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Quarta-feira, 8 de julho de 2020 I Série — Número 72

XIV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2019-2020)

REUNIÃOPLENÁRIADE7DEJULHODE 2020

Presidente: Ex.mo Sr. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues

Secretários: Ex.mos Srs. Helga Alexandra Freire Correia Nelson Ricardo Esteves Peralta

S U M Á R I O

O Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 4

minutos. Deu-se conta da entrada na Mesa da Proposta de Lei n.º

49/XIV/1.ª, dos Projetos de Lei n.os 463 a 466 e 468 a 470/XIV/1.ª, dos Projetos de Resolução n.os 543, 547 a 551 e 555 a 557/XIV/1.ª, das Apreciações Parlamentares n.os 24 e 25/XIV/1.ª e do Projeto de Regimento n.º 8/XIV/1.ª

Em interpelação à Mesa, o Deputado André Ventura (CH) questionou a retirada da ordem de trabalhos do agendamento, por arrastamento, do Projeto de Lei n.º 411/XIV/1.ª — Altera a Lei n.º 52/2019, de 31 de julho, que aprova o regime do exercício de funções por titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, alterando o artigo 10.º, consagrando respetivamente o período de nojo entre o

exercício de cargos governamentais e instituições públicas e privadas e a incompatibilidade vitalícia de titulares de cargos políticos e altos cargos públicos poderem exercer quaisquer cargos ou funções em empresas com as quais tenham negociado, pelo Estado, enquanto titulares da pasta da tutela que representavam. Após a explicação dada pelo Presidente, o Deputado André Ventura (CH) solicitou a votação pelo Plenário da ordem de trabalhos, que foi aprovada, tendo ainda usado da palavra o Deputado Luís Moreira Testa (PS).

Procedeu-se ao debate, na generalidade, da Proposta de Lei n.º 38/XIV/1.ª (ALRAA) — Nona alteração à Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 267/80, de 8 de agosto, alterado pelas Leis n.os 28/82, de 15 de novembro, e 72/93,

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de 30 de novembro, e Leis Orgânicas n.os 2/2000, de 14 de julho, 2/2001, de 25 de agosto, 5/2006, de 31 de agosto, 2/2012, de 14 de junho, 3/2015, de 12 de fevereiro, e 4/2015, de 16 de março. Intervieram os Deputados Inês de Sousa Real (PAN), Pedro Filipe Soares (BE), António Filipe (PCP), João Pinho de Almeida (CDS-PP), André Ventura (CH), Isabel Rodrigues (PS) e António Ventura (PSD). Posteriormente, a proposta de lei foi aprovada na generalidade.

Foi discutida, na generalidade, a Proposta de Lei n.º 41/XIV/1.ª (GOV) — Estabelece medidas especiais de contratação pública e altera o Código dos Contratos Públicos e o Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Intervieram, além do Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros (André Moz Caldas), os Deputados João Cotrim de Figueiredo (IL), Bruno Dias (PCP), Isabel Pires (BE), André Silva (PAN), João Gonçalves Pereira (CDS-PP), Jorge Salgueiro Mendes (PSD), André Ventura (CH) e Carlos Pereira (PS).

Foram discutidos, em conjunto, na generalidade, a Proposta de Lei n.º 42/XIV/1.ª (GOV) — Altera o regime excecional para as situações de mora no pagamento da renda nos contratos de arrendamento não habitacional, no âmbito da pandemia da doença COVID-19 e os Projetos de Lei n.os 452/XIV/1.ª (PCP) — Estabelece um regime excecional aplicável a formas específicas de contratos de exploração de imóveis para comércio e serviços em centros comerciais, 464/XIV/1.ª (PCP) — Estabelece um regime excecional no arrendamento não habitacional em caso de diminuição de rendimento e 469/XIV/1.ª (BE) — Regime excecional de renda não habitacional para lojistas e retalhistas afetados na sua atividade que tenham visto o estabelecimento encerrado ou limitado no horário. Intervieram o Secretário de Estado do Comércio, Serviços e Defesa do Consumidor (João Torres) e os Deputados Bruno Dias (PCP), Maria Manuel Rola (BE), Cristina Rodrigues (N insc.), Inês de Sousa Real (PAN), Márcia Passos (PSD), João Gonçalves Pereira (CDS-PP) e Hugo Carvalho (PS).

Foram discutidos, em conjunto, na generalidade, a Proposta de Lei n.º 40/XIV/1.ª (GOV) — Transpõe os artigos 2.º e 3.º da Diretiva (UE) 2017/2455 e a Diretiva (UE) 2019/1995, alterando o Código do IVA, o Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias e legislação complementar relativa a este imposto, no âmbito do tratamento do comércio eletrónico, e o Projeto de Lei n.º 388/XIV/1.ª (CH) — Aditamento à Lista I anexa ao Código do IVA com a inclusão dos serviços prestados na área do exercício físico nos ginásios, clubes de fitness e de saúde. Proferiram intervenções o Secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Fiscais (António Mendonça Mendes) e os Deputados André Ventura (CH), Alberto Fonseca (PSD), Cecília Meireles (CDS-PP), Duarte Alves (PCP) e Vera Braz (PS).

Foi discutida, na generalidade, a Proposta de Lei n.º 34/XIV/1.ª (GOV) — Prorroga o prazo de um regime excecional de medidas aplicáveis às autarquias locais, no âmbito da pandemia da COVID-19, e altera as regras sobre endividamento das autarquias locais, tendo-se pronunciado a Ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública (Alexandra Leitão) e os Deputados Bebiana Cunha (PAN), Isaura Morais (PSD), Cecília Meireles (CDS-PP), Paula Santos (PCP), José Maria Cardoso (BE) e Nuno Sá (PS).

Foram discutidos, em conjunto, na generalidade, os Projetos de Lei n.os 1236/XIII/4.ª (Cidadãos) — Termina com a atribuição de apoios financeiros por parte de entidades públicas para a realização de atividades tauromáquicas, 22/XIV/1.ª (PEV) — Impede o financiamento público aos espetáculos tauromáquicos, 243/XIV/1.ª (BE) — Impede o apoio institucional à realização de espetáculos que inflijam sofrimento físico ou psíquico ou provoquem a morte de animais, 257/XIV/1.ª (PAN) — Pela não utilização de dinheiros públicos para financiamento de atividades tauromáquicas e 468/XIV/1.ª (Deputada não inscrita Cristina Rodrigues) — Impede a utilização de dinheiros públicos para financiamento direto ou indireto de atividades tauromáquicas. Intervieram os Deputados Mariana Silva (PEV), Maria Manuel Rola (BE), Inês de Sousa Real (PAN), Cristina Rodrigues (N insc.), João Cotrim de Figueiredo (IL), Fernanda Velez (PSD), Alma Rivera (PCP), André Ventura (CH), Telmo Correia (CDS-PP) e Maria da Luz Rosinha (PS).

Foram discutidos, na generalidade, os Projetos de Lei n.os 133/XIV/1.ª (Cidadãos) — Procede à segunda alteração ao regime da carreira especial de técnico superior das áreas de diagnóstico e terapêutica — Decreto-Lei n.º 111/2017, de 31 agosto —, à primeira alteração do regime legal da carreira aplicável aos técnicos superiores das áreas de diagnóstico e terapêutica, doravante designada TSDT, em regime de contrato de trabalho — Decreto-Lei n.º 110/2017, de 31 de agosto — e à primeira alteração ao regime remuneratório aplicável à carreira especial de técnico superior das áreas de diagnóstico e terapêutica, bem como as regras de transição dos trabalhadores para esta carreira, que regulamenta o primeiro — Decreto-Lei n.º 25/2019, de 11 de fevereiro —, 462/XIV/1.ª (PCP) — Valorização da carreira de técnico superior de diagnóstico e terapêutica e 463/XIV/1.ª (BE) — Altera a carreira especial de técnico superior das áreas de diagnóstico e terapêutica, de forma a valorizar os trabalhadores juntamente com o Projeto de Resolução n.º 551/XIV/1.ª (PAN) — Recomenda ao Governo que regularize a carreira dos técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica. Intervieram os Deputados João Dias (PCP), Moisés Ferreira (BE), Bebiana Cunha (PAN), Ana Rita Bessa (CDS-PP), José Luís Ferreira (PEV), Cristina Rodrigues (N insc.), Carla Borges (PSD) e Alexandra Tavares de Moura (PS).

Deu-se conta da entrada na Mesa dos Projetos de Resolução n.os 559, 560, 562, 563 e 567/XIV/1.ª.

Foi apreciado o Decreto-Lei n.º 27/2020, de 17 de junho, que altera a orgânica das comissões de coordenação e desenvolvimento regional [Apreciações Parlamentares n.os 21/XIV/1.ª (PSD), 22/XIV/1.ª (BE) e 23/XIV/1.ª (PCP)], tendo-se pronunciado os Deputados Carlos Peixoto (PSD), José Maria Cardoso (BE), Paula Santos (PCP), João Cotrim de Figueiredo (IL), José Luís Ferreira (PEV), Cecília Meireles (CDS-PP), André Ventura (CH), Bebiana Cunha (PAN) e Luís Moreira Testa (PS) e, no final, a Ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública.

Deu-se conta dos Deputados que estiveram presentes, por videoconferência, na reunião plenária.

A Presidente (Edite Estrela) encerrou a sessão eram 19 horas e 26 minutos.

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O Sr. Presidente: — Boa tarde, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Funcionários, Sr.as e Srs. Jornalistas.

Vamos iniciar a nossa reunião plenária de hoje.

Eram 15 horas e 4 minutos.

Antes de entrarmos na ordem do dia, há várias informações para serem fornecidas ao Plenário pelo

Secretário da Mesa Nelson Peralta, a quem peço o favor de o fazer imediatamente.

Tem a palavra, Sr. Secretário.

O Sr. Secretário (Nelson Peralta): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, passo a anunciar que deu

entrada na Mesa, e foi admitida, a Proposta de Lei n.º 49/XIV/1.ª (GOV) — Promove a simplificação de diversos

procedimentos administrativos, incluindo das autarquias locais, e introduz alterações ao Código do

Procedimento Administrativo, que baixa à 11.ª Comissão em conexão com a 13.ª Comissão.

Deram também entrada na Mesa, e foram admitidos, os Projetos de Lei n.os 463/XIV/1.ª (BE) — Altera a

carreira especial de técnico superior das áreas de diagnóstico e terapêutica, de forma a valorizar os

trabalhadores, 464/XIV/1.ª (PCP) — Estabelece um regime excecional no arrendamento não habitacional em

caso de diminuição de rendimento, que baixa à 6.ª Comissão, 465/XIV/1.ª (CDS-PP) — Aditamento ao Código

de Procedimento e de Processo Tributário introduzindo o processo de conciliação fiscal, que baixa à 5.ª

Comissão, 466/XIV/1.ª (PAN) — Reforça os direitos de participação no âmbito das iniciativas legislativas dos

cidadãos, procedendo à quarta alteração à Lei n.º 17/2003, de 4 de Junho, que baixa à 1.ª Comissão, 468/XIV/1.ª

(Deputada não inscrita Cristina Rodrigues) — Impede a utilização de dinheiros públicos para financiamento

direto ou indireto de atividades tauromáquicas, 469/XIV/1.ª (BE) — Regime excecional de renda não habitacional

para lojistas e retalhistas afetados na sua atividade que tenham visto o estabelecimento encerrado ou limitado

no horário e 470/XIV/1.ª (CH) — Prevenção em matéria de criminalidade especialmente grave, que baixa à 1.ª

Comissão.

Foram também admitidos os Projetos de Resolução n.os 543/XIV/1.ª (PSD) — Primeira alteração à Resolução

da Assembleia da República n.º 210/2019, de 20 de setembro, que aprova o Código de Conduta dos Deputados

à Assembleia da República, que baixa à 1.ª Comissão em conexão com a 14.ª Comissão, 547/XIV/1.ª (CDS-PP)

— Recomenda ao Governo a requalificação do «Pavilhão 5» do Hospital Dr. Sousa Martins, 548/XIV/1.ª (IL) —

Pela transparência e equilíbrio na relação do Estado com o contribuinte, 549/XIV/1.ª (PAN) — Recomenda ao

Governo que reavalie a obra de prolongamento do quebra-mar exterior do Porto de Leixões, 550/XIV/1.ª (PAN)

— Recomenda ao Governo que elabore e apresente à Assembleia da República uma Estratégia Nacional Contra

a Corrupção, que baixa à 1.ª Comissão, 551/XIV/1.ª (PAN) — Recomenda ao Governo que regularize a carreira

dos técnicos superiores diagnóstico e terapêutica, que baixa à 13.ª Comissão em conexão com a 9.ª Comissão,

555/XIV/1.ª (PSD) — Recomenda ao Governo a requalificação do «Pavilhão 5» do Hospital de Sousa Martins,

na Unidade Local de Saúde da Guarda, para instalação do Departamento da Saúde da Criança e da Mulher,

556/XIV/1.ª (Comissão de Assuntos Europeus) — Apreciação do Relatório sobre «Portugal na União Europeia,

2019» e 557/XIV/1.ª (BE) — Inclusão do circo tradicional nos apoios às artes, que baixa à 12.ª Comissão.

Foram ainda admitidas as Apreciações Parlamentares n.os 24/XIV/1.ª (BE) — Relativa ao Decreto-Lei n.º 33-

A/2020, que procede à apropriação pública, por via da nacionalização, da participação social detida pela

Winterfell 2 Limited na Efacec Power Solutions, SGPS, S.A. e 25/XIV/1.ª (PCP) — Relativa ao Decreto-Lei n.º

33-A/2020, de 2 de julho (Procede à apropriação pública por via da nacionalização da participação social detida

pela Winterfell 2 Limited na Efacec Power Solutions, SGPS, S.A.).

Foi também admitido o Projeto de Regimento n.º 8/XIV/1.ª (PSD) — Concretiza a terceira fase de alterações

ao Regimento da Assembleia da República n.º 1/2007, de 20 de agosto, nesta Legislatura, que baixa à 1.ª

Comissão em conexão com a 14.ª Comissão.

É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Secretário.

O Sr. André Ventura (CH) — Peço a palavra, Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente: — Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. André Ventura (CH) — Para uma interpelação à Mesa sobre a condução dos trabalhos e a ordem do

dia.

O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. André Ventura (CH) — Obrigado, Sr. Presidente.

No segundo ponto da ordem do dia de hoje constava a apreciação do Projeto de Lei n.º 411/XIV/1.ª, do

Chega, de alteração à Lei n.º 52/2019, de 31 de julho, que aprova o regime do exercício de funções por titulares

de cargos políticos e altos cargos públicos, alterando o artigo 10.º, consagrando respetivamente o período de

nojo entre o exercício de cargos governamentais e instituições públicas e privadas e a incompatibilidade vitalícia

de titulares de cargos políticos e altos cargos públicos poderem exercer quaisquer cargos ou funções em

empresas com as quais tenham negociado, pelo Estado, enquanto titulares da pasta da tutela que

representavam.

Na nova versão da ordem de trabalhos distribuída, esse projeto de lei já não consta. O Chega deseja saber

porquê, visto que quem fixa a ordem do dia é o Sr. Presidente da Assembleia da República.

O Sr. Presidente: — A única versão que conta é esta, que foi discutida. Não me pergunte, concretamente, a

razão dessa alteração porque eu, pura e simplesmente, admito não ter tido essa iniciativa. Mas poderei

responder-lhe durante a sessão.

Entretanto, já o posso informar que o Governo comunicou que não aceitava o arrastamento da iniciativa do

Chega. Como o Sr. Deputado sabe, quando há arrastamentos, os partidos proponentes ou o Governo têm o

direito de fazerem isso ou o contrário.

O Sr. André Ventura (CH) — Sr. Presidente, de facto, o Chega recebeu, com uma certa perplexidade, um

email dizendo que o Governo não aceitava esta indicação, o que, desde já, é sugestivo…

Protestos de Deputados do PS.

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado tem de se cingir diretamente ao assunto.

O Sr. André Ventura (CH) — O Chega pretende recorrer da decisão relativa à ordem do dia, nos termos do

artigo 82.º do Regimento.

O Sr. Presidente: — Portanto, o Sr. Deputado pretende que se vote a ordem do dia?

O Sr. André Ventura (CH) — Sim, Sr. Presidente. E também quero, se possível, apresentar os fundamentos

desse recurso, nos termos dos artigos 82.º e 59.º do Regimento.

O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado. Como temos uma tarde que vai ser rápida, faça favor!

O Sr. André Ventura (CH) — Obrigado, Sr. Presidente.

Nos termos do nosso Regimento, a ordem do dia tem uma garantia de estabilidade, garantia essa que consta

do artigo 61.º do Regimento, e é ao Presidente da Assembleia da República que cabe definir a ordem do dia. E

esta ordem do dia estava marcada. Não é a primeira vez, nem a segunda, nem a terceira que o Chega vê os

seus projetos — ou porque o PS os acha inconstitucionais ou porque o Deputado Pedro Alves os acha

inconstitucionais — serem retirados da ordem do dia.

Mas neste caso foi mais grave: é que até ontem, ou melhor, até às 12 horas e 45 minutos de hoje, a proposta

do Chega estava na ordem do dia. Quer dizer, tem de haver regras, senão qualquer dia isto é à ordem do PS!

É à ordem do Partido Socialista! O Partido Socialista não quer e não se discute!

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Protestos de Deputados do PS.

O artigo 61.º do Regimento diz claramente que a ordem do dia não pode ser preterida, exceto nos casos

previstos no Regimento. E eu desafio qualquer Deputado, aqui, a dizer-me qual é a regra do Regimento onde

diz que o partido proponente pode impedir os arrastamentos. Desafio qualquer um aqui presente, porque essa

regra não existe.

Portanto, o que aconteceu aqui, hoje, foi gravíssimo. Foi o seguinte: o Chega tem um projeto sobre as

incompatibilidades vitalícias de ministros que fizeram negócios com empresas, com as quais negociaram em

nome do Estado. O Governo não achou bem, passaram por cima do Sr. Presidente da Assembleia da República

e retiraram o projeto do agendamento. Vamos ver onde iremos parar, porque qualquer dia eu tenho de pedir ao

PS para estar aqui sentado! Acho que já chega, não é?! Já chega!

Protestos de Deputados do PS.

Que os Srs. Deputados do Partido Socialista não gostem é uma coisa. Agora, que a Assembleia da República

se vergue a esta discricionariedade de retirar um projeto da ordem do dia uma hora antes de começar o Plenário,

isto tem de acabar! Não há uma regra que diga que o proponente pode impedir os arrastamentos, não há! Se

quiserem façam-na, peçam apoios, aqui, aos partidos e façam, mas não há.

Portanto, se hoje decidirmos que o projeto do Chega não vai a votos, eu aceitarei, é a maioria que decide.

Mas é uma grosseira ilegalidade que estamos a cometer, aqui, hoje…

O Sr. Presidente: — Obrigado, Sr. Deputado. Já se percebeu qual é o seu ponto.

O Sr. André Ventura (CH) — Até às 12 horas e 45 minutos isto estava na ordem do dia e é inadmissível que

não esteja a esta hora.

O Sr. Presidente: — Já se percebeu qual é o seu ponto. Obrigado, Sr. Deputado.

O Sr. André Ventura (CH) — Sr. Presidente, obrigado pela possibilidade de fazer este recurso.

O Sr. Presidente: — A questão é que, quando há arrastamentos, os partidos ou o Governo, como

proponentes, podem não aceitar esses arrastamentos se não tiverem nada que ver com aquilo que está a ser

discutido.

O Sr. André Ventura (CH) — Em duas semanas?!

O Sr. Presidente: — E, por consequência, o Governo entendeu hoje de manhã — e eu só soube agora —

não aceitar esse arrastamento.

O Sr. André Ventura (CH) — Claro que não aceita!

O Sr. Presidente: — Agora, o Sr. Deputado vai deixar falar os outros, se faz favor.

O Sr. Deputado entende que não deveria haver esta situação e, portanto, recorre para o Plenário e é isso

que vamos votar

O Sr. Luís Moreira Testa (PS): — Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado também quer arrastar este debate? Faça favor.

O Sr. Luís Moreira Testa (PS): — Sr. Presidente, como disse, e muito bem, é uma prerrogativa do

proponente querer ou não ter pontos arrastados para o tema em discussão…

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O Sr. André Ventura (CH) — Em duas semanas?!

O Sr. Luís Moreira Testa (PS): — … e, portanto, qualquer recurso que haja para o Plenário não invalida

essa prerrogativa do proponente.

O Sr. André Ventura (CH) — Onde é que está? Qual é o artigo? Qual é o artigo?

O Sr. Luís Moreira Testa (PS): — Portanto, a questão que se coloca é muito simples: o proponente não

admitiu o arrastamento do ponto em discussão.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Muito bem.

Embora com todas essas dúvidas que o Sr. Deputado acabou de exprimir, vamos votar a proposta de ordem

do dia que foi distribuída aos Srs. Deputados.

Submetidaà votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PSD, do BE, do PCP e do PEV, votos contra

do CDS-PP, do CH e do IL e abstenções do PAN e da Deputada não inscrita Cristina Rodrigues.

Vamos, pois, seguir com a ordem do dia.

O primeiro ponto consiste na apreciação, na generalidade, da Proposta de Lei n.º 38/XIV/1.ª (ALRAA) —

Nona alteração à Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, aprovada pelo

Decreto-Lei n.º 267/80, de 8 de agosto, alterado pelas Leis n.os 28/82, de 15 de novembro, e 72/93, de 30 de

novembro, e Leis Orgânicas n.os 2/2000, de 14 de julho, 2/2001, de 25 de agosto, 5/2006, de 31 de agosto,

2/2012, de 14 de junho, 3/2015, de 12 de fevereiro, e 4/2015, de 16 de março.

Está inscrita, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do PAN.

Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta proposta que hoje aqui

nos traz convoca-nos, inevitavelmente, para um tema que deve ser da maior importância, e penso que falamos

por todos e todas, que tem a ver com o combate à abstenção. Esta talvez seja uma das poucas questões em

que todos concordamos que deverá ser prioridade deste Parlamento. É certo que, provavelmente, não há

convergência quanto a várias soluções mais arrojadas, mas todos temos convergido em soluções concretas

que, combatendo a abstenção, não alteram os eixos estruturais do nosso sistema eleitoral.

Foi isso mesmo que fizemos na Legislatura passada. Sem introduzir mudanças estruturais, empreendemos

um conjunto de alterações à legislação eleitoral com o intuito de desburocratizar o processo eleitoral em todas

as suas fases e, naturalmente, incentivar a participação eleitoral dos cidadãos. Uma das grandes medidas foi

precisamente a introdução do voto em mobilidade.

O PAN, no seu programa eleitoral, para além de defender mudanças estruturais, como o voto aos 16 anos

ou a redução do número de círculos eleitorais para nove, assumiu o compromisso de se bater pelo

aprofundamento das melhorias do regime do voto antecipado introduzidas na última Legislatura, nomeadamente

criando condições para assegurar o seu alargamento, a existência de um maior número de mesas de voto e

uma maior eficácia na organização do processo.

A presente proposta de lei da Assembleia Legislativa Regional dos Açores insere-se, em nosso entender,

nesta lógica de aprofundamento defendida pelo PAN, procurando aplicar o regime do voto antecipado, já previsto

noutras leis eleitorais, às eleições para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, pelo que

contará necessariamente com o voto favorável do PAN.

A presente proposta não só é positiva por fomentar a participação eleitoral, como assume particular

importância no contexto de crise sanitária em que vivemos e que exige o respeito pelos princípios do

distanciamento social, algo que esta proposta garante ao permitir dispersar, por dias, os diversos eleitores.

Terminamos deixando um apelo à necessidade de esta Assembleia da República ponderar, em sede de

especialidade, eventuais alterações cirúrgicas complementares que se afigurem necessárias para garantir,

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também, não só a segurança destas eleições regionais como de futuros atos eleitorais, como as eleições para

os órgãos das autarquias locais.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, aproveito para vos informar, com todas as implicações que esta

informação tem, que já temos quórum para proceder às votações.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, do Bloco de Esquerda.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de alteração à Lei

Eleitoral para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores é, do nosso ponto de vista, meritória.

Ela propõe a implementação do voto antecipado em mobilidade e parte do exemplo já implementado quer nas

eleições europeias do ano passado, quer nas eleições legislativas, algo que mereceu quer a aprovação quer a

adesão generalizada.

O voto antecipado em mobilidade é uma ferramenta que permite que o eleitor ou eleitora exerça o seu dever

cívico de votar numa mesa de voto localizada numa outra área geográfica que não a da sua residência.

A introdução desta modalidade de voto na legislação da Região Autónoma dos Açores, na sua Lei Eleitoral,

compatibiliza e harmoniza esta Lei Eleitoral com a que já existe quer para a eleição do Presidente da República,

quer para a eleição da Assembleia da República ou para as eleições europeias.

Por isso, e desse ponto de vista, o Bloco de Esquerda acompanha e saúda a iniciativa da Assembleia

Legislativa Regional dos Açores e saudamos, também, a motivação apresentada para a alteração à lei:

desburocratizar e, simultaneamente, contribuir para uma redução efetiva das preocupantes taxas de abstenção.

Estas preocupações são, do nosso ponto de vista, meritórias e estão na mente de todas e de todos os

democratas. Como é que facilitamos o exercício da democracia? Como aproximamos as pessoas das escolhas

democráticas? Como reduzimos a abstenção?

Estamos de acordo com estas alterações à lei porque, de facto, respondem positivamente a qualquer uma

destas perguntas e dão, do ponto de vista da Assembleia Legislativa Regional dos Açores, um sinal positivo.

Bem poderia a Assembleia da República pôr os olhos na Assembleia Legislativa Regional, porque enquanto

nos Açores se discute e propõe à Assembleia da República uma alteração à lei que aproxima as pessoas da

democracia, aqui estão em curso debates e propostas que visam exatamente o contrário. PS e PSD,

provavelmente com uma ajudinha do PCP e do PEV, irão aprovar — dizem! — na Assembleia da República a

redução dos debates com o Primeiro-Ministro, afastando claramente pontos de interesse do debate parlamentar

para o cidadão comum, considerando que o debate democrático, em vez de ser uma virtude, é um problema —

algo que, como democrata, não consigo compreender — e reduzindo o confronto das ideias a uma espécie de

democracia amestrada, domesticada, porque, aparentemente, o confronto de ideias é negativo para o País. Ora,

isto é exatamente o contrário do que pensa quem verdadeiramente acha que a democracia é o regime que deve

imperar.

A Sr.ª Fabíola Cardoso (BE): — Muito bem!

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Por isso, e para terminar, Sr. Presidente, saúdo a Assembleia Legislativa

Regional dos Açores por este bom exemplo que dá, num momento em que a Assembleia da República vai dar

um mau exemplo ao País.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe, do Grupo

Parlamentar do PCP.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta sessão começa de uma forma

um pouco insólita. Há pouco era o Sr. Deputado André Ventura que queria agendar uma matéria que nada tinha

a ver com a matéria que estava inicialmente agendada e agora é o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, que, a

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propósito de uma proposta de lei da Região Autónoma dos Açores acerca da Lei Eleitoral para essa região, traz

aqui uma questão que tem a ver com o Regimento da Assembleia da República, que não tem rigorosamente

nada a ver com isto e que, no momento próprio, obviamente, discutiremos.

O que, efetivamente, estamos a discutir é uma proposta que faz todo o sentido e dificilmente se

compreenderia que, depois de ter sido aprovado o voto antecipado em mobilidade para as eleições para a

Assembleia da República e para a Presidência da República e realizando-se nos próximos meses eleições para

a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, onde, evidentemente, por maioria de razão este

processo de votação se impõe, não houvesse este método de votação. Daí que tenha andado muito bem a

Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, não só ao apresentar esta proposta de lei à Assembleia

da República como em promover o seu agendamento, utilizando os mecanismos legais de que dispõe para o

poder fazer.

Portanto, obviamente, faz todo o sentido esta inovação introduzida na Legislatura anterior, que foi objeto de

um debate cuidadoso e aprovou a possibilidade de os cidadãos que estão deslocados do seu local de residência

poderem votar antecipadamente no local onde se encontram, o que é muito relevante, particularmente para

estudantes mas também para outros trabalhadores que tenham de estar deslocados do seu local de

recenseamento. Faz todo o sentido que haja esta possibilidade de poderem requerer o voto antecipado, que

lhes será concedido, e poderem exercer o seu voto no domingo anterior à realização da eleição, na sede da

capital de distrito onde estejam nessa altura.

Isto faz todo o sentido, é uma forma de possibilitar o exercício do voto a pessoas que de outra maneira não

o conseguiriam exercer. Portanto, obviamente que é uma aquisição muito relevante, que, depois de ter sido

consagrada para as eleições a nível nacional, obterá agora consagração, segundo esperamos, na Lei Eleitoral

para a Região Autónoma dos Açores, e espera-se que, no momento adequado, haja idêntica iniciativa para que

também nas eleições para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira esta possibilidade possa

existir. Mas, como se sabe, existe um exclusivo de iniciativa em matéria de alteração da lei eleitoral de cada

uma das regiões que tem de ser respeitado pela Assembleia da República. Ainda bem que a Assembleia

Legislativa da Região Autónoma dos Açores tomou esta iniciativa, faz todo o sentido que ela seja aprovada e

aplicada nas próximas eleições para essa Assembleia Legislativa.

Aplausos do PCP e do PEV.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Almeida, do Grupo

Parlamentar do CDS-PP.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É tão feliz a introdução

do voto em mobilidade como, do nosso ponto de vista, é infeliz a forma como é feita neste caso. É infeliz pelo

momento, pela forma e pelo próprio conteúdo.

Do nosso ponto de vista, é infeliz pelo momento, porque há um princípio fundamental de não alterar regras

de processo eleitoral quando esse processo já se iniciou e, manifestamente, já estamos em campanha eleitoral

para as eleições para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores. Portanto, do nosso ponto de

vista, o tempo oportuno para ter feito esta alteração era o anterior ao que estamos a viver agora.

É infeliz do ponto de vista formal, porque quem tem competência para pedir este agendamento é a Sr.ª

Presidente da Assembleia Legislativa Regional dos Açores, depois de haver uma deliberação do Plenário da

mesma a solicitar esse agendamento, coisa que não aconteceu. Portanto, temos aqui um agendamento que,

formalmente, não respeita os normativos para que possamos estar a discutir esta matéria.

É infeliz do ponto de vista do conteúdo, porque na Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores

há uma comissão eventual para rever o próprio estatuto autonómico e foi discutido e acordado um princípio de

consenso para as matérias que ali fossem discutidas e aprovadas. Ora, o que é que vemos nesta proposta de

lei? Vemos que o que vem não é consensual e o que é consensual não vem. Ou seja, há matérias que já estavam

acordadas nesta comissão eventual e estão completamente de fora desta proposta de lei, ao passo que esta,

que vem nestes termos, não obteve acordo na Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores. E não

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obteve acordo porquê? Porque, pela forma como está elaborada, não dá garantias de transparência e isenção

das entidades que vão intervir no processo do voto em mobilidade.

O voto em mobilidade é positivo desde que respeite toda a igualdade que tem de haver entre todos os

candidatos às eleições, coisa que, inicialmente, estava muito mal, muito mal elaborada e esta proposta de lei

mereceu até uma alteração em relação à sua versão inicial. Mas, mesmo assim, entendemos que quer o

Governo Regional, quer as câmaras municipais vão ter acesso a informação privilegiada, o que, obviamente,

não garante igualdade de condições a todos os partidos ao concorrerem a estas eleições.

Portanto, o CDS, respeitando a importância do voto em mobilidade, não impedindo o acesso de muitos

cidadãos da Região Autónoma dos Açores ao direito de voto, que não poderiam tê-lo de outra maneira, não

pode deixar de dizer que isto deveria ter sido feito atempadamente, respeitando formalmente as regras em vigor

e acautelando a igualdade entre partidos, coisa que não faz.

Por isso, não votaremos favoravelmente mas não impediremos e, assim, vamos optar pela abstenção, a favor

do voto em mobilidade mas contra a trapalhada que foi feita na região, essencialmente pelo PS, pelo PSD e

pelo Bloco de Esquerda.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Ventura, do Chega.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Chega gostaria, antes de mais, de

se juntar à crítica formulada pelo CDS em relação a esta matéria.

De facto, este é um normativo que há muito deveria ter sido aprovado, uma vez que não só consubstancia

exigências há muito feitas pela Assembleia Legislativa Regional dos Açores como é um desafio eleitoral que o

Partido Socialista já tinha prometido mudar há uns anos.

O voto antecipado em mobilidade é fundamental. Provavelmente não haverá aqui ninguém que se oponha a

esse voto. A aproximação entre eleitores e eleitos é, de facto, um mérito desta lei e o Chega não se oporá, por

isso, a esta legislação.

Mas, Sr. Deputado António Filipe, tenho de lhe dizer isto: exigir democracia nos Açores e pedir menos

democracia no Plenário da Assembleia da República é um pouco um contrassenso e a forma como respondeu

ao Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, do Bloco de Esquerda, «faremos essa discussão depois», não nos

tranquilizou em nada. Isto é, geralmente, quando o Partido Comunista, por detrás da cortina, dá a mão ao Partido

Socialista, e isso mostra bem o que é pedir para os Açores uma coisa e fazer cá outra, como será o caso do fim

dos debates quinzenais na Assembleia da República, provavelmente com o apoio do Partido Comunista.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Rodrigues, do Grupo

Parlamentar do PS.

Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isabel Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por endereçar uma

saudação muito especial ao PCP, que mudou de posição entre a apreciação na Assembleia Legislativa da

Região Autónoma dos Açores e a apreciação na Assembleia da República,…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Isso é verdade! E viva o centralismo!

A Sr.ª Isabel Rodrigues (PS): — … sendo certo, Sr. Deputado António Filipe, que acho que a razão está do

seu lado e, por isso, saúdo-o.

Queria também dirigir uma palavra ao Sr. Deputado João Almeida sobre a intervenção que fez.

Vamos por partes: é verdade que foi criada uma comissão eventual, denominada CEVERA (Comissão

Eventual para a Reforma da Autonomia), que ao longo desta Legislatura na Região Autónoma dos Açores se

dedicou a estudar e a propor um conjunto de soluções…

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Protestos do Deputado do CDS-PP João Pinho de Almeida.

Propôs, no Parlamento Regional propôs! Estudou, elaborou propostas e algumas delas foram à Assembleia

Legislativa da Região Autónoma dos Açores.

Nesta matéria é verdade que o que estava em estudo na comissão era algo muito mais amplo do que a

questão do voto em mobilidade e apenas tínhamos uma opção: continuar a deixar de fora todos os açorianos

em situação de mobilidade quando ocorrer o ato eleitoral. Gostaria de lembrar que, para o Partido Socialista, a

questão da mobilidade é uma questão há muito assumida como vital e no caso dos Açores isto tem uma

pertinência muito particular. Estamos a falar de nove ilhas, de centenas de estudantes deslocados na Madeira

e no território continental e de centenas de doentes que se deslocam inter-ilhas e para o continente, por vezes

para estadas muito prolongadas.

Sr. Deputado, se estamos todos de acordo em relação ao voto antecipado em mobilidade, a opção era não

garantir a estas açorianas e a estes açorianos que pudessem votar nas próximas eleições?

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Não! Era para fazer as coisas direitas!

A Sr.ª Isabel Rodrigues (PS): — Bom, gostaria de esclarecer uma coisa: a Assembleia Legislativa da Região

Autónoma dos Açores tem 57 Deputados, dos quais 51 votaram a favor desta lei. Se isto não é consenso, não

sei o que é consenso, Sr. Deputado!

Aplausos do PS.

Queria dizer-lhe que, para nós, a componente mais importante, até do que o combate à abstenção, é a

garantia do exercício do direito de voto por todas as açorianas e por todos os açorianos que, por razões da sua

vida escolar e académica, por razões de saúde, por razões de trabalho, não conseguem estar na mesa de voto

da sua freguesia de residência naquele dia.

Parece-me, portanto, que a abstenção do CDS-PP, tirando a parte em que toma as dores do PPM (Partido

Popular Monárquico), que se manifestou contra a forma como decorreu este processo, não tem qualquer razão

de ser. Não poderia haver consenso maior do que o de 51 Deputados da Assembleia Legislativa, que, no uso

de uma competência sua, apresentam esta proposta.

Aplausos do PS.

Protestos do Deputado do CDS-PP João Pinho de Almeida.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, pelo Grupo Parlamentar do PSD, o Sr. Deputado António Ventura.

O Sr. António Ventura (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Está hoje em discussão uma

proposta de alteração da Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, que é

uma iniciativa da própria Assembleia Legislativa.

Pretende o povo açoriano a consagração do voto antecipado por mobilidade nas suas eleições, ou seja, que

qualquer açoriano tenha oportunidade de votar, já no próximo ato eleitoral, quando deslocado da sua residência,

como acontece nas eleições para a Assembleia da República e para o Parlamento Europeu.

Com esta possibilidade, permite-se uma maior participação eleitoral, combatendo-se aquele que é o maior

flagelo democrático nos Açores, que é a abstenção.

Os Açores têm níveis de abstenção muito preocupantes, níveis que devem envergonhar todos, mas devem

envergonhar, principalmente, quem governa os Açores.

A Sr.ª Isabel Rodrigues (PS): — Uh!

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O Sr. António Ventura (PSD): — O Governo dos Açores, da responsabilidade do PS, devia ser o primeiro a

admitir a sua culpa astronómica na abstenção. Todos os que estão na política têm culpa, mas uns têm mais

culpa do que outros e quem governa assume a dianteira da culpa.

Esta não é a Lei Eleitoral final. Muito há a fazer para se conseguir mais autonomia e aprofundar a democracia

nos Açores. Para isso, continua o Parlamento Regional a encontrar e a propor as melhores soluções.

A este respeito, importa dizer que uma oportuna revisão constitucional tem de incluir algumas pretensões do

povo açoriano.

Desde logo, a dramática e infeliz pandemia que vivemos trouxe à luz do dia dificuldades de relacionamento

com o Governo da República e com o Representante da República que não podem voltar a acontecer.

Dificuldades no âmbito da segurança e da proteção da saúde dos açorianos.

O PSD nos Açores considera, assim, que qualquer revisão constitucional só fica completa se consentir os

ajustamentos da autonomia. Este tem de ser o princípio, o meio e o fim de todo o debate.

O PSD estará sempre a trabalhar para uma autonomia fortalecida, pois esta melhora a qualidade democrática

e o desempenho dos órgãos de governo próprios.

Mas, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a par do desempenho do autogoverno, também é oportuno dizer-

se que se exige responsabilidade nos resultados. E, aqui, falha novamente quem governa os Açores.

Estamos perante um modelo de governação que, após 24 anos de permanência no poder, apresenta

resultados negativos,…

Protestos da Deputada do PS Isabel Rodrigues.

… como nos níveis de pobreza, no abandono escolar precoce, no despovoamento e no envelhecimento da

população. Resultados que não são consequência da COVID-19, já existiam, nos Açores, antes desta pandemia.

Protestos da Deputada do PS Isabel Rodrigues.

Está a alterar-se a Lei Eleitoral e, certamente, uma maior participação dos açorianos no próximo ato eleitoral

irá contribuir para alterar esta triste realidade social e económica que se vive na região, através de um novo

modelo de governação.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, a Mesa não regista mais inscrições para intervenções sobre este ponto,

pelo que dou por terminado o debate, na generalidade, da Proposta de Lei n.º 38/XIV/1.ª (ALRAA).

Vamos passar ao segundo ponto da nossa ordem de trabalhos, de que consta a apreciação, na generalidade,

da Proposta de Lei n.º 41/XIV/1.ª (GOV) — Estabelece medidas especiais de contratação pública e altera o

Código dos Contratos Públicos e o Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Para abrir o debate, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, André

Moz Caldas.

O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros (André Moz Caldas): — Sr.

Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Administração Pública não pode, com qualidade, celeridade e eficiência,

exercer os seus fins de garante do interesse público e de satisfação das necessidades públicas e coletivas se

não for dotada de adequadas ferramentas, designadamente jurídicas.

A proposta de lei hoje em apreciação visa, no respeito pelo princípio da boa administração, a promoção da

atividade administrativa contratual, sem desperdícios de tempo, de meios humanos e de recursos financeiros.

As alterações propostas dividem-se, no essencial, em dois planos, unidos por um propósito de modernização

e simplificação da atividade administrativa. De um lado, estabelece-se um regime especial de contratação

pública endereçado a alguns objetivos de políticas públicas que necessitam de uma resposta mais célere e ágil.

De outro lado, concretiza-se uma alteração ao Código dos Contratos Públicos que, para além de promover

uma série de acertos a lacunas e insuficiências que a experiência tornou visíveis, assenta a sua maior relevância

na adoção de medidas de simplificação e flexibilização do regime de contratação pública.

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O regime especial aqui proposto consiste, essencialmente, na possibilidade de lançamento de procedimentos

de consulta prévia, com convite a, pelo menos, cinco entidades, até aos limiares admitidos pelas diretivas

europeias, para a celebração de contratos de execução de projetos cofinanciados por fundos europeus, de

projetos integrados no âmbito do Programa de Estabilização Económica e Social (PEES), de promoção de

habitação pública ou de custos controlados, de intervenção em imóveis cuja titularidade e gestão tenha sido

transferida para os municípios, no âmbito do processo de descentralização de competências, e de iniciativas no

âmbito das tecnologias de informação e conhecimento.

Constam, ainda, da proposta de lei medidas quanto aos contratos celebrados no âmbito do Sistema de

Gestão Integrada de Fogos Rurais, no que concerne à gestão de combustíveis, e no âmbito da aquisição de

bens agroalimentares provenientes de produção em modo biológico, fornecidos por detentores do estatuto de

agricultor familiar ou do estatuto de jovem empresário rural.

No que concerne à alteração ao Código dos Contratos Públicos é, desde logo, de destacar a introdução, pela

primeira vez entre nós, nos princípios gerais da contratação pública, da referência ao dever de as entidades

adjudicantes assegurarem que os operadores com quem se relacionam garantem o respeito pelas normas

aplicáveis em matéria de prevenção e combate à corrupção. Esta norma é, aliás, concretizada mediante o

estabelecimento da obrigação de alguns adjudicatários, relativamente a determinados contratos — aqueles cujo

valor determine a sua sujeição a fiscalização prévia do Tribunal de Contas —, apresentarem um plano de

prevenção de corrupção e de infrações conexas, enquanto documento de habilitação.

Bem assim, proíbe-se, nas consultas prévias ou na sucessão de consultas prévias, o convite a entidades

especialmente relacionadas quer por partilharem representantes legais ou sócios, quer por se encontrarem

coligadas por qualquer tipo de relação de sociedades.

No mais, pela sua relevância, cumpre destacar, desde logo, a introdução de aspetos da execução do contrato

e fatores que densificam o critério de adjudicação das propostas relativos a novas condições de natureza social,

ambiental e cultural, no encalço de relevar positivamente o contributo das propostas para os objetivos de

valorização da economia circular e de combate às alterações climáticas, designadamente pela valorização das

cadeias curtas e das compras públicas de proximidade, entre outros aspetos de inovação, promoção da

qualificação e dinamização cultural, também introduzidos.

Cumpre, ainda, destacar, concorrendo para o similar objetivo de valorização das cadeias curtas e das

compras públicas de proximidade, a previsão da possibilidade de estabelecer uma reserva de participação em

procedimento pré-contratual a micro, pequenas e médias empresas e, bem assim, a entidades com sede no

território da entidade intermunicipal em que se localize a entidade adjudicante, neste segundo caso para

alocação ou aquisição de bens móveis ou para aquisição de serviços correntes.

Destaca-se também o estabelecimento da possibilidade, no caso dos concursos limitados por prévia

qualificação, de o projeto de execução ser disponibilizado aos candidatos selecionados para apresentação de

propostas num momento posterior do procedimento, permitindo que os trâmites procedimentais próprios daquele

tipo concursal e a elaboração do projeto de execução corram em paralelo, eliminando dispêndios de tempo

desnecessários.

Destaca-se também a hipótese de adjudicação excecional, por motivos de interesse público, de proposta

anteriormente excluída por apresentar um preço superior ao preço-base, evitando a existência de concursos

desertos, com respeito pela solenidade do procedimento, pela autorização de despesa e por um teto máximo de

20% sobre o preço.

Com esta proposta de lei, julgamos tornar a Administração Pública mais ágil e flexível, não descurando o

combate à corrupção e a promoção da concorrência.

Todavia, uma reforma desta natureza deve merecer um amplo consenso nesta Assembleia e na sociedade

portuguesa.

Encontramo-nos, pois, ao dispor para o trabalho técnico e para o diálogo político que as Sr.as e os Srs.

Deputados entendam necessário aprofundar na especialidade.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado João Cotrim de

Figueiredo, do Iniciativa Liberal.

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O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados:

Este Governo socialista, ao fim de cinco anos de governação, descobre que as regras da contratação pública

são um empecilho. E, vai daí, resolve cortar a eito.

Diz que vai simplificar o processo, mas, como eu já disse aqui uma vez, os socialistas são geneticamente

incapazes de simplificar até ao fim e o processo continua, na realidade, dantesco. E já se sabe que, onde há

dificuldades, se abre a porta à venda de facilidades.

Também aumenta o limite do valor dos contratos que não exigem concurso, ou seja, que podem recorrer a

procedimentos menos concorrenciais, algo que não vai certamente favorecer nem a concorrência, nem a própria

transparência.

Dá-se à entidade pública adjudicante o poder discricionário — quase apetece dizer arbitrário — de declarar

que, e cito, «o preço ou custo de uma proposta pode ser considerado anormalmente baixo», permitindo

adjudicações que farão, assim, gato-sapato das regras do concurso.

Percebe-se a vontade de aligeirar as restrições da Administração Pública e não será o Iniciativa Liberal a

criticar essa vontade, mas não o faremos à custa da defesa do dinheiro dos contribuintes. E, sobretudo, não

podemos calar que, ao mesmo tempo que o Governo decide, ao fim de cinco anos, aligeirar a burocracia que o

afeta — a ele, Estado —, opta por nem sequer tentar aligeirar a burocracia para as entidades privadas, que são,

esmagadoramente, as contrapartes desses contratos.

Em nome das empresas e das pessoas que, todos os dias, sofrem o calvário dessa burocracia, que nem têm

a quem recorrer, nem podem alterar códigos a seu bel-prazer, exigimos mais respeito para os que efetivamente

fazem andar a economia.

Isto que aqui hoje discutimos não vai, manifestamente, descomplicar Portugal.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Bruno Dias, do Grupo

Parlamentar do PCP.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A proposta

apresentada pelo Governo apresenta-se com o intuito de adotar medidas de simplificação de procedimentos no

âmbito da contratação pública, sobretudo naquilo que a exposição de motivos designa como «áreas de especial

prioridade política».

Temos em conta alguns dos principais fenómenos que obstaculizam ao bom andamento da contratação

pública. Não arriscamos em afirmar que o primeiro e mais grave de todos é o processo sistemático de

degradação e desmantelamento da capacidade técnica da Administração Pública, o esvaziamento de quadros

técnicos, fragilizando profundamente o Estado, até mesmo enquanto comprador, deixando-o à mercê de

fornecedores com agendas e estratégias que nada têm a ver com o interesse público.

Refira-se, aliás, que essa degradação e desmantelamento da capacidade técnica da Administração Pública

é, em si mesma, um fator de limitação e dificuldade na aplicação de algumas das soluções trazidas por esta

proposta de lei, como é o caso, por exemplo, do recurso ao programa preliminar que agora se retoma, por

alternativa ao projeto de execução, em sede de caderno de encargos.

Diga-se, desde já, que a definição das tais «áreas de especial prioridade política» é aqui uma questão

incontornável, até porque a maior parte das prioridades identificadas estão em linha com o que tem sido a política

de direita e visam o seu aprofundamento. Nem temos tempo para entrar nesse debate, com tudo o que haveria

para dizer.

Parece ocorrer um significativo consenso em torno da necessidade de introduzir correções e ajustes na

legislação que permitam ultrapassar os obstáculos, muitos deles recorrentes e sistemáticos, que se colocam à

execução do investimento público, particularmente em infraestruturas, mas também nos processos de aquisição

de bens e serviços, particularmente os não correntes e de valor mais elevado.

As áreas identificadas são a execução de projetos financiados por fundos europeus, a habitação e

descentralização, as tecnologias de informação e conhecimento, a execução do Programa de Estabilização

Económica e Social, as ações no âmbito do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais e os procedimentos

relativos a bens agroalimentares.

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No âmbito da habitação e descentralização e das tecnologias de informação e conhecimento, a aplicabilidade

é transitória e tem o limite de 31 de dezembro de 2020. Nas restantes áreas, as normas terão vindo para ficar.

O essencial destas questões está na alteração do tipo de procedimento, sendo admissível o procedimento

de consulta prévia com convite a pelo menos cinco entidades, tendo por limite, no caso das empreitadas, o valor

de 5,35 milhões de euros e, no caso do fornecimento de bens e serviços, o valor de 139 000 €, valores estes

que são ajustados nesta própria proposta relativamente aos que estão em vigor.

A consagração de procedimentos especiais para contratos relacionados com financiamentos comunitários é

suscetível de criar uma dupla discriminação entre entidades que se tendo candidatado obtêm financiamento e

outras que, tendo acesso, não só não conseguem obter financiamento como ficam sujeitas a processo menos

ágil.

A verdade é esta: em relação ao critério do preço mais baixo, as voltas continuam a ser dadas e o resultado,

potencialmente, pode vir a ser o mesmo, como é o caso, designadamente, da norma que fala da análise da

proposta economicamente mais vantajosa no critério monofatorial do preço. Por outro lado, há um problema que

continuaremos a ter de discutir e que continua a colocar-se em relação aos honorários e em relação ao chamado

dumping social.

Na verdade, por mais aperfeiçoada que seja a legislação, o problema reside sempre em quem a aplica e em

como é feito o seu controlo. O problema é sempre o mesmo: o Estado, em termos de prioridade, está ao serviço

de quem e de quê?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Isabel Pires, do Grupo

Parlamentar do Bloco de Esquerda.

A Sr.ª IsabelPires (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: O

Governo propõe hoje à Assembleia da República algumas alterações à contratação pública e ao Código dos

Contratos Públicos, sendo que registamos que é um código que pretendeu dar segurança, do ponto de vista da

transparência, à utilização de dinheiros públicos, que também tem sido, ao longo dos anos, criticado por excesso

de processos burocráticos. Para vários governos, e não poucas vezes, tem servido como bode expiatório para

atrasos em obras públicas relevantes. Tudo isto são factos.

Agora, o Governo propõe que, de alguma forma, se tente desburocratizar determinados processos de

contratação pública, nomeadamente em matéria de projetos co-financiados por fundos europeus, de habitação

e descentralização, de tecnologias da informação e conhecimento, de execução do PEES, da gestão de

combustíveis no âmbito do sistema de gestão integrada, de fogos rurais e de bens agroalimentares.

Mas vejamos algumas das propostas concretas. Por exemplo, quando coloca a possibilidade de contratos

que se enquadram no âmbito da execução de projetos co-financiados por fundos europeus e de promoção de

habitação pública ou de custos controlados, a consagração da não obrigatoriedade de a fundamentação da

decisão de contratar se basear numa análise custo-benefício, caso se trate de contratos com valor superior a 5

milhões ou a 2,5 milhões de euros, no sentido de se promover a simplificação prosseguida. Compreendendo o

objetivo por trás disto, parece-nos que a boa prática de contratação pública é mesmo o que fica para trás com

esta simplificação.

Aliás, neste âmbito, já existiram debates, nesta Casa, exatamente no sentido de aligeirar regras das PPP

(parcerias público-privado) para, nomeadamente, caberem nos critérios de projetos de habitação. Tendo o Bloco

de Esquerda sempre pugnado por um parque habitacional público, também sempre pugnámos por regras claras

de transferência, rigor e escrutínio no que toca à contratação pública. Por isso, pergunto ao Governo se esta

proposta não deveria ter sido mais bem ponderada.

Por outro lado, registamos a inclusão de algo que o Bloco de Esquerda tem defendido há vários anos: que

os cadernos de encargos da contratação pública revelem a valorização da economia local e regional, bem como

os circuitos curtos de distribuição. Ainda bem que, finalmente, vemos isso pela mão do Governo, porque lembro

que, antes, vários Governos do PS e do PSD diziam que era impossível porque tal ia contra as regras europeias.

Ainda bem que os tempos mudaram relativamente a esta matéria.

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Sr. Secretário de Estado, sabemos da necessidade de aceder rapidamente aos fundos comunitários como

forma de dar fôlego à economia e com isso criar condições para uma recuperação económica rápida. Mas esse

caminho tem de ser feito mantendo a necessária transparência e capacidade de escrutínio de decisões.

Não ignoramos os problemas que existem e que poderia haver formas de melhorar processos, mas sem pôr

em causa a transparência dos mesmos. Por isso, dizemos que é com esse compromisso que iremos fazer a

discussão, na especialidade, deste diploma.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado André Silva, do Grupo

Parlamentar do PAN.

O Sr. AndréSilva (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Secretários de Estado: Com esta

proposta de lei, o Governo dá passos largos na redução da concorrência na contratação pública, com prováveis

encargos para o Estado, e na redução da transparência, potenciando o aumento de casos de corrupção. Esta

proposta poderá, também, ser penalizadora para as micro e pequenas empresas.

E isto acontece porque o Governo vai reduzir, significativamente, os concursos públicos e apostar nos ajustes

diretos, muitos deles isentos de consulta a mais do que uma entidade. No atual quadro da contratação pública

é obrigatório o recurso a concurso público para valores acima de 150 mil euros, no caso das obras públicas. O

Governo pretende alterar este limite para 500 mil euros.

Mas mais: o Governo cria regimes de exceção, como é o caso das despesas financiadas por fundos

europeus, em que isenta de concurso público obras até 5 350 000 euros. Praticar ajustes diretos no valor de 5

milhões de euros contribui para a redução da concorrência e fomenta condutas de corrupção.

Mas o Governo também não se coíbe de retirar proteção às entidades públicas adjudicantes — ao Estado,

entenda-se — e de proteger os adjudicatários. Veja-se o exemplo das novas disposições relativas a erros e

omissões no processo de concurso, em que o Estado passa a poder ser penalizado por erros que apenas

pudessem ser detetados na fase de execução do contrato, ou, ainda, da exigência de cauções, que, atualmente,

são obrigatórias para contratos acima de 200 mil euros e passam a ser obrigatórias apenas quando os contratos

tenham valores acima de 500 mil euros. Portanto, estas normas não defendem, claramente, o interesse público.

Constatamos, ainda, que o Governo está a fazer greenwashing, dizendo que está a aumentar a defesa dos

critérios de sustentabilidade, quando, na prática, isso não acontece. Os critérios ambientais já estão previstos,

o Governo apenas os especificou, e de forma arbitrária, sem ter em conta a Estratégia Nacional para as Compras

Públicas Ecológicas.

Recentemente, o Tribunal de Contas publicou o relatório de auditoria à Estratégia Nacional para as Compras

Públicas Ecológicas. As conclusões são dececionantes. Das 21 tipologias de bens e serviços prioritárias, apenas

4 tinham os critérios concluídos, 8 tipologias estão em curso e nas restantes 9 tipologias ainda não se iniciaram,

sequer, os trabalhos. Salienta-se que já existia uma base de trabalho, feita pela União Europeia — bastava, Sr.

Secretário de Estado, adaptá-la à realidade nacional —, o que torna os resultados desta avaliação do Tribunal

de Contas ainda mais incompreensíveis.

Para além do atraso na definição e implementação da estratégia, o Tribunal de Contas aponta ainda outras

falhas, como a não divulgação da estratégia às entidades adjudicantes, a não elaboração de relatórios de

progresso, a ausência de medição dos impactos financeiros, económicos e ambientais ou a insuficiência e falta

de fiabilidade da informação no Portal Base, no que se refere à aplicação de critérios ambientais.

O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado João Gonçalves Pereira,

do Grupo Parlamentar do CDS-PP.

O Sr. JoãoGonçalvesPereira (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Secretários

de Estado: Temos aqui em discussão uma nova revisão do Código dos Contratos Públicos. A última revisão foi

em 2017, feita pelo Partido Socialista, e estamos sempre a mudar. De duas, uma: ou a reforma de 2017 foi mal

feita ou esta reforma não é necessária.

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Estamos perante uma revisão que é densa e complexa. Em 2017, foi dado um prazo de seis meses para

adaptação às novas regras deste mesmo Código, para permitir a adaptação das diferentes entidades a esta

nova realidade. O que se passa agora é que a aplicação será imediata e isso pode implicar a paralisação de

várias entidades.

O objetivo desta reforma é relançar a economia, diz o Governo, acelerar obras, acelerar projetos. Com esse

objetivo, traz aqui novas regras que só terão efeitos de execução daqui a um ano. Só daqui a um ano é que

essas empreitadas e essas obras passarão a ser executadas!

Ora, o que é certo é que a economia precisa de respostas hoje, não precisa de respostas para daqui a um

ano ou para daqui a um ano e meio. E uma das medidas que é necessária hoje e não aparece nesta proposta

— e seria importante aparecer — é precisamente a criação de mecanismos de alteração dos contratos

existentes, ou seja, em matéria de renegociação dos atuais contratos.

Vou dar um exemplo: uma empreitada tem um prazo de execução de um ano. A obra estava a decorrer e

surgiu a pandemia, que implicou uma paralisação. Essa mesma empreitada e essa obra precisam de muitos

materiais que dependem de importação do exterior. Esse exterior não consegue abastecer o País porque

também está paralisado. Seria importante que existisse esse mesmo mecanismo de renegociação para permitir

que a obra pudesse ter um prazo de execução mais dilatado no tempo — mais dois, mais três ou mais quatro

meses.

Dei o exemplo de uma empreitada mas há muitos setores e muitas indústrias que dependem, precisamente,

de abastecimento externo e, portanto, essas implicações deveriam estar aqui acauteladas.

Depois, é criado aqui um regime excecional para os projetos co-financiados, com recurso a ajustes diretos

até 5 milhões de euros. Hoje, o limite são 150 mil euros, o que — reconhecemo-lo — também é pouco. Uma vez

que se passou do 8 para 80, é importante acautelar a fiscalização e garantir a transparência destes mesmos

processos.

Por último, a diferença entre o regime geral e os regimes excecionais veio agravar-se. O que deveríamos ter

era um regime expedito que fosse igual para todos, ou seja, com regras do jogo iguais para todos.

Vou dar mais um exemplo: o caso do regime ágil e excecional aplica-se, por exemplo, na compra de software;

na compra de equipamento hospitalar oncológico, por exemplo, já se aplica o regime geral. Portanto, isto não

faz sentido. Parece que há determinados setores que conseguem ter um regime excecional, por via da maior

pressão no poder político e no Governo, quando esse regime deveria ser um regime expedito para todos.

O Sr. Secretário de Estado disse aqui que, no âmbito da discussão em especialidade desta mesma revisão,

havia disponibilidade para fazer acertos. Os acertos são muitos. Caso contrário, esta proposta comporta

enormes riscos.

O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Jorge Mendes, do Grupo

Parlamentar do PSD.

O Sr. JorgeSalgueiroMendes (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governos, Sr.as e Srs. Deputados:

O Governo, com a Proposta de Lei n.º 41/XIV/1.ª, diz pretender simplificar, desburocratizar e flexibilizar os

procedimentos de formação dos contratos públicos, com vista a melhorar a eficiência da despesa pública e o

consequente estímulo à economia, em linha com as orientações da União Europeia.

Uma vez que está em causa o uso de dinheiros públicos, para o PSD é imprescindível que o processo de

aquisição respeite os princípios da legalidade, justiça e transparência e, ao mesmo tempo, sejam acauteladas

situações de fraude à lei e atos de corrupção.

Caso contrário, serão causados graves prejuízos aos serviços e instituições públicas e afetar-se-ão

negativamente a imagem, o bom nome e, até, a confiança que a população deposita na Administração Pública

em geral.

Nesse sentido, no domínio dos princípios, não entendemos a proposta do Governo ao referir que «não se

trata de modificar, alterar ou revogar este Código, que se mantém intacto, estando apenas em causa a previsão

de um regime transitório», quando, numa leitura atenta da proposta, encontramos cerca de 70 alterações a um

Código que, na maioria, rigorosamente nada têm a ver com a conjuntura — uma subtileza, no entender do PSD.

O PSD, relativamente ao conjunto da proposta apresentada, tem entendimentos diferentes do Governo. O

PSD considera, nomeadamente, que o regime a aprovar deveria ser e só o de exceção e transitório.

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Quanto ao âmbito setorial de aplicação, não se compreende a falta de explicitação clara, decorrente do

combate à COVID-19, aos equipamentos de saúde, lares, centros de dia.

Deveria apresentar-se um regime transitório de regularização das medidas entretanto tomadas por força da

pandemia, evitando-se problemas em futuras fiscalizações por entidades competentes.

Relativamente ao articulado do artigo 43.º (Empreitadas de conceção-construção), o objeto devia cingir-se

às áreas prioritárias de intervenção, abrindo a temática ao debate público, ouvidas as Ordens dos Engenheiros

e dos Arquitetos, contrariamente ao sentido lato apresentado.

Deveria ser constituída uma comissão independente de acompanhamento e avaliação do regime especial e

transitório.

Em síntese, o PSD compreende os propósitos da Proposta de Lei n.º 41/XIV/1.ª, em geral, mas com reservas

em algumas matérias, a serem, ou não, mitigadas ou sanadas em sede de especialidade. O enfoque nos

princípios da eficácia e eficiência jamais poderá pôr em causa a transparência e a boa gestão dos dinheiros

públicos, da qual o PSD não abdicará.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado André Ventura, do Chega.

O Sr. AndréVentura (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: Este normativo que

nos traz aqui, hoje, tem coisas boas e tem coisas más. Acontece que as más são melhores que as boas e as

boas muito pouco visíveis nesta matéria.

Propõe-se eliminar a burocracia e consegue-o até certo ponto, embora deixe, na verdade, a grande parte do

trabalho ainda por fazer. O pior é falar de transparência quando, depois, vem criar um regime especial para

projetos co-financiados em que, na verdade, passamos a ter um ajuste direto à margem de qualquer controlo,

também com a existência de setores que parecem ser muito mais beneficiados do que outros neste novo

normativo, como se a economia não tivesse que crescer globalmente e houvesse setores que têm de ser

beneficiados em relação a outros.

Haveria, no entanto, que perguntar-lhe isto, Sr. Secretário de Estado, porque o Partido Socialista tem sido

sistematicamente contra o excesso de ajustes diretos.

Ainda ontem, ouvi eleitos do Partido Socialista para a Câmara da Guarda dizerem que temos de acabar com

o excesso de ajustes diretos. Na Madeira, o Partido Socialista também diz que temos de acabar com o excesso

de ajustes diretos. No entanto, parece que no Governo há uma conversa completamente diferente, a de que

temos de aumentar os ajustes diretos. Passamos do 8 para o 80. Tornamos o regime permeável à corrupção e

ao compadrio.

Ninguém, nesta Câmara, tem dúvidas de que daqui a uns anos estaremos a alterar este regime, que hoje

será aqui aprovado. É um regime que quer dar muito, mas em que fica muito para dar. E, pior, vai dar a um

grande caminho por fazer…

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado.

O Sr. André Ventura (CH): — Vou terminar, Sr. Presidente.

Como dizia, é um regime que vai dar a um grande caminho por fazer na luta contra a corrupção, contra o

compadrio e pelo fim desta prática nefasta de ajustes diretos, ao arrepio da democracia, prática essa que o

Partido Socialista tanto tem implantado em Portugal.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Carlos Pereira, do Grupo

Parlamentar do Partido Socialista.

O Sr. Carlos Pereira (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há uns largos meses, o Grupo

Parlamentar do Partido Socialista, através da Presidente do Grupo Parlamentar, alertou a Assembleia da

República e sinalizou a necessidade de uma alteração do Código dos Contratos Públicos. Esse alerta e essa

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sinalização não apareceram por acaso, surgiram de uma análise profunda, fina, que o Grupo Parlamentar do

Partido Socialista fez ao investimento público nas últimas legislaturas.

Julgo que todos os colegas nesta Assembleia concordam com o Grupo Parlamentar do Partido Socialista de

que é preciso acelerar o investimento público. Se podemos dizer que já era verdade que, antes da pandemia,

era absolutamente essencial ultrapassar os obstáculos que a contratação pública tem gerado à execução do

investimento público, podemos dizer hoje, com segurança, nesta fase difícil que vivemos de crise sanitária, que

é absolutamente decisivo que se possam ultrapassar esses obstáculos.

Portanto, julgo que o diploma que está em discussão merece consenso. É óbvio, pelas intervenções que

observei, que há espaço para, em sede de especialidade, introduzir alterações que possam vir ao encontro de

um consenso ainda mais alargado e mais profundo. Penso que todos os presentes e todos aqueles que

intervieram… Aliás, julgo que o Sr. Deputado João Figueiredo se terá equivocado quando disse que a

desburocratização dos contratos públicos não afeta as empresas. Não é verdade! Julgo que sabe que tal afeta

verdadeiramente as empresas.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Foi o que eu disse!

O Sr. Carlos Pereira (PS): — É importante que se dê esse passo. Não estou a dizer que não se deva fazer

num outro prisma, mas este é um prisma em que também se deve atuar e entendo que é muito importante que

isso aconteça. Mas, dizia eu, penso que todos aqueles que estão presentes concordam comigo que os três

aspetos principais deste diploma são extremamente importantes.

Julgo que nenhum partido que usou da palavra está, por exemplo, contra a valorização do desenvolvimento

da economia local e das microempresas. Ou seja, a circunstância de haver a possibilidade de uma reserva de

participação num procedimento pré-contratual das micro e médias empresas para acederem a estes contratos

ou, mesmo, uma reserva de empresas que estejam na mesma zona intermunicipal é, de facto, uma matéria

bastante relevante. Parece-me óbvio que, quanto a isto, ninguém pode estar em desacordo, sobretudo quando

se fala na importância do desenvolvimento local e até, se quiserem, da interioridade.

O segundo aspeto importante tem a ver com o reforço da transparência e com o combate à fraude. Ao mesmo

tempo que estas matérias estão a ser apresentadas, há também um esforço, conforme o Sr. Secretário de

Estado referiu, de implementar algumas medidas que permitam, de facto, fazer um acompanhamento maior

destas questões muito relevantes.

Finalmente, há um outro aspeto igualmente importante, que é a simplificação e a flexibilização que estão

previstas e que encerram esta alteração do Código dos Contratos Públicos. Essa simplificação e essa

flexibilização introduzem várias matérias que têm sido preocupação do Governo, dos partidos, dos grupos

parlamentares, e que achamos que é possível serem alteradas.

Devo dizer, a terminar, o seguinte: temos, hoje, uma situação difícil e, em abono da verdade, julgo que todos

compreendem e aceitam que não é possível uma recuperação da economia portuguesa sem um bom plano de

investimentos a poder ser implementado com a celeridade de que precisamos.

Por outro lado, julgo que também todos compreendem que, tendo em conta os meios financeiros que,

esperamos, possam chegar da União Europeia, para que estes possam ser executados,…

O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Pereira (PS): — … tem de se simplificar a contratação pública, porque corremos o risco de não

sermos capazes de aplicar o dinheiro que vem da União Europeia.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para concluir o debate, tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Secretário de Estado

da Presidência do Conselho de Ministros, André Caldas.

O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs.

Deputados: Teríamos de começar de novo o debate para descobrir sobre que proposta intervieram o Sr.

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Deputado André Silva, o Sr. Deputado João Gonçalves Pereira e o Sr. Deputado André Ventura, porque sobre

a proposta do Governo é que não foi, com toda a certeza.

O que disseram sobre a possibilidade de alargamento de ajustes diretos é, pura e simplesmente, falso e é

uma total mistificação, que não consta da proposta que aqui está em discussão.

Na verdade, os Srs. Deputados sabem que brandir os ajustes diretos como arma de arremesso num debate

sobre contratação pública é, de facto, a melhor maneira de a matar. Mas é falso! Não há disposições sobre

ajustes diretos naqueles objetivos de política, exceto os ajustes diretos simplificados em matéria de aquisição

de produtos agroalimentares.

Aliás, agitar o fantasma da corrupção é a melhor maneira de não fazer reformas em políticas públicas, mas,

na verdade, é a primeira vez que são integradas no código da contratação pública disposições de prevenção e

de combate à corrupção. É a primeira vez, entre nós!

É a primeira vez que o Governo traz à Assembleia da República uma proposta que podia legislar por via de

decreto-lei. Fá-lo para obter um consenso tão alargado quanto possível na sociedade portuguesa para que se

possa estabilizar a matéria da contratação pública e para que a Administração possa conquistar eficiência no

domínio da atividade administrativa contratual. Fá-lo para obter um consenso que permite ultrapassar,

precisamente, esta tenção, por um lado, de simplificação, desburocratização e aceleração do investimento

público e, por outro, de garantias de transparência e de concorrência. É uma tenção difícil de ultrapassar, mas

é o trabalho que o Governo entrega a esta Assembleia neste momento, estando disponível para continuar a

contribuir para a discussão em sede de especialidade.

É esse consenso que permitirá à Administração Pública portuguesa conseguir cumprir os seus fins de

interesse público e de garantia das necessidades coletivas, sem que estejamos permanentemente a ter as

discussões de contratação pública em torno de fantasmas ou de chavões, como o de ver corrupção por todos

os lados ou generalizar discussões sobre ajustes diretos, mesmo numa proposta que, por uma vez, não tem

disposições sobre ajustes diretos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Chegámos, assim, ao final do segundo ponto da nossa ordem do dia.

Passamos ao terceiro ponto, com a discussão conjunta, na generalidade, da Proposta de Lei n.º 42/XIV/1.ª

(GOV) — Altera o regime excecional para as situações de mora no pagamento da renda nos contratos de

arrendamento não habitacional, no âmbito da pandemia da doença COVID-19, e dos Projetos de Lei n.os

452/XIV/1.ª (PCP) — Estabelece um regime excecional aplicável a formas específicas de contratos de

exploração de imóveis para comércio e serviços em centros comerciais, 464/XIV/1.ª (PCP) — Estabelece um

regime excecional no arrendamento não habitacional em caso de diminuição de rendimento e 469/XIV/1.ª (BE)

— Regime excecional de renda não habitacional para lojistas e retalhistas afetados na sua atividade que tenham

visto o estabelecimento encerrado ou limitado no horário.

Para abrir o debate e apresentar a proposta de lei, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Comércio,

Serviços e Defesa do Consumidor, João Torres.

O Sr. Secretário de Estado do Comércio, Serviços e Defesa do Consumidor (João Torres): — Sr.

Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei que o Governo apresenta à Assembleia da República vem

na sequência de medidas de excecionalidade, entretanto tomadas no contexto da COVID-19, no que diz respeito

a uma matéria de grande relevância para um vasto conjunto de operadores económicos do nosso País, com

especial incidência, naturalmente, para os nossos empresários e para as nossas empresas do comércio, dos

serviços e da restauração.

Refiro-me ao arrendamento não habitacional, que é apenas uma das muitas parcelas de despesa que estes

operadores económicos têm. Muitas vezes, estes operadores têm na sua pirâmide — digamos assim — de

custos não apenas esta responsabilidade mas também responsabilidades com salários e com matérias-primas,

entre um vasto conjunto de outras despesas.

Até este momento, aquilo que o Governo sugeriu à Assembleia da República foi no sentido de, através de

uma proposta de lei — que foi entretanto, já revisitada —, permitir que os operadores económicos não tivessem

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de pagar a sua renda durante os meses em que vigorou uma medida legislativa ou administrativa de

encerramento ou suspensão de atividade e no primeiro mês subsequente.

Consideramos que esta medida foi ajustada no tempo em que foi tomada e permitiu que chegássemos até

ao dia de hoje com a profunda convicção de que não foi por dificuldades no pagamento da renda que as

empresas tiveram dificuldades adicionais neste período especialmente difícil, que o Governo nunca ocultou da

sociedade portuguesa, em particular no que diz respeito às nossas empresas.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Está mal informado!

O Sr. Secretário de Estado do Comércio, Serviços e Defesa do Consumidor: — Aquilo que esta proposta

de lei, que o Governo hoje apresenta, preconiza é, de alguma forma, uma prorrogação desta medida anterior,

já aprovada na Assembleia da República, no sentido de permitir três questões fundamentais.

Em primeiro lugar, que um operador económico não tenha de pagar a renda não apenas no que diz respeito

ao período em que houve uma determinação legislativa ou administrativa de encerramento e ao primeiro mês

subsequente mas alargando este período até ao terceiro mês subsequente.

A segunda questão que colocamos à consideração da Assembleia da República prende-se com a

possibilidade de os montantes de rendas vencidos no ano de 2020 poderem ser pagos não no mês

imediatamente seguinte ao início dos pagamentos de renda mas apenas a partir de janeiro de 2021, em 24

mensalidades.

Uma última questão, que nos parece muito positiva, prende-se com a instituição de um mecanismo negocial

formal, em que os senhorios e os inquilinos possam chegar a um melhor entendimento ou a um acordo,

prevendo, designadamente, eventuais perdões de renda no sentido de distribuir e equilibrar o esforço feito pelos

senhorios e pelos inquilinos, neste período complexo do nosso País, no que diz respeito justamente ao

arrendamento não habitacional.

Acreditamos que, com esta medida, podemos criar ou reforçar um escudo económico, que temos procurado

aprofundar através de múltiplas medidas legislativas, muitas delas transversais e muitas delas setoriais, e, com

isso, permitir que a generalidade dos operadores económicos que assim o entendam e que queiram aceder a

este regime não tenham de pagar a sua renda até ao mês de agosto, inclusive, recuperando, naturalmente, o

pagamento das rendas apenas do mês de setembro.

Pensamos que esta é uma medida importante. É uma medida que suscitará, seguramente, debate na

Assembleia da República — assim entendam as Sr.as e Srs. Deputados aprovar, na generalidade, esta mesma

proposta — e acreditamos que, com isto, estamos também a ajudar a esta recuperação da atividade económica,

que, como temos percebido, tem um ritmo muito heterogéneo no conjunto das atividades económicas, mas que,

salvaguardando-se o cumprimento de todas as regras de higiene, de saúde e de segurança, está já a acontecer

no nosso País.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para apresentar as iniciativas legislativas do Grupo Parlamentar do PCP, tem a palavra

o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A situação

que os empresários do comércio, dos serviços e da restauração estão a enfrentar atualmente é de uma

gravidade que não pode ser ignorada. O testemunho dos pequenos e microempresários é o de que as quebras

na faturação têm sido brutais e de que não são um problema ultrapassado, antes, continua a fazer-se sentir com

resultados de vendas que não chegam para pagar, sequer, a renda das instalações. Desde o primeiro momento

que o PCP tem vindo, reiteradamente, a alertar para este problema e a sublinhar que a resposta do Governo,

nesta matéria, não é a solução.

O que é necessário é apoiar as micro, pequenas e médias empresas reduzindo os seus encargos com o

arrendamento, não é suspendendo pagamentos agora para pagar depois, não é acumulando dívidas em cima

de dívidas que os problemas se vão resolver. Mas é isso que o Governo propõe, e apenas isso.

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Com a proposta de lei em debate, o Governo procura prolongar uma medida que está muito longe de

responder aos problemas quer do chamado «comércio de rua», nos vários setores, quer dos lojistas dos centros

comerciais. O que o PCP propõe é a redução efetiva das rendas de forma proporcional à perda de rendimentos

verificada.

No que diz respeito ao regime geral do arrendamento não habitacional, propomos que haja essa redução

proporcional, sendo que o senhorio deve ser compensado pelo Estado.

No caso dos lojistas dos centros comerciais, devem ser atendidos os contratos que têm apenas componente

fixa e se deve aplicar a norma que acabei de referir e nos contratos de componente fixa e variável aplica-se

apenas esta última, em função das vendas realizadas, dando, aliás, seguimento ao que foi aprovado, sem votos

contra, no Orçamento Suplementar. É fundamental sublinhar que o PCP propôs, nesse debate orçamental, estas

medidas para ambos os setores, de forma coerente e conjugada. O problema é que a maioria aprovou as

propostas do PCP para uma parte do problema, chumbando, todavia, as propostas do PCP para o comércio de

rua.

A Assembleia da República tem, agora, uma oportunidade que não pode desperdiçar, quer para impedir as

práticas abusivas e inaceitáveis que os fundos internacionais estão a impor aos lojistas — como cláusulas

leoninas, etc. —, quer para garantir que não são excluídas as milhares e milhares de micro e pequenas empresas

do comércio de rua em todos os setores, bem como os lojistas com contratos de componente fixa.

O que é urgente e indispensável é que haja justiça e equidade e que os sacrifícios não sejam só para alguns,

deixando intocáveis os fundos milionários transnacionais. É para essa resposta de justiça e de equidade que

apontam as presentes propostas do PCP.

Haja, então, coragem política para as aprovar.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para apresentar a iniciativa legislativa do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda,

tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Manuel Rola.

A Sr.ª Maria Manuel Rola (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado do

Comércio, Serviços e Defesa do Consumidor: Não é novidade que esta crise tem trazido problemas graves aos

rendimentos e à atividade económica local. Num País em que se vivia a ilusão da especulação imobiliária e do

rentismo, manter este estado das coisas é insistir no afundar da maior parte do comércio e do retalho em

Portugal. Isto fica bem claro, nestes dias, nos centros históricos das cidades mais turísticas, em que grande

parte do comércio existente não consegue fazer face ao pagamento das rendas, em valores definidos por um

mercado especulativo anterior a uma situação que, neste momento, é de exceção e de falta de poder de compra

da economia local. Basta ver a rua de Santa Catarina, no Porto, em que grande parte das lojas não reabre ou

está, neste momento, já entaipada.

Mas outras situações existem, em que falamos de perfeitos abusos. Isso mesmo ficou visível quando os

proprietários e os gestores dos centros comerciais não quiseram — não sei se se recordam — deixar que as

lojas fechassem, quando se percebia da urgência e da necessidade do confinamento quer de trabalhadores,

quer de utilizadores. Houve manifestações e só a declaração do estado de emergência garantiu que estas

entidades não viessem solicitar indemnizações aos lojistas por encerramento das lojas nos horários que, pasme-

se, estavam definidos contratualmente. Existiu essa necessidade e o estado de emergência deu coberto para

uma intromissão no tal contrato que o Sr. Ministro e o Sr. Secretário de Estado dizem ser entre privados e que

está claramente desajustado nos dias de hoje. E isto é sensato: os proprietários e os gestores estavam a praticar

uma chantagem inaceitável e fria, num momento em que todo o País se mobilizou para responder a esta crise.

Perguntamos, então, por que razão não faz o Governo agora o mesmo, tendo em conta a dificuldade que

toda a economia atravessa. Por que opta por manter rendas fixas, que nem fazem parte dos contratos de certas

lojas? Não lhe parece justo aplicar renda variável em todas as situações, partilhando as perdas entre todas as

entidades em jogo?

O que se passa é que estas entidades estão, de facto, a manter a ação pela chantagem, como fizeram

inicialmente, mas, agora, chantageiam com o prolongamento de prazos de contratos, o aumento posterior de

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rendas e, ainda, a execução de garantias bancárias, no caso de falta de anuência dos novos termos. Não

satisfeitos, introduzem cláusulas ilegais, de renúncia a direitos judiciais.

Segundo o entendimento destes fundos imobiliários, proprietários da maior parte destes espaços comerciais,

um contrato, quando assinado, tem de ser tão-só uma guilhotina pronta a fazer rolar qualquer cabeça. Para que

serve o sistema judicial?!

O problema é que este entendimento e a omissão por parte do Governo, que opta por não dirimir nem

regulamentar o que deveria ter definido há anos, colocam em causa uma fatia enorme da atividade económica

nacional. Esta opção terá repercussões para além do período da pandemia para qualquer lojista ou retalhista e

para a própria economia.

Esta proposta e a discussão feita pelo Governo sobre esta matéria mostram, tão-só e novamente, que se

está a empurrar este problema com a barriga. Não é isso que se espera da responsabilidade de um Governo

num momento de crise, nem desta própria Assembleia da República.

Por isso, apresentamos esta proposta, um início para uma discussão concreta para resolver um problema

sem tapar os olhos à espera que passe. Porque, dizemos-lhe, Sr. Secretário de Estado, está bastante visível

que o problema não vai passar. Ele está a adensar-se e a discussão recorrente desta lei tem vindo a demonstrá-

lo.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — É a vez da Sr.ª Deputada não inscrita Cristina Rodrigues.

Tem a palavra, Sr.ª Deputada, para uma intervenção.

A Sr.ª Cristina Rodrigues (N insc.): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Por razões sanitárias, muitos

comerciantes foram forçados a encerrar o seu estabelecimento ou a trabalhar de forma condicionada. A perda

total, ou quase total, de rendimentos deixou muitas famílias em situação de desespero.

No momento atual, em que muitos estabelecimentos abriram as portas, já foi possível perceber que a

recuperação de rendimentos será demorada. De facto, as pessoas têm ainda receio de se deslocar a espaços

comerciais pelo perigo de contágio e muitos espaços encontram-se também com lotação limitada, pelo que as

receitas recebidas são ainda insuficientes para fazer face a todas as despesas fixas.

De acordo com o inquérito recente da AHRESP (Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de

Portugal), quase 40% das empresas de restauração e bebidas e 18% dos alojamentos turísticos equacionam

avançar para insolvência. Estes números são preocupantes e revelam a importância da adoção de medidas que

continuem a apoiar os comerciantes na atual fase de retoma económica.

Assim, acompanhamos as iniciativas apresentadas, pois estas garantem aos arrendatários mais tempo para

recuperar a sua faturação e para reerguer a sua atividade, assegurando-se, também, os postos de trabalho,

sendo certo que não podemos esquecer que, em alguns casos, pode ser necessário adotar medidas de

compensação para os senhorios.

O Sr. Presidente: — É a vez do Grupo Parlamentar do PAN.

Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A crise sanitária provocada pela

COVID-19 teve, de facto, repercussões sem precedentes também na área do arrendamento comercial. Contudo,

o tratamento legislativo dado pelo Governo e pelo Parlamento ao arrendamento não habitacional tem sido

absolutamente confuso, sem o mínimo de estabilidade. Tivemos a regulação deste aspeto em março, em abril

e em maio e, agora, propõe-se a introdução de uma outra alteração legislativa ao que aprovámos em abril.

Num contexto já de si complicado para todos os cidadãos, exigia-se que o Governo e a Assembleia da

República não trouxessem novas complicações.

Mas mais do que clareza é essencial saber o que se quer legislar para que, dessa forma, se procure resolver

os problemas existentes. Mas será mesmo isso que se tem feito? Manifestamente, não nos parece! Basta ver

que em abril, no âmbito do arrendamento não habitacional, enquanto o legislador oferecia uma moratória e

impedimentos à resolução dos contratos de arrendamento, no mesmo mês a autonomia privada, por via de

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acordos entre senhorios e inquilinos, conseguiu chegar a acordo no sentido de perdões de dívida ou de reduções

temporárias de renda, soluções que garantem a sustentabilidade efetiva de parte a parte.

A presente proposta de lei, do Governo, acompanha o espírito das anteriores disposições sobre a matéria.

Chegando à óbvia conclusão de que o desconfinamento não significou automaticamente dinheiro em caixa

e mostrando preocupação com a sustentabilidade das empresas, propõe-se, assim, o alargamento do prazo da

moratória e, também, do prazo de pagamento das rendas já diferidas e se permita a diluição desse pagamento

por um número mais alargado de prestações.

Estas medidas serão suficientes? No nosso entender, não nos parece que o sejam, mas são o mínimo dos

mínimos daquilo que se impõe e que dão aos inquilinos um balão de oxigénio, que lhes permite sobreviver por

mais uns meses.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Dificilmente é um balão! É um balãozinho!

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Contudo, esta proposta incorre num erro base, o de que, em 2021, os

inquilinos vão ter dinheiro para cobrir as rendas em falta, algo que esperamos sinceramente que ocorra, mas é

altamente improvável.

Além de mais, esta proposta atira os inquilinos para um círculo vicioso de dívidas, muito perigoso para um já

fragilizado tecido empresarial.

Acresce, ainda, o facto de esta proposta continuar a incorrer numa grave lacuna: enquanto, no âmbito do

arrendamento habitacional, se prevê a possibilidade de o senhorio e de o inquilino recorrerem a empréstimos

do IHRU (Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana), no caso do arrendamento não habitacional não se

prevê qualquer tipo de mecanismo que dê apoio aos senhorios, algo que faria sentido atendendo a que a quebra

de rendimentos de parte a parte se deveu ao estrito cumprimento de instruções das autoridades de saúde.

O PAN tem vindo a alertar, desde abril, para o facto de ser necessário garantir um apoio sob a forma de

empréstimo aos senhorios não habitacionais, algo especialmente importante, porque, se excluirmos os grandes

centros comerciais, no nosso País existem milhares de pequenos senhorios não habitacionais que têm na sua

loja arrendada o rendimento mensal da família ou um complemento do seu rendimento.

Com o intuito de assegurar esta situação, apresentámos propostas de alteração às propostas de lei,

apresentadas pelo Governo, e propusemos, inclusivamente, um projeto de lei, os quais contaram com a rejeição

deste Parlamento e, num caso em concreto, até com o voto contra do PSD e do CDS, que, entretanto, tiveram

o bom senso, digamos assim, de alterar a sua posição inicial e de perceber que estes apoios são efetivamente

necessários.

Por isso mesmo, o PAN acompanhará esta proposta do Governo na votação na generalidade e apresentará

novamente, em sede de discussão na especialidade, uma proposta de alteração que assegure que o Governo

procurará criar um mecanismo de apoio que, sob a forma de empréstimo, proteja os pequenos senhorios não

habitacionais, que têm sido esquecidos em todo este processo e em toda a legislação aprovada.

O Sr. Presidente: — É a vez do Grupo Parlamentar do PSD.

Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Márcia Passos.

A Sr.ª Márcia Passos (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: O

Governo vem propor alterações no regime excecional criado para apoiar os arrendatários não habitacionais. A

ideia é louvável, mas a solução é, de novo, desproporcional e, desta vez, manifesta e tecnicamente má.

É desproporcional porque, mais uma vez, esquece que, num contrato de arrendamento, existem duas partes

e ambas sofrem os efeitos da pandemia. Considerar que os senhorios podem desempenhar um papel importante

na atenuação das dificuldades dos arrendatários até se aceita e concordamos com isso, mas considerar que

sejam os únicos a desempenhar esse papel, obrigando-os a substituir a função do Estado, com isso é que não

podemos concordar!

O PCP apresenta, por sua vez, uma proposta que tem a intenção de prolongar no tempo algo que foi

aprovado em sede de Orçamento Suplementar, portanto, entendemos que é perfeitamente extemporâneo, neste

momento, estar a pensar nessas medidas.

A proposta do Bloco de Esquerda vem aumentar a confusão que já está a ser criada.

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Srs. Deputados, os senhorios e os arrendatários merecem que tenhamos cuidado e propor, de forma

subsequente e reiterada, regimes especiais atrás de regimes especiais só acarreta ruído e dúvidas de aplicação,

aumenta a litigância e a insegurança. Não é possível continuar a tratar o arrendamento desta forma, nem em

momentos de pandemia. Sempre que se mexe, estraga-se mais um bocadinho.

Em comum, as três propostas são tecnicamente más, porque querem impor que o silêncio signifique perdão

de dívida, porque violam os regimes legais das comunicações entre as partes e porque violam os princípios de

segurança jurídica.

Além disso, a proposta de lei, do Governo, quer fazer algo inédito: impor que um acordo que foi celebrado

entre duas pessoas, singulares ou coletivas, deixe de vigorar por imposição legal e por vontade de apenas uma

das partes. Consideramos isto inaceitável!

Protestos da Deputada do BE Maria Manuel Rola.

Isto é demasiada intromissão na liberdade contratual, é violação da iniciativa privada e é violar,

descaradamente, o princípio geral da aplicação das leis no tempo.

Estamos disponíveis para encontrar soluções equilibradas e justas, com respeito pela liberdade contratual e

pela vontade de ambas as partes. Estamos sempre disponíveis para trabalhar esta e todas as matérias de forma

séria, mas não permitiremos estes atropelos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Informo que o Sr. Deputado Bruno Dias se inscreveu para pedir esclarecimentos,

embora a Sr.ª Deputada tenha pouco tempo para responder. Assim, espera-se síntese na pergunta e na

resposta.

Sr. Deputado Bruno Dias, do PCP, tem a palavra.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Márcia Passos, o PSD, pelo que percebi, tem dois

problemas com a proposta do PCP: não está de acordo que o prazo de aplicação vá para além do dia 31 de

dezembro e tem preocupações relativamente à questão do regime de comunicações.

Se essas duas questões forem resolvidas, em sede de especialidade, com a vossa proposta, qual é a vossa

posição sobre aquilo que propomos?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Márcia Passos.

A Sr.ª Márcia Passos (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado, estamos naturalmente disponíveis para

trabalhar as propostas na especialidade, sem atropelos nas comunicações, até porque há que observar o regime

geral das comunicações, em prol da segurança jurídica.

Aplausos do PSD.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Portanto, viabiliza! Cá estaremos para ver!

O Sr. Presidente: — É a vez do Grupo Parlamentar do CDS-PP.

Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado João Gonçalves Pereira.

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados:

Soubemos hoje que a Comissão Europeia prevê uma recessão económica de 9,8% em Portugal. Enfrentamos

um abrandamento, uma contração de toda a economia e a pandemia está a ter um efeito «bola de neve», que

constitui um autêntico arrasamento de todas as economias.

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Este Governo tem um discurso em Portugal e outro em Bruxelas. Em Bruxelas, diz que quer mais dinheiro a

fundo perdido e menos crédito; em Portugal, diz às empresas para se endividarem e «tomem lá pouco dinheiro

a fundo perdido».

Em setores como o turismo, o comércio e a restauração, estamos a falar de centenas e centenas de milhares

de empresas que estão a passar dificuldades. Todos estes setores e todas estas empresas têm um padrão, o

da perda de receita e de despesas que se mantêm inalteradas.

É urgente que, dos 15 000 milhões de euros que vai receber da Europa, Portugal possa canalizar parte deste

dinheiro, precisamente, para o arrendamento, para o apoio às rendas, para o apoio àqueles que estão a perder

receita ou que perderam rendimentos. A solução não passa pelo crédito, o qual constitui mais endividamento.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — E vai daí…?

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Temos os números do desemprego a disparar e o Estado não

pode falhar neste apoio às empresas. Se o Governo falhar, teremos milhares e milhares de desempregados a

somar aos que já temos e o que o Estado não gastar hoje vai gastar, e muito mais, no futuro. O Estado tem de

reforçar os apoios diretos e indiretos às nossas empresas.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — E vai daí, como é que vota? É só suspense!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra, pelo Grupo Parlamentar do PS, o Sr. Deputado

Hugo Carvalho.

O Sr. Hugo Carvalho (PS): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje,

debatemos um tema da máxima urgência para muitos pequenos e médios empresários do comércio, da

restauração e dos serviços. O Parlamento aprovou no início do mês de abril, com um amplo consenso político,

um regime excecional para o pagamento de rendas não habitacionais. Uma solução que foi importante, que

permitiu que o pagamento das rendas fosse diferido para um momento posterior, numa procura de dar tempo

para que as empresas tivessem melhores condições para enfrentar este momento difícil.

O Parlamento legislou — e bem! — sobre este tema, mas também legislou com uma base de incerteza. A

incerteza sobre os tempos da retoma económica, a incerteza sobre os ritmos do desconfinamento dos diversos

setores, a incerteza sobre a evolução da crise pandémica.

Portanto, estamos hoje aqui para, com consenso e disponibilidade, encontrar novas respostas para dar

confiança e tranquilidade aos portugueses que, com muita resiliência, estão a reerguer a sua atividade, mas que

ainda não apresentam, no imediato, disponibilidade financeira para fazer face ao pagamento das rendas

diferidas. Dar tempo a quem está a retomar a sua atividade, a quem está a lutar pelo seu negócio e a quem quer

ultrapassar esta adversidade é uma solução justa, adequada e positiva.

A proposta de lei que o Governo nos apresenta traz soluções para este problema. Por um lado, alarga o

período em que é possível solicitar o diferimento do pagamento das rendas, que passa a considerar não só o

período em que o estabelecimento se encontrou encerrado como também os três meses seguintes ao período

em que a atividade esteve suspensa.

Mas esta iniciativa não se limita apenas a dar mais tempo, ela permite reforçar os mecanismos de negociação

entre senhorios e arrendatários, na procura de soluções mais adequadas a cada uma das situações, com a

certeza, porém — e esta é uma certeza muito importante para nós —, de que nenhum arrendatário é obrigado

a aceitar ou a permanecer num acordo com condições menos favoráveis do que aquelas que hoje são propostas.

Sr.ª Deputada Márcia Passos, é certo que todos somos chamados a contribuir, mas há uns que podem

contribuir bem mais do que outros.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Essa é que é essa!

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O Sr. Hugo Carvalho (PS): — Sr.as e Srs. Deputados, legislar sobre este tema implica também estarmos

conscientes da grande diversidade das questões que se colocam.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — E vai daí…?

O Sr. Hugo Carvalho (PS): — Há especificidades próprias para o comércio de rua, para o comércio

tradicional, para os centros comerciais, para os serviços ou para os espaços históricos. Há aqueles que vivem

essencialmente do turismo e há os que têm no consumo interno a sua principal fonte de receita.

É muito importante que ao legislar sobre estes temas estejamos bem conscientes dessas diferenças, sob

pena de podermos cometer erros que possam abrir janelas de oportunidade para algumas cadeias comerciais

resolverem problemas anteriores à pandemia, ao invés de estarmos a trabalhar em soluções que garantam a

proteção do emprego, que é neste momento um dos grandes desígnios e uma das grandes prioridades do País.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Sr. Secretário de Estado, está inscrito para intervir, não é verdade?

O Sr. Secretário de Estado do Comércio, Serviços e Defesa do Consumidor: — Estou sim, Sr.

Presidente.

O Sr. Presidente: — Tem, então, a palavra, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: — É para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, peço desculpa, mas não tinha indicação de que o Sr. Secretário

de Estado iria proceder já ao encerramento deste ponto. Pensava que iria haver outras intervenções, mas se o

Sr. Secretário de Estado tenciona fazer uma intervenção de encerramento neste momento, pedindo novamente

desculpa, eu solicitava a palavra para poder ainda intervir.

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado dispõe ainda de tempo, pelo que pode intervir rapidamente, antes da

intervenção do Sr. Secretário de Estado.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, julgo que o Sr. Secretário de Estado ia intervir agora no

encerramento do debate e eu não iria pedir a palavra depois disso. Solicito permissão para o fazer agora.

O Sr. Presidente: — Pode intervir, Sr. Deputado.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Muito obrigado, Sr. Presidente.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Vou ler uma carta que foi enviada, nesta semana,

por um centro comercial aos lojistas. Diz assim: «Nos meses transatos, apenas foram faturadas, em separado,

as contribuições para as despesas e encargos comuns,…» — essas foram sempre! — «… tendo o proprietário

decidido ser o momento para proceder à faturação das remunerações em falta, nos termos do contrato. A

referida cobrança será efetuada de acordo com o regime excecional (…)», etc.

Ou seja, os centros comerciais estiveram até agora a anunciar reduções aos lojistas, impondo como

contrapartida contratos que os obrigavam às atuais condições contratuais durante os próximos cinco anos e

agora anunciam que está na hora de pagar o que devem.

O que está a acontecer é um escândalo, mas seria um escândalo ainda maior se o comércio de rua fosse

completamente excluído e apenas remetido para essa condição de «não paga agora, paga depois», ficando a

dívida a acumular-se.

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Srs. Deputados, Sr.as Deputadas e Srs. Membros do Governo, não se esqueçam de ter em conta que a

Assembleia da República tem agora uma oportunidade concreta e efetiva para pôr termo às injustiças e aos

problemas graves que estão a ser colocados. Podem aprovar as propostas do PCP, que tem toda a abertura

para, no debate de especialidade em comissão, resolver os problemas identificados relativamente às várias

questões. É preciso que haja vontade e coragem políticas e que não haja pretextos nem mistificações para

esconder a intenção de alguns.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Agora, sim, tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Secretário de Estado do

Comércio, Serviços e Defesa do Consumidor, João Torres.

O Sr. Secretário de Estado do Comércio, Serviços e Defesa do Consumidor: — Sr. Presidente, Sr.as e

Srs. Deputados: Agradecendo, naturalmente, o contributo das Sr.as e Srs. Deputados, gostava de sinalizar três

matérias que me parecem relevantes.

Em primeiro lugar, é importante termos a consciência de que, infelizmente, as matérias que dizem respeito

ao arrendamento não habitacional não vão resolver os problemas que hoje podemos observar a nível das nossas

atividades económicas.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Todos, não!

O Sr. Secretário de Estado do Comércio, Serviços e Defesa do Consumidor: — Esta discussão e esta

constatação são relevantes no momento que atravessamos.

A segunda constatação que também me parece importante é a de que, neste contexto, é muito complexo

encontrar uma solução que seja relativamente simples, que não seja demasiado onerosa do ponto de vista

burocrático e administrativo e que abranja todas as realidades representadas no contexto do comércio, dos

serviços ou da restauração.

É evidente que esta crise tem um impacto muito significativo na generalidade dos operadores económicos

do nosso País, mas é também importante que, de alguma forma, não criemos soluções desadequadas que,

porventura, possam beneficiar quem — e, infelizmente, serão poucos —, não esteja a necessitar desse regime

de proteção.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Mas pode resolver-se!

O Sr. Secretário de Estado do Comércio, Serviços e Defesa do Consumidor: — Uma terceira matéria

que me parece ser importante sublinhar prende-se com o seguinte: salvo melhor opinião, acho muito importante

que tenhamos alguma noção de que uma realidade são os contratos de arrendamento não habitacionais —

sujeitos, apesar de tudo, ao regime do arrendamento urbano — e outra realidade são os contratos de locação

imobiliária que tipicamente se celebram nos centros comerciais. Parece-me que, no conjunto da discussão, há

algum cruzamento de informação que não torna nítida a realidade, que é diversa, de ambos os setores,…

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Artigo 10.º!

O Sr. Secretário de Estado do Comércio, Serviços e Defesa do Consumidor: — … sendo certo que o

Governo tem sempre privilegiado procurar e, em conjunto com a Assembleia da República, aprovar soluções

que, numa primeira análise, defendam os micro e pequenos empresários e que, não deixando ninguém para

trás no conjunto da economia portuguesa, possam de alguma forma permitir que estes empresários, que são a

maioria do nosso tecido económico, sejam protegidos por esse escudo económico no qual o Governo tem vindo

a apostar, em conjunto com outras medidas de natureza transversal que penso não ser necessário partilhar

agora convosco. Parece-me que há bases para que façamos avanços desse ponto de vista, estando agora o

diploma em discussão na Assembleia da República.

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O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado do Comércio, Serviços e Defesa do Consumidor: — Sr. Presidente, para

terminar, parece-me muito importante sublinhar que, até ao mês de junho, não houve nenhum operador

económico do comércio, dos serviços ou da restauração cuja atividade tenha sido suspensa que tenha encerrado

a sua atividade por força de não conseguir fazer frente ao pagamento da renda. Naturalmente, isso é um sinal

de que há evolução nas medidas apresentadas e de que, mais do que nunca, as coisas têm de acompanhar a

evolução dos tempos num contexto de grande incerteza.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Chegámos, assim, ao final do terceiro ponto da nossa ordem do dia.

No quarto ponto, está agendada, sem tempos de discussão, a Proposta de Lei n.º 39/XIV/1.ª (GOV) —

Autoriza o Governo a legislar sobre o sistema de unidades de medida legais, transpondo a Diretiva (UE)

2019/1258.

Passamos ao quinto ponto da agenda, com o debate conjunto, na generalidade, da Proposta de Lei n.º

40/XIV/1.ª (GOV) — Transpõe os artigos 2.º e 3.º da Diretiva (UE) 2017/2455 e a Diretiva (UE) 2019/1995,

alterando o Código do IVA, o Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias e legislação complementar

relativa a este imposto, no âmbito do tratamento do comércio eletrónico, e do Projeto de Lei n.º 388/XIV/1.ª (CH)

— Aditamento à Lista I anexa ao Código do IVA com a inclusão dos serviços prestados na área do exercício

físico nos ginásios, clubes de fitness e de saúde.

Para abrir o debate e apresentar a proposta de lei, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto e dos

Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Fiscais (António Mendonça Mendes): — Sr.

Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei que trazemos hoje à apreciação da Assembleia da

República visa modernizar as regras do IVA (imposto sobre o valor acrescentado) que são aplicáveis ao

comércio eletrónico e terá duas consequências que eu gostaria de sublinhar. Em primeiro lugar, a redução dos

custos de cumprimento por parte das empresas e, em segundo lugar, a possibilidade do aumento da receita do

IVA por parte dos diversos Estados-Membros, incluindo por Portugal.

Há quatro alterações, em particular, que importa sublinhar.

Em primeiro lugar, a regra da tributação no destino, ou seja, a liquidação e o pagamento do IVA no destino

dos consumidores finais.

Em segundo lugar, a alteração das regras relativamente ao tratamento das pequenas remessas de

importação. Ou seja, passamos a ter as importações e as transações dentro da comunidade a serem tratadas

exatamente da mesma maneira, não havendo, como havia, uma diferenciação negativa em relação aos

operadores comunitários, comparativamente com a relação que têm com as empresas de fora do espaço da

União Europeia.

Em terceiro lugar, há um reforço relativamente ao papel das plataformas eletrónicas no sentido de estas

ajudarem no cumprimento destas obrigações, por um lado, conservando informação e, por outro lado, adquirindo

a responsabilidade solidária relativamente ao cumprimento da obrigação de pagamento do IVA.

Por último, e muito significativo para os vários operadores comunitários, o alargamento do âmbito do Balcão

Único, que deixa de ser apenas para alguns setores, como até agora, passando a ser possível qualquer operador

fazer facilmente as suas declarações e liquidações de IVA por esta via, em vez de ter de se registar em cada

um dos Estados-Membros.

Estaremos, naturalmente, à disposição das Sr.as Deputadas e dos Srs. Deputados para qualquer questão

que entendam por conveniente colocar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para apresentar a sua iniciativa e intervir no debate, tem a palavra o Sr. Deputado

André Ventura, do Chega.

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O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Chega traz hoje à Assembleia uma proposta

relativa ao IVA dos ginásios e dos clubes de fitness.

É preciso termos em conta que houve uma quebra de 88% nestas empresas. No segundo trimestre, algumas

destas empresas tiveram quebras na ordem dos 95%. São milhares de postos de trabalho para os quais não

podemos deixar de olhar! Ao mesmo tempo, 80% são micro e pequenas empresas às quais temos dado a mão

noutras circunstâncias e que, agora, também nos pedem a respetiva ajuda.

No País com mais inatividade física da Europa, no País em que as complicações derivadas à ausência de

exercício físico se fazem sentir e acumular, apoiar os ginásios, os clubes de fitness, as pequenas e médias

empresas que incidem à volta desta atividade deveria e deverá ser uma prioridade fundamental no Parlamento.

Por esta razão, propomos a inclusão, na taxa mínima de IVA, deste setor e deste segmento de atividades. É

um pequeno sinal, mas é um sinal fundamental que damos para a retoma de um setor tão devastado pela

pandemia.

O Sr. Jorge Costa (BE): — É para aquela malta do Chega que só sabe levantar pesos!

O Sr. Presidente: — É a vez do Grupo Parlamentar do PSD.

Sr. Deputado Alberto Fonseca, tem a palavra para uma intervenção.

O Sr. Alberto Fonseca (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Secretários de Estado: A União

Europeia tem vindo a desenvolver várias iniciativas de regulação do comércio eletrónico determinantes para a

criação de um mercado único digital, tendo produzido as Diretivas cuja transposição está aqui em discussão.

Estas Diretivas têm como propósito modernizar, simplificar e assegurar neutralidade — modernizar as regras

aplicáveis ao comércio eletrónico transfronteiriço, simplificar o cumprimento das obrigações de IVA decorrentes

dessas operações e assegurar maior neutralidade no tratamento das empresas estabelecidas na União.

Apesar de Portugal estar na cauda da União Europeia a nível de compras em comércio eletrónico — são

menos de 40% os portugueses que, em 2019, compraram algo através da internet, comparando com os 60% da

média da União Europeia e os mais de 80% em alguns países —, o comércio eletrónico tem tido um crescimento

exponencial nos últimos anos face à evolução tecnológica associada à globalização, crescimento esse com

tendência para se acentuar face à atual pandemia e respetivas consequências, nomeadamente a nível da

mobilidade dos consumidores.

Com a internet a revolucionar a forma de comprar, é necessário adaptar o IVA à era digital, colmatando

algumas lacunas legislativas, uma vez que as atuais regras são insuficientes para perceber quando, quanto e

onde deve ser cobrado o IVA e garantir a sua efetiva liquidação. Atualmente, a cobrança de IVA está dificultada

quando o fornecedor não está estabelecido no Estado-Membro do consumo, o que gera concorrência desleal

entre sujeitos passivos da União Europeia e de fora. Pretende generalizar-se o princípio da tributação do Estado-

Membro no consumo, como defende a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico).

Estima-se que o comércio eletrónico na União Europeia seja superior a 500 000 milhões de euros, dos quais

perto de 100 000 milhões de euros são relativos a transações transfronteiriças, não ocorrendo, em muitas das

vezes, a respetiva tributação de IVA. Com a aplicação das referidas Diretivas, pretende-se, por um lado,

recuperar mais de 7000 milhões de euros de IVA que, atualmente, não estão a ser cobrados e, por outro, reduzir

em mais de 2000 milhões de euros os custos administrativos e de cumprimento das empresas.

Assim, as interfaces eletrónicas, nas quais se incluem plataformas como a Amazon e a eBay, responsáveis

por grande parte das transações, passam, por um lado, a ser sujeitos passivos pelas vendas à distância de

produtos importados, ficando, por outro, prevista a responsabilidade solidária destas pelo pagamento do imposto

com os efetivos fornecedores.

Outra das medidas prende-se com a simplificação das regras aplicáveis à cobrança e ao pagamento do IVA

devido nas vendas à distância de bens efetuadas na União Europeia, mediante a utilização do balcão único,

como o Sr. Secretário de Estado muito bem aqui referiu.

Esta proposta de lei, do Governo, foi agendada com caráter de urgência, mas, entretanto, o Conselho da

União Europeia decidiu adiar por seis meses a entrada em vigor das novas regras, passando de 1 de janeiro

para 1 julho de 2021, ou seja, daqui a um ano.

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Do Governo e da Autoridade Tributário espera-se que, durante todo este tempo, sejam preparados e

esclarecidos todos os agentes económicos, pois não há desculpa para tal não suceder, como acontece não

raras vezes.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Meireles, do Grupo Parlamentar do CDS-PP,

para uma intervenção.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados:

Estamos hoje a discutir, com a apresentação da Proposta de Lei n.º 40/XIV/1.ª, a transposição de diretivas

relacionadas com a tributação em IVA de prestações de serviços ou de bens comercializados através de vendas

à distância ou de vendas on-line, ou em linha, para utilizarmos a terminologia portuguesa.

Independentemente da justiça, ou não, das soluções propostas — e compreendemos a sua racionalidade —

, esperamos que seja possível, na especialidade, fazer um trabalho em que se perceba, para os operadores e

para aqueles que, no dia a dia, trabalham com esta matéria, qual é o objetivo e quais serão os efeitos desta

transposição.

É verdade que estamos a discutir uma transposição que deriva de um acordo, feito em dezembro de 2017,

entre os Estados-Membros para simplificar as regras do IVA e, também, para combater as práticas de elisão

fiscal.

Sem prejuízo dos trabalhos na especialidade, gostava de ser esclarecida por parte do Governo se teremos

tudo preparado para a entrada em vigor em janeiro de 2021, pois, tanto quanto sei, era isso que estava previsto.

No entanto, para que entre em vigor em janeiro de 2021 creio que seja preciso que o portal esteja preparado

em outubro de 2020 para que as empresas possam começar a inscrever-se.

Pergunto, pois, ao Governo se está tudo preparado para que tal aconteça e quando prevê que seja

necessário que a legislação saia da Assembleia. Isto porque estamos numa das últimas semanas desta Sessão

Legislativa e, portanto, convém perceber quais são os prazos para a discussão na especialidade.

Por último, gostava ainda de falar da proposta do Chega, que tem em comum com a proposta do Governo o

facto de ser sobre o IVA e praticamente mais nada. Estamos a falar de uma proposta para baixar a taxa de IVA

aplicada aos ginásios ou, por outra, suportada pelos utilizadores dos ginásios quando pagam a sua utilização.

Não será por nós que esta proposta não passará, mas teria sido importante e relevante que ela pudesse ter sido

discutida em sede quer do Orçamento retificativo, quer do Orçamento para o ano que vem. Isto porque devemos

não apenas analisar cada caso por si mas, sobretudo, olhar — este é um desafio que deixo ao Governo, porque

quase todos os anos discutimos um ou outro caso concreto de taxa de IVA — para toda a tabela e esta deve

fazer sentido como um todo e não apenas neste ou naquele caso. Naturalmente, o desejável é que todos

pudessem pagar menos IVA. Também em relação aos negócios particularmente afetados pela pandemia, acho

que fazia sentido ter feito essa análise.

Portanto, não será por nós que a proposta não passará, mas seria relevante analisá-la, tanto mais que,

aprovando-a agora, só poderá entrar em vigor com o próximo Orçamento do Estado e não poderá vigorar ainda

este ano, como creio que era o objetivo do Chega.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Duarte Alves, do Grupo

Parlamentar do PCP.

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A presente

proposta de lei, bem como a diretiva que a transpõe enquadram-se numa longa discussão sobre como dar

resposta aos desafios fiscais colocados pela generalização do comércio mundial, em particular do comércio

através de plataformas on-line.

Como em anteriores discussões sobre este tema, a resposta da União Europeia continua a ser a mesma de

sempre. A pretexto do objetivo de regular o IVA nestas transações, criam-se regimes que contribuem

objetivamente para o aprofundamento da globalização capitalista.

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O caminho deveria ser outro: questionar esta liberalização do comércio mundial, neste caso, utilizando

plataformas on-line, tendo em conta os seus impactos económicos e sociais na destruição do tecido produtivo,

na destruição do emprego, aprofundando uma divisão internacional do trabalho baseada na sobreexploração

dos trabalhadores e, também, os seus impactos ambientais, contrariando a necessidade de ciclos curtos de

produção e de consumo que evitem sistemas logísticos irracionais e com tremendos impactos ambientais.

Por outro lado, o diretório de potências que domina a União Europeia não dá ponto sem nó. Sempre que se

discutem estas matérias, assistimos à tentativa de retirar parcelas de soberania aos países no que diz respeito

à política fiscal. É positiva, no nosso entender, a obrigação de manutenção por mais tempo dos registos e é

positiva a intenção de responsabilizar subsidiariamente os intermediários, embora nem isso seja plenamente

assegurado pela Diretiva e pela presente proposta de lei.

Mas há questões de fundo que não podem deixar de estar presentes nesta discussão.

Em primeiro lugar, cria-se um regime especial de IVA que se aplica aos Estados-Membros da União Europeia

e a países terceiros com os quais a União Europeia tenha acordos de assistência mútua, ou seja, mais uma

parcela de soberania colocada nas mãos da União Europeia, que passa a determinar que países estão ou não

abrangidos por este regime. É o aprofundar das pautas aduaneiras comuns que submetem o País aos interesses

económicos e geopolíticos das grandes potências europeias.

Em segundo lugar, é criado um regime especial que isenta de IVA os casos de bens com valor inferior a 150

€, alegadamente para evitar a dupla tributação. Ora, estaremos a falar de uma grande parte do comércio on-line

que nem sequer é quantificado na proposta.

Alarga-se, também, o âmbito do chamado «balcão único», ou seja, as plataformas on-line deixam de ter de

se registar junto de cada autoridade tributária e aduaneira de cada um dos países e passam a registar-se apenas

nesse balcão, que tem acesso a informações das autoridades de cada país.

Sobre esta iniciativa, são mais as dúvidas que temos do que as certezas. É importante garantir o combate à

fraude e à evasão fiscais, nomeadamente no IVA, mas a verdade é que a União Europeia já nos habitou a usar

todo o tipo de expedientes para reforçar os seus poderes supranacionais e para promover a liberalização do

mercado do comércio mundial, que aprofunda problemas económicos, sociais e ambientais.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Vera Braz, do Grupo Parlamentar

do PS.

A Sr.ª Vera Braz (PS): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: Começando pela

proposta apresentada pelo Sr. Deputado André Ventura, que em nada se relaciona com as principais

preocupações de regulação que pretenderíamos discutir aqui hoje, quero apenas referir que, para além da

inconstitucionalidade que a mesma representa a nível da lei-travão, também abrange serviços que violam a

própria legislação europeia. Portanto, quanto a esta proposta, nada mais terei a referir.

Quanto à proposta aqui apresentada, hoje, pelo Governo, ela não representa apenas mais uma proposta.

Todos nós temos de ter consciência de que ela representa um passo importante, fundamental para a estratégia

europeia que se pretende no sentido de caminhar em direção a um mercado único digital. Todos nós temos de

ter esta noção!

Temos assistido, diariamente, a uma transformação na forma como são realizadas as transações mundiais,

com o poder da internet que vem ao de cima, com a revolução que nos trazem as tecnologias digitais — que já

foram aqui referidas — e que fazem com que se altere o paradigma do que tem sido o comércio a nível

internacional.

Apesar das complicações que têm surgido no decorrer da pandemia, o comércio eletrónico, também já aqui

referido, consagrou-se como uma atividade imprescindível, pois permitiu continuar atividades económicas e

aceder aos produtos por parte dos consumidores.

O Sr. Deputado Alberto Fonseca referiu aqui que, em 2019, Portugal, estando na cauda da União Europeia,

representaria 40% dos compradores on-line. Existem já análises preliminares que demonstram que, durante

este período da pandemia, houve um aumento crescente — cerca de 25% — dos compradores on-line, que faz

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com que estejamos mais próximos da média da União Europeia, que se situa, atualmente, nos 70%, tal como

referiu. Portanto, se esta tendência continuar a verificar-se, este será o caminho a percorrer.

Por isto, torna-se premente que haja uma reestruturação das regras a nível do IVA para que esteja mais

adaptado ao que se pretende, isto é, termos uma economia digital.

As regras atualmente em vigor são insuficientes e não nos permitem saber nem quando, nem quanto e nem

onde é cobrado o IVA, nem nos permite garantir a sua efetiva liquidação. Com estas iniciativas de regulação,

permite-se não só reforçar a confiança entre os Estados-Membros mas também promover uma cooperação

entre as próprias autoridades fiscais a nível nacional.

Para além de uma redução da burocracia, já aqui referida, com a utilização do balcão único permitir-se-á às

empresas lidarem com as suas obrigações de IVA de uma forma mais simples, através de um portal on-line, e

uma poupança, também já referida, de 2,5 mil milhões de euros por ano, a nível global.

Também nas finanças públicas, ela terá o seu impacto, já aqui referido, de 7000 milhões de euros, não sendo

este um impulso menos importante para adotarmos as referidas medidas.

Para este combate, temos o exemplo da responsabilização dos grandes mercados on-line. Não podemos

esquecer-nos daquelas que são as grandes plataformas eletrónicas, que serão aqui responsabilizadas quanto

à cobrança do IVA na venda de bens de empresas que, não pertencendo à União Europeia, fazem as suas

vendas aos consumidores da União Europeia.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Vera Braz (PS): — Vou concluir, Sr. Presidente.

O importante é que, no fundo, estamos a caminhar para que sejam colmatadas as referidas lacunas que

permitem a perda de receitas fiscais, privando os países da União Europeia de fundos que poderiam ser

utilizados para os serviços públicos e para o investimento.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Ventura, do Chega.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, já aquando da discussão do Orçamento do Estado, o Chega

apresentou uma proposta para a redução do IVA nos ginásios, e essa proposta foi chumbada.

Sr.ª Deputada Vera Braz, a lei-travão tem sido utilizada pelo Partido Socialista para bloquear tudo, só não a

utiliza para esse fim quando não lhe convém. A lei-travão, aquando, por exemplo, da tragédia dos incêndios de

2017, foi arregimentada, assim como o foi quando houve necessidade de o fazer por parte do Partido Socialista.

Porém, neste caso, a lei-travão é imposta.

Seja como for, cada um votará de acordo com a sua consciência quando se trata de apoiar os ginásios, os

clubes de fitness e todos aqueles que dedicam horas do seu dia a esta atividade tão importante para a saúde

dos portugueses. Estão em causa centenas e centenas de postos de trabalho.

Aproveito para dizer que o Chega entregará também, na próxima semana, uma proposta para incluir

benefícios, em sede de IRS (imposto sobre o rendimento das pessoas singulares), para quem participe neste

tipo de atividades. Veremos se o Partido Socialista não irá invocar, novamente, a lei-travão, quando, há alguns

meses, o seu líder — penso que ainda se mantém — disse que apoiar a atividade física era fundamental. É

sempre fundamental, exceto quando se chega ao dinheiro dos contribuintes. É sempre fundamental!…

Protestos de Deputados do PS.

O Sr. Presidente: — Para encerrar o debate, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto e dos

Assuntos Fiscais.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Fiscais: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados:

Aproveito a sugestão da Sr.ª Deputada Cecília Meireles, que me parece bastante boa, de que, em sede de

especialidade, se possa discutir com maior profundidade este tema. É que, depois de ouvir a intervenção do Sr.

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Deputado Duarte Alves, não posso deixar de dizer o seguinte: o comércio eletrónico é uma realidade que existe.

Podemos fingir que ela não existe e não fazer nada, mas esta proposta procura responder a uma realidade

existente. E há um tema a que, julgo, o Sr. Deputado é bastante sensível, que é este: os Estados-Membros da

União Europeia perdem, neste momento, cerca de 7000 milhões de euros de IVA pela isenção que fazem às

importações destes produtos. E o que estamos a fazer com a transposição desta diretiva é a assegurar que

essas pequenas remessas passam também a liquidar IVA e a pagar IVA, tal como todas as outras empresas

nacionais ou outra qualquer do espaço da União Europeia. Isso é importante do ponto de vista concorrencial e

também do ponto de vista da capacidade financeira dos Estados para responderem aos vários desafios com

que se deparam.

Por isso, parece-me que, tal como o Sr. Deputado identificou, e bem, também as obrigações acrescidas que

são colocadas às plataformas eletrónicas — no sentido de, duplamente, quer obrigando a ter os registos das

informações para efeitos de inspeções fiscais, quer em termos da responsabilidade solidária que têm do

pagamento para assegurar a receita desses Estados-Membros — são algo de significativo e importante, que o

Sr. Deputado valorizou e que, penso, também pode ser uma porta de entrada para o Sr. Deputado poder

valorizar todas as outras alterações que aqui são feitas.

É que o Balcão Único, Sr. Deputado, não é uma cedência à União Europeia. O Balcão Único é uma

simplificação que estamos a fazer para que alguém que tenha uma empresa no interior de Portugal e queira

vender para um qualquer país da União Europeia não tenha de se registar nesse país e possa, tranquilamente,

a partir de sua casa, no interior do País, tratar de todas as suas obrigações, quer declarativas, quer de

pagamento do IVA.

Portanto, isto não é alienar a nossa soberania fiscal, isto é um processo de simplificação que permite poupar

muitos custos às empresas. Aliás, de acordo com a quantificação feita pela União Europeia, mais de 2000

milhões de euros de custos são poupados às empresas.

Por isso, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, penso que esta é uma proposta que vai no caminho certo,

no sentido de fazer pagar aqueles que têm de pagar de acordo com a sua capacidade contributiva, simplificando

aos contribuintes a forma de cumprimento das suas obrigações.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Concluída a discussão conjunta da Proposta de Lei n.º 40/XIV/1.ª e do Projeto de Lei

n.º 388/XIV/1.ª (CH), vamos passar à apreciação, na generalidade, da Proposta de Lei n.º 34/XIV/1.ª (GOV) —

Prorroga o prazo de um regime excecional de medidas aplicáveis às autarquias locais, no âmbito da pandemia

da COVID-19, e altera as regras sobre endividamento das autarquias locais.

Enquanto esperamos pela chegada da Sr.ª Ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública,

vou pedir à Sr.ª Vice-Presidente Edite Estrela que me substitua na presidência.

Neste momento, assumiu a presidência a Vice-Presidente Edite Estrela.

A Sr.ª Presidente — Muito boa tarde, Sr.as e Srs. Deputados.

Para abrir o debate já anunciado pelo Sr. Presidente, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Modernização do

Estado e da Administração Pública, a quem cumprimento.

A Sr.ª Ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública (Alexandra Leitão): — Sr.ª

Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Como tem sido comprovado ao longo do atual período de crise, a ação dos

municípios junto das populações no combate à pandemia e às suas consequências sociais é fundamental pela

proximidade e pelo conhecimento dos respetivos territórios e populações.

Por essa razão, o Governo propôs a este Parlamento a aprovação de um conjunto de medidas excecionais

que permitiram, e devem continuar a permitir, aumentar a capacidade e a celeridade de resposta das autarquias

locais neste âmbito.

É neste contexto, e considerando a situação económica e financeira decorrente da situação provocada pela

pandemia, que o Governo vem propor a prorrogação até 31 de dezembro de 2020 de um conjunto de medidas

que pretendem promover a agilização de procedimentos de caráter administrativo, a simplificação do regime

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financeiro das autarquias locais e das entidades intermunicipais e garantir-lhes maior liquidez de imediato,

designadamente, a manutenção da elegibilidade das despesas sociais e de saúde para efeitos do Fundo Social

Municipal e a manutenção do regime excecional de moratória, no quadro dos programas de ajustamento

municipal.

Mas, mais: adicionalmente, propõe-se a alteração dos limites de endividamento dos municípios, revogando

para os anos de 2020 e 2021 a limitação da utilização de 20% da margem disponível de endividamento. E o

montante da despesa que resulte das medidas de promoção de apoios sociais aos municípios afetados pelo

surto da COVID-19, bem como a aquisição de bens e serviços relativos à proteção da saúde pública também

não relevam para o limite da dívida total.

Com esta iniciativa, pretende-se evitar que a resposta à pandemia comprometa o esforço de consolidação

orçamental promovido pela administração local, no quadro do Programa de Estabilização Económica e Social,

e também criar condições para que as autarquias continuem a poder prestar o apoio às suas populações e

territórios, como o têm feito até aqui de forma tão eficaz.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Bebiana Cunha,

do Grupo Parlamentar do PAN.

A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra e Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs.

Deputados: Hoje, o Governo traz-nos à discussão uma proposta de lei que apresenta um conjunto de medidas

para assegurar uma maior capacidade de ação dos municípios no combate a esta crise sanitária, assunto sobre

o qual o PAN tem mostrado preocupação que tem vertido em propostas.

Gostaria de dizer que acompanhamos a proposta do Governo. De resto, lembramos até que, em março, o

PAN propôs que as despesas no combate à crise sanitária e aos seus impactos não fossem contabilizadas para

os limites de dívida, para que nenhum município deixasse de dar respostas por falta de recursos. Nessa ocasião,

PS, PSD e CDS-PP votaram contra e PCP, CH e IL abstiveram-se, inviabilizando essa proposta. Mas, felizmente,

e a bem das populações, alguns destes partidos mudaram já de opinião.

Temos também manifestado preocupação com a necessidade de a legislação autárquica, aprovada em

tempos de COVID-19, se prolongar no tempo. O Governo aqui propõe-nos isso relativamente, por exemplo, a

empréstimos de curto, médio e longo prazo, isenções ou apoios a pessoas em situação de vulnerabilidade, e

obviamente acompanhamos essa preocupação.

Mas damos nota também do seguinte: é necessário estender estas medidas às freguesias. É necessário que

se alarguem estas medidas excecionais, de modo a abranger outros apoios sociais que estão a ser

protagonizados pelas próprias freguesias e que não estão incluídos no regime excecional previsto. Sabemos

todos que o papel das freguesias nas políticas de proximidade é fundamental. Assim, de modo a facilitar e

agilizar a resposta nesta crise social, económica, sanitária e ambiental, iremos propor, em sede de

especialidade, este reconhecimento do papel das freguesias.

Lembramos também que, no Orçamento Suplementar, não houve qualquer medida significativa de apoio às

freguesias e esta proposta de lei prossegue esse mesmo caminho, o que nos preocupa. Aliás, é já evidente que

algumas freguesias suspenderam os seus serviços de apoio social. Portanto, da parte do PAN, manifestamos,

mais uma vez, a nossa disponibilidade para trabalhar soluções em que se reconheça o trabalho das freguesias

e das autarquias.

Por fim, queria dizer apenas o seguinte: ainda que na proposta do Governo as despesas dos municípios

sejam elegíveis para o Fundo Social Municipal, o que consideramos positivo, isso é insuficiente. O PAN tem

vindo a apelar ao Governo para que reforce substancialmente as verbas deste Fundo, uma vez que estava

subfinanciado em 35 milhões de euros relativamente ao valor previsto na lei. A ANMP (Associação Nacional de

Municípios Portugueses) veio cá dizer-nos isso a todos. Mas o Governo optou por, no Orçamento Suplementar,

não fazer qualquer reforço ao Fundo Social Municipal, criando apenas um grupo de trabalho com a ANMP para

chegar a uma conclusão, que já todos sabemos qual é.

O PAN, na discussão, na especialidade, do Orçamento Suplementar, propôs este reforço. Contudo, esta

proposta foi chumbada, com os votos contra do PS e as abstenções coniventes do PSD, do CDS-PP, do IL e do

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Chega. O que significa que este alargamento que nos é proposto pelo Governo é um passo positivo. Mas, sem

o reforço deste Fundo, parece-nos insuficiente.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isaura Morais, do

Grupo Parlamentar do PSD.

A Sr.ª Isaura Morais (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs.

Deputados: No início de abril, em nome da bancada do PSD, e nesta Assembleia, fiz uma intervenção sobre

uma proposta de lei do Governo com várias medidas excecionais dirigidas às autarquias locais, no âmbito da

emergência de saúde pública provocada pela COVID-19.

Muito do que disse mantém-se atual. Nesse dia, saudei todos os autarcas por, nesta altura tão difícil, como

sempre, e como agora, estarem no terreno a tomar medidas tão importantes, as mais importantes e

fundamentais, para as vidas das suas populações.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Bem lembrado!

A Sr.ª Isaura Morais (PSD): — A todos os autarcas deixo, novamente, o meu sincero agradecimento, em

nome da bancada do PSD, pelo serviço imprescindível que sempre prestaram e continuam a prestar às nossas

comunidades.

Aplausos do PSD.

No meio de tantas incertezas, de uma coisa podemos estar certos: o poder local não falha às populações.

Reconhecemos, à época, como positiva a iniciativa do Governo em abordar questões da maior importância

numa situação tão difícil.

Reconhecemos, também agora, como positiva esta nova iniciativa que vem reforçar os efeitos, até 31 de

dezembro de 2020, de um conjunto de medidas que pretenderam e pretendem agilizar e simplificar

procedimentos de caráter administrativo das autarquias locais e das entidades intermunicipais.

Considerei ainda, na altura, que o Governo poderia ter ido mais além. Desde a primeira hora, o PSD apelou

ao Governo nesse sentido. E, por maioria de razões, continua atual o que disse: o Governo podia rever os

nossos critérios aplicáveis à administração local e não desconsiderar os autarcas. Falta-lhes informação, mais

acesso a dados e mais meios.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — É verdade!

A Sr.ª Isaura Morais (PSD): — Relembro que o PSD apresentou nesta Casa várias propostas dirigidas às

autarquias, algumas aprovadas e que melhoraram a legislação. Mas, outras, como a possibilidade de dedução

ao valor das prestações para o Fundo de Apoio Municipal das despesas com a aquisição de equipamentos,

bens e serviços no combate aos efeitos da pandemia, ou o alargamento do layoff às empresas municipais,

infelizmente foram chumbadas.

Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A legislação dirigida às autarquias apenas se cingiu a um conjunto

de diplomas que procederam a um mero ajustamento que visou adaptar a administração local às circunstâncias

extraordinárias da COVID-19.

Não foram tomadas medidas para contribuir para um efetivo e necessário apoio à liquidez das autarquias e

para atenuar o enorme esforço financeiro em que as mesmas incorreram.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe para concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isaura Morais (PSD): — Vivemos tempos muito desafiantes, em que as autarquias, que foram e são,

um grande suporte nas situações de crise, não podem agora elas entrar em crise.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem de terminar, Sr.ª Deputada.

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A Sr.ª Isaura Morais (PSD): — Termino, Sr.ª Presidente, mas não sem antes dizer que o mínimo que se

pode esperar do Governo é permitir que os autarcas tenham meios para o trabalho que fazem e para que

cheguem mais próximo das populações.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Meireles,

do Grupo Parlamentar do CDS-PP.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs.

Deputados: A proposta de lei que hoje discutimos visa, por um lado, alargar, e, por outro lado, prolongar a

vigência de algumas medidas extraordinárias que têm a ver com a pandemia.

Para nós, é evidente que as autarquias, quer as câmaras, quer as freguesias, tiveram um papel fundamental

no combate à pandemia — eu diria mesmo: tiveram não, têm! — e, portanto, parece-me evidente que algumas

medidas extraordinárias terão de ser aqui adotadas.

Da mesma forma, quando falamos de algumas delas pela primeira vez, deixamos claro que, sim, eram

medidas extraordinárias. Numa situação razoável ou ordinária não seriam compreensíveis, mas, neste

momento, são necessárias. E, portanto, não obstante, não nos oporemos a elas.

Contudo, gostava de perceber duas coisas. A primeira é por que razão elas não foram apresentadas no

Orçamento retificativo ou suplementar, como lhe queiram chamar, que era onde parece que fariam sentido. A

segunda é se o Governo tem alguma estimativa do que elas significarão, porque se é verdade que são

necessárias, também é necessário nós percebermos aquilo que está a acontecer do ponto de vista financeiro.

Por último, gostava também de saber o seguinte: da última vez que discutimos aqui um assunto semelhante,

o CDS apresentou uma proposta para que não fosse apenas autorizado endividamento extraordinário, mas para

que fosse autorizado que, extraordinariamente, algumas autarquias que assim o desejassem pudessem não

cobrar o IMI (imposto municipal sobre imóveis) deste ano. Estava-se, então, à entrada do mês de maio — mês

de cobrança do IMI — e parece-me evidente que, para algumas famílias, este pagamento foi extraordinariamente

difícil. Gostava de saber se, pelo menos, os primeiros pagamentos já estarão feitos, nalguns casos todos os

pagamentos.

Gostava ainda de saber se, do ponto de vista fiscal, há alguma abertura do Governo para que, da mesma

maneira que abrimos exceções para as autarquias — e da mesma maneira que o Estado central abriu exceções

à cobrança de alguns impostos — isso também se possa verificar em termos de impostos municipais.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Santos, do

Grupo Parlamentar do PCP.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr.ª

Ministra: O Governo traz hoje, aqui, à discussão, uma proposta que, no fundamental, prorroga um conjunto de

prazos de medidas excecionais já aprovadas aqui, na Assembleia da República.

Sobre esta proposta, nós gostávamos de tecer três considerações.

Em primeiro lugar, a Sr.ª Ministra, na sua intervenção, colocou como objetivo desta proposta aumentar a

capacidade e a celeridade de resposta por parte das autarquias. Nós também reconhecemos, como é óbvio, o

papel importante que as autarquias têm tido no combate ao surto, bem como a intervenção que têm tido nos

seus municípios, muito embora consideremos que não devem ser colocadas sob a responsabilidade das

autarquias competências que não são suas, que são do Governo e, por essa via, transferir também encargos

para as autarquias.

Aliás, esta era já uma das questões que queríamos deixar aqui também relativamente a esta matéria, porque

existem problemas que são nacionais e que exigem uma resposta global. Podemos dar o exemplo das

preocupações levantadas sobre o ensino à distância, em que não deve ser sobre as costas das autarquias que

devem recair as responsabilidades e os encargos relativamente a estas matérias.

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A Sr.ª Ministra referiu que o aumento da capacidade e celeridade de resposta iriam permitir maior liquidez no

imediato. E foi exatamente com este pressuposto que o PCP tem vindo a intervir, porque consideramos que

deve ser assegurado e salvaguardado o equilíbrio económico e financeiro das autarquias. Já apresentámos

várias propostas nesse sentido. Inclusivamente, no Orçamento Suplementar apresentámos uma proposta para

aumentar as transferências do Orçamento do Estado para o Fundo de Equilíbrio Financeiro e o Fundo Social

Municipal. Aliás, fazendo cumprir aquilo que o Governo não fez na Lei das Finanças Locais, com o que também

não estamos de acordo, mas que no quadro da recuperação permitiria maior transferência dessas mesmas

verbas e do Fundo Social Municipal de 2%.

Não foi essa a opção por parte do Partido Socialista e por parte do PSD, o que, efetivamente, inviabilizou

essa proposta. Mas este, sim, teria sido um caminho relevante para reforçar a capacidade dos municípios neste

momento. Este é o segundo aspeto que queríamos colocar.

O terceiro aspeto prende-se com o Fundo Social Municipal. O Governo prorroga um conjunto de medidas em

que prevê o alargamento de despesa, ao abrigo desse Fundo Social Municipal, mas não alarga as verbas do

mesmo Fundo. Aliás, nem os 2% da média aritmética dos impostos do IRS, do IRC (imposto sobre o rendimento

de pessoas coletivas) e do IVA são cumpridos. E como é que a Sr.ª Ministra pretende compatibilizar, de facto,

estes objetivos ao alargar as despesas que podem ser lá incluídas sem alargar os montantes?

Queríamos deixar estes registos, porque consideramos que para o objetivo que o Governo aqui colocou de

assegurar a liquidez, de facto há ainda um caminho a percorrer e há necessidade de dotar as autarquias,

através…

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Termino já, Sr.ª Presidente.

Como estava a dizer, há necessidade de, nesta fase e neste momento, dotar as autarquias dos meios,

inclusivamente dos meios financeiros, para assegurar e cumprir com as suas competências.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Maria

Cardoso, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.

O Sr. José Maria Cardoso (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs.

Deputados: A Proposta de Lei n.º 34/XIV/1.ª (GOV), em termos gerais, vem permitir que as despesas das

autarquias no âmbito da COVID-19 possam ser realizadas até 31 de dezembro de 2020, alargando o prazo que,

em algumas situações, já terminou a 30 de junho. Por outro lado, permite que se alterem as regras dos limites

de endividamento das autarquias nos anos de 2020 e 2021. Faz todo o sentido, e, tendo em consideração a

situação atual, votaremos a favor.

No entanto, pretendo fazer duas observações.

Uma é sobre o artigo 2.º da presente proposta quando invoca as alterações ao artigo 52.º da Lei n.º 73/2013

– Limite da dívida total: «1 - O disposto na alínea b) do n.º 3 do artigo 52.º da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro,

na sua redação atual, não se aplica nos anos de 2020 e 2021.»

Pergunto: porque é que não se elimina todo esse ponto? É que, continuando a aplicar a alínea a), os

municípios continuam com a obrigação — em caso de incumprimento do limite de dívida de 1,5 vezes a média

da receita líquida — de reduzir no exercício subsequente pelo menos 10% do montante em excesso. Em 2021,

não é previsível que os municípios consigam já reduzir o montante de dívida em excesso. Daí sermos defensores

de que o ponto devia ser eliminado na totalidade.

O FAM (Fundo de Apoio Municipal) é um mecanismo de recuperação financeira dos municípios, mas está,

em muitos casos, a servir de garrote. Já aquando da discussão na especialidade do Orçamento do Estado

apresentámos medidas de reequilíbrio orçamental e de reestruturação da dívida, que foram rejeitadas,

nomeadamente pelo Partido Socialista.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Bem lembrado!

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O Sr. José Maria Cardoso (BE): — Outra questão, e numa perspetiva mais abrangente, não querendo fazer,

desde já, um balanço da resposta à COVID-19, deve assumir-se que, na área social, em apoio às pessoas mais

fragilizadas, às crianças e mais idosos, a resposta pública local é que se pode concretizar melhor para não

deixar ninguém para trás.

Isto implica redefinir o papel das autarquias na criação/gestão de creches, infantários, centros de dia. Esta

crise também mostra a importância de novas perspetivas quanto ao planeamento urbano, uma articulação

interconcelhia e de complementação de meios, uma maior interligação com outras áreas do conhecimento na

gestão territorial, uma nova estratégia sobre o espaço público, sobre a mobilidade, sobre os espaços verdes.

Pensamos que está na altura de fazermos este debate e esta reformulação.

Tudo isto deve levar o Governo e as forças políticas a uma reflexão mais profunda sobre como a organização

dos territórios pode responder melhor às pandemias e outros riscos, como as alterações climáticas, com que as

sociedades de hoje estão cada vez mais confrontadas. Aliás, corremos o risco de termos pandemias

intermitentes.

Importa, e de que maneira, abrir um debate capaz de chamar a atenção para a necessidade de serem

repensadas as competências e o respetivo financiamento das autarquias.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. José Maria Cardoso (BE): — Termino já, Sr.ª Presidente.

Pensamos ser urgente repensar o modelo de descentralização/municipalização em curso e projetar um

modelo de ordenamento integrado do território. Afinal, qual é o modelo de gestão territorial que o Governo

defende e pretende implementar?

Precisamos de um novo paradigma de conceção dos poderes intermédios que intercedam entre o nacional

e o local, numa visão supramunicipal, por um lado, e subnacional, por outro lado.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Sá, do Grupo

Parlamentar do PS.

O Sr. Nuno Sá (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: A

propósito do debate desta iniciativa legislativa do Governo, cumpre reconhecer expressamente a ação do poder

local que, com a sua proximidade às populações, tem desempenhado um papel indispensável no combate à

pandemia da COVID-19, seja na frente da defesa da saúde pública, do apoio à economia ou da solidariedade

social.

O Governo tem bem presente a necessidade de se manter e, até, poder aumentar a capacidade e a

celeridade de resposta das autarquias locais à prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção da

COVID-19, mas também a necessidade de se acautelar o risco de deterioração da situação financeira dos

municípios, em consequência da aplicação de medidas adicionais que as autarquias têm promovido face aos

efeitos da crise pandémica.

Assim, a iniciativa ora apresentada visa prorrogar o prazo, até final do ano, de um regime excecional de

medidas aplicáveis às autarquias locais, no âmbito da pandemia da COVID-19, e alterar as regras sobre

endividamento das autarquias locais, sem perder de vista a necessidade de mantermos uma boa saúde das

contas públicas também nas autarquias locais.

Pretende, ainda, promover a agilização de procedimentos de caráter administrativo, bem como a

simplificação do regime financeiro das autarquias locais e das entidades intermunicipais.

Saudamos e apoiamos esta proposta de lei do Governo, porque assim se permite manter o enquadramento

legal, desde logo financeiro, adequado de modo a que as autarquias locais possam adotar as medidas

necessárias para continuarmos a ter as melhores condições e recursos para ultrapassar as múltiplas dificuldades

e necessidades deste tempo muito difícil e exigente e que reclama medidas excecionais enquanto a pandemia

perdurar.

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Governo, autarcas locais, administração do Estado, sociedade e os portugueses têm, desde o início da

pandemia da COVID-19, sabido unir-se e trabalhar em conjugação de esforços para vencermos este desafio

maior das nossas vidas. Prosseguimos junto este caminho.

Também aqui, no Parlamento, mantendo as nossas identidades políticas próprias, e assumindo cada um as

suas diferentes responsabilidades, teremos de ser capazes de honrar os esforços e sacrifícios dos nossos

concidadãos com a construção e aprovação das melhores iniciativas e soluções legislativas que estes momentos

reclamam.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para proferir a intervenção de encerramento do debate, tem a palavra

a Sr.ª Ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública.

Faça favor, Sr.ª Ministra.

A Sr.ª Ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública: — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs.

Deputados: Permitam-me reiterar o papel da intervenção das autarquias locais, que todos aqui salientaram e

que também reitero, mas numa lógica de parceria próxima com o Estado e não numa lógica de substituição ou

redução do papel do Estado que não tem havido e que aqui rejeitamos. O que fazemos é criar as condições

para, no respeito pela autonomia local, as autarquias poderem continuar a ser grandes parceiros do Estado,

como têm sido até agora.

Quero deixar três notas adicionais para dizer que a moratória do FAM tem um valor de cerca de 47 milhões

de euros. E quanto ao Fundo Social Municipal queria dizer uma coisa aos Srs. Deputados: relembro que ficou

inscrita no Orçamento Suplementar a constituição de um grupo de trabalho, que, aliás, já está constituído e que

reunirá para a semana que vem, no sentido de apurar os valores do Fundo Social Municipal, tendo em conta as

novas despesas elegíveis. E mais: os acertos relativos a 2020 serão tidos em conta nas transferências para o

Fundo Social Municipal no Orçamento do Estado para 2021. Este aspeto é muito importante porque esses

acertos, repito, serão tidos em conta no Orçamento do Estado para 2021.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr.as e Srs. Deputados, chegámos ao fim deste debate.

Vamos passar ao sétimo ponto da ordem de trabalhos, que consta da discussão conjunta, na generalidade,

dos Projetos de Lei n.os 1236/XIII/4.ª (Cidadãos) — Termina com a atribuição de apoios financeiros por parte de

entidades públicas para a realização de atividades tauromáquicas, 22/XIV/1.ª (PEV) — Impede o financiamento

público aos espetáculos tauromáquicos, 243/XIV/1.ª (BE) — Impede o apoio institucional à realização de

espetáculos que inflijam sofrimento físico ou psíquico ou provoquem a morte de animais, 257/XIV/1.ª (PAN) —

Pela não utilização de dinheiros públicos para financiamento de atividades tauromáquicas e 468/XIV/1.ª

(Deputada não inscrita Cristina Rodrigues) — Impede a utilização de dinheiros públicos para financiamento

direto ou indireto de atividades tauromáquicas.

Para apresentar o projeto de lei de Os Verdes, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Silva.

A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por saudar, em nome de Os

Verdes, os milhares de cidadãos que fizeram uso deste importante instrumento da nossa democracia, que se

quer participativa, que é o direito da iniciativa legislativa de cidadãos. Valorizamos a democracia participada, o

envolvimento dos cidadãos no processo legislativo e, por isso, merecem o nosso reconhecimento.

Hoje, discute-se nesta Assembleia, mais uma vez, o tema das touradas, um tema tão sensível para os que

não se identificam e que pedem que acabe, como para os que não se imaginam a ver decretado o fim desta

atividade.

Os animais sencientes são portadores da capacidade de sentir, demonstrar e comunicar afeto, dor, prazer

ou compaixão e, por isso, está previsto no nosso ordenamento jurídico um conjunto de direitos específicos e

merecedores dos respetivos mecanismos normativos de proteção.

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Sabemos que esta não é uma questão que recolha a unanimidade. A perda de tradições enraizadas junto de

algumas populações no nosso País, se não começar nos próprios, se não acontecer como uma natural evolução

social e de mentalidades, que leve a rejeitar espontaneamente essas práticas e a substituí-las por outras, será

sempre vista como uma violenta intrusão no seu espaço identitário.

O extremar de posições nesta matéria pode levar uns a vencer sobre os outros, mas nunca levará ao

convencimento dos vencidos.

Conhecemos os argumentos de quem defende as corridas de touros, desde a tradição popular, à economia

e aos postos de trabalho, ou pela manutenção da subespécie da fauna, terminando no próprio ambiente, por a

criação do gado bravo ser feita em regime extensivo e em montado.

Infelizmente, já vimos vender automóveis, defender empreendimentos turísticos, campos de golfe ou

espelhos de água de barragens nos últimos rios selvagens do País invocando, igualmente, as suas

pseudovantagens ambientais.

Protestos do Deputado do PS Pedro do Carmo.

Nas fundações da ecologia política reside a defesa intransigente do planeta, dos ecossistemas e do equilíbrio

ambiental, dos quais depende toda a vida na Terra, e também a salvaguarda de toda a vida selvagem e da

riquíssima biodiversidade que herdámos e queremos transmitir às futuras gerações.

A par dessa defesa, vem a defesa dos animais que partilham o nosso espaço e quotidiano, incluindo os

domésticos, de companhia, de trabalho, ou aqueles dos quais o ser humano retira alimento, que são

merecedores de uma atenção diferenciada, pois essa maior proximidade traz consigo problemas específicos e,

simultaneamente, uma responsabilidade própria que tem de ser plenamente assumida.

Sr.as e Srs. Deputados, a sociedade deverá caminhar no sentido do abandono de práticas que não são

compatíveis com o estatuto de proteção, reconhecido por todo o mundo, aos animais, reconhecendo igualmente

que com a superior capacidade intelectual do ser humano, de onde lhe vem o imenso e, por vezes perigoso,

poder que hoje detém, vem necessariamente um inalienável dever e uma esmagadora responsabilidade de

respeitar igualmente os outros animais, os não humanos, pois só assim, em última instância, respeita a sua

própria humanidade.

Infelizmente, a mudança de mentalidades é, por vezes, demasiado lenta no reconhecimento e na atribuição

de importância a esta matéria. E, por isso, não podemos deixar de lembrar o papel que a educação formal e

informal pode e deve desempenhar na formação das gerações futuras, promovendo o contacto direto com os

animais, o conhecimento, a compreensão e o respeito pelos mesmos.

As corridas de touros, mesmo que sob o prisma de um dito «espetáculo cultural» não podem deixar de ser

reconhecidas como comportando uma dose efetiva de violência, agressão, sofrimento de animais e até risco

permanente de morte para o toureiro, como é assumido pelos próprios defensores da tourada.

Assim sendo, o que não podemos continuar, realmente, a ignorar é que não têm de ser todos os portugueses

a pagar, com dinheiros públicos, as touradas, através dos apoios ou subsídios que são atribuídos a empresas e

particulares no âmbito da atividade tauromáquica.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Estou mesmo a terminar, Sr.ª Presidente.

Os Verdes apresentam um projeto de lei que visa travar o financiamento público às touradas.

Acreditamos que, sendo esta uma atividade desrespeitadora do bem-estar animal, não pode depender de

financiamento público.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para apresentar o Projeto de Lei n.º 243/XIV/1.ª (BE), tem a palavra a

Sr.ª Deputada Maria Manuel Rola.

A Sr.ª Maria Manuel Rola (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quero começar por valorizar a

iniciativa legislativa que temos aqui hoje e que, pela iniciativa de mais de 25 000 cidadãs e cidadãos, nos permite

voltar a discutir e decidir sobre o financiamento público à tauromaquia.

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Quero agradecer também às associações, nomeadamente à promotora Animal, que há décadas tem vindo a

intervir nesta área, trazendo informação sobre a agressividade e a dependência dos apoios do Estado do

negócio em causa.

Ora, o que discutimos aqui hoje é um regime de exclusividade e de exceção ao setor tauromáquico, que

ainda se mantém passados tantos anos. De exceção, porque temos uma lei de proteção dos animais que, desde

1995, proíbe todas as violências injustificadas contra os animais e que exceciona a tauromaquia.

O Sr. Pedro do Carmo (PS): — E bem!

A Sr.ª Maria Manuel Rola (BE): — De exceção, porque poucos setores culturais têm acesso a transmissão,

em horário nobre, na RTP 1 — não me recordo de documentários, peças de teatro, entre outras atividades, com

esse privilégio. Até há bastante pouco tempo, os toureiros tinham um regime de IVA mais favorável do que a

maior parte da população portuguesa. Digam-me, então, se isso não é privilégio!

É por isso que as iniciativas que discutimos hoje têm ganhado um apoio maioritário na sociedade e na

comunidade científica, porque é claro que existe uma maioria da população que não é aficionada e uma outra

grande parte da população que até é contra este tipo de atividades.

Vozes do PSD: — As sondagens não dizem isso!

A Sr.ª Maria Manuel Rola (BE): — É por isso estranho que ainda se mantenham apoios a atividades violentas

que têm espetadores na ordem das 600 000 pessoas/ano e desenvolvidas em apenas 20% do País, em 60

municípios.

Protestos do Deputado do PS Pedro do Carmo e de Deputados do PSD.

Acresce que mais de 70% das atividades no âmbito da tauromaquia são as corridas de touros que nada têm

a ver com festas populares, que tantas vezes pretendem fazer crer que são as principais atividades beneficiadas

pelos apoios. Para terem a noção, dos 174 espetáculos levados a cabo em 2019, apenas 50 não eram corridas

de touros.

Este é, portanto, um passo lógico e uma escolha de política pública que tarda. Não falamos em proibir,

falamos apenas em não incentivar…

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Nem nunca falaram!

A Sr.ª Maria Manuel Rola (BE): — … e não privilegiar a violência como política de Estado e política pública

através de financiamento ao que a ciência já demonstrou ser nocivo para humanos e animais, porque, sim, é

reconhecido o caráter violento e agressivo das touradas, não só para os animais que são forçados a participar

nestas atividades, como para as pessoas, e nenhum grupo parlamentar aqui presente pode objetar a essa

realidade.

Risos de Deputados do PS, do PSD e do CDS-PP.

A agressividade é visível e comprovada, aliás pelos vários acidentes a que todos os anos assistimos, com

mortes e ferimentos de pessoas e animais.

Protestos do Deputado do PS Pedro do Carmo.

É também por isso que o Comité dos Direitos da Criança, da ONU, instou Portugal a — e leio: «Estabelecer

a idade mínima para participação e assistência em touradas e largadas de touros, inclusive em escolas de

toureio, em 18 anos, sem exceção, e sensibilizar os funcionários do Estado, a imprensa e a população em geral

sobre efeitos negativos nas crianças, inclusive como espectadores da violência associada às touradas e

largadas». Ora, sensibilizar é mesmo isso: não incentivar através de apoios públicos.

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Protestos de Deputados do PS e do PSD.

Mais uma vez, não é apenas pelos animais, Sr.as e Srs. Deputados, é pelas pessoas, já que nem a essa

recomendação tão básica os aficionados correspondem, desrespeitando várias vezes a idade mínima

regulamentada neste momento em Portugal de assistência aos espetáculos, estabelecida nos 12 anos.

Está na hora de termos coragem de limitar as políticas públicas de incentivo a atividades de violência. É isso

que nos é pedido aqui esta tarde.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para apresentar o Projeto de Lei n.º 257/XIV/1.ª (PAN), tem a palavra a

Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começamos por saudar as

mais de 25 000 pessoas que assinaram a iniciativa legislativa de cidadãos promovida pela Associação Animal,

cuja principal promotora se encontra aqui presente.

O que se discute hoje são opções políticas relativamente à forma como o dinheiro dos contribuintes é gasto.

Falamos de uma atividade que nunca deveria ter sido financiada ou beneficiada pelo Estado, menos ainda numa

altura em que atravessamos uma crise económica e social sem precedentes.

Quantas vezes não ouvimos dizer, nesta Assembleia, que não há dinheiro para reduzir a mensalidade das

creches para as famílias que precisam, que não há dinheiro para apoiar estudantes que não têm um computador

em casa, que não há dinheiro para alargar a tarifa social da eletricidade,…

O Sr. Pedro do Carmo (PS): — Isso é demagogia!

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — … não há dinheiro para garantir a existência de apoios sociais aos

artistas, assim como também não há dinheiro para reforçar o Serviço Nacional de Saúde (SNS), de acordo com

as suas necessidades,…

Protestos de Deputados do PS e do CDS-PP.

… e menos ainda há dinheiro para reforçar os subsídios de risco necessários, entre tantos outros exemplos

que poderíamos dar.

Para estes casos, PS e PSD invocam a lei-travão e invocam, também, Sr.as e Srs. Deputados, a necessidade

de estabilidade orçamental, deixando para trás medidas da mais elementar justiça social e económica. Já para

a tauromaquia, haja dinheiro!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Isso é demagogia e populismo!

A Sr. Inês de Sousa Real (PAN): — E nunca vos ouvimos falar da lei-travão! São dois pesos e duas medidas.

Sr.as e Sr. Deputados, com tantos sacrifícios que têm sido impostos ao País, permitir que, através de

financiamentos diretos ou indiretos, benefícios e isenções, se mantenha ligada à máquina dos dinheiros públicos

uma atividade fortemente contestada pela sociedade civil e que promove a violência,…

Protestos do Deputado do PS Pedro do Carmo.

… é de uma injustiça social absolutamente incompreensível e uma opção política própria de um regime

derrubado em abril de 1974.

Protestos do Deputado do PS Pedro do Carmo.

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Sr.ª Presidente, peço imensa desculpa, mas creio que o PS terá oportunidade de falar e, portanto, agradecia

que o Sr. Deputado acalmasse os seus ânimos para que eu pudesse continuar.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Srs. Deputados, os apartes são regimentais, mas peço que criem

condições para que a Sr.ª Deputada possa falar e ser ouvida.

Faça favor de continuar, Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Muito obrigada, Sr.ª Presidente.

É, de facto, uma opção política incompreensível e, em nosso entender, própria de um regime derrubado em

abril de 1974. Mais ainda quando, nos tempos de hoje, ouvimos, por exemplo, instâncias como a ONU

(Organização das Nações Unidas) instarem Portugal para que afaste as crianças e jovens da violência da

tauromaquia.

Protestos do Deputado do PS Pedro do Carmo.

Mas, Sr.as e Srs. Deputados, têm agora, aqui, uma oportunidade excecional de explicar aos portugueses e

às portuguesas quais são, afinal, as vossas prioridades. A tauromaquia, atividade insustentável que tem

sobrevivido à custa dos subsídios e diversos apoios públicos, e que, para mais, é responsável pelo maltrato,

sofrimento e morte de milhares de animais, todos os anos, no nosso País?! Aliás, esta crueldade é assumida

pelo próprio legislador, ao reconhecer que é uma atividade que põe em causa os animais e lhes causa

sofrimento, mas que, incompreensivelmente, decide excecioná-la.

Protestos do Deputado do PS Pedro do Carmo.

Nesta Casa da democracia é importante falar-se em dados, mas é também fundamental discutir-se ética,

valores e, obviamente, opções políticas para a atribuição de verbas, que não podem ser contornadas neste

debate.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Precisávamos do PAN para aprender!

Risos da Deputada do PSD Fernanda Velez.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Até porque a realização de touradas em Portugal depende de apoios

que podiam e deviam ser utilizados de forma mais útil e ética. Referimo-nos a subsídios para a criação de touros,

à transmissão de corridas de touros na televisão pública portuguesa, aos apoios das autarquias, que passam

pela aquisição de bilhetes, pela construção e reabilitação de praças de touros, por publicidade, por escolas de

toureio. Veja-se o exemplo de Vila Franca de Xira, que gasta, anualmente, mais de 270 000 € em apoios à

atividade tauromáquica,…

O Sr. Pedro do Carmo (PS): — Viva Vila Franca!

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — … dos quais 60 000 € vão para uma «escola» de toureio, ao arrepio

da ONU!

Sr.as e Srs. Deputados, como é que temos isenções, como a que beneficia, por exemplo, a Praça de Touros

do Campo Pequeno, no valor de 9 milhões de euros/ano — repito, 9 milhões de euros/ano?!

Protestos de Deputados do PSD.

Em mais de duas décadas já superámos 198 milhões de euros!

Até quando vai a Assembleia continuar a ignorar esta realidade? É, de facto, uma questão que se impõe! Até

quando é que vamos continuar a ter, com o alto patrocínio do Estado, uma atividade cruenta que não tem lugar

em pleno século XXI?!

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A Sr.ª Fernanda Velez (PSD): — «Cruenta»?! O que é isso?

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Há toda uma sociedade em movimento que pede ao Parlamento

avanços éticos e civilizacionais que não se compaginam…

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Concluo já, Sr.ª Presidente.

Como estava a dizer, há toda uma sociedade em movimento que pede ao Parlamento avanços éticos e

civilizacionais, que não se compaginam com a manutenção desta atividade, menos ainda com o seu

financiamento, mas continua a haver uma maioria de partidos conservadores que permanecem de costas

voltadas para os cidadãos e também para o sofrimento animal. Não é aceitável nem justo…

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem de concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Concluo já, Sr.ª Presidente.

Não é aceitável nem justo que estes cidadãos tenham de contribuir financeiramente para um espetáculo que

está longe de ser consensual na sociedade e o Estado português não pode continuar a dar-lhe bombas de

oxigénio com dinheiros públicos. Não com o nosso dinheiro e menos ainda à custa do sofrimento animal!

Aplausos do PAN.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para apresentar o Projeto de Lei n.º 468/XIV/1.ª, tem a palavra a Sr.ª

Deputada Cristina Rodrigues.

A Sr.ª Cristina Rodrigues (N insc.): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Mais uma vez, estamos aqui

para debater a possibilidade de se financiarem ou não, com dinheiro público, os eventos tauromáquicos, desta

vez com a importância acrescida de tal se dever à iniciativa de cidadãos, a quem desde já agradecemos, com

um especial reconhecimento às organizações não governamentais que têm feito um trabalho de excelência

neste âmbito, como é o caso da Animal.

A tauromaquia já não é uma atividade controversa. Há ainda uma minoria, que encontra representatividade

neste Parlamento, que a defende afincadamente, mas, em contrapartida, existe uma maioria expressiva de

portugueses que se opõe convictamente à sua existência.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Em teoria!

A Sr.ª Cristina Rodrigues (N insc.): — Ora, num País com recursos limitados, o Estado deve ser capaz de

gerir da melhor forma os recursos financeiros disponíveis, priorizando os setores essenciais.

Neste contexto, sabendo que muito falta fazer em áreas como a saúde, a educação, o emprego, a proteção

social, a agricultura e dinamização do mundo rural, fará sentido o Estado, nomeadamente por intermédio das

autarquias locais, continuar a apoiar financeiramente uma atividade que já não acolhe o proveito e o interesse

da maioria dos portugueses?! Consideramos que o dinheiro do Estado, o dinheiro que é de todos nós, deve ser

gasto em atividades de interesse público.

Recentemente, a Câmara Municipal de Lisboa aprovou uma moção que insta a Assembleia da República a

adotar legislação que não permita o financiamento público de eventos que causem sofrimento animal.

Numa sondagem da Universidade Católica, em Lisboa, 75% dos inquiridos disseram ser contra a utilização

de dinheiros públicos para financiar as touradas. Bem sabemos que o País não é só Lisboa, mas a verdade é

que outros exemplos se vão somando pelo nosso território.

Sem prejuízo do posicionamento que se adote em relação à tauromaquia, a verdade é que cada vez mais o

entendimento é o de que o erário público não deve servir para financiar uma atividade que não cumpre as

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orientações internacionais nem a legislação nacional quanto aos direitos dos animais e em que o sofrimento

animal é aceite como mero divertimento, tal como resulta da iniciativa de cidadãos ora em debate.

Protestos do Deputado do PS Pedro do Carmo.

Um País empático não aplaude o sofrimento animal.

A cultura eleva-nos e representa-nos enquanto povo, a tauromaquia não! E até se pode dizer que a

tauromaquia poderá representar alguns portugueses, mas, claramente, não representa o povo português e,

certamente, a mim não me representa.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Cotrim de

Figueiredo, do Iniciativa Liberal.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há quem goste de

touradas, há quem não goste de touradas. Estão ambos no seu direito. Mas, quando o tema é o financiamento

público de uma atividade, mesmo que todos gostem, a posição de um liberal é clara: o Estado deve ser neutro

e não deve atribuir apoios públicos a essa atividade. Aliás, não será surpresa se vos disser que o Iniciativa

Liberal não vê com bons olhos a atribuição de apoios públicos, sobretudo financeiros, à maior parte destas

atividades.

Isto não tem a ver com as atividades, tem a ver com a gestão da coisa pública e a não ingerência e

neutralidade do Estado quanto à livre escolha das pessoas.

Se há isenções fiscais, então que se apliquem a todas as atividades.

Se há subsídios, então que acabem para todas as atividades e que se faça bom uso do dinheiro poupado

para as funções essenciais do Estado.

Dizem que há apoios à tauromaquia — não se percebe muito bem as contas, mas vamos admitir que estão

certas — de cerca de 16 milhões de euros. Pois, muito bem, esse montante já chegava, por exemplo, para pagar

os salários dos bombeiros no combate aos fogos rurais, que o Governo, em plena época de incêndios, se

esqueceu de dotar.

O Sr. Duarte Marques (PSD): — Ora!

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — O Estado tem de se focar nas suas funções essenciais e deixar

as pessoas e as suas escolhas em paz.

Não é por eu gostar de atividades minhas, particulares, que tenho o direito de exigir ao Estado que use o

dinheiro de outros portugueses para subsidiar os meus gostos.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Com certeza, Sr.ª Presidente.

Quando o Estado se arroga o direito de me impor um gosto ou uma moral está a dar o primeiro passo para

me impor tudo o resto.

Não permitiremos que se comece a trilhar esse caminho.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Fernanda Velez,

do Grupo Parlamentar do PSD.

A Sr.ª Fernanda Velez (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As iniciativas hoje em discussão

visam impedir a utilização de dinheiros públicos para financiamento de atividades tauromáquicas.

O Grupo Parlamentar do PSD respeita a diversidade de opiniões, mas entende que estamos perante um

conjunto de argumentos que não corresponde à realidade dos factos. Dou alguns exemplos.

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O primeiro argumento é o de que a tauromaquia é uma indústria que tem vindo a perder público ao longo das

últimas décadas. Ora, os dados que constam do Relatório da Atividade Tauromáquica, da IGAC (Inspeção-Geral

das Atividades Culturais), relativos a 2019, referem exatamente o contrário:…

Vozes do PSD: — Bem lembrado!

Protestos da Deputada do BE Maria Manuel Rola.

A Sr.ª Fernanda Velez (PSD): — … registou-se um aumento das corridas de toiros, em cerca de 11%;

registou-se um total de 383 900 espetadores; o número médio de espetadores por espetáculo foi de,

aproximadamente, 2200, atingindo o segundo valor mais alto da década; em 2019, registou-se um aumento no

número de espetadores pelo terceiro ano consecutivo, após um decréscimo observado durante os seis anos

anteriores.

O segundo argumento é o da oposição à tauromaquia por parte da opinião pública.

Protestos do PS e do PAN.

Em dezembro de 2019, a Eurosondagem fez uma consulta nacional sobre touradas. Os resultados foram…

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr.ª Deputada, desculpe, aguarde um momento.

Sr.as e Srs. Deputados,…

A Sr.ª Fernanda Velez (PSD): — É uma verdadeira tourada, Sr.ª Presidente!

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr.as e Srs. Deputados, peço que criem condições para que os oradores

possam falar.

Aplausos do PSD.

Aplica-se a todos, Srs. Deputados.

Faça favor de prosseguir, Sr.ª Deputada Fernanda Velez.

A Sr.ª Fernanda Velez (PSD): — Dizia eu que, em dezembro de 2019, a Eurosondagem fez uma consulta

nacional, sublinho, uma consulta nacional sobre touradas. Os resultados foram os seguintes: 86,7% dos

portugueses não são contra as touradas; 70,5% dos portugueses consideram que seria muito grave ou grave o

desaparecimento das touradas.

Naturalmente, Sr.as e Srs. Deputados, não me refiro a uma sondagenzeca de âmbito local, com perguntas à

medida das respostas que se pretendem obter.

Protestos do PAN.

Outro indicador são as transmissões de touradas na RTP (Radiotelevisão Portuguesa), que são líderes de

audiências, o que revela o forte apoio dos portugueses a este setor cultural.

O Sr. Pedro do Carmo (PS): — Está a falar bem!

A Sr.ª Fernanda Velez (PSD): — O terceiro argumento é o dos apoios à tauromaquia. Se existe atividade

cultural que não é apoiada pelo Estado é exatamente a tauromaquia, que não recebe qualquer apoio do

Ministério da Cultura.

Em matéria de impostos, designadamente de IVA, a tauromaquia paga mais do que as outras atividades

culturais.

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O Sr. Pedro do Carmo (PS): — Também é verdade!

A Sr.ª Fernanda Velez (PSD): — Pontualmente, alguns municípios apoiam atividades tauromáquicas, o que

cabe exclusivamente na esfera da autonomia que lhes é conferida pela Constituição e na matriz cultural de

muitos concelhos.

Aplausos do PSD.

Estas verbas constituem um investimento e não uma despesa, já que a tauromaquia atrai anualmente cerca

de meio milhão de espetadores em praças de touros e cerca de 2,5 milhões nas ações populares de rua.

Sr.as e Srs. Deputados, não existe qualquer financiamento europeu à tauromaquia.

Podemos, então, concluir, afirmando que…

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua mesmo, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Fernanda Velez (PSD): — Termino já, Sr.ª Presidente.

Podemos concluir afirmando que a avaliação do povo português, em face dos dados que agora

apresentámos, mostra bem que a tauromaquia constitui uma atividade de especial relevância histórica, cultural

e socioeconómica…

Protestos de Deputados do BE.

… em vários municípios e regiões do nosso País,…

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem de concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Fernanda Velez (PSD): — … pelo que terá de beneficiar dos apoios inerentes às demais atividades

culturais.

Olé!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alma Rivera, do

Grupo Parlamentar do PCP.

A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Antes de mais, saudamos os

subscritores desta iniciativa legislativa de cidadãos.

De facto, as corridas de touros e os espetáculos tauromáquicos têm suscitado intenso debate na sociedade

portuguesa e, apesar de hoje não estar em cima da mesa a existência ou proibição das touradas, essa é a

questão de fundo que divide opiniões.

Como temos dito, nas várias vezes em que o debate passou pelo Parlamento, o PCP não entende que esta

seja uma questão que se resolva pela via legislativa, até porque, estando em causa conceções e visões tão

distintas, dificilmente se conseguirá chegar a uma solução que respeite as diferentes posições por via da lei.

A relação do homem com os animais tem evoluído significativamente, e isso é também evidente no nosso

País. A cultura, as tradições e os costumes não são imutáveis e as expressões da cultura popular, como a

generalidade dos elementos da cultura humana, são, elas mesmas, produto da vida social e alteram-se com ela.

O que é certo é que não se extinguem por decreto ou pela força e aquilo que compete ao Estado é garantir o

espaço para todas as expressões dessa cultura popular, no respeito pela identidade e diversidade das

populações, ao mesmo tempo que deve promover a proteção da natureza e da biodiversidade, incutindo uma

cultura de harmonia com o meio ambiente. Mas nunca pela força! Aliás, em Portugal existe um triste historial de

tentativas de impor proibições no que diz respeito às atividades tauromáquicas, que simplesmente extremaram

posições, resultaram em repressão e violência sobre as populações, levando mesmo a um recuo da lei.

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Independentemente da opinião que cada um possa ter, e existem milhares de pessoas a quem esta prática

ofende, choca e revolta, também existem outros milhares que a sentem como parte integrante da sua cultura e

identidade.

Da mesma forma que existem milhares de pessoas, em Portugal, que gostariam que todas as manifestações

tauromáquicas fossem abolidas definitivamente, existem outros milhares para quem a ideia de abolir ou proibir

as touradas e outras práticas é impensável, ofensiva e agride, por se tratar de parte integrante da sua vida, a

vários níveis.

Esta sensibilidade varia muito de terra para terra e a verdade é que mesmo partidos que defendem a abolição

das touradas no Parlamento não o ousaram fazer ao nível do poder local.

A Sr.ª FernandaVelez (PSD): — Muito bem!

A Sr.ª AlmaRivera (PCP): — A tauromaquia está tão enraizada entre algumas comunidades que mesmo os

partidos que aqui propuseram a sua proibição, defendem a tauromaquia nessas localidades.

O Sr. PedrodoCarmo (PS): — Essa é que é a verdade!

A Sr.ª AlmaRivera (PCP): — E é mesmo disso que se trata: respeitar e tolerar as diferentes realidades e as

diferentes visões.

Concretamente sobre os projetos hoje em discussão, porque não estamos aqui para discutir as nossas

opiniões sobre a tourada, os apoios públicos que se destinam às touradas não são de caráter nacional ou provêm

do Estado central. São apoios essencialmente decididos e concedidos ao nível das autarquias, quer pelo apoio

a associações e eventos, quer pela cedência de espaços e outros recursos.

Se em determinada vila ou localidade a tourada é uma realidade instalada e uma prática enraizada, é natural

que os meios dessa mesma localidade estejam ao dispor da população e sejam disponibilizados para promover

as atividades que essa mesma comunidade entender.

Aplausos do Deputado do PSD João Moura.

Até porque a intervenção da autarquia é, muitas vezes, o garante de segurança desses eventos, pela

colocação de tronqueiras, por exemplo, ou cedência de outros recursos, o que passaria a ser ilegal com estes

projetos.

Por estes motivos, porque rejeitamos proibicionismos e imposições legais, porque achamos que a alteração

dos hábitos e costumes se dá no terreno e não na lei, porque não aceitamos que, sob qualquer pretexto, se

ponha em causa a autonomia do poder local, rejeitamos os projetos hoje em discussão.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª AlmaRivera (PCP): — Termino já, Sr.ª Presidente.

Como já temos dito várias vezes, a defesa dos ecossistemas e do bem-estar animal faz-se com e não contra

as populações, sob pena de obter o resultado inverso. E esse é o nosso compromisso.

Aplausos do PCP e de Deputados do PSD.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado André Ventura,

do Chega.

O Sr. AndréVentura (CH): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A tauromaquia é cultura. Está, por isso, no

âmbito do Ministério da Cultura e é inspecionada pela IGAC, que tem competências nessa área.

E não pode haver duas culturas em Portugal. Há uma, ou não há. Não pode haver os da cultura beneficiada

e os da cultura não beneficiada. Mas era importante saber, aqui, como é que algumas pessoas que aqui estão

vão explicar aos milhares de trabalhadores — são milhares de postos de trabalho —, no Alentejo, no Ribatejo,

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na ilha Terceira, nos Açores, o fim dos apoios públicos à tauromaquia. É importante que os Açores, que vão a

eleições em breve, saibam quem está do lado da sua indústria e quem está contra.

Protestos do BE.

Criámos uma regra terrível em Portugal, que é a de querer acabar com tudo aquilo de que não gostamos.

Eu, por exemplo, sou do Benfica. Se eu pudesse acabava com alguns adversários, mas não posso.

Risos.

Protestos do BE e do PAN.

É a vida, é a vida! Aprendam a viver com isso! Se eu pudesse acabava com alguns dos que disputam com o

Benfica essa hipótese, mas não o faço! Admitam que é assim.

Na vida, temos de perceber as diferenças. A tauromaquia é cultura e é tradição.

Protestos do BE e do PAN.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr. Deputado, peço-lhe para concluir.

O Sr. AndréVentura (CH): — Sei que o Benfica mexe muito com a Câmara, mas não consegui acabar e,

por isso, peço-lhe que me deixe terminar…

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — O Sr. Deputado também não tem muita moral para se queixar, porque

muitas vezes está também a fazer apartes.

Sr.as e Srs. Deputados, façam o favor de criar condições para que cada orador possa fazer a sua intervenção.

Faça o favor de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. AndréVentura (CH): — Obrigado, Sr.ª Presidente.

Vou mesmo terminar dizendo isto: criámos o hábito de monitorizar tudo aquilo de que não gostamos. Esse é

o primeiro passo para acabar com a tauromaquia. Se estas iniciativas forem aprovadas, deverão ficar na nossa

consciência de Deputados aqueles milhares de pessoas sem emprego, as indústrias destruídas por todo o País,

sem mais retorno.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Telmo Correia,

do Grupo Parlamentar do CDS-PP.

O Sr. TelmoCorreia (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este debate e este tema não são

novos. Ora na versão de proibir, pura e simplesmente, ora na versão de cortar apoios, ora na versão de aumentar

impostos, trata-se de mais um ataque à tauromaquia e à realidade tauromáquica.

Sobre esta matéria, deixo aqui 10 ideias simples.

Em primeiro lugar, a tauromaquia é uma expressão cultural e tradicional antiga em Portugal.

Em segundo lugar, é uma tradição profundamente enraizada no mundo rural, designadamente no Ribatejo e

no Alentejo. E se o argumento da maioria fosse verdadeiro — que não é —, então, iríamos proibir a uma minoria

a sua forma de vida? Seria mais escandaloso, ainda.

Em terceiro lugar, mais do que uma tradição, a tauromaquia é uma forma de vida para milhares de

portugueses. Entre campinos, ganadeiros, toureiros, forcados, é uma forma de vida para milhares e milhares de

portugueses.

Em quarto lugar, é uma atividade legal, regulamentada e que, por isso, não pode ser discriminada. E se a

RTP a transmite é, seguramente, porque tem audiências.

Em quinto lugar, uma discriminação negativa seria, obviamente, uma forma de censura e de imposição de

uma ditadura do gosto e, como tal, absolutamente inconstitucional. Tanto mais que a tauromaquia é legal e,

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quando aqui discutimos a proibição das touradas — não sei dizer de cor a maioria —, terão sido 90% que

chumbaram essa proibição. Se 90% chumbaram a proibição, se é legal, como é que agora se quer discriminar

a tauromaquia em relação às outras atividades culturais?

Por outro lado, é falso, como já aqui foi dito, e bem, que tenha perdido espetadores. Não, não só não perde

como tem ganho espetadores e tem ganho audiências.

Por outro lado — e já vou no oitavo argumento —, ainda não existem nem apoios europeus nem apoios de

Estado à tauromaquia, que, de resto, tem sido discriminada negativamente. Foi o IVA a 23%, contra todas as

outras atividades culturais, e foi, até, a interrupção e a proibição dos espetáculos durante este período da

pandemia.

Nono argumento: se existem apoios, esses apoios são municipais. O que é que pretendem os Srs.

Deputados? Proibir as festas do concelho? Proibir as Festas do Colete Encarnado, que deveria estar a ocorrer

neste momento? É que não foi isso que o Bloco de Esquerda fez em Salvaterra de Magos, quando teve a sua

malograda experiência autárquica, e não é isso que Os Verdes dizem, dentro do seu involucro da CDU, nos

municípios que são da CDU.

Protestos do BE.

Aplausos de Deputados do PSD.

Terminando, Sr.ª Presidente, gostaria de dizer duas coisas: somos contra a proibição e os argumentos da

proibição que aqui ouvimos são sempre os argumentos da demagogia, os argumentos do populismo e os

argumentos do radicalismo.

Nós somos, sim, pela liberdade de escolha, Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, de querer ou de não querer.

Protestos da Deputada do PAN Inês de Sousa Real.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. TelmoCorreia (CDS-PP): — Termino, Sr.ª Presidente, se me permitir, em 10 segundos, com uma

homenagem.

No passado domingo, faleceu Mário Coelho. Quem era Mário Coelho? Mário Coelho era uma figura da cultura

portuguesa. Mário Coelho, para aqueles que aqui usam o argumento da civilização, privou ⎯ sabe com quem

Sr.ª Deputada? — com bárbaros e incivilizados.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. TelmoCorreia (CDS-PP): — Bárbaros como Hemingway, bárbaros como Ava Gardner, bárbaros como

Orson Welles e foi até retratado por esse enorme incivilizado chamado Pablo Picasso.

Isso destrói o vosso argumento da civilização.

A tauromaquia é cultura e é uma forma de expressão cultural portuguesa indesmentível!

Aplausos do CDS, de Deputados do PSD e do Deputado do PS Luís Moreira Testa.

O Sr. PedrodoCarmo (PS): — Muito bem! Não há cultura boa e cultura má! Há cultura.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Maria da Luz

Rosinha, do Grupo Parlamentar do PS.

A Sr.ª MariadaLuzRosinha (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje apreciamos cinco

iniciativas parlamentares, a saber, os Projetos de Lei n.os 1236/XIII/4.ª, da iniciativa de cidadãos, 22/XIV/1.ª, do

Partido Ecologista «Os Verdes», 243/XIV/1.ª, do Bloco de Esquerda, 257/XIV/1.ª, do Partido Animais e Natureza,

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e 468/XIV/1.ª, da Deputada não inscrita Cristina Rodrigues. Todos eles têm um objetivo comum: impedir o apoio

financeiro público à realização de espetáculos tauromáquicos.

Neste momento, gostaria de citar uma parte da exposição de motivos da iniciativa apresentada pelo PEV,

quando refere e assume «esta não é uma questão que recolha a unanimidade. O debate de certas tradições

enraizadas junto de algumas populações no nosso País, se não for assumido pelos próprios, se não ocorrer

como natural evolução social e de mentalidades que leve a rejeitar espontaneamente essas práticas e a

substituí-las por outras, será sempre visto como violenta intrusão no seu espaço identitário. O extremar de

posições nesta matéria pode levar uns a vencer sobre os outros, mas nunca levará ao convencimento dos

vencidos».

Aplausos do Deputado do PS Pedro do Carmo.

A Sr.ª MariadaLuzRosinha (PS): — Esta consideração é lúcida e demonstra, também, aquilo que em

muitos momentos inquina a discussão e obsta a qualquer entendimento entre formas diferentes de análise sobre

o mesmo assunto, recorrendo muitas vezes à manipulação de informações e números deturpando a verdade

dos factos.

Por isso, convém referir e esclarecer que, embora a superintendência dos espetáculos tauromáquicos

pertença ao Ministério da Cultura, através da Inspeção Geral das Atividades Culturais, não são atribuídos

quaisquer subsídios ou apoios financeiros a espetáculos tauromáquicos por parte desse Ministério.

O Sr. PedrodoCarmo (PS): — Essa é que é a verdade!

A Sr.ª MariadaLuzRosinha (PS): — Mais: os espetáculos tauromáquicos pagam taxas, previstas e

regulamentadas, e lembro-vos a recente situação da taxa do IVA para este mesmo tipo de eventos.

Repito, da parte do Ministério da Cultura, não há verbas alocadas a apoios para atividades tauromáquicas,

como também não há apoios europeus para o mesmo efeito. Os apoios públicos são, na maioria dos casos,

provenientes das autarquias locais, dentro da autonomia que a lei lhes confere para o efeito e que estamos

sempre a invocar.

O Sr. PedrodoCarmo (PS): — Candidatem-se às câmaras, ganhem as câmaras e mudem os apoios lá!

A Sr.ª MariadaLuzRosinha (PS): — Iniciativas como as presentes têm um único fim que já todos

entendemos, mas, de acordo com a Constituição da República, o acesso às artes e à cultura deve ser

assegurado em igual medida para todos os cidadãos, salvaguardando que esse direito se efetua em iguais

condições para todos os portugueses, em qualquer parte do País, independentemente do seu gosto.

Concordamos que algumas práticas poderão vir a ser alteradas e até melhoradas, contando para isso, desde

logo, com a evolução das mentalidades e mantendo firme o respeito pela escolha individual de cada um, como

todos os dias invocamos quando nos referimos à liberdade de escolha e à democracia em que vivemos e que

tanto nos custou a conquistar.

Aplausos do PS e do Deputado do CDS-PP Telmo Correia.

O Sr. PedrodoCarmo (PS): — Liberdade e democracia!

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Chegámos ao fim deste debate.

Vamos passar ao oitavo ponto da nossa ordem do dia, que consiste na discussão, na generalidade, dos

Projetos de Lei n.os 133/XIV/1.ª (Cidadãos) — Procede à segunda alteração ao regime da carreira especial de

técnico superior das áreas de diagnóstico e terapêutica — Decreto-Lei n.º 111/2017, de 31 agosto —, à primeira

alteração do regime legal da carreira aplicável aos técnicos superiores das áreas de diagnóstico e terapêutica,

doravante designada TSDT, em regime de contrato de trabalho — Decreto-Lei n.º 110/2017, de 31 de agosto —

e à primeira alteração ao regime remuneratório aplicável à carreira especial de técnico superior das áreas de

diagnóstico e terapêutica, bem como as regras de transição dos trabalhadores para esta carreira, que

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regulamenta o primeiro — Decreto-Lei n.º 25/2019, de 11 de fevereiro —, 462/XIV/1.ª (PCP) — Valorização da

carreira de técnico superior de diagnóstico e terapêutica e 463/XIV/1.ª (BE) — Altera a carreira especial de

técnico superior das áreas de diagnóstico e terapêutica, de forma a valorizar os trabalhadores juntamente com

o Projeto de Resolução n.º 551/XIV/1.ª (PAN) — Recomenda ao Governo regularize a carreira dos técnicos

superiores de diagnóstico e terapêutica.

Para apresentar o projeto de lei do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado João Dias.

O Sr. JoãoDias (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Antes de mais, o PCP quer cumprimentar

e saudar a comissão representativa dos cidadãos subscritores e, por seu intermédio, cumprimentar também os

mais de 20 mil cidadãos eleitores que, pela sua iniciativa, conseguiram trazer à Assembleia da República uma

iniciativa legislativa que é mais um passo numa luta com mais de 20 anos.

É conhecida a posição do PCP relativamente a matérias respeitantes a carreiras profissionais. O PCP

entende que a discussão, a reposição, alteração e criação de novas carreiras na Administração Pública é matéria

de âmbito da negociação coletiva entre as organizações representativas dos trabalhadores e o Governo. Esta

matéria deve envolver profundamente os trabalhadores e as suas organizações representativas, num processo

sério e eficaz.

Sempre denunciámos e exigimos o cumprimento desse direito constitucional. Porém, numa situação como

esta que aqui tratamos, em que o Governo recusou prosseguir a negociação coletiva e não considerou as

propostas e reivindicações destes profissionais de saúde, não podemos deixar de intervir para defender os

técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica, os utentes e o Serviço Nacional de Saúde.

É nesse sentido que acompanhamos esta iniciativa com um projeto de lei que não é mais do que o

compromisso que assumimos de continuar a trabalhar para defender os técnicos superiores de diagnóstico e

terapêutica, os seus direitos e, sobretudo, o direito a ter uma carreira que os valorize e dignifique.

Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, é preciso ter em consideração que a carreira dos técnicos superiores de

diagnóstico e terapêutica, publicada em 2017, não foi acompanhada pelo respectivo diploma que deveria definir

os critérios de transição, bem como a respetiva tabela remuneratória.

Quando o Governo deixou por regulamentar matérias tão importantes como a transição, a tabela salarial e

até mesmo o sistema de avaliação, terá sido por esquecimento, Srs. Deputados? Certamente que não foi. O

Governo sabia que o descongelamento se faria pela antiga carreira, com consequências bastante desfavoráveis

para os técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica.

Com esta opção, a esmagadora maioria dos técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica ficou na

primeira posição da primeira categoria. Ou seja, trabalhadores com mais de 25 anos de trabalho não têm

qualquer valorização salarial. É assim, Srs. Deputados, que se reconhece quem dedicou dois terços da sua vida

profissional aos utentes e às instituições? Certamente que não. Para além de não lhes ser reconhecido o

conhecimento adquirido, nem sequer há diferenciação relativamente a quem entra, a quem acabou de ingressar

no Serviço Nacional de Saúde.

Só em 2019, quase dois anos depois, é que o Governo veio publicar o Decreto-Lei n.º 25/2019, que define

as posições remuneratórias e os respetivos níveis da tabela remuneratória única. Dois anos, Srs. Deputados! E

é caso para dizer que, para fazerem o que fizeram, não era necessário tanto tempo.

Mais do que desiludir as legítimas aspirações e reivindicações destes profissionais de saúde, foi um

desrespeito. Foi um desrespeito por anos de trabalho, um desrespeito pelo conhecimento científico que têm e

um desrespeito pelas competências atualmente detidas por estes profissionais.

Desrespeitar assim tão importantes e relevantes áreas da prestação de cuidados não é aceitável.

Aplausos do PCP e do PEV.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para apresentar o Projeto de Lei n.º 463/XIV/1.ª, apresentado pelo BE,

tem a palavra o Sr. Deputado Moisés Ferreira.

O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, em nome do

Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, gostava de cumprimentar e de agradecer aos mais de 20 000

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promotores de uma iniciativa legislativa de cidadãos que nos permite voltar a debater os problemas relacionados

com a carreira de técnico superior de diagnóstico e terapêutica.

Digo voltar a debater porque, efetivamente, estes problemas e esta carreira já foram debatidos no final da

Legislatura anterior. Já poderíamos — e deveríamos, aliás — ter resolvido os vários problemas que já na altura

existiam, que já na altura foram identificados e que já na altura foram chamados a este Plenário, nomeadamente

através de uma apreciação parlamentar apresentada pelo Bloco de Esquerda.

Mas a verdade, Sr.as e Srs. Deputados, é que, na altura, PS, PSD e CDS-PP acabaram por chumbar todas

as propostas de alteração à carreira e, por isso, mantiveram as injustiças e as iniquidades até hoje.

Felizmente, ao contrário do PS, do PSD e do CDS-PP, os profissionais batem-se por uma carreira digna,

felizmente, não se conformam com as injustiças, nem se conformam — e ainda bem — com uma carreira que

fez um total apagão a todos os seus anos de trabalho, que colocou a esmagadora maioria dos profissionais na

base dessa mesma carreira, que colocou profissionais com 10, 15, 20 anos de trabalho a receberem o mesmo

que alguém que entra agora nessa carreira, ou que colocou limites à progressão e fez transições injustas, sem

qualquer profissional nas categorias de topo. Os TSDT não se conformam, e bem, com esta situação de injustiça

e, por isso, apresentaram uma iniciativa legislativa de cidadãos a esta Assembleia da República.

O Bloco de Esquerda acompanha essa iniciativa. Não só a acompanhamos com um projeto de lei que

também propõe alterações à carreira, no sentido de repor justiça e de valorizar estes profissionais, mas também,

e dizemo-lo já, com um voto favorável a essa iniciativa legislativa de cidadãos.

O Grupo Parlamentar do Partido Socialista, que queria, até, dar a liga dos campeões aos profissionais de

saúde, tem agora uma oportunidade de fazer uma coisa bem mais importante, que é proporcionar a carreira que

os profissionais de saúde merecem, proporcionar algo de concreto e valorizar os profissionais de saúde.

Já agora, o Grupo Parlamentar do PSD, que andou a propalar que, por eles, os profissionais do Serviço

Nacional de Saúde até seriam reconhecidos, também tem, agora, apenas uma única coisa a fazer, que é votar

a favor de todas as alterações que são propostas, tanto pelos projetos de lei apresentados pelos grupos

parlamentares, nomeadamente pelo Bloco de Esquerda, como também pela iniciativa legislativa de cidadãos.

Todos e todas os que andaram a bater palmas aos profissionais de saúde podem ter, também, uma

oportunidade neste debate, que é a de, efetivamente, votar a favor e aprovar todas as iniciativas que estão em

debate e que estarão em votação.

Sr.as e Srs. Deputados, uma carreira que valorize o tempo de serviço, uma carreira que garanta transições

justas, uma carreira onde seja possível a progressão, é isso que é preciso para os TSDT, é isso que é preciso

para os profissionais de saúde e é isso que é preciso para reforçar o próprio Serviço Nacional de Saúde.

É isso que propomos uma vez mais e é a favor disso que votaremos, também uma vez mais, porque, no

Bloco de Esquerda, não falhamos a quem constrói o SNS todos os dias.

No Bloco de Esquerda não acenamos com medalhas de latão ou com prémios de consolação, no Bloco de

Esquerda defendemos mesmo a dignidade das profissões e a valorização dos profissionais.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para apresentar o Projeto de Resolução n.º 551/XIV/1.ª, do PAN, tem a

palavra a Sr.ª Deputada Bebiana Cunha.

A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Agradecemos aos peticionários a

oportunidade de discutirmos este tema e cumprimentamos os representantes presentes.

Os peticionários trouxeram-nos uma ILC (iniciativa legislativa de cidadãos). Uma ILC mostra bem a força

deste assunto e denota que é ele alvo da preocupação de muitas pessoas, tal como foi o caso, ainda há

instantes, da discussão de uma outra ILC sobre o fim dos subsídios públicos à tauromaquia.

Para o PAN, a melhoria do Serviço Nacional de Saúde é indissociável da valorização dos seus profissionais,

o que se faz com condições de trabalho, criação e revisão de carreiras e remunerações justas. No caso dos

técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica, muitas têm sido as injustiças cometidas, as promessas não

cumpridas, os prazos atropelados ou a lei por cumprir.

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Com 18 profissões nesta carreira, está prevista a contratação de apenas 220 profissionais. Se este número

já era insuficiente antes do contexto de COVID-19, agora há ainda mais necessidades, seja nos cuidados

hospitalares, seja nos cuidados de saúde primários.

Com o fim dos bacharelatos, todas as profissões incluídas nesta carreira passaram a exigir uma licenciatura,

sem que a estrutura remuneratória tivesse sofrido a necessária correspondência a esta atualização.

Oito anos depois da criação de uma tabela remuneratória única e de um regime de contrato de trabalho que

impunha a revisão de todas as carreiras especiais, só em 2017 foi criado o regime legal da carreira especial de

técnico superior das áreas de diagnóstico e terapêutica, ficando, então, definidos os requisitos de habilitação

profissional. Mas só em fevereiro de 2019 foi aprovado o diploma de transição da carreira de TDT (técnicos de

diagnóstico e terapêutica) para a atual carreira de TSDT.

A situação vivida por estes profissionais conduz a questões de clara desigualdade, permitindo que profissionais

com 15, 20 ou mais anos de carreira que se encontrem na primeira posição da primeira categoria da tabela

remuneratória tenham progressões similares às dos profissionais que ora iniciaram carreira. Mas não é a parte

dos profissionais em início de carreira que está mal, Sr.as e Srs. Deputados.

Lembro ainda que, também desde setembro de 2019, os profissionais que integram esta carreira deveriam

ter passado das 40 horas para as 35 horas semanais de trabalho, mas alguns profissionais, por terem vínculo

laboral de contrato individual de trabalho, ainda se encontram em regimes de 40 horas semanais, criando uma

situação de clara injustiça e desigualdade.

A verdade, Sr.as e Srs. Deputados, é que tem havido um adiar da resolução dos problemas destes

profissionais por parte do Governo, com efetivas perdas em matéria de salário e ao nível do reconhecimento

profissional.

Aquilo que o PAN faz, hoje, é recomendar ao Governo que resolva todas as desigualdades que este processo

tem gerado e que, de facto, se comprometa com a valorização efetiva destes profissionais, regularizando as

suas carreiras com justiça salarial e igualdade dentro da função pública.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa,

do Grupo Parlamentar do CDS-PP.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A propósito do projeto de lei

apresentado nesta iniciativa legislativa de cidadãos, das iniciativas legislativas do BE, do PCP e do PAN a ele

associados e desta discussão que aqui ocorre, gostava de começar por percorrer alguns pontos que me parecem

fundamentais.

No SNS trabalharão, sabemos, cerca de 8000 técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica, que é uma

designação que abrange profissionais de muitas áreas diferentes, como as ciências biomédicas, laboratoriais,

imagiologia, radioterapia, reabilitação, visão, audição, saúde oral e por aí em diante. São muitas pessoas que

se distribuem por múltiplas funções mas que estão, todas elas, inseridas na mesma carreira especial.

Em 2015, o Governo PSD/CDS-PP deixou um processo de revisão desta carreira praticamente concluído, e

fê-lo em negociação com os TSDT, na altura denominados apenas de técnicos de diagnóstico e terapêutica.

Entretanto, houve eleições, o Governo do PS optou por deixar este processo na gaveta durante quase dois

anos e só em 2017 publicou o Decreto-Lei n.º 111/2017, que veio estabelecer, então, o regime legal desta

carreira especial de técnico superior das áreas de diagnóstico e terapêutica e os requisitos de habilitação à

profissão.

Só que este Decreto-Lei não especificava nem as regras de transição para esta nova carreira nem as

respetivas condições remuneratórias. Portanto, foram precisas novas negociações. Mas, como não se

vislumbrou acordo, o Governo decidiu interromper, unilateralmente, as negociações e publicou, em fevereiro do

ano passado, o Decreto-Lei n.º 25/2019.

Este processo descrito até aqui aconteceu com variadíssimas outras carreiras especiais, que

recorrentemente discutimos neste Plenário. Portanto, há uma maneira de proceder do Governo que não é neutra

para o ponto em que nos encontramos hoje.

O que é que acontece neste caso específico? Muito sumariamente, os sindicatos — e também a exposição

de motivos desta iniciativa legislativa de cidadãos — alegam que as disposições do decreto-lei do ano passado,

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o tal Decreto-Lei n.º 25/2019, colocam mais ou menos 90% destes profissionais na base da carreira, causando

retrocessos na sua progressão e, claro, retrocessos salariais.

Como já aqui foi dito, na anterior Legislatura este decreto-lei foi alvo de apreciação parlamentar, apresentada

por parte do BE, do PCP e do PSD. Depois o PSD acabou por retirar as suas propostas e as propostas do Bloco

de Esquerda e do PCP acabaram, sim, por ser chumbadas, com os votos contra do PS e a abstenção do PSD

e do CDS.

O Sr. João Dias (PCP): — Exatamente!

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — E porquê? Este é o ponto fundamental. O CDS mantém a posição

dessa altura, como tem mantido — foi o caso, por exemplo, há 15 dias, no dia 18 de junho, quando falámos

sobre os enfermeiros, numa situação muito parecida —, pela mesma razão, que é a seguinte: só o Governo,

volto a dizê-lo, é que tem toda a informação para poder, por um lado, negociar com os sindicatos e com as

estruturas representativas e, por outro lado, tomar decisões sustentáveis, do ponto de vista orçamental, e

equitativas entre carreiras.

Portanto, se o Governo cria problemas com o seu mau princípio negocial — porque, entretanto, decide bater

com a porta e não leva as negociações até ao fim — e deixa que se criem injustiças, cabe ao Governo resolvê-

las, não a este Parlamento.

Gosto sempre imenso destas posições do BE e do PCP, que vêm aqui…

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.

O Sr. João Dias (PCP): — Foi o Governo que fechou as negociações, unilateralmente!

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Vou terminar, Sr.ª Presidente.

Como dizia, gosto sempre imenso destas posições do BE e do PCP, que vêm criar grandes expectativas mas

depois, quando chega a hora de aprovar os Orçamentos, estas são sempre questões menores e as coisas lá

passam, sem grande problema.

Em todo o caso, termino, Sr.ª Presidente, dizendo apenas isto: no último debate que aqui tivemos, com a

apreciação parlamentar, o PS acabou a dizer que, naturalmente, estaria disponível para continuar estas

negociações. É só cumprir a palavra dada.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado José Luís Ferreira,

do Grupo Parlamentar do PEV.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As primeiras palavras são para,

em nome de Os Verdes, saudar os milhares de cidadãos que fizeram uso deste importante instrumento da nossa

democracia, que se quer participada, que é o direito de iniciativa legislativa de cidadãos.

O envolvimento dos cidadãos no processo legislativo é, para Os Verdes, sempre saudável e merece, desde

logo, o nosso reconhecimento, sobretudo quando as pretensões dos cidadãos são mais que justas, como é o

caso.

De facto, já há mais de 20 anos que os técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica têm vindo a lutar

para verem reconhecida a importância do trabalho que desenvolvem, as suas habilitações e o seu importante

contributo para o funcionamento do Serviço Nacional de Saúde. E a única forma de se proceder devidamente a

esse justo reconhecimento exige, antes de mais, a revisão da carreira destes profissionais.

Com efeito, apesar de os técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica andarem há mais de 20 anos a

chamar a atenção para a necessidade de reparar esta injustiça, a verdade é que só em 2017 foram publicados

os diplomas sobre o regime da carreira destes profissionais. Mesmo assim, foi ainda necessário esperar mais

dois anos para sair o diploma que viria a definir os critérios de transição e a tabela remuneratória.

Sobre este diploma — estamos, portanto, a falar do Decreto-Lei n.º 25/2019 —, importa recordar que, ao

contrário do que seria desejável, este resulta de uma imposição do Governo e não do resultado de negociações

com os trabalhadores, porque o Governo rompeu as negociações e avançou sem ouvir os trabalhadores.

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Para além disso, este lapso de tempo que mediou a publicação dos diplomas de 2017, sobre as carreiras, e

o diploma de 2019, que veio definir os critérios de transição e a tabela remuneratória, viria a provocar gritantes

injustiças, desde logo porque o descongelamento das carreiras que se verificou desde 2018 foi feito tendo por

base a antiga carreira e não a atual, uma vez que a transição e a tabela remuneratória não estavam ainda

definidas. Ou seja, o Governo não estabeleceu normas de transição para a nova carreira e os trabalhadores é

que ficaram penalizados, uma vez que o descongelamento impediu a valorização a que estes profissionais

tinham efetivamente direito. Depois, a generalidade dos técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica

transitaram para a primeira categoria, mesmo aqueles profissionais com mais de 25 anos de trabalho, porque,

mais uma vez, o Governo não assegurou a integração nas três categorias que dão corpo à carreira, algo que

deveria ter acautelado nas normas de transição.

Face ao quadro traçado, impõem-se respostas que garantam o respeito pelos direitos destes profissionais,

sobretudo a valorização e a progressão das carreiras, com níveis de remuneração adequados.

Nesse sentido, Os Verdes votarão a favor de todas as iniciativas em discussão que, a nosso ver, venham

contribuir para remover as injustiças que continuam a recair sobre os técnicos superiores de diagnóstico e

terapêutica.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada não inscrita

Cristina Rodrigues.

A Sr.ª Cristina Rodrigues (N insc.): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os sucessivos atrasos no

processo de revisão da carreira dos técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica penalizaram gravemente

estes profissionais. Por um lado, levaram a que o processo de descongelamento tivesse ocorrido com base nas

antigas carreira e estrutura remuneratória e com regras diferentes de instituição para instituição, porque não

existia ainda um diploma que estabelecesse a transição dos profissionais. Por outro lado, o regime que veio a

ser aprovado desconsiderou os profissionais com maior antiguidade, os quais foram colocados quase na sua

totalidade ao nível daqueles que estão a iniciar a carreira. Falamos de profissionais com 15 a 20 anos de

trabalho, que tanto dão ao SNS e cujo conhecimento e experiência acumulados ao longo dos anos foi

desconsiderado.

Por isso, acompanhamos os subscritores desta iniciativa legislativa de cidadãos na necessidade de rever

esta carreira e agradecemos o seu trabalho. Deve, assim, ser garantido que todo o tempo de serviço releve para

efeitos de progressão e alteração da posição remuneratória, deve ser fixada uma nova tabela salarial e deve ser

efetuado o correto descongelamento da carreira, independentemente do vínculo laboral.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Carla Borges, do

Grupo Parlamentar do PSD.

A Sr.ª Carla Borges (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Neste momento em que as carreiras

dos profissionais de saúde vêm novamente a discussão neste Parlamento, saúdo, em nome do PSD, todos os

profissionais deste setor, agradecendo-lhes, de forma penhorada, toda a abnegação demonstrada no combate

a esta pandemia e todo o profissionalismo, colocando, muitas vezes, a sua vida e a vida dos seus familiares em

causa, enquanto lutavam dia após dia pela saúde de todos nós.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Muito bem!

A Sr.ª Carla Borges (PSD): — Cumprimento os vários grupos parlamentares e o grupo de cidadãos que hoje

trazem iniciativas a discussão.

Gostaria de dizer, em nome do PSD, que a dignificação de um setor profissional, bem como a valorização

das carreiras e o reconhecimento das suas necessidades, faz-se com compromissos sérios. Por assim o

entender, o PSD apresentou, na anterior Legislatura, um projeto de resolução que visava assegurar a realização

de um estudo prévio que avaliasse os termos da revisão da carreira especial de técnico superior das áreas de

diagnóstico e terapêutica.

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Mas não foi só na anterior Legislatura que fizemos provas das nossas intenções. Bem recentemente, foi

aprovada, por unanimidade, nesta Assembleia, a proposta do PSD de atribuição de um prémio de desempenho

aos trabalhadores do Serviço Nacional de Saúde. Mas, pasmem-se, em pouco mais de 15 dias é evidenciada,

na Casa da democracia, a falta de diálogo entre o Governo e os trabalhadores do setor da saúde, bem como

compromissos não cumpridos. É caso para dizer, Sr.as e Srs. Deputados, que este Governo teria assumido uma

atitude muito mais responsável se, ao invés de oferecer jogos de futebol, agendasse reuniões com os sindicatos

e representantes dos trabalhadores e concretizasse compromissos.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Nem mais!

A Sr.ª Carla Borges (PSD): — Mais uma vez, o Governo não cumpre metas e não cumpre prazos, prazos

não só estabelecidos em negociação sindical mas também previstos na própria legislação.

Infelizmente, este é mais um capítulo da mesma novela. Senão, vejamos: o Governo, pela mão do então

Ministro Mário Centeno, assumiu o compromisso de apresentar um estudo de impacto económico e financeiro

das várias medidas implementadas…

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Bem lembrado!

A Sr.ª Carla Borges (PSD): — … e foi com base neste compromisso, assumindo-o como um ato de boa-fé,

que o PSD viabilizou várias propostas apresentadas pelo Governo. Mas o compromisso não foi cumprido e a

boa-fé do mesmo foi quebrada, o que impele o PSD para uma necessária reavaliação da situação.

Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Afirmámos recentemente, nesta Assembleia, que cabe ao Governo

resolver matérias como esta, pela sua especificidade, complexidade, densidade técnica e orçamental, estando

a resolução das mesmas ao seu alcance, devendo fazê-lo sempre em sede de concertação social. No entanto,

a questão foi trazida a esta Assembleia e, nestes termos, devemos pronunciar-nos sobre ela.

O PSD sabe bem da exigência da matéria que hoje apreciamos. Sabe bem da sua exigência técnica, das

suas especificidades e também da sua transversalidade a outras áreas profissionais, não só dos setores da

saúde e da administração pública mas também do setor privado.

Da parte do PSD, os trabalhadores poderão contar com empenho na defesa da resolução dos seus

problemas, com sentido de responsabilidade e de justiça.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Carla Borges (PSD): — Já vou concluir, Sr.ª Presidente.

Acompanhamos, por isso, com interesse e preocupação as várias situações de injustiça e de falta de

equidade que nos são reportadas, no que se refere à necessidade de alterar e de corrigir alguns aspetos do

atual pacote legislativo.

Considera, pois, o PSD que a introdução de possíveis correções deve ser ponderada numa plataforma de

equilíbrio entre a correção do pacote legislativo e o seu correspondente valor financeiro, tornando-a sustentável

social e financeiramente, devendo, para tal, serem feitas em breve.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Muito obrigada, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Carla Borges (PSD): — Termino já, Sr.ª Presidente, dizendo que, neste momento, está nas mãos do

Governo a resolução destas questões, mas sublinho que terá de fazê-lo em breve.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alexandra Tavares

de Moura, do Grupo Parlamentar do PS.

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A Sr.ª Alexandra Tavares de Moura (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por

cumprimentar, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, os 20 000 cidadãos que subscreveram a

iniciativa legislativa que discutimos hoje. Aproveito esta oportunidade para deixar a estes profissionais um

agradecimento muito especial, em nome de todos nós, pela enorme dedicação nas suas vidas profissionais e

para lembrar a sua importância neste momento de combate à COVID-19.

A este projeto de lei, juntam-se também dois projetos de lei, do Bloco de Esquerda e do PCP, bem como um

projeto de recomendação do PAN, que convergem em sentido semelhante à iniciativa legislativa dos cidadãos.

Queria deixar claro que, na última Legislatura, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista esteve ao lado

destes profissionais, garantindo, assim, que fosse possível fazer, efetivamente, a revisão das carreiras, há muito

almejada.

A Sr.ª Hortense Martins (PS): — Bem lembrado!

A Sr.ª Alexandra Tavares de Moura (PS): — Foi o Governo do Partido Socialista que o fez, 20 anos depois,

como já hoje foi recordado.

Quando falamos de carreiras, não falamos exclusivamente destas carreiras, falamos de todas. Falamos da

necessidade imperiosa de garantir a revisão e a adequação de cada uma das carreiras, numa lógica transversal

e global. Esse é um objetivo muito claro do Programa de Governo: «Concluir a revisão das carreiras não revistas,

com uma discussão transparente e baseada em evidências, para harmonizar regimes, garantindo a sua

sustentabilidade (…)».

Finalmente, foi publicado, em agosto de 2017, tal como já foi lembrado, o decreto-lei que garantiu o processo

de revisão das carreiras especiais da saúde e que, como todos sabemos, constituía uma necessidade no quadro

mais amplo da reforma da Administração Pública. Com esta revisão, conseguiu-se, efetivamente, garantir, no

contexto do exercício profissional e da evolução académica, que fosse revisto o perfil de competências e dos

conteúdos funcionais.

Sr.as e Srs. Deputados, este Decreto-Lei determinava, ainda, que o recrutamento para os postos de trabalho

no âmbito desta carreira, incluindo a mudança de categoria, se efetuasse mediante procedimento concursal,

cujos requisitos de candidatura e tramitação foram regulados por portaria dos membros do Governo

responsáveis pelas áreas da administração pública e da saúde, no passado mês de junho. Podendo esta via

não ser a mais rápida para garantir a reposição de todos os técnicos superiores, é a via prevista no Decreto-Lei,

tendo finalmente sido dado o pontapé de saída para a regularização necessária.

A Sr.ª Hortense Martins (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Alexandra Tavares de Moura (PS): — Finalmente, gostaria de dizer à Sr.ª Deputada do PSD Carla

Borges que, embora tenha referido que o PSD sabe da exigência, se esqueceu dela ao longo dos anos que

esteve no Governo.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Carla Borges (PSD): — Têm de assumir os compromissos que fizeram!

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma curta intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Dias,

do Grupo Parlamentar do PCP.

O Sr. João Dias (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Se o PS, tal e qual como referiu a Sr.ª Deputada

do PS, está ao lado destes profissionais, então, temos agora, nesta Assembleia, uma oportunidade para corrigir

esta tremenda injustiça.

O PCP apresentou uma proposta no sentido de que o descongelamento seja feito com base na atual carreira

e não na anterior, pois não faz sentido fazer o descongelamento pela anterior carreira, o que seria prejudicial a

estes trabalhadores; de que a transição feita pela nova carreira venha a preencher todas as categorias.

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É preciso, também, não esquecer a necessidade de eliminar as quotas de acesso às categorias e, ainda,

Srs. Deputados — fundamental porque se trata de uma injustiça —, que o acesso se aplique a todos os

trabalhadores, independentemente do seu vínculo.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. João Dias (PCP): — Vou concluir, Sr.ª Presidente.

Por isso, o PCP diz que as carreiras profissionais são um elemento central no desenvolvimento profissional

e, neste caso, na qualidade dos cuidados prestados aos nossos utentes.

Aplausos do PCP e do PEV.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Concluímos o oitavo ponto da nossa ordem do dia.

A Sr.ª Secretária Maria da Luz Rosinha vai fazer dar conta da apresentação de projetos de resolução que

deram entrada na Mesa.

Tem a palavra, Sr.ª Secretária.

A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e

dizem respeito ao próximo ponto da nossa ordem de trabalhos, os Projetos de Resolução n.os 559/XIV/1.ª (BE),

560/XIV/1.ª (PCP), 562/XIV/1.ª (CDS-PP), 563/XIV/1.ª (IL) e 567/XIV/1.ª (PEV) — Cessação de vigência do

Decreto-Lei n.º 27/2020, de 17 de junho, que altera a orgânica das comissões de coordenação e

desenvolvimento regional.

É tudo, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Muito obrigada, Sr.ª Secretária.

Vamos, então, passar ao nono ponto da nossa ordem de trabalhos, que consiste na apreciação do Decreto-

Lei n.º 27/2020, de 17 de junho, que altera a orgânica das comissões de coordenação e desenvolvimento

regional [Apreciações Parlamentares n.os 21/XIV/1.ª (PSD), 22/XIV/1.ª (BE) e 23/XIV/1.ª (PCP)].

Para apresentar a Apreciação Parlamentar n.º 21/XIV/1.ª, do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos

Peixoto.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra da Modernização do Estado e da Administração

Pública, Srs. Secretários de Estado da Descentralização e da Administração Local e dos Assuntos

Parlamentares: Este processo de eleição, em vez de nomeação, dos presidentes e vice-presidentes das CCDR

(comissões de coordenação e desenvolvimento regional) está mergulhado nalguns equívocos e, por isso, o PSD

quis aqui discuti-lo. Esses equívocos são tão reais que a intenção do Governo é, para muitos, tudo e o seu

contrário.

Para o Primeiro-Ministro, destina-se «a dar confiança aos cidadãos para os passos seguintes», sem

especificar, contudo, quais são esses passos e, num enigma próprio de quem parece não pôr todas as cartas

na mesa, não sabemos bem qual é a intenção do Governo relativamente àquilo que pretende com este diploma.

Para algumas das forças políticas representadas no Parlamento, o Decreto-Lei já é uma regionalização

encapotada, mas, para outras, é um travão à regionalização, exatamente o contrário daquilo que se diz do outro

lado.

Portanto, Sr.ª Ministra, como já viu, há teses para todos os gostos. Como há teses para todos os gostos, para

se evitarem estas derivas, acho que era importante que o Governo dissesse, desde já, para aquilo que vem,

sem reservas mentais e sem agendas escondidas. O Governo tem de esclarecer, às claras e para memória

futura, se verdadeiramente o que pretende com este Decreto-Lei é abrir o caminho para a regionalização ou,

definitivamente, fechá-lo, porque acha que o que fez já está bem feito e já é suficiente.

Sr.ª Ministra, para o PSD, este Decreto-Lei não é nem uma coisa nem outra. É um Decreto-Lei morno, que

não aquece nem arrefece. Portanto, se tudo ficar como está, temos quase a certeza de que a adoção de reformas

que potenciem a coesão social e territorial do País ficará, mais uma vez, na gaveta.

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Ainda assim — queria frisar este ponto —, é difícil estar contra um sopro, ainda que ligeiro, de

democraticidade de uma eleição. É difícil estar contra isso. Por isso, a eleição de dois dos elementos das CCDR

não é nenhum abcesso, nem nenhum absurdo e, como não o é, o PSD acha bem introduzir algumas propostas

de alteração que transformam o Decreto-Lei e o tornam bem mais equilibrado e equitativo.

Quais são essas propostas? A primeira tem uma regra e uma exceção. A regra é a de que o sufrágio e as

escolhas sejam feitos por autarcas no início de mandato e não no fim, ou seja, as eleições para as CCDR e as

eleições autárquicas têm de andar mais ou menos a par, porque não faz sentido que autarcas em fim de mandato

vinculem autarcas em início de mandato e logo durante quatro anos. A exceção a esta regra é a de que, neste

ano de 2020 e só neste ano, se possam fazer eleições para as CCDR neste modelo, porque temos de assegurar

com eficácia e eficiência o cumprimento, a preparação e a organização destas entidades para tratarem dos

fundos comunitários e para gerirem o dinheiro que por aí vem. Por isso, Sr.ª Ministra, a primeira alteração que

propomos é esta.

A segunda tem a ver com o facto de o Governo não poder aparentar que dá com uma mão, apoiando uma

eleição, e, depois, tira com a outra, porque tem poderes quase ilimitados, um poder absoluto e irrestrito, de tipo

golden share, para demitir e substituir quem for eleito. Por isso, estreitámos, também nas nossas propostas,

essa prerrogativa.

A terceira é mais simples: há regras de procedimentos e de candidaturas que, na nossa ótica, deverão ficar

para regulamentação posterior, a realizar no prazo de 30 dias.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Concluo já, Sr.ª Presidente.

Em suma, o PSD não é favorável à revogação do diploma, admitindo a sua aprovação, mas com estas

alterações que o tornem mais razoável. Será, pois, o Governo e o PS que terão de decidir o seu destino.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para apresentar a Apreciação Parlamentar n.º 22/XIV/1.ª, do Bloco de

Esquerda, tem a palavra o Sr. Deputado José Maria Cardoso.

O Sr. José Maria Cardoso (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra e restante equipa ministerial, Sr.as e Srs.

Deputados: Estamos aqui para discutir e para apreciar o Decreto-Lei n.º 27/2020, de 17 de junho, que altera a

orgânica das comissões de coordenação e desenvolvimento regional.

Terei algumas críticas, em jeito de consideração, sob o ponto de vista processual, mas também sob o ponto

de vista estrutural.

Estamos a falar de CCDR, organismos periféricos da administração central, órgãos desconcentrados do

Estado, dependentes dos ministérios das áreas da coesão territorial, do ambiente e das autarquias locais que

gerem fundos comunitários e que prestam apoio técnico às autarquias e às associações de desenvolvimento

regional. Com este Decreto-Lei, corremos sérios riscos de partidarizar todo este modo de funcionamento. Toda

a narrativa da argumentação e da exposição de motivos que sustentam as razões do Decreto-Lei são no sentido

da, e cito, «legitimidade democrática a nível regional, em que todos se vejam representados». Compare-se esta

generosa intenção com a astúcia das medidas constantes do documento em apreço.

Um, eleição do presidente por um colégio eleitoral composto por autarcas eleitos da área territorial abrangida

pela comissão. Nenhum autarca foi eleito com a atribuição desta competência e, por tal razão, não representa

a população para esta votação. Por isso, a eleição distorce a legitimidade democrática de um sufrágio direto e

universal.

Dois, mesmo partindo do princípio da representatividade dos autarcas, como é afirmado no documento, este

argumento também se torna inválido e ilegítimo porque o Decreto-Lei aponta para uma eleição no decorrer do

mês de setembro, precisamente a um ano das eleições autárquicas, que, com certeza, alterará o quadro político-

partidário dos eleitos. Pode dar-se o caso de termos um presidente eleito por autarcas que, em três dos quatro

anos do seu mandato, não seja do agrado do colégio eleitoral nem se reveja em quem o elegeu.

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Três, é elegível qualquer cidadão, sendo a única premissa pessoal o grau de licenciatura, mas com um

grande condicionante: a candidatura tem de ser proposta, pelo menos, por 10% dos membros do colégio

eleitoral.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — É pouco!

O Sr. José Maria Cardoso (BE): — Tomemos como exemplo a CCDR Norte, com oito regiões no NUTS

(Nomenclatura das Unidades Territoriais para Fins Estatísticos) de nível III, 86 concelhos, 1420 freguesias, o

que corresponde a um colégio eleitoral à volta de 4380 eleitores, em que 10% correspondem a 438 subscritores.

Estamos a falar de um colégio eleitoral viciado, de fidelidade partidária. Quem tem condições para promover a

candidatura? O PS ou o PSD. Esta entorse à democracia que, efetivamente, retira a capacidade eletiva a quem

não estiver a coberto dos partidos maioritários, para nós, Bloco de Esquerda, consubstancia uma hipotética

inconstitucionalidade.

Quatro, todo o processo de auscultação às bases autárquicas, como o grande trunfo democrático, cai por

terra com o artigo 3.º-I, n.º 2, alínea d): «Os mandatos do presidente e dos vice-presidentes cessam por

deliberação do Governo, mediante resolução do Conselho de Ministros (…)». Esta é uma visão centralizadora

do exercício do poder que, em nome da hipotética descentralização, amarra os autarcas eleitores ao espírito

dessa visão.

Cinco, no caso dos vice-presidentes que é apontado como eleição, num caso não passa de uma indicação

do presidente de câmara, numa espécie de luta fratricida pela maioria partidária, no outro, estamos perante um

arranjo ministerial com nomeação a partir da Ministra da Coesão.

Para além destas críticas pontuais ao Decreto-Lei, que configuram uma perspetiva distorcida de poderes

intermédios e de configuração de poder das autarquias locais, cultivando regimes presidencialistas — cada vez

mais notórios nos municípios e agora a aplicar nas CCDR —, está em causa uma interpretação redutora de não

efetivação de algo que está consagrado na Constituição de 1976, que é a regionalização. Esta visão

compartilhada entre o Governo e o Presidente da República tem vindo a ser politicamente acertada. Foi muito

evidente em novembro, aquando do congresso da Associação Nacional de Municípios, onde o Sr. Presidente

da República deu o mote dizendo que não se pode dar um passo maior do que a perna e que o povo português

não está preparado e o Sr. Primeiro-Ministro, no discurso de encerramento, fechou as expetativas dos autarcas,

anunciando a eleição das CCDR, que aqui estamos a discutir, como um passo para a regionalização.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. José Maria Cardoso (BE): — Termino já, Sr.ª Presidente.

Sejamos claros: a regionalização não está na agenda do Governo nem na do Presidente da República. É a

Sr.ª Ministra que afirma taxativamente: «O que estamos a falar é da alteração da forma de designação do titular

de um serviço da administração direta do Estado, para garantir uma legitimidade acrescida; e outra coisa é a

regionalização».

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. José Maria Cardoso (BE): — O Sr. Presidente da República diz o mesmo e é exatamente por

considerarmos que isto é um embuste que tem por intenção encapotar a regionalização que requeremos, com

o projeto de resolução, a cessação de vigência do presente Decreto-Lei.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para apresentar a Apreciação Parlamentar n.º 23/XIV/1.ª, do PCP, tem

a palavra a Sr.ª Deputada Paula Santos.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O PCP

traz a debate a apreciação parlamentar do decreto-lei que altera a orgânica das comissões de coordenação e

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desenvolvimento regional, porque o País não precisa de uma nova forma para designar o presidente e os vice-

presidentes das CCDR.

De facto, o País precisa — as regiões e as populações também o defendem — de um avanço para o processo

da regionalização, tal como a nossa Constituição da República prevê e que, ao longo de todas estas décadas,

tem sido sucessivamente adiado pelo PS, pelo PSD e pelo CDS. Nunca é o momento, mas a verdade é que

nunca há vontade política para dar concretização a este desiderato colocado pela nossa Constituição.

O chamado «processo de democratização das CCDR», como o Governo quis designá-lo, insere-se numa

estratégia da qual, ao longo dos anos, vários Governos se têm socorrido para iludir o cumprimento da nossa

Constituição. Esta é uma estratégia que já teve outros instrumentos, como são exemplo as comunidades

urbanas e as comunidades intermunicipais, e que se centra na tentativa de apresentar um processo de

democratização das CCDR, como é dito, como parte de um processo de descentralização que, de facto, se quer

impedir. Procura confundir-se propositadamente «desconcentração» com «descentralização», quando a

verdadeira descentralização se dá, de facto, com a regionalização e com a criação de regiões administrativas.

Sr.ª Ministra, as CCDR não são autarquias e não é pelo facto de o seu presidente passar a ser eleito entre

autarcas que são eleitos que passarão a ser autarquias. Estas não passarão a ser autarquias e continuarão a

ser estruturas desconcentradas da administração central. Esta eleição não altera a sua natureza, nem lhe

confere maior legitimidade relativamente a esta matéria.

Por isso, a questão de fundo que aqui está colocada é, de facto, esta opção. Na nossa opinião, o Governo

não optou, e mal, pela regionalização. A dita «democratização das CCDR» não é nenhum passo para a

regionalização — aliás, a própria criação das CCDR, há cerca de 40 anos, também foi anunciada como sendo

um passo, mas estamos aqui, 40 anos depois, e a regionalização não foi concretizada. Por isso, é claramente

um obstáculo e uma tentativa de impedir a concretização deste objetivo.

Não deixa de ser curioso, porque, na verdade, o que este Decreto-Lei faz é instituir uma nova forma de

designar os dirigentes da administração central, podendo ser por concurso, por nomeação em comissão de

serviço e, neste caso concreto, há um colégio limitado que elege um presidente. O dito «ato democrático»

resume-se a meia dúzia de horas, porque, a partir daí, passa a ser um dirigente da administração central a

responder ao Governo e não a responder aos que o elegeram.

Por isso, consideramos que esta não é a solução e propomos a cessação de vigência deste diploma. Como

o PCP já propôs na Assembleia da República, voltamos a reiterar que é preciso e que temos de avançar para a

criação das regiões administrativas, cumprindo todos os princípios e preceitos que a nossa Constituição prevê.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Cotrim de

Figueiredo, da Iniciativa Liberal.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e

Srs. Deputados: Uma vez mais, e à semelhança do que já tinha feito com a delegação de competências das

autarquias, o Governo quer começar a construir a casa pelo telhado.

Discutir a orgânica das CCDR e, concretamente, a forma de eleição do seu presidente sem fingir sequer que

se está interessado em debater as competências destes órgãos, nem se eles têm, efetivamente, aproximado o

poder das pessoas, é, de facto, começar pelo telhado.

Este Decreto-Lei alega ser um passo para o «processo de descentralização em curso», mas é, na verdade,

apenas uma revisão pífia do esquema de designação de titulares destas CCDR, que são, recorde-se, serviços

e órgãos desconcentrados do Estado central, ou seja, não há aqui descentralização nenhuma.

Depois, qual cereja em cima do bolo, o Estado não abdica do poder, para o qual se dá a si próprio amplos

pretextos, para destituir os que vierem a ser eleitos, sem sequer estar previsto um prazo para uma nova eleição.

Centralismo no seu melhor ou, diriam outros, no seu pior.

A discussão sobre a descentralização tem girado sempre à volta dos temas errados, o tal telhado da casa —

organismos, titulares, mordomias —, em vez da discussão sobre os alicerces, isto é, o poder de decisão, as

competências desses órgãos e os recursos a serem transferidos pelo Estado central para o mais próximo

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possível das pessoas. É isso a descentralização e é isso que, segundo o próprio preâmbulo, vai acontecer num

segundo momento, ou seja, será atirado para as calendas gregas.

Vou terminar, Sr.ª Presidente, dizendo o seguinte: mais uma vez, o Governo socialista opta por fazer

alterações em cima das eleições autárquicas para favorecer as clientelas — só pode! Os interesses eleitorais

do PS estão sempre à frente dos interesses reais dos portugueses.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira,

do Grupo Parlamentar de Os Verdes.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: O Governo, através do diploma que

agora apreciamos, veio alterar a orgânica das comissões de coordenação e desenvolvimento regional.

Sucede que a base da fundamentação que norteou o Governo na construção deste diploma assenta em

pressupostos errados. Vejamos: olhar para este diploma como um passo no sentido de dar corpo ao processo

de regionalização não é de quem não sabe do que fala, porque o Governo sabe muito bem que isto nada tem a

ver com a regionalização. É, sim, de quem, intencionalmente ou não, acaba por confundir as pessoas com a

confusão deliberada entre dois conceitos muito distintos.

Bem sabe o Governo que a desconcentração nada tem a ver com o processo de descentralização do País.

Desconcentrar e descentralizar são conceitos com uma natureza e um alcance muito distintos, como muito

bem sabe o Governo.

Aliás, esta técnica, de procurar pretextos para ir adiando o processo de regionalização do País, não é nova.

Foi, de resto, com esse propósito que foram criadas as CCDR.

E, agora, com o designado «processo de democratização das CCDR», o propósito vai no mesmo sentido, o

de procurar fugir ao cumprimento das regras constitucionais relativas ao processo de criação de regiões

administrativas.

Na verdade, por mais voltas que se pretendam dar ou novas roupagens que lhes procurem vestir, as CCDR

não deixam, por isso, de continuar a ser organismos da administração central, porque assim decorre da sua

própria natureza jurídica.

Basta, de resto, atender ao facto de o próprio diploma do Governo estabelecer a eleição dos presidentes das

CCDR, que é feita pelo universo dos eleitos locais respetivos, mas estabelecer, ao mesmo tempo, a faculdade

de o próprio Governo poder destituir, sem quaisquer limitações, os mesmos presidentes que entretanto foram

eleitos.

Para além disso, nos termos do diploma, um dos vice-presidentes de cada CCDR também é indicado pelo

Governo.

Ou seja, por mais operações de maquilhagem que se pretenda fazer, estaremos sempre a falar de

desconcentração e não de descentralização. Estaremos sempre a falar de estruturas da administração central.

Mas, para além destes importantes aspetos de natureza política, também ficamos com a ideia de que o

Governo avançou sem ouvir ninguém.

Por exemplo, ainda hoje recebemos as preocupações da Comissão Nacional Portuguesa do Conselho

Internacional dos Museus, que nos deu conta de que, com este diploma, vão ser extintas as direções regionais

de cultura para serem integradas nas CCDR, mas que, até ao momento, não têm qualquer informação do

Ministério da Cultura sobre como e quando será regulamentada esta transição.

Ora, muito provavelmente, o que está a acontecer ao nível da cultura está a repetir-se a outros níveis que

estão também envolvidos nesta transferência de competências.

Para terminar, queria dizer que, na perspetiva de Os Verdes, o que se impõe para potenciar o

desenvolvimento regional e combater as assimetrias regionais é avançar com o processo de criação das regiões

administrativas, nos exatos termos constitucionalmente previstos.

Por isso, Os Verdes acompanham as apreciações parlamentares que hoje aqui fazemos e apresentam

também uma iniciativa legislativa para fazer cessar a vigência do Decreto-Lei n.º 27/2020, de 17 de junho.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Meireles,

do Grupo Parlamentar do CDS-PP.

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A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra, Sr.as e Srs. Deputados: Enquanto

aprovamos medidas excecionais para as autarquias originadas pela pandemia, a qual, infelizmente, está longe

de terminada, o Governo decidiu avançar para a eleição indireta dos presidentes das CCDR por um colégio

eleitoral composto por eleitos locais, isto é, presidentes de câmara, vereadores e eleitos em assembleias

municipais.

Ora, esta legislação tem dois problemas muito graves. O primeiro é que deixou parada e «em águas de

bacalhau» a verdadeira descentralização e a transferência de competências para as autarquias, que está muito

longe de estar feita — está muito longe de estar feita e tem muito, muito caminho para andar —, apesar das

promessas deixadas pelo anterior Governo. O segundo problema grave é que, de facto, esta legislação só pode

entender-se como sendo um primeiro passo para a regionalização. E, aqui, é preciso falar claro: a nossa

Constituição deixa escrito, preto no branco — e não é uma interpretação, é o que lá está escrito —, que o

primeiro passo para a regionalização tem de ser um referendo. Aliás, esse primeiro passo já foi dado em Portugal

e a regionalização foi chumbada. Os portugueses não quiseram a regionalização.

Portanto, se aquilo que o Governo deseja é caminhar para a regionalização, se é caminhar para órgãos

eleitos, seja diretamente, seja indiretamente, tem um primeiro passo para dar: é propor o referendo. O que o

Governo não pode fazer é tentar fazer na secretaria aquilo que os portugueses ostensivamente rejeitaram nas

urnas.

Portanto, o CDS propôs a cessação de vigência deste documento, que me parece absolutamente lamentável

que tenha sequer surgido. E vejo como principal preocupação que a discussão que, por exemplo, o PSD aqui

quer trazer seja uma discussão sobre detalhes, como se aquilo que aqui estivéssemos a discutir fossem

detalhes.

Assim sendo, convinha ficar claro o seguinte: se o que estamos a querer criar, se aquilo que o Governo

pretende criar são órgãos técnicos, então, são regiões e isso tem de ser precedido de referendo. Se o que se

pretende ter é um órgão técnico — um órgão que trate de aplicar e gerir o dinheiro —, então o que deveríamos

estar aqui a discutir era um modelo de concurso para escolher os mais competentes. Mas desde quando é que,

para órgãos técnicos, é preciso uma escolha política e uma eleição política?! Isso não faz qualquer sentido.

Então, só posso achar que, de três, uma: ou os Srs. Deputados e quem é a favor deste diploma quer a

regionalização e, então, mais vale aprovar a cessação de vigência e ir por esse caminho, que tem de envolver

um referendo; ou aquilo que se pretende é ter as pessoas mais competentes possível nas CCDR e, então,

vamos discutir modelos de concurso para técnicos, para profissionais, em que se avalie os curricula; ou, então,

a discussão que estamos verdadeiramente aqui a ter e que, quer o Governo quer o PSD, querem ter é sobre —

e vou dizer a expressão em inglês porque ela é comummente conhecida em inglês — os jobs for the boys.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Vou concluir, Sr.ª Presidente.

E é só isso que pode explicar o facto de o PSD estar a discutir, no meio de tudo isto, o momento, a data da

eleição e também pretender — será que li bem?! — que o requisito da licenciatura desapareça. Então, os

técnicos que vão gerir o dinheiro comunitário não têm sequer de ser licenciados?!

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Ventura.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr.ª Presidente, a proposta que nos é trazida aqui hoje é um primeiro passo,

segundo o próprio Sr. Primeiro-Ministro, para a regionalização, regionalização essa que foi chumbada pelos

portugueses. Mas como o seu candidato a Presidente da República já disse que isso só será possível com

referendo, arranjaram outra forma, um pouco mais airosa, de a trazer aqui ao Parlamento, através da eleição

indireta das CCDR.

Mas era também importante perceber o que efetivamente está em causa, porque não há uma única alteração

de competências nos presidentes das CCDR. O que está em causa é, pura e simplesmente, um modelo eletivo

de fantoche para dar um passo que os portugueses já rejeitaram.

Mas, mais, querem fazê-lo em setembro, quando sabem bem que, muito provavelmente, as eleições

autárquicas do próximo ano não vos vão favorecer. Portanto, nada como colocar já os presidentes das CCDR

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em marcha, não venha aí uma avalancha eleitoral igual àquela que derrubou José Sócrates em 2011, porque aí

já teremos as pessoas nos lugares.

Não é assim que se faz. E este Parlamento não o deve permitir, porque o que querem é pôr pessoas nos

lugares antes das eleições.

Para os mais desatentos, devo dizer que este documento prevê uma coisa extraordinária: a possibilidade de

o Governo destituir os presidentes das CCDR.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. André Ventura (CH): — Vou concluir, Sr.ª Presidente.

Ou seja, não tomam parte na eleição, não os escolhem na eleição, mas podem destituí-los depois de serem

eleitos. Haverá maior atentado à democracia do que este? Não há!

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Bebiana Cunha,

do Grupo Parlamentar do PAN.

A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs.

Deputados: Uma vez que o PAN não tem a possibilidade de pedir uma apreciação parlamentar, saudamos,

desde já, as apreciações parlamentares do PCP, do BE e do PSD, que permitem que esta reforma estrutural

seja debatida neste Parlamento, algo que o Governo não propôs.

Lembramos que a democratização da governação territorial e das CCDR é uma promessa eleitoral do Partido

Socialista que, desde 2015, estava por concretizar. Reconhecemos méritos à proposta, como os de legitimar

um alargamento das respetivas competências das CCDR, de incentivar políticas de proximidade e, obviamente,

de trazer claros benefícios no quadro da captação e gestão dos fundos comunitários e da política regional da

União Europeia.

Só que o modo como o Governo decidiu fazê-lo baseia-se num modelo de colégio eleitoral, um modelo para

nós anacrónico, do século XVIII, que serviu numa época em que era difícil haver eleição popular. Repetimos,

esse modelo é anacrónico e já não serve. Foi precisamente este modelo que permitiu que Donald Trump se

tornasse presidente, com menos votos populares do que Hillary Clinton.

O Governo escolhe, então, fazer um caminho do passado, em vez de ousar apostar num modelo progressista

de eleição direta das direções das CCDR. Opta por um modelo em que apenas se elege o presidente

indiretamente por um colégio eleitoral. Opta por escolher os vice-presidentes em acordo com os autarcas. O

Governo escolhe, então, uma democracia de circuito fechado e exclui do ato eleitoral a possibilidade de

participação direta dos cidadãos e das cidadãs. Exclui do ato eleitoral a possibilidade de os cidadãos e as

cidadãs de cada área geográfica decidirem que projeto é o melhor para a sua área geográfica.

Este modelo pode, inclusivamente, potenciar grandes conflitos internos entre presidentes e vice-presidentes

e até paralisar as CCDR. O Governo, por sua vez, não abdica do controlo e não confia nos cidadãos e nas

cidadãs. Também não confia nos autarcas, ao contrário do que faz, por exemplo, nas áreas metropolitanas.

Propõe, então, um modelo de democracia tutelada, em que o Governo fica a vigiar se as crianças se estão a

portar bem. Ora, na perspetiva do PAN, este modelo cheira a mofo!

Não se pode chamar democratização territorial a uma solução que se limita a dar uma nova roupagem à já

gasta eternização no poder dos mesmos atores políticos de sempre. Para o PAN, só a eleição direta e a sua

independência do Governo podem garantir que as CCDR e os membros da sua direção atuam com autonomia

e responsabilidade.

No entender do PAN, seria possível uma eleição direta, por exemplo, fazendo-a coincidir com as eleições

autárquicas, onde as pessoas poderiam votar nos projetos para os seus municípios e as suas freguesias, mas

também para uma área mais abrangente correspondente às CCDR. Isto implicaria mais participação dos

cidadãos e das cidadãs nos rumos das políticas de proximidade.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Vou concluir, Sr.ª Presidente.

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Por isso mesmo, o PAN apresenta-se neste debate com uma proposta que procura assegurar um caminho

tendente à democratização da governação territorial e está disponível para, em sede de especialidade, fazer

este debate.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Moreira Testa,

do Grupo Parlamentar do PS.

O Sr. Luís Moreira Testa (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs.

Deputados: O tema que nos é aqui trazido, à boleia de apreciações parlamentares, é um tema de singular

importância para o desenvolvimento regional e para a harmonia do desenvolvimento no nosso País.

As CCDR desempenham um papel central no desenvolvimento das regiões, dos concelhos, das freguesias,

por disporem dos meios de financiamento da esmagadora maioria dos projetos desenvolvidos pelas autarquias

locais. E este Governo teve o ensejo de partilhar parte do poder destas organizações com o poder local, que

recorre aos serviços das CCDR para poder promover o desenvolvimento do seu território.

Se outros benefícios não houvesse, bastava este: confiança no poder local para poder partilhar o poder em

função das necessidades reais dos cidadãos e das regiões.

Aplausos do PS.

Contudo, é preciso reafirmar este ponto: nós, no Partido Socialista, somos convictamente favoráveis à

partilha de poder nestas instituições também com os autarcas. É que não basta confiar nos autarcas para umas

coisas e não confiar neles para outras. Por isso, cá estamos a dar também este voto de confiança às autarquias

locais.

Em relação às propostas de alteração que nos são apresentadas, vemos obviamente a possibilidade de

confluirmos numa convergência necessária, a bem deste projeto, projeto este que não pode ser um mero projeto

do Governo ou da maioria do Partido Socialista, tem de ser um projeto nacional, para o qual temos todos de

trabalhar.

É por isso que o papel do Partido Social Democrata ou do Partido Comunista Português, bastante importante

nas autarquias locais, é primordial para o sucesso deste novo ciclo para as CCDR e para o poder autárquico.

Sr.as e Srs. Deputados, a nós, no PS, basta-nos uma coisa: confiarmos no futuro e termos capacidade de

organizar de forma diferente um futuro que queremos melhor.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — O Grupo Parlamentar do PCP ainda dispõe de 29 segundos. A Sr.ª

Deputada Paula Santos deseja intervir para usar estes 29 segundos de que o PCP ainda dispõe.

Tem a palavra.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Desejo, Sr.ª Presidente, mas registo que o agendamento destas apreciações

parlamentares partiu de vários partidos e proponentes. Creio que esta é uma questão que teremos de apurar

depois.

Sr.ª Presidente, relativamente a este processo de alteração da orgânica das CCDR, o Partido Socialista

passa ao lado da questão central. É que a questão central em relação a esta matéria e o que se coloca, de facto,

como necessário, é potenciar o desenvolvimento regional, eliminar as assimetrias, dar poder à população para

fazer as suas opções e participar também com o seu voto de uma forma mais democrática, neste caso concreto

na eleição dos seus representantes a este nível.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Vou terminar, Sr.ª Presidente.

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Não é isto que o Governo, nem o PS estão a colocar em discussão. Diria, a terminar, que a descentralização

e a criação das regiões administrativas têm este poder, também, de aprofundar o regime democrático. Este é

um aspeto central a que esta iniciativa não dá resposta.

Aplausos do PCP e do PEV.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Modernização

do Estado e da Administração Pública.

O Sr. Luís Moreira Testa (PS): — Sr.ª Presidente, peço a palavra.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Luís Moreira Testa (PS): — É para uma intervenção, Sr.ª Presidente, uma vez que ainda disponho de

tempo.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Faça favor, Sr. Deputado, dispõe ainda de 21 segundos.

Peço desculpa, Sr.ª Ministra.

O Sr. Luís Moreira Testa (PS): — Sr.ª Presidente, o Partido Comunista Português tem razão nos argumentos

que apresenta, mas só parcialmente.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Só?!

O Sr. Luís Moreira Testa (PS): — Por uma razão simples, Sr.ª Deputada Paula Santos: parte das premissas

que traz aqui não são as corretas para este debate.

Teremos tempo, oportunidade, razões para discutir outros modelos, mas o modelo que é apresentado pelo

Governo, através do decreto-lei, e sobre o qual fizeram apreciações parlamentares, não é o modelo que a Sr.ª

Deputada pretende discutir.

Protestos da Deputada do PCP Paula Santos.

Portanto, V. Ex.ª terá um problema para resolver…

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Moreira Testa (PS): —… com as proclamações que faz diariamente a favor do espírito autárquico

do Partido Comunista Português.

Protestos da Deputada do PCP Paula Santos.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Faça favor de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Moreira Testa (PS): — A Sr.ª Deputada terá esse problema para resolver, mas não é neste

debate.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem, agora sim, a palavra a Sr.ª Ministra da

Modernização do Estado e da Administração Pública.

Peço-lhe desculpa novamente, Sr.ª Ministra, mas a Mesa não tinha a indicação de que o Sr. Deputado Luís

Testa ainda desejava usar da palavra.

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A Sr.ª Ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública: — Sr.ª Presidente, Srs.

Deputados: As alterações propostas pelo Governo à orgânica das comissões de coordenação e

desenvolvimento regional, aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 27/2020, que se encontra agora em discussão na

sequência de apreciações parlamentares, visam reforçar a governação de proximidade e a legitimidade

democrática a nível regional.

Podendo o Governo, e mantendo a solução legislativa em vigor, nomear os presidentes e os vice-presidentes

das comissões de coordenação e desenvolvimento regional, optou por abdicar desse poder em nome de um

importante avanço na democratização das CCDR. Esta democratização passa pela eleição dos presidentes por

um colégio eleitoral composto pelos eleitos locais de cada área territorial. Este colégio eleitoral é composto pelos

presidentes das câmaras, vereadores, presidentes de assembleias municipais, membros das assembleias

municipais, incluindo presidentes de junta de freguesia. Lamentável é dizer-se que quem é eleito é boy.

Naturalmente, este decreto-lei teve o parecer favorável da Associação Nacional de Municípios e da

Associação Nacional de Freguesias. Assim não poderia deixar de ser.

Estas alterações são fundamentais para se dar um passo em frente no sentido da democratização da

governação territorial e é mais um passo na consolidação do processo de descentralização em curso,

estabelecendo uma governação de proximidade baseada no princípio da subsidiariedade com vista a garantir o

interesse dos cidadãos e das empresas.

Estes princípios gerais podem conhecer ajustes, desde que não ponham em causa dois princípios

fundamentais: aprofundar a legitimidade democrática da governação regional e permitir que a nova equipa

diretiva esteja já eleita no momento em que se inicie a gestão do próximo quadro comunitário.

Assim, é fundamental agora avançar com esta alteração para que as novas equipas diretivas estejam em

funções no momento em que dermos início à elaboração e gestão do próximo quadro comunitário.

São estes os propósitos do Governo e não outros. E, em rigor, aquilo que conseguimos com isto é,

efetivamente, reforçar a legitimidade democrática do nosso governo territorial regional.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Concluímos o nono ponto da ordem de trabalhos.

Do décimo ponto, e ao qual não foram atribuídos tempos, consta o Projeto de Lei n.º 186/XIV/1.ª (PSD) —

Segunda alteração ao regime de acesso à informação administrativa e ambiental e de reutilização dos

documentos administrativos, aprovado pela Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, adequando a composição da

Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos ao novo regime de incompatibilidades previsto no

Estatuto dos Deputados.

Passamos, então, ao último ponto da ordem de trabalhos de hoje, que consiste na votação, na generalidade,

da Proposta de Lei n.º 38/XIV/1.ª (ALRAA) – Nona alteração à Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa da

Região Autónoma dos Açores, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 267/80, de 8 de agosto, alterado pelas Leis n.os

28/82, de 15 de novembro, e 72/93, de 30 de novembro, e pelas Leis Orgânicas n.os 2/2000, de 14 de julho,

2/2001, de 25 de agosto, 5/2006, de 31 de agosto, 2/2012, de 14 de junho, 3/2015, de 12 de fevereiro, e 4/2015,

de 16 de março.

Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, esta proposta de lei, que esteve hoje em apreciação.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PSD, do BE, do PAN, do CH e da Deputada

não inscrita Cristina Rodrigues e abstenções do PCP, do CDS-PP, do PEV e do IL.

Baixa à 1.ª Comissão.

Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária Maria da Luz Rosinha vai fazer um anúncio.

A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Sr.ª Presidente, é para informar que esteve presente nesta

sessão, por videoconferência, o Sr. Deputado Sérgio Marques, do Partido Social Democrata, eleito pelo círculo

eleitoral da Madeira.

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A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr.as e Srs. Deputados, amanhã a sessão plenária está marcada para

as 15 horas, constando da ordem do dia um único ponto. Trata-se de uma marcação do PCP sobre o tema «A

política alternativa e a resposta às necessidades do povo português: soberania alimentar, produção e emprego».

Chegámos ao fim da nossa sessão de hoje. Desejo a todos um bom resto de dia.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 26 minutos.

———

Declaração de voto enviada à Mesa para publicação

Relativa à Proposta de Lei n.º 38/XIV/1.ª:

O arquipélago dos Açores, composto por nove ilhas, cada uma com as suas especificidades, que compõem,

em conjunto, a identidade única da Região, tem, neste momento, um dos sistemas eleitorais arquipelágicos mais

aperfeiçoado nos arquipélagos do mundo.

Impôs a dispersidade das ilhas que, para garantir a representatividade efetiva de nove comunidades distintas,

fossem criados nove círculos eleitorais diferentes, elegendo números pares ou ímpares de Deputados por ilha,

conforme a proporcionalidade populacional, com base nos mesmos quocientes de eleição. Um passo

consequente dado foi a criação de um décimo círculo eleitoral, o círculo regional de compensação, que engloba

o remanescente eleitoral de votos que não elegem mandatos, fazendo com que a sua soma fosse garantia de

tradução em mandatos efetivos, ainda que num círculo diferente.

A lei eleitoral da Região Autónoma dos Açores, conferida pela sua autonomia e pelo Estatuto Político

Administrativo da Região, é como deve ser, um aspeto sempre mutável e adaptável conforme evoluem as

sociedades.

Neste momento, o passo proposto é que os açorianos possam votar em mobilidade em qualquer distrito do

País para as eleições da Assembleia Legislativa Regional dos Açores e, consequentemente, na formação de

Governo Regional dos Açores, na sequência do encontro do partido mais votado e que, em consequência,

possam assim votar para escolher o Presidente do Governo Regional dos Açores.

São cerca de 250 000 os residentes nos Açores e com o voto em mobilidade, segundo números avançados,

estarão em condições de votar cerca de 40 000 pessoas deslocadas por motivos de vária ordem.

Assim, para que a ação democrática de sufrágio seja ainda mais abrangente, voto favoravelmente esta

revisão da lei eleitoral dos Açores, primeiro como uma medida de combate aos elevados números da abstenção,

depois porque emana ela própria da Assembleia Legislativa Regional dos Açores. Este não deixa de ser um

passo que aproxima a democracia dos cidadãos e que, futuramente, deve ser ainda mais aprofundada.

Contudo, não posso deixar de registar que será implementada apenas a três meses das próximas eleições

regionais nos Açores, crendo eu que um processo com esta envergadura devia ter começado a ser planeado

com pelo menos seis meses a um ano de antecedência, para que todos os partidos concorrentes o fizessem em

igualdade de circunstâncias e de meios.

Futuramente, e não esquecendo as comunidades açorianas residentes noutros países, maioritariamente o

Canadá e os Estados Unidos, seria de salvaguardar em futuras revisões que essas nossas comunidades

pudessem exercer o mesmo direito que exercem noutras eleições nacionais, também nas regionais, junto às

entidades consulares.

Assim, e esperando também o trabalho final da comissão criada para o efeito, na Assembleia Legislativa

Regional, a Comissão Eventual para a Reforma da Autonomia — CEVERA, e naturalmente desconhecendo

ainda as posições e revisões que futuramente impulsionará no seu relatório final, registo aqui apenas o assunto

que a presente revisão propõe, o voto em mobilidade, sem prejuízo de futuros aprofundamentos neste mesmo

ou noutros assuntos relacionados.

Voto favoravelmente, mas com consciência de que as leis, quando se fazem, devem servir a todos os

cidadãos com a mesma base de critério, neste caso os açorianos, e onde, por este princípio, não deve entrar a

sua dispersão geográfica pelo mundo.

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Assembleia da República, 07 de julho de 2020.

O Deputado do PSD, Paulo Moniz.

(Esta declaração de voto é pessoal, como Deputado eleito pelo PSD à Assembleia da República, não

comprometendo opinião ou posição de qualquer outro Deputado do Grupo Parlamentar do PSD.)

———

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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