29 DE FEVEREIRO DE 2020
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a pedido da própria pessoa, maior, em situação de sofrimento extremo, com lesão definitiva ou doença incurável
e fatal, praticada ou ajudada por profissionais de saúde.» As «condições especiais» são o pedido do próprio por
documento escrito, validado por três médicos e enviado para uma «Comissão de Verificação e Avaliação do
Procedimento Clínico de Antecipação da Morte» que dará um parecer em cinco dias úteis. Esta Comissão inclui
representantes de cinco entidades, três das quais já se declararam contra as iniciativas de eutanásia,
nomeadamente a Ordem dos Médicos, a Ordem dos Enfermeiros e o Conselho Nacional de Ética para as
Ciências da Vida (CNECV).
Há questões ontológicas por resolver, como a delimitação de «sofrimento extremo»; no entanto, a mais
preocupante é a dificuldade de colocar em terceiros a responsabilidade de matar. Como alerta o CNECV, «num
sistema de saúde onde o cidadão é privado de um real alívio do seu sofrimento por não existirem condições
para responder às suas necessidades clínica, psicológicas e espirituais», a invocada «liberdade absoluta de
escolha... ignora a dimensão de enorme vulnerabilidade da pessoa que sofre». É palpável a possibilidade de
erro e é imaginável que o pedido possa ser condicionado por interesses próprios do sistema, sejam económicos,
sociais ou, até, políticos.
Na «Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia» inscreveu-se que «ninguém pode ser condenado
à morte, ou executado.» Sempre acreditei que a União tinha sido pioneira porque tinha entendido, com as
grandes guerras, que o sistema podia decretar decisões erradas e que, perante um erro cujo resultado fosse a
morte, a decisão seria irreversível. Desde então, a defesa da dignidade da pessoa assenta na certeza de estar
protegida contra erros do sistema passíveis de decretarem o fim da sua vida. Na legalização da eutanásia, a
comprovação do pedido de morte é feita por humanos que, por serem humanos, podem errar. Assim, hoje
declaro-me contra legalização da eutanásia. Porque a morte não é reversível.
A Deputada do PSD, Filipa Roseta.
[Recebida na Divisão de Redação em 27 de fevereiro de 2020].
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O debate foi marcado pela experiência de cada um, pelo sofrimento que cada pessoa, que cada família já
viveram. Essa é a grande contingência que se coloca, sempre, ao legislador perante matérias difíceis e que
obrigam a ponderações de vária natureza. No caso da eutanásia essas implicações são essencialmente éticas
e filosóficas, pouco ou quase nada teológicas.
É exatamente pela pulverização e singularidade de opiniões que me revelo pela negação de um referendo,
uma resposta de Sim ou Não, perante uma imensidão de questionamentos, nunca seria um mínimo denominador
comum.
Nos tempos que correm, os defensores do Sim seriam progressistas, abertos ao mundo ou, pelo chavão,
cosmopolitas. Os que seguem pelo Não são ultramontanos, marcados pelos cânones de uma Igreja que se
impôs e que ainda marca opiniões de forma decisiva. Nego esta separação, não me revejo nela.
A Igreja olhou sempre a vida como uma dádiva de Deus e a pena na terra com um fim a que se seguiria a
eternidade. Estamos no campo da construção simbólica dos evangelhos, mas os tempos que vivemos não nos
permitem, a crentes e não crentes, seguir por este real atavismo.
Defender a vida é do mais progressista que pode existir. Seja pela militância contra a pena de morte, seja
pela garantia da procriação medicamente assistida, seja pela gestação de substituição que aprovo. Vida, fazer
nascer vida com a ajuda da ciência e da técnica, fazer acontecer uma coisa maravilhosa sobre a qual nunca
identificámos o início. Neste mesmo caminho, o da defesa da vida, uma opção progressista e de um
cosmopolitismo sem vacilações, está a restrição da IVG às circunstâncias primárias — malformação do feto,
saúde da mãe e violação; e também está a negação do abrir de portas a uma morte não natural, início de um
modo que não terminará e mercantilizará, a cada tempo, a nossa realidade única como poderá ser a eutanásia
permitida.
Vida, e onde está a felicidade? As agendas fraturantes juntam tudo. Ser a favor da eutanásia é o mesmo que
ser a favor do casamento de pessoas do mesmo sexo. Um erro grave, uma simplificação que serve de agenda
desgraduadora da inteligência e do debate democrático sustentado.