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Quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020 I Série — Número 33

XIV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2019-2020)

REUNIÃOPLENÁRIADE26DEFEVEREIRODE 2020

Presidente: Ex.mo Sr. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues

Secretários: Ex.mos Srs. Ana Sofia Ferreira Araújo Helga Alexandra Freire Correia Nelson Ricardo Esteves Peralta Ana Cristina Cardoso Dias Mesquita

S U M Á R I O

O Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 4 minutos.

Deu-se conta da entrada na Mesa dos Projetos de Lei n.os 216 a 219/XIV/1.ª e dos Projetos de Resolução n.os 264 a 267/XIV/1.ª.

A Câmara guardou 1 minuto de silêncio em memória do Deputado do PS João Ataíde das Neves, entretanto falecido.

De seguida, foi aprovado um parecer da Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados relativo à substituição daquele Deputado.

Ao abrigo do artigo 72.º do Regimento, procedeu-se a um debate de atualidade, requerido pelo PEV, sobre a construção do aeroporto do Montijo. Depois de o Deputado José Luís Ferreira (PEV) ter aberto o debate, usaram da palavra, a

diverso título, além daquele orador, o Ministro das Infraestruturas e da Habitação (Pedro Nuno Santos) e os Deputados Joana Mortágua (BE), Emídio Guerreiro (PSD), João Gonçalves Pereira (CDS-PP), André Ventura (CH), André Pinotes Batista (PS), Bruno Dias (PCP), Cristina Rodrigues (PAN), João Cotrim de Figueiredo (IL) e Isabel Pires (BE).

Em declaração política, a Deputada Inês de Sousa Real (PAN), defendeu a proteção animal, nomeadamente a criação de um quadro jurídico adaptado às suas especificidades, tendo referido, a propósito, notícias vindas a público relacionadas com os maus-tratos de cães do cavaleiro João Moura, que condenou. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Deputados Mariana Silva (PEV), Pedro

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Delgado Alves (PS), António Ventura (PSD), Maria Manuel Rola (BE) e Alma Rivera (PCP).

Em declaração política, o Deputado Ascenso Simões (PS) abordou diversas questões relacionadas com o desenvolvimento e a descentralização do interior do País, tendo salientado a medida do Governo de redução do preço das portagens nas autoestradas daquela zona do território. Respondeu, de seguida, a pedidos de esclarecimento dos Deputados Mariana Silva (PEV), José Maria Cardoso (BE), João Dias (PCP), Jorge Salgueiro Mendes (PSD) e Cecília Meireles (CDS-PP).

Em declaração política, a Deputada Filipa Roseta (PSD) criticou as políticas públicas de habitação do Governo, tendo apresentado um conjunto de medidas no sentido de resolver os atuais problemas imobiliários. Respondeu, em seguida, a pedidos de esclarecimento dos Deputados Bruno Dias (PCP), Maria Manuel Rola (BE) e Marina Gonçalves (PS).

Em declaração política, a Deputada Mariana Mortágua (BE) defendeu a vinda do Ministro das Finanças ao Parlamento para explicar recentes notícias sobre a necessidade de nova injeção de capital público no Novo Banco e anunciou a apresentação de um diploma no sentido de que não se proceda a qualquer empréstimo por parte do Estado a essa instituição bancária sem que se conheçam os resultados da auditoria em curso. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Deputados Cecília Meireles (CDS-PP), Jorge Paulo Oliveira (PSD), José Luís Ferreira (PEV), Duarte Alves (PCP) e João Paulo Correia (PS).

Em declaração política, a Deputada Ana Mesquita (PCP) criticou a cedência de obras de arte do Estado a um grupo hoteleiro privado, tendo anunciado a apresentação de uma iniciativa legislativa para impedir situações como a que identificou. Respondeu, em seguida, a pedidos de esclarecimento dos Deputados Alexandra Vieira (BE), Paulo Rios de Oliveira (PSD) e Luís Capoulas Santos (PS).

Em declaração política, o Deputado João Pinho de Almeida (CDS-PP) falou acerca do posicionamento e dos resultados obtidos pelo Governo no âmbito das negociações a decorrerem na UE com vista ao novo quadro financeiro plurianual e ainda da realização da Cimeira UE/África. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Deputados Isabel Rodrigues (PS), Duarte Marques (PSD), Bruno Dias (PCP) e Fabíola Cardoso (BE).

Em declaração política, o Deputado João Cotrim de Figueiredo (IL), a propósito de notícias vindas a público envolvendo várias áreas da Justiça, reclamou a necessidade de esclarecimentos e mais transparência em diversos setores desta área, após o que respondeu a pedidos de esclarecimento dos Deputados André Ventura (CH), Isabel Alves Moreira (PS) e Mónica Quintela (PSD).

Foi apreciada a Petição n.º 562/XIII/4.ª (Paulo Martins de Almeida e outros) — Pela requalificação urgente da estrada nacional n.º 225 juntamente com os Projetos de Resolução n.os 72/XIV/1.ª (BE) — Recomenda ao Governo que proceda à requalificação urgente da estrada nacional n.º 225, 133/XIV/1.ª (PEV) — Pela urgente requalificação da estrada nacional n.º 225, 121/XIV/1.ª (CDS-PP) — Recomenda ao Governo a reabilitação da EN225, 236/XIV/1.ª (PCP) — Recomenda ao Governo a requalificação urgente da estrada nacional n.º 225 e 60/XIV/1.ª (PSD) — Recomenda ao Governo que faça cumprir as obrigações do Estado e dos seus organismos, garantindo uma circulação segura da população local e de todos os que utilizam a EN225. Intervieram os Deputados Isabel Pires (BE), Mariana Silva (PEV), João Pinho de Almeida (CDS-PP), Ana Mesquita (PCP), Pedro Alves (PSD), Lúcia Araújo Silva (PS) e André Ventura (CH).

O Presidente (António Filipe) encerrou a sessão eram 19 horas e 12 minutos.

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O Sr. Presidente: — Boa tarde, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Funcionários, Sr.as e Srs. Jornalistas.

Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 4 minutos.

Srs. Agentes da autoridade, peço que abram as portas das galerias ao público.

A Sr.ª Secretária Sofia Araújo vai proceder à leitura de um conjunto de iniciativas legislativas que deram

entrada, há pouco tempo, no meu Gabinete.

Faça favor, Sr.ª Secretária Sofia Araújo.

A Sr.ª Secretária (Sofia Araújo): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, foram admitidas pelo Sr. Presidente da

Assembleia da República várias iniciativas legislativas.

Refiro, em primeiro lugar, os Projetos de Lei n.os 216/XIV/1.ª (PSD) — Sexta alteração ao Decreto-Lei n.º 27-

C/2000, de 10 de março, que cria o sistema de acesso aos serviços mínimos bancários, que baixa à 5.ª

Comissão, 217/XIV/1.ª (PSD) — Restringe a cobrança de comissões bancárias, procedendo à quarta alteração

ao Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de junho, e à terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 74-A/2017, de 23 de junho,

que baixa à 5.ª Comissão, 218/XIV/1.ª (BE) — Consagra o direito ao pagamento de subsídio de alimentação a

todos/as trabalhadores/as, em valor mínimo equiparado à Administração Pública, que baixa à 10.ª Comissão, e

219/XIV/1.ª (PAN) — Determina a proibição das corridas de cães mais conhecidas por corridas de galgos, que

baixa à 7.ª Comissão, em conexão com a 1.ª Comissão.

Foram, ainda, admitidos os Projetos de Resolução n.os 264/XIV/1.ª (BE) — Recomenda a modernização da

rede de monitorização da qualidade do ar, que baixa à 1.ª Comissão, 265/XIV/1.ª (BE) — Recomenda a criação

de suplementos remuneratórios para a carreira de guarda-florestal, que baixa à 1.ª Comissão, 266/XIV/1.ª (PEV)

— Revisão da Convenção de Albufeira para salvaguarda de recursos hídricos fundamentais ao País, que baixa

à 11.ª Comissão, e 267/XIV/1.ª (BE) — Recomenda medidas de conservação do lobo-ibérico e das suas presas

silvestres, que baixa à 11.ª Comissão.

É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr.ª Secretária Sofia Araújo.

Srs. Deputados, antes de iniciarmos os trabalhos de hoje, gostaria de dizer o seguinte: evidentemente, esta

foi uma semana terrível para o País, mas também para o Parlamento.

O Sr. Deputado João Albino Rainho Ataíde das Neves, eleito pelo círculo eleitoral de Coimbra, que há poucos

dias, sentado na última fila da sua bancada, esteve aqui a votar connosco, faleceu, entretanto.

Gostaria que, no começo desta sessão, guardássemos 1 minuto de silêncio, sem mais.

A Câmara guardou, de pé, 1 minuto de silêncio.

Muito obrigado, Sr.as e Srs. Deputados.

Na próxima sexta-feira, faremos a homenagem habitual, mas esta é, de facto, uma situação absolutamente

excecional.

Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária Sofia Araújo vai dar conta de um parecer da Comissão de Transparência

e Estatuto dos Deputados.

Faça favor, Sr.ª Secretária Sofia Araújo,

A Sr.ª Secretária (Sofia Araújo) — Sr. Presidente e Srs. Deputados, deu entrada na Mesa um parecer da

Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados, que se refere à substituição do Deputado João Ataíde

(PS), círculo eleitoral de Coimbra, por Raquel de Fátima Cardoso Ferreira, com efeitos a partir do dia 21 de

fevereiro de 2020, inclusive.

O parecer é no sentido de que a substituição de mandato do Deputado João Ataíde por Raquel de Fátima

Cardoso Ferreira cumpre os requisitos legais, com efeitos a partir de 21 de fevereiro de 2020, inclusive.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, está em apreciação o parecer.

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Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, agora, sim, vamos entrar na ordem de trabalhos de hoje, cujo primeiro ponto consiste num

debate de atualidade, requerido pelo PEV, sobre a construção do aeroporto do Montijo.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira, de Os Verdes.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Os

Verdes agendaram este debate sobre a construção do aeroporto do Montijo porque, depois de tudo o que

conhecemos deste processo, fomos agora confrontados com notícias de que o Governo pondera alterar o

Decreto-Lei n.º 186/2007, com o único propósito de passar por cima das câmaras municipais que deram parecer

desfavorável.

Parece-nos, pois, que está mais do que justificada a atualidade deste debate. Um debate sobre um processo

que fica marcado pela mais completa ausência do interesse público, desde logo porque quem escolheu a

localização Montijo foi a concessionária dos aeroportos portugueses, controlada pelo grupo francês Vinci.

O Governo demitiu-se, assim, de uma importante decisão sobre uma infraestrutura com a importância e com

a dimensão de um aeroporto e cujas consequências vão ser suportadas pelas populações e pelos nossos

valores ambientais.

De facto, quando se coloca nas mãos do interesse privado a faculdade de escolher a localização de um

aeroporto, não se pode esperar que essa escolha tenha obedecido a critérios onde o interesse público tenha

prevalecido ou sequer tenha estado presente. Claro que não! Se foi a multinacional a escolher a localização, fê-

lo em função dos seus próprios interesses.

Recorde-se, a este propósito, que o grupo económico que escolheu a localização do aeroporto também

detém a concessão da exploração da Ponte Vasco da Gama, permitindo-lhe desta forma que, com o aeroporto

no Montijo, esta multinacional fique a ganhar em duas frentes.

Fica, assim, claro que, quanto à localização, o interesse público ficou de fora da contabilidade.

Como sabemos, o interesse público não entra nas contas das multinacionais. É também por isso que temos

um Governo para trazer o interesse público para as decisões, o que, neste caso, simplesmente não aconteceu.

Não é por isso de estranhar que se avance para a construção de um aeroporto sem nenhum estudo que

indique o Montijo como a melhor solução para a localização do aeroporto, tanto do ponto de vista do

desenvolvimento do País, como do ponto de vista das populações e do ponto de vista do ambiente.

E porquê? Porque a escolha foi feita a pensar nos interesses da Vinci e não no interesse público e porque o

Governo fechou literalmente os olhos. Fechou os olhos à importância que um aeroporto representa em termos

de desenvolvimento do País e fechou os olhos aos graves impactos ambientais que esta localização representa

para os ecossistemas, mas também para a saúde das populações.

É verdade que o Governo não fechou sempre os olhos, abriu-os, quando quis deixar um recado claro às

entidades que haveriam de emitir a Declaração de Impacte Ambiental, dizendo que não havia plano B, e,

portanto, ou a construção do aeroporto era no Montijo ou não haveria aeroporto. E resultou. A APA (Agência

Portuguesa do Ambiente) emitiu — aliás, sem surpresas — uma Declaração de Impacte Ambiental favorável

condicionada à construção do aeroporto na localização escolhida pela multinacional Vinci.

Nas palavras do Presidente da APA, «as várias entidades envolvidas no processo de avaliação encontraram

um ponto de equilíbrio para viabilizar o aeroporto do Montijo».

Portanto, o que aconteceu nesta avaliação foi acomodar, do ponto de vista ambiental, uma decisão que já

estava assumida, porque ou era no Montijo ou não havia aeroporto.

E, como se tudo isto fosse pouco, fomos confrontados, na semana passada, com a singular resposta da ANA

— Aeroportos de Portugal à TSF, a propósito da impossibilidade de o regulador dar luz verde à construção do

aeroporto no Montijo, em virtude dos pareceres desfavoráveis de algumas autarquias.

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A resposta da ANA foi clara: «Estão a preparar-se regras específicas para o aeroporto do Montijo». Ou seja,

os portugueses ficaram a saber pela ANA que se estavam a preparar alterações à lei. O que os portugueses

ficaram sem saber foi se era a ANA que estava a preparar essas alterações ou se era o Governo. Parece que

neste processo já nada estranha!

A seguir, ainda na mesma manhã, e numa espécie de ditadura de gabinete, aparentemente legitimada pela

partilha de uma fatia do poder legislativo, o Sr. Ministro das Infraestruturas veio ao Parlamento assumir

publicamente que, se uma lei não serve os propósitos conjunturais do Governo — e, neste caso, do grupo

económico que beneficia de uma das maiores receitas que deveriam integrar o Orçamento do Estado —, há que

alterá-la.

Ora, esta postura do Governo constitui uma inversão total dos princípios do Estado de direito democrático.

Materialmente, representa uma violação da génese do princípio da separação de poderes, que é o que sucede

quando se procura conformar a lei à vontade do poder executivo e não o contrário, como decorre deste corolário

constitucional.

Ou seja, a lei só vale quando dá jeito, quando interessa aos propósitos do Governo; quando não dá jeito,

altera-se a lei. E não estamos a falar de uma alteração qualquer, estamos a falar de uma alteração cujo objetivo

é exclusivamente contornar os pareceres das câmaras municipais que se mostraram desfavoráveis à construção

do aeroporto no Montijo.

A lei diz que tem de haver parecer positivo das câmaras, as câmaras dão parecer negativo e o Governo, ao

invés de democraticamente respeitar a vontade das câmaras, altera a lei, passando por cima das decisões das

autarquias.

Na verdade, não são os presidentes das câmaras que deram parecer negativo que se devem sentir

menorizados e desrespeitados, são todos os autarcas de todo o País, independentemente da área política a que

pertençam, que se devem sentir menorizados e desrespeitados.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Exatamente!

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Da nossa parte, conte o Governo com a mais firme oposição a esta

verdadeira golpada no poder local democrático e, caso esta intenção do Governo se concretize, Os Verdes farão

uso de todos os mecanismos regimentais ao nosso alcance para travar este golpe, inclusivamente para que o

diploma seja objeto de uma apreciação parlamentar por parte da Assembleia da República.

Será, no mínimo, útil, pelo menos, para clarificar quem respeita o poder local democrático e quem não

respeita e, já agora, para se perceber a posição do PSD sobre esta matéria, sobre o respeito que as autarquias

merecem por parte do Governo.

Aplausos do PEV e do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro das Infraestruturas e da Habitação,

Pedro Nuno Santos, em nome do Governo.

O Sr. Ministro das Infraestruturas e da Habitação (Pedro Nuno Santos): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs.

Deputados: O debate sobre a alteração da lei que regula a certificação e o licenciamento dos aeroportos não é

um debate sobre uma localização em particular, é um debate sobre se a lei está errada ou sobre se a lei é

correta.

O Sr. João Oliveira (PCP): — E se é retroativa, ou não!

O Sr. Ministro das Infraestruturas e da Habitação: — Nós entendemos que a lei é desajustada, é

desproporcional pelo poder de veto que dá, no limite, a um só município. Da mesma maneira que a administração

central — o Estado — não deve, não pode dispor de forma absoluta do território de um município, entendemos

que um município também não deve ter o poder absoluto de decidir sobre as populações dos concelhos vizinhos

e, mesmo, sobre o interesse nacional.

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Aplausos do PS.

No limite, poderíamos estar numa situação que nos levaria a que o País não pudesse, ou não conseguisse,

ter um novo aeroporto. Se, amanhã, decidirmos não o fazer no Montijo e avançarmos, por exemplo, para

Alcochete, não temos a garantia de que não poderão aparecer um ou dois municípios a bloquear a opção

Alcochete, como em qualquer outra localização.

Ora, a questão que devemos colocar é se isso é bom, ou não, para o País.

O Sr. João Oliveira (PCP): — A lei diz que é!

O Sr. Ministro das Infraestruturas e da Habitação: — Não ignorando que o processo político tem já alguns

anos, o processo formal de licenciamento não deu início. Nós estivemos à espera que a Declaração de Impacte

Ambiental fosse emitida, ou não — ela foi emitida —, e iniciaríamos agora um novo processo, o processo de

pedido de licenciamento do aeroporto, onde então são necessários os pareceres vinculativos dos municípios.

Era importante que tivéssemos consciência deste facto: o processo formal de licenciamento não deu início,

ele só dá início quando o pedido de licenciamento for entregue na ANAC (Autoridade Nacional da Aviação Civil),

a entidade que pode ou não licenciar o aeroporto. Era importante termos esta nota.

Terceiro ponto: porquê a opção Montijo?

Primeiro, porque quisemos dar continuidade a um trabalho que vinha de um Governo anterior e porque

entendemos que o País não pode estar sistematicamente, cada vez que há um novo Governo, a reequacionar

localizações ou infraestruturas com a importância nacional que um aeroporto tem.

Aplausos do PS.

Achamos isso errado e entendemos, na altura, que a continuação de um processo que vinha de um Governo

anterior garantiria maiores condições de consenso para que aquela infraestrutura pudesse ser feita.

Segundo, porque é a solução que oferece mais rapidez na sua concretização — e estamos a falar numa

altura em que o aeroporto Humberto Delgado já está saturado e não pode receber todos os aviões e passageiros

que procuram o nosso País.

Depois, como esta solução teve o acordo da ANA, não há qualquer custo para o erário público, o que, num

País como o nosso, é uma questão muito importante.

Além de tudo isto, entendemos — e isso decorre de todos os estudos que foram feitos — que esta solução

dual entre o Aeroporto Humberto Delgado e um aeroporto para as viagens de médio curso e para as companhias

low cost é uma solução adequada às necessidades do País.

Dito isto, o Partido Socialista tem consciência de que não tem maioria absoluta…

O Sr. João Oliveira (PCP): — O Partido Socialista ou o Governo?!

O Sr. Ministro das Infraestruturas e da Habitação: — O Governo, que é apoiado pelo Partido Socialista!

E, como sabemos, nas últimas eleições — pelo menos, nas últimas —, fomos mesmo o partido mais votado.

Protestos do Deputado do PCP João Oliveira.

No entanto, nós não temos maioria absoluta e será sempre com normalidade e humildade democrática que

obviamente aceitaremos aquela que for a decisão da maioria representada no Parlamento. Foi sempre assim, e

continuará a ser assim.

Entendemos, no entanto, que a lei está errada e que, por isso, deve ser alterada e adequada àquilo que está

em causa.

Não obstante, respeitaremos aquela que é a decisão da maioria. Não nos peçam é para fazermos de conta

que um novo revés em relação a um novo aeroporto não tem um impacto profundamente negativo no País. Tem,

e terá, um impacto profundamente negativo no País, mas, obviamente, nós respeitamos o Estado de direito e o

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Parlamento. Parlamento que, aliás, não tem a exclusividade nesta matéria — estamos a falar de um decreto-lei

—, mas nós respeitaremos o resultado da democracia.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira, de Os

Verdes.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, estava com curiosidade em ouvi-lo. Porquê

no Montijo? Porque a Vinci escolheu o Montijo, Sr. Ministro — ponto!

O Sr. Ministro das Infraestruturas e da Habitação: — Isso é o senhor que está a dizer!

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — O próprio Ministro do Ambiente assumiu aqui que não foi o Governo que

escolheu a localização, Sr. Ministro.

Em segundo lugar, o pedido ainda não entrou na autoridade reguladora por uma razão simples: porque se

está à espera que o Governo altere a lei para, depois, se fazer andar o processo.

Diga o Sr. Ministro o que disser, alterar uma lei a meio do jogo é inaceitável, alterar uma lei para fazer um

jeito a uma multinacional é inconcebível. Mas alterar a lei para passar por cima dos pareceres das câmaras

municipais é ainda mais grave e mais perigoso, é uma ofensa!

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — Isso é falso!

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Não é falso, não! E é uma ofensa porque as câmaras municipais são 10,

não é só a da Moita.

O Sr. Ministro das Infraestruturas e da Habitação: — São 10 porquê?!

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Como dizia, é uma ofensa, uma ofensa ao poder local democrático. E

não é só a Moita que tem de se sentir desconfortável com esta decisão do Governo, são todos os autarcas do

País, independentemente da cor que sejam, porque um dia pode tocar-lhes a eles.

O princípio da separação de poderes diz-nos que o Governo tem poder legislativo e poder executivo. Mas

também nos diz que o poder executivo se deve conformar com o poder legislativo. Ora, o que o Governo está a

fazer é o contrário: o Governo está a usar o poder legislativo para satisfazer as suas pretensões executivas.

Mas são coisas diferentes, Sr. Ministro. Por isso, está a haver aqui uma inversão perigosa das regras

democráticas.

Sr. Ministro, quero também recordar-lhe uma coisa. No dia 13 de novembro do ano passado, num debate

quinzenal, questionei o Sr. Primeiro-Ministro sobre os pareceres e sobre a inevitabilidade do indeferimento por

parte do regulador, porque já era pública a posição das câmaras municipais.

Ora, o que o Sr. Primeiro-Ministro nos disse aqui, no dia 13 de novembro, foi tão-só isto: «O Governo vai

respeitar a lei». Portanto, presumo que seja a lei que está em vigor. Isto foi dito pelo Sr. Primeiro-Ministro.

Em 27 de novembro do ano passado, voltei a questionar o Sr. Primeiro-Ministro sobre o assunto,

perguntando-lhe diretamente se estava a pensar em alterar o decreto-lei para passar por cima dos pareceres

das câmaras municipais. E o Sr. Primeiro-Ministro disse textualmente o seguinte: «A questão do aeroporto está

neste momento em apreciação na ANAC. A ANAC fará a devida apreciação da lei e, em função disso, veremos

o que acontece». Ou seja, o Sr. Primeiro-Ministro disse não só que iria respeitar a lei como também que não

haveria alterações ao diploma. Agora, o Sr. Ministro diz que o Governo vai alterar o diploma.

Ora, quando há dois membros do Governo a dizer coisas opostas, um deles não está a falar verdade.

Eu não vou perguntar-lhe se é o Sr. Ministro ou o Sr. Primeiro-Ministro que está a faltar à verdade. O que

vou perguntar-lhe, Sr. Ministro, é se, nesta alteração, a Associação Nacional de Municípios Portugueses vai ser

ouvida nesta pretensão, que, como referi há pouco, ofende todos os autarcas do nosso País.

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Aplausos do PEV e do PCP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro das Infraestruturas e da Habitação.

O Sr. Ministro das Infraestruturas e da Habitação: — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Luís Ferreira, o

Governo, obviamente, vai respeitar a lei e a democracia, e é por isso que aqui estamos.

O Governo tem poder legislativo. Estamos a falar de um decreto-lei, que pode ser sempre apreciado pelo

Parlamento, mas, no final, as regras democráticas serão sempre respeitadas.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Não foi isso que o Sr. Ministro disse!

O Sr. Ministro das Infraestruturas e da Habitação: — Agora, Sr. Deputado, quando queremos fazer um

debate, devemos dizer sempre a verdade toda, até porque nos dá mais credibilidade.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Quem é que está a faltar à verdade?!

O Sr. Ministro das Infraestruturas e da Habitação: — Não é faltar à verdade, é dizer a verdade toda.

Quando diz que estamos a passar por cima dos autarcas, o Sr. Deputado, se quer ser levado a sério, não

pode ignorar o Montijo, não pode ignorar Alcochete, não pode ignorar o Barreiro.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — O Sr. Ministro é que não pode ignorar!

O Sr. Ministro das Infraestruturas e da Habitação: — São três municípios, dos mais afetados — negativa

e, já agora, positivamente —, que querem o aeroporto.

Portanto, não é o Sr. Deputado que respeita a vontade dos municípios e o Governo que não respeita a

vontade dos municípios.

O Governo tem uma determinada ideia, propõe, debate essa ideia, entende que há uma norma legal que

está desajustada e defende a sua alteração. Se a maioria representada no Parlamento entender que esta norma

legal está correta e se deve manter, não a altera. E nós, com serenidade democrática, humildade e respeito,

acataremos a decisão do Parlamento, da maioria parlamentar. Não há drama, não precisamos de transformar

todos os debates em debates apocalípticos.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Não?!

O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro das Infraestruturas e da Habitação: — Vou concluir, Sr. Presidente.

Nós fizemos uma proposta e defendemos essa proposta. Achamos que é a melhor solução, porque ela não

tem custos para o Orçamento do Estado, ela é mais rápida de executar, ela vem de trás, o que nos oferecia uma

perceção de consenso, e, obviamente, está adequada às necessidades do País.

Sem drama, façamos o debate, sujeitando-nos à decisão da maioria.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Joana Mortágua, do Bloco de

Esquerda.

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Para o Governo, o projeto

Portela+Montijo transformou-se num dogma que não pode ser questionado, apesar de todas as evidências.

Em plena emergência climática, decidiram fazer um aeroporto numa das zonas protegidas mais importantes

do País, perto de núcleos urbanos consolidados, sem acesso ferroviário, sem possibilidade de expansão e com

um impacto ambiental impossível de contornar. Irresponsável seria não perguntar: porquê o Montijo?

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O que nos dizem as evidências é que não há nada que torne esta localização melhor do que outras possíveis.

Claro que a única forma de o comprovar seria uma avaliação ambiental estratégica que comparasse várias

localizações, o que, aliás, é de lei, mas isso iria estragar a festa da Vinci.

E, portanto, Montijo, porque a Vinci quer. Não por ser a melhor localização, mas porque é aquela que lhe

permite aumentar a capacidade da Portela e rapidamente aumentar os lucros, sem investir numa solução que

dure além do prazo de concessão da ANA.

Sr.as e Srs. Deputados, Portugal precisa de um novo aeroporto — e com isso todos concordamos. Mas havia

opções melhores, já estudadas, como Alcochete, não necessariamente mais baratas, nem mais caras.

Ao Governo caberia, no mínimo, garantir que esta é a opção que protege o interesse estratégico do País.

Mas, para o Partido Socialista, esta questão transformou-se em clubismo. A defesa do aeroporto do Montijo não

responde a argumentos e não se detém perante nada.

As acessibilidades são insuficientes? Espera-se que a boa vontade da ANA resolva tudo.

O estuário do Tejo alberga mais de 200 000 aves? Espera-se que os pássaros não sejam estúpidos.

A lei prevê que os autarcas possam proteger as populações de projetos que as prejudicam? Culpam-se os

autarcas e muda-se a lei.

O problema, Srs. Deputados, é que esse clubismo veste a camisola da Vinci.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Bem visto!

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — O Bloco de Esquerda não alinha por esse clube. Não aceitamos demagogias

sobre um suposto interesse nacional que é posto em causa, de cada vez que se diz que o Montijo é má opção.

Não fomos nós que vendemos o interesse nacional à Vinci por tuta-e-meia, não fomos nós que permitimos

que fosse uma empresa estrangeira a decidir a localização do aeroporto e também não contam connosco para

mudar a lei e desproteger as populações.

Não é do interesse nacional submeter o País à decisão de uma empresa privada estrangeira. É em nome de

Portugal que continuaremos a dizer que há alternativas melhores para o País, para o ambiente e para as

populações do que o aeroporto do Montijo.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Emídio Guerreiro, do Grupo

Parlamentar do PSD.

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs.

Deputados: O Governo, de facto, criou um problema a si próprio, o problema existe.

Dizia o Sr. Ministro, há pouco, que era um processo que tinha sido herdado e ao qual o Governo tinha dado

continuidade. Teria sido melhor se tivesse feito isso de forma eficaz, porque, de facto, o que disse é verdade.

Em 2015, quando o Governo de António Costa tomou posse, faltava uma peça-chave em todo este processo,

que era o estudo de impacte ambiental. E nós aguardámos pelo ano de 2016, à espera que o estudo de impacte

ambiental nascesse. Mas não nasceu.

Em 2017, o seu antecessor, o, então, Ministro Pedro Marques, foi reunir com a ANA, fez uma conferência de

imprensa, assinaram um papel e pensou-se «agora é que vai ser!». Passou o ano de 2017 e o estudo de impacte

ambiental… Nada! Em 2018, a mesma coisa.

Ou seja, essa continuidade foi, de facto, muito lenta. Mas o investimento é necessário. E também todos

sabemos que não há aeroporto nenhum que não tenha impactes ambientais.

Ora, essa peça fundamental apareceu no verão de 2019, no final da Legislatura! Por isso, esse trabalho de

continuidade foi todo fingido. Andaram a fingir que estavam a resolver os assuntos e que as coisas iam andar.

Mas não, prolongaram-no. E agora criaram um problema.

É que, afinal, não faltava só o estudo de impacte ambiental. Afinal, durante este tempo todo, ninguém tratou

de uma coisa que está na lei, há anos, há mais de 10 anos, para se ir atalhando e para que as coisas fossem

negociadas.

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O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Muito bem!

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Por isso, a questão que deve colocar-se aqui é esta: como é que foi

possível, depois de perder tanto tempo, chegar a este ponto, Sr. Ministro? Quem é que falhou? Esqueceram-se

de que era preciso conversar e negociar com os demais parceiros? Esqueceram-se de que havia todo um

trabalho para fazer, ao longo destes anos?

Quero também recordar que, já no verão de 2015, já com o anterior Governo, tinham circulado memorandos

pelos diferentes municípios, no sentido de se atalhar este caminho. Mas a verdade é que foi o próprio Partido

Socialista que, como estávamos em cima das eleições legislativas de 2015 e não convinha de forma alguma

que houvesse um acordo definitivo sobre esta questão, mandou os seus autarcas travar o processo.

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Muito bem!

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — E, depois, esqueceram-se, meteram tudo na gaveta e andaram aqui a

fingir… Isto é um pouco injusto para o Sr. Ministro que está em funções há pouco tempo, mas o seu antecessor,

que tanto falava e que supostamente tanta coisa fazia daquela maneira que todos nós percebemos que era para

«vender a banha da cobra» e mais nada, de nada tratou.

E, agora, os senhores têm um problema em mãos? Têm! Mas, antes de o resolver, é importante que

expliquem aos portugueses o que é que falhou neste processo. Expliquem quem foram os protagonistas e quais

são as responsabilidades que devem ser assacadas às pessoas envolvidas e ao Governo, que também está

envolvido.

Aplausos do PSD.

Mas isso não é fazer de conta que nada se passou, dizendo «olha, temos agora aqui este problema». Então

e o processo todo? Durante quatro anos, o que é que foi feito, o que é que falhou?

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — É verdade!

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Felicito Os Verdes por terem trazido aqui este debate — acho que é uma

altura muito boa para fazê-lo —, que não é o da mudança da lei, mas o da construção do aeroporto do Montijo.

Esse, sim, é o debate de atualidade que hoje está agendado, não devemos antecipar outros momentos. E felicito

o PEV, porque o debate deste tema permite, se calhar, ao Sr. Ministro fazer aqui um mea culpa, ou reconhecer

o que falhou. E, sobretudo, permite que os portugueses percebam o que é que os senhores andaram a fazer ao

longo destes quatro anos, em que não resolveram uma coisa que tinha de estar resolvida desde o início, porque

era uma peça fundamental.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Gonçalves Pereira, do CDS-

PP.

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: A primeira

nota que deixo é a de que a humildade que o Sr. Ministro demonstrou hoje não é a mesma humildade que

demonstrou na semana passada. Essa é uma nota positiva.

Em segundo lugar, queria dizer que o PEV convoca este debate de atualidade sobre a construção do

aeroporto do Montijo porque o Governo anunciou uma alteração do quadro legal da certificação das

infraestruturas aeroportuárias do Montijo.

E por que razão o Governo anuncia esta alteração legislativa? Fá-lo porque a Autoridade Nacional da Aviação

Civil, como decorre da lei, vai ter de solicitar parecer aos municípios que são afetados pela construção do

aeroporto do Montijo, vai ter de fazer essa consulta.

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Na semana passada, o Sr. Ministro, na Comissão de Economia, veio dizer que havia apenas um município

que tinha reservas, estava contra, que era o município da Moita. Sr. Ministro, não é um mas cinco municípios

que estão contra e que comprometem, deste modo, a prévia viabilidade da ANAC.

Sr.as e Srs. Deputados, a lei em vigor foi proposta e aprovada por um Governo do próprio Partido Socialista,

pelo que não se percebe a posição do Partido Socialista. O Partido Socialista fica muito incomodado quando é

contrariado e, então, altera-se a respetiva lei.

Será que o Partido Socialista decidiu pela construção do aeroporto do Montijo sem ter havido qualquer

diálogo com os municípios da Margem Sul? Será que o Partido Socialista se esqueceu que a lei que está em

vigor dá aos municípios um poder de veto?

A posição que o atual Governo assume é a de um autêntico «quero, posso e mando» e isso, evidentemente,

colide com o respeito e a autonomia do próprio poder local.

A atual lei dá um poder de veto às câmaras municipais afetadas pela construção ou ampliação de um

aeroporto. Uma alteração ad hominem vai desproteger não só os municípios da Margem Sul mas também os

municípios de Lisboa, de Loures, do Porto, de Matosinhos ou também de Faro.

Temos de encontrar aqui um equilíbrio, um equilíbrio racional, entre o interesse nacional, o interesse regional

e o interesse local.

É óbvio que a construção de um aeroporto ou a sua ampliação tem, evidentemente, impactos ambientais,

tem impactos nas acessibilidades, tem impacto na qualidade de vida das populações. Os municípios deviam ter

uma palavra a dizer sobre o número de movimentos aéreos nas suas cidades.

Vou aproveitar este debate para anunciar que o CDS, ainda hoje, vai entregar na Câmara Municipal de Lisboa

uma proposta para reduzir o número de movimentos aéreos na capital. Há cerca de 60 000 lisboetas que são

afetados, diariamente, com o ruído no aeroporto da Portela.

Sr.as e Srs. Deputados, para o CDS é claro que os municípios se devem pronunciar sobre os limites de tráfego

aéreo no seu concelho. Vou dar um exemplo: a lei impõe como limite de ruído os 55 decibéis. No caso da Moita,

quando os aviões forem aterrar no Montijo vão passar precisamente pela malha urbana daquele município. E o

que é que o PS defende? Que os municípios não têm de se pronunciar sobre nada, não têm de defender as

populações. Nós entendemos que isso é um exercício de autoridade.

Para que fique absolutamente claro, direi que o CDS não é contra qualquer solução que traga uma resposta

aeroportuária ao País e à região de Lisboa e que, com isso, ajude a nossa economia e o nosso turismo. Mas é

importante que essa solução permita aliviar a pressão que existe no aeroporto da Portela e que, evidentemente,

coloca pressão no concelho de Lisboa e também no concelho de Loures.

Aliás, o CDS, durante muitos anos, muitos anos, quando muitos andavam a discutir Alcochete, quando muitos

andavam a discutir a Ota, quando muitos andavam a discutir Alverca, o que é que o CDS defendia? Defendia a

solução Portela + Montijo. A verdade é que se nos tivessem dado ouvidos nessa altura, hoje a região de Lisboa,

o País teria uma outra capacidade aeroportuária.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Não diga disparates!

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — É importante recordar que, em 2012, o anterior Governo

negociou a concessão da Portela prevendo, no contrato com a ANA, a construção de um novo aeroporto, que

poderia vir a ter até quatro pistas paralelas. Isto só aconteceria se três dos cincos fatores de capacidade da

Portela se verificassem.

Certo é que, em 2017, quatro desses fatores foram atingidos.

Depois disso, a ANA, ao abrigo da célebre cláusula 42.3 do Contrato de Concessão, apresentou a proposta

no sentido de a construção do aeroporto ser no Montijo e caberia ao Estado, caberia ao Governo socialista,

aceitar, ou não, essa proposta.

Mas, a 8 de janeiro de 2019, este Governo socialista assumiu e aceitou solução Montijo.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço-lhe que termine.

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Vou já terminar, Sr. Presidente.

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Ou seja, este Governo declinou a possibilidade de construção de um novo aeroporto de raiz e a região de

Lisboa poderia ter, deste modo, um grande aeroporto com capacidade aeroportuária.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado.

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Sr. Presidente, agradecendo a sua tolerância, vou terminar

dizendo apenas o seguinte: o Sr. Ministro anda a anunciar que o aeroporto permitirá uma capacidade para 50

anos, mas se falarmos com o Secretário de Estado ele dirá que são 100 anos.

O certo é que temos absolutas reservas em relação a isto.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, já excedeu em muito o seu tempo. Peço que conclua.

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Vou já concluir, Sr. Presidente.

A pergunta que coloco é a seguinte: qual é o plano B do Governo? Ou seja, se esta solução se esgotar em

10 ou 15 anos, qual é o plano B? A ANA assume o compromisso de mais investimentos ou não assume o

compromisso de mais investimentos? Ou o plano B do Governo é construir pistas e mais pistas no Montijo?

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de concluir.

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Sr. Presidente, agradeço a sua tolerância.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado André Ventura, do Chega.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nunca pensei citar José Sócrates, nesta

Câmara. Nunca, confesso. Mas hoje é o que vou fazer.

Disse o antigo Primeiro-Ministro: «Só o ódio e a cegueira política justificam a escolha deste novo aeroporto.

Só a incapacidade de nos dar razão e nos…» — não a mim, mas ao antigo Primeiro-Ministro — «… pode levar

a esta escolha». E diz mais: «(…) com terrível impacto ambiental, terríveis custos e apenas…» — quem o diz é

um socialista, não sou eu! — «… para servir de interesse aos detentores da ANA e do capital privado, que vão

agora fazer muito lucro». Citação de José Sócrates, hoje mesmo, a um jornal português.

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — E o que é que o Chega defende?!

O Sr. André Ventura (CH): — Curioso! É, mais uma vez, a metodologia do Partido Socialista: quando não

gosta da lei, muda-se a lei e depois faz-se a prática.

Fica agora o PAN muito feliz por ter dado a mão ao Partido Socialista no Orçamento. No entanto, um

Secretário de Estado, quando lhe perguntam sobre o impacto nas aves, diz que as aves não são estúpidas.

Grande mão que deram ao Partido Socialista!

Mas também aqueles que agora criticam…

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, já excedeu o seu tempo.

O Sr. André Ventura (CH): — Vou terminar, Sr. Presidente.

Também aqueles que agora criticam, sabem que este Governo vai fazer sempre tudo para esquecer a sua

opinião e indicar o que quer e como quer para fazer o aeroporto.

Que ninguém diga, depois desta decisão, que veio ao engano sobre as opções do Partido Socialista.

O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado André Pinotes Batista, do

Grupo Parlamentar do Partido Socialista.

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O Sr. André Pinotes Batista (PS): — Sr. Presidente Srs. Deputados: Hoje, somos convocados para um

debate de atualidade que, na verdade, como já se percebeu, se reveste de um caráter de urgência.

Volvidos 50 anos, 17 propostas de localização, é tempo de concretizar a expansão da capacidade

aeroportuária. E sobre isso estamos, aparentemente, todos de acordo, apesar de termos aqui umas nuances

que são relevantes de destapar.

Uma delas tem que ver com isto: já ouvimos, neste debate, falar em 10 municípios que são contra. Nem

sequer existem 10 municípios na península de Setúbal! Só há 9. Ou seja, os Srs. Deputados, na sua premência

de criticarem o Governo e de criticarem a bancada do Partido Socialista, conseguem, inclusivamente, inventar

concelhos onde eles não existem!

Aplausos do PS.

Protestos do Deputado do PEV José Luís Ferreira.

É que a realidade é outra. A realidade é que a entidade reguladora é que irá definir quais são os concelhos

que serão afetados e o que sabemos é que, dos quatro que são afetados, três são a favor.

O Partido Socialista não aceita lições de autonomia do poder local. Nós somos o maior partido do poder local.

Aproveito para saudar, na pessoa do Presidente da Câmara Municipal do Barreiro,…

O Sr. João Oliveira (PCP): — É o município que é do PS!

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — … aqui presente, todos os autarcas, independentemente de terem ou

não a nossa posição.

Mas também registamos que há pouco tempo, em sede de debate orçamental, foram muito lestas as nossas

oposições em imiscuir-se numa matéria que era de competência do Governo, utilizando a Assembleia da

República para tal. Hoje, procuram fazer o inverso. Isto é, querem instrumentalizar o poder local para forçar uma

posição de direção partidária.

Aplausos do PS.

O Sr. Ministro das Infraestruturas e da Habitação: — Bem visto!

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — Srs. Deputados, centremo-nos naquilo que é essencial. Os Srs.

Deputados estão aqui a fazer um enorme exercício de reabrir, de recomeçar, o processo. É o vício de sempre:

o da autossabotagem, o de quem não quer desenvolver o País. E poderíamos ficar assim para sempre, a discutir

localizações entre nós. Srs. Deputados, os portugueses é que não iriam compreender por que razão 230

Deputados se fecham numa sala para discutir aquilo que já foi discutido durante 50 anos, em 17 localizações!

Aplausos do PS.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — E o PS não tem nada a ver com isso?!

O Sr. Ministro das Infraestruturas e da Habitação: — Tem! E então?!

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — Nenhum de nós, no Partido Socialista, poderá hoje, aqui, ser acusado

de ignorar uma necessidade gritante por interesse ou miopia partidária. Essa é que é uma questão que tem de

ser colocada.

Srs. Deputados, recolocando o debate onde ele deve ser recolocado e não na vossa narrativa, direi o

seguinte: nos últimos sete anos, o aeroporto de Lisboa duplicou o número de passageiros, transportando mais

100% do que transportávamos em 2012. Muitos dos que há sete anos sorriam e diziam que as perspetivas de

expansão da capacidade aeroportuária eram megalómanas, hoje compreendem que Portugal está a perder a

cada dia, e não é pouco.

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Permitam-me que quantifique, Srs. Deputados: apenas de abril a setembro deste ano, 400 000 passageiros

não vão aterrar na Portela.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Aliás, até são 10 000 milhões!

O Sr. Ministro das Infraestruturas e da Habitação: — Até podem ser! Não sabe!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — São os chineses todos que não vão aterrar na Portela!

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — O Sr. Deputado Bruno Dias bem pode continuar no afã de escrever,

de dizer, de fazer apartes, que há uma realidade que não pode negar: a cada ano que passe, cada ano que a

nossa indecisão desfile na passadeira de uma hesitação, perdemos 600 milhões de euros, Sr. Deputado! E a

nossa economia não está em condições de o fazer.

O Grupo Parlamentar do Partido Socialista, e o Governo que alicerçamos, prima pelo diálogo — é consabido;

prima pela responsabilidade — também é consabido, mas também tem capacidade de decisão, Srs. Deputados.

E tem uma outra coisa, Sr.ª Deputada Joana Mortágua e Sr. Deputado José Luís Ferreira: este é um Governo

que é impermeável aos interesses dos privados.

Protestos da Deputada do BE Joana Mortágua e do Deputado do PEV José Luís Ferreira.

O Sr. Ministro das Infraestruturas e da Habitação: — Eu sou!

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — Repito, Srs. Deputados: é impermeável aos interesses dos privados!

Aplausos do PS.

Risos do PSD, do BE, do PCP e do CH.

Mas, e voltemos às contradições da esquerda à nossa esquerda, o PCP e o Bloco de Esquerda, que têm

tentado travar este projeto, acreditam numa APA (Agência Portuguesa do Ambiente) boa quando a APA diz o

que querem ouvir e numa APA má quando a APA diz o que não querem ouvir.

No Partido Socialista, temos uma noção diferente do que são entidades técnicas independentes.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Não é técnica! Onde é que é técnica?!

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — Não devia ter de explicar, mas as entidades técnicas independentes

são exatamente isso: são técnicas e independentes. A nós cabe-nos, no momento da decisão, avaliar e tomar

a decisão.

Srs. Deputados, cada um assuma as suas responsabilidades — e ainda neste debate teremos oportunidade

de discutir um pouco mais —, mas não nos podemos esquecer do que estamos a falar.

Este é um projeto que prevê um investimento de 1,3 mil milhões de euros. É um projeto que vai criar 10 000

postos de emprego diretos, indiretos e induzidos. É um projeto que vai concretizar a visão de uma área

metropolitana que seja coerente.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Então, por que razão é preciso alterar a lei?!

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — Portanto, Srs. Deputados, finalizo dizendo o seguinte: uma nação que

hesita em cada grande momento está condenada a não prosperar.

Sabemos que este é o tempo de decidir. Este não é um atalho de circunstância, mas sim uma viagem histórica

que devemos saber abraçar.

Este investimento é um bom investimento para Portugal e para os portugueses.

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Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Bruno Dias, do Grupo

Parlamentar do PCP.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: A lei

determina que as infraestruturas aeroportuárias para obras de construção, ampliação ou modernização careçam

de condições várias, que incluam o parecer favorável de todas as câmaras municipais dos concelhos

potencialmente afetados, quer por superfícies de desobstrução, quer por razões ambientais.

O Governo leu esta norma na lei e disse: «alto lá, o parecer é necessário, desde que seja favorável. Se for

contra, muda-se já a lei e não é preciso ouvir as câmaras municipais».

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — O Governo já tinha assumido, neste processo, essa posição de seguidismo

perante a multinacional Vinci. Quando não só não questiona como até defende e apoia a opção da Vinci

relativamente a este projeto, o Governo recorre sistematicamente à filosofia do «não há alternativa», da autoria

dessa «grande mulher de esquerda» que foi Margaret Thatcher.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — A pergunta que temos de deixar é esta: qual é o documento que o Governo tem,

qual é o documento que alguém possa ter e apresentar que compare as várias opções de localização e conclui

que a mais vantajosa é a do Montijo?! Pergunto se o Sr. Ministro tem esse documento, que não é conhecido.

Pergunto se alguém aqui tem esse documento.

Pausa.

Bom, como ninguém tem esse documento que demonstra que, das várias opções em comparação, a mais

favorável é a do Montijo, nós temos aqui o relatório do Laboratório Nacional de Engenharia Civil que, já em 2007,

concluía que, comparativamente, a melhor opção era a do Campo de Tiro de Alcochete e que o Governo do PS,

em 2008, homologou e aprovou este mesmo relatório, o que significa que o problema que o PS identifica existir

há 50 anos está resolvido há mais de 10.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente! Em Alcochete!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — O problema é que, neste processo do novo aeroporto, o Governo quis dar

continuidade ao trabalho e às opções do Governo PSD/CDS.

O Sr. Ministro sublinhou isso mesmo na intervenção e nós acrescentamos que é mesmo aí que está o

problema. É no facto de, nesta matéria, como noutras, o Governo impor ao País uma política de continuidade

perante as opções ruinosas do Governo do PSD/CDS,…

O Sr. João Oliveira (PCP): — É um facto!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — … em vez de romper com a política de direita, tal como o País precisa, de forma

tão urgente.

Aliás, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, os senhores podem repetir à exaustão que são

impermeáveis aos interesses das multinacionais, mas o problema é que estão encharcados até aos ossos na

vossa própria subserviência.

Protestos do Deputado do PS André Pinotes Batista.

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O Sr. Ministro das Infraestruturas e da Habitação: — Ainda bem que o Sr. Deputado falou a olhar para o

PSD!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Não podemos deixar de observar isso mesmo neste debate.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Aliás, é politicamente significativo que, perante a situação atual de denúncia e

de discordância de eleitos do poder local — e muito haveria a dizer sobre as posições do passado recente de

autarcas da região relativamente à denúncia e à discordância deste projeto —, e olhando para aqueles que hoje

continuam a dizer «não» a estas opções e a estas implicações para a população, os senhores respondam com

o regresso à tese cavaquista das forças de bloqueio, carregam nas tintas do populismo e da chicana política…

O Sr. Ministro das Infraestruturas e da Habitação: — Oh!…

O Sr. Bruno Dias (PCP): — … e carimbam de instrumentalização e de guerrilha partidária os autarcas que,

ao assumirem o seu papel, autonomamente decidem em defesa das suas populações.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

Protestos do PS.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Aquilo que queremos, desde já, assumir, Sr. Presidente, Srs. Deputados e Srs.

Membros do Governo, é um compromisso do PCP: se for concretizada esta intenção do Governo e da Vinci, a

de alterar o regime legal e impor uma lei à medida deste projeto e desta multinacional, podem ter a certeza de

que haverá apreciação parlamentar do PCP e que a Assembleia da República será chamada a ter uma palavra

sobre essa matéria.

Aplausos do PCP.

O que dizemos é que é particularmente revelador da forma como este Governo e os eleitos do PS olham

para o papel do poder local e para a função dos autarcas perante as populações, quando carimbam qualquer

autarquia, na sua objeção a um projeto, de instrumentalização e de guerrilha partidária.

É esta a forma de ver, por parte do Governo. É este o entendimento que os senhores têm do poder local

democrático, mas não é assim que nós o vemos. Nós não olhamos para a legitimidade do poder local

democrático em função da concordância com as posições de cada partido.

Protestos do Deputado do PS Luís Moreira Testa.

Não é assim que a democracia e a Constituição definem o papel das autarquias locais…

O Sr. João Oliveira (PCP): — Muito bem!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — … e é isso que o Governo também devia ter em conta!

Aplausos do PCP e do PEV.

O Sr. Presidente: — É a vez do PAN.

Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Cristina Rodrigues.

A Sr.ª Cristina Rodrigues (PAN): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: Temos um estudo

de impacte ambiental cheio de falhas, incongruências e omissões. Os alertas são mais do que muitos, por parte

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da população, das associações ambientalistas, de cientistas, de executivos camarários e até já na Holanda se

fazem petições para proteção das aves que serão afetadas pela construção deste aeroporto. Pelos vistos, estas

preocupações já chegaram à Holanda, mas ainda não chegaram ao nosso Governo.

O Estudo de Impacte Ambiental do aeroporto do Montijo, no que respeita à avifauna, admite que os impactes

são significativos. Para além disso, várias associações e especialistas têm referido que os estudos efetuados

são insuficientes, na medida em que não foram analisadas todas as áreas de influência do aeroporto, não foram

utilizados métodos para a avaliação de risco adequados e houve, ainda, recurso a dados desatualizados.

Em suma, não temos estudos fidedignos sobre o real impacte do aeroporto na avifauna.

Recorde-se o caso do Aeroporto Internacional de Oakland, nos Estados Unidos, onde, apesar de terem sido

implementadas medidas de mitigação, são abatidas a tiro, em média, mais de 1000 aves por ano, visto que

estas não abandonam os sapais. Ou seja, na impossibilidade de assegurar que não se verifica um episódio de

bird strike, opta-se pelo abate das aves.

No caso português, há o risco real de isto vir a acontecer também. Daí, a importância de um estudo que

tenha em conta não só dados rigorosos e atuais mas também localizações alternativas.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Está bem, está!

A Sr.ª Cristina Rodrigues (PAN): — Como disse o Sr. Secretário de Estado Adjunto e das Comunicações,

«os pássaros não são estúpidos e adaptam-se». Permitam-me que diga que localizar um aeroporto num local

onde existem centenas de milhares de aves e, com isso, colocar em risco a vida das pessoas, como aconteceu,

por exemplo, em Nova Iorque, há 11 anos, é profundamente irresponsável.

Mas existem outras falhas: não foi feita a avaliação de risco de acidentes em zonas industriais, como é

imposto pela Diretiva Seveso, ignorando, desta forma, a zona industrial do Barreiro; os impactes ambientais a

nível do ruído são também significativos, afetando cerca de 400 000 pessoas.

O município da Moita, entre outros aspetos, refere que, seja do ponto de vista ambiental, de ordenamento do

território, de impulso ao crescimento económico, de acessibilidades ou do futuro da operação aeroportuária na

região de Lisboa e no País, esta opção é negativa e a recusa da realização de uma avaliação ambiental

estratégica indicia que os seus promotores e defensores disso têm plena consciência.

Desta vez, não foi o PAN a dizê-lo. De facto, parece evidente.

O Plano Estratégico dos Transportes e Infraestruturas foi, e bem, objeto de avaliação ambiental pelo LNEC

(Laboratório Nacional de Engenharia Civil). Entretanto, sofreu atualizações e é referido, no relatório de auditoria

do Tribunal de Contas, que existem, não três, mas seis projetos no setor aeroportuário.

Que projetos são estes? Não sabemos.

Inclui, ou não, a construção do novo aeroporto do Montijo? Não fazemos ideia.

Onde está a Avaliação Ambiental Estratégica da revisão do Plano Estratégico dos Transportes e

Infraestruturas, consoante exigido legalmente? Na gaveta.

E é assim que, à vista de todos, não se cumprem as leis em Portugal.

Depois, há as cedências consecutivas à vontade da ANA.

O estudo de impacte ambiental prevê a necessidade de elevação da pista à cota de 5 m, de forma a contornar

o problema da subida do nível do mar na zona inundável onde se prevê localizar o aeroporto do Montijo. Ora,

mesmo com este ajuste, prevê-se que a pista, em 2050, fique inundada. A ANA reclamou junto da APA sobre

esta questão e a resposta foi, essencialmente, «Nós recomendamos, vocês façam o que quiserem». Ou seja,

coloca-se em risco um habitat protegido importantíssimo e a vida das pessoas por causa de um projeto cuja

longevidade não ultrapassa os vinte e poucos anos.

Também não existe explicação convincente para o facto de, desde há 20 anos, não se fazerem pistas com

menos de 2750 m e a do Montijo prevê-se que tenha 2140, condicionando fortemente a tipologia de aviões que

lá vão poder aportar.

Importa, ainda, referir que o custo de deslocalização da Base Aérea n.º 6, do Montijo, é de 100 milhões de

euros. Quem suportará este custo? Os contribuintes?

Por último, mas não menos chocante, a lei determina que a aprovação da localização de uma infraestrutura

aeronáutica deve ser aprovada por todas as câmaras municipais afetadas — independentemente do distrito,

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diga-se, Sr. Deputado Pinotes Batista. Neste caso em particular, dos 10 municípios afetados, apenas seis deram

parecer favorável. E o que faz o Governo nesta circunstância? Anuncia que vai mudar a lei.

Protestos do Deputado do PS André Pinotes Batista.

Ou seja, perante a evidência de ilegalidades do projeto, o Governo quer tornar legal o que não é, para, deste

modo, acomodar interesses económicos que claramente lesarão as populações e os ecossistemas. Conforme

saberão, Srs. Deputados, a lei deve ser geral e abstrata e não deve ser alterada conforme a conveniência política

de cada momento ou de cada Governo.

No fundo, o Governo quer mudar a lei para ignorar o legítimo e democrático direito de defesa das populações

afetadas.

Resta saber como vai o PSD posicionar-se quanto a esta decisão, se do lado do Governo e dos interesses

económicos de alguns, ou se do lado da preservação dos ecossistemas e da defesa das populações.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Cristina Rodrigues (PAN): — Vou já concluir, Sr. Presidente.

O Governo quer construir um aeroporto que, antes de 2050, poderá estar inundado, numa zona de

importância comunitária repleta de espécies protegidas, sem garantias de segurança para a circulação dos

aviões.

Protestos do Deputado do PS Luís Moreira Testa.

Para além disso, a Dr.ª Ana Gomes já disse publicamente que talvez muito ainda se venha a saber sobre

esta escolha para a localização do aeroporto.

O Sr. Presidente: — Tem mesmo de concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Cristina Rodrigues (PAN): — Para terminar, aguardemos, pois, pelo «Montijo Leaks».

Aplausos do PAN.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, do Iniciativa Liberal, para

uma intervenção.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não tinha pensado dedicar agora

o «minuto liberal» porque achei que tantos especialistas em aeroportos aqui iriam esgotar este tema, mas eis

senão quando aquilo que veio a lume me permite dar ao Sr. Ministro Pedro Nuno Santos uma boa notícia. Já

que gosta de holofotes, o Sr. Ministro vai ser guionista dos próximos episódios desta novela do aeroporto.

O Sr. Ministro das Infraestruturas e da Habitação: — Olhe que não sou tão vaidoso quanto o Sr. Deputado!

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Esta novela já tem, realmente, muitas décadas. Num dos últimos

episódios, decidiram, por alguma arte mágica ou divinatória, que havia de ser no Montijo…

Protestos do PS.

… e justificam-no por dois motivos, apenas: é mais rápido e não tem encargos para o erário público. Mas,

Sr. Ministro, não tem encargos para o erário público, porque a Vinci se chega à frente. Portanto, quanto a esse

episódio, estamos esclarecidos sobre os motivos desse namoro.

Depois, já chegámos à conclusão…

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O Sr. Ministro das Infraestruturas e da Habitação: — E isso é de somenos?!

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Não, não! Não é de somenos.

O Sr. Ministro das Infraestruturas e da Habitação: — Ah!

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — É porque, para isso, há um ligeiro pormenor: precisa de alterar a

lei, que obriga à autorização das autarquias respetivas.

Já sabemos esse episódio e também já sabemos o seguinte: vai ser pedida a apreciação parlamentar desse

decreto-lei.

Não sabemos os seguintes episódios. E porque o guionista é o Sr. Ministro, pergunto: vai fazer o quê se a

apreciação parlamentar conduzir a um chumbo dessa alteração na lei e a um chumbo, portanto, da alternativa

Montijo?

O Sr. Ministro das Infraestruturas e da Habitação: — Qual é a sua opinião?!

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Não sei. Qual é a sua?! Estou a fazer-lhe a pergunta, Sr. Ministro.

É o guionista.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço que conclua.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — O Sr. Ministro ainda agora entrou e já precisa de ajuda!

Qual é o guião dessa novela? A batata está nas suas mãos. Faça favor de responder, Sr. Ministro.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Joana Mortágua, do Grupo Parlamentar do Bloco de

Esquerda, para uma intervenção.

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A alteração desta lei foi decidida e

anunciada pela Vinci e vai ser agora executada pelo Governo. O que a alteração diz é que há municípios de

primeira e municípios de segunda. Aqueles que estão de acordo com o projeto são ouvidos, aqueles que estão

contra o projeto serão ignorados. Ou seja, há os municípios do Partido Socialista e os outros. Interesse nacional,

ou interesse partidário? Dir-me-ão.

Sr.as e Srs. Deputados, sabemos que foi o PSD que vendeu a ANA à Vinci. Agora, o que queremos saber é

se o PSD vai defender os interesses da Vinci outra vez, dando uma mão ao Governo.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado André Pinotes Batista, do Grupo Parlamentar do PS,

para uma intervenção.

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sr.ª Deputada Joana Mortágua, peço

perdão, mas não aceitamos essa divisão de pôr os municípios uns contra os outros. Os municípios valem todos

por si.

Risos do BE.

Pode, talvez, ser pela inexperiência autárquica do Bloco de Esquerda, mas não queira compreender nas

minhas palavras aquilo que não foi dito.

Protestos do BE.

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Sr.ª Deputada, deixe-me dizer com clareza, olhos nos olhos, a si e a todos os que estão nesta Casa: não é

a ANA que dita as leis da nossa República. É a Assembleia da República que se pronuncia…

Aplausos do PS.

O Sr. Ministro das Infraestruturas e da Habitação: — Muito bem!

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — … e será à Assembleia da República que caberá tomar uma decisão

num sentido ou noutro.

Vou repetir: o Partido Socialista e o Governo que suportamos são impermeáveis a pressões externas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, pelo Grupo Parlamentar do PSD, o Sr. Deputado Emídio Guerreiro, para

uma intervenção.

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sejamos claros, o PSD não é o foco deste

problema. O PSD, quando esteve no Governo, saiu em 2015 e deixou encaminhada uma solução. Herdou um

memorando e, nesse memorando, estava previsto um conjunto de alienações, entre as quais a da ANA.

A questão que se coloca aqui é a de que, passados quase cinco anos, estamos quase no mesmo ponto. Só

não digo «no mesmo» porque, entretanto, há meia dúzia de meses, finalmente, foi tornado público o Estudo de

Impacte Ambiental, que era uma peça decisiva.

Por isso, estamos perante muito tempo perdido, repito, estamos perante muito tempo perdido e, de facto,

tenho pena que as minhas perguntas não tenham obtido resposta, porque seria importante percebermos o que

aconteceu para que tenhamos chegado a este ponto.

Quem criou esta situação não foi nenhum governo distante, foi este Governo, e é este que tem de a resolver.

E não deixa também de ser sintomático que, ao longo de uma Legislatura, em que até havia acordos firmados,

escritos, funcionando uma coligação neste Parlamento que ficou conhecida como a «geringonça», que viabilizou

o Governo, não deixa de ser sintomático e até um pouco humorístico para nós verificar que, com «a zanga das

comadres, descobrem-se as verdades!» Os senhores estão todos muito zangados uns com os outros. Não

tiveram tempo de se organizar, ao longo de quatro anos, para resolverem este problema que é, de facto, de

fundo? É que a alternativa é nada, e essa responsabilidade deve ser imputada ao Governo e aos partidos que

lhe dão suporte político há cinco anos!

Aplausos do PSD.

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — Passaram-se seis meses e ainda não se sabe qual a posição do PSD!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Pires.

Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quase na reta final deste debate,

percebemos algumas coisas. Por um lado, o PSD diz não ser o foco do problema. Com certeza, mas é a fonte

do problema! Já aqui dissemos que o PSD decidiu fazer a privatização, que foi mais um erro estrondoso para o

nosso País, e por isso é que estamos aqui a fazer este debate. Portanto, falarem de interesse nacional significa

que não deveriam ter avançado para a privatização.

Vozes do BE: — Muito bem!

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Mas no momento em que eram precisas soluções para resolver um determinado

problema, o Partido Socialista falha em toda a linha e avança para uma má solução. E, ao longo de todo este

debate, bem como noutros momentos e noutros debates que temos tido relativamente a esta matéria, o PS tem

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apresentado um argumento que é apenas chantagem, não é um argumento válido, porque significa apenas

continuar a chantagear utilizando um suposto interesse nacional, quando depois não percebe que o que está

aqui em causa é a privatização e é, de facto, a tal não impermeabilização relativamente aos interesses. O Sr.

Deputado do PS está a meter água, porque usou essa expressão duas vezes e já percebemos que se está a

fazer um favor à Vinci e não ao País!

Para finalizar, o que deveria ficar deste debate é que a lei não é alterada em favor de determinados

interesses, e quando falamos de um projeto estratégico, como é esta matéria, não podemos ignorar as

consequências ambientais e de saúde pública, avançando contra tudo e contra todos, contra municípios,

populações e ambiente.

Portanto, fica aqui clara a posição do Partido Socialista. O Bloco de Esquerda não concorda com ela, porque

estamos e sempre estivemos do lado de soluções que respeitem a democracia, que respeitem a lei, que

respeitem o ambiente e que respeitem também o Parlamento.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — A concluir o debate, tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado José Luís

Ferreira, de Os Verdes.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado André Pinotes

Batista, acho que não deveria trazer a conversa do «impermeável» para este assunto. E vou dizer-lhe porquê.

Quem escolheu a localização do aeroporto? Foi o «impermeável». Quem assumiu compromissos com a Vinci

antes de qualquer estudo de impacte ambiental? Foi o «impermeável». Quem se virou para a APA e disse: «Ou

o aeroporto é no Montijo ou não há aeroporto!»? Foi o «impermeável»! Por isso, digo-lhe, Sr. Deputado Pinotes

Batista, é melhor que não traga o «impermeável», porque vai molhar-se, certamente!

Aplausos e risos do PCP.

Além disso, o Sr. Deputado fala em 50 anos e não foi capaz de referir um único estudo que indicasse o

Montijo como sendo uma boa localização. Nem um! É muito «impermeável»!…

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Nem um!

O Sr. Ministro das Infraestruturas e da Habitação: — Está farto de dizer coisas que não são verdade!

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Já agora, Sr. Ministro, eu não disse que eram 10 os municípios que

estavam contra, disse que eram 10 os municípios potencialmente afetados, que são os do distrito de Setúbal e

Benavente. Mas registo que não me tenha dado resposta à pergunta que lhe formulei a propósito da consulta à

Associação Nacional de Municípios quando se alterar esse diploma.

Sr. Ministro, também lhe vou dizer outra coisa: em novembro, o Sr. Primeiro-Ministro disse-nos que iria

respeitar a lei existente, que o processo estava com o regulador e que depois de o regulador decidir é que o

Governo tomaria alguma medida, se tivesse de a tomar. Mas o Governo nem sequer vai esperar pela decisão

do regulador e vê-se mesmo que até vai fazer a alteração antes de a Vinci entregar o processo no regulador,

que é para depois ter o caminho todo aberto, como convém!

A esse propósito, até lhe pergunto o seguinte: o que é que mudou de novembro até agora? Já conseguiram

convencer o PSD, caso seja necessário o diploma ser sujeito a uma apreciação parlamentar? Ou ainda estão

em negociação?

O Sr. Ministro das Infraestruturas e da Habitação: — Ainda não!

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Essa é a única coisa que justifica que, em novembro, o Sr. Primeiro-

Ministro tenha dito uma coisa e que agora o Sr. Ministro diga…

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O Sr. Ministro das Infraestruturas e da Habitação: — Olhe para o Presidente da Câmara do Barreiro, que

está ali!

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Aliás, a propósito do que o Governo quer fazer, ou seja, alterar a lei para

passar por cima dos pareceres do município, faz-me lembrar aquele cidadão que quer estacionar e tem um sinal

que o proíbe. Então, o que faz o cidadão? Tira o sinal do lugar, mete-o na mala do carro e já pode estacionar! É

isto que o Governo está a fazer: desrespeitar completamente as autarquias!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, chegámos ao fim do debate sobre este ponto da agenda de hoje.

Vamos agora entrar no período das declarações políticas.

Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do PAN.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Dedicamos a nossa declaração

política de hoje a um tema que muito tem mobilizado a sociedade civil — a proteção animal —, sociedade civil

esta que não compreende um legislador que tem tardado em dar resposta eficaz a estas matérias.

A dignidade dos animais não humanos, designadamente o seu direito à vida e à integridade física, psicológica

e mental, é hoje um facto incontestável e tem vindo a ser reconhecida de forma transversal na sociedade,

passando pela comunidade científica, académica ou associativa.

Também à luz do quadro legal vigente, os animais já não são considerados «coisas», sendo hoje reconhecido

pelo nosso Código Civil que os animais são «seres vivos dotados de sensibilidade e objeto de proteção jurídica

em virtude da sua natureza».

Isto deveria implicar a criação de um quadro jurídico sólido e de políticas públicas devidamente adaptadas

às suas especificidades, em particular à necessidade de medidas vocacionadas para a sua proteção, ao invés

de permitir exceções incompreensíveis como a tauromaquia, as corridas de cães e de cavalos, o transporte de

animais vivos em condições absolutamente desumanas, entre muitos outros exemplos.

Mais: diariamente, surgem denúncias de maus-tratos e abandono de animais, e aqui não falamos apenas de

cães e gatos, mas também de outras espécies, como os cavalos, que vivem na maior indignidade, sujeitos a

maus- tratos, abandono, privação de comida, entre outros, à vista de todos e sem que nada seja feito. Mas se

para os animais de companhia existe hoje algum nível de proteção, no caso dos restantes animais a lei é

totalmente omissa, fazendo jus à velha máxima orwelliana.

Veja-se que já passaram mais de duas décadas desde que foi aprovada por esta Assembleia a Lei de

Proteção dos Animais, em 1995, pela mão do Deputado António Maria Pereira, que proíbe todas as violências

injustificadas contra todos os animais e não apenas alguns, e o que se verifica é que Portugal tem tardado em

dar resposta à proteção que lhes é devida.

Em sentido oposto, por exemplo, a nossa vizinha Espanha tem criminalizado, já desde aquele tempo, certas

práticas e comportamentos, existindo hoje a punição dos maus-tratos contra todos os animais e não apenas os

animais de companhia.

Volvidos também mais de cinco anos desde a entrada em vigor da Lei n.º 69/2014, que criminalizou os maus-

tratos e o abandono dos animais de companhia, importa revisitar este regime, seja com vista a colmatar as suas

lacunas, para reforçar a proteção dos animais de companhia, seja para o alargar aos demais animais.

As notícias recentes que deram nota do estado em que foram encontrados os cães do cavaleiro tauromáquico

João Moura vieram colocar novamente o foco nos crimes contra os animais de companhia, expondo a realidade

cruel a que muitos animais são sujeitos no nosso País perante a inércia das autoridades competentes, em

particular da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária. Recorde-se que, no caso de João Moura, este

mantinha na sua quinta vários cães da raça Galgo com sinais evidentes de subnutrição. Os mesmos foram

apreendidos pelos órgãos de polícia criminal e encaminhados para associações de proteção animal, as únicas

que foram capazes de dar resposta a estes animais, sendo que dos 18 animais resgatados um não resistiu e

acabou mesmo por falecer. Foi o próprio veterinário municipal quem afirmou que, apesar de os animais

pertencerem a uma raça magra, aqueles em particular estavam abaixo de um peso aceitável.

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Casos como este de João Moura e dos seus animais não são, infelizmente, uma exceção; são, sim, uma

realidade presente em todo o nosso País. Todos os dias se conhecem exemplos de extrema crueldade para

com animais de companhia. Veja-se, por exemplo, o caso da cadela Roxi, que foi morta e esquartejada pelo ex-

companheiro da sua detentora, numa clara demonstração de como o fenómeno da violência contra animais está

intimamente ligado à violência contra pessoas. Ou o caso do cão Simba, em 2016, morto a tiro por um vizinho

e cuja morte valeu ao seu agressor uma irrisória multa de menos de 2000 €. Ou, mais recentemente, o caso da

cadela que foi esventrada pelo seu próprio detentor, que teve apenas a aplicação de uma pena suspensa!

A maioria dos processos tem merecido não mais do que o arquivamento ou a absolvição dos arguidos. A

verdade é que, não obstante o número de acusações deduzidas por crimes contra animais de companhia não

parar de aumentar, tal aumento não se traduz em concretas e efetivas condenações. Isto é apenas o sinal da

sensibilidade crescente para a problemática dos maus-tratos a animais, mas também da gravidade e presença

do fenómeno da violência contra os animais, mas tal aumento não tem correspondência no número de decisões

condenatórias proferidas. As absolvições, por exemplo, passaram de 18%, em 2017, para 44%, em 2018.

Temos, de facto, de ir mais longe e alargar a tutela penal à proteção dos restantes animais, não podemos

continuar a ignorar os maus-tratos a que são sujeitos, permanecendo de olhos fechados para esta realidade.

Aqui tomo de empréstimo as palavras de Milan Kundera que, em A Insustentável Leveza do Ser, referiu: «O

verdadeiro teste moral da humanidade — o mais radical, num nível tão profundo que escapa ao nosso olhar —

são as relações com aqueles que estão à nossa mercê: os animais. É aí que se produz o maior desaire e desvio

do ser humano, derrota fundamental da qual decorrem todas as outras».

Esperamos, por isso, defraudar as palavras de Milan Kundera e que também esta Assembleia não cometa

este desvio, um desvio moral que muito tem sacrificado e penalizado os animais, tão frequentemente esquecidos

pelo nosso País.

Sr.as e Srs. Deputados, deram já entrada duas iniciativas do PAN tendentes a assegurar uma maior defesa

e proteção dos animais. Uma delas, o Projeto de Lei n.º 183/XIV/1.ª, visa reforçar o regime sancionatório

aplicável aos animais de companhia e alargar a proteção aos animais sencientes vertebrados; a outra, o Projeto

de Lei n.º 219/XIV/1.ª, determina a proibição das corridas de cães, mais conhecidas por «corridas de galgos».

Trata-se, assim, de duas iniciativas que se revestem da maior pertinência e atualidade, pelo que resta saber

se os Srs. Deputados vão estar disponíveis ou não para acompanhar estas preocupações do PAN e da

sociedade civil, a fim de garantirmos a proteção devida aos animais, o que acreditamos ser, de facto, da mais

elementar justiça.

Aplausos do PAN.

Entretanto, assumiu a presidência o Vice-Presidente António Filipe.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, a Mesa regista cinco inscrições para pedidos de esclarecimento.

Como pretende responder?

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Responderei em duas rondas, Sr. Presidente, uma de três pedidos de

esclarecimento e outra de dois.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem, então, a palavra, a Sr.ª Deputada Mariana Silva para formular o

primeiro pedido de esclarecimento.

A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, as

preocupações em torno do bem-estar animal têm estado na agenda da intervenção de Os Verdes ao longo dos

anos através das diversas iniciativas legislativas apresentadas nesta Assembleia.

Desde a construção da Lei de Bases da Proteção Animal, na distante VII Legislatura, que, ao longo do tempo,

Os Verdes deram prioridade a projetos para combate a violência, a criminalidade e a exploração dos animais.

Portanto, o Parlamento tem vindo, ao longo dos anos e das diversas legislaturas, a criar legislação importante

no que se refere ao bem-estar animal. E se é verdade que o Parlamento não acordou recentemente para as

questões em torno do bem-estar animal, também é verdade que se trata de um caminho que, na perspetiva de

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Os Verdes, importa continuar a trilhar, mas que não pode deixar de lado uma avaliação sobre algumas das

consequências práticas do que se tem legislado.

Os Verdes continuam a afirmar que se a Lei da Proteção dos Animais não for acompanhada de fortes

programas de sensibilização, quer para as autoridades, quer para as pessoas detentoras de animais, não

seremos capazes de evoluir.

Como ecologistas, acreditamos sempre na educação e na sensibilização dos cidadãos, mas quando falham

essas campanhas e esses programas de sensibilização, quer seja nas escolas, nos órgãos de poder local —

mais próximos das populações — e nos órgãos de comunicação social, podemos continuar a agravar as penas

que algo vai sempre falhar.

Para Os Verdes, importa que a sociedade conheça com algum detalhe os efeitos práticos da aplicação das

leis mais recentes para o bem-estar animal — que dificuldades se possam estar a sentir na sua aplicação, que

outros problemas se estão a enfrentar, que reforço de meios humanos e técnicos se fez —, de modo que se

perceba se estão a ser cumpridos, ou em que medida estão a ser cumpridos os objetivos a que estas leis se

propõem. É urgente tomar medidas para o acompanhamento da síndrome de Noé, por exemplo, tal como

repensar políticas ou medidas para o acompanhamento dos cães vadios e assilvestrados.

Há ainda muito caminho por fazer, mas, enquanto a educação ambiental não for uma realidade nas escolas

portuguesas, vamos sempre enfrentar problemas nesta área. Não concorda, Sr.ª Deputada?

O Sr. Presidente (António Filipe): — Também para pedir esclarecimentos, tem agora a palavra o Sr.

Deputado Pedro Delgado Alves.

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Inês Real, começo

por lhe dar nota de que, em certa medida, a sua intervenção tem muito mais que ver com o agendamento da

próxima semana sobre estas temáticas, onde poderemos, de facto, discutir que medidas adotar e melhorar em

matéria de criminalização de maus-tratos a animais de companhia, do que propriamente com uma declaração

política.

Quanto aos aspetos que referiu, penso que a sua intervenção foi um pouco injusta, porque fez uma análise

de «copo meio vazio», em vez de olhar para um conjunto muito significativo de medidas que, nas últimas duas

Legislaturas, incidiram: na alteração do Código Civil, consagrando os animais como tendo natureza jurídica

distinta das coisas; na alteração, por duas vezes, do Código Penal em relação a esta matéria; na proibição da

utilização de animais selvagens nos circos; na proibição de abates em canis; nas regras sobre compra e venda

de animais. Além disso, permita-me que lhe diga que também há alguma injustiça na forma como aborda o

trabalho que as forças de segurança, como a GNR (Guarda Nacional Republicana), a PSP (Polícia de Segurança

Pública) e as autarquias locais têm desenvolvido no que diz respeito à sensibilização, à prevenção e à repressão

das atividades criminosas que acabam por produzir os seus efeitos junto dos animais de companhia.

De facto, o debate passa por dar condições para que a lei seja aplicada, o que significa revisitar a lei e

ultrapassar os problemas técnicos que ela enfrenta. Mas isto não significa aumentar as molduras penais, porque

fazê-lo sem olhar para o resto da ordem jurídica e sem ponderar como os bens jurídicos protegidos pelo direito

penal devem ser acautelados levar-nos-ia a resultados que, seguramente, acharíamos contraditórios. Não

podemos colocar a proteção do bem-estar animal de forma diferente e tratá-la acima daquela que é a proteção

que, por vezes, é dada a pessoas e a bens, desconsiderando o resto da ordem jurídica e do Código Penal. Por

isso, custa-nos olhar para o debate pensando que, aumentando as molduras penais, vamos resolver todos os

problemas, quando, na realidade, assim não seria. Além disso, também é estranho que diga que, alterando a

lei, vamos aumentar as condenações. Ora, esse papel não é do Parlamento, é dos tribunais, e, se há mais

absolvições, é porque não houve produção de prova suficiente para assegurar a condenação.

Portanto, como digo, este debate, essencialmente, far-se-á na próxima semana, em torno de clarificações do

regime do Código Penal. O Partido Socialista estará presente nesse debate, procurando precisamente olhar

para aquilo que falhou na legislação e que pode ser melhorado, clarificando que a morte do animal também é

sancionável, tratando da punibilidade da tentativa e da clarificação do regime da negligência, agravando as

molduras — aí, sim, quando elas se justificam — em função do resultado, melhorando o quadro de sanções

acessórias, clarificando a situação da errância e tendo medidas cautelares de proteção. Mas esse é um debate

de natureza legislativa, que não se deve confundir com aquilo que…

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O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Muito obrigado, Sr. Presidente. Vou concluir.

Como dizia, esse debate não se deve confundir com o reagir a quente a notícias que nos chocam a todos,

que todos repudiamos, mas para as quais a ordem jurídica portuguesa, desde 2014, tem uma resposta muito

clara.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra o Sr. Deputado António Ventura também para pedir

esclarecimentos.

O Sr. António Ventura (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real,

o PSD é a favor do bem-estar animal e repudia qualquer violência contra os animais. Aliás, nesta matéria, fomos

e continuamos a ser pioneiros. Já demos entrada, neste Parlamento, de um projeto de lei que permite punir com

uma pena até 3 anos de prisão quem mate um animal de companhia e, em 2013, construímos a Lei n.º 69/2014,

alterando o Código Penal para punir os maus-tratos aos animais de companhia. Portanto, o PSD é pioneiro

nesta questão, não se esquece e tem preocupação, mas que não é uma preocupação exagerada, porque há

prioridades, que são as pessoas e não os animais, e o PSD não inverte as prioridades.

Gostava de ter visto o PAN utilizar o mesmo tempo que utilizou, na tribuna, para falar das pessoas. Gostava

de o ter ouvido falar, por exemplo, daquele português que morreu no serviço de urgência, à espera de ser

atendido. Gostava de ter ouvido o PAN falar dos 600 000 portugueses que não têm médico de família ou do

apoio aos idosos. Não, o PAN fala da cadela Roxi e do cão Simba. E o que dizer ao José e à Maria, que estão

em casa, há anos, à espera de uma operação cirúrgica?! Ou, então, o que dizer da escola que o seu filho

frequenta, a qual não tem funcionários?!

A ideologia do PAN é uma e só uma: tentar acabar, através da lei, com a produção pecuária, em Portugal.

Risos do PAN.

É isso que pretende o PAN: acabar com a produção pecuária, acabar com o mundo rural, acabar com anos

de tradição em Portugal. Não temos qualquer dúvida! Portanto, o PAN só fala sobre animais, esquecendo as

pessoas.

O PSD não esquece as pessoas, não deixando de se preocupar, também, com os animais. Portanto, vemos

com grande preocupação o extremismo e o populismo do PAN, que utiliza um episódio mau de maus-tratos a

animais para fazer vingar a sua ideologia, pondo os animais à frente das pessoas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real para responder a

este primeiro grupo de pedidos de esclarecimento.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, gostaria de começar precisamente pela última

intervenção, porque o Sr. Deputado António Ventura labora em equívoco. É que, quando falamos de animais

que são sujeitos a violência, também estamos a falar de pessoas, porque, quando os animais estão em risco,

as pessoas também estão em risco, Sr. Deputado.

Quanto ao caso da cadela Roxi, gostaria de saber o que é que o Sr. Deputado diria à detentora deste animal,

que era vítima de violência doméstica e que foi obrigada a presenciar esses atos contra o próprio animal como

forma de agressão a si própria.

Quando falamos de proteger os animais, também estamos a falar de proteger pessoas. Quando falamos de

sentenças transitadas em julgado em que é dado como provado que houve crianças obrigadas a matar os

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próprios animais de companhia e dizemos que é preciso reforçar o quadro de proteção dos animais, também

estamos a falar de pessoas.

O Sr. André Silva (PAN): — Isso não interessa para nada!

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Mas podíamos estar a falar só de animais, Sr. Deputado, porque, em

pleno século XXI, a proteção animal também faz parte dos valores humanitários que nos devem preocupar a

todos.

A Sr.ª Cristina Rodrigues (PAN): — Muito bem!

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Compreendo que o Sr. Deputado não o saiba. Aliás, o Sr. Deputado

tem interesses na pecuária,…

O Sr. André Silva (PAN): — Tem interesses e não os regista!

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — … pelo que não deveria sequer estar a defender aquilo que acabou de

defender.

Em relação à intervenção do Sr. Deputado Pedro Delgado Alves, do PS, há, de facto, uma mundivisão que

nos diferencia. Além de acharmos que a matéria que trouxemos a debate não se esgota nos projetos que vamos

discutir na próxima semana, mas que há, sim, um debate político que tem de ser feito a respeito da forma como

os animais são tratados no nosso País — e foi disso que falámos hoje —, há que clarificar o regime existente

atualmente. Não só este regime não tem aplicabilidade devido à dificuldade de aplicar os conceitos, como não

podemos concordar em relação à moldura penal, Sr. Deputado, porque, se eu, hoje, danificar o seu telemóvel,

o crime e a moldura penal são mais graves — e bem sabe disso — do que se eu maltratar a sua cadela.

Portanto, tendo em conta a colisão de bens jurídicos aqui presente, o PAN apresentará uma iniciativa na

próxima semana e cá estaremos para a debater. Há, de facto, um debate que tem de ser alargado e não nos

inibiremos de clarificar aquela que consideramos ser uma matéria da maior dignidade.

Sr.ª Deputada Mariana Silva, relativamente ao que referiu, apesar de existir legislação no nosso País, como

referi, por ser bastante dispersa, parece uma manta de retalhos. Não só tem de haver uma avaliação —

concordamos e compreendemos a bondade dessa iniciativa —, como também é urgente revisitarmos o regime

atualmente em vigor. Não podemos continuar a deixar impunes crimes contra animais que têm chocado e

consternado todo o País. Hoje, pontapear um cavalo não tem qualquer dignidade penal, mas pontapear um

animal de companhia já poderá ter. Portanto, esta incoerência do nosso ordenamento jurídico tem de ter,

finalmente, uma resposta por parte do julgador. Não confundimos isto, por exemplo, com «acumulação», que é

um caso legítimo que deverá ser retratado em sede própria, num grupo de trabalho.

Além de haver, obviamente, uma necessidade de revisitar estas alterações, há também procedimentos que

devem facilitar a atuação das próprias autoridades. O processo penal nunca foi revisto e esta é uma das

diferenças que iremos debater na próxima semana. A verdade é que, se para os animais de companhia existe

esta proteção, para os restantes nada existe. Ora, não podemos continuar a ter um País «sem rei nem roque»

em relação aos maus-tratos a animais de companhia ou a animais de qualquer espécie.

Aplausos do PAN.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Vamos prosseguir com os pedidos de esclarecimento.

Para o efeito, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Manuel Rola.

A Sr.ª Maria Manuel Rola (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, estamos a falar de uma alteração

legislativa necessária, que vem de um avanço bastante importante relativamente aos maus-tratos a animais.

Esse avanço foi conseguido em 2014 e permite que, por exemplo, hoje, falemos do crime de maus-tratos a

animais pelo qual foi detido o cavaleiro tauromáquico João Moura Dias.

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Agora percebe-se que este avanço, que foi garantido há cinco anos, necessita de aprofundamento. Temos

trabalhado e temos alertado para isso nas últimas legislaturas, até porque estamos a falar numa perspetiva de

agressividade e violência. Estamos a falar não apenas de uma questão de bem-estar animal, mas também da

forma como a sociedade encara este tipo de tratamento dos animais. A proteção contra a agressividade e a

violência deve ser tida em conta para todos os animais, em qualquer circunstância.

A definição destes conceitos, do rigor da lei e da sua melhor aplicação deve ser, de facto, garantida. Aliás,

há pareceres, quer das entidades que aplicam a lei, quer do Ministério Público, que defendem estas alterações

para que haja maior rigor na possibilidade de aplicar a lei. Isto compete-nos a nós, Assembleia da República, é

verdade, e irá ser discutido na próxima semana. Não podemos é funcionar em equívoco e dizer que, no caso de

João Moura Dias — e noutros casos, relativamente a animais de companhia —, este comportamento já não é

punível. É, sim, punível, deve ser punível e devemos trabalhar no sentido de garantir que esta punição é levada

a cabo.

O que é preciso é perceber que maioria temos na Assembleia da República. Sabemos quais são os partidos

que têm trabalho neste sentido e que têm apresentado projetos de lei para avançar, de forma a garantirmos que

os conceitos, o rigor e o bem-estar animal passam a ser uma preocupação de todos os grupos parlamentares e

não apenas das mesmas bancadas. O Bloco de Esquerda e o PAN têm-no feito com bastante afinco e têm tido

o acompanhamento de outros grupos parlamentares, mas, de facto, já lá vão cinco anos e presumo que a Sr.ª

Deputada anua em avançar com uma revisão da lei dos maus-tratos a animais.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Alma Rivera também para pedir

esclarecimentos.

A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Sr. Presidente, é evidente que aquilo que veio a público nesta semana nos

chocou a todos, e o PCP acompanha as preocupações que se levantam perante situações de maus-tratos a

animais.

A verdade é que as medidas tendentes a combater os maus-tratos e o abandono devem ser eminentemente

preventivas. Em vez disso, adotou-se a via da criminalização, sem dar passos no sentido da elevação da

consciência social e ambiental, tendente a uma relação harmoniosa entre o ser humano e o meio envolvente,

particularmente com os animais.

A via penal parece legitimar a falta de ação a montante do problema dos maus-tratos e manifesta-se

notoriamente ineficaz. Independentemente disso, estamos convencidos de que o quadro legal existente se irá

aplicar no caso concreto aqui referido pelo PAN.

É consensual a necessidade de censura social e legal de comportamentos que maltratem os animais, mas

isso tem de ser feito responsabilizando, em primeiro lugar, o Estado, que deve criar uma cultura de respeito

pelas restantes formas de vida, prevenir e fiscalizar situações indignas.

Por isso, o PCP tem procurado intervir naquilo que nos parece realmente determinante e eficiente: assim foi

com os centros de recolha animal, uma proposta do PCP, que continuamos a acompanhar, com atenção às

suas insuficiências; foi assim com o fim do abate indiscriminado nos canis; é assim com a proposta de alargar a

esterilização como principal forma de diminuir a população de animais errantes; foi assim com os animais em

parques zoológicos e com os que são utilizados em espetáculos, em que se adotou legislação que espera agora

regulamentação do Governo.

São precisas respostas do domínio público, nomeadamente dos veterinários municipais, garantindo não só

que estes se constituam como autoridades sanitárias concelhias, mas também que as famílias tenham

condições de levar os seus animais ao veterinário. São necessárias medidas e ações, no plano educativo e

pedagógico, de promoção do bem-estar animal e da preocupação com o ambiente. São precisos meios para

garantir que a legislação que existe é cumprida, nomeadamente ao nível do INIAV (Instituto Nacional de

Investigação Agrária e Veterinária), da DGAV, do ICNF (Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas)

ou do SEPNA (Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente).

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Questionamos se estão disponíveis para avançar na consciencialização, prevenção e fiscalização,

reforçando os meios para tal, em vez de chutar o problema para o Código Penal. O que nos move é evitar os

maus-tratos, não agir posteriormente, quando o mal já está feito, e para isso o PAN não tem soluções.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, tem a palavra para responder.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, começaria por responder à Sr.ª Deputada Maria Manuel

Rola, dizendo que, de facto, tem sido feito um trabalho no sentido de reforçar esta matéria. Também damos nota

positiva ao projeto que o Bloco apresentou entretanto, tal como o PAN, no sentido de alargar a criminalização

dos maus-tratos a outros animais que não apenas os de companhia. Esperamos que, efetivamente, os restantes

partidos políticos nos acompanhem neste desiderato.

A forma como a sociedade se organiza e procura combater determinados fenómenos, como o da violência,

diz muito a respeito daquilo que é o nosso estado evolutivo. Portanto, a violência, seja ela contra pessoas ou

contra animais, é um problema de saúde pública e é, por isso, um problema que tem de ser olhado com

seriedade por parte da Assembleia da República.

Como a Sr.ª Deputada Maria Manuel Rola referiu também, há várias entidades que concordam com estas

alterações, desde o Conselho Superior de Magistratura ao Conselho Superior do Ministério Público. Queria

clarificar também que há pouco, quando referi o caso de João Moura, não o fiz no sentido de que a lei não se

lhe aplique, antes pelo contrário, mas sim de ter vindo a expor e deixar aqui a nu uma realidade extremamente

cruel, que tem passado impune no nosso País e sem qualquer fiscalização.

Sr.ª Deputada Alma Rivera, relativamente às perguntas que colocou, nomeadamente sobre a função

preventiva, não posso deixar de referir que o Direito Penal também cumpre essa função e, contrariamente àquilo

que o PCP invocou agora mesmo, o PAN traz soluções para a proteção animal no nosso País. Aliás, recordo

que foi precisamente o PAN que veio trazer, pela primeira vez, à agenda política e colocar na ordem do dia estas

preocupações.

A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Não é verdade!

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Mais: a Sr.ª Deputada também referiu há pouco que se proibiram os

abates nos canis municipais. Foi uma petição, uma iniciativa legislativa de cidadãos, que recolheu mais de 80

000 assinaturas, que promoveu esta alteração legislativa.

O PCP arrastou esta iniciativa, mas seja dado crédito a quem de direito, que foram as associações que se

mobilizaram e que tantas vezes se têm substituído ao Estado no nosso País.

A Sr.ª Cristina Rodrigues (PAN): — Muito bem!

Protestos do PCP.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — De facto, para isso o PAN está presente, e aquilo que esperamos é

que possamos trabalhar em conjunto para que esta Casa, de uma vez por todas, consiga olhar para este tema

com a seriedade que ele nos merece. Não faz qualquer sentido que existam atos de extrema violência e

crueldade praticados no nosso País e que continuemos a fechar os olhos. A vizinha Espanha tem hoje um

Código Penal que criminaliza todas as condutas contra animais, sejam eles de companhia ou não. Por isso, não

percebemos como não conseguem entender que, de facto, o Processo Penal e o Direito Penal têm um fim muito

importante no nosso código de Direito e na nossa sociedade.

Aplausos do PAN.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem agora a palavra, para uma declaração política, o Sr. Deputado

Ascenso Simões.

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O Sr. Ascenso Simões (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Podemos fazer vida política seguindo

pela via do lamento ou olhando de frente os problemas que temos de resolver.

As questões do interior, do desenvolvimento de dois terços do nosso território, foram ficando longe das

principais decisões, confirmam um país deslaçado, a caminho da desertificação e do despovoamento.

A pergunta que se coloca é muito simples: os muitos investimentos em rodovia, em equipamentos educativos,

em oferta para a terceira idade ou em qualidade urbana, foram suficientes para segurar as pessoas nesse tal

país dos territórios deprimidos? A resposta não carece de confirmação científica, ela é sentida intuitivamente:

não, não foram.

O que fará com que se regresse à ocupação humana do território? A resposta exige cuidados e deve ser

olhada sem demagogia.

Há quem diga que só a cidade liberta. E no global de hoje a leitura sobre a cidade é realmente difusa. O que

se passa nos territórios deprimidos do nosso País é a sensação de terem passado a ser jardim, mas não de

fazerem futuro.

Entre Bragança e Faro, só um concelho tem perto de 100 000 habitantes, o de Viseu. Ora, se considerarmos

que um território só consegue ser equilibrado se contemplar âncoras de desenvolvimento — e essas âncoras

são urbes que comportem acima de 75 000 habitantes, que disponham de uma diversidade de atividades e

respostas que compreendam a fixação de elites e a existência de oferta de emprego diversificada —, nenhum

dos outros concelhos do interior parece poder garantir o futuro.

Este é o cenário e este é o desafio — ninguém nos perdoará se, nesta década em que entrámos, não fizermos

tudo para que Portugal volte a ser um país equilibrado, agora já não equilibrado populacionalmente mas pobre,

mas equilibrado e com oportunidades para todos, onde quer que se encontrem.

Sr. Presidente, o quadro incerto em que vivemos carece de política e de políticos que a saibam implementar.

A coisa pior que poderíamos fazer era construir políticas para o interior com a cabeça feita de centralismo, a

mente pejada de ideias feitas de um certo neocolonialismo e uma espécie de novas campanhas de alfabetização.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça Mendes (PS): — Muito bem!

O Sr. Ascenso Simões (PS): — Seria dramático esse caminho. Há políticas que só podem ter sucesso a

prazo se forem agarradas ao poder criador e crítico das regiões, sendo esse o maior engulho de todos os que

enfrentámos.

O tempo que vivemos recomenda que não se avance ainda com o novo processo de regionalização. E os

próximos tempos devem questionar-nos sobre o tipo de descentralização que queremos fazer olhando os

territórios tão díspares e com dimensões tão opostas. Mas não poderemos deixar de apostar na proposta política

do Governo de inaugurar um novo processo de afirmação regional a partir das Comissões de Coordenação

Regional.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça Mendes (PS): — Muito bem!

O Sr. Ascenso Simões (PS): — A eleição pelos autarcas não é, em si, o ovo de Colombo, mas pode ser a

nova etapa de um poder mais próximo, mais justo e mais capaz.

Aplausos do PS.

Também não podemos menosprezar a proximidade do Governo aos territórios. A existência de claras

agendas sectoriais, como as que se perspetivam nos próximos dias no Nordeste Transmontano, é

absolutamente essencial. Estamos em presença de uma leitura única sobre o País, uma governação retirada

dos processos castradores dos centros de decisão.

Todos repararam na mudança de postura governativa. Em todos os concelhos tem de haver serviços

essenciais: tribunais, conservatórias, serviços de finanças, escolas da rede nacional, serviços de saúde de

proximidade, serviços de apoio social locais, extensão agrária e de apoio animal, serviços postais garantidos

pela concessionária e com qualidade e serviços financeiros garantidos pelo banco público.

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Aplausos do PS.

Tudo isto tem de ser garantido e vai ao arrepio das decisões de governos anteriores onde o critério foi sempre

o económico. O País fica a dever ao atual Governo esta relevante inversão de prioridades a que estamos a

assistir.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça Mendes (PS): — Muito bem!

O Sr. Ascenso Simões (PS): — Mas há ainda outro e novo caminho. Os quatro dd que o Governo assumiu

— demografia, desigualdades, descarbonização e digitalização — assentam como uma luva nos desafios que

se colocam ao País que queremos salvar.

Já falei da necessidade de fazermos tudo para que possamos construir cidades com mais de 75 000

habitantes no espaço de 15 anos, para além de Viseu, essa já uma grande cidade.

Já falei da necessidade de se criarem empresas e empregos de elevada exigência técnica e científica, porque

só assim se reduzem as desigualdades mais gritantes. E falo agora do imenso potencial agrário e florestal para

os mercados de CO2 e dos recursos energéticos do interior que não podem resultar numa perspetiva mineira

como aconteceu no Estado Novo. E há, ainda, uma outra obrigação que aqui deve ser assumida: o país interior

terá de passar, com urgência, do 3G para o 5G, condição determinante para a competitividade.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, há decisões relevantíssimas que importa sempre assinalar. A terceira e mais significativa

redução das portagens nas autoestradas do interior, hoje anunciada, é uma medida determinante, essencial

para o desenvolvimento do País e que deve ser saudada aqui. Ela mostra que há um caminho. O Governo soube

interpretar o sentir dos que teimam em não rumar às grandes cidades. Portugal pode continuar a garantir-se

melhor, mais equilibrado e mais justo seguindo este caminho.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Estão inscritos quatro Deputados para pedirem esclarecimentos.

Entretanto, o Sr. Deputado Ascenso Simões informou a Mesa que vai responder em conjunto.

Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Silva.

A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Ascenso Simões, ao

longo de décadas as políticas têm sido contrárias às reais necessidades do interior, evocando os défices,

tratados orçamentais e pactos de estabilidade, entre outros argumentos de cariz meramente economicista.

O desinvestimento em infraestruturas e equipamentos, o encerramento de serviços públicos, como escolas,

centros de saúde, zonas agrárias, postos de forças de segurança, estações dos CTT, tribunais, a falta de apoio

à agricultura, em particular à agricultura familiar, e a tantos outros serviços associados à reduzida e inexistente

oferta de transporte público coletivo e à aplicação de portagens nas ex-SCUT, têm servido para empurrar as

pessoas para os grandes centros urbanos, em particular para o litoral.

Sr. Deputado, a questão central é esta: quantos serviços públicos vão abrir? A presença de pessoas no

mundo rural e as suas atividades são o garante da gestão deste território e de prevenção de incêndios, que têm

assolado o nosso País em resultado das alterações climáticas associadas ao desordenamento e ao abandono

do território, bem como às crescentes e extensas áreas de monocultura de eucalipto, ligada aos interesses das

celuloses.

Continuamos a não ver investimentos nos serviços públicos e apoios às micro e pequenas empresas, à

agricultura familiar. O interior não tem sido visto como um espaço de valorização, mas como, sobretudo, um

espaço de exploração e de delapidação, como foi o caso da construção de barragens em benefício das

empresas elétricas ou agora, com a grande pressão para a mineração do interior para explorar nomeadamente

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o lítio, ficando os impactos económicos, sociais e ambientais negativos para as populações locais, mesmo que

essas populações se oponham a estes projetos.

O Governo faz bandeira com alguns apoios para quem for trabalhar para o interior. Embora estes incentivos

sejam importantes, não podem escamotear o cerne da questão, que passa por garantir, indubitavelmente, as

condições dignas para quem sempre viveu no interior e tem contribuído para a sua dinâmica e para a sua

manutenção e valorização.

Por isso, Sr. Deputado, deixo-lhe mais questões.

Em primeiro lugar, que medidas irá implementar o Governo, a curto e médio prazo, para a concretização do

estatuto da agricultura familiar?

Em segundo lugar, é essencial aumentar e melhorar a oferta de transportes públicos coletivos no interior,

oferta essa diminuta e quase inexistente. Que medidas vão ser implementadas para aumentar a oferta de

transporte público no interior do País?

E, já agora, Sr. Deputado, dado que falou de Viseu,…

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem de concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Estou mesmo a concluir, Sr. Presidente.

Já que o Sr. Deputado Ascenso Simões falou de Viseu, pergunto-lhe: quando iremos ver o hospital de Viseu

em condições para estas pessoas que lá vivem?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Entretanto, inscreveu-se mais um Deputado para pedir esclarecimentos.

Tem, de seguida, a palavra o Sr. Deputado José Maria Cardoso.

O Sr. José Maria Cardoso (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, é, sem dúvida, um Partido

Socialista que desistiu da regionalização que hoje nos traz aqui um conjunto de medidas um tanto ou quanto

avulsas, o que é próprio de quem não entende a regionalização como a possibilidade de fazer as correções de

que todos temos conhecimento e que são reconhecidas na totalidade.

E o Partido Socialista aparece-nos com duas questões que convém registar como dados. Primeiro, o valor

simbólico de se fazer um Conselho de Ministros em Bragança como se isso, por si só, fosse importante, que

não é, se não for acompanhado de devidas medidas. E essas medidas têm de assentar de uma forma articulada.

Também não é dizerem-nos que se faz uma redução das tarifas da portagens nas autoestradas — ou nas SCUT,

melhor dizendo —, mas é, sem dúvida alguma, caminhar cada vez mais para a redução da totalidade dessas

mesmas portagens, porque é isso que devia ser defendido e é com isso que o Partido Socialista se devia

comprometer. Por outro lado, trata-se de um conjunto de medidas que já faziam parte do programa de

valorização do interior e, que, até hoje, nunca foram implementadas.

Pergunto, pois, ao Sr. Deputado Ascenso Simões se acha ou não que é tempo de restituir serviços. No

decorrer deste século, foram retirados serviços a estas populações, desde escolas, centros de saúde, balcões

da Caixa Geral de Depósitos, entre outros serviços públicos. A minha pergunta é a seguinte: é ou não intenção

do Partido Socialista restituir e repor estes serviços? Até porque nós, Bloco de Esquerda, apresentámos aqui,

na semana passada, um programa de reabertura de serviços públicos que foi chumbado pelo Partido Socialista.

Na realidade, essa iniciativa servia de alavanca para a recuperação de muito do que são os motivos e os

estímulos para se criarem condições de forma a que muitas pessoas voltem a estes territórios.

Houve ainda outro projeto que aqui apresentámos, sobre o plano estratégico de desenvolvimento do interior,

que foi chumbado pelo Partido Socialista. É um projeto que não tem a ver com medidas avulsas nem com

medidas circunstanciais, mas com um plano integrado que põe em questão aquilo que é necessário fazer-se

para, por um lado, se recuperarem estes espaços e, por outro lado, para se inovar, criar e ter medidas que vão

responder concretamente às necessidades.

Por exemplo, qual é o papel das cidades médias como forma intermédia e intermediária entre os grandes

centros e os centros de baixa densidade? Qual é o papel que muitas destas cidades e muitas destas localidades

podem ter para participarem ativamente no desiderato, lógico e evidente, da descarbonização, da necessidade

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de se criar uma transição? Está ou não o Partido Socialista na disposição de criar, por um lado, uma transição

energética e, por outro, agroflorestal capaz de responder à necessidade de criação de um novo paradigma, para

o qual é importante que estes territórios contribuam, criando condições para se viver de uma forma mais digna?

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Dias.

O Sr. João Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Ascenso Simões, perante a declaração política que

aqui nos produziu, confirma-se, mais uma vez, aquilo que o PCP há muito identifica: que o PS e o seu Governo,

à semelhança de décadas de política de direita, continua no caminho de políticas avulsas para o interior.

Aquilo de que o interior e o mundo rural precisam, mais do que medidas avulsas e isoladas, como aqui nos

falou, é de uma estratégia que aponte para o desenvolvimento dos setores produtivos, de serviços públicos de

qualidade, de transportes e de acessibilidades em condições, de emprego e de direitos para fixar a população

e permitir o desenvolvimento equilibrado dos territórios e pela falta de propostas que verdadeiramente

respondam às necessidades do interior não temos ido lá.

Pela parte do PCP, temos feito o nosso trabalho. Das inúmeras propostas que apresentámos, dou-lhe como

exemplo a concretização da regionalização; o apoio às micro, pequenas e médias empresas; o apoio à

agricultura familiar; o investimento nos serviços públicos, que são um instrumento fundamental de concretização

de direitos sociais, sem os quais não é possível desenvolver o País.

Estas são medidas, a terem sido aprovadas, criariam condições de desenvolvimento efetivo das regiões mais

desfavorecidas. E só não foram aprovadas porque o PS não quis, dado que dispunha e dispõe de condições

políticas e económicas para tal.

O Sr. Deputado veio aqui falar de um processo de descentralização assente nas CCDR. Ao longo de décadas,

temos ouvido falar que as CCDR são um passo para a regionalização, mas o que, na verdade, elas são é um

obstáculo à efetiva regionalização. Aliás, na semana passada, o PS teve oportunidade de aprovar a verdadeira

política de desenvolvimento equilibrado do território — a criação das regiões administrativas — e, veja-se lá,

votou contra!

No que respeita às micro, pequenas e médias empresas, que representam a maioria do tecido empresarial

do interior, o que elas reclamam é que se baixem os custos dos fatores de produção, desde logo os custos com

a energia. E, veja lá, Sr. Deputado, perante a proposta do PCP de reduzir o IVA da energia para 6%, o que traria

uma baixa efetiva dos preços da eletricidade com a consequente melhoria na qualidade de vida das populações

e também com vantagens para a tesouraria das empresas, como é que se posicionou o PS? Votou contra! É

caso para dizer: o PS mais quer parecer do que ser, efetivamente, defensor da coesão territorial.

Pergunto, Sr. Deputado Ascenso Simões: como é que justifica que, quando o PCP apresenta propostas e

medidas verdadeiramente promotoras da coesão territorial, o PS vote contra?

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira terminar, Sr. Deputado.

O Sr. João Dias (PCP): — Termino, Sr. Presidente, perguntando ainda: como é que o PS quer promover o

desenvolvimento do interior sem medidas e apoios, sem serviços e sem investimentos públicos que faltam há

tantos anos?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge

Mendes.

O Sr. Jorge Salgueiro Mendes (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Ascenso Simões, o nível de

assimetrias regionais que Portugal apresenta não é próprio de um país desenvolvido e grande beneficiário dos

fundos de coesão da União Europeia, e isso é um dos maiores insucessos da nossa democracia.

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Nesta como em outras matérias assistimos à criação pelo Governo de uma multiplicidade de programas —

programas de valorização do interior — com medidas avulsas, genéricas e com soluções insuficientes que não

têm invertido o fosso entre o litoral e o interior.

O Governo do Partido Socialista criou, em cinco anos, uma unidade de missão, convertida, primeiro, em

secretaria de Estado e, agora, em ministério. A acreditar nas boas intenções do Governo, diríamos «agora é que

vai ser!» não fosse o lastro do poucochinho que caracteriza a ação do Governo nesta matéria.

Quanto à coesão territorial, este Governo tem sido pouco coerente, pois afirma ter o interior como prioridade,

mas faz o contrário ao chumbar todas as propostas apresentadas pelo PSD, propostas essas que promoveriam

a coesão territorial e a valorização dos territórios do interior.

Ficou claro na intervenção do Sr. Deputado Ascenso Simões que para o PS e para o Governo o balanço é

sempre cor-de-rosa. Aliás, agora, fala de umas migalhas de intenções de alterações nos custos das portagens,

mas a sua intervenção foi centrada, sobretudo, no passado e em intenções, pelo que o nosso balanço é negativo,

porque o interior viu acentuar o seu despovoamento e adiar o seu desenvolvimento.

Sr. Deputado, vejamos algumas das propostas que os senhores apresentaram ao longo destes cinco anos e

que estão a ser sucessivamente adiadas: quantos serviços públicos foram transferidos para o interior? Quantos

arquivos do Estado foram transferidos para o interior? Quantos trabalhadores do setor público beneficiaram do

suplemento remuneratório por terem mudado o seu local de trabalho para o interior? Quantas operações

prioritárias de desenvolvimento foram implementadas nos últimos dois anos? Quantos novos centros de

competência TIC (CCTIC) abriram no interior nos últimos dois anos? Aliás, posso dizer que a resposta é:

nenhum! Em que município do interior foi criado o prometido centro de gestão de informação e ciência de dados

no interior para apoio às empresas?

Estas são as questões que gostaria de colocar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para pedir esclarecimentos, tem ainda a palavra a Sr.ª Deputada Cecília

Meireles.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Ascenso Simões, em primeiro lugar, quero

cumprimentá-lo e dizer-lhe que a ocupação humana do território preocupa-nos a todos. O Sr. Deputado falou

com muita pertinência sobre o assunto, mas perdoar-me-á se lhe disser que, quando passou à fase de fazer

publicidade ao Governo, já falou com menos pertinência e, nesse sentido, gostava que me esclarecesse algumas

dúvidas.

A primeira é sobre descentralização e sobre o intuito do PS de a fazer através das CCDR, ou da eleição

indireta das CCDR, da eleição por autarcas. Gostava de saber se a anterior prioridade, que era fazer a

descentralização através da transferência de competências para os municípios, vai ficar em «águas de

bacalhau» ou se os senhores estão disponíveis para corrigirem o caminho, porque há muitas autarquias,

inclusivamente grandes autarquias do PS, que continuam sem aceitar as competências — e sem o aceitarem

por uma razão, como é óbvio — e se aquilo que pretendem com a eleição indireta das CCDR é caminhar para

um modelo de regionalização.

É que, Sr. Deputado, eu ainda não percebi o que quer o PS. Por um lado, quer a regionalização, por outro

não quer a regionalização; por um lado, quer a descentralização, por outro lado, já quer apostar neste modelo

estranho de eleição indireta das CCDR. Aliás, a única coisa que percebo é que o PS quer tudo menos um

referendo à regionalização e a única coisa que tenho para lhe dizer nessa matéria é que se querem avançar

para a regionalização, seja às claras seja encapotada, só com referendo, e é isso que terão de fazer.

Gostava também de lhe perguntar, um bocadinho longe dos anúncios, se tem alguma informação que nos

possa dar sobre o Programa Nacional para a Coesão Territorial e sobre o Programa de Valorização do Interior,

porque variadíssimas das medidas que lá estão previstas ainda não estão implementadas na vida concreta das

pessoas. Não seria boa ideia pô-las primeiro em prática e, depois, vir anunciar novos planos?

Também gostava de saber, em relação à reabertura de serviços públicos, se nos pode explicar porque é que

alguns dos tribunais que foram reabertos têm menos de um julgamento cível por mês. Esta medida não será

mais «para inglês ver» do que «para português viver»?

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O Sr. João Oliveira (PCP): — Está a querer pôr as pessoas em tribunal?!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Por último, ouvi falar muito de serviços públicos e gostava de lhe dizer,

Sr. Deputado, que só há uma chave para o desenvolvimento dos territórios, sejam do litoral sejam do interior:

iniciativa, iniciativa privada.

Gostava de lhe perguntar se a criação de novos impostos, como, por exemplo, o imposto sobre a celulose e

sobre a exploração florestal, não irá no sentido inverso do que o interior realmente precisa para que as pessoas

que lá trabalham e que lá produzem possam viver de acordo com aquilo que produzem.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Nem que fosse só para fazer cinco julgamentos por ano os tribunais têm de

estar no interior.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Ascenso Simões.

O Sr. Ascenso Simões (PS): — Sr. Presidente, quero, em primeiro lugar, agradecer as questões

apresentadas e as intervenções que foram feitas.

Talvez que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista, ao pedir-me para fazer esta intervenção, tivesse em

mente que as questões do interior devem mais unir-nos do que separar-nos, e acho que este Parlamento deve

olhá-las com cuidado e sem demagogia política.

Podemos ter muitas divergências, e temos com certeza, mas a situação é mesmo grave. E para uma situação

grave, de emergência, devemos encontrar soluções que impliquem quase todos os partidos ou todos os partidos

políticos, se possível.

A primeira coisa relevante é que estamos num processo de descentralização, e esse processo não pode

parar, ou seja, nós acreditamos nas autarquias locais, como acreditámos sempre, desde a Lei n.º 79/77 e desde

a Lei n.º 1/79, a primeira Lei das Finanças Locais.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça Mendes (PS): — Muito bem!

O Sr. Ascenso Simões (PS): — Foi com o Partido Socialista, em 1976, em 1979, em 1984, em 1997 e em

1998, que se fez a grande transformação do poder local democrático e também será com o Partido Socialista

que se vai fazer o grande processo de desenvolvimento de transferência de competências para as autarquias.

Aplausos do PS.

A questão que a Sr.ª Deputada Cecília Meireles coloca em relação aos tribunais e de poder haver só um

processo, leva-me a pensar que a Sr.ª Deputada Cecília Meireles quer extinguir as conservatórias se só nascer

uma pessoa num concelho. Se só nascer uma pessoa, como está próximo de acontecer, por exemplo em Vinhais

ou em Vimioso, nós também vamos encerrar as conservatórias, porque só nasce uma pessoa nesses

concelhos?!

Sr.ª Deputada, o princípio não está em encerrar; o princípio está em manter, nos 308 municípios, as

condições e os serviços públicos centrais para que continuem a ser municípios.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça Mendes (PS): — Muito bem!

O Sr. Ascenso Simões (PS): — O que fez o Governo que a Sr.ª Deputada apoiou e que o Sr. Deputado

Jorge Mendes também apoiou, apesar de ser presidente de câmara nessa altura, foi iniciar o processo de

extinção, sem critério, de serviços. Aquilo que estamos a fazer com primeira medida é: não há extinção de

serviços e há colocação de serviços no interior do País.

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Aplausos do PS.

Penso que estas questões devem receber o apoio do PSD e do CDS.

Sobre migalhas e portagens, o Sr. Deputado Jorge Mendes veio aqui dizer «ah, isso são umas migalhas…».

Ora, uma pessoa que vai de Chaves para Vila Real paga 248 € e passa a pagar 198 €. Se o Sr. Deputado acha

isto uma migalha, então eu aceito, de bom grado, que o senhor me dê tantas migalhas quantos os habitantes

do meu distrito!

Aplausos do PS.

Na Via do Infante, um carro da classe 4, que paga 1332 €/mês, passará a pagar 733 €, ou seja, vai poupar

599 €. Se o Sr. Deputado acha que que isso é uma migalha, meu caro amigo, então o seu salário deve ser um

salário enorme para além do seu salário de Deputado!

Aplausos do PS.

Sr. Deputado João Dias, o Partido Socialista é sempre acusado de políticas de direita. Nós os dois já fizemos

aqui uma política de esquerda, aprovada maioritariamente pela esquerda. E foi consequente!

O Sr. João Dias (PCP): — No Orçamento do Estado não foi.

O Sr. Ascenso Simões (PS): — Portanto, essa acusação de que o Partido Socialista só faz acordos com a

direita é no seu caso, e relativamente a mim, um erro.

Aplausos do PS.

O Sr. Deputado fala em regionalização. O que lhe quero dizer é que a regionalização não saiu do Programa

do Partido Socialista. Aquilo que queremos é fazer um processo que seja agregado ao território e que tenha o

mais amplo apoio possível dos portugueses.

Fazer um processo que, neste momento, seria um processo artificial e ainda não sustentado seria incorreto.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Ascenso Simões (PS): — Nós devemos olhar para a especificidade, como eu disse,…

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Ascenso Simões (PS): — … dos territórios e encontrarmos soluções de acordo com os territórios.

O Sr. Deputado José Maria Cardoso já trazia um papel escrito e, portanto, esqueceu-se do que eu disse

sobre as cidades médias e também sobre os serviços ambientais.

Eu aconselharia o Sr. Deputado a não trazer papel escrito, porque reconheço-lhe capacidade para falar de

improviso e para dizer coisas muito mais importantes, que possam ter tomadas em conta, do que aquilo que lhe

pediram para dizer.

Por último, Sr.ª Deputada Mariana Silva, sobre encerramento de serviços públicos, apoio às empresas, então

o Partido Socialista…

A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Apoio familiar.

O Sr. Ascenso Simões (PS): — Já lá vou.

Então, foi esquecido pelo PEV que o Partido Socialista recuperou uma medida antiga de beneficiação fiscal

para as empresas do interior, num Orçamento que vocês apoiaram?!

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Aplausos do PS.

Mas, então, o PEV esquece-se assim das coisas boas que também ajuda a fazer pelo País?!

Aplausos do PS.

Gostaria que o PEV não se esquecesse das coisas boas que ajuda a fazer pelo País, nomeadamente pelo

interior.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado, vai ter de concluir, porque já excedeu largamente o tempo

de que dispunha.

O Sr. Ascenso Simões (PS): — Para terminar, Sr. Presidente, porque é muito importante esta resposta,

diria: Sr.ª Deputada, estão, neste momento, a ter lugar novos concursos para as concessões de transportes

públicos, que terão uma perspetiva local e regional de integração que garantem as questões levantadas.

Aplausos do PS.

Protestos da Deputada do PEV Mariana Silva.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Ainda não respondeu às perguntas!

O Sr. Presidente (António Filipe): — Vamos passar à declaração política do PSD.

Tem a palavra a Sr.ª Deputada Filipa Roseta.

A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.as Deputadas, Cidadãos: Nos últimos três

anos, assistimos à subida de Lisboa para o topo dos mercados imobiliários globais, seguida de perto pela área

metropolitana envolvente e pelo Porto. Este fenómeno, associado às baixas taxas de juro oferecidas pela

Europa, alimentou a subida especulativa do mercado em 2017, 2018 e 2019.

A especulação tornou felizes os proprietários, que viram os seus bens aumentar de valor, e tornou o Governo

ainda mais feliz, que recolheu, sobre o setor da construção e sobre o setor imobiliário, um valor recorde de

impostos. Chamaram a isto «milagre económico», recuperando uma expressão do século XIX que invoca a

capacidade que a especulação tem para valorizar um produto sem fazer coisa alguma a não ser esperar pelas

naturais flutuações do mercado. Mas se, por um lado, quem tinha propriedades cobrou impostos e ficou feliz,

por outro, a especulação afastou do acesso à habitação as pessoas sem propriedades.

Para enfrentar estas desigualdades crescentes, o Estado tinha uma obrigação: a de disponibilizar as

propriedades públicas abandonadas. Não o fez. Fosse por opção ou por falta de capacidade, a verdade é que

passaram quatro anos e não conseguiu fazê-lo.

O Sr. Adão Silva (PSD): — É verdade!

A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — Foram utilizados incentivos, regulação, subsídios, mas ficou de fora a boa

gestão das propriedades do Estado, que é o instrumento com menor custo e com maior potencial para resolver

o problema.

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Muito bem!

A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — Ora, no Orçamento do Estado para 2020 estão destinados cerca de 150

milhões de euros para habitação. Mas o que significam 150 milhões de euros quando comparados com o valor

das propriedades do Estado nas zonas de emergência habitacional? Imaginem que um único terreno do Novo

Banco, nas Amoreiras, está avaliado em 150 milhões de euros. Um único terreno em Lisboa equivale ao valor

total do Orçamento do Estado para a habitação de todo o País para 2020.

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Ora bem, como é que fazemos isto? Como é que pomos as propriedades cá fora? O primeiro passo é elaborar

o mapa das propriedades do Estado e torná-lo público, com informação sobre se estão ou não vazias. A

publicação transparente desta informação deve ser acompanhada de uma estimativa do valor destas

propriedades e de informação sobre a quem estão a ser vendidas.

Este é que é o valor real que o Estado tem na sua mão para construir uma política de habitação a sério. Sem

este primeiro passo, sem fazer o mapa das propriedades do Estado, não começamos sequer a tentar

operacionalizar o Programa Nacional de Habitação, um programa transparente, justo e capaz de servir as

pessoas.

O segundo passo é confirmar se as carências habitacionais cabem ou não nestas propriedades, de acordo

com as condicionantes urbanísticas deste território.

E qual é o terceiro passo? O terceiro passo é colocar as propriedades à disposição das pessoas sem que

isto pese um único euro no Orçamento do Estado. Como é que isto se faz? Construindo, para cada propriedade,

um leque de rendas de diferentes valores de modo a cobrir a eventual prestação de empréstimo para a

construção ou reabilitação, garantindo desta maneira que não vamos deixar buracos financeiros para as futuras

gerações; pensando edifício a edifício, propriedade a propriedade, evitando as diluições de risco que levaram à

crise imobiliária de 2008; colocando no mercado as propriedades pelo modo que se verificar mais eficiente, seja

diretamente pelo Estado, seja por parcerias com privados, constituindo arrendamentos a 99 anos, à imagem dos

leasehold britânicos. Seja como for, aprendendo com os erros de Berlim após a reunificação, onde a grande

lição foi a de que não se vende propriedade pública. Vender alivia a curto prazo, mas elimina a margem para

responder a picos especulativos.

O programa que o Governo nos apresentou, chamado Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado,

começou por identificar os edifícios públicos em 2016, mas a verdade é que, passados quatro anos, não

conseguiu pôr um único edifício no mercado.

O Sr. Adão Silva (PSD): — É o habitual!

A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — Além de completamente inoperativo, parece desenhado para diluir os riscos

entre operações e para contornar o Tribunal de Contas. Tem, por isso, tudo para correr mal.

O tão proclamado programa 1.º Direito deu prova de vida em 2019. Entregou 18 milhões de euros à Câmara

Municipal de Lisboa para fazer a sua política de habitação, a mesma Câmara que, por essa altura, deu 57

milhões de euros à segurança social por 11 edifícios abandonados. Ora, se a Câmara tinha 40 milhões e a

segurança social tinha 11 edifícios, o que faria sentido não era a Câmara fazer as obras e pôr os edifícios no

mercado?!

O Sr. Adão Silva (PSD): — Muito bem!

A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — Onde é que está o papel do Governo e do 1.º Direito nesta política de

habitação?

Recapitulando,…

O Sr. Carlos Pereira (PS): — É melhor, é!

A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — … o primeiro passo para uma política nacional de habitação é fazer o mapa

das propriedades do Estado e torná-lo público, o segundo passo é compatibilizar as propriedades com as

carências e o terceiro passo é pôr as propriedades no mercado, sem vender e sem que pese um euro no

Orçamento do Estado.

Se, além desta sustentabilidade económica, conseguirmos garantir a sustentabilidade ambiental do edificado,

construindo edifícios com certificados de sustentabilidade, e se conseguirmos ter também uma sustentabilidade

social garantida, com comunidades inclusivas garantidas pelo leque das rendas certificadas, estaremos

finalmente a caminhar para a construção de cidades com futuro. Mais transparência, mais competência, mais

execução. Será assim tão difícil?

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Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, faço um apelo para que procurem inscrever-se para

pedir esclarecimentos durante a intervenção do orador, porque quando a Sr.ª Deputada terminou a intervenção

ainda não havia inscrições.

Pausa.

Agora já há três.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Só perceberam depois da repetição, no final!

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr.ª Deputada, como pretende responder a estes pedidos de

esclarecimento?

A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — Respondo em conjunto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Muito bem.

Portanto, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias para pedir esclarecimentos.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Filipa Roseta, quero começar por

dizer que valorizamos muito a preocupação que a Sr.ª Deputada trouxe a esta Sessão Plenária quanto a este

fenómeno da especulação imobiliária, que vai alastrando no País de forma cada vez mais grave, e às

implicações e consequências para a população que essa especulação imobiliária vai trazendo ao dia a dia das

cidades e das regiões.

A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — Exatamente!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Aliás, permita-me que lhe diga, tivesse o PSD essa preocupação com a

especulação imobiliária e com as implicações para a política de habitação das decisões que são tomadas e,

seguramente, as leis que foram aprovadas e que são ruinosas para o País e para as populações seriam

diferentes…

A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — Quais? Quais?

O Sr. Bruno Dias (PCP): — … e estaríamos hoje com uma situação bem diferente daquela em que estamos.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Mas o PCP nos últimos quatro anos mudou tudo!!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Portanto, quando o PSD e o CDS aprovaram a famigerada «Lei Cristas», a

famigerada lei dos despejos, terá feito certamente muita falta a necessária preocupação que a Sr.ª Deputada

aqui trouxe e que nós valorizamos. A preocupação com a especulação imobiliária deve fazer sentido, quando

ainda vamos a tempo de a evitar e de a combater, não é depois de constatar os problemas.

Na sua intervenção, a Sr.ª Deputada defendeu uma medida que, a ser aprovada, faria uma enorme diferença,

a da mobilização e utilização do património edificado, público, desde logo com aptidão habitacional — porque é

disso que falamos, obviamente —, para dar resposta aos problemas que existem em Lisboa e não só.

Ora, o PCP propôs essa medida quando apresentou uma proposta de alteração relativa a um artigo do

Orçamento do Estado. Na nossa proposta precisava-se exatamente esta medida, garantindo que estes imóveis

não poderiam ser alienados para entidades externas e que deveriam ser disponibilizados para oferta de

habitação nos regimes de renda apoiada, de renda condicionada, etc. É pena que o PS e o PSD tenham dado

as mãos para rejeitar esta proposta.

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A questão que lhe queremos colocar, Sr.ª Deputada, é a seguinte: em que medida considera ser justificado

o chumbo que o PSD deu, em conjugação com o PS, a esta medida que agora aqui propôs?

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Para terminar, Sr. Presidente, gostaria de abordar também um problema que a

Sr.ª Deputada referiu, de forma particularmente crítica, quanto às políticas de realojamento e à garantia de

habitação condigna para as populações, com o exemplo do programa 1.º Direito. Pergunto: em que fundamento

se baseou o PSD para chumbar as propostas que o PCP apresentou e que visavam reforçar quer as políticas

de realojamento quer o apoio ao arrendamento para jovens, com a questão do programa Porta 65?

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Concluo, Sr. Presidente, com esta questão: que posição terá o PSD quando

estiver a debate a proposta do PCP para a impenhorabilidade da habitação própria permanente, uma questão

fundamental que hoje se coloca às populações, nomeadamente em relação ao setor financeiro e à especulação

imobiliária?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, a Sr.ª Deputada Maria

Manuel Rola.

A Sr.ª Maria Manuel Rola (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Filipa Roseta, devo dizer que estou

espantada e não sei se a Sr.ª Deputada está na bancada em que deveria estar, porque tivemos estas discussões

várias vezes na anterior Legislatura e o PSD perdeu por ausência.

Aliás, aprovámos aqui uma medida essencial, chamada Lei de Bases da Habitação que a Sr.ª Deputada deve

conhecer e que remete para várias das questões que levanta, mas contra a qual o PSD votou.

A questão que aqui se coloca é a de que, neste momento, a Deputada Filipa Roseta defende coisas que, no

passado, o PSD não defendia. O que eu gostava de saber é se o PSD passou a defender a Lei de Bases da

Habitação e a querer saber das pessoas que agora têm o seu direito à habitação prejudicado. Relativamente a

esta questão, aquilo de que muitas vezes se ouvia falar era do direito à propriedade, de que a Sr.ª Deputada

tanto falou no início e de que, na verdade, também aqui falaram durante a última Legislatura.

Digo-lhe, também, que tem uma hipótese para mobilizar o património público para as respostas habitacionais,

bastando para tal votar favoravelmente o projeto de resolução que o Bloco de Esquerda apresentou nesta

Assembleia. Primeiro, porque este é um projeto essencial, mas que não foi tornado realidade pelo PSD enquanto

esteve no poder — em nenhum dos 40 anos que temos de democracia esta foi uma preocupação do PSD — e,

depois, porque o PSD também desbaratou o parque habitacional público. Veja-se o caso da Fidelidade, por

exemplo, com a quantidade de pessoas que neste momento veem ser feita oposição à renovação do seu

contrato habitacional por mérito do PSD e do CDS, já agora, que a privatizaram.

Protestos do Deputado do PSD Adão Silva.

Sr.ª Deputada Filipa Roseta, já que chegou a este problema, gostava também de a questionar sobre se estão

dispostos a reverter a liberalização total que operaram na lei do arrendamento. Essa, sim, é também uma das

principais problemáticas que foi trazida à questão da habitação enquanto o PSD foi Governo. Neste momento,

como saberá, a lei do arrendamento permite contratos bastante reduzidos que não garantem o direito à

habitação ao longo dos anos, como deveria garantir.

Por fim, mais uma vez, seja bem-vinda, Sr.ª Deputada.

Aplausos do BE.

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O Sr. Presidente (António Filipe): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Marina

Gonçalves.

A Sr.ª Marina Gonçalves (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Filipa Roseta, antes de

mais, quero associar-me ao agradecimento pelo tema que nos traz, que obviamente tem enorme relevância e

que, agora, parece ter no PSD um parceiro no que se refere à promoção de políticas públicas de habitação, o

que todos agradecemos pois todos somos importantes neste debate.

Sr.ª Deputada, depois de anos de desresponsabilização do Estado, é efetivamente importante que todos

assumamos a responsabilidade por este que é um pilar fundamental do Estado de direito democrático e, neste

campo, ao contrário do PSD, o Partido Socialista pode orgulhar-se do que fez nos últimos quatro anos pelas

políticas públicas de habitação.

Vozes do PS: — Muito bem!

É que os nossos objetivos eram e são muito claros, ou seja, responsabilizar o Estado pela resposta

habitacional, apostar num parque habitacional público, priorizar o investimento público na habitação, impedir

práticas abusivas de mercado.

O Sr. Carlos Pereira (PS): — Bem lembrado!

A Sr.ª Marina Gonçalves (PS): — E as nossas medidas também eram e são muito concretas. Há uma nova

geração de políticas públicas de habitação, com medidas concretas para a classe média e para as famílias mais

carenciadas.

A Sr.ª Hortense Martins (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Marina Gonçalves (PS): — Há uma nova Lei de Bases da Habitação que, como já foi referido, foi

aprovada com o voto a favor do Partido Socialista e dos partidos à nossa esquerda, mas que teve o voto contra

do PSD.

A Sr.ª Hortense Martins (PS): — Bem lembrado! Aliás, foi lamentável!

A Sr.ª Marina Gonçalves (PS): — E há, também, o Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado que é um

importante instrumento de promoção de política pública de habitação e de parque habitacional público.

O Sr. Carlos Pereira (PS): — Isso mesmo!

A Sr.ª Marina Gonçalves (PS): — Sr.ª Deputada, os resultados também já estão à vista, não são uma utopia.

No programa 1.º Direito temos já 154 municípios com estratégias locais de habitação elaboradas ou aprovadas,

o que corresponde a mais de metade das soluções habitacionais que queremos até 2024, e no arrendamento

acessível para as classes médias temos já centenas de imóveis identificados que vão permitir, a curto prazo,

dar centenas de fogos habitacionais à população portuguesa.

Protestos do PSD.

As bases estão construídas, as políticas estão em execução. Isto basta? Não basta! Há muito trabalho pela

frente e o Partido Socialista é o primeiro a reconhecê-lo. Mas o caminho é, efetivamente, este: dar uma resposta

ao povo quer através de políticas públicas de habitação, quer através de um parque habitacional público

significativo.

Por isso, Sr.ª Deputada, o que lhe perguntava é o seguinte: com qual dos PSD estamos aqui a falar? Estamos

a falar com o PSD que esteve no Governo e que nada fez durante quatro anos?

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O Sr. Carlos Pereira (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Marina Gonçalves (PS): — Estamos a falar com um PSD que, durante quatro anos, esteve na

oposição e não acompanhou nenhuma das medidas que promovia políticas públicas de habitação?

Protestos do PSD.

Ou estamos a falar agora de um novo PSD que — e bem! — vem a debate e traz medidas concretas para

promover efetivamente políticas públicas de habitação?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para responder a estes três pedidos de esclarecimento,

a Sr.ª Deputada Filipa Roseta.

A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — Agradeço muito as vossas interpelações e, para já, agradeço, também, o

facto de gostarem muito que eu esteja aqui. Portanto, agradeço os vossos elogios e as vossas participações.

Ainda bem que estão satisfeitos que esteja aqui. Vocês estão a falar com o melhor dos PSD, estão a falar com

o PSD que vai ser Governo na próxima Legislatura.

Aplausos do PSD.

Sobre a questão da lei do arrendamento, vamos esclarecer um ponto. Vou ler-vos o artigo 3.º da Lei de Bases

da Habitação: «O Estado é o garante do direito à habitação».

A Sr.ª Maria Manuel Rola (BE): — Afinal?!

A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — Não são os proprietários privados!

O Sr. Carlos Pereira (PS): — Tem uma lata!

A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — A única coisa que os senhores fizeram foi empurrar para os privados os

deveres da habitação.

Protestos do PS, do BE e do PCP.

Foi a única coisa que vocês fizeram!

Agora, o que é que o PS fez? Absolutamente nada! A Sr.ª Deputada acabou de falar em levantamentos.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — E vocês o que é que fizeram pela habitação pública?

A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — Tiveram quatro anos para fazer levantamentos e, mesmo assim, não são

públicos, repito, não são públicos. Como é possível?! Quatro anos depois!

Caríssimos, é assim, sinceramente, acredito que todos achamos que isto é lógico: o Estado tem propriedades

vazias, as pessoas precisam de casa, é preciso articular as duas coisas!

O Sr. Duarte Marques (PSD): — Zero contratos!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Vocês votaram contra! O PCP propôs isso!

O Sr. Carlos Pereira (PS): — É uma verdade de La Palice!

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A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — É La Palice, mas os senhores não conseguiram fazer nada em quatro anos.

O Sr. Adão Silva (PSD): — É verdade!

A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — É incompreensível!

Aplausos do PSD.

E tiveram um mercado especulativo, com taxas de juro baixas, ou seja, com as condições económicas

perfeitas para promover um programa de habitação. Vocês tiveram quatro anos — principalmente os anos de

2017, 2018 e 2019 — e não fizeram nada! Agora, estamos a ver que andam a entregar dinheiro às câmaras

para comprarem edifícios ao Estado.

O Sr. Adão Silva (PSD): — É verdade!

A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — Que lógica é que isto tem? Isto é a loucura total! É assim: nós temos de

perceber muito bem o que é preciso fazer.

O Sr. Carlos Pereira (PS): — Vá lá! Vá lá!

A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — Ainda bem que estão todos de acordo!

Protestos da Deputada do BE Maria Manuel Rola e do Deputado do PS Carlos Pereira.

Eu digo-lhe, Sr. Deputado, primeiro passo: desenhar um mapa das propriedades do Estado. Estamos de

acordo?

A Sr.ª Maria Manuel Rola (BE): — Já estávamos!

A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — Ótimo! Estamos de acordo. Vamos desenhar o mapa e vamos publicá-lo com

o preço de venda das propriedades!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Estamos de acordo, mas votaram contra!

A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — Queremos saber como estão a ser vendidas e a quem.

Protestos do PS, do BE e do PCP.

Oiçam: se têm o mapa, metam-no online, juntamente com a lista do amianto, que também devia estar online.

A única lista que está online foi feita pelo Governo do PSD/CDS!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Lá porque subimos a uma oliveira, não descobrimos agora os problemas!

A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — Segundo passo: pegam nessas propriedades e, em articulação com o próprio

Estado ou com os privados, metem-nas no mercado.

Srs. Deputados, podemos andar aqui a trocar bolas, mas a triste realidade é que os senhores tiveram quatro

anos de um mercado perfeito e não fizeram nada! O que têm para apresentar, quatro anos depois, é apenas o

levamento das necessidades. Mas a primeira coisa que tinham de ter feito era o levantamento das propriedades

e não das necessidades.

Sinceramente, ainda bem que estão gratos, ainda bem que me convidam, que acham que este PSD é melhor

e renovado. É exatamente isso que estamos aqui a dizer. Agora, façam alguma coisa, a sério, façam alguma

coisa! Metam alguma coisa cá fora e que se veja, porque não saiu nada ainda!

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O Sr. Adão Silva (PSD): — E que sirva as pessoas!

A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — Nada! Zero! Zero!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — O José Estêvão de Magalhães no sítio onde está deve estar…

A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — Literalmente zero!

Estamos à espera. Continuamos à espera.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr.ª Deputada, não quis interromper a sua intervenção, e peço que não

me leve a mal, mas o Regimento determina que, quando os Deputados intervêm, têm a obrigação regimental de

se dirigirem ao Presidente e à Assembleia.

A Sr.ª Hortense Martins (PS): — É verdade!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — E o «vocês»…!

O Sr. Presidente (António Filipe): — Não interrompi a Sr.ª Deputada, mas de qualquer maneira chamo a sua

atenção, em geral, para o cumprimento dessa disposição que consta do artigo 83.º do Regimento.

Para uma declaração política pelo Bloco de Esquerda, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Mortágua.

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta manhã, na Comissão de

Orçamento e Finanças, o Presidente do Fundo de Resolução revelou que prevê uma nova injeção no Novo

Banco no valor de 1037 milhões de euros em 2020. Repito: 1037 milhões, que se somam aos 1149 milhões em

2019 e aos 792 milhões em 2018, num total de 2978 milhões de euros, ou seja, quase 3000 milhões de euros

entregues ao acionista privado do Novo Banco, desde a sua venda em 2017.

Srs. Deputados, passaram 19 dias desde o fim da discussão do Orçamento do Estado. A redação final ainda

não saiu do Parlamento, o diploma ainda não foi promulgado pelo Presidente da República e já se abriu um

buraco nas contas de 400 milhões de euros.

O Sr. Ministro das Finanças deve, então, explicar ao Parlamento e ao País por que razão o Governo escreveu

no Orçamento que o Novo Banco teria um impacto nas contas públicas de 600 milhões mas, afinal, esse efeito,

sabemos agora, será de 1037 milhões. A diferença são 437 milhões, que o Governo terá de compensar, com

mais receita ou com menos despesa, para terminar o ano com o seu almejado excedente orçamental.

De resto, o mesmo aconteceu já no ano passado. Em 2019, as contas públicas pagaram ao Novo Banco

mais 749 milhões de euros do que o previsto e o défice ainda ficou abaixo do esperado. A manobra não é nova

e, sabendo disso, o Bloco de Esquerda confrontou repetidamente o Ministro das Finanças, no debate

orçamental, sobre a irrazoabilidade das suas previsões. Mário Centeno tinha, nesse debate, a obrigação de

saber que as necessidades de capital do Novo Banco iriam superar em muito o valor previsto no Orçamento.

Ao não ajustar essas previsões, o Governo prejudicou duplamente os contribuintes. Por um lado, pela injeção

que virá a ser feita diretamente pelo Tesouro no Fundo de Resolução e, por outro, pelas consequências de uma

redução adicional de 400 milhões feita às custas de despesas em serviços públicos.

Mas voltemos às contas do Novo Banco. Do total de 1037 milhões que se prevê injetar, em 2020, e que serão

registados no saldo orçamental, 850 milhões virão diretamente de um empréstimo do Tesouro ao Fundo de

Resolução. Esse empréstimo aumenta substancialmente os encargos do Estado com a banca privada e, por

isso, deveria ser debatido e votado na Assembleia da República. Mas isso não irá acontecer, porque a proposta

do Bloco que obrigava a esse debate foi chumbada no Orçamento do Estado, com os votos contra do PS e do

PSD. Ao fazê-lo, o PSD deu carta-branca ao Governo para injetar fundos no Novo Banco até 850 milhões de

euros e é isso mesmo o que o Governo fará.

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Sr.as e Srs. Deputados, desde a resolução, em 2014, até ao final de 2019, o Estado já destinou 5800 milhões

para pagar a falência do BES e para financiar o Novo Banco. Destes, 3900 milhões foram injetados pelo Governo

do PSD/CDS, em 2014, quando a Ministra Maria Luís Albuquerque garantia que «a solução de financiamento

encontrada salvaguarda o erário público». A Ministra garantia mais, dizendo que se estava a criar «um novo

banco, com capital e liquidez adequados».

Depois disso, veio o Ministro Mário Centeno garantir ao País que a venda ao fundo privado Lone Star era a

melhor solução para o Novo Banco e que «não haveria garantias de Estado no Novo Banco». Mas houve mesmo

garantias, no valor de 3900 milhões de euros, e o Novo Banco está a sugá-las até ao fim, em benefício do seu

dono privado, o Lone Star.

E isto sem contar com as injeções de capital a fundo perdido que o Estado já fez no Novo Banco, por conta

de um obscuro mecanismo chamado «ativos por impostos diferidos». Estes ativos por impostos diferidos já

valeram uma injeção direta de 389 milhões de euros públicos no Novo Banco e há mais 300 milhões na calha

para serem injetados.

Sr.as e Srs. Deputados, em todo este debate, que se prolonga há anos, houve uma única proposta alternativa

para resolver o problema do Novo Banco, que era a sua manutenção na esfera pública. Essa proposta, que foi

trazida a votos pelo Bloco de Esquerda, não apagava milagrosamente os custos da falência do BES, mas

assumia um princípio básico: se o Estado paga, então o Estado manda. Essa alternativa foi recusada, mais uma

vez, pelo PS, pelo PSD e pelo CDS.

Por isso, aqui estamos: na situação aberrante de ter um acionista privado a gerir uma carteira de créditos

que é garantida pelo Estado. E, por isso, lemos, todos os dias, as notícias sobre as tentativas de venda de

carteiras de ativos ao desbarato, sobre os conflitos quanto às normas contabilísticas a adotar pelo Novo Banco,

que podem custar mais ou menos 200 milhões ao Estado, e até lemos notícias sobre a possibilidade de uma

injeção única que poderá esgotar, de uma só vez, a garantia dada pelo Estado ao Novo Banco.

No fim de tudo isto, só temos uma certeza: todas estas operações servirão para limpar o balanço do banco

que o fundo Lone Star quer vender, com lucro, o quanto antes.

Srs. Deputados, Sr.as Deputadas, na lista de créditos malparados que transitaram para o Novo Banco estão

as dívidas da Fundação Berardo, do Sporting, da Ongoing, do Grupo Mello, de Luís Filipe Vieira, do Benfica, de

João Pereira Coutinho ou da família Moniz da Maia. Ninguém respondeu ainda por estes calotes dos amigos de

Ricardo Salgado e, hoje, o País impacienta-se à espera de uma acusação e de um julgamento aos

administradores responsáveis pela falência do BES, entre eles Ricardo Salgado.

Mas algo a Assembleia deve garantir, enquanto a justiça não faz o seu trabalho: que não entre nem mais um

cêntimo no Novo Banco sem que seja conhecida uma auditoria às contas e ao tratamento dos créditos

provenientes do BES. O Bloco irá apresentar essa proposta e esperamos que, ao contrário do que aconteceu

no Orçamento do Estado, desta vez ela possa ser aprovada.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — A Mesa regista até agora quatro, aliás, cinco pedidos de esclarecimento,

aos quais temos a indicação de que a Sr.ª Deputada Mariana Mortágua responderá em conjunto.

Tem, então, a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Meireles, para pedir esclarecimentos.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Mariana

Mortágua, trouxe aqui o tema das consecutivas injeções de capital, que é como quem diz «dinheiro», que o

Fundo de Resolução, com empréstimos do Estado, ou seja, de todos nós, tem feito ao Novo Banco.

Confesso, Sr.ª Deputada, que, embora perceba e até partilhe da sua indignação em relação a este estado

de coisas, não consigo, contudo, compreender a sua surpresa. O Bloco de Esquerda, a Sr.ª Deputada ou

qualquer pessoa que fosse seguindo as notícias não têm razões nenhumas para estar surpreendidos com isto.

Gostava de perceber melhor, porque, reparemos, todos aqui sabíamos ou tínhamos obrigação de saber que,

a partir do momento em que o Estado português resolveu vender o Novo Banco, com uma garantia pública a

que não chamou de «garantia» — passámos aqui longos meses a discutir se era ou não garantia e o que era

um mecanismo de capital contingente, mas acho que já todos percebemos que, ao fim e ao cabo, é uma forma

de o Estado se responsabilizar pelas perdas do Novo Banco —, o teto era de 3900 milhões de euros. Tal como

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todos sabíamos — o CDS muitas vezes avisou — que era bastante provável que ficássemos ao pé do teto dos

3900 milhões de euros.

Em segundo lugar, e estou particularmente à vontade para lhe falar disso, porque votei a favor da proposta

do Bloco de Esquerda e acho que faz sentido que seja o Parlamento a discutir, a aprovar e até a fiscalizar as

injeções de capital precisas, não posso perceber por que razão fica o Bloco de Esquerda surpreendido com as

injeções de capital…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — … quando estas estavam previstas no Orçamento e foram feitas com

o voto favorável do Bloco de Esquerda, do PCP e do PEV.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Pois é!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Nesta matéria, o PS não fica sozinho na fotografia, Sr.ª Deputada. Não

há razões para estar surpreendida! Estas injeções de capital foram feitas também com o seu voto.

O que gostava de lhe perguntar é, por um lado, qual é a alternativa que o Bloco de Esquerda defende para

que estas injeções de capital parem ou sejam levadas ao seu mínimo. A nacionalização pura e simples do banco

não vai levar a que estas parem, vai levar até, presumivelmente, a que aumentem.

Em segundo lugar, tenho uma pergunta de fundo que gostava de lhe deixar. A resolução do BES foi feita em

2014. O Banco de Portugal disse que o Novo Banco estava limpo — acho que já todos percebemos quão limpo

estava e que tipo de ativos lá havia —, mas, Sr.ª Deputada, será razoável, passados seis anos, termos um caso

com contornos tão graves que ainda nem a julgamento chegou.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sobre essa matéria, acho que o Parlamento e todos os partidos deviam

meditar. Gostava de saber o que defende o Bloco de Esquerda em relação a este assunto.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Paulo Oliveira.

O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Mariana

Mortágua, como certamente se recordará, em outubro de 2017, aquando da venda do Novo Banco ao Lone Star,

dizia-nos o Governo que o mecanismo de capital contingente, ou seja, a garantia pública, prevista no acordo de

venda, dificilmente seria utlizada, repito, dificilmente seria utilizada.

Pois bem, com este novo pedido de injeção de capital, o terceiro, no montante de 1037 milhões de euros, em

pouco mais de dois anos, serão utilizados perto de 3000 milhões de euros de um mecanismo suportado pelo

erário público e que, supostamente, serviria para «ornamentar» a venda do Novo Banco.

Posto isto, de duas, uma: ou o Governo do Dr. António Costa e do Dr. Mário Centeno nos enganou ou foi

enganado. Mas como desconhecemos qualquer tipo de sancionamento sobre aqueles que hipoteticamente

teriam enganado o Dr. António Costa e o Dr. Mário Centeno, resta-nos, por isso, a hipótese de ter sido o Governo

a enganar os portugueses.

A verdade é que o Novo Banco está a ser limpo à custa do mecanismo de capital contingente, ou seja, à

custa do erário público e também é verdade que, para o efeito, muito tem contribuído a circunstância de quer o

Fundo de Resolução, quer a Comissão de Acompanhamento nada, mas rigorosamente nada, terem feito de

significativo para defender o interesse público, limitando-se, na prática, a olhar para a fatura e a mandar passar

o cheque.

Por isso lhe pergunto Sr.ª Deputada o que podemos esperar daqui para a frente. Não lhe parece que o melhor

mesmo é prepararmo-nos para a utilização da quase totalidade dos 3900 milhões de euros da garantia pública,

que o Governo enganadoramente dizia que só servia para enfeitar a venda do Novo Banco?!

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Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís

Ferreira.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, queria começar por

felicitá-la pela oportunidade do tema, sobretudo depois daquilo que ficámos a saber hoje de manhã.

De facto, desde o início da crise, os portugueses já pagaram mais de 20 000 milhões de euros a tentar salvar

a banca e, quando falamos do problema do Novo Banco, estamos a falar de um problema que se arrasta há já

cerca de seis anos. Não vou trazer à colação as responsabilidades do Governo PSD/CDS, que são muitas, direi

apenas que o Governo PSD/CDS criou um problema mas não o resolveu e a cada dia que passa vamos

percebendo que, afinal, a tal saída limpa está cada vez mais poluída.

Seja como for, o que é verdade é que os contribuintes já estão fartos de pagar as aventuras e as

irresponsabilidades dos banqueiros e hoje ficámos a saber, como muito bem disse a Sr.ª Deputada, da tribuna

do orador, que a pretensão do Novo Banco aponta para mais 1037 milhões de euros. Mas o pior é que nem

sequer sabemos quando é que a torneira se fecha.

Ora, o facto de não sabermos quando é que a torneira se fecha torna ainda mais urgente a necessidade de

acabar com a imoralidade que representa aquilo a que temos vindo a assistir e que é muito simples: quando os

bancos dão lucro, os acionistas dividem entre eles os lucros aos milhões. Em silêncio — ninguém os ouve! —

repartem o bolo e calam-se muito caladinhos. Quando os bancos dão prejuízo, o Estado chama os contribuintes

a pagar. Isto não pode continuar a acontecer, é preciso pôr termo a esta imoralidade e a esta injustiça e essa

mudança de paradigma devia começar já com o Novo Banco.

Para Os Verdes, a solução que menos onere os contribuintes e aquela que melhor sirva os interesses do

País deve ser a solução a adotar para o caso do Novo Banco. Para isso, seria necessário que o Estado tomasse

conta do Novo Banco. O Novo Banco tem de estar nas mãos do Estado para, desta forma, o Estado o colocar

ao serviço do desenvolvimento do País e da nossa economia, dos interesses dos portugueses, dos interesses

do nosso País, porque, como muito bem referiu, Sr.ª Deputada, se o Estado paga, o Novo Banco tem de estar

nas mãos do Estado, que é quem paga.

Entretanto, Sr.ª Deputada, nós também entendemos que era importante que os portugueses soubessem,

pelo menos, quando é que a torneira se fecha, porque ninguém sabe.

Gostaria, pois, de saber, Sr.ª Deputada, se partilha desta preocupação de Os Verdes.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte

Alves.

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, o Novo Banco deveria ter

sido integrado na esfera pública para que os portugueses pudessem, pelo menos, ficar com o banco onde já

foram injetados milhares de milhões de euros de dinheiro público.

A opção feita pelo anterior Governo do PS foi a de entregar o Novo Banco a um grupo económico estrangeiro.

Esta opção continua a revelar-se errada e a causar enormes prejuízos ao País.

Ficámos hoje a saber que o grupo económico privado a quem foi entregue o Novo Banco vai pedir mais 1037

milhões de euros ao Fundo de Resolução, ou seja, a todos os portugueses. São mais 1037 milhões de euros

que vão aproximando o valor entregue ao Novo Banco do máximo que estava previsto no fundo de garantia,

aquando da venda ao Lone Star, contrariando aquilo que o Governo dizia, ou seja, que não iria ser usado todo

o montante de 3,98 mil milhões de euros.

O Governo sabia o perfil do Lone Star e conhecia as contas do Novo Banco e, por isso, era fácil perceber

que seria este o caminho: limpar os problemas, usando as garantias pagas pelos portugueses, e, pelo caminho,

vender imóveis, perdoar dívidas a grandes empresas, vender carteiras de dívida a preço de saldo — sabe-se lá

com que benefício para o próprio Lone Star ou entidades relacionadas —, despedir trabalhadores e encerrar

balcões. E, no final, depois de limpo, pago por todos os portugueses, seria novamente entregue ao capital

estrangeiro.

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São mais 1037 milhões de euros que continuam a deixar claro que as decisões tomadas pelo Governo

PSD/CDS, perante o escândalo do BES, partiram de um enorme embuste, que foi o de dizer que era possível

sanear as contas do banco com os 4,9 mil milhões de euros da troica.

Na altura, diziam que a opção pela nacionalização teria custos elevados. Pois bem, com a resolução decidida

por PSD e CDS e com a privatização decidida pelo PS, sempre com a oposição do PCP, poderemos chegar a

9000 milhões de euros pagos pelos portugueses e, no final, nem o banco será nosso.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Claro!

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Foi por isso que o PCP propôs, no Orçamento do Estado para 2020, que

qualquer nova injeção de dinheiros públicos no Novo Banco deverá iniciar de imediato o processo de

recuperação do controlo público sobre o banco, proposta esta que foi rejeitada por PS, PSD, CDS, IL e CH.

Estes 1037 milhões de euros demonstram bem a necessidade de se avançar no sentido da recuperação do

controlo público do banco.

Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, o Bloco de Esquerda acompanha o PCP em relação ao objetivo de

recuperar o controlo público do Novo Banco ou entende que a questão é apenas a de saber se passa ou não

pela Assembleia da República a autorização de transferência do dinheiro que agora é pedido?

Aplausos do PCP e do PEV.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado

João Paulo Correia.

O Sr. João Paulo Correia (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, o tema do Novo Banco

é de grande interesse público. Hoje, ficámos a saber que, pelo terceiro ano consecutivo, o Novo Banco vai pedir

capital ao Fundo de Resolução. Mas, apesar de ser em 2020 que surge o terceiro pedido de injeção de capital

por parte do Novo Banco ao Fundo de Resolução, a razão pela qual este terceiro pedido surge é a mesma pela

qual surgiram o primeiro e o segundo pedidos. É que a resolução do BES foi deficiente, foi insuficiente.

Quem resolveu o BES, na altura, e criou o Novo Banco, prometeu um banco bom, mas, na verdade, quem

fez essa resolução, em 2014 — o Banco de Portugal e o anterior Governo PSD/CDS —, transitou ativos do BES

altamente tóxicos para o Novo Banco, os quais tornaram a gerar perdas imensas no balanço do Novo Banco e

estão a justificar estes pedidos de capital do Novo Banco ao Fundo de Resolução.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. João Paulo Correia (PS): — Lembramos, não o esquecemos, que semanas antes da resolução do

BES houve quem garantisse aos portugueses que o BES era um banco sólido, um banco de confiança.

Lembramos as palavras de Cavaco Silva, de Maria Luís Albuquerque e também do Governador do Banco de

Portugal, Carlos Costa, que disseram, na altura, que o BES era um banco de confiança, um banco sólido.

O certo é que o Novo Banco foi criado com um capital inicial de 4900 milhões de euros e, hoje, o capital que

já foi necessário chega quase a 11 000 milhões de euros, o que diz bem que, na altura, não falaram a verdade

aos portugueses. Isto porque sabiam que, se o BES tivesse de ser resolvido pela verdade, os 4900 milhões de

euros não teriam chegado.

Por isso, no ano passado, o Partido Socialista propôs um conjunto de audições, à administração do Novo

Banco, à Comissão de Acompanhamento do Novo Banco, ao Fundo de Resolução, para que fosse possível

saber a verdade sobre os ativos tóxicos que o anterior Governo PSD/CDS e o Banco de Portugal não quiseram

deixar no BES e passaram para o Novo Banco, os quais estão a representar uma fatura muito elevada para o

Orçamento do Estado e para o Fundo de Resolução.

Surgiu, assim, a iniciativa de uma auditoria que determine as responsabilidades pelos ativos tóxicos que

estão a justificar esta fatura elevada de chamada de capital, por parte do Novo Banco, ao Fundo de Resolução

e que conheça as razões pelas quais o anterior Governo PSD/CDS, que prometeu vender o Novo Banco dizendo

que seria uma venda bem-sucedida, não o conseguiu vender. Essa venda falhada levou o Novo Banco à pré-

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falência, razão pela qual, em dezembro de 2015, o Banco de Portugal foi obrigado a fazer uma retransmissão

de obrigações sénior do balanço do Novo Banco para o BES, para salvar o Novo Banco.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. João Paulo Correia (PS): — A pergunta que lhe faço, Sr.ª Deputada, para terminar, vai no sentido de

saber se concorda com a posição do Partido Socialista, que, a exemplo daquilo que aconteceu na última

comissão de inquérito à Caixa Geral de Depósitos, entende que é muito importante esperar pela auditoria, que,

conforme soubemos hoje, se calhar, estará finalizada no próximo mês de maio, para que o Parlamento consiga

avaliar e analisar a possibilidade de uma nova comissão parlamentar de inquérito, onde, de facto, se descubra

toda a verdade relacionada com o BES e com a resolução.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Mortágua.

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, quero agradecer as várias questões

colocadas pelos Srs. Deputados e pela Sr.ª Deputada e, talvez, começar por dar razão a ambos os lados que

colocaram questões, ou seja, ao lado do Partido Socialista e ao lado do PSD e do CDS, que fizeram parte do

Governo que procedeu à resolução do BES.

Em 2014, foi-nos garantido pelo, então, Governo PSD/CDS e pelo Banco de Portugal que os 3900 milhões

de euros que estavam a ser injetados eram suficientes e que não viriam do erário público.

Em 2017, foi-nos garantido que a venda resolveria o problema, que a nova garantia de 3900 milhões de euros

era suficiente e que o dinheiro não viria do erário público.

Por isso, a história do Novo Banco, desde 2014, é uma história de enganos, porque a ideia de que se

conseguem salvar bancos privados sem custos públicos é um embuste, venha ela de onde vier. Também por

isso, o Bloco sempre se opôs à recapitalização de bancos com fundos públicos para depois os entregar a

privados, para estes fazerem com eles o negócio que bem entendam e se apropriarem dos lucros.

Sempre que o Bloco de Esquerda foi chamado a votar uma recapitalização de um banco para venda a um

privado votou contra. Foi assim no Banif (Banco Internacional do Funchal), ou seja, a proposta passou com a

abstenção do PSD e o voto favorável do PS. No Novo Banco, essas injeções não vieram, de forma autónoma,

ao Parlamento,…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Foi no Orçamento!

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — … foi o Bloco de Esquerda que trouxe essa decisão, propondo a

nacionalização do Novo Banco, e acho que, juntamente com o Partido Comunista Português, foi o único partido

que propôs uma alternativa. Tinha custos? Tinha, sim, senhor, tinha custos, mas, ao menos, sabíamos que o

banco ficava em propriedade pública e, tendo lucros, os lucros ficavam para o Estado. O Estado geria os ativos,

ia buscar o dinheiro aos devedores e ficava com os lucros, quando os houvesse. O que não podemos admitir é

que o Estado pague todos os prejuízos e, depois, deixe o Lone Star ou qualquer acionista privado ficar com os

lucros.

Vozes do BE: — Muito bem!

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Mas essa proposta foi rejeitada, no Parlamento, por PSD, CDS e PS.

Voltámos ao debate no último Orçamento do Estado, para garantir que não haveria nenhuma nova injeção

de capital no Novo Banco que não fosse decidida em lei própria, dando poderes à Assembleia da República

para decidir se deveria ou não haver mais capital público no Novo Banco. Esta proposta foi rejeitada, com os

votos do PSD e do PS.

Vamos voltar ao debate, com uma nova proposta, para que não haja nova injeção de capital sem uma

auditoria às contas do Novo Banco.

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Sr. Deputado João Paulo Correia, compreendo-o e acho que devemos analisar as contas e conhecer a

auditoria, mas uma comissão parlamentar de inquérito não substitui a decisão do Parlamento de não injetar mais

dinheiro no Novo Banco ou de não o fazer se entender que as contas não estão em condições e que não há

transparência suficiente.

Penso que este é o momento de a Assembleia da República, para além de apenas escrutinar, coisa que tem

feito, tomar decisões e tirar conclusões com base nesse escrutínio e nessa avaliação.

Finalmente, a Sr.ª Deputada Cecília Meireles colocou uma questão que me parece relevante e sobre a qual

as pessoas também perguntam. Os casos são gravíssimos, foram investigados e escrutinados em comissões

parlamentares de inquérito, há investigações desde 2014, não há acusações, não há julgamentos, não há

culpados, não há consequências de tudo aquilo que se passou na banca portuguesa.

Para além de pedir mais celeridade ao sistema judicial, compreendendo a necessária separação de poderes,

temos de pensar no que podemos fazer para que a investigação, a acusação e o julgamento destes crimes

económicos possa ser mais eficaz e mais célere. Parece-me que é óbvio que são precisos mais meios para a

Polícia Judiciária e para o Ministério Público. A separação dos megaprocessos é essencial, hoje em dia, para

conseguirmos ter mais celeridade nas acusações. E, finalmente, acho que temos também de refletir sobre o uso

e abuso de manobras dilatórias, ou seja, de recursos atrás de recursos que, muitas vezes, estes suspeitos

acabam por utilizar para fazer prolongar no tempo estes processos e para que as condenações acabem por não

existir.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem de concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª MarianaMortágua (BE): — Termino, Sr. Presidente.

Foi o que vimos no caso das multas a diversos banqueiros que acabaram por prescrever, precisamente por

causa do abuso destas manobras dilatórias.

Julgo que esses são os caminhos que devemos prosseguir.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Passamos agora à declaração política do PCP.

Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Mesquita.

A Sr.ª AnaMesquita (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Insólito, insulto, impensável, ilegal,

incompetência. Estes são alguns dos epítetos utilizados nos últimos dias por associações, sindicatos,

investigadores e tantas outras vozes que se levantaram em protesto contra a cedência de obras de arte,

depositadas num museu público, a um grupo hoteleiro privado e, também, quanto ao conhecido novo elenco da

Direção-Geral do Património Cultural. Aos anteriores epítetos podemos acrescentar irónico.

Ao mesmo tempo que a Ministra da Cultura apresenta queixa pelo desaparecimento, não de 94, mas de 112

obras da coleção de arte do Estado, a Secretária de Estado Adjunta e do Património Cultural autoriza a cedência

ao grupo Vila Galé, por 25 anos, de cerca de 50 peças da Coleção Rainer Daehnhardt, pertencentes ao Estado

e incorporadas na reserva do Museu Nacional dos Coches.

Podemos perguntar, será intencional? Pois há aqui uma estranha coerência que se manifesta também nas

alterações recentemente efetuadas ao nível da Direção-Geral do Património Cultural e na nomeação de um

especialista do mercado imobiliário como Diretor-Geral do Património Cultural, numa equipa sem um único

arqueólogo, e que tem como currículo a sua passagem, imagine-se, na Parvalorem. É um aparente entusiasta,

mesmo que por outro nome, de soluções do tipo Programa Revive, da concessão e alienação do património

público, como, aliás, é possível ler na proposta de seu próprio punho, que se designa Para uma estratégia

pública de gestão imobiliária em Portugal, realizada em 2013.

O Programa Revive, aliás, é exatamente o início da história da cedência de obras a um grupo hoteleiro

privado para as poder rentabilizar à conta do que é de todos, e não só de alguns, pois o Hotel Vila Galé Collection

Alter Real é exemplo de um imóvel alienado precisamente por via daquele programa.

O Sr. JoãoOliveira (PCP): — Exatamente!

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A Sr.ª AnaMesquita (PCP): — Vão-se os dedos e também os anéis e vamos ver se, de uns e de outros, um

dia se saberá o paradeiro, como naquele triste e célebre episódio de má memória das Pousadas de Portugal e

do património público. Pelo caminho, assiste-se a um inenarrável comunicado do grupo hoteleiro que ataca um

museu nacional, dizendo que a coleção estava, e cito, «em estado deplorável e de abandono». Que desfaçatez!

Ficará bem melhor, acharão, a decorar as vistas para turistas ricos do que a servir de património vivo para

estudo, divulgação, discussão, problematização, ou seja, para benefício coletivo nas reservas de um museu

público e para integração na sua normal programação museológica.

A política do património não pode estar sujeita ou subordinada ao mercado e à política de turismo. O

património cultural não pode ser alienado ou ver alteradas as suas características, nomeadamente físicas e de

usos, apenas por mera vontade do Governo e de interesses privados, independentemente de pressões que

estes possam exercer.

A pergunta que se coloca é, precisamente, que pressões existiram neste caso, pois há um parecer negativo

do Departamento de Museus, Conservação e Credenciação, em agosto de 2019, aprofundado por comunicação

da Diretora do Museu Nacional dos Coches, já este mês. E diz a Sr.ª Diretora, em termos claros, que «o

despacho de 13 de janeiro de 2020 de S. Ex.ª a Secretária de Estado Adjunta e do Património Cultural padece,

salvo o muito e devido respeito, de incompetência».

Sr.as e Srs. Deputados, o que se exige é que este negócio ruinoso não avance e, mais ainda, que não possa

concretizar-se a perspetiva aberta pela Secretária de Estado desta cedência vir a ser a primeira de muitas outras

cedências.

O Sr. JoãoOliveira (PCP): — Exatamente!

A Sr.ª AnaMesquita (PCP): — O que se exige, Sr.as e Srs. Deputados, é o cumprimento cabal das

responsabilidades do Estado na salvaguarda do património cultural. O que se exige é a concretização de

propostas que o PCP há muito defende de reforço do investimento, de um programa coerente e progressista

para o património cultural e o fim do esbulho, da privatização, da concessão que agora o Partido Socialista está

a colocar, com todas as fichas, em cima da mesa, com medidas da natureza deste triste caso.

O património, Sr.as e Srs. Deputados, não é nem pode ser moeda de troca em qualquer negociata. O

património público é de todos, tem de ser respeitado e isso tem de ser a realidade no nosso País!

O Sr. JoãoOliveira (PCP): — Muito bem!

A Sr.ª AnaMesquita (PCP): — É também por isso, Sr.as e Srs. Deputados, que o PCP, além de ter já

apresentado um requerimento para chamar à Comissão de Cultura a Sr.ª Ministra da Cultura para responder e

esclarecer cabalmente todo este caso, anuncia ainda a entrega, na Assembleia da República, de um projeto de

resolução para impedir a concretização da cedência das obras da Coleção Rainer Daenhardt e garantir a sua

manutenção no Museu Nacional dos Coches.

O Sr. LuísMoreiraTesta (PS): — Vergonha!

O Sr. AndréVentura (BE): — Cuidado com as palavras!

A Sr.ª AnaMesquita (PCP): — É uma vergonha, é verdade! O negócio é uma vergonha!

O Sr. LuísMoreiraTesta (PS): — É bom é ficar em Lisboa! Tudo em Lisboa!

A Sr.ª AnaMesquita (PCP): — O que é vergonha, Sr. Deputado Luís Moreira Testa — pode tranquilizar-se

— é que tudo isso tenha decorrido da maneira como decorreu: às escuras, num processo encapotado, em que

houve pareceres negativos, em que houve um museu nacional, que tem uma coleção integrada na sua reserva,

que disse que a coleção não deve ser cedida, e haver insistência, por parte do Governo, para essa cedência!

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O Sr. Luís Moreira Testa (PS): — É bom é no Museu dos Coches onde sempre os mesmos podem visitar!

A Sr.ª AnaMesquita (PCP): — A verdade, Sr. Deputado, é que não vai haver «resmas» de autocarros a ir

para dentro de um hotel ver aquilo a que só os privados que acedam e fiquem no hotel poderão ver, enquanto

as obras estão colocadas lá num sítio para alguém ver.

Isto porque elas vão estar ali, Sr. Deputado, para fazer o lucro de um empreendimento privado. Não só não

é para o benefício de todos e por não estar acessível a toda a gente, como, pelo contrário, serve para aprofundar

a política errada que o Partido Socialista está a fazer ao não investir, cada vez mais, na necessidade de

dinamização do património para, em vez disso, ceder património que é de todos nós!

Trata-se de abrir um precedente gravíssimo, com o qual o PCP não vai pactuar e, por isso, apresentará o

projeto de resolução.

Aplausos do PCP.

O Sr. JoãoOliveira (PCP): — Já a bíblia tinha o episódio sobre os vendilhões do templo!

O Sr. Presidente (António Filipe): — A Mesa regista três pedidos de esclarecimento à Sr.ª Deputada Ana

Mesquita aos quais a Sr.ª Deputada responderá conjuntamente.

Tem então a palavra, para um pedido de esclarecimento, a Sr.ª Deputada Alexandra Vieira.

A Sr.ª AlexandraVieira (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a cultura e o património têm vindo a

ser tratados como terra de ninguém e estão cada vez mais na mira dos interesses imobiliários.

O Sr. DuarteMarques (PSD): — Muito bem!

A Sr.ª AlexandraVieira (BE): — No Bloco de Esquerda, a nível nacional ou local, temos vindo a denunciar

diferentes situações de desresponsabilização, de abandono e de risco. Sejam museus, arquivos, sítios

arqueológicos, laboratórios, monumentos e edifícios históricos, tudo está ameaçado.

Não nos parece que a solução Revive garanta o cumprimento da Lei de Bases do Património. A história da

cedência da Coleção Rainer Daenhardt ao Hotel Vila Galé é um exemplo da maior gravidade. É grave pelo que

aconteceu e grave pelo que ainda não aconteceu. Em primeiro lugar, a cedência foi justificada com falsos

pressupostos. Não é verdade que a Coleção estivesse sem destino desde que foi doada ao Estado, pelo

contrário, estava integrada no Museu Nacional dos Coches.

Em segundo lugar, o destino não é seguro. O espaço para onde foi cedida a Coleção não cumpre os

requisitos técnicos, como dá conta o relatório da vistoria técnica.

Finalmente, a cedência é ilegal, porque não cumpriu a Lei de Bases do Património, contrariando o parecer

técnico, e negativo, tendo sido feita por quem não tem a competência para o fazer.

Como pode isso acontecer? É explicação que ainda aguardamos. Ainda mais, como é que a situação ainda

não foi parada? Se é ilegal, como pode acontecer? Ou não será? Esteve mal a anterior Diretora-Geral ao permitir

este processo, mas, Sr.ª Deputada Ana Mesquita, não lhe parece que está também muito mal o novo Diretor

que ainda não parou este processo?

E o que dizer da tutela — o Ministério da Cultura e a Secretaria de Estado — que tem dado cobertura a todo

este processo? Nas suas más desculpas e silêncios, dão razão aos receios de quem vê nas últimas decisões

do Ministério o caminho da mercantilização e privatização do património cultural.

Uma coisa é certa: terão toda a oposição do Bloco de Esquerda e de todos quantos, no País, defendem o

património.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para um pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado

Paulo Rios de Oliveira.

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O Sr. PauloRiosdeOliveira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Ana Mesquita,

partilhamos o mesmo ponto de partida. O Partido Comunista tem acompanhado as nossas iniciativas na

Comissão e, como sabe, temos acompanhado as do PCP no sentido de esclarecer tanta trapalhada.

A cultura tem estado nas páginas dos jornais e sempre por maus motivos: é a questão das obras de arte do

Estado, que tem de ser esclarecida; foi a nomeação muito anormal do novo Diretor-Geral do Património Cultural,

que suscitou uma reação violentíssima do setor e que carece de uma explicação; é a questão do Secretário de

Estado que tem uma empresa, que já não tem, que era para ter, mas depois não tinha e a parte do lucro que

podia receber; é a RTP, em que uma liderança fraca faz fraca as fortes gentes; é a ERC (Entidade Reguladora

para a Comunicação Social), em que as decisões são incompreensíveis e até se fala num ambiente pessoal

intransponível; são as nomeações. Enfim, a cultura acumula notícias e não são positivas.

Sr.ª Deputada, o Partido Comunista exige um conjunto de coisas e é a partir de agora que estamos em

dessintonia. Isto porque o PCP, no último Orçamento, apresentou mais de 20 propostas na área da cultura e,

que se saiba, na área do património cultural, tem aprovada uma ou meia proposta, mas votou o Orçamento.

A questão é esta: durante quanto tempo e o que é que tem de acontecer para que os senhores tenham uma

reação consequente? Isto porque enquanto for exigências da tribuna do orador e voto no Orçamento, o Partido

Socialista vive bem com isso. Nós fomos coerentes, não concordámos, queríamos saber e votámos contra!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para um pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado Luís

Capoulas Santos.

O Sr. LuísCapoulasSantos (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Ana Mesquita,

penso que se nos exige, enquanto Deputados, que, quando fazemos uma intervenção ou abordamos um tema,

saibamos do que estamos a falar e não me pareceu que isso tenha sucedido com V. Ex.ª, em primeiro lugar,

porque a ouvi referir várias vezes o património de Belém ou do Museu de Belém.

A Sr.ª AnaMesquita (PCP): — Ouviu mal!

O Sr. LuísCapoulasSantos (PS): — Aquele património foi adquirido pela Coudelaria de Alter do Chão no

período de 1995-2002, altura em que foi feito o maior esforço de investimento para a reabilitar, depois de, em

1995, ter estado à beira de acontecer a sua privatização e de ter sido evitada in extremis.

A Sr.ª AnaMesquita (PCP): — Está incorporada onde mesmo?

O Sr. LuísCapoulasSantos (PSD): — Trata-se de uma instituição com 272 anos de história, sendo a

coudelaria mais antiga na Europa a funcionar ininterruptamente e onde se fez um investimento relevantíssimo,

pretendendo que ali se instituísse um polo de desenvolvimento regional em torno desse cluster que é o cavalo

Alter Real, o cavalo Lusitano.

Assim, instalou-se um laboratório de genética molecular, que hoje funciona em ligação com a Universidade

de Évora; uma escola profissional de equitação, uma escola de falcoaria; um museu equestre, para o qual foram

adquiridas várias peças, entre as quais esta Coleção Daenhardt; foi criado um pequeno museu dos coches;

foram criados picadeiros cobertos e descobertos e ficou pendente a construção de um hotel que, na altura,

estava em negociação com a ENATUR (Empresa Nacional de Turismo), que entretanto sofreu a evolução que

todos conhecemos.

Portanto, Sr.ª Deputada, o que está em causa e o que gostaria que V. Ex.ª me dissesse é se quer que a

coleção, que foi adquirida pela Coudelaria para ser fruída na Coudelaria, no contexto de um projeto de

desenvolvimento regional ancorado no cavalo Alter Real, ali continue a ser exposta ou que seja exposta em

Lisboa.

A Sr.ª AnaMesquita (PCP): — Não disse isso!

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O Sr. LuísMoreiraTesta (PS): — Claro que é isso! Disse isso, sim!

O Sr. LuísCapoulasSantos (PS): — Isto porque, em 2013, o Governo de então decidiu transferir esse

património para a Direção-Geral do Património Cultural e só há pouco mais de um ano é que apareceram umas

camionetas na Coudelaria de Alter a reclamar esse seu património, invocando um decreto que tinha sido feito

três ou quatro anos antes.

O Sr. LuísMoreiraTesta (PS): — Isso mesmo!

O Sr. LuísCapoulasSantos (PS): — Portanto, Sr.ª Deputada, o que está aqui em causa é que está a ser

preparado o edifício mais digno da Coudelaria, que são as chamadas «casa altas», onde vai ser instalado um

museu, em património público — continua a ser de uma empresa 100% de capital estatal —, e, eventualmente,

haverá um património remanescente que poderá vir a ter exposição temporária na unidade hoteleira, ou não.

Mas isso, a Sr.ª Ministra da Cultura aqui virá esclarecer.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. LuísCapoulasSantos (PS): — O que interessa saber, Sr.ª Deputada, é se a Sr.ª Deputada defende

que esse património seja fruído em Alter do Chão, no contexto deste projeto, ou em Lisboa, no Museu dos

Coches, que deste património se apropriou?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Mesquita, para responder.

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, começo por agradecer as perguntas que

foram feitas e respondo, desde já, ao Sr. Deputado Capoulas Santos. Sr. Deputado, nós queremos isso tudo!

Risos do Deputado do PS Luís Moreira Testa.

Dizer que a Coleção está incorporada num museu nacional não significa que ela fique fechada dentro das

paredes do museu ou dentro da reserva.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — E mais: a dignidade que a Coleção tem só justifica o caráter público e a sua

incorporação num museu nacional.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Portanto, a valorização regional é precisamente tendo em conta e respeitando

esta característica particular.

O Sr. Luís Moreira Testa (PS): — É impressionante! Grande cambalhota!

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — O Sr. Deputado está muito animado!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Ele não sabe do que está a falar!

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Sr. Deputado Paulo Rios de Oliveira, o Partido Comunista Português chamou

a Ministra à Comissão, e o PSD acompanhou-nos, sim senhor.

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Agora, vamos apresentar um projeto de resolução para impedir que este negócio se efetue. Vai o PSD

acompanhar-nos nesta deliberação? Isto é que era importante saber, porque, depois, tal interliga-se com a

questão que o Sr. Deputado colocou. É no concreto que se vê a consequência e a coerência das ações.

Se as propostas que o Partido Comunista Português apresentou em sede de Orçamento do Estado tivessem

contado com o voto favorável do PSD, na maior parte das situações, tinham sido aprovadas e, portanto, tinham

resolvido problemas concretos que se colocam agora na cultura.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

Protestos do Deputado do PSD Duarte Marques.

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Como as nossas propostas não contaram com o apoio do PSD, nem do CDS,

ficaram em saco roto, dando oportunidade ao Partido Socialista para que elas não se concretizassem. É no

concreto das decisões e das votações que se vê por onde é que isto vai.

Sr. Deputado, tinha todas as condições, até, para nos ajudar a aprovar uma proposta tão importante como a

de 1% do Orçamento para a cultura. Era bom, era urgente, era necessário e ajudaria a que despautérios deste

género não estivessem a acontecer no nosso património cultural.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Sr.ª Deputada Alexandra Vieira, agradeço a questão que colocou.

A verdade é que há muitas coisas estranhas neste caso. É curioso que nem o autor da doação concorda que

as obras vão para o hotel. É curiosíssimo! Aliás, ele já veio dizer a público que discorda.

O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): — Foram compradas! Não houve doação nenhuma!

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Além disso, há um parecer negativo da diretora do Museu dos Coches.

Protestos do Deputado do PS Luís Moreira Testa.

Onde é que os senhores enquadram este parecer, tendo em consideração que se trata da entidade a quem

está entregue o cuidado da Coleção?

Se há um parecer contrário, se a Lei de Bases do Património Cultural diz que este parecer tem de ser tido

em conta e se há uma Lei de Bases que defende o património que é de todos, a decisão lógica é a de não abrir

precedentes nesta matéria, para que não haja outra cedência a qualquer outro grupo hoteleiro ou grupo de outra

coisa qualquer, garantindo, assim, o interesse público, garantindo que as obras fiquem onde devem estar e

garantindo que se valorize até o interior. Não temos nada contra isso…

O Sr. Luís Moreira Testa (PS): — Ah pois não!

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — … e o Museu dos Coches até tem polos descentralizados. É bom relembrar

isto.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Em Vila Viçosa! Em Vila Viçosa, ignorante!

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Portanto, aquilo que temos condições para fazer agora é colocar nas mãos

da Assembleia da República o impedimento da concretização deste negócio, que não é bom para o nosso País,

não é bom para a cultura e vai com certeza abrir precedentes de mercantilização, de concessão e de

privatização, o que nunca iremos acompanhar e combateremos sempre na linha da frente.

Aplausos do PCP e do PEV.

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O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado João

Almeida.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo do Partido

Socialista e, em particular, o Primeiro-Ministro afirmaram sempre que a postura de Portugal em relação à Europa,

enquanto este Governo estivesse em funções, ia ser de uma voz forte na Europa. E já vimos, várias vezes, o

Primeiro-Ministro reclamar essa voz forte, mas vimos menos vezes conseguir resultados dessa estratégia que

anunciou.

No início deste ano, há duas matérias, em termos europeus, que são essenciais para verificarmos se aquilo

que foi sempre proclamado pelo Primeiro-Ministro tem correspondência prática ou não. Por um lado, temos a

negociação do quadro financeiro plurianual e, por outro, temos a presidência portuguesa, que virá a ter lugar no

primeiro semestre do ano que vem.

Relativamente à presidência portuguesa, teremos oportunidade de falar daqui para a frente, mas já há um

dado que nos preocupa em relação ao seu programa. Foi anunciado pelo Primeiro-Ministro como prioridade

máxima da presidência portuguesa a relação da União Europeia com África e que, nesse contexto, iria realizar-

se a cimeira União Europeia-África. Acontece que essa cimeira já foi deslocada no calendário da presidência

portuguesa para a presidência alemã, ou seja, aquele que era o principal pilar da estratégia portuguesa e da sua

presidência ficou por terra e não vai realizar-se. Está ainda por perceber qual vai ser a alternativa do Governo

para conseguir concretizar esta prioridade.

Relativamente ao quadro financeiro plurianual, o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, nas primeiras

audições neste Parlamento, ainda na Legislatura anterior, desdenhou a possibilidade de Portugal definir uma

estratégia com os países da coesão, achando que Portugal devia falar com todos e devia até ter como prioridade

falar com os países mais fortes dentro da União Europeia. E, nesse contexto, disse que colocava completamente

de parte a hipótese de vetar o resultado final da proposta de quadro financeiro plurianual.

É altura de fazermos o balanço desta estratégia negocial. Esta estratégia negocial do Governo português,

em termos de valor, não assegurou, até ao momento, nem na coesão, nem na PAC (política agrícola comum),

que Portugal conseguiria proteger os seus interesses: não conseguiu, do ponto de vista do cofinanciamento,

garantir que aquilo que hoje em dia é um cofinanciamento de 15% não pode passar para 25% ou até para 30%;

não conseguiu, na distribuição do quadro financeiro plurianual entre os diferentes fundos, assegurar que

Portugal conseguiria, do ponto de vista estratégico, ter uma boa distribuição destes valores; não conseguiu

sequer concretizar a agenda europeia, que tem como prioridades o Green Deal e a transição digital, prioridades

sobre as quais não fazemos ainda a mínima ideia de qual vai ser o enquadramento de Portugal.

Neste sentido, é altura de questionar o Governo de Portugal sobre os resultados que não atingiu e sobre

aquilo que o Ministro dos Negócios Estrangeiros nos disse hoje que era a única coisa boa da atual proposta que

está em cima da mesa, a proposta do Sr. Presidente do Conselho, que é — pasme-se! — a introdução de duas

novas taxas. Ou seja, o Governo português, até ao momento, não conseguiu a concretização de nenhum dos

interesses nacionais na negociação e dá-se por feliz pelo facto de a proposta que está em cima da mesa

introduzir duas novas taxas, uma sobre o plástico e outra sobre o comércio de emissões.

Desde o início dissemos que a estratégia do Governo era errada e desde o início dissemos que Portugal

devia ter uma estratégia que permitisse, junto dos países com os quais fomos agora à pressa reunir, verificar

quais eram os interesses comuns e como é que, dentro desses interesses comuns, podíamos puxar a

negociação mais para a proposta inicial do Parlamento Europeu e afastá-la de outras propostas, como a da

presidência finlandesa ou a da atual do Presidente do Conselho.

Assim, o que é preciso voltar a exigir ao Governo português é coerência com aquela que foi a sua estratégia.

Vão ou não até ao fim com aquilo que definiram inicialmente? Achamos que não devem ir, achamos que devem

repensar essa estratégia e achamos, principalmente, que esta é a altura de pôr em cima da mesa um instrumento

fundamental da negociação.

O Ministro dos Negócios Estrangeiros disse, no início das negociações, que o veto estava fora de hipótese

porque não ia ser preciso e porque tinha a certeza de que Portugal ia conseguir uma boa negociação. Até ao

momento não conseguiu.

Portanto, é fundamental saber se o Partido Socialista, que, no Parlamento Europeu, já criticou o ponto atual

das negociações e que, através dos seus Eurodeputados, já admitiu a hipótese de Portugal vir a vetar a proposta

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final, aqui, no Parlamento nacional, diz o mesmo e, mais, se recomenda ao Governo que ponha em cima da

mesa esse instrumento fundamental.

Desde o início dissemos que o veto não deveria ser excluído, porque, se o excluíssemos, perdíamos força.

Desde o início dissemos que seria preciso assegurar que o valor global não descia, e isso não está assegurado

nem para a coesão nem para o segundo pilar da PAC. Desde o início dissemos que as comparticipações não

deveriam piorar a nossa situação e, até ao memento, estão a piorar.

É por isso que achamos que o veto tem de estar em cima da mesa e que a defesa do interesse nacional

implica que o Governo português admita que definiu mal a estratégia para esta negociação, que a corrija e que

se aproxime da posição inicial do CDS. Para isso, terá a nossa solidariedade, mas terá de ter como prioridade

a defesa do interesse nacional.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado, a Mesa registou a inscrição, para pedir esclarecimentos,

de três Srs. Deputados.

Pergunto como pretende responder.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Um a um, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel

Rodrigues,

A Sr.ª Isabel Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, Sr. Deputado João Pinho

de Almeida, começo por saudá-lo pela importância do tema que trouxe a debate.

Todos acompanhámos, ao longo da última semana, as negociações em torno do quadro financeiro plurianual

da União Europeia e estou certa de que todos nós gostaríamos que essas negociações tivessem terminado bem

e que hoje estivéssemos aqui, através de declarações políticas ou de outra figura regimental, a celebrar um bom

quadro financeiro plurianual.

Julgo que a questão que se deve colocar é a seguinte: o que é um bom quadro financeiro plurianual para

Portugal? Essa é que é a questão fundamental.

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Isabel Rodrigues (PS): — Também nos devemos perguntar se a posição portuguesa, que aliás foi

hoje apresentada pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, é não só a que melhor salvaguarda os interesses

de Portugal mas a que melhor procura também salvaguardar o ideal europeu. Nós não estamos sozinhos na

Europa, Sr. Deputado.

Pergunto-lhe, Sr. Deputado, se está de acordo que Portugal parta de uma posição em que não podemos ter

menos fundos no próximo quadro financeiro plurianual do que aqueles de que dispomos no atual quadro.

Pergunto-lhe também se concorda que para Portugal é muito importante a estrutura da despesa no

orçamento da União e que, nesta estrutura da despesa, é fundamental a afetação de recursos à política agrícola

comum e à política de coesão.

Pergunto-lhe ainda se concorda que a dupla transição ambiental e digital tem de ser feita tendo como pano

de fundo uma Europa social, porque esta é que é a grande prioridade da presidência portuguesa, tal como hoje

foi definida pelo Sr. Ministro.

Querer reduzir a presidência portuguesa à questão da realização, durante essa presidência, da cimeira União

Europeia-União Africana não faz sequer jus nem à relação que Portugal mantém com África nem à relação que

Portugal mantém com os seus parceiros europeus.

Portanto, Sr. Deputado, ficaria muito grata se pudesse dizer-me se se revê na posição portuguesa, porque

julgo que o que está em causa é perceber o que é um bom acordo e se o devemos obter a qualquer preço.

Entendi, da sua parte, que sim.

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Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Almeida.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, agradeço as questões que

colocou.

Começo por responder já à questão sobre a cimeira União Europeia-África. Obviamente que a cimeira não é

exclusiva da presidência portuguesa que se vai iniciar no próximo ano. Nas presidências anteriores, a relação

da União Europeia com África foi uma prioridade por razões óbvias e se há matéria em que Portugal, no contexto

da União Europeia, tem uma posição de valor do ponto de vista estratégico é nessa relação com África e na

valorização que podemos dar a essa questão.

Portanto, perdermos a influência nessa matéria para a presidência alemã não é um bom princípio, mas

teremos oportunidade de discutir essa matéria futuramente.

Relativamente ao quadro financeiro plurianual, estamos de acordo com toda essa posição de princípios.

Acontece que a negociação tem ido em sentido contrário àquela que era a posição inicial. E aquilo que temos

de dizer é o seguinte: no início, alertámos para o facto de a estratégia portuguesa não dar resultados nesse

contexto por estarmos a privilegiar um tipo de posicionamento, em termos europeus, com países que não

partilhavam a mesma situação que nós, em vez de estarmos, desde o início, a partilhá-la com realidades

semelhantes à nossa, que é a dos países da coesão. Por isso, fomos agora a correr realizar a cimeira da coesão

para tentar arrepiar caminho e recuperar influência. Se ainda formos a tempo, ótimo.

Mas o que temos de saber, e sobre isso a Sr.ª Deputada não falou, é se o Grupo Parlamentar do PS no

Parlamento nacional está de acordo com o Grupo Parlamentar do PS no Parlamento Europeu, o que implica

estar em desacordo com o Governo.

É que o Grupo Parlamentar do PS no Parlamento Europeu admite o exercício do direito de veto, o Governo

não admite, a grande questão que ainda vamos ficar hoje sem saber, mas que esperemos que se clarifique nos

próximos tempos, é se Grupo Parlamentar do PS, aqui, na Assembleia da República, reconhece ou não a

importância desse instrumento de negociação que é o exercício do direito de veto.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado, afinal tem quatro pedidos de esclarecimento e não três

como anunciei.

A Mesa está a aceitar inscrições para pedir esclarecimentos de uma forma que é muito flexível mas é pouco

regimental. Portanto, peço aos grupos parlamentares que, durante a intervenção do orador, sinalizem à Mesa

se pretendem ou não fazer pedidos de esclarecimento.

Tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Marques.

O Sr. Duarte Marques (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, é importante lembrar à Câmara que

a preparação desta negociação envolveu todos os partidos e raras vezes se conseguiu um consenso tão

importante nas prioridades.

Ora, ouvindo as declarações do Partido Socialista e a resposta do CDS, apraz-me dizer que no Parlamento

os partidos pró-europeus estão todos de acordo, mas quem parece não estar de acordo é o Governo, porque é

isso que se consegue perceber do falhanço desta negociação.

Assim, chamo a atenção, porque é também esse o nosso papel, que há quatro anos alertámos o Governo

para o facto de não estar a reunir o grupo dos «Amigos da Coesão». Os Deputados do PS vão dizer: «Lá vem

ele outra vez com esta conversa». Pois é, mas repetimos tantas vezes e não nos ligaram.

O nosso atual Primeiro-Ministro andava apaixonado pelo Presidente Macron e tudo era França. Era com os

países do sul que Portugal queria manter uma excelente relação, quando os nossos interesses não eram os

países do sul; os países que, ao nível da coesão, tinham os mesmos interesses que nós eram outros países e

foi atrás desses que fomos agora, a correr, à última da hora, quase à porta do casamento, ou da decisão, para

reunir de forma interessada e pedir ajuda para resolver um problema que era nosso, Esse foi um erro que nós

sempre apontámos.

É por essa razão que a negociação gerida por este Governo é um falhanço.

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E pior: quando tudo já estava tão mal, depois da reunião — ou do teatro da reunião — dos «Amigos da

Coesão», que foi mais de oportunismo do que de convicção, a proposta que sai do conselho a seguir ainda é

pior.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Ainda é pior, é!

O Sr. Duarte Marques (PSD): — Estejam quietos, não estraguem mais, é o que apetece dizer.

Sr. Deputado João Almeida, aquilo que faz sentido perguntar é: em que é que ficamos? Mais vale um não

acordo do que um mau acordo?

Penso que todos concordamos que Portugal não pode aceitar esta negociação, nem encontrar desculpas

nos outros para o falhanço das nossas prioridades. O que aqui aconteceu foi que talvez António Costa tenha

trocado o apoio de França para a eleição, por exemplo, do Ministro das Finanças para o Eurogrupo pelo

financiamento de Portugal.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Hortense Martins (PS): — Uma vergonha!

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado João Almeida, tem a palavra, para responder.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Duarte Marques, começo por lhe

agradecer as questões que colocou.

Efetivamente, a estratégia do Governo português foi conduzida assim. Lembro-me que, quando se falava da

reunião dos «Amigos da Coesão», no início deste processo, o Governo quase que desdenhava dessa realidade,

dizendo que isso era coisa de outros tempos e de outros governos e que este Governo fazia alta política

europeia. Tinha dirigentes, tinha, desde logo, um Primeiro-Ministro que tinha um estatuto ao nível da União

Europeia que fazia com que Portugal não tivesse de andar a discutir minudências com os países da coesão,

porque fazia as grandes discussões do futuro da Europa e as grandes discussões da prioridade orçamental da

Europa.

O problema é que nem a cobertura orçamental para as grandes prioridades da Europa está assegurada,

como falei, seja no Green Deal, seja na transição digital, mas, pior, não estão assegurados os interesses

nacionais, todos aqueles que foram referidos ainda agora.

Está assegurado não termos uma verba inferior àquela que tínhamos no quadro anterior? Não está.

Conseguirmos que o segundo pilar da PAC seja equivalente pode estar perto de estar assegurado em valor mas

tem um problema grave, que é o da contrapartida nacional. É que se a contrapartida nacional aumenta

substancialmente vai ser muito questionável que consigamos acompanhar.

Quanto à coesão, continuamos a reclamar — e bem — não perder no Fundo de Coesão, mas a questão é

que temos uma taxa de execução de 30% no Fundo de Coesão, que compara com 63% no quadro anterior no

mesmo momento. Bem sabemos que este quadro tem mais um ano, é N+3 não é N+2, mas a questão é que

estamos a meio da execução.

Portanto, aquilo que temos de questionar neste momento é, a partir daqui, qual é a estratégia do Governo. É

que, quanto a essa questão de um não acordo ser melhor que um mau acordo, temos de saber o que está em

cima da mesa e o que sabemos até agora foi o que o Sr. Deputado disse, isto é, depois da reunião dos «Amigos

da Coesão», tendo sido essa reunião demasiado tardia, aquilo que está em cima da mesa é ainda pior do que

o que estava antes.

Aplausos do CDS-PP e do Deputado do PSD Duarte Marques.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para pedir esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado João Pinho de Almeida, o PCP tem vindo a chamar

a atenção para o facto de este quadro financeiro plurianual estar confirmar-se como a tradução e a concretização

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de políticas que são negativas, e não só para Portugal, desde logo, de imposição e restrição ao desenvolvimento

e à soberania do nosso País.

Dissemos claramente que a primeira proposta apresentada pela Comissão Europeia já era inaceitável e

agora, quase dois anos depois, a discussão no Conselho Europeu foi marcada por uma proposta ainda pior para

Portugal.

Hoje, na comissão parlamentar, o Ministro dos Negócios Estrangeiros teve uma intervenção em que, a dada

altura, já se tornava estranho o enlevo com que falava da evolução favorável deste processo para a posição

portuguesa, quando todo este debate está a confirmar que é em múltiplas frentes que este orçamento se revela

profundamente negativo, pois, para além dos cortes nas áreas da coesão e da agricultura são as dificuldades

acrescidas no acesso e mobilização dessas verbas — o Sr. Deputado já referiu alguma delas — e é a gestão

centralizada dos fundos, com os resultados que já se evidenciaram, e agora vai-se ainda mais longe nessa

opção e nesse modelo. Aliás, é significativo que as tais novas receitas próprias da União Europeia — o Sr.

Deputado já aludiu a elas — sejam precisamente aquelas que deixam intocados os interesses das multinacionais

e dos gigantes económicos, sendo obtidas em processos perversos de mercantilização do ambiente e de

penalização das populações.

Sempre sublinhámos que no deve e no haver da integração europeia o critério contabilístico é uma

mistificação, mas mesmo nessa medida foi surpreendente a dificuldade, para não dizer mais, do Ministro Santos

Silva em responder de forma direta a esta questão do resultado líquido para Portugal e da prevista diminuição

significativa deste saldo, em termos comparativos com anteriores quadros.

Estamos a pagar cada vez mais e a receber cada vez menos, mas o que é certo é que não há dinheiro que

pague o setor das pescas, as comunidades industriais destruídas, a perda de soberania e é por isso que

devemos ser firmes na rejeição destas propostas desastrosas, assumindo com clareza que não abdicamos de

nenhum instrumento para a defesa…

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — … do interesse nacional, incluindo o veto, mas também desta lógica de bloco

de política comunitária de dominação económica que pretendem consolidar neste processo de integração

capitalista europeu.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Bruno Dias, é verdade que o PCP,

e concretamente o Sr. Deputado, tem colocado várias vezes essa questão ao Sr. Ministro, ou seja, se a postura

do Governo português não é a tentativa de, perante uma proposta tão má, tão má, tão má, vir dizer que uma

solução péssima já quase é uma vitória.

Mas eu preferia ficar naquilo que o Sr. Ministro disse também hoje na comissão, ou seja, que a proposta final

tem de ficar entre aquilo que era a proposta inicial da Comissão Europeia e aquilo que era a proposta inicial do

Parlamento Europeu. Essa é uma baliza importante para sabermos a resposta, que ainda não temos, à seguinte

questão: o Governo português usa ou não todos os mecanismos que tem ao seu dispor? É importante sabermos

aquilo que o Governo português vai fazer se a proposta final estiver abaixo daquilo que era a proposta inicial da

Comissão, ou seja, fora da janela que hoje o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros aqui propôs.

Há ainda uma outra questão importante a que o Sr. Deputado também alude: estamos só a falar de grandes

números em relação a cada uma das áreas, não temos ainda, sequer, a noção do que é a distribuição, fundo a

fundo, do que virá no próximo quadro financeiro plurianual. Ora, isso está muito longe de ser indiferente, porque,

como disse, por exemplo no setor da agricultura, no segundo pilar da PAC, tem uma relevância muito grande

saber o que é que vai acontecer com o cofinanciamento.

É que é muito diferente ter um projeto com uma comparticipação de 15% ou ter um projeto com uma

comparticipação superior. Não nos basta dizer que o valor é o mesmo. Se em cada projeto a contrapartida

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nacional for substancialmente superior isso coloca na mesma problemas que têm a ver com a sustentabilidade

de atividades fundamentais, como é o caso do setor agrícola que o Sr. Deputado referiu.

Portanto, para nós, não é só relevante a questão global da negociação, vai ser muito importante saber

também como é que, fundo a fundo, se vão distribuir as condições de aplicação de cada um dos programas para

sabermos se, do ponto de vista da nossa economia, há ou não há condições para o próximo quadro financeiro

plurianual ser positivo para Portugal.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Fabíola Cardoso.

A Sr.ª Fabíola Cardoso (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado João Pinho de Almeida, decorreu hoje, como

foi aqui dito, a audição com o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros. Sabemos que não houve acordo para o

quadro financeiro plurianual, apesar da postura assertiva, diria, dos «Amigos da Coesão» a que Portugal

pertence, pelo menos por agora.

Parece que, afinal, estamos todos de acordo. Queremos, como se diz agora, mais ambição, queremos mais

Europa, queremos um «bolo» pelo menos do mesmo tamanho e que as «fatias» que nos interessam sejam

garantidas. Queremos mais resposta aos populismos, aos avanços da extrema-direita e isto, para o Bloco de

Esquerda, é conseguido com um reforço das políticas de coesão, sem dúvida, e de desenvolvimento regional.

Ora, isto implica obrigatoriamente o abandono das políticas dos últimos anos: privatizações extensivas,

precarização das relações laborais, fragilização da negociação coletiva, do direito à greve. Aliás, mais do que

um abandono é uma verdadeira inversão de valores, inversão no sentido da procura de uma Europa que seja

efetivamente construída para todos, nomeadamente implementando medidas que combatam a pobreza,

desenvolvam a democracia e a inclusão na Europa, pois não é isso que tem acontecido.

Ficamos contentes por verificar que o CDS agora já se levanta numa não submissão às regras europeias,

defendendo o País, pondo em cima da mesa, com coragem, a possibilidade do veto, mas é um bocadinho difícil

conciliar as duas coisas, isto é, uma Europa militarista ser conciliada com uma Europa que se baseia em valores

humanistas e de promoção da coesão. É difícil fazer isto. Como é que o CDS proporia fazer este equilíbrio tão

difícil de conseguir?

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Fabíola Cardoso, agradeço as

questões que colocou e quero dizer-lhe o seguinte: o CDS é um partido que esteve desde sempre empenhado

na construção europeia e no projeto europeu e reconhece ao projeto europeu aquelas que são as suas principais

características. Antes de mais, o projeto europeu é um projeto de paz, que garantiu o maior período de paz de

sempre dentro do espaço europeu.

Estivemos na base da adesão de Portugal, na altura, à CEE (Comunidade Económica Europeia) e não fomos

de certeza nós que, neste Parlamento, algum dia, nos opusemos àquele que foi o processo de alargamento da

União Europeia, no sentido de dar a povos que tinham estado debaixo de ditaduras totalitárias durante muitos

anos a possibilidade de participarem neste projeto de paz e neste projeto de coesão social.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Por isso, quadro a quadro, aquilo por que lutamos é para que,

efetivamente, esta Europa, que trouxe prosperidade a Portugal e a muitos outros países — é importante também

que reconheçamos isto —, continue a ter a capacidade de fazer uma distribuição suficientemente equitativa dos

fundos para que a coesão exista de facto.

Portanto, do nosso ponto de vista, independentemente de políticas nacionais em que temos a maior

divergência, na negociação de um quadro financeiro plurianual como este é fundamental assegurar, por um

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lado, que os interesses nacionais são defendidos e, por outro, que a Europa continua a ter esse propósito de

manutenção de paz e de promoção da coesão social.

O que achamos neste momento é que o Governo não conseguiu fazer o suficiente para assegurar a primeira

parte, ou seja, a defesa do interesse nacional, e também não se empenhou o suficiente para conseguir que a

Europa tenha um novo capítulo que efetivamente faça com que todos nos sintamos confortáveis nesse projeto

europeu e saibamos que aquilo que, no passado, motivou este projeto continua a motivar e continua a fazer

sentido, não só para os que estão dentro mas também para aqueles que podem vir a juntar-se à União Europeia

e a fazer parte dela.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo decidiu usar

na sessão de hoje o seu direito à realização de uma declaração política, pelo que tem, para esse efeito, a

palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A estátua que simboliza a justiça

é a de uma mulher com uma balança, indicando equidade e ponderação na hora de julgar, uma espada,

representando a determinação na aplicação da lei, e uma venda nos olhos, em sinal de imparcialidade e de

objetividade da justiça.

Mas, hoje, a justiça portuguesa tem uma balança descalibrada, uma espada romba, que nada corta, e uma

venda tão apertada que tornou a justiça cega mas não no bom sentido.

A justiça, em vez de olhar para todos como iguais perante a lei, simplesmente deixou de ver — nada vê e

nada sabe. «Nada sabe» foi, aliás, a resposta dada, mais de 40 vezes, pelo Primeiro-Ministro ao juiz Carlos

Alexandre sobre o caso de Tancos.

Já tínhamos aqui o socialismo utópico, o socialismo científico, o socialismo democrático. Agora, acho que

temos o socialismo distraído, os socialistas distraídos que fingem que nada veem e nada sabem, no que toca à

justiça.

Nós, no Iniciativa Liberal, vemos bem. Estamos de olhos bem abertos e não nos deixaremos distrair.

Estivemos de olhos bem abertos nesta Câmara, em dezembro, quando denunciámos a prescrição de multas,

de centenas de milhares de euros, à maioria dos partidos aqui representados. Desafiámos os partidos a pagar

as multas ainda não prescritas, deixando de utilizar manobras dilatórias e de se aproveitar da falta de meios da

entidade fiscalizadora. Fizeram-se de distraídos.

Estivemos de olhos bem abertos quando reagimos, imediatamente, ao parecer do Conselho Consultivo da

Procuradoria-Geral da República, que pretendia clarificar os poderes da hierarquia do Ministério Público e

recomendar que as ordens dadas não constassem dos respetivos processos. Um parecer não datado, não

assinado, sem menção de eventuais votos vencidos, mas que, mesmo assim, foi rapidamente transformado em

diretiva vinculativa pela Sr.ª Procuradora-Geral da República.

E ninguém acha estranho que o parecer tenha sequer sido solicitado? O que se passa no Ministério Público

para que a Sr.ª Procuradora sinta a necessidade de vir pedir um parecer interno clarificador dos seus poderes?

Só um distraído não perguntaria.

Também estivemos de olhos bem abertos, quando requeremos uma audição parlamentar urgente à

Procuradora-Geral da República e ao Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público. Queremos

esclarecer os motivos de, no limite, atribuir ao topo da hierarquia o poder de condução de todos os passos dos

inquéritos, sem que seja possível perceber por que foram dadas diretivas, sequer se foram dadas diretivas,

tornando impossível o apuramento de responsabilidades. Isto é tudo menos transparência — mesmo os mais

distraídos concordarão.

É esse papel que temos, de fiscalizar o cumprimento da lei e denunciar o que está errado, que iremos

continuar a fazer, por muito que outros nos queiram ver calados ou vendados, do lado dos distraídos.

Continuaremos de olhos bem abertos. Apesar de a nossa audição à Procuradora-Geral da República ter sido

chumbada pelo PS, pela abstenção do Partido Comunista Português e da Deputada não inscrita e pela ausência

do PAN e do Chega, e apesar de a diretiva da PGR ter sido, entretanto, suspensa por pressão pública, iremos

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ouvir o Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público e não desistiremos de querer saber as

razões que levaram a Procuradora-Geral da República a pedir este parecer.

Uma Procuradora-Geral da República que não saiba, ou não queira, explicar o que se está a passar dentro

do Ministério Público e qual a necessidade deste parecer, não tem condições para continuar no cargo. É

fundamental perceber o que se passa num dos pilares fundamentais do Estado de direito. Quando o Estado de

direito está em causa há explicações a dar ao País, mesmo que ao PS lhe interesse fingir que está distraído.

Continuaremos também de olhos bem abertos fazendo tudo para que o Conselho Superior da Magistratura

instaure uma sindicância sobre as recentes suspeitas de viciação do sistema eletrónico de distribuição de

processos no Tribunal da Relação de Lisboa, tema da maior gravidade que não parece preocupar o Governo.

Dá-lhes jeito estarem distraídos.

Continuaremos de olhos bem abertos, desafiando os socialistas que dominam o aparelho de Estado a

respeitarem as instituições no cumprimento das suas funções. Falo de casos como os do Ministro do Ensino

Superior ou do Presidente da Câmara de Lisboa, que entenderam desconsiderar completamente os relatórios

do Tribunal de Contas. Os socialistas distraídos exaltam-se quando alguém os contraria e, aí, deixam cair a

máscara. Porquê? Porque uma instituição — imaginem só! — faz o seu trabalho de escrutinar a despesa pública

e o cumprimento da lei.

Continuaremos de olhos bem abertos ao levantar a voz contra a hipótese da ida de Mário Centeno para

Governador do Banco de Portugal, mesmo que o PSD não o faça. Para nós, é óbvio o conflito de interesses que

há em o Ministro Centeno propor ao Conselho de Ministros de que faz parte o nome do Dr. Centeno para o cargo

de Governador do supervisor do sistema que o Ministro Centeno tutelou até agora! Ao não denunciar este

assunto, Rui Rio e o PSD alinham com os socialistas mais distraídos, um bloco central da distração que não vê

mal nenhum em nada disto.

Este mesmo bloco central da distração «cozinha» a forma como os juízes do Tribunal Constitucional são

eleitos. Um sistema em que os juízes são nomeados pelo PS e PSD, como estes bem entendem. Um sistema

que tem de acabar. A seu tempo, apresentaremos a nossa proposta sobre a eleição dos juízes para o Tribunal

Constitucional, mas as eleições desta sexta-feira não podem ficar apenas por um comentário também distraído.

É que o bloco central acha que «deita os foguetes» e os outros partidos que se resignem. Não contem

connosco para «apanhar as canas». Nós recusamos o nome de Vitalino Canas para o Tribunal Constitucional e

saudamos todos os partidos que já assumiram idêntica posição publicamente.

É impensável que alguém que foi porta-voz do Governo Sócrates, Deputado do Partido Socialista e Secretário

de Estado de Guterres possa ocupar o lugar de juiz do Tribunal Constitucional. O cargo tem demasiada

relevância institucional e requer demasiada independência para permitir tanta proximidade em relação à política

partidária e tanta porta-giratória. Para mais, é público que a pessoa em causa é amiga de José Sócrates, e sabe-

se que não é improvável que a operação Marquês possa, no futuro, vir a ser apreciada pelo Tribunal

Constitucional. Independentemente de serem ou não listas conjuntas, chamo a vossa atenção para isto.

Estes sinais dizem-nos que estamos a voltar a um tempo em que o Partido Socialista se confunde com o

Estado e o Estado com o Partido Socialista.

Ninguém pode fechar os olhos a este estado de coisas. Neste tipo de casos, não podemos ser distraídos, e

muito menos cegos. Não podemos deixar que o funcionamento da justiça, um dos pilares da nossa democracia

liberal, esteja em causa. Temos de estar atentos, de olhos bem abertos, para intervir, denunciar e propor

alternativas que deem a Portugal o que ele precisa.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira terminar, Sr. Deputado.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Vou terminar, Sr. Presidente.

Portugal precisa de combater os conflitos de interesse e de uma efetiva separação de poderes. Portugal não

precisa que um partido se confunda com o Estado.

Portugal precisa de mais liberalismo político e de menos socialismo distraído e cego, no que toca à justiça.

Nós não estaremos distraídos. Nós não fecharemos os olhos.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Uma intervenção sobre a separação de poderes. Isto é que é liberal!

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O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, inscreveram-se três Srs.

Deputados para pedir esclarecimentos. Como pretende responder, Sr. Deputado?

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, respondo por duas vezes, primeiro, a um grupo de

dois Srs. Deputados e, depois, a um Sr. Deputado.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Muito bem, Sr. Deputado.

Tem a palavra o Sr. Deputado André Ventura, que dispõe de 1 minuto, como sabe.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, quero felicitar o Sr. Deputado Cotrim de Figueiredo por ter

trazido aqui um tema fundamental do nosso Estado. Socialismo distraído é uma ótima expressão e mostra bem

a situação em que estamos.

Pegando no exemplo que deu, soubemos que os procuradores queriam inquirir António Costa e até Marcelo

Rebelo de Sousa e que isso não lhes foi permitido, o que foi noticiado amplamente pela imprensa. Soubemos

que uma diretiva do Ministério Público procurava agora escamotear um pouco a situação em relação àquilo que

os procuradores, que têm o dever de investigar, poderiam fazer.

Ouvimos até uma reputada jornalista referir esta semana que o Primeiro-Ministro ligou para a TVI a dizer que

a despedissem. E tudo isto vem, de facto, no seguimento do que referiu, desta «venezuelização» do regime,

que é preocupante.

Protestos do PS.

Não gostam da expressão «venezuelização», Srs. Deputados? Tenham calma!

Talvez agora possamos perceber os contornos que levaram à saída da antiga Procuradora-Geral da

República, Joana Marques Vidal, e à chegada da nova Procuradora-Geral da República.

Mas gostava de perguntar-lhe, Sr. Deputado, se entende ou não como útil rever as regras de nomeação da

própria Procuradora-Geral da República, que será sempre, no esquema que temos, de alguma forma, refém do

poder político instalado.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira terminar, Sr. Deputado.

O Sr. André Ventura (CH): — Vou terminar, Sr. Presidente.

Pergunto-lhe também, Sr. Deputado, se aceita rever as regras da eleição para o Tribunal Constitucional,

porque, enquanto estes poderes não forem verdadeiramente independentes, não conseguiremos ter

independência da justiça em Portugal.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem, agora, a palavra, também para pedir esclarecimentos, a Sr.ª

Deputada Isabel Alves Moreira.

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, o «aplauso»

que acaba de ter mostra bem a falta de dignidade da sua intervenção.

Vozes do CDS-PP e do CH: — Eh!…

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — O Sr. Deputado fez aqui uma intervenção lastimável a vários níveis. O

Sr. Deputado começou por dizer que a justiça é cega, que a justiça tem uma venda, e o Sr. Deputado fez uma

intervenção de, desculpe-me a expressão, «chico-esperto populista».

É que o Sr. Deputado sabe que o populismo, hoje, alimenta-se de várias coisas, sendo uma delas a de falar

da justiça assim de uma forma atabalhoada ou a de falar da corrupção com lugares comuns, sem dizer grande

coisa.

O Sr. Deputado começa por falar em separação de poderes. Ora, para começar, o Sr. Deputado devia saber

o que é Estado de direito e, depois, devia saber o que é a separação de poderes, antes de falar do que falou.

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O Sr. Deputado não sabe o que é o dever de reserva do juiz nem o que é a separação de poderes. É que o

Sr. Deputado fala de casos concretos que estão a ser julgados e acha que este Parlamento deve substituir-se

ao poder judicial.

Aplausos do PS.

Protestos do Deputado do CH André Ventura.

Portanto, não sei se o Sr. Deputado quer fazer uma revisão constitucional ou se está, pura e simplesmente,

fora do quadro constitucional.

O Sr. Deputado diz que não percebe como é que a Procuradora-Geral da República pediu um parecer e quer

saber como é que ela se atreveu a pedir um parecer.

Mas o que é que o Sr. Deputado tem a ver com isso?! O Sr. Deputado não sabe que não tem a ver com isso?

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Não devo estar a ouvir bem!

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — O Sr. Deputado acha que deve dar ordens à Procuradora-Geral da

República?! Olhe que isso é que é muito grave em termos de separação de poderes! Isso é que é muito grave

em termos de separação de poderes!

Aplausos do PS.

Depois, diz que está espantado com os critérios de nomeação dos juízes para o Tribunal Constitucional.

Sabe que esses critérios decorrem da Constituição da República Portuguesa? Mais uma vez, o Sr. Deputado

está fora do quadro constitucional português!

Sei que o Sr. Deputado defende uma ideologia, está no seu direito, mas, Sr. Deputado, nós temos um quadro

constitucional e é nesse quadro que tem de se mover.

Portanto, essas parangonas, de que a justiça está muito mal, de que está tudo muito mal, não têm base real.

O Sr. André Ventura (CH): — Ah, pois não! A justiça está ótima!

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Francamente, foi uma intervenção indigna.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Cotrim de

Figueiredo.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, agradeço as questões colocadas pelos Srs.

Deputados André Ventura e Isabel Moreira.

Começando pela Deputada Isabel Moreira, quero dizer que não pretendo ter autoridade moral para lhe dizer

o que é digno e o que é indigno nas suas intervenções. Acho que devia comentar o tema que tratei, sem o

deturpar, já agora. Não falei de casos particulares, exceto para dar um exemplo, mas não era disso que eu

estava a tratar, e certamente não perguntei por que é que a Procuradora-Geral da República tinha pedido um

parecer, não questionei a autoridade, nem a legitimidade para o fazer.

Agora, por que é que alguém que está no cargo há tanto tempo como esta Procuradora já está sente

necessidade de pedir a um Conselho Consultivo, que é nomeado de entre magistrados que fazem parte do

próprio Ministério Público, num sistema basicamente interno, que clarifique os seus poderes de direção de

processos? Por que é que isto acontece, Sr.ª Deputada? Sabe dizer-me? Por que é que foi necessário clarificar

os poderes da Procuradora-Geral da República? Foi alterada alguma coisa, nos últimos anos? Alguma coisa se

passou dentro do Ministério Público, ou pressões externas ou pressões internas, para que seja necessário

reforçar a lógica da direção interna dos processos.

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Se é indigno perguntar isto, se é indigno achar que isto é uma forma de a justiça não estar a funcionar, já

nem sei mais que lhe diga, Sr.ª Deputada. Ficará consigo essa apreciação.

Relativamente ao que me pergunta o Sr. Deputado André Ventura, sim, pode envolver alterações

constitucionais inclusivamente, se tivermos vontade de alterar a forma como a Procuradora-Geral da República

e os juízes do Tribunal Constitucional são eleitos. Sim, pode haver essa necessidade. Não me custa, não acho

que isso seja também um caso de lesa-majestade, e acho mais: acho que este ambiente geral de confusão entre

o Partido Socialista e o Estado não se fica só pela área da justiça, em que incidi mais hoje, mas abrange outras

coisas.

A maneira como o Partido Socialista ignora olimpicamente os serviços públicos e o caos que há nos serviços

públicos e noutras matérias, a maneira como «empurra com a barriga» ou espera que se resolvam sozinhos

temas como esse que se citou do caso da jornalista da TVI que se sentiu pressionada e que ninguém veio

esclarecer, à espera que passe, tendo nós ficado sem saber se há ou não algum fundo de verdade nisso, tudo

isso são sinais de que algo está profundamente errado no nosso País e foi isso que quis trazer aqui hoje ao

Parlamento.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mónica

Quintela.

A Sr.ª Mónica Quintela (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, o PSD rejeita as

imputações que fez e não embarca em populismos. São públicas, no entanto, as preocupações manifestadas

pelo Sr. Presidente do PSD relativamente à justiça e, por isso, reiteradamente tem falado da necessidade de

ser feita uma reforma estrutural na justiça.

As notícias trazidas a público causam naturalmente muita preocupação, designadamente quando apontam

para a violação de princípios basilares em que assenta a justiça e, por inerência, o Estado de direito democrático.

A autonomia do Ministério Público, a independência e a imparcialidade dos tribunais impõem a observância

dos princípios da legalidade, da objetividade e do juiz natural.

São conhecidas situações em que é o próprio Ministério Público que refere que pretende estar presente no

momento da distribuição dos processos nos tribunais superiores. Isto diz muito, Sr.as e Srs. Deputados.

Também por isso, o Grupo Parlamentar do PSD fez já um requerimento, que foi hoje aprovado na 1.ª

Comissão, para ouvir a Sr.ª Ministra da Justiça, que tutela o IGFEJ (Instituto de Gestão Financeira e

Equipamentos da Justiça), entidade responsável pela aplicação informática que procede à distribuição eletrónica

dos tribunais, para que preste as explicações necessárias ao cabal esclarecimento da situação.

Diz a mitologia que, efetivamente, a justiça tem uma venda para ser cega. E é cega, Sr. Deputado, para que

possa julgar com imparcialidade, sem olhar a quem. Todos sabemos isso, é um velho princípio do direito romano.

E para que o cidadão fique tranquilo é necessário esclarecer, é necessário que sejam prestados esclarecimentos

sobre o que tem acontecido em várias situações que têm sido trazidas a público.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado João Cotrim de

Figueiredo.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Mónica Quintela, obrigado pela sua

intervenção. Não tinha uma pergunta no fim mas digo-lhe que folgo muito em ouvir a reafirmação de que o PSD

continua a ser um paladino da separação de poderes. Por isso, esperava — e daí a citação que fiz — que

houvesse mais energia, mais assertividade nas posições do partido e do seu presidente relativamente aos casos

O Sr. Pedro Alves (PSD): — Ainda mais?!

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sim, ainda mais. Esperava mais energia e assertividade nas

posições do partido e do seu presidente relativamente às nomeações para o Tribunal Constitucional,

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relativamente ao que se passou na Procuradoria-Geral da República. Lamento mas, como principal partido da

oposição, esperava, efetivamente, mais. Mas acho que a declaração de princípio de que continuam a ser um

aliado nesta guerra de separação de poderes, de não deixar o Estado ser tomado por uma única força, é uma

declaração importante.

Portanto, esperamos que nos casos que agora se vão tornar tema parlamentar, com as audições ao Sr.

Presidente do Sindicatos dos Magistrados do Ministério Público e os requerimentos que faremos certamente a

seguir para outras audições, possamos contar com o apoio do PSD nessas démarches, para que se saiba

exatamente o que é que se está a passar nesse pilar tão importante do Estado de direito em Portugal.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Concluímos, assim, o ponto relativo às declarações políticas.

Segue-se o terceiro ponto da nossa ordem de trabalhos, com a apreciação da Petição n.º 562/XIII/4.ª (Paulo

Martins de Almeida e outros) — Pela requalificação urgente da estrada nacional n.º 225, em conjunto com os

Projetos de Resolução n.os 72/XIV/1.ª (BE) — Recomenda ao Governo que proceda à requalificação urgente da

estrada nacional n.º 225, 133/XIV/1.ª (PEV) — Pela urgente requalificação da estrada nacional n.º 225,

121/XIV/1.ª (CDS-PP) — Recomenda ao Governo a reabilitação da EN225, 236/XIV/1.ª (PCP) — Recomenda

ao Governo a requalificação urgente da estrada nacional n.º 225 e 60/XIV/1.ª (PSD) — Recomenda ao Governo

que faça cumprir as obrigações do Estado e dos seus organismos, garantindo uma circulação segura da

população local e de todos os que utilizam a EN225.

Vamos então dar início a esta apreciação. Tem a palavra, para uma intervenção de apresentação do projeto

de resolução do BE, a Sr.ª Deputada Isabel Pires.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, e em nome

do Bloco de Esquerda, queria cumprimentar os vários autarcas que aqui se encontram hoje e que foram

dinamizadores desta petição, que conta com mais de 4000 assinaturas.

É uma petição que foi debatida durante o ano de 2019, em sede de comissão, nesta Casa, e onde ficou

evidente, durante as audições, que os problemas de segurança associados ao estado desta via são muito

preocupantes.

O Bloco de Esquerda tem acompanhado esta matéria. No final da semana passada, inclusive, estivemos na

estrada nacional n.º 225, onde pudemos constatar os problemas que vêm sendo identificados pela petição, pelas

autarquias. É um percurso acidentado e perigoso, que se encontra num elevado nível de degradação.

Só no troço entre Castro Daire e Cabril é possível encontrar buracos na via, degradação da sinalização

horizontal, abatimentos do piso, queda de pedras, insuficiente proteção lateral e inexistentes guardas de

segurança para motociclistas, supressões constantes da estrada e aluimento de muros de suporte em

praticamente todo o trajeto, alguns há meses sem qualquer limpeza da via.

Isto acontece por vários quilómetros, numa estrada utilizada diariamente tanto por carros ligeiros como por

pesados. Por exemplo, todos os dias o transporte de crianças para as escolas é feito por aquela estrada.

O tráfego tem aumentado também por via do aumento de visitas aos passadiços do Paiva, da parte mais

económica.

Podemos ainda olhar para os exemplos remetidos a este Parlamento sobre viagens de ambulância com

acidentados e percebemos que demoram horas a chegar ao hospital mais próximo.

Portanto, consideramos importante que sejam tomadas medidas urgentes para a requalificação desta

estrada, por questões de segurança das pessoas que não têm outra alternativa para se deslocarem diariamente

mas também porque, quando se fala tanto da aposta no interior — ainda hoje tivemos esse debate —, as

condições de acessibilidade têm de ter qualidade, seja para a fixação de empresas, que não vão «cair do ar»

nos territórios, ou até para a atividade turística ao longo do rio Paiva e dos próprios passadiços.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas, hoje temos em discussão

projetos de todos os partidos, mas apesar de compromissos que foram sendo feitos pelo PS e pelo Governo aos

autarcas ainda nada avançou nesta obra. O próprio PS apresentou, entretanto, um projeto de resolução que,

como bem sabia, já não podia ser agendado para o Plenário de hoje. Percebe-se o embaraço, Srs. Deputados,

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mas bem-vindos ao debate. O que é necessário é que consigamos avançar para aquilo que realmente importa,

que é a aprovação da requalificação da estrada nacional n.º 225, e devolver à região, às populações e às

autarquias condições de mobilidade confortáveis e em segurança.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para uma intervenção de apresentação do projeto de

resolução do PEV, a Sr.ª Deputada Mariana Silva.

A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os Verdes acompanham a

preocupação vertida na petição pela urgente requalificação da estrada nacional n.º 225 e damos início à nossa

intervenção saudando todos os peticionários.

A estrada nacional n.º 225, com uma extensão de 90 km, liga os municípios de Vila Nova de Paiva —

entroncamento da estrada regional n.º 329 — a Castelo de Paiva, atravessando os concelhos de Castro Daire,

Cinfães e Arouca, constituindo um eixo viário fundamental para o desenvolvimento desta região.

Esta via, que passa por inúmeras povoações, é imprescindível para a mobilidade das pessoas, não só a nível

local como para o desenvolvimento económico desta região, onde são claramente visíveis os efeitos da

interioridade, tendo também relevância nacional, em particular pelo facto de ligar esta zona do interior do País,

com características montanhosas, a uma das principais vias da região, a A24, junto à vila de Castro Daire.

A EN225 é indispensável para o desenvolvimento e atração turística, visto que a beleza do vale do Paiva tem

atraído inúmeras pessoas que nesta região podem usufruir da sua qualidade ambiental e da sua paisagem.

A estrada nacional n.º 225 apresenta problemas estruturais, em particular o troço que liga a vila de Castro

Daire a Cabril, que se encontra em estado deplorável e em acentuada degradação.

São visíveis inúmeros buracos na via, não existem passeios nas zonas que atravessam as povoações, é

visível a degradação da sinalização horizontal, os abatimentos e respetivas irregularidades no piso, a queda de

pedras e o risco de desmoronamento de alguns taludes — o último dos quais no início do mês de novembro do

ano passado —, a insuficiente proteção lateral e inexistência de guardas de segurança para os motociclistas

nos rails colocados. Existem supressões constantes na estrada e ameaças de aluimento de muros de suporte,

entre outras situações que colocam em causa a segurança de quem utiliza esta via.

Assim sendo, é necessário promover as indispensáveis condições de circulação em plena segurança, sendo

este eixo viário fundamental para o desenvolvimento daquela região, salvaguardando, ao mesmo tempo, o

interesse público e a segurança das populações e dos utilizadores.

Os Verdes recomendam ao Governo que promova, com urgência, as obras de requalificação da estrada

nacional n.º 225, de forma a garantir a segurança e a redução dos tempos de deslocação despendidos pelas

pessoas e empresas que circulam por esta via rodoviária.

Aplausos do PEV e de Deputados do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem agora a palavra, para uma intervenção de apresentação do projeto

de resolução do CDS, o Sr. Deputado João Almeida.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Queria começar por

cumprimentar os peticionários, desde logo o município de Castro Daire, e dizer que aquilo que todos estes

projetos de resolução abordam, como o faz também a petição — e queria salientar a importância da mobilização

à volta desta petição —, é uma matéria relativa à degradação substancial de uma via de comunicação que liga

os distritos de Viseu e de Aveiro e que tem no distrito de Viseu, concretamente no município de Castro Daire,

uma das zonas em que o seu estado de degradação é mais grave.

O traçado é, por si, sinuoso — e quem conheça a zona percebe porquê —, tem problemas que se agravam

nesta altura do ano, devido às condições meteorológicas relacionadas principalmente com a acumulação de

gelo na via, e a tudo isso acresce um estado de degradação muito acentuado e uma irregularidade da via que

dificulta ainda mais a circulação.

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Nesse sentido, é óbvia a necessidade de uma intervenção de requalificação da estrada que permita a

reposição das condições de circulação, e até, em termos de segurança, a acrescer às condições que algum dia

houve naquela estrada.

É óbvio que o Governo tem de definir quais são as intervenções prioritárias. Porém, acho que nenhum dos

partidos que aqui apresenta projetos de resolução é capaz de negar ou de pôr em causa é que esta é,

efetivamente, uma intervenção prioritária, numa região em que, normalmente, o Estado chega atrasado ou não

chega de todo. Portanto, fazia sentido que o Governo, logo que possível e na sequência da aprovação destes

projetos de resolução, pudesse promover a requalificação da estrada nacional n.º 225.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para uma intervenção de apresentação do projeto de

resolução do PCP, a Sr.ª Deputada Ana Mesquita.

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP começa

por cumprimentar os mais de 4000 subscritores da petição, que defendem a requalificação urgente da estrada

nacional n.º 225, exigência que o PCP acompanha.

Por isso mesmo, apresentamos aqui, hoje, este projeto de resolução, em que consideramos que o estado de

degradação da estrada nacional n.º 225 é de tal ordem que exige não paliativos, não pequenas obras mas, de

facto, uma requalificação integral, para que haja uma circulação com condições de segurança e de conforto

rodoviário para todos os que utilizam aquela estrada, quer os que o fazem diariamente quer aqueles que a

utilizam ocasionalmente.

Esta é uma questão relevante. Falou-se já da questão dos passadiços do Paiva e de todo o vale do Paiva,

no fundo um contributo, a nível turístico, que é importante para o desenvolvimento daquela região. Assim, um

bom cartão de visita seria termos boas condições de circulação naquela estrada, mas, de facto, quem ali circula

todos os dias sente grandes dificuldades e isto tem de ser tido em conta.

O piso está degradado, há supressões, os problemas são muitos num trajeto que é, já de si, sinuoso, em que

faltam rails de proteção, em que há quedas de barreiras, em que há aluimentos, em que há constrangimentos à

circulação de pesados — em alguns troços de forma simultânea —, e tudo isto gera dificuldades de trânsito

muito grandes.

Assim, parece-nos que a estrada nacional n.º 225 e a população por ela servida não podem continuar à

espera. Se há uma maneira de contribuirmos para a fixação de população naquela região, para o

desenvolvimento ao nível industrial, ao nível turístico, enfim, para todo o desenvolvimento harmonioso daquela

zona, então, isso tem de ser feito e isso tem de ser priorizado. É isso que o PCP propõe.

Consideramos que, havendo vários projetos de resolução que vão no mesmo sentido, há todas as condições

para que agora o Governo tome, finalmente, nas suas mãos a resolução desta situação. Por isso, o que aqui

fazemos, hoje, é reafirmar este nosso compromisso. Com este projeto de resolução recomendamos ao Governo

que proceda, com caráter de urgência — porque esta é, de facto, uma situação urgente —, à requalificação

integral da estrada nacional n.º 225, sobretudo do troço entre Castro Daire e Arouca.

Saudamos mais uma vez a mobilização que foi possível alcançar em torno desta iniciativa e faremos tudo

para a continuar, para que ela seja, efetivamente, bem-sucedida.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para uma intervenção de apresentação do projeto de

resolução do PSD, o Sr. Deputado Pedro Alves.

O Sr. Pedro Alves (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quero começar por cumprimentar os

peticionários presentes e todos os subscritores da petição.

Deixo uma saudação especial ao Presidente da Câmara de Castro Daire, Dr. Paulo Almeida, e nele saúdo

também todos os autarcas que impulsionaram esta causa porque, mais do que justa, é urgente para garantir a

segurança de todos os que circulam na estrada nacional n.º 225.

Esta iniciativa é, portanto, a demonstração inequívoca de que gostamos e queremos continuar a viver no

interior do País. É a demonstração da indignação de toda uma população permanentemente esquecida. É a

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demonstração de que nem sempre é necessário criar incentivos ou estatutos diferenciados para as regiões mais

desfavorecidas, apenas se exige que o Estado cumpra com a sua obrigação e não falte aos compromissos,

apenas se exige igualdade e nada mais.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A preocupação com o estado de conservação da EN225 não é recente

para o PSD. Todos conhecemos a relevância desta via, pois é um eixo fundamental das atividades económicas

e sociais do território e na fixação de populações, todos conhecemos o degradado estado do pavimento, as

ravinas, as constantes quedas de barreiras na via de circulação, a sinuosidade que coloca permanentemente

em causa a segurança dos seus utilizadores. Ouvimos populações, ouvimos os bombeiros, os autarcas, e lemos

muitos relatórios. E, na prática, o que tem sido feito até agora? Nada! Meras e pequenas intervenções reativas

e paliativas, para corrigir quedas de barreiras, erguer muros de suporte ou tapar alguns buracos.

É preciso muito mais do que isto. Não podemos ficar à espera que a tragédia aconteça, enquanto diariamente

circulam naquela estrada cerca de 300 alunos, enquanto vimos crescer a importância turística da via de acesso

aos Passadiços do Paiva ou enquanto a distância para a assistência em saúde se mede mais em tempo do que

em quilómetros. Foi este o caso recente de uma doente politraumatizada, resultante de um acidente em Parada

de Ester, que demorou cerca de três horas para percorrer uma distância de 60 km até chegar ao hospital de

Viseu, sendo que apenas 20 km são na estrada nacional n.º 225. O resto do percurso é feito em autoestrada e

em vias de qualidade.

É esta, então, a realidade que nos trazem os peticionários e é esta, também, a razão do projeto de resolução

do PSD, aqui apresentado hoje.

Nos últimos quatro anos, o PS, o Bloco de Esquerda, o PCP, o PEV e também o PAN esqueceram o interior

do País, esqueceram Castro Daire, esqueceram a EN225. Falam em coesão e em assimetrias entre o litoral e

o interior, mas, na prática, as prioridades destes quatro anos foram outras e nunca foram as pessoas. Querem,

agora, lavar as mãos das responsabilidades. A verdade é que, se tivessem executado o compromisso do

Governo PSD/CDS, teriam realizado uma grande reparação nesta via, no valor de 3,5 milhões de euros, entre

2016 e 2018, e hoje não teríamos necessidade de estar aqui.

Por isso, caros peticionários, se nada voltar a acontecer neste ano, aprovado que está o Orçamento do

Estado, os responsáveis são fáceis de identificar: toda a ala esquerda do Parlamento, que aprovou o Orçamento,

e também a bancada do Governo, que se encontra vazia para não nos dar as respostas e que tem a obrigação

de executar este Orçamento.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Lúcia Araújo

Silva, do PS.

A Sr.ª Lúcia Araújo Silva (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por cumprimentar os

peticionários, meus concidadãos, aqui presentes pela requalificação da estrada nacional n.º 225.

As iniciativas em debate recomendam ao Governo que se proceda à requalificação da estrada nacional n.º

225, que liga Castro Daire a Arouca, servindo também os concelhos limítrofes de Castelo de Paiva, Cinfães e

Vila Nova de Paiva.

A estrada nacional n.º 225 desde há muito que carece de ser intervencionada e requalificada. É a principal

ligação para as populações dos concelhos que atravessa para o transporte escolar, para os serviços de urgência

e socorro e para o acesso a locais de fornecimento de bens e prestações de serviço.

Configura-se, ainda, como estrada alternativa quando a serra de Montemuro se veste de branco, tornando,

assim, a sua paisagem natural ainda mais bela, mas, por outro lado, transformando-se num desassossego para

as pessoas que diariamente têm de atravessar a serra, pois, não podendo circular na estrada nacional n.º 321,

também não lhes é garantida alternativa.

Potenciar o interior nas suas diversas áreas — económicas, culturais, turísticas — tem sido uma bandeira e

um desafio nas políticas do Governo socialista, mas as acessibilidades devem continuar a ser consideradas.

A estrada nacional n.º 225 é uma via com particular interesse turístico, local e regional — relembro, por

exemplo, os Passadiços do Paiva, de grande relevância para o desenvolvimento económico e social desta região

do interior do País —, assim como é também um importante eixo para a manutenção das atividades económicas

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locais e regionais, que vão desde a produção agroalimentar, cada vez mais conhecida e alvo de novos

investimentos nos últimos anos, até às mais modernas, como as da exploração de energias renováveis,

permitindo o acesso aos pontos de exploração.

A estrada nacional n.º 225 é reconhecidamente importante para o desenvolvimento do território envolvente,

para o desenvolvimento turístico e para a fixação das pessoas, ou seja, para a coesão regional e nacional.

A Sr.ª Hortense Martins (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Lúcia Araújo Silva (PS): — Assim, é nosso entendimento — até porque o Partido Socialista, ainda na

anterior Legislatura, também fez chegar um projeto de resolução — que o Governo, na atual Legislatura,

promova as condições para a execução das obras de requalificação da estrada nacional n.º 225, de modo a

garantir a circulação de pessoas e de bens em condições de segurança entre os concelhos de Arouca e Vila

Nova de Paiva.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado André Ventura.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, saúdo também os peticionários

e os autarcas hoje aqui presentes.

Não nos surpreende a intervenção do Partido Socialista. Geralmente, é sempre assim uma coisa deste

género: é muito importante, é feita uma descrição da situação, uma coisa mais ou menos e, depois, no fim, não

se percebe muito bem em que ficamos. Aliás, faltou só uma coisa: agradecerem ao PCP, ao Bloco de Esquerda

e ao PAN …

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — O PAN?! Eles nem têm projeto! O que é que está a dizer?!

O Sr. André Ventura (CH): — … por terem trazido este assunto tão importante e, no fim, dizerem que vão

pensar melhor sobre o que vão fazer.

Protestos do PS.

A verdade é que um dos autarcas em causa disse que tinha sido prometida a abertura do concurso no final

do ano, mas, como já estamos habituados, o final do ano tornou-se o início deste ano, provavelmente vai para

o segundo trimestre, para o terceiro, para o quarto, e vamos continuar aqui a discutir a mesma coisa!

Trata-se de uma estrada em condições deploráveis, com aluimentos, quedas de barreiras. É um risco enorme

para a segurança. Ainda na semana passada, a intervenção dos bombeiros ficou marcada por um atraso

lamentável em termos de uma operação de socorro por causa das condições da estrada e nós continuamos a

discutir se é no fim do ano, no próximo ano ou no seguinte.

Nós tivemos um Governo que, já na Legislatura passada, disse que era uma obra com prioridade, tivemos

Os Verdes, que disseram que já lá tinham ido e tinham dito que era uma obra com prioridade, mas, depois, dão

sempre as mãos aos mesmos senhores, que não fazem absolutamente nada por esta estrada!

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Vê-se logo que já lá passou! O projeto do André Ventura é que é bom!

O Sr. André Ventura (CH): — Pode crer que a estrada já estava feita, se fosse com o André Ventura. De

certeza absoluta!

Risos do PS, do BE e do PCP.

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De certeza absoluta! A estrada já estava feita, já estava arrumada. Até já estava consertada. Se fosse preciso,

com as minhas próprias mãos!

Protestos do PS.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Seja sério!

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado, o seu tempo já esgotou há muito.

O Sr. André Ventura (CH): — Vou terminar, Sr. Presidente, dizendo só isto: esta não é uma matéria de jogo

político. Deveria ser — aliás, conforme o próprio Bloco de Esquerda enunciou — uma matéria de unanimidade,

porque o que está em causa é a segurança de todos os cidadãos.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, a Mesa não regista mais inscrições neste ponto, pelo

que podemos dá-lo por terminado.

Cumpre-me anunciar a ordem do dia de amanhã.

Trata-se de um agendamento potestativo do Bloco de Esquerda, relativo à apreciação de várias iniciativas

legislativas que versam a matéria das comissões bancárias e das contas de serviços mínimos bancários.

Serão debatidos, em conjunto, os Projetos de Lei n.os 137/XIV/1.ª (BE) — Institui a obrigatoriedade e a

gratuitidade de emissão do distrate e de declaração de liquidação do empréstimo, elimina comissões cobradas

pelo processamento de prestações de crédito, proibindo ainda as instituições de crédito de alterar

unilateralmente as condições contratuais dos créditos concedidos ao consumo (quarta alteração ao Decreto-Lei

n.º 133/2009, de 2 de junho), 138/XIV/1.ª (BE) — Institui a obrigatoriedade e a gratuitidade de emissão do distrate

e de declaração de liquidação do empréstimo, elimina comissões cobradas pelo processamento de prestações

de crédito, proibindo ainda as instituições de crédito de alterar unilateralmente as condições contratuais dos

créditos concedidos à habitação (terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 74-A/2017, de 23 de junho), 139/XIV/1.ª

(BE) — Consagra a proibição de cobrança de encargos pelas instituições de crédito nas operações realizadas

em plataformas eletrónicas operadas por terceiros (primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 3/2010, de 5 de janeiro)

e 140/XIV/1.ª (BE) — Cria o sistema de acesso à conta básica universal (na generalidade), o Projeto de

Resolução n.º 143/XIV/1.ª (BE) — Recomenda a elaboração de orientações para a política de comissões

bancárias da Caixa Geral de Depósitos, os Projetos de Lei n.os 205/XIV/1.ª (PCP) — Procede à primeira alteração

ao Decreto-Lei n.º 3/2010, de 5 de janeiro, alargando a proibição de cobrança de encargos pela prestação de

serviços de pagamento e pela realização de operações às operações realizadas através de aplicações digitais,

206/XIV/1.ª (PCP) — Procede à sexta alteração ao regime de serviços mínimos bancários, tornando-o mais

adequado às necessidades dos clientes bancários, 209/XIV/1.ª (PAN) — Limita a cobrança de quaisquer

comissões, despesas ou encargos nos casos em que não seja efetivamente prestado um serviço ao cliente por

parte das instituições de crédito (primeira alteração à Lei n.º 66/2015, de 6 de julho), 213/XIV/1.ª (PS) — Adota

normas de proteção do consumidor de serviços financeiros de crédito à habitação, crédito ao consumo e

utilização de plataformas eletrónicas operadas por terceiros, 216/XIV/1.ª (PSD) — Sexta alteração ao Decreto-

Lei n.º 27-C/2000, de 10 de março, que cria o sistema de acesso aos serviços mínimos bancários, e 217/XIV/1.ª

(PSD) — Restringe a cobrança de comissões bancárias, procedendo à quarta alteração ao Decreto-Lei n.º

133/2009, de 2 de junho, e à terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 74-A/2017, de 23 de junho (na generalidade).

Por hoje, estão terminados os nossos trabalhos. A próxima sessão será amanhã, às 15 horas, como sabem.

Desejo uma muito boa noite a todos.

Até amanhã.

Eram 19 horas e 12 minutos.

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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