7 DE MARÇO DE 2020
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Sem prescindir, relativamente aos restantes projetos de lei em discussão, quero dizer, em primeiro lugar, que
todos os animais vertebrados são sencientes, pelo que não tem sentido a utilização de tal expressão. Algo
diferente é reconhecer-se a existência de diferentes graus de senciência, o que existe e está cientificamente
provado. Acontece que tal distinção não é tida em conta, nomeadamente no projeto de lei do PAN.
Acresce que, se por um lado todos concordamos que a crueldade e os maus-tratos gratuitos e sem
justificação são inaceitáveis em qualquer espécie, por outro, devem ser tidas em conta as características e
particularidades das diferentes espécies e a realidade da relação homem/animal em cada uma delas, a qual é
muito diferente, não devendo ser tudo colocado e tratado da mesma forma.
No âmbito dos direitos dos animais e da aplicação da lei penal é necessário algum realismo e ponderação.
Vejamos: a atual lei alargada a todos os vertebrados pode criminalizar o abate de galinhas e coelhos nas
quintas familiares, a colocação de ratoeiras para roedores ou toupeiras, a pesca sem licença ou com licença
caducada, a matança de porcos em aldeias e, inclusive, outras situações, determinando, por exemplo, a
impossibilidade de se fazer o controlo de uma praga de ratazanas. E os portugueses que ainda vivem no mundo
rural? E a pecuária? E a caça?
Todos concordamos que é fundamental uma mudança de mentalidades e uma maior sensibilização quanto
ao bem-estar animal. Porém, reduzir isso a uma mudança utópica da lei, que, depois, dificilmente terá
aplicabilidade, continuará sem verdadeiramente proteger os animais, pelo que, se a legislação sobre o bem-
estar animal pode e deve ser melhorada, terá de o ser de forma adequada, terá de ser de forma realista e nunca
poderá deixar de ser de acordo com a realidade do nosso País.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, pelo Grupo Parlamentar do PS, o Sr.
Deputado Pedro Delgado Alves.
O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido
Socialista reapresenta ou retoma algumas das questões que tinha colocado em legislaturas anteriores sobre
esta matéria, precisamente reconhecendo as insuficiências da lei penal em vigor.
Em 2014, foi dado um passo substancial em frente, revisto depois, em 2015, mas subsistiram, e subsistem,
como foi já referido e identificado por vários dos operadores judiciários relevantes, matérias de dúvida na
interpretação da lei, nomeadamente sobre se a morte de um animal de companhia deve ou não ser sancionada
no âmbito do crime de maus-tratos a animais de companhia. Parece-nos que o entendimento inicial da lei era
esse, mas não tem sido unânime o entendimento jurisprudencial, sendo necessário proceder a essa correção.
Na nossa perspetiva, é também relevante e útil proceder a alguma clarificação ou melhoria de redação nos
casos em que há um agravamento pelo resultado, em que a morte do animal resulta não diretamente mas como
consequência dos maus-tratos provocados, gerando, neste caso, o agravamento.
Há, ainda, necessidade de autonomizar as circunstâncias no crime de abandono, em que a sanção deve,
efetivamente, ser diferenciada quando se causa perigo concreto na vida do animal ou quando isto não acontece,
porque, neste caso, a sanção deve, consequentemente, ser de menor escala.
Adicionalmente, subsiste, e tem sido identificada, uma dificuldade a nível do conceito de animal de companhia
no que respeita aos animais em estado de errância ou de abandono. Neste aspeto, e estamos cientes de que
ainda pode ser necessário proceder a mais alterações e clarificação em sede de especialidade, entendemos
que deve ficar claro que, pelo menos, em relação àquelas espécies que estão classificadas e identificadas como
sendo animais de companhia, e são as que estão sujeitas a registo, parece existir consenso no sentido de
também deverem ser abrangidas pelo quadro penal em vigor nas situações em que estejam em estado de
errância. Portanto, para que a lei penal seja clara, é fácil determinar quais são estas espécies de animais, de
forma não propriamente a alargar o conceito que está em vigor mas a garantir que ele é particularmente claro.
Temos também algumas questões relativas à tentativa e às sanções acessórias, que pensamos poderem ser
harmonizadas, em sede de especialidade, entre as várias iniciativas em apreciação.
No entanto, parece-nos que, efetivamente, neste debate, e deixando algumas notas sobre as demais
iniciativas apresentadas, que saudamos e que são contributos relevantes, em primeiro lugar, há que distinguir
situações distintas e, portanto, a lei deve fazer esse exercício, que, aliás, é o que faz. O que a lei fez foi