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Quinta-feira, 9 de julho de 2020 I Série — Número 73

XIV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2019-2020)

REUNIÃOPLENÁRIADE8DEJULHODE 2020

Presidente: Ex.mo Sr. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues

Secretárias: Ex.mas Sr.as Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha Ana Cristina Cardoso Dias Mesquita

S U M Á R I O

O Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 5

minutos. Deu-se conta da entrada na Mesa da Apreciação

Parlamentar n.º 26/XIV/1.ª, dos Projetos de Lei n.os 467, 471 e 472/XIV/1.ª e dos Projetos de Resolução n.os 558, 561 e 564 a 566/XIV/1.ª.

Ao abrigo da alínea b) do n.º 3 do artigo 64.º do Regimento, procedeu-se a um debate sobre «A política alternativa e a resposta às necessidades do povo português: soberania alimentar, produção e emprego», agendado pelo PCP.

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Na abertura do debate, interveio o Deputado António Filipe (PCP), tendo-se seguido no uso da palavra, a diverso título, além daquele orador, os Deputados Pedro do Carmo (PS), Isabel Pires (BE), António Lima Costa (PSD), Mariana Silva (PEV), Cecília Meireles (CDS-PP), João Dias (PCP), Célia Paz e João Azevedo Castro (PS), João Moura (PSD), André Silva (PAN), Emília Cerqueira (PSD), Francisco Rocha (PS), Ricardo Vicente (BE), Paulo Leitão (PSD), João Miguel

Nicolau (PS), Bruno Dias (PCP), António Ventura (PSD), Lara Martinho (PS) e João Gomes Marques (PSD).

A encerrar o debate, proferiu uma intervenção a Deputada Paula Santos (PCP).

Deu-se conta dos Deputados que estiveram presentes, por videoconferência, na reunião plenária.

A Presidente (Edite Estrela) encerrou a sessão eram 17 horas e 16 minutos.

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O Sr. Presidente: — Boa tarde, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Funcionários, Sr.as e Srs. Jornalistas.

Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 5 minutos.

Antes de darmos início aos nossos trabalhos, dou a palavra à Sr.ª Secretária da Mesa, Maria da Luz Rosinha,

que tem várias informações importantes para vos transmitir.

A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, deu entrada na Mesa e

foi admitida a Apreciação Parlamentar n.º 26/XIV/1.ª (BE) — Relativa ao Decreto-Lei n.º 28-A/2020, de 26 de

junho, que estabelece o regime jurídico da reconversão da paisagem.

Foram igualmente admitidos os Projetos de Lei n.os 467/XIV/1.ª (PAN) — Reforça as garantias dos

trabalhadores da entidade cedente na entidade cessionária, procedendo à décima segunda alteração à Lei Geral

do Trabalho em Funções Públicas, aprovada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, 471/XIV/1.ª (PS) —

Altera o anexo à Lei n.º 52/2019, de 31 de julho, harmonizando o conteúdo da Declaração Única de

Rendimentos, Património, Interesses, Incompatibilidades e Impedimentos com o respetivo formulário, que baixa

à 14.ª Comissão, e 472/XIV/1.ª (BE) — Estabelece a igualdade no exercício da parentalidade em caso de adoção

e promove o acompanhamento do pai às consultas pré-natais (décima sexta alteração ao Código do Trabalho e

sexta alteração ao Decreto-Lei n.º 91/2009, de 9 de abril), que baixa à 10.ª Comissão.

Deram ainda entrada na Mesa, e foram admitidos, os Projetos de Resolução n.os 558/XIV/1.ª (BE) —

Recomenda o prolongamento do fornecimento de refeições escolares aos alunos beneficiários da ação social

escolar durante as férias de verão, que baixa à 8.ª Comissão, 561/XIV/1.ª (PS) — Recomenda ao Governo que

crie uma tarifa social de acesso a serviços de internet, que baixa à 6.ª Comissão, 564/XIV/1.ª (PCP) — Pela

promoção de medidas de defesa da segurança e saúde pública no transporte ferroviário para combater a

epidemia de COVID-19, que baixa à 6.ª Comissão, 565/XIV/1.ª (PCP) — Pelo fim do regime de layoff nas

empresas de transportes públicos, que baixa à 6.ª Comissão, e 566/XIV/1.ª (CAE) — Adoção pela Assembleia

da República das iniciativas europeias consideradas prioritárias para efeito de escrutínio, no âmbito do Programa

de Trabalho da Comissão Europeia para 2020.

Terminei, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, ao abrigo da alínea b) do n.º 3 do artigo 64.º do Regimento,

vamos dar agora início a um debate sobre «A política alternativa e a resposta às necessidades do povo

português: soberania alimentar, produção e emprego», agendado pelo PCP.

Para dar início ao debate, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe, do Grupo Parlamentar do PCP.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Vencer a pandemia e mitigar as suas

terríveis consequências a todos os níveis é o objetivo central que tem norteado as nossas vidas, mas se há um

amplo consenso nacional sobre essa necessidade, já assim não é quanto à adoção das medidas necessárias

para atingir esse objetivo.

Para o PCP, as medidas aprovadas para mitigar as consequências económicas e sociais da pandemia estão

muito longe do que seria necessário para apoiar quem deveria, efetivamente, ser apoiado e, ao invés, algumas

das medidas tomadas vão acabar por favorecer ainda mais os que já são os mais favorecidos.

Foi esse o sentido geral do Orçamento Suplementar recentemente aprovado nesta Assembleia e que, não

obstante algumas medidas pontuais de sentido positivo, manteve o desequilíbrio entre os benefícios e privilégios

ao capital e a falta de resposta aos problemas dos trabalhadores e do povo e que, por isso, mereceu o voto

contra do PCP.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, quando conseguirmos, finalmente, vencer esta pandemia, o que

esperamos que ocorra o mais brevemente possível, estaremos confrontados com uma dramática situação

económica e social, com níveis elevadíssimos de desemprego, uma recessão económica gravíssima, uma maior

fragilização da situação dos trabalhadores, a ruína de milhares de micro, pequenas e médias empresas, perdas

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incomensuráveis em setores de atividade que têm sido âncoras da economia nacional e com o aumento da

pobreza e das desigualdades.

Esta pandemia, para além disso, veio pôr em evidência as nossas maiores vulnerabilidades: as insuficiências

dos serviços públicos, a precariedade da situação dos trabalhadores, a excessiva dependência externa, a

ausência de uma política soberana.

Perante o que temos pela frente, as medidas necessárias para enfrentar a crise só são possíveis com uma

outra política, em rutura com aquela que marcou decisivamente as últimas décadas.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — Novas políticas, capazes de encetar um rumo novo, que tirem as devidas

lições da fragilidade e da dependência a que as políticas de direita e o rotativismo da alternância sem alternativa

conduziram o País.

Se a solução preconizada para sair desta crise for a de depositar as esperanças na vinda de fundos europeus

ou confiar numa solidariedade da União Europeia que nunca passou de uma ficção, então não haverá solução

nenhuma de desenvolvimento e progresso para o nosso País.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — As medidas do chamado «Fundo de Recuperação», anunciado pela

Comissão Europeia, não significam nenhuma alteração de rumo em relação às políticas de sempre. Eivadas de

hipocrisia e de manipulações financeiras e políticas, tais medidas não anulam a linha do endividamento e visam,

no essencial, aumentar a drenagem de recursos públicos para os monopólios, nomeadamente das principais

potências económicas, e dar passos no aprofundamento da transferência de parcelas da soberania nacional

para a esfera supranacional.

A quem nos diz que a solução para os problemas nacionais tem de ser encontrada no quadro da União

Europeia não podemos deixar de perguntar qual a solução que nos propõem se a resposta da União Europeia

a esta crise seguir a mesma receita que nos foi imposta pelas troicas, entre 2009 e 2015.

Em 2009, perante uma crise gerada pela ganância predadora do grande capital nacional e internacional, a

dita ajuda que nos chegou da União Europeia foi a humilhação e a imposição de políticas de austeridade

destinadas a castigar o povo português, porque, supostamente, teria vivido acima das suas possibilidades.

O povo português sofreu o suficiente para não se esquecer desses tempos, para perceber que a

solidariedade da União Europeia não passa de uma palavra vã, e também não se esquece daqueles que, entre

2009 e 2015, defenderam a inevitabilidade e o caráter virtuoso da austeridade e tudo fizeram para a impor e

justificar. O resultado desses anos ficou bem à vista: ricos cada vez mais ricos, pobres cada vez mais e cada

vez mais pobres, serviços públicos degradados, carreiras profissionais congeladas, cortes em salários, em

pensões e em apoios sociais.

É sabido que os arautos da austeridade nunca se conformaram com a reposição de direitos e rendimentos

que os portugueses conquistaram nos últimos cinco anos, que contestaram, uma a uma, as medidas de

reposição de direitos e rendimentos e que se recusaram a reconhecer que foi a reposição de direitos e

rendimentos a chave para a recuperação da economia portuguesa nos últimos anos.

E não podemos ignorar que os arautos da austeridade já veem na crise económica gerada pela pandemia

uma nova justificação para impor de novo as medidas de exploração e empobrecimento que sempre

defenderam.

A oferta, a aceitação e o alto patrocínio do regresso a um bloco central de má memória fazem recear o pior.

Fazem recear que, se for esse o caminho seguido, de subserviência perante o caminho que o grande capital

nacional e transnacional nos queira impor, entraremos num novo ciclo de retrocesso económico e social.

O PCP não considera que esse caminho seja inevitável. Bem pelo contrário, o que dizemos é que esse

caminho pode e deve ser evitado, mas, para isso, Portugal precisa de pôr em marcha um verdadeiro programa

de desenvolvimento do País e não um programa ditado pelos critérios e agenda escolhida e orientada pelas

grandes potências da União Europeia para servir os seus interesses e os interesses das grandes multinacionais.

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Um verdadeiro programa de recuperação e desenvolvimento exige opções soberanas, exige que Portugal

detenha nas suas mãos os instrumentos de intervenção apropriados e não fique dependente dos critérios e

decisões de terceiros. Portugal precisa de uma agenda própria que olhe para os problemas do País sem

condicionamentos nem constrangimentos.

Portugal não pode esquecer as importantes lições que se retiram da atual situação e que não podem ser

ignoradas no futuro: a importância do papel dos trabalhadores e a centralidade do trabalho na sociedade; o

papel dos serviços públicos; a importância da produção nacional e de ter os setores estratégicos nas mãos do

País.

Portugal precisa de produzir cá o que nos impõem que compremos lá fora; precisa de modernizar e

diversificar as atividades económicas; precisa de recuperar para o País o que nunca devia ter sido privatizado,

em vez de injetar dinheiros públicos para promover novas e ruinosas privatizações; precisa de acelerar o

investimento; precisa de adquirir os equipamentos de que o País carece, de construir infraestruturas, de

assegurar serviços públicos essenciais.

Portugal precisa de novas soluções para dar resposta aos atrasos acumulados por muitos anos de políticas

de direita, para garantir o emprego e reduzir as acentuadas desigualdades e injustiças sociais.

O aumento geral dos salários, incluindo o salário mínimo nacional, é uma questão decisiva para o País, para

uma mais justa distribuição da riqueza, para a dinamização da economia nacional, para fortalecer a segurança

social e assegurar melhores pensões no futuro.

Não haverá retoma económica nenhuma se não for defendido o tecido económico nacional, composto

maioritariamente por micro, pequenas e médias empresas, se não forem valorizados os salários e as pensões

e se não houver uma justa remuneração do trabalho e das atividades produtivas do nosso povo.

A situação vivida nos últimos meses demonstra a importância de manter e reforçar a natureza pública de

áreas cruciais; de garantir a qualidade e o acesso universal a direitos e serviços fundamentais, como a saúde,

a segurança social, a educação pública ou a acesso à cultura; de garantir, pela propriedade e gestão de

empresas públicas, a existência de instrumentos económicos e financeiros para conter e inverter a degradação

da situação nacional; de subordinar progressivamente a produção e a atividade económica a objetivos sociais,

em lugar da maximização dos lucros dos grupos monopolistas.

A realidade atual tornou muito evidente o papel central da produção nacional — diversificada, equilibrada,

articulada e tecnologicamente avançada — para substituir as importações, assegurar o abastecimento interno e

as exportações e alcançar a soberania alimentar e energética, enquanto condições básicas para decidir, garantir

e concretizar as opções soberanas adequadas ao desenvolvimento do País.

A produção nacional é necessária para defender a soberania e a soberania é necessária para garantir e

promover a produção nacional.

A resposta que a situação do País exige é inseparável da valorização do trabalho e dos trabalhadores, dos

seus salários, direitos e carreiras; do reforço do Serviço Nacional de Saúde e dos demais serviços públicos em

meios humanos e materiais; de um forte setor empresarial do Estado que contribua para a modernização do

aparelho produtivo; do controlo público do setor financeiro; da defesa da agricultura, da pesca e da produção

nacional com capacidade para abastecer o País;…

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — … do decisivo reforço do investimento público e do investimento produtivo,

que incremente a capacidade produtiva instalada, a produtividade e a produção nacionais; da necessidade da

proteção do ambiente, dos ecossistemas e da biodiversidade; da concretização de uma justiça independente e

acessível a todos; do combate à corrupção; da defesa do regime democrático e do cumprimento da Constituição.

Ao promover este debate, o PCP assume que é este o seu compromisso: lutar por uma política alternativa

que responda às necessidades do povo português.

Aplausos do PCP e do PEV.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, como é habitual, vamos entrar na fase de perguntas ao orador.

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Para formular um primeiro pedido de esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro do Carmo, do

Grupo Parlamentar do Partido Socialista.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro do Carmo (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Cumprimento o PCP por colocar na

agenda uma política alternativa de soberania alimentar.

A pandemia, produto da globalização, sublinhou a insuficiência das nações e a ausência de respostas globais

para problemas, desafios e oportunidades que se colocam na esfera das dinâmicas mundiais. E por muito que

alguns queiram levantar novos muros, sustentar egocentrismos ou transformar o País num imenso arquipélago,

somos parte de um todo. A resposta a uma enorme crise global não pode ser um nacionalismo sem nexo, um

populismo sem eficiência ou um modelo alheado de compromissos de integração europeia do País.

O que nos propõem hoje neste debate é que tenhamos um pomar de uma só macieira, uma vara só com um

porco alentejano ou um cardume de uma espécie de peixe. É como se o todo não existisse e Portugal fosse

essa macieira, esse animal isolado ou o solitário peixe. Portugal é muito, muito mais!

Protestos do Deputado do PCP João Dias.

A pandemia sublinhou duas realidades agroalimentares que podem ser a regra e não a exceção: o nosso

mundo rural está capacitado para produzir e ter os seus produtos escoados nas grandes superfícies da

distribuição dos centros urbanos…

Protestos do Deputado do PCP João Dias.

… e os portugueses estão hoje mais sensibilizados para a importância de comprarem produtos nacionais,

apoiarem os produtores nacionais e valorizarem o nosso mundo rural.

A verdade é que a realidade, a nossa realidade rural, é inimiga da demagogia.

Soberania alimentar é continuar a apoiar o alargamento do perímetro de rega do Alqueva para desenvolver

novos projetos agroalimentares.

Soberania alimentar é sustentar estratégias e recursos que possam assegurar o escoamento justo da

produção na dimensão real ou no plano digital.

Soberania alimentar é saber manter os equilíbrios entre as tradições e as inovações, entre os pequenos

produtores e as grandes explorações, entre o fornecimento ao mercado nacional e a exportação.

Existem pontos de equilíbrio das realidades que precisam de continuar a ser reforçados: a capacidade de

resiliência agroalimentar de cada Estado-Membro, no contexto da União Europeia, num quadro de emergência

como o que vivemos; a capacidade de incorporar valor na produção agroalimentar, valorizando ainda mais a

excelência dos nossos produtos; a preservação das condições e dos fatores de produção para que os nossos

agricultores, os nossos produtores e os nossos pescadores possam continuar a desenvolver as suas atividades,

numa crescente harmonia com o meio ambiente.

Sem fundamentalismos, sem tiques de quem não conhece o mundo rural, sem acharem que podemos ter

«sol na eira e chuva no nabal», com sentido do posicionamento de Portugal, dos nossos interesses e da

participação no projeto europeu, devemos ser parte ativa dos reajustamentos destinados a reforçar a nossa

resiliência alimentar em situação de emergência.

Temos de manter capacidade produtiva, assegurar o escoamento da produção, sensibilizar os portugueses

para a opção pelo nacional, remunerar adequadamente os produtores, modernizar, inovar e sustentar a

produção local, como fator de desenvolvimento das comunidades, e reforçar as exportações.

Portugal tem feito muito nesta área agroalimentar. Provámos que podemos fazer ainda mais e melhor.

Pergunto: qual é a visão do PCP? É a de um potencial agroalimentar debulhado da integração europeia?

Para nós, há um ponto de equilíbrio e é nessa sementeira que nos colocamos, é essa a colheita que queremos:

mais produção, mais consumo nacional, maior resiliência em situação de emergência em Portugal e na Europa.

Aplausos do PS.

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Protestos do Deputado do PCP João Dias.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Pires, do Grupo

Parlamentar do Bloco de Esquerda.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Sr. Presidente, quero cumprimentar o Sr. Deputado António Filipe e o PCP pelo

tema que trazem a debate hoje, que é, com certeza, importante e tanto mais importante num momento de crise

como a que atravessamos, que nos insta a reflexões mais profundas sobre o modelo económico que queremos

para o País.

Da parte do Bloco de Esquerda, sempre defendemos a necessidade de um modelo económico assente, em

primeiro lugar, em direitos laborais, nos direitos de quem trabalha, e na valorização do tecido económico

nacional.

Quando falamos de produção nacional, podemos, efetivamente, falar de vários setores de atividade em

Portugal. E, dentro destes, há um fator, para nós, essencial e que tem merecido cada vez mais discussão e

debate, que é o dos setores estratégicos para a economia.

Quando referimos esta terminologia, não a utilizamos em vão, utilizamo-la para referir empresas que têm em

comum um peso grande na economia como um todo, mas também milhares de postos de trabalho, diretos e

indiretos, e uma função de coesão territorial ou de avanço tecnológico para o País, entre outros.

Por exemplo, temos a TAP (Transportes Aéreos Portugueses). Toda a gente parece — atenção, parece! —

concordar com a importância da TAP para a economia portuguesa, mas, num espaço de poucas semanas,

muitos desses defensores começam a questionar essa mesma importância. Tenho uma sugestão: em vez de

questionarem essa importância que a TAP tem, comecem a questionar o processo de privatização, que foi um

erro, ou até o próprio processo de reversão dessa privatização, que hoje se comprova ter sido mal feito.

Mas também temos o exemplo da Efacec, que, agora, se nacionaliza para, o mais rapidamente possível, se

privatizar. Não compreendemos esta opção, visto que é uma empresa que, claramente, é uma mais-valia para

a economia portuguesa e que tem cartas dadas em setores fundamentais, como o da energia, que é importante

garantir para esta nova fase do modelo económico.

Mas refira-se também o exemplo dos CTT — Correios de Portugal, que são um caso de uma privatização

que prova à saciedade como é que entregar a privados um serviço iminentemente público é prejudicial para os

cidadãos e para a economia.

Por isso, Sr. Deputado António Filipe, fazer um debate sobre produção nacional e respostas alternativas é

também fazer o debate sobre o que consideramos essencial para o País.

Ao longo de anos, fomos ouvindo uma lengalenga da direita, e também do PS, sobre as maravilhas do

mercado que iam resolver todos os problemas, mas basta chegar uma crise com a natureza da que vivemos

atualmente para perceber que apenas os serviços públicos conseguem responder a todos e a todas…

Protestos da Deputada do CDS-PP Cecília Meireles.

… e não deixam ninguém para trás. E, na economia, isto também tem de ser um fator relevante.

Portanto, Sr. Deputado, pergunto-lhe se o PCP e o Sr. Deputado não consideram que a produção nacional,

nos casos identificados mas também noutros, deve passar pelo controlo público dos setores estratégicos da

economia.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Lima Costa,

do Grupo Parlamentar do PSD.

O Sr. António Lima Costa (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, um dos assuntos que o

PCP anunciou para o debate de hoje é o da soberania alimentar portuguesa. E, a coberto desse slogan, o Sr.

Deputado, basicamente, reivindica o fecho das fronteiras e um virar costas à Europa.

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Ora, isso significa apenas uma coisa: abandonar a União Europeia e, em alternativa, seguir uma política,

vista ainda nalguns países, que resulta em prateleiras vazias nos supermercados.

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Exatamente!

O Sr. António Lima Costa (PSD): — E, depois, vêm as obsessões do PCP. Diabolizar os empresários

portugueses, competitivos, produtivos, com escala, é uma obsessão sem sentido. É graças a esses empresários,

que o PCP ataca todos os dias, que, designadamente na agricultura, Portugal é já hoje soberano, por exemplo,

na fileira do vinho, do azeite ou dos frutos vermelhos, que os portugueses dispõem de alimentos nacionais em

quantidade suficiente e a preços acessíveis, que a produção agrícola nacional cresce todos os dias e que não

existe desemprego na agricultura, pelo contrário, há falta de mão de obra.

Outra obsessão sem sentido que hoje vimos, pasmados, na comunicação social, pela voz do Sr. Secretário-

Geral do PCP, é o mito da soberania alimentar portuguesa, através da intervenção pública nas fileiras em que

não somos autossuficientes.

Protestos da Deputada do PCP Diana Ferreira.

No exemplo dos cereais, referido ontem pelo Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, com as nossas condições

agroclimáticas, os custos de produção unitários implicariam, de duas, uma, ou um brutal aumento do preço do

pão ou a sua subsidiação através de impostos. É isto que o PCP defende também hoje, aqui.

Portugal tem é de apostar fortemente nas fileiras com melhores condições naturais e de mercado e em que

podemos ser mais competitivos,…

Protestos do Deputado do PCP Jerónimo de Sousa.

… porque é isso que cria riqueza no País.

Relativamente à soberania alimentar, há, de facto, um debate essencial para o nosso País e a que o Governo

está completamente alheio.

Os portugueses querem estar na União Europeia. A política agrícola é comum. Portanto, o debate essencial

é sobre a estratégia de Portugal para minimizar os riscos e aproveitar as grandes oportunidades desta nova

ambição coletiva, que decorre da pandemia, que é a da soberania alimentar europeia. Soberania europeia nas

cadeias de valor e na produção de alimentos saudáveis, de qualidade, seguros e com respeito pelo ambiente e

bem-estar animal, com o Pacto Ecológico Europeu como farol e o Plano de Recuperação da Europa, tão criticado

pelo PCP, como grande instrumento.

A pergunta que lhe faço, Sr. Deputado, é simples: o que pensa o PCP sobre este debate essencial para

Portugal, o debate sobre a soberania alimentar europeia?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe, do PCP.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, agradeço as questões colocadas.

Peço aos Srs. Deputados que não me levem a mal mas, por uma questão de arrumação dos temas, respondo

primeiro à Sr.ª Deputada Isabel Pires, para lhe dizer que não poderíamos estar mais de acordo relativamente à

necessidade do controlo público de setores estratégicos da nossa economia.

Com esta pandemia, vimos as consequências do que foi a privatização da TAP. Se não fosse uma

intervenção do Estado, a TAP estava efetivamente falida, sendo que a TAP é a maior empresa exportadora

nacional e é absolutamente decisiva para a economia nacional e para Portugal enquanto País soberano.

Bom, e o exemplo dos CTT é apropriado. Não deve haver uma única pessoa neste País que, de boa-fé, diga

que o País ganhou alguma coisa com a privatização dos CTT, pelo contrário, todos os testemunhos que temos,

quer de trabalhadores, quer de utentes, relativamente às consequências dessa privatização, são os de que é

desastrosa.

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Os Srs. Deputados Pedro do Carmo e António Lima Costa colocaram uma questão muito relevante, que é a

da nossa soberania alimentar. Para o Sr. Deputado Pedro do Carmo está tudo muito bem, está tudo ótimo, a

nossa agricultura está em condições de responder a todos os problemas do País, não se passa nada e, portanto,

quando se fala numa crise que afeta o País e em grandes vulnerabilidades, isto, porventura, será ficção. Mas

não é, Sr. Deputado, porque há uma questão que é fundamental, que é a do apoio necessário à agricultura

familiar, aos muitos milhares de famílias que dependem da agricultura em Portugal.

Se quisermos comprar produtos alimentares produzidos em Portugal, por produtores nacionais, onde é que

vamos? Temos de ir ao pequeno comércio.

O Sr. João Dias (PCP): — Exatamente!

O Sr. António Filipe (PCP): — Se vamos às grandes superfícies, o que é que encontramos? Encontramos

frutas importadas, quando os produtores portugueses não têm condições para escoar os seus produtos em

condições minimamente competitivas.

Quando vemos uma campanha de uma grande superfície a dizer que está a vender produtos nacionais, o

que é que vemos? Vemos que estão a arruinar, precisamente, os produtores nacionais, esmagando-lhes os

preços e fazendo-os vender abaixo dos preços de custo.

O Sr. João Dias (PCP): — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — Ora bem, não é isso, efetivamente, o que queremos.

O Estatuto da Agricultura Familiar, que foi aprovado, e bem, nesta Assembleia, na Legislatura passada, tem

de ser aplicado, regulamentado e chegar às pessoas, o que não está a acontecer.

O Sr. Deputado António Lima Costa considera que a nossa soberania alimentar é exportar vinho, azeite e

frutos vermelhos, mas eu diria que o Sr. Deputado, designadamente no caso do azeite, está a falar de uma

cultura superintensiva com graves consequências ambientais, certamente, para o nosso País…

Protestos do Deputado do PSD João Moura.

… e que está a substituir as possibilidades que o País teria de produzir, de forma mais útil, para fornecer o

mercado nacional com produtos alimentares.

Quando nós falamos em soberania alimentar, falamos da capacidade que o País tem de, sem dependências

externas, poder fornecer aos portugueses os bens alimentares de que carecem, o que é particularmente sensível

em situações de crise como aquelas que iremos atravessar, certamente, num futuro próximo.

O que move o PCP é, de facto, a defesa dos interesses nacionais e das pessoas concretas que vivem e

trabalham em Portugal e que exigem que o País dê resposta às suas condições de vida. Isto é válido para a

necessidade de apoiar os pequenos produtores nacionais e, efetivamente, tem faltado.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: ⎯ Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Mariana Silva, do Grupo

Parlamentar do PEV.

A Sr.ª MarianaSilva (PEV): ⎯ Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Debatemos hoje, por proposta do

PCP, a necessidade de uma política alternativa e a resposta às necessidades dos portugueses.

Os problemas estruturais do País, acumulados ao longo de legislaturas pela teimosia de políticas do PS, do

PSD e do CDS, estão à vista e ficaram mais expostos com a epidemia, que agora aguenta com todas as culpas.

O Partido Ecologista «Os Verdes» já sublinhou que a pandemia da COVID-19 demonstrou a importância de

se ganhar robustez em termos de soberania alimentar, não apenas porque ela é determinante para reduzir a

pegada ecológica, mas também porque, em tempos de crise de abastecimento alimentar, como aquele que uma

pandemia pode causar, é preciso que os países estejam em condições de assegurar respostas concretas aos

cidadãos.

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Por outro lado, lembrámos que ficou demonstrado quanto é frágil um crescimento económico baseado

essencialmente no turismo e sobre outros fatores que o País não controla, como o baixo preço dos combustíveis

fósseis, descurando a produção de bens diversificados, não só a nível alimentar, mas também bens de saúde,

como se viu em relação ao material para a proteção individual, como as simples máscaras.

Lembrámos o comércio local, de bairro, que nos últimos anos sofreu com a abertura de grandes espaços

comerciais, com os aumentos de rendas para preços exorbitantes, com os despejos, com uma morte anunciada

e que, agora, foi determinante para o abastecimento alimentar às populações confinadas às suas residências e

aos seus bairros, prestando um serviço de proximidade que tem sido, agora, reconhecido pela generalidade das

pessoas.

Para Os Verdes, os dramas ainda só agora se começam a fazer sentir, com muitas micro, pequenas e médias

empresas a encerrar e muitas pessoas a perderem o seu trabalho, outras vítimas de layoff, com o seu

rendimento mensal substancialmente reduzido, ao passo que as contas continuam a manter-se.

Por isso, o PEV assentou a sua intervenção num conjunto de propostas que materializam a resposta a

necessidades urgentes do País. É necessário: combater os crescentes níveis de pobreza, garantindo rendimento

a todas as famílias, promovendo a recuperação urgente de postos de trabalho, apoiando as micro, pequenas e

médias empresas; combater os paraísos fiscais e impedir a distribuição de dividendos escandalosos nas

grandes empresas e grupos económicos em tempo de crise; defender o aumento do salário mínimo nacional e

a valorização salarial em geral, para que o poder de compra não se perca e dessa forma se possa incentivar a

economia; tal como defender a diminuição dos horários laborais semanais, de modo a permitir a compatibilização

entre o trabalho e a vida familiar.

Os apoios à produção local e nacional, nomeadamente ao nível da agricultura familiar de pequena escala e

biológica, necessitam de ser reforçados, para que sejam incentivados os circuitos curtos de produção, se

diminua a pegada no nosso prato e se promova a economia local.

Também não podemos esquecer o reforço dos apoios ao nível de setores industriais com tradição, como é o

exemplo da indústria têxtil e do calçado, reconhecido no mercado europeu, no quadro do incentivo ao

estabelecimento de tecido empresarial no interior do País, apoiando a diversificação e a descentralização das

atividades económicas.

Ao mesmo tempo que o susto vai passando, o medo vai sendo dominado e a normalidade se vai instalando,

percebemos, infelizmente, que pouco se aprendeu com a epidemia, com as dificuldades sentidas, e que o pouco

que se fez até ao dia de hoje não irá resolver nem uma parte da crise que muitas famílias já estão a viver se não

se tomarem opções políticas diferentes.

Aplausos de Deputados do PCP.

O Sr. Presidente: ⎯ Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Cecília Meireles, do Grupo

Parlamentar do CDS-PP.

A Sr.ª CecíliaMeireles (CDS-PP): ⎯ Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PCP trouxe-nos um debate

intitulado «A política alternativa e a resposta às necessidades do povo português: soberania alimentar, produção

e emprego», mas confesso que, da introdução que aqui ouvi, acho que este debate, na realidade, se deveria

intitular «Modelo de economia e modelo de sociedade comunistas». Foi isso que aqui nos trouxeram e foi isso

que expuseram, sendo a pandemia uma desculpa como outra qualquer para levar a cabo este modelo de

sociedade que, aliás, coerentemente defendem. Mas acho que se é isso que queremos discutir, então, mais

vale intitular o debate assim mesmo e vamos discuti-lo.

Para princípio de conversa, gostava de saber, já agora, se podiam começar por apresentar algum exemplo

de sucesso, algum caso no mundo em que, algum dia, uma sociedade assim, uma sociedade com uma

economia comunista, uma sociedade comunista, se traduziu em mais prosperidade, em mais bem-estar e em

mais rendimento para os trabalhadores. Gostava de saber se têm esses exemplos concretos para dar, para

discutirmos aqui a realidade e não apenas a ficção.

Em segundo lugar, julgo que também seria relevante…

Protestos do PCP.

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Por aqui se vê que este é, de facto, o objeto deste debate e acho que faz sentido discuti-lo, mas não deixa

também de ser, para mim, um pouco intrigante que, quando pessoas que tão acerrimamente defendem a

sociedade comunista, depois, quando se lhes pede um exemplo, fiquem tão indignadas. Deveriam ter muitos,

deviam até ficar contentes por poderem falar disso.

O Sr. AntónioFilipe (PCP): — A China!

A Sr.ª CecíliaMeireles (CDS-PP): ⎯ Em segundo lugar, creio que também falta aqui distinguir conceitos. É

que ouvi falar muito de soberania — e, de facto, há problemas de soberania em Portugal, estou de acordo —.

mas aquilo que ouvi aqui defender não foi a soberania portuguesa, foi o isolacionismo português. O que ouvi

descrever ali, da tribuna, parece-se mais com a Albânia do século XX do que com o Portugal do século XXI.

Aliás, a frase «só devemos consumir o que é produzido em Portugal e não o que nos impõem de fora» ⎯ eu

ouvi mesmo bem? ⎯ quer dizer que estamos mesmo a defender um Portugal em que só consumimos o que é

produção nacional em todos os setores? Peço aos Srs. Deputados que tenham noção do que se está aqui a

defender.

Em terceiro lugar, quanto à produção nacional, e isto aplica-se à agricultura, à indústria e, até, também aos

serviços ⎯ o turismo, por exemplo, também pode ser produção nacional, suponho eu ⎯, gostava de distinguir

duas coisas muito diferentes.

Protestos do Deputado do PCP António Filipe.

Se ao defender a produção nacional estamos a defender que as nossas empresas, os nossos agricultores,

os nossos empresários possam concorrer em igualdade de circunstâncias no mundo e, sobretudo na Europa,

onde as fronteiras estão abertas, sem um emaranhado legislativo que não existe noutros países, sem uma

floresta de taxas que não existe noutros países, sem custos de contexto que não existem noutros países, sem

uma fiscalidade mais pesada, que não existe noutros países, sem terem de contratar equipas de consultores

para conseguirem organizar simples candidaturas, tal é a burocracia, então, se é disso que estamos a falar

quando estamos a falar de defender a produção nacional, não poderíamos estar mais de acordo.

Se aquilo de que estamos a falar em relação à produção nacional é em fechar fronteiras e só consumirmos

o que é produzido em Portugal — nem exportamos, nem importamos nada —, então, Srs. Deputados, julgo que

estamos a discutir um modelo completamente anacrónico e que não tem a mínima hipótese de funcionar.

O Sr. AntónioFilipe (PCP): — Que disparate!

A Sr.ª CecíliaMeireles (CDS-PP): ⎯ «Produzir cá. Nós queremos produzir cá o que nos impõem que

compremos lá fora» — foi isto que foi dito! Portanto, convém especificar aquilo de que estamos a falar.

Gostava de entender porque foi dito, e é verdade, que a resposta da Europa não foi rápida. É verdade que

não foi rápida. Percebo quando se diz que queremos proteger a produção nacional e, sobretudo, não se quer

que os empresários portugueses, as empresas portuguesas e a produção portuguesa vão lá para fora competir

com empresas que tiveram mais apoio do respetivo Estado. A verdade é que, na Europa, na maior parte dos

países, houve mais apoios do Estado durante a pandemia.

Mas gostava de chamar a atenção para o seguinte: os países da Europa que puderam proteger melhor a sua

produção, as suas empresas e os seus trabalhadores, foram precisamente os países que fizeram o contrário do

que os senhores defendem, ou seja, foram os países que tinham finanças públicas sólidas, foram os países que

tinham fiscalidades competitivas e foram os países que tinham economia de mercado. Curiosamente, é também

nesses países que, ao contrário de tudo o que se defende nessas bancadas, os trabalhadores têm rendimentos

mais elevados. Portanto, se o que o Partido Comunista quer é trabalhadores a viver melhor, com rendimentos

mais elevados, só pode defender aquilo que se faz nesses países que tanto critica.

Por fim, gostava de deixar aqui, já agora, uma última pergunta sobre um tema que foi referido por vários Srs.

Deputados e que tem a ver com a TAP e com os setores estratégicos.

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Mais uma vez vos digo: os sítios do mundo onde os trabalhadores vivem melhor, têm acesso a melhores

salários, a melhores rendimentos e a melhores cuidados, não são os sítios onde o Estado é dono dos meios de

produção e não são os sítios onde o Estado é dono dos setores estratégicos. São precisamente os países com

uma economia de mercado que concorre, que é regulada e com responsabilidade social. Portanto, se estamos

a discutir modelos de sociedade, acho que temos de os discutir olhando para fora e percebendo quem fez melhor

do que nós e quem fez pior do que nós.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: ⎯ Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado João Dias, do Grupo Parlamentar

do PCP.

O Sr. JoãoDias (PCP): ⎯ Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Cecília Meireles: Disse aqui

que gostava de entender, mas, para entendermos, a primeira coisa necessária é querermos entender. Mas terei

oportunidade de lhe fazer entender, se quiser entender.

Quando nos obrigam a comprar no estrangeiro aquilo que podemos produzir em Portugal está em causa a

soberania nacional. E, respondendo também ao mito da soberania alimentar de que fala o PSD, Portugal

encontra-se numa situação absolutamente contraditória e inadmissível.

Temos a maior zona económica exclusiva da União Europeia, mas o saldo na balança comercial de pescado

é negativo em mais de mil milhões de euros.

A nossa dieta tem nos cereais um elemento fundamental, mas o trigo que produzimos apenas dá para os

primeiros 12 dias do ano e o milho apenas dá para 4 meses.

Produzimos do melhor arroz carolino mas vemos entrar no País mais de 100 mil toneladas de arroz

estrangeiro.

Somos capazes de produzir as melhores carnes de bovino, da Mirandesa à Alentejana, mas importamos

mais de 180 milhões de euros em carne.

A batata nacional, ao produtor, não se vende a mais de 10 cêntimos que seja, mas comemos mais de 300

mil toneladas de batata francesa ou espanhola.

Mesmo com a política de direita que encerrou mais de 90% das explorações leiteiras, somos ainda

autossuficientes em leite cru, e podemos produzir muito mais, mas compramos mais de 50 mil toneladas de

queijo e mais de 75 mil toneladas de leite no estrangeiro e ainda nos estão a pagar para que produzamos menos.

Continuamos a assistir a juras de amor eterno à produção nacional por parte dos grupos económicos da

venda a retalho, mas a verdade é que não há pequeno ou médio agricultor que não tenha queixas da ditadura

da grande distribuição, uma ditadura que leva a que milhares de toneladas de alimentos produzidos pela nossa

agricultura não tenham escoamento. A comprová-lo, basta entrar num grande supermercado para ver a laranja,

não a do Algarve mas a de Espanha; o borrego, não o do Alentejo mas o da Nova Zelândia; a batata-doce, não

a de Aljezur ou do Litoral Alentejano mas a dos Estados Unidos; as uvas, não as do Douro mas as do Chile.

E mais: um País que produz azeite da melhor qualidade, de forma sustentável, transformou-se num grande

produtor de azeite industrial, de modo superintensivo, esgotando as terras onde é produzido, pondo em causa

a saúde das populações envolventes e expondo a mão de obra a trabalho quase escravo.

O que se exige é outro caminho e outra política, de garantia do escoamento dos produtos agrícolas e do

pescado com preços justos à produção e com garantias, que garanta que os apoios serão entregues, em

primeiro lugar, à agricultura familiar, que dinamize os mercados de proximidade e fiscalize a grande distribuição,

que reforce o investimento do Estado nas estruturas de produção.

É por isso, e por muito mais, que o PCP continuará a bater-se pela necessidade de afirmação de uma

economia mista, com um forte setor público e com um forte apoio ao setor social e cooperativo. Mas para tal,

Srs. Deputados, o que se exige é um incremento substantivo dos investimentos público e privado e uma profunda

alteração da gestão dos fundos comunitários.

Sim, Srs. Deputados, o que se exige é uma reforma da política agrícola comum (PAC) que, sem prescindir

do reforço das verbas que compensem o País pelos prejuízos que nos causaram, garanta um maior equilíbrio

na distribuição das ajudas entre países, entre produtores, entre produções, que religue os apoios à produção,

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recupere os mecanismos de regulação do mercado, designadamente do leite e da vinha, e assegure o apoio

preferencial aos pequenos e médios agricultores, com a modulação e o plafonamento das ajudas.

Os senhores sabem muito bem do que estou a falar!

O PCP continuará o caminho da defesa dos pequenos e médios agricultores, dos pescadores, dos

agricultores familiares, do mundo rural, por um País que se quer soberano também no domínio alimentar.

Aplausos do PCP e do PEV.

O Sr. Presidente: ⎯ Sr. Deputado, a Mesa regista a inscrição de uma Sr.ª Deputada para lhe formular um

pedido de esclarecimentos.

Tem a palavra a Sr.ª Deputada Célia Paz, do Grupo Parlamentar do PS.

A Sr.ª CéliaPaz (PS): ⎯ Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No tema hoje em discussão, proposto pelo

PCP, é de salientar que o Partido Socialista tem demonstrado grande preocupação e empenho nestas áreas,

dando especial atenção à questão da defesa da soberania alimentar. Esta esteve, e está, entre as prioridades

da ação governativa.

O Partido Socialista exigiu, e continua a exigir, medidas imediatas de acompanhamento e iniciativas políticas

de intervenção para assegurar a continuidade do abastecimento às populações naqueles que são os setores de

maior importância e, em concreto, em matéria de distribuição de proximidade, com cadeias curtas e o aproximar

a produção da distribuição.

Neste contexto, é de salientar, relativamente ao setor das pescas e no sentido de minimizar o impacto da

pandemia, a importante intervenção do Governo junto das instâncias comunitárias, propondo algumas

alterações ao regulamento do Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas, que resultou na adoção

de medidas de reforço e apoio à cessação temporária nas pescas.

O Governo estabeleceu ainda, através do Decreto-Lei n.º 20-B/2020, um regime excecional e temporário, a

título de compensação salarial, para os profissionais da pesca.

Apesar de muito ter sido feito nos últimos tempos, reconhecemos que ainda é necessário fazer mais. E,

nesse seguimento, o Partido Socialista concorda com a iniciativa legislativa apresentada pelo PCP, que visa

promover um mecanismo simplificado de aquisição e fornecimento de produtos de pesca, através da

regulamentação de um procedimento especial de ajuste direto criado para o efeito.

Entendemos, no entanto, e apesar das medidas propostas, que é necessário criar uma forma de

regulamentação, uma vez que é proposta a adoção de um sistema diferente do existente em Portugal, que é o

da primeira venda obrigatória em lota. Além disso, o regime simplificado proposto no projeto não releva alguns

dos elementos fundamentais consagrados no regulamento do conselho económico, aos quais o Estado

português está vinculado.

Nesse seguimento, o Partido Socialista teve a iniciativa de apresentar uma proposta de alteração à referida

iniciativa legislativa. Portanto, no sentido de promover o escoamento de pescado proveniente da pesca local e

costeira, sobretudo das espécies de baixo valor em lota, propõe-se a definição, em portaria, da lista das espécies

e de um montante mínimo, bem como dos mecanismos para a sua implementação e o seu acompanhamento.

Propõe-se, ainda, a definição do procedimento de formação e publicitação de preços mínimos. Mais, propõe-se

que, até à criação e funcionamento da plataforma eletrónica da Docapesca, as entidades adquirentes se devam

registar e emitir ordens de compra — conforme o Decreto-Lei n.º 81/2005 —, de acordo com os preços mínimos

estabelecidos, e que as mesmas entidades adquirentes possam aceder ao leilão, até à criação e funcionamento

da plataforma eletrónica, sendo obrigadas a respeitar os preços mínimos estabelecidos.

Sr.as e Srs. Deputados, neste seguimento, lanço aqui, desde já, um desafio a esta Assembleia para

acompanhar esta iniciativa do Partido Socialista.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado João Dias.

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O Sr. João Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, quero, antes de mais, apreciar a posição

aqui manifestada pelo Grupo Parlamentar do PS relativamente à proposta que o PCP apresentou, que é uma

proposta que responde, em certa medida, ao problema de escoamento do pescado e à desvalorização que este

tem na primeira venda.

Esta é uma área e uma matéria em que o PCP tem tido uma intervenção ao longo dos últimos anos, alertando

para a necessidade de se tomarem medidas que garantam o escoamento. Naturalmente, temos soluções, mas

é preciso vontade política para responder a isso. Nomeadamente, temos, desde logo, as cantinas e refeitórios

públicos, que responderão, em grande medida, a esta necessidade.

Mas importa garantir também a valorização do pescado de baixo valor, que é aquele em que nos aumentam

as cotas, que não conseguimos esgotar, e garantir ainda que possamos ter melhor cota de pesca de outras

espécies, com mais oportunidades de pesca nomeadamente da sardinha, porque a pesca da sardinha é também

decisiva para o nosso País.

Sr.ª Deputada, num país que tem mar, num país que tem pesca, num país que tem pescadores e que é um

dos maiores consumidores de peixe mundial — consome mais de 600 000 t de peixe por ano — não se

compreende como é que há tanta dificuldade em escoar pescado e, ao mesmo tempo, é necessário importar

cerca de 80% daquilo que se consome. Por isso, temos aqui um caminho muito longo.

Quanto ao apoio que foi dado, o Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas veio criar uma

diferença de tratamento. Ou seja, para os armadores, o apoio foi dado com base nos seus rendimentos reais,

mas para os trabalhadores da pesca e para os pescadores o apoio foi apenas o salário mínimo nacional.

Não concordamos com isso, manifestámos esse desacordo e continuaremos a lutar para que haja igualdade

de tratamento, reconhecida e para todos, não só para os armadores mas também para os trabalhadores da

pesca.

Aplausos do PCP e do PEV.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado João Castro, do Grupo

Parlamentar do PS.

O Sr. João Azevedo Castro (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começaria por felicitar o PCP

pela iniciativa deste debate. A agricultura, nas mais diversas formas, as pescas e a aquacultura, o designado

setor primário, constituem a base de todo um setor agroalimentar, cuja função primordial é a alimentação, sendo,

também por isso, indissociáveis do processo de construção social.

Esta perceção generalizada justificou a criação, neste Parlamento, na Comissão de Agricultura e Mar, por

unanimidade, do Grupo de Trabalho — Valorização de Produtos Agroalimentares em Portugal.

A reação à recente crise é também disso exemplo. Percebeu-se, de imediato, a necessidade e pertinência

de acompanhar o contexto, as capacidades, as fragilidades e a resiliência da segurança ou mesmo da soberania

alimentar.

O setor foi alvo de respostas próprias e dirigidas, com impacto e alcance assinaláveis. Destacamos o

programa Alimente quem o Alimenta, a conexão de produtores e consumidores, ou o Grupo de

Acompanhamento e Avaliação das Condições de Abastecimento e do Retalho.

A continuidade da atividade de agricultores e pescadores e do setor agroalimentar revelou-se imprescindível

durante o isolamento social, sem os quais este seria impensável.

Este setor, ao longo dos tempos, moldou a paisagem e a forma de utilização dos recursos, na construção do

que, hoje, designamos por gestão ambiental e territorial, gerando valor e economia.

Numa análise à autossuficiência e à capacidade de resposta nacional, constatamos um défice na balança

comercial alimentar. Contudo, os últimos anos têm revelado taxas de crescimento das exportações na ordem do

dobro das importações, num percurso francamente positivo visando o seu equilíbrio.

É neste contexto que vemos a presente reflexão e este desafio: em que medida, num mundo em que o

comércio internacional é uma realidade, com uma crescente integração do setor nas cadeias de valor globais,

poderemos objetivar uma balança comercial positiva, autossuficiente, mas com condições de competitividade

na produção, na segurança alimentar e no desenvolvimento territorial? Sobre que variáveis podemos e

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queremos intervir, num setor em que a variável preço tem uma forte influência na generalidade dos agentes

envolvidos, focando as atenções nos custos de produção, sejam financeiros, energéticos ou do trabalho?

De uma forma geral, temos assistido a uma subida das cotas portuguesas no mercado mundial.

O crédito ao setor aumentou, em contraciclo com o resto da economia; o crédito malparado no sistema

bancário é menor no setor primário; as exportações apresentam ainda uma forte dependência das importações,

é certo, mas as emissões de CO2 têm apresentado, também, diminuição. O cenário é de melhoria das condições

de competitividade, baseada no preço, refletindo-se no crescimento global das exportações e na melhoria da

balança comercial.

Num ambiente de importância crescente da qualidade e dos efeitos ambientais associados à produção e

comercialização, é importante refletir num processo de evolução dos produtos agrícolas, da sua vertente original

enquanto produtos de base, em direção a uma maior diferenciação e complexidade, com aumento da

importância dos serviços de valor acrescentado do setor.

Importa considerar que o valor do trabalho no setor agrícola aumentou em Portugal, influenciado pelo

percurso já iniciado com o aumento do salário mínimo nacional. Alguns diriam que trouxe perda de

competitividade, contudo, a evolução recente das exportações sugere que este efeito foi inferior aos dos ganhos

obtidos nas restantes dimensões, nomeadamente nos custos financeiros e energéticos.

O crescimento nominal das exportações na última década foi significativamente superior ao das importações.

As exportações cresceram 67,5%, enquanto as importações cresceram 38%, reduzindo de forma significativa o

défice comercial estrutural do setor.

O peso das exportações nas importações de bens agroalimentares aumentou mais de 11%, desde 2010,

passando de 53% para 65%, associado a um maior número de empresas portuguesas a exportar, que se

direcionam para mercados externos, e à maior qualidade e valor acrescentado da produção nacional em

produtos tão diferentes como o vinho, o azeite, o tomate ou a cortiça.

A crescente integração nas cadeias de valor global proporcionou a criação de novos empregos, mais

sustentáveis, e, ao mesmo tempo, motivou uma descida generalizada nos preços dos produtos de consumo

final, o que, complementado por apoios, possibilitou a melhoria das condições de vida da população associada

ao setor.

Sr.as e Srs. Deputados, os últimos meses expuseram o mundo como o conhecemos a sérias fragilidades e

para os próximos não se preveem facilidades, mas uma coisa parece certa: os agricultores, os pescadores, os

aquicultores, a alimentação e o setor agroalimentar permanecerão essenciais.

Pessoa desafiou-nos com a expressão «Minha pátria é a língua portuguesa». Também aqui o desafio parece

ganhar atualidade, inspirados pelo Desassossego de Pessoa, na relação da língua portuguesa com a

alimentação e a soberania alimentar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, a Mesa regista, para pedir esclarecimentos, duas inscrições, uma do

PSD e outra do PAN. Como pretende responder?

O Sr. João Azevedo Castro (PS): — Sr. Presidente, responderei em conjunto.

O Sr. Presidente: — Muito bem.

Tem, assim, a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado João Moura, do Grupo Parlamentar do

PSD.

O Sr. João Moura (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado João Castro, de facto, consigo concordar com o

Sr. Deputado quando nos diz, aqui, que a recente pandemia veio colocar a nu as fragilidades do setor da

agricultura. Permita-me que lhe refira os três setores, os três pilares essenciais da agricultura.

Na produção animal, os agricultores portugueses vivem com grande dificuldade, com fatores de produção

complicados. E vivem, no dia a dia, com dificuldade de escoamento do seu produto. Esta crise veio trazer-lhes

a necessidade de abater à nascença o que era a sua produção animal normal.

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O Sr. Ministro do Ambiente e da Ação Climática disse-nos que corroborava as palavras do Sr. Reitor da

Universidade de Coimbra, que dizia que essas malditas vacas eram as responsáveis pelas emissões de carbono.

A Sr.ª Ministra da Agricultura, em vez de defender o setor, em vez de dizer que as vaquinhas que pastam e

que são criadas em regime extensivo são, antes pelo contrário, sumidouros de carbono, veio dizer-nos que esta

pandemia era uma oportunidade para aumentar as exportações para a China.

Na produção agrícola, os agricultores debatem-se, no dia a dia, com muitas pragas, mas as pragas mais

recentes são aquelas que lhes combatem a oportunidade de usarem fitofármacos, de poderem ter uma

agricultura intensiva que tenha uma capacidade de competitividade com a agricultura externa, de que hoje aqui

se falou.

O Sr. Ministro do Ambiente e da Ação Climática diz que os fitofármacos são inimigos da agricultura e que as

colheiras noturnas fazem mal aos passarinhos.

Quanto à Sr.ª Ministra da Agricultura, o eco que temos do edifício do Ministério da Agricultura, no Terreiro do

Paço, é de que lá se têm umas belíssimas aulas de pilates.

No setor florestal, os produtores sentem-se completamente abandonados; a associação de produtores não

é vista nem tida nem achada para nada que se pareça.

O Sr. Ministro do Ambiente e da Ação Climática diz que a floresta é uma floresta de paisagem.

A Sr.ª Ministra da Agricultura diz que este momento de confinamento é um momento excelente para que os

agricultores possam voltar a assistir ao TV Rural.

Aquilo que me apraz perguntar, Sr. Deputado, é qual é a posição do Grupo Parlamentar do Partido Socialista

face a estas três dicotomias da agricultura em Portugal? Está do lado do Sr. Ministro do Ambiente e da Ação

Climática, fundamentalista de uma agricultura sustentável? Está do lado da Sr.ª Ministra da Agricultura,

praticamente inexistente? Ou está do lado dos agricultores?

Aplausos do PSD.

Protestos do Deputado do PS Pedro do Carmo.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para formular o próximo pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado

André Silva, do PAN.

O Sr. André Silva (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado João Castro, falou, ali da

tribuna, da importância do setor primário para o Partido Socialista.

Sintetizando, gostava de poder dizer que a sua intervenção se resume, no fundo, a quatro palavras:

competitividade, mais consumo, mais produção, mais exportação.

De facto, o Partido Socialista e o Governo do Partido Socialista têm uma perspetiva de desenvolvimento

económico bem diferente daquela que o PAN preconiza, bem diferente daquela que o mundo pede e bem

diferente daquela que o planeta precisa.

Para o Partido Socialista, o crescimento económico, o aumento dos valores da produção e da exportação de

bens e o aumento do PIB (produto interno bruto) podem fazer-se a qualquer custo. Basta, aliás, recordarmo-nos

da intervenção feita há pouco pelo Sr. Deputado Pedro do Carmo, que defende isso mesmo: invada-se o Alentejo

de monocultura de olival intensiva!

O Sr. Pedro do Carmo (PS): — Que obsessão!

O Sr. André Silva (PAN): — Gostava, Sr. Deputado, de lhe falar num problema grave de produção nacional

no nosso País, sobre o qual gostaria que pudesse comentar. Em Portugal, há suinicultores que, como sabe,

operando com total impunidade, continuam a poluir os nossos rios e os recursos hídricos para não gastarem

dinheiro no tratamento de efluentes. Falo, em particular, da região de Leiria e sua envolvente, que alberga mais

de 400 explorações suinícolas, uma das maiores concentrações desta indústria, número que tem vindo a

aumentar ao longo dos últimos anos de Governo do Partido Socialista.

O Sr. Pedro do Carmo (PS): — Não é verdade!

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O Sr. André Silva (PAN): — Estas empresas, estes agentes económicos, que não querem investir dinheiro

no tratamento de efluentes,…

O Sr. Pedro do Carmo (PS): — Continua a não ser verdade!

O Sr. André Silva (PAN): — … algumas destas explorações optam por vazar os efluentes junto de campos

agrícolas já saturados, comprometendo seriamente a qualidade dos solos e das reservas aquíferas locais.

O Sr. Pedro do Carmo (PS): — São a exceção!

O Sr. André Silva (PAN): — Muitas outras suiniculturas, à socapa da lei, simplesmente despejam os

excrementos dos animais diretamente nos rios, longe do olhar de todos.

O atentado ambiental repete-se, portanto, há décadas. As suiniculturas não são encerradas, pelo contrário,

multiplicam-se na sua total impunidade.

Pergunto-lhe, Sr. Deputado: é este o conceito de mais empregos sustentáveis que o Partido Socialista tem

defendido? É este o conceito de compatibilização ambiental que referiu na sua intervenção?

Como Bruxelas não permite que seja o Estado diretamente a pagar esses custos por desvirtuar a

concorrência e porque o Governo não obriga os produtores pecuários a cumprir legislação, o que é que tem feito

o Governo?! Nada mais faz do que andar a dizer, há anos, que vai rever a Estratégia Nacional para os Efluentes

Agropecuários e Agroindustriais, ENEAPAI, que nunca foi implementada, e tudo se mantém na mesma.

Pergunto-lhe, Sr. Deputado, o que acha do flagelo ambiental a que estamos sujeitos, particularmente na

região de Leiria, mas também noutras regiões do País, porque o Estado tudo permite aos produtores pecuários,

em nome do vosso desígnio cego de mais consumo, mais produção e mais exportação. A quem interessa que

este problema não se resolva? Considera, ou não, que as explorações pecuárias que não têm capacidade de

tratar os seus efluentes e que operam à margem da lei devem ser encerradas?

Aplausos do PAN.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Castro, do Grupo Parlamentar do

PS.

O Sr. João Azevedo Castro (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, agradeço ao Deputado João

Moura e ao Deputado André Silva a pertinência das questões colocadas.

Ao Deputado João Moura, gostaria de responder com três abordagens que, obviamente, precisam de ser

desenvolvidas, algo que tentei fazer na intervenção que fiz há pouco.

Uma delas tem a ver com a palavra «inovação», nomeadamente quando aborda as questões das emissões

decorrentes da agricultura. Por exemplo, hoje já estão a decorrer estudos de alteração do regime alimentar,

concretamente, dos bovinos para a redução drástica de emissões, que se perspetiva ainda poder acontecer.

Outra abordagem é a da produção sustentável, que hoje já se faz em Portugal, com uma redução significativa

da utilização de fitofármacos, adequando a sua utilização às efetivas necessidades das produções.

A última tem a ver com o crescimento que se tem verificado no setor agrícola a nível das exportações, muito

superior ao das importações, mesmo em tempo de pandemia.

Sobre a questão colocada pelo Sr. Deputado André Silva, percebo a sua fixação, percebo a sua pertinência

e percebo que se mantenha na abordagem do problema; seria interessante que passasse para a perspetiva da

solução. Fez uma síntese um pouco resumida.

Protestos do Deputado do PAN André Silva.

Traduziu em quatro palavras a intervenção que hoje fiz. Vou ajudá-lo e vou resumir a intervenção que hoje

fiz só numa palavra: alimentação.

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Aplausos do PS.

Entretanto, assumiu a presidência a Vice-Presidente Edite Estrela.

A Sr.ª Presidente: — Boa tarde, Sr.as e Srs. Deputados.

Continuando o debate, tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Emília Cerqueira, do Grupo

Parlamentar do PSD.

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje, sob a capa da soberania

alimentar, produção e emprego, temos um debate, agendado pelo PCP, de nada. No entanto, recentrando este

debate na alimentação e na soberania, começaria com uma citação de Charles Godfray, a propósito dos desafios

na alimentação para as próximas décadas: «Se falharmos na alimentação, falharemos em tudo o resto — na

pobreza, na biodiversidade, nas alterações climáticas — e comprometeremos a nossa evolução enquanto

espécie».

Protestos do Deputado do PCP João Dias.

Até hoje, não falhámos e, com mais ou menos desequilíbrios, conseguimos fornecer alimentos de qualidade

à população portuguesa e europeia. No entanto, esta abundância não deve ser encarada como garantia, porque

não o é. Aliás, um dos muitos ensinamentos que podemos retirar desta pandemia é, precisamente, o da

fragilidade dos sistemas e da nossa dependência excessiva de outras partes do globo extra-União Europeia. É

importante fixar isso.

No caso da alimentação, a dependência extra-União Europeia não é ainda preocupante, como o é noutros

setores. Durante o período de choque da pandemia, os setores agrícolas nacional e europeu mostraram-se

resilientes, garantindo o abastecimento alimentar. Mas o mesmo pode não acontecer numa próxima crise. Basta

a política pública seguir as derivas de algumas correntes dentro e fora de Portugal e deixar de encarar a

produção agrícola como estratégica. Os discursos politicamente corretos sobre o Green Deal, a neutralidade

carbónica ou a Farm to Fork, per si, parecem ter cegado o que devia ser óbvio para uns. Assim, descentrou-se

o debate sobre produção agrícola e sobre a necessidade de reforçar a balança agroalimentar na Europa.

Para que a produção alimentar continue a não falhar, é necessário reequilibrar o papel da política agrícola

comum na produção de alimentos, alimentos, esses, imprescindíveis à sobrevivência do Homem, enquanto

espécie.

Esta premissa não é única, mas é mais do que suficiente e justifica que o PSD defenda a agricultura como

sendo central na independência do País, a agricultura que é o conjunto das cadeias curtas, da produção

nacional, do comércio tradicional, bem como a agricultura de produção das grandes cadeias de abastecimento.

Tudo é agricultura nacional e soberania, que devem ser defendidas, cada uma ocupando o seu papel na cadeia

agroalimentar. Falo de uma agricultura diversificada, multifuncional e humanizante, que ocupe o território, que

dê expressão social e económica a todas as regiões, contribuindo para a coesão nacional e para um razoável

nível de autoabastecimento alimentar.

A propósito do conceito de soberania alimentar por nós defendido — que não é o de que «cada país produza

tudo» —, vale a pena também recordar as palavras do Prof. Orlando Ribeiro, quando diz: «Em Portugal, onde

há terra não há clima e onde há clima não há terra».

O Sr. João Dias (PCP): — Não tem nada para dizer!

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Ou seja, dificilmente podemos produzir tudo o que necessitamos, mas

podemos e devemos reduzir o nosso défice externo agroalimentar, que se cifra na ordem dos 3,5 mil milhões de

euros, valor a que corresponde um grau de autoaprovisionamento alimentar superior a 80%.

No PSD, defendemos o reforço da autossuficiência alimentar em valor, através do aumento da produção

agrícola. Como?! Continuando a investir na agricultura.

O crescimento do investimento na agricultura, entre 2010 e 2017, foi de 1,6% ao ano, ao contrário do conjunto

da economia, que foi, na altura, de -1,2% ao ano. No entanto, essa tendência, ao contrário do que afirmou o

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Partido Socialista na sua intervenção, inverteu-se a partir de 2017, segundo as contas do INE (Instituto Nacional

de Estatística) de 2018, sendo que, de há dois anos para cá, o investimento agrícola recuou 3,5%, enquanto o

investimento da economia, inversamente, subiu. É, no mínimo, inquietante. Urge perguntar: porquê?

Os elevados níveis de investimento no passado permitiram transformações extraordinárias em setores como

o do vinho, o do azeite, o das frutas, o dos produtos hortícolas ou até mesmo o do milho. São exemplos como

estes que devemos replicar, através da incorporação de mais inovação e de mais tecnologia e de uma estratégia

comum na cadeia de valor, procurando, por esta via, aumentar a produção nacional.

Adicionalmente, é preciso mais investimento para corrigir falhas que ainda persistem.

A nível da organização de produção, Portugal necessita de reforçar as organizações de produtores, bem

como o programa de apoio ao redimensionamento das cooperativas, fundamentais nesta organização dos

pequenos produtores.

A nível da gestão de risco, é preciso melhorar a forma como se assume o risco, nomeadamente através do

reforço e da melhoria dos seguros agrícolas.

A nível da energia, Portugal é o Estado-Membro com a eletricidade mais cara da Europa, o que prejudica

fortemente os sistemas de rega e a conservação dos produtos. A este propósito, vale a pena lembrar um fator

essencial para a produção: a água. No caso português, sem água não podemos ambicionar aumentos de

produtividade, nem produções capazes de alimentar a nossa população. Precisamos de aumentar a nossa área

irrigável, que é apenas 15% da superfície agrícola utilizada. Contudo, de forma completamente absurda e

incompreensível, cada vez que se fala em alargar obras de irrigação surgem novos contestatários. Aliás, isto

vem de chamados «defensores do ambiente», que se esquecem de que é precisamente nas áreas de regadio

que a biodiversidade é mais rica, ao contrário das áreas de sequeiro, que são muitas vezes ou, mesmo, quase

sempre semiáridas.

Dito isto, precisamos de garantir, repito, que não faltem alimentos na mesa dos portugueses. Para isso, é

necessário haver uma estratégia comum e concertada, nomeadamente a nível da nova PAC. Não podemos

continuar a ter um Governo que parece estar à deriva, sem estratégia, sem visão e sem futuro.

O PSD estará cá para lutar pelo mundo rural, pela indústria agroalimentar e pela agricultura como um todo.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Inscreveram-se dois Srs. Deputados para pedir esclarecimentos à Sr.ª

Deputada Emília Cerqueira, que informou a Mesa de que deseja responder em conjunto.

Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Rocha, do Grupo Parlamentar do PS.

O Sr. Francisco Rocha (PS): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Emília Cerqueira,

deveríamos aproveitar este debate para olhar o futuro e perguntar o que queremos da agricultura portuguesa e

do respetivo complexo agroalimentar. Também deveríamos assinalar a coincidência entre a negociação do novo

quadro de política europeia e esta pandemia para avaliar e ajustar a nossa estratégia.

Não é um desafio fácil, pois o atual contexto carregou todos os cenários com a palavra «incerteza». Por isso,

mais do que nunca, temos de refletir que caminhos vamos trilhar, quais os apoios que consideramos essenciais

para as áreas da agricultura, do mar e da pecuária…

O Sr. Pedro do Carmo (PS): — Muito bem!

O Sr. Francisco Rocha (PS): — … e o que podemos e devemos fazer para a recuperação económica desses

mesmos setores e fileiras, no atual contexto.

Essa reflexão deve levar em linha de conta o plano estratégico da nova PAC, o Pacto Ecológico Europeu, a

negociação do quadro financeiro plurianual,…

A Sr.ª Hortense Martins (PS): — Muito bem!

O Sr. Francisco Rocha (PS): — … a Estratégia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, o Programa

de Estabilização Económica e Social, recentemente aprovado nesta Casa, o Programa Nacional de Regadios,

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a organização de diversas fileiras produtivas, a agricultura familiar e a agricultura biológica, a incorporação de

inovação e investigação nas diversas atividades agrárias e, também, os desafios que a agricultura e a pecuária

enfrentam em relação à sustentabilidade energética e à obrigação de redução dos gases com efeito de estufa.

Por isso, confessamos a nossa perplexidade ao perceber a visão e a leitura que o PSD hoje trouxe para este

debate. É que a agricultura portuguesa, imagine-se só, em 2019 teve um dos quatro resultados económicos

mais favoráveis dos últimos 10 anos e à data do início da pandemia tínhamos conseguido abrir além-fronteiras

57 novos mercados para os nossos produtos.

Aplausos do PS.

Srs. Deputados, não basta carregar sempre na mesma tecla, «falta de peso político do Ministério da

Agricultura», para fazer desta frase batida uma visão política alternativa ou diferenciada que o PSD deveria

mostrar.

Aquilo que importa, hoje, é perguntar qual é afinal o vosso pensamento em relação ao papel que reservam

para todo o setor agrário português no âmbito da PAC a que estamos vinculados. E essa leitura, Sr.ª Deputada

Emília Cerqueira, tem de conter coerência para não caírem na tentação fácil de defenderem coisa diferente

agora, claramente em contramão com aquilo que defendiam e apregoavam quando eram Governo. Como todos

sabemos, o ziguezague não é estratégia, é simplesmente disfarce para esconder a falta de rumo e de

pensamento estruturado.

Por isso, ficam aqui algumas questões: estão, ou não, de acordo com as medidas que o Governo tem

implementado para simplificar processos, antecipar pagamentos, criar linhas de crédito, dar liquidez aos setores,

dar sustentabilidade e previsibilidade à produção e aos mercados?

Estão, ou não, alinhados com a agenda de inovação que o Ministério da Agricultura está a ultimar? E que

alternativas apresentam para que todo o complexo agroalimentar esteja preparado para os múltiplos desafios

que a nova PAC vai colocar, particularmente no que se refere à redução dos respetivos impactos ambientais?

Consideram, ou não, que devemos aproveitar este contexto para construir um novo contrato, uma nova

aliança entre a produção nacional e a distribuição, corrigindo o mais possível as assimetrias crónicas?

Estão, ou não, de acordo que devemos concretizar rapidamente a revisão do Código dos Contratos Públicos

para que possam ser valorizados de forma mais intensa os produtos locais, a agricultura biológica e as cadeias

curtas?

Já agora, estão, ou não, disponíveis para apoiar o Governo do Partido Socialista para que se consiga êxito

na mesa negocial da Comissão Europeia, por forma a vermos assegurada uma transição justa e faseada para

a nova PAC e para o novo Pacto Ecológico Europeu?

Afinal de contas, Sr.ª Deputada, para além da insustentável leveza da argumentação que gira à volta da falta

de peso político, o que é que verdadeiramente o PSD propõe como caminho alternativo para o crescimento e

para o sucesso do setor agrário português?

Aplausos do PS.

O Sr. Pedro do Carmo (PS): — Nada!

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado André Silva,

do Grupo Parlamentar do PAN.

O Sr. André Silva (PAN): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Emília Cerqueira, falou da importância da

produção agrícola nacional e de um recurso que é fundamental para o seu sucesso: a água.

Hoje, gostaria de refletir e de debater consigo, com o PSD, porque o PSD não é um partido negacionista, a

importância e a utilização deste recurso com base nos mais recentes dados da comunidade científica.

O cenário das alterações climáticas que vivemos, como sabe, é dramático: ao atual ritmo de emissões temos

menos de oito anos para garantir a nossa sobrevivência no planeta e Portugal é um dos países europeus que

mais sofrerá com os seus efeitos. Os cientistas dizem que abaixo do paralelo 40 os territórios serão inabitáveis

e em Portugal o paralelo 40 está na Figueira da Foz, pelo que 60% do nosso território está em risco de

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desertificação, nomeadamente o Alentejo e o Algarve, onde a redução da disponibilidade de água já se faz sentir

há muito.

Mas o País continua a apostar em olivais e estufas intensivas no Alentejo ou na cultura do abacate no Algarve,

uma produção com uma enorme pegada hídrica, isto ao mesmo tempo em que populações são abastecidas de

água por autotanques no Sotavento Algarvio.

Não se percebe como é que é possível continuarmos sem um ordenamento territorial agrícola baseado na

nova realidade climática e não nos prepararmos para o que aí vem quando destruímos os recursos que ainda

temos.

Ao longo das últimas décadas, os valores económicos têm prevalecido, em detrimento da salvaguarda do

património ambiental e paisagístico. É o que se tem passado na Costa Vicentina, que foi plastificada de estufas

e, mais recentemente, de olival superintensivo, que destrói e contamina solos, desperdiça água e extingue

espécies em zonas de seca afetadas pelas alterações climáticas.

E porque o PSD não tem uma visão negacionista sobre a realidade climática, porque o PSD defende a

compatibilização da economia com os valores ambientais, não concorda, Sr.ª Deputada, que se deveria, de uma

vez por todas, regulamentar as produções agrícolas superintensivas e que nas zonas afetadas pelas alterações

climáticas e pela seca deveria o País apostar em culturas adaptadas a esta realidade, ao invés do atual modelo

e políticas agrícolas de esbanjamento de água e destruição de solos?

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Emília Cerqueira.

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Sr.ª Presidente, começo por agradecer as perguntas que me foram feitas.

Sr. Deputado Francisco Rocha, quanto à falta de peso político que referiu por seis ou sete vezes na sua

intervenção, são palavras suas. Parece-me que é esse o pensamento que têm em relação à vossa Ministra,

porque se ouvisse a minha intervenção e não trouxesse escrito antes o seu pedido de esclarecimento, teria

verificado que eu não falei uma única vez na vossa Ministra. Vocês têm tanta consciência da falta de peso que

ela tem que têm necessidade de vir aqui reforçar essa ideia várias vezes para se defenderem daquilo que não

precisam, porque não foi referido.

Aplausos do PSD.

É muito interessante este pequeno detalhe. Acontece a quem traz intervenções pré-escritas.

Quanto às questões da PAC e sobre a nossa visão da agricultura, Sr. Deputado, basta ouvir a minha

intervenção. Mas continuamos com um grande problema: é que trazem intervenções preparadas e, depois, não

bate certo com aquilo que foi dito. Sr. Deputado, aconselho-o a voltar a ouvir a minha intervenção e terá a

resposta a quase todas as suas questões.

O Sr. João Moura (PSD): — Muito bem!

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Quanto aos ziguezagues do PSD, que referiu, gostava de lhe dizer que

nunca existiram. Aliás, aquando da comissão eventual para a negociação do pacote plurianual 2030, o PSD fez,

inclusive, um acordo para que se defendesse um melhor pacote para Portugal. É bom ter memória disso. Não

foi há muito tempo, foi há menos de um ano e nós estivemos na primeira linha da negociação.

No Parlamento Europeu, sabe quem tem estado na primeira linha da negociação do novo pacote, para que

Portugal não seja prejudicado? Os Eurodeputados portugueses, que têm feito finca-pé, ao contrário do Governo,

que é muito forte no País e muito fraco no exterior.

Sr. Deputado, o PSD sempre teve uma visão integrada da agricultura, em que todos têm lugar — as cadeias

curtas de produção, a agricultura tradicional… Essa é a nossa visão de desenvolvimento, sempre de acordo

com as boas práticas e com o que a ciência vem sustentar. O PSD sempre defendeu um equilíbrio entre

produção e sustentabilidade.

Vozes do PSD: — Muito bem!

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A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Quanto aos dados do crescimento, aconselho-o a ver os do INE de 2018,

não são meus.

Sr. Deputado André Silva, agradeço a questão que colocou, embora já tenha sido aqui posta por diversas

vezes e esta discussão se tenha repetido. Mais uma vez, relativamente à pegada ecológica, há uma coisa que

o PAN oblitera da discussão, que é esquecer-se constantemente, quando fala da alimentação de produção, de

quais seriam as consequências do sequeiro e da desertificação. Eu cresci a ouvir falar num Alentejo e num

Algarve desertificados, que estariam na iminência de desertificação.

Sr. Deputado, no dia em que os estudos, que aqui defendemos e que aprovámos recentemente sob proposta

do PS, forem feitos e disserem que estamos errados, o PSD, que segue sempre o rigor e a ciência, estará ao

lado do PAN. Até esse dia, apenas por dogmatismo ou por ideologia, nunca estaremos. Nós estamos sempre

ao lado do rigor e da ciência!

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Vicente,

do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.

O Sr. Ricardo Vicente (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A atual pandemia tem evidenciado

muitas limitações no sistema de produção e distribuição de alimentos do País. Se já anteriormente era

necessário impulsionar políticas públicas que garantissem maior equilíbrio ao longo da cadeia de abastecimento

e a formulação de preços justos aos produtores e consumidores, o atual panorama torna essas políticas ainda

mais urgentes. Os agricultores e pescadores — que abastecem a sociedade de bens alimentares essenciais —

não podem ficar reféns da vontade das grandes cadeias de distribuição, que compram a preços demasiado

baixos e vendem a preços excessivos, sob pena de a atividade de muitos produtores se tornar inviável.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!

O Sr. Ricardo Vicente (BE): — Valorizar a produção e o trabalho dos profissionais da agricultura e da pesca

é uma condição necessária para nos aproximarmos da soberania alimentar de que o País precisa.

Durante décadas, governos e autarquias incentivaram a abertura de grandes superfícies comerciais, que têm

vindo a dominar as redes de distribuição, contribuindo deste modo para a destruição das economias locais. É,

assim, importante inverter esta situação.

Recentemente, foi votada uma proposta do Bloco de Esquerda para garantir preços justos ao consumidor e

ao produtor. Propúnhamos que fossem tomadas medidas para impedir o abuso da grande distribuição sobre os

produtores, garantindo preços mínimos acima dos custos de produção, mas também a definição de margens

máximas de intermediação. Todos os agricultores e pescadores que nos ouvem sabem bem do que estamos a

falar. Sabem que esta é a única forma de acabar com este abuso, mas o PS e a direita não tiveram coragem de

votar a favor destas propostas e não apresentaram qualquer proposta alternativa, repito, qualquer resposta

alternativa. Não estão disponíveis para resolver este problema e enfrentar o poder da grande distribuição.

Ainda ontem, foi notícia, a título de exemplo, a Jerónimo Martins. Cito notícia de ontem: «Esquema de fraude

organizada, de dimensão transnacional, baseado na criação de empresas-fantasma e na criação de circuitos de

faturação fictícios, que visavam a evasão ao IVA e a obtenção indevida de reembolsos».

Continuo a citação: «Além de defraudar o Estado português, os referidos bens foram colocados no mercado

abaixo do preço de custo, gerando uma concorrência desleal entre operadores e uma adulteração grave do

mercado nacional nesses setores».

Portanto, deixo aqui a seguinte pergunta: está o PCP, que trouxe aqui hoje este debate, disponível para

propor e apoiar medidas no sentido de intervir sobre o mercado de bens alimentares, garantindo maior soberania

para o País? E o restante Parlamento? É que para o Governo nem a transposição de uma diretiva comunitária

com medidas mínimas parece merecer qualquer urgência.

Aproxima-se a entrada de um novo quadro comunitário da política agrícola comum e ou Governo se

esqueceu, ou está a tratar deste assunto noutro local, o que não seria inédito — lembramo-nos, por exemplo,

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da taxa sobre a celulose, que ficou esquecida —, ou, então, anda a negociar a estratégia para a transposição

do próximo quadro comunitário em gabinetes fechados e longe do escrutínio público.

Para o Bloco de Esquerda não restam dúvidas: este é um momento fundamental para reformular a política

agrícola de forma a responder ao desafio das alterações climáticas, mas também à soberania alimentar.

Por isso, propomos a formulação de um programa de transição ecológica para a toda a agricultura e para

todo o País. Os fundos públicos devem ser aplicados para responder ao interesse público e para tal é necessário

abandonar os sistemas de monocultura e apostar numa agricultura diversificada e de proximidade. PCP, PS e

direita chumbaram, recentemente, esta proposta, estamos disponíveis para voltar a colocá-la.

Precisamos de realizar escolhas concretas: as águas do Alqueva e restantes investimentos públicos em

regadio devem estar condicionados a agriculturas diversificadas, em vez de sistemas de monocultura.

As medidas de apoio não podem tratar o território de forma desigual nem abandonar os produtores de menor

dimensão, como tem acontecido ao longo dos anos. A transição ecológica, a resposta às alterações climáticas

e a soberania alimentar devem ser garantidas de forma inclusiva e democrática, e essa escolha faz-se agora.

Está o PCP disponível para apoiar este caminho? E os restantes grupos parlamentares?

Durante décadas, os consecutivos Governos, com o comando alternado entre PS e PSD, degradaram a

soberania alimentar do País. Destruíram-se os serviços de extensão rural, delapidou-se a capacidade dos

centros de investigação nacional e destruíram-se os serviços de extensão. Pelo caminho, esvaziaram-se os

territórios rurais. Hoje, há um enorme trabalho de mitigação e de adaptação às alterações climáticas que está

por fazer e faltam serviços públicos capazes para apoiar esta transformação, com redução respetiva de

consumos. A ideologia de mercado falhou e a realidade é a prova concreta.

Dou-vos dois exemplos. A nível de inseticidasede herbicidas, os consumos mantiveram-se em Portugal,

entre 2006 e 2016, isto é, foram 10 anos de pequenas oscilações. Segundo os dados do INE, o excesso de

azoto aplicado por hectare, em 2017, foi de 43 kg e é equivalente ao aplicado no ano de 1995. Há 20 anos,

colocávamos excessos iguais aos que hoje são colocados por hectare e que contaminam solos e linhas de água.

Assim, é preciso reconstruir serviços públicos, de experimentação e de aconselhamento técnico-científico às

explorações agroflorestais. Está este Parlamento disponível para o garantir? Da parte do Bloco de Esquerda,

podem contar connosco.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr. Deputado Ricardo Vicente, inscreveram-se dois Srs. Deputados para

pedir esclarecimentos.

Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Leitão, do PSD, que, por razões de saúde, vai intervir

sentado.

O Sr. Paulo Leitão (PSD): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, o Bloco de Esquerda tem assumido um

conjunto de posições no setor agropecuário contra as explorações intensivas e a monocultura.

No seu Programa Eleitoral, encontra-se inscrito um conjunto de restrições à aplicação de fitofármacos e de

adubos, bem como à construção de obras hidráulicas e de regadio. Um exemplo claro desta cegueira ideológica

foram as infelizes e imprecisas declarações da Deputada Catarina Martins sobre a evaporação da água nas

barragens. O Bloco de Esquerda também propõe a adoção de cadeias curtas de transformação e de distribuição

de bens alimentares e a promoção da produção extensiva e multifuncional.

No que concerne à promoção e à adoção das melhores práticas ambientais, o PSD acompanha a

necessidade de adoção de políticas e de medidas com realismo e com os pés bem assentes na terra, sem

radicalismos fúteis e desnecessários, que têm de ter a devida sustentação científica para não pôr em causa a

capacidade produtiva do País, o rendimento dos agricultores e o crescimento da produção nacional.

Os fortes constrangimentos à capacidade produtiva que seriam criados pelas propostas do Bloco de

Esquerda, por não conciliarem a sustentabilidade ambiental com a sustentabilidade económica dos produtores,

prejudicariam gravemente o setor, com efeitos perversos como a abrupta quebra de produção e o abandono das

terras e do território, expondo-o à desertificação e à quebra da biodiversidade. A título de exemplo, na minha

região, se não tivesse sido construído um conjunto de obras constituído pela barragem da Aguieira, pela ponte

do Açude, em Coimbra, e pelo sistema de regadio do Baixo Mondego, sem qualquer temor da malvada

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evaporação da água, os índices de produtividade seriam certamente muito inferiores. Já agora, relembro que

muitos agricultores continuam a reclamar pela construção da barragem de Girabolhos para evitar novas

inundações e consequentes quebras de produção. Recordo que esta barragem, essencial à região Centro, não

foi construída por imposição da geringonça.

Assim, questiono-o, Sr. Deputado: como pretende o Bloco de Esquerda compatibilizar o conjunto de políticas

que criam barreiras à capacidade produtiva agropecuária e, ao mesmo tempo, aumentar a produção total do

País por forma a garantir a nossa autossuficiência? Ou seja, recorrendo a uma expressão popular que já aqui

hoje foi dita, como pretende o Bloco de Esquerda ter «sol na eira e chuva no nabal»?

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Nicolau,

do Grupo Parlamentar do PS.

O Sr. João Miguel Nicolau (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, poucos setores mostram tanta

resiliência e tanto sentido de missão como mostraram os setores da agricultura, da pesca e toda a parte

agroalimentar nesta crise sanitária. Neste contexto adverso, estes setores nunca pararam, como um verdadeiro

serviço público, para garantirem que não falta nada na mesa dos portugueses. Ficaram bem claras, nestes

meses atípicos, a vitalidade e a importância de toda a cadeia de abastecimento alimentar, as quais se devem,

sem dúvida, à tenacidade e à força dos profissionais.

O Sr. Pedro do Carmo (PS): — Muito bem!

O Sr. João Miguel Nicolau (PS): — Pelas piores razões, esta crise veio demonstrar a importância de uma

produção nacional forte e competitiva, sendo um pilar fundamental do desenvolvimento territorial e económico

que temos de continuar a valorizar e em cujo desenvolvimento devemos apostar. Esta é também a oportunidade

para intensificar a inovação e a generalização de práticas mais sustentáveis na produção agroalimentar,

essenciais para dotar o setor de uma escala maior e de competitividade, num caminho indispensável para um

maior consumo nacional, indo ao encontro das declarações do Sr. Deputado Ricardo Vicente.

Durante a emergência sanitária, os Ministérios da Agricultura e do Mar estiveram bem à altura das

necessidades e do desafio destes tempos difíceis, adotando as medidas necessárias a cada momento e

mostrando-se incansáveis na defesa dos profissionais e da atividade produtiva. Desde logo, na promoção do

consumo nacional, através da campanha, que bem ficou no ouvido de todos os portugueses, Alimente quem o

Alimenta, uma plataforma de partilha e de interação entre produtores e consumidores. Este é um dos exemplos

desse estímulo de novos mercados e de novas cadeias curtas de trocas comerciais.

Sr. Deputado Ricardo Vicente, já nos tem brindado com algumas intervenções sobre as culturas intensivas

e, no seu sentido lato de culturas intensivas, podemos incluir setores como o da vinha ou o da cereja. Tivemos

aqui, há bem pouco tempo, os produtores de cereja a queixarem-se dos prejuízos do mau tempo. Tudo isto são

culturas intensivas, por isso não percebemos bem como é que o Sr. Deputado quer transformar a agricultura

numa agricultura não intensiva. Portanto, àquilo que chama de «intensiva», muitas vezes podemos chamar de

«competitividade». Aquilo de que a agricultura precisa neste momento é de mais competitividade, de ganhar

competitividade. Para isso, o Governo tem, neste momento, em curso a apresentação da Estratégia para a

Inovação.

Assim, Sr. Deputado, queria perguntar-lhe se o Bloco de Esquerda está disponível para acompanhar o

interesse nesta Estratégia para a Inovação, que vai ao encontro das suas preocupações em termos de redução

de fitofarmacêuticos e de maior eficiência na agricultura.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para responder aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr.

Deputado Ricardo Vicente, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.

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O Sr. Ricardo Vicente (BE): — Sr.ª Presidente, em primeiro lugar, gostaria de fazer um esclarecimento sobre

a intensidade da agricultura.

A agricultura intensiva, entendo eu e o Bloco de Esquerda, é uma agricultura que tem um elevado consumo

de fatores de produção industriais. Isso não significa que não se possa fazer uma agricultura com maiores

produtividades, até por hectare, reduzindo fatores de produção e substituindo-os por processos ecológicos. É

sobre esse trabalho que se tem baseado toda a investigação científica para mitigação e adaptação às alterações

climáticas, sendo este um processo que até é mais resiliente.

Vejam bem que ideia radical é esta do Bloco de Esquerda que pretende limitar os apoios públicos à agricultura

a sistemas agrícolas que cumpram os principais pilares da proteção integrada, da produção integrada, da

agricultura biológica, que é a existência de sistemas de produção com rotações e com consociações,

contornando os sistemas de monocultura, porque são lesivos para os lençóis freáticos, promovem consumos de

pesticidas, consomem mais adubos, são mais dependentes de processos de exterior e emitem mais gases com

efeito de estufa!! Esta é a nossa ideia radical: apoiar as agriculturas sustentáveis, baseadas nas rotações e na

diversidade da produção, em modelos agro-silvo-pastoris, modelos que combinam a produção de frutas com a

produção de hortícolas, modelos que garantem que um pomar não é feito de uma variedade só ou até vinhas

que não são feitas de uma única casta ou até de um único clone. Sabe porquê? Porque essas vinhas são muito

mais suscetíveis ao oídio ou ao míldio. Mas o Sr. Deputado não sabe o que isso significa! São doenças vulgares

na agricultura.

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — O Sr. Deputado é que não sabe!

O Sr. Ricardo Vicente (BE): — Quero dizer-vos também que o regadio não é uma questão incontornável em

muitas áreas da agricultura, o regadio é importante, sim, para a produção agrícola. O Bloco de Esquerda propôs,

em sede de Orçamento do Estado — uma proposta que foi chumbada —, que o investimento realizado em

regadio público, em Portugal, ficasse também condicionado à prática de rotações, de consociações, a culturas

agrícolas e a formas de produção mais resilientes às alterações climáticas, com capacidade de fornecimento de

produção de alimentos necessários ao nosso bem-estar e às nossas necessidades diárias.

Por isso, apelo a essa necessidade de se olhar para a agricultura de uma forma resiliente e de recusa dos

sistemas de monocultura, implementando sistemas de produção que sejam resilientes e que possibilitem uma

verdadeira descarbonização da agricultura.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias, do

Grupo Parlamentar do PCP.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quando os debates sobre a política

económica têm como contexto a incerteza e as ameaças aos trabalhadores e aos povos, é preciso que haja

coragem política para assumir como primeira prioridade a defesa do interesse nacional, enfrentando e recusando

os interesses do poder económico.

O Sr. António Filipe (PCP): — Muito bem!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — É preciso reafirmar: Portugal não é um país pobre, mas os problemas e os

défices estruturais do País avolumam dependências e tolhem o desenvolvimento. A situação de vulnerabilidade

e de dependência a que se chegou é o resultado de décadas de política de direita em que o País, pela mão do

PS, do PSD e do CDS, alienou setores estratégicos, destruiu capacidade produtiva, reduziu o investimento

público, fragilizou serviços públicos essenciais, impôs baixos salários e promoveu a exploração.

O que a resposta ao pós-COVID-19 coloca, com toda a premência, é a rutura com opções e posicionamentos

dominantes e a adoção de uma política alternativa que garanta condições para o País enfrentar os problemas.

O que se impõe é a defesa e a promoção da produção nacional e dos setores produtivos. A situação reclama

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um programa integrado de dinamização da atividade económica, onde o planeamento democrático se assuma

como um instrumento de desenvolvimento e de soberania nas políticas públicas.

A importância do turismo não pode iludir o facto de o País precisar de diversificar a sua atividade económica,

diminuindo dependências e défices que se arrastam há décadas e que urge suprir. O desenvolvimento

económico que defendemos para o nosso País deve ter na sua base uma política económica alternativa, cujos

grandes objetivos sejam, desde logo, a defesa e a promoção da produção nacional e dos setores produtivos,

com o desenvolvimento de uma política em defesa da indústria transformadora e extrativa, que coloque os

recursos nacionais efetivamente ao serviço do País e do seu desenvolvimento e que, desta forma, contribua

para a redução dos nossos défices estruturais: alimentar, energético, tecnológico e de bens de equipamento.

É indispensável uma política que promova uma aposta na produção no setor alimentar, nos medicamentos e

no material clínico, nos equipamentos de transporte — com destaque para a construção naval, para o material

circulante e equipamento ferroviário, etc. —, em que o controlo público recupere a presença e a intervenção em

setores como a energia, as telecomunicações ou os seguros, a par do necessário apoio às micro, pequenas e

médias empresas e ao setor cooperativo, aliviando-os da rapina imposta pelos grupos económicos.

Um aspeto central que se coloca neste debate, que foi confirmado e evidenciado pela situação causada pela

epidemia de COVID-19, é o caráter absolutamente decisivo que tem uma estratégia de substituição de

importações por produção nacional para que deixemos de trazer de fora aquilo que podemos e devemos produzir

cá.

Sim, Srs. Deputados, é preciso que haja memória, para não esquecer, do que foi a destruição de unidades

produtivas de importância crítica para a nossa economia. Saiba, Sr.ª Deputada, que o nosso País já produziu

comboios e que deixou de produzi-los quando destruíram a Sorefame (Sociedades Reunidas de Fabricações

Metálicas). Não esquecemos o que fizeram com a Sorefame, com a Cimpor (Cimentos de Portugal), com a

marinha mercante nacional, com tantas empresas e setores estratégicos! E não podemos permitir que alguém

venha a fazê-lo com a Efacec ou com a TAP. Não estamos condenados a estas inevitabilidades!

O que o PCP defende e propõe é uma economia que não esteja dominada pelos monopólios, que promova

a produção nacional, base para a criação de riqueza, para a criação de emprego com direitos. O que o PCP

defende e afirma é um projeto para um País livre, soberano, desenvolvido.

É esse o nosso compromisso, é essa a nossa luta!

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr. Deputado Bruno Dias, inscreveu-se, para pedir esclarecimentos, o

Sr. Deputado António Ventura, do PSD, mas o Sr. Deputado já não tempo para responder. De qualquer maneira,

fica o pedido de esclarecimento registado.

Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado António Ventura, do Grupo Parlamentar do PSD.

O Sr. António Ventura (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, uma primeira nota para dizer que

é lamentável o Governo da República não estar aqui na discussão de uma matéria tão importante e estratégica

para Portugal. É lesivo para este debate o Governo não dizer ao que vem, o que pensa e o que quer para

Portugal, nesta matéria.

O debate fica, assim, prejudicado. E, ao ficar prejudicado, ficam também prejudicados os portugueses.

Uma segunda nota é para o Sr. Deputado Bruno Dias — a quem não vou perguntar nada, porque não tem

tempo para responder —, no sentido de alertá-lo para uma questão. A questão é que, à pala da COVID-19, está

a surgir o embrião para a renacionalização da PAC. De facto, podemos estar a assistir àquilo que é a atribuição

a cada Estado-Membro da capacidade de ajudar os seus produtores, o que é lesivo para Portugal, porque vai

agravar o fosso entre os ricos e os pobres.

Portanto, Sr. Deputado Bruno Dias, o que gostava de lhe perguntar — e, em jeito de resposta, pode fazer um

aparte ou dizer «sim» ou «não» com a cabeça — é se é a favor do dinheiro europeu, ou não.

Uma terceira nota tem a ver com as regiões autónomas e o programa específico de apoio, que é o POSEI

(Programa de Opções Específicas para fazer face ao Afastamento e à Insularidade). O POSEI, neste momento,

tem um défice de 10 milhões de euros para os Açores e de 5 milhões de euros para a Madeira, havendo em

cima da mesa uma proposta da União Europeia para um corte de 3,9%.

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Posto isto, este é o momento para se saber qual é a coragem de todos os grupos parlamentares, se este

corte for em frente e se não for reposto o que falta. Será que esta Casa vai inscrever no próximo Orçamento do

Estado todos os montantes em falta para o POSEI dos Açores e para o POSEI da Madeira?

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Lara Martinho, do

Grupo Parlamentar do PS.

A Sr.ª Lara Martinho (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Chegados quase ao final deste debate,

torna-se claro que esta pandemia da COVID-19 evidenciou a importância de termos sociedades mais resilientes.

Além disso, tornou ainda mais saliente a inter-relação entre a nossa saúde, os ecossistemas, as cadeias de

abastecimento, os padrões de consumo e os limites do planeta.

A realidade é que, além desta pandemia, também os desafios que enfrentamos são cada vez mais

frequentes, como as secas, as inundações, os incêndios florestais e as novas pragas, que são avisos constantes

de que temos de tornar o nosso sistema alimentar mais sustentável e resiliente.

Esta pandemia sublinhou, em particular, a importância de termos um sistema alimentar sólido, que funcione

independentemente das circunstâncias, que garanta o acesso a alimentos seguros e nutritivos e a preços

acessíveis e sustentáveis para os cidadãos.

Mas, se a pandemia salientou este aspeto, a realidade que também não podemos ignorar é que evidenciou

o papel da agricultura e dos agricultores, da pesca e dos pescadores e, acima de tudo, a capacidade de resposta

do nosso País, uma resposta que merece ser evidenciada e elogiada.

Não podemos também esquecer o contributo relevante que a agricultura e as pescas desempenham para o

crescimento da nossa economia. E temos de reforçar este contributo, tendo em conta o papel na produção de

riqueza, na criação de emprego, na promoção dos nossos produtos, no combate às desigualdades, na garantia

de um desenvolvimento coeso do território, no aumento das oportunidades e na valorização das pessoas.

Por isso, e tendo por base a importância de apostarmos cada vez mais num sistema alimentar sólido, importa

conhecermos as causas do défice alimentar no nosso País para promovermos as melhores respostas a este

desafio.

Quanto às causas, são evidentes e incontornáveis estes três pontos: as alterações dos padrões alimentares;

as limitações ao nível das condições edafoclimáticas; e a fraca concentração da oferta.

Identificadas as causas, importa acautelar as melhores políticas públicas que deem as melhores respostas.

Importa falar do futuro!

E quais são as áreas estratégicas em que temos de apostar? Neste âmbito, identificamos quatro áreas

estratégicas.

Em primeiro lugar, a aposta na inovação. O Ministério da Agricultura está a fazer uma aposta forte na criação

de uma agenda de inovação para a agricultura 2030, com enfoque no reforço da sustentabilidade ambiental,

económica e social. A aposta terá de passar pelo desenvolvimento tecnológico e pela inovação, permitindo criar

mais valor, mais produção, mas de forma sustentável. Esta agenda permitirá ainda corresponder às exigências

do Pacto Ecológico, que quantificou metas e estabeleceu desafios ambiciosos com implicações na agricultura e

no mar.

Em segundo lugar, a aposta na promoção da produção nacional e, neste âmbito, temos o recente exemplo

da campanha Alimente quem o Alimenta, que envolve mais de 1000 produtores. Esta campanha reforçou e

validou a importância que tem valorizarmos a nossa produção e incentivarmos todos os portugueses a consumir

produtos nacionais.

Em terceiro lugar, a aposta na internacionalização. A abertura de novos mercados tem sido uma prioridade

para este Governo. Portugal está representado em mais de 60 países para onde pode exportar cerca de 250

tipos de produtos e está em negociação a abertura de cerca de 60 mercados para viabilização de exportação

de cerca de 300 produtos. Além disso, o Governo tem estado a trabalhar numa estratégia de retoma da

internacionalização para que possamos não só exportar mais e garantir o equilíbrio da nossa balança comercial,

como também diminuir as importações, com a valorização daquilo que é nosso. Recordo que, entre 2010 e 2019,

as exportações cresceram a um ritmo anual de 5,1%, enquanto as importações aumentaram 2,2% ao ano.

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Por último, mas não menos importante, os novos fundos comunitários. O plano de recuperação e o novo

quadro financeiro plurianual têm de materializar a relevância que estes setores demonstraram ter na resposta a

esta crise.

Se, nos últimos anos, se tornou evidente que os alimentos produzidos na Europa são uma referência a nível

mundial, sinónimo de alimentos seguros, abundantes, nutritivos e de alta qualidade, temos agora de continuar

a fazer a aposta na sua sustentabilidade. E a nova política comum das pescas e a nova política agrícola comum

têm de continuar a apoiar os pescadores e os agricultores na transição para sistemas alimentares sustentáveis

e, ao mesmo tempo, assegurar-lhes uma vida digna.

Continuaremos, por isso, a reivindicar uma política comum das pescas que incentive um setor pesqueiro

dinâmico, apoie a renovação geracional e assegure um nível de vida justo para as comunidades costeiras.

Continuaremos, por isso, a reivindicar uma PAC pós-2020 mais justa e inclusiva, preocupada com a

preservação dos recursos naturais e que represente uma resposta concertada para a mitigação e adaptação às

alterações climáticas, em linha com o Pacto Ecológico Europeu e com a Estratégia Farm to Fork, sem esquecer

o reforço dos apoios para as regiões ultraperiféricas.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço que conclua, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Lara Martinho (PS): — Vou mesmo concluir, Sr.ª Presidente.

Sr.as e Srs. Deputados, a pandemia veio evidenciar a importância de uma reflexão profunda e da existência

de instituições fortes com estratégias conjuntas e coesas, baseadas na união e na solidariedade. E é este

caminho que esperamos que a União Europeia siga, um caminho que aposte na recuperação económica da

Europa, um caminho que aposte no futuro europeu!

Ninguém ficará para trás. Esta foi, é e será sempre a nossa prioridade.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Silva, do

Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os Verdes».

A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Hoje, já muito se falou aqui das alterações

climáticas e da proteção ambiental. No entanto, alguns ainda não perceberam que a sustentabilidade não passa

pelo esgotamento dos solos, nem pela poluição da água.

Os Verdes defendem que o investimento público, a ação do Governo deve mesmo ser dirigida com dois

objetivos bem claros: defender o emprego e defender o meio ambiente. Um e outro não são contraditórios, como

alguns imaginam, antes pelo contrário.

A mudança radical nas políticas vigentes deve ter lugar para se provocarem fortes impactos nos direitos e

necessidades dos cidadãos e, consequentemente, na economia nacional.

O investimento nos transportes públicos coletivos deve ser uma realidade, com o reforço dos horários, das

carreiras, dos comboios, dos barcos, das carruagens do metropolitano. Dotar todo o País de transportes

públicos, de uma maior cobertura, com uma maior incidência para a ferrovia, é não só proteger o ambiente,

como criar empregos e respeitar o direito à mobilidade.

Do mesmo modo, devem reforçar-se os meios humanos e técnicos para a fiscalização e a inspeção

ambiental, de modo a prevenir agressões aos recursos e espaços naturais, não permitindo que a retoma da

economia seja justificação para a poluição, para a exploração descontrolada dos recursos naturais sem respeito

pela biodiversidade, pela preservação da natureza e pelas populações.

O Partido Ecologista «Os Verdes» entende que os esforços para melhorar os padrões ambientais do País

podem permitir a criação de muitos novos postos de trabalho, particularmente nesta fase em que se estima que

haverá mais 100 000 desempregados, desde o início de março.

Face à crise económica e social que se avizinha e no quadro da necessária retoma da economia, mas

também da exigência de se atingirem melhores padrões ambientais, a aposta na reciclagem é também uma

forma de potenciar a criação de postos de trabalho, estimando-se mais de 5000 postos de trabalho diretos e

permanentes neste setor, nos próximos anos.

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É possível outra política. Será que o PS e o Governo querem uma tal mudança?

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Marques, do

Grupo Parlamentar do PSD.

O Sr. João Gomes Marques (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ao longo deste debate, todos

pareceram concordar com o facto de a agricultura ser um dos setores mais importantes para a independência

de um país. Sem produção agrícola, não há soberania alimentar, económica e social, nem mesmo soberania

política. Quanto a isto, não parecem restar dúvidas.

O que continua a espantar-nos são os discursos de quase ódio que a esquerda radical, assumida ou

disfarçadamente, tem relativamente ao setor produtivo agrícola, aos agricultores, à produção nacional e, mesmo,

para com o emprego associado a esta imprescindível atividade. E comprova-se, se olharmos para a evolução

demográfica de alguns concelhos, que reduziram ou estancaram o despovoamento, e também para o aumento

de alunos nas suas escolas.

Os discursos «anti-qualquer coisa» foram-se espalhando e espalhando consigo inverdades e mitos que muito

prejudicam a produção agrícola e, consequentemente, a nossa soberania alimentar. Tudo sem qualquer base

científica.

Os casos são muitos e diversos. Desde os fitofármacos, passando pela produção leiteira e bovina, ao olival

e às culturas intensivas, tudo tem servido para alimentar essa narrativa «anti».

À conta disso, a política passou a discutir muito mais questiúnculas do que diretrizes de política pública

agrícola e alimentar. E mesmo em debates como o de hoje, que se pretendia abrangente e programático, não

foi possível escapar a estes casos, não se tendo conseguido discutir nem perceber as macro-opções

estratégicas do Governo para o setor agroflorestal nacional e para a soberania alimentar.

Por exemplo, qual a estratégia defendida pelo Governo para a agricultura nacional perante o novo quadro

comunitário que se avizinha? Ninguém sabe. Pior, ninguém percebe. E porquê? Porque, pura e simplesmente,

não existe!

Os discursos da Sr.ª Ministra, com objetivos contraditórios entre si, revelam uma desorientação preocupante.

Fala com chavões de inovação e tecnologia no setor, como é a agricultura de precisão, mas paradoxalmente

secundariza essa agricultura produtiva, competitiva e empresarial.

Mais: onde estão as medidas concretas para alcançar a autossuficiência alimentar em 2021, que constavam

do Programa do Governo PS? O que acontece à produtividade agrícola perante a visível diminuição do

investimento desde 2018?

Também na floresta, a inoperância da reforma florestal deu lugar a uma rutura de opções, deixando cair a

tão proclamada «maior reforma desde os tempos de D. Dinis», e quando, afinal, a tal reforma para a próxima

década, como dizia o anterior Ministro, só durou dois anos e nunca foi implementada.

Basta atentarmos nos territórios destruídos pelos incêndios de 2017 para verificarmos essa inoperância

governamental. Nada, mas nada, foi feito até hoje, assistindo-se a uma regeneração natural do eucalipto, das

acácias e de outras espécies invasoras, que inviabilizarão uma profunda e estrutural organização e planeamento

futuro da floresta, uma floresta de paisagens e sequestradora de carbono, mas também floresta de produção,

criadora de riqueza para as populações, para os proprietários e produtores florestais, assistindo-se, assim,

também, ao abandono massivo das populações daqueles territórios, que estão quase desertos.

Estas desorientações governativas prejudicam, naturalmente, os agentes investidores do setor agroflorestal,

que precisam ainda mais de estabilidade e de previsibilidade para produzirem alimentos e bens florestais de

qualidade.

Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PSD defende políticas que visem alcançar a nossa autossuficiência

alimentar em valor. Por isso, valorizamos as nossas principais fileiras produtivas e exportadoras. Não podemos

pensar que somos capazes de produzir tudo o que o consumidor moderno, e até agora globalizado, pretende,

nem tudo o que os portugueses consomem, mas podemos adicionar a uma soberania alimentar em termos

europeus. Para ser alcançado, tal desiderato precisará de instrumentos de política pública e de uma PAC justa

e solidária, que se recentre na opção da produção agrícola no território europeu, gerando, assim, alimentos

competitivos, em termos ambientais, em qualidade e quantidade, para responder ao desafio do crescimento da

população mundial.

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Até agora, as respostas do Governo deixam-nos muitas dúvidas e inquietações para defender esta opção. O

PSD continuará, na Assembleia da República e no Parlamento Europeu, a defender o setor agrícola como

primordial e essencial à soberania nacional, sem dogmas ideológicos e sempre baseado nas verdades e

evidências científicas.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Srs. Deputados, vamos passar ao encerramento do debate.

Para o efeito, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Santos, do Grupo Parlamentar do PCP.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Trazemos a debate um tema que é

central num futuro próximo, sobre a política alternativa e a resposta às necessidades do povo português,

soberania alimentar, produção e emprego.

Os défices estruturais que o País enfrenta exigem soluções a que a política de direita, prosseguida pelos

sucessivos Governos do PS, do PSD e do CDS, não tem sido capaz de responder.

A realidade que vivemos nos últimos meses revela a importância do papel dos trabalhadores e da

centralidade do trabalho, a importância da produção nacional e a necessidade de o País não prescindir do

objetivo de assegurar a soberania alimentar e a produção de bens essenciais, a valorização do mercado interno

como motor de desenvolvimento e crescimento económico, a necessidade de controlo público de empresas e

setores estratégicos ou o papel dos serviços públicos. São aspetos que não podem ser ignorados no futuro.

O Sr. António Filipe (PCP): — Muito bem!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Desenvolvimento é indissociável da valorização do trabalho e dos

trabalhadores. O mundo do trabalho é marcado pela exploração, baixos salários — aliás, uma das principais

causas das desigualdades e da pobreza —, a precariedade e a instabilidade, o desrespeito pelos direitos laborais

e diversas tentativas para a sua liquidação.

Promover a estabilidade do emprego e de direitos é fundamental para combater o desemprego e a

precariedade, garantir condições de vida para os trabalhadores e criar riqueza no nosso País. A valorização

geral dos salários e do salário mínimo nacional para 850 € é determinante para combater a pobreza, a

concentração da riqueza e o agravamento da exploração. E para a valorização dos salários assume especial

importância a contratação coletiva, que tem um papel estruturante na regulação do trabalho.

A contratação coletiva fixa salários e consagra direitos em condições mais favoráveis aos trabalhadores, de

que são exemplo o pagamento do trabalho suplementar e noturno, o descanso compensatório, o subsídio de

turno, a majoração de dias de férias, feriados e dias de descanso.

O avanço tecnológico e científico deve estar ao serviço da melhoria das condições de vida e do trabalho,

garantindo horários dignos e tempo para viver.

Não faltam propostas do PCP para ultrapassar os problemas estruturais do País. Promover a produção

nacional, eliminar as normas gravosas da legislação laboral, nomeadamente o fim da caducidade da contratação

coletiva pelo tratamento mais favorável ao trabalhador, a eliminação dos mecanismos de desregulação do

horário de trabalho, a definição do horário de trabalho para as 35 horas semanais no setor público e privado, o

combate à precariedade, o reforço dos direitos dos trabalhadores em regime de turno e noturno são alguns dos

exemplos.

A vida já se encarregou de demonstrar que a política de direita do PS, do PSD e do CDS não é solução. E,

face aos problemas económicos e sociais que vivemos, o aumento da exploração, a pobreza, as desigualdades

e os cortes nos salários não permitem o desenvolvimento e não são solução.

Compreendemos bem que o CDS e o PSD procurem o regresso ao passado, pois, de facto, aquilo com que

foram confrontados foi toda a retórica da inevitabilidade daquilo que foram as vossas opções políticas, quando,

afinal, era mesmo possível ser diferente.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Muito bem!

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A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Com a intervenção do PCP, determinante no nosso País, foi possível repor

direitos e rendimentos, foi possível avançar no crescimento económico, aquém daquilo que é necessário no

nosso País, é certo, mas mostrou que é possível fazer diferente e que não estamos condenados à exploração

e ao empobrecimento.

Não precisamos de mais do mesmo. Contrariamente a quem defende a subserviência às imposições da

União Europeia, que conduziu ao abate da frota pesqueira, ao abandono dos campos, à destruição de potencial

produtivo, à destruição de postos de trabalho, o PCP defende o incentivo à produção e à criação de emprego.

Quem nos acusa de isolacionismo são os mesmos que estão sempre disponíveis para perdermos mais e novas

parcelas da soberania, para que sejam os outros a decidir por nós.

Defender a soberania é defender que seja o povo português a ter o poder de decidir o futuro do nosso País.

Defender a soberania alimentar não é deixarmos de produzir nem aumentar a nossa dependência, mas, sim,

aproveitar as nossas potencialidades e recursos e a nossa capacidade produtiva.

É por isso que precisamos de uma política alternativa, patriótica e de esquerda, que não esteja refém dos

interesses do grande capital e que assuma a produção, o emprego, a soberania, o reforço dos direitos como

eixos estratégicos para o desenvolvimento do País, uma política patriótica e de esquerda que valorize o trabalho

e os trabalhadores, os salários e as carreiras, a modernização do aparelho produtivo diversificado e dinâmico,

um forte setor empresarial do Estado, o controlo público de empresas estratégicas, por exemplo nos setores da

banca, da energia, do serviço postal, dos transportes, a defesa da agricultura, da pesca, capaz de abastecer o

País, o reforço do investimento público e dos serviços públicos e a recuperação da soberania nacional. É este

o compromisso do PCP.

Aplausos do PCP e do PEV.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Srs. Deputados, chegámos ao final do debate de hoje.

A Sr.ª Secretária Sofia Araújo vai fazer um anúncio à Câmara.

Faça favor, Sr.ª Secretária.

A Sr.ª Secretária (Sofia Araújo): — Sr.ª Presidente, informo que esteve presente nesta sessão, por

videoconferência, o Sr. Deputado Sérgio Marques, do Partido Social Democrata, eleito pelo círculo eleitoral da

Madeira.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr.as e Srs. Deputados, amanhã a sessão plenária reunirá às 15 horas,

com a ordem do dia que passo a informar.

Do primeiro ponto consta o debate sobre as prioridades da presidência do Conselho da União Europeia,

conforme previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei relativa ao acompanhamento, apreciação e pronúncia

pela Assembleia da República, no âmbito do processo de construção da União Europeia (Lei n.º 43/2006, de 25

de agosto, alterada pela Lei n.º 21/2012, de 17 de maio e pela Lei n.º 18/2018, de 2 de maio) e o debate sobre

o relatório anual, enviado pelo Governo, sobre a participação de Portugal no processo de construção da União

Europeia, nos termos do disposto da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º e do n.º 4 do artigo 5.º da mesma Lei,

juntamente com a discussão dos Projetos de Resolução n.os 556/XIV/1.ª (CAE) — Apreciação do Relatório sobre

«Portugal na União Europeia, 2019» e 566/XIV/1.ª (CAE) — Adoção, pela Assembleia da República, das

iniciativas europeias consideradas prioritárias para efeito de escrutínio, no âmbito do Programa de Trabalho da

Comissão Europeia para 2020.

O segundo ponto consiste na discussão do Projeto de Lei n.º 456/XIV/1.ª (PS) — Alarga o prazo para a

realização, por meios de comunicação à distância, das reuniões dos órgãos das autarquias locais e das

entidades intermunicipais, procedendo à quinta alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março.

No terceiro ponto, debateremos a Proposta de Lei n.º 43/XIV/1.ª (GOV) — Reforça as garantias dos

contribuintes e a simplificação processual, o Projeto de Lei n.º 465/XIV/1.ª (CDS-PP) — Aditamento ao Código

de Procedimento e de Processo Tributário, introduzindo o processo de conciliação fiscal, e o Projeto de

Resolução n.º 548/XIV/1.ª (IL) — Pela transparência e equilíbrio na relação do Estado com o contribuinte.

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Do quarto ponto consta a apreciação da Proposta de Lei n.º 44/XIV/1.ª (GOV) — Transpõe a Diretiva (UE)

2018/1808, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de novembro de 2018, respeitante à oferta de serviços

de comunicação social audiovisual.

No quinto ponto, debateremos a Proposta de Lei n.º 45/XIV/1.ª (GOV) — Autoriza o Governo a legislar em

matéria de trabalho a bordo das embarcações de pesca e da atividade de marítimos a bordo de navios,

transpondo as Diretivas (UE) 2017/159 e 2018/131.

No sexto ponto, procederemos à discussão da Proposta de Lei n.º 46/XIV/1.ª (GOV) — Define os objetivos,

prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2020-2022.

O sétimo ponto consiste na apreciação da Proposta de Lei n.º 49/XIV/1.ª (GOV) — Promove a simplificação

de diversos procedimentos administrativos, incluindo das autarquias locais, e introduz alterações ao Código do

Procedimento Administrativo.

Do oitavo e último ponto consta o debate da Proposta de Lei n.º 48/XIV/1.ª (GOV) — Estabelece o regime

fiscal das entidades organizadoras da competição UEFA Champions League 2019/2020 Finals e prorroga a

isenção de imposto sobre o valor acrescentado nas transmissões e aquisições intracomunitárias de bens

necessários para o combate à COVID-19.

Como os Srs. Deputados já perceberam, temos uma longa ordem de trabalhos para amanhã.

Desejo a todos o resto de uma boa tarde.

Até amanhã e muito obrigada.

Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 16 minutos.

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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I SÉRIE — NÚMERO 73 14 O Sr. João Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as

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