) — Gestão democrática dos estabelecimentos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário e o Projeto de Resolução n.º 206/XIV (PAN) — Recomenda ao Governo que avalie e pondere a readoção de um modelo de gestão democrática dos estabelecimentos públicos dos ensinos básico e secundário.

Será ainda apreciada a Petição n.º 425/XIII/3.ª (José Luís da Rocha Ceia e outros) — Solicitam a eliminação do pórtico de Neiva, pórtico 4 da A28, juntamente com o Projeto de Resolução n.º 71/XIV/1.ª (BE) — Recomenda ao Governo a abolição de portagens na A28.

Desejo a todas e a todos a continuação de uma muito boa tarde. Está encerrada a sessão. Eram 18 horas e 29 minutos. Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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