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Quinta-feira, 24 de setembro de 2020 I Série — Número 4

XIV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2020-2021)

REUNIÃOPLENÁRIADE23DESETEMBRODE 2020

Presidente: Ex.mo Sr. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues

Secretários: Ex.mos Srs. Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco

S U M Á R I O

O Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 7

minutos. Deu-se conta da entrada na Mesa dos Projetos de Lei

n.os 512 e 514 a 519/XIV/2.ª, das Apreciações Parlamentares n.os 29 e 30/XIV/2.ª, do Inquérito Parlamentar n.º 7/XIV/2.ª, dos Projetos de Resolução n.os 632 a 637 e 639 a 642/XIV/2.ª e do Projeto de Resolução n.º 10/XIV/2.ª.

Ao abrigo do artigo 73.º do Regimento, procedeu-se a um debate temático, solicitado pelo Governo, sobre visão

estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030.

Após o Primeiro-Ministro (António Costa) ter proferido uma intervenção na fase de abertura, usaram da palavra, a diverso título, além daquele orador e da Ministra de Estado e da Presidência (Mariana Vieira da Silva), os Deputados Rui Rio (PSD), Ana Catarina Mendonça Mendes (PS), Jerónimo de Sousa (PCP), Catarina Martins (BE), Cecília Meireles (CDS-PP), Inês de Sousa Real (PAN), José Luís Ferreira

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(PEV), André Ventura (CH), António Maló de Abreu (PSD), Luís Moreira Testa (PS), Mariana Silva (PEV), Lara Martinho e Nuno Fazenda (PS), João Cotrim de Figueiredo (IL), Afonso Oliveira (PSD), João Paulo Correia (PS), José Moura Soeiro (BE) e Tiago Barbosa Ribeiro (PS).

No encerramento do debate, intervieram os Deputados José Luís Ferreira (PEV), Inês de Sousa Real (PAN), Telmo Correia (CDS-PP), João Oliveira (PCP), Pedro Filipe Soares (BE), Adão Silva (PSD) e Carlos Pereira (PS) e o Ministro do Planeamento (Nelson de Souza).

Seguiu-se o debate preparatório do próximo Conselho Europeu, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei

de Acompanhamento, Apreciação e Pronúncia pela Assembleia da República no âmbito do Processo de Construção da União Europeia. Proferiram intervenções, além do Primeiro-Ministro, que abriu e encerrou o debate, os Deputados Luís Capoulas Santos e Edite Estrela (PS), Isabel Meireles (PSD), Fabíola Cardoso e Beatriz Gomes Dias (BE), Bruno Dias (PCP), João Pinho de Almeida (CDS-PP), Inês de Sousa Real (PAN), José Luís Ferreira (PEV), André Ventura (CH) e João Cotrim de Figueiredo (IL).

O Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 28 minutos.

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O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Funcionários, Sr.as e Srs. Jornalistas, está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 7 minutos.

Antes de dar início aos nossos trabalhos, peço à Sr.ª Secretária Deputada Maria da Luz Rosinha o favor de

ler o expediente.

A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Muito obrigada, Sr. Presidente. Muito boa tarde a todas e a todos.

Deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os Projetos de Lei n.os 512/XIV/2.ª (BE), 514/XIV/2.ª (PCP),

515/XIV/2.ª (PCP), 516/XIV/2.ª (PSD), 517/XIV/2.ª (PCP), 518/XIV/2.ª (PCP) e 519/XIV/2.ª (N insc.).

Deram também entrada na Mesa, e foram admitidas, as Apreciações Parlamentares n.os 29/XIV/2.ª (PCP) e

30/XIV/2.ª (BE) e o Inquérito Parlamentar n.º 7/XIV/2.ª (PS).

Foram ainda admitidos os Projetos de Resolução n.os 632/XIV/2.ª (PSD), 633/XIV/2.ª (CDS-PP), 634/XIV/2.ª

(CDS-PP), 635/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Cristina Rodrigues), 636/XIV/2.ª (BE), 637/XIV/2.ª (PEV),

639/XIV/2.ª (PEV), 640/XIV/2.ª (PAR), 641/XIV/2.ª (CDS-PP) e 642/XIV/2.ª (PAN).

Por fim, foi admitido o Projeto de Deliberação n.º 10/XIV/2.ª (PAR).

Terminei, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr.ª Secretária Maria da Luz Rosinha. Aproveito para cumprimentar os Membros do Governo, o Sr. Primeiro-Ministro e todos Ministros e

Secretários de Estado presentes.

Sr.as e Srs. Deputados, vamos dar início à ordem do dia, com o debate temático, solicitado pelo Governo,

ao abrigo do artigo 73.º do Regimento, sobre visão estratégica para o plano de recuperação económica de

Portugal 2020-2030.

Tem, então, a palavra, para abrir este debate, o Sr. Primeiro-Ministro.

Faça favor, Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, estamos colocados perante um triplo desafio: controlar a pandemia, recuperar da crise económica e social que a COVID-19 gerou e garantir que,

com a recuperação, construímos um futuro mais robusto, com menos desigualdades, mais próspero, mais

coeso e mais sustentável.

Estes desafios não se esgotam na emergência da saúde pública nem na urgência de proteger rendimentos,

empregos e empresas. Temos de ser mais exigentes, olhando no médio e longo prazo. A recuperação não

pode significar regressar onde estávamos em fevereiro deste ano. A recuperação tem de nos permitir acelerar

o futuro. Temos de sair desta crise mais fortes, com serviços públicos mais eficientes, empresas mais

capitalizadas e produtivas, com emprego mais qualificado e com melhores salários.

Por isso, é fundamental dispormos de uma visão estratégica com um horizonte duradouro, que seja um

guia orientador das políticas públicas e um quadro inspirador dos agentes económicos, da comunidade

científica, do setor social e da cidadania.

O trabalho desenvolvido pelo Prof. António Costa Silva oferece-nos, nos seus 10 eixos de atuação, uma

base sólida e ambiciosa para enfrentar o desafio da recuperação com os olhos postos no futuro.

Agora, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, cabe-nos concretizar esta visão, assegurando a estabilidade

de opções estruturantes e a coerência entre sucessivos instrumentos de política que teremos de adotar ao

longo da década. E daqui convido, mais uma vez, as forças políticas representadas nesta Assembleia, os

parceiros sociais, as regiões autónomas e as autarquias locais a que deem o seu contributo, porque a

superação desta crise é um desígnio que nos deve unir a todos.

O primeiro destes instrumentos é o programa de recuperação e resiliência, que tem de reforçar a nossa

robustez social, económica e territorial, acelerar a dupla transição digital e climática e respeitar as

recomendações específicas para Portugal, formuladas nos semestres europeus de 2019 e 2020.

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A primeira prioridade que temos de assumir é necessariamente responder às vulnerabilidades sociais que a

crise sanitária mais evidenciou: continuar a reforçar o SNS (Serviço Nacional de Saúde); melhorar as

respostas sociais aos mais velhos; responder às variadas carências habitacionais; integrar os territórios de

exclusão que fraturam as Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto.

A segunda prioridade é aumentar o nosso potencial produtivo, investindo nas qualificações, da

modernização do ensino profissional à formação ao longo da vida e ao aumento do número e diversificação

dos estudantes a frequentar o ensino superior; reforçando o interface entre a ciência e o tecido produtivo, na

indústria, nos serviços ou na agricultura; promovendo um conjunto de agendas mobilizadoras que suportem a

reindustrialização e reconversão em setores estratégicos para a nossa integração nas cadeias de valor ao

nível global.

Aplausos do PS.

A terceira prioridade é assegurar um território mais competitivo, externamente, e mais coeso, internamente.

Aqui, o grande esforço de investimento será estruturado entre a reforma da floresta e a modernização das

áreas de localização empresarial e das respetivas acessibilidades. Assentará, ainda, no reforço das ligações

transfronteiriças indispensáveis à afirmação da centralidade do nosso interior no conjunto do mercado ibérico.

Aplausos do PS.

E promoverá, ainda, uma maior eficiência hídrica, em regiões críticas como o Algarve ou o Alto Alentejo.

Estas três prioridades, de resposta às vulnerabilidades sociais, à necessidade de maior competitividade e

coesão territorial e aumento do potencial produtivo, reforçam-se entre si e têm importantes sinergias com a

aceleração das transições digital e climática: o investimento na mobilidade sustentável, em especial na

ferrovia, reforça a coesão territorial; a descarbonização da economia e a eficiência energética melhoram o

rendimento das famílias e a competitividade das empresas; a digitalização da Administração Pública é decisiva

para a redução dos custos de contexto; e a digitalização das nossas escolas assegura a igualdade de

oportunidades numa escola de futuro, sem deixar nenhum aluno para trás.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, este é um programa que conta e tem de ter a participação ativa das

autarquias, das empresas, da academia, do setor social. Só nesta parceria descentralizada conseguiremos a

eficiência indispensável ao pleno aproveitamento dos recursos extraordinários que nos são disponibilizados. O

bom uso destes recursos exige, também, um grande esforço de capacitação das entidades de gestão e,

simultaneamente, a máxima transparência na aplicação dos fundos e a mínima burocracia na sua gestão.

O Sr. Presidente: — Sr. Primeiro-Ministro, já ultrapassou largamente o seu tempo, pelo que descontar-se-á esse tempo, a seguir, no tempo do Governo.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Vou já terminar, Sr. Presidente. Esta é, Sr. Presidente, seguramente a maior crise que qualquer um de nós teve de enfrentar, num quadro

cheio de incertezas. É verdade que ainda é incerta a duração da pandemia, mas, por outro lado, é certa a

determinação de todos os portugueses em perseverar no seu combate e no caminho da recuperação. Este é o

momento em que, com toda a nossa energia, nos temos de concentrar em enfrentar e superar o triplo desafio

que temos pela frente: controlar a pandemia, recuperar Portugal, cuidar do futuro.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Vamos entrar na segunda fase do debate. Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Rui Rio, do Grupo Parlamentar do PSD.

O Sr. Rui Rio (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro: Aquilo que o País deve pretender com este plano de recuperação é, seguramente, responder a algumas necessidades de curto prazo, mas,

fundamentalmente, preparar o País para o futuro e para o longo prazo.

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Preparar o País para o futuro e para o longo prazo significa, na prática, conseguir que, no futuro, haja

melhores empregos, melhores salários e que os portugueses possam viver melhor do que vivem hoje. Para

isso, a prioridade tem de ser dada às empresas. São as empresas que fazem o investimento, que criam o

emprego e que transformam a competitividade global da economia portuguesa.

É no quadro deste objetivo que ouço o Governo dizer que pretende fazer, em 2020, um aumento muito

significativo do salário mínimo nacional. Sempre fui pelo aumento do salário mínimo nacional num quadro em

que o desemprego é baixo e em que a economia está a crescer, mas num presente em que o desemprego é

enorme e a economia está a cair, em que temos uma grande incerteza sanitária e em que a inflação é nula ou

até mesmo negativa, não provocando a erosão do poder de compra dos salários, a minha questão é: qual é o

objetivo do Governo ao aumentar o salário mínimo nacional? Fomentar mais o desemprego? Aumentar mais

as falências? Agravar os custos de empresas que, hoje, praticamente não têm vendas e não têm receitas?

Faz-me lembrar, aqui há uns anos, quando um Governo do PS, presidido pelo Eng.º Sócrates aumentou os

funcionários públicos em 2,9%, sem ter condições para o fazer e, a seguir, teve de cortar em 5%, 6%, 7%,

10% esses mesmos salários!

Aplausos do PSD.

Não é agradável dizer o que estou a dizer. Não rende um voto dizer o que estou a dizer, mas, em nome

daqueles que queremos defender, que são, precisamente, os mais desfavorecidos, pergunto se considera

sensato, neste enquadramento, e agora, agravar os custos das empresas desta maneira.

Aplausos do PSD.

A segunda questão que lhe queria colocar tem a ver com as verbas da União Europeia, que são quase 60

mil milhões de euros até 2027. Desse dinheiro, metade — 28 mil milhões — têm de ser consignados e em

grande parte utilizados nos próximos anos. É muito dinheiro e durante muito pouco tempo.

Portugal tem índices de corrupção elevadíssimos e o combate à corrupção em Portugal é, francamente,

ineficaz.

Aplausos do PSD.

Por isso, o meu receio, e penso que o receio de todos os portugueses, é que uma parte desse dinheiro vá

parar a bolsos indevidos: intermediários facilitadores, empresários desonestos, agentes públicos corruptos,

tudo isso está no nosso imaginário. A minha pergunta é a seguinte: o Sr. Primeiro-Ministro está de acordo com

esta preocupação? Se não está, temos, aqui, numa profunda divergência. Se tem essa preocupação presente,

a minha pergunta é se o Governo já tem alguma ideia sobre como vai prevenir essa onda de potencial

corrupção relativamente a tanto dinheiro em tão pouco tempo.

Deixo umas ideias: um observatório dedicado a esta matéria, uma lei penal agravada para este efeito, um

departamento especial da PGR (Procuradoria-Geral da República), ou tudo isto no seu conjunto, tudo isto e

mais alguma coisa.

A minha pergunta, clara, é esta: o Governo tem alguma ideia de como vai prevenir uma potencial corrupção

na utilização dos dinheiros da União Europeia?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça Mendes, do Grupo Parlamentar do PS.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça Mendes (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A minha primeira palavra é para saudar o Governo, não só por ter ouvido todos os partidos

sobre os grandes desafios para o País nos próximos 10 anos, depois desta crise pandémica, e ainda sem

sabermos ao certo os seus efeitos económicos e sociais, mas também para saudar a existência deste debate.

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A única coisa de que não estávamos à espera, já neste início do debate, é que o Sr. Deputado Rui Rio

pudesse recuperar os argumentos que foram dados em 2015, precisamente pela sua bancada, sobre o

«papão» do aumento do salário mínimo, o aumento dos rendimentos das pessoas ou a devolução de direitos

sociais às pessoas,…

Aplausos do PS.

… como se isso fosse impedir o crescimento da economia.

Podemos parar o tempo e achar que só os últimos seis meses é que contam para a História de Portugal,

mas a verdade é que, desde 2015, não só aumentámos quatro vezes o salário mínimo nacional como

devolvemos rendimentos aos portugueses, devolvemos salários, melhorámos as contas públicas e com isso

baixámos o desemprego — em fevereiro deste ano atingimos a menor taxa de desemprego de sempre —…

O Sr. José Luís Carneiro (PS): — É verdade!

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça Mendes (PS): — … e os Srs. Deputados acham que o grande problema vai ser podermos aumentar de novo o salário mínimo nacional em 2021.

Aplausos do PS.

Esse é mesmo o contributo de que eu não estava à espera que viesse do PSD, mas, enfim, faz jus à sua

história.

Mas, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, em nome do Grupo Parlamentar do

Partido Socialista, aquilo que quero sublinhar, dentro das várias coisas que este plano comporta, é

verdadeiramente o reforço do Estado social. É que se há coisa que a História também nos prova, e provou na

gestão destes meses de pandemia e de crise sanitária, foi que, verdadeiramente, um Estado social forte é

capaz de dar as respostas necessárias na saúde, na escola pública, na proteção social de todos os cidadãos.

Por isso, congratulamo-nos quando vemos inscrito neste programa de recuperação e resiliência uma fatia

significativa para reforçar não só o Serviço Nacional de Saúde mas também as políticas de habitação — e

sabemos como esta crise, com as suas vulnerabilidades, destapou um conjunto de desigualdades, sendo a

habitação condigna absolutamente essencial para todos os cidadãos —, a proteção social e o reforço do

nosso Serviço Nacional de Saúde.

E, Sr. Primeiro-Ministro, permita-me que o saúde, a si e ao Governo, pelo olhar atento que tem aos mais

velhos, aos que trabalharam uma vida inteira na nossa sociedade, pois este plano tem um programa que nos

parece absolutamente essencial, que é o investimento na Rede Nacional de Cuidados Continuados

Integrados, para dar dignidade a quem está em fim de vida.

Aplausos do PS.

É por tudo isto, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, que o Grupo Parlamentar aqui está, não para que o

programa responda e nos devolva a situação em que estávamos antes da COVID-19 mas para que possamos

dizer aos nossos filhos, aos nossos netos, que há futuro em Portugal, num Portugal mais desenvolvido, mais

coeso e mais solidário.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — É a vez do Grupo Parlamentar do PCP e do Sr. Deputado Jerónimo de Sousa ter a palavra, para uma intervenção.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro: A epidemia veio tornar ainda mais visíveis os problemas estruturais do País e acrescentou novos desafios que precisam de resposta. Não é

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possível ir ao encontro das necessidades dos trabalhadores, do povo e do País sem uma rotura com a política

que nos colocou nesta situação.

Portugal deve bater-se para que os fundos comunitários que venham a ser disponibilizados sejam

integrados numa estratégia nacional de desenvolvimento. Devem ser as prioridades nacionais, e não as

imposições da União Europeia, que devem determinar para onde vão os fundos comunitários. Esses fundos

devem responder às prioridades e necessidades do País em vez de serem desviados para os grupos

económicos, como aconteceu no passado.

Quanto à questão dos salários, aqui tão bem descrita pelo Sr. Deputado Rui Rio, que disse que vai perder

votos, que não ganha nenhum, diria: ai não que não ganha, particularmente do grande capital que está à

espera dessas verbas para encher os bolsos à custa dos trabalhadores,…

Aplausos do PCP e do PEV.

… como aconteceu no passado, secundarizando milhares de micro, pequenas e médias empresas que têm

sob a cabeça o cutelo da falência.

Como já tivemos oportunidade de afirmar, há três questões que consideramos centrais.

Primeira: para haver recuperação económica é preciso uma política de valorização dos salários e dos

direitos dos trabalhadores e dos rendimentos das camadas populares;

Segunda: para dinamizar a economia é preciso recuperar o controlo público de empresas e setores

estratégicos;

Terceira: é preciso uma política decidida de criação de emprego, a partir da valorização dos setores

produtivos e da produção nacional, mas também reforçando o emprego público, em particular com o

investimento nos serviços públicos, na saúde, na educação, na segurança social e em tantas outras áreas

onde há necessidades e dificuldades.

Na proposta apresentada pelo Governo não encontramos resposta a estas questões. Em muitos aspetos, o

plano que o Governo apresenta mantém as opções e orientações da política que fragilizou, ao longo dos anos,

o nosso País.

Sr. Primeiro-Ministro, o desenvolvimento do País e a resposta à crise exigem o aumento dos salários,

designadamente do salário mínimo nacional, exigem a valorização dos direitos dos trabalhadores, exigem o

combate à desregulação dos horários de trabalho. É que a vida destes últimos anos demonstrou como prova

irrefutável que a valorização dos salários é uma bela contribuição para o desenvolvimento económico e,

simultaneamente, para a progressão do próprio mercado interno.

Aplausos do Deputado do PCP João Oliveira.

Estas opções têm de traduzir-se, de forma concreta, no fim dos cortes salariais e na proibição dos

despedimentos, haja ou não haja lucros. Têm de traduzir-se no aumento geral dos salários, incluindo o salário

mínimo e os salários dos trabalhadores da Administração Pública, no pagamento do subsídio de risco,

penosidade e insalubridade. Têm de traduzir-se na revogação dos bancos de horas e era importante saber se

o Governo vai tomar medidas para que isto se concretize.

Em relação à recuperação do controlo público de setores estratégicos, há medidas urgentes que têm de ser

tomadas.

Falamos, entre outras, da recuperação do controlo dos CTT - Correios de Portugal, cujo contrato de concessão termina no final do ano; da recuperação do controlo público do Novo Banco, que é preciso pôr ao

serviço do País e da economia nacional; da garantia do futuro da TAP (Transportes Aéreos Portugueses) ou

da recuperação do controlo dos aeroportos nacionais, inclusivamente para desbloquear a construção do futuro

aeroporto.

Que opções vai o Governo tomar? E em relação ao emprego e aos serviços públicos?

É preciso criar emprego canalizando investimento para os setores produtivos e a produção nacional,

criando riqueza e postos de trabalho a partir das potencialidades produtivas que temos no País e cujo

aproveitamento só depende de decisão nacional.

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Os serviços públicos, que têm dado uma resposta inestimável às necessidades do povo nestes tempos

difíceis, precisam de investimento, de trabalhadores e de condições que lhes permitam cumprir plenamente o

papel insubstituível que têm na vida dos seus utentes.

Na saúde é preciso investimento em edifícios e em equipamentos, é preciso reforçar os profissionais, é

preciso recuperar a atividade programada dos hospitais mas também dos centros de saúde, garantindo que os

utentes não ficam à espera à chuva e ao frio, amontoados à porta.

Também na escola pública é preciso contratar os profissionais que fazem falta e garantir às escolas os

meios e condições necessários para que a educação possa cumprir os seus objetivos de justiça social.

Não faltam só 1500 auxiliares nas nossas escolas, faltarão mais perto de 5000, e é preciso que sejam

contratados e integrados devidamente na vida das escolas, com perspetiva de longo prazo e não apenas por

um período ou um ano letivo.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — O mesmo em relação a professores e técnicos, a quem é preciso dar condições de trabalho que garantam a segurança, a tranquilidade e a confiança necessárias às funções que

exercem.

O reforço das verbas e medidas da ação social escolar são um outro aspeto indispensável na garantia de

igualdade no acesso à educação.

Em matéria de proteção social é fundamental garantir agora os apoios a quem perdeu o emprego, o salário

ou caiu numa situação de pobreza ou de exclusão social.

É preciso avançar na criação de uma rede pública de lares de idosos e na contratação de trabalhadores

pela segurança social para reforço dos equipamentos sociais, de forma a garantir condições adequadas de

resposta, seja nos lares, nas creches e jardins de infância, nas instituições dedicadas às pessoas com

deficiência ou outras.

É preciso investir no alargamento da gratuitidade das creches, na criação de uma rede pública nos

transportes, na habitação, nas forças e serviços de segurança, na justiça e em tantas outras áreas. O

investimento público e a contratação de trabalhadores são opções que têm de ser tomadas em função das

necessidades do povo e do País, mesmo que contra os ventos e marés das regras do défice impostas pela

União Europeia.

Está ou não o Governo disposto a tomar essas opções?

A resposta a essa questão tem de ser dada com medidas e ação concreta, não se pode ficar por

compromissos abstratos de concretização sempre duvidosa e muito menos com pressões e ameaças de crise

política.

Por nós, daremos a nossa contribuição com propostas concretas que tenham como referência e objetivo

melhorar as condições de vida de todos os portugueses.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — É a vez do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda. Tem a palavra a Sr.ª Deputada Catarina Martins.

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este é um debate que tem duas particularidades, sendo a primeira a que marca o fim dos debates quinzenais. Estamos agora num modelo em

que o PS e o PSD se associaram para diminuir o escrutínio ao Governo e, em vez de termos pergunta-

resposta sobre temas da atualidade, temos uma série de intervenções sobre um tema pré-definido.

Ora, o tema pré-definido, neste caso, é debater as linhas gerais de um programa para utilizar eventuais

dinheiros europeus, que ainda não se sabe se teremos ou não, porque, como sabem, os conselhos europeus

têm vindo sempre a adiar as decisões.

Por isso mesmo, Sr. Presidente, sem o Bloco de Esquerda deixar, ainda neste debate, de falar sobre esse

plano, que é também importante, eu vou, neste momento, dedicar-me às urgências do País.

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Sr. Primeiro-Ministro, a Ministra da Saúde disse, hoje, que havia mais médicos no Serviço Nacional de

Saúde. Não é isso que está nos números do portal do Serviço Nacional de Saúde. Na verdade, durante a

pandemia, o número de médicos do SNS foi descendo. Comparando com janeiro, tínhamos, em julho, menos

130 médicos de carreira e menos 452 internos. Há mesmo menos médicos no SNS. As listas de espera para

consultas ou cirurgias aumentam, há mais utentes sem médico de família e muitos profissionais de saúde

estão absolutamente exaustos. Só nos meses de verão fizeram mais de seis milhões e meio de horas

extraordinárias.

Teremos, previsivelmente, mais pressão no Serviço Nacional de Saúde, mas porque a crise pandémica é

também uma crise económica e social, teremos também uma vaga de despedimentos e de aumento do

desemprego.

Em julho, as pessoas em situação de desemprego eram já mais de 600 mil; destas, cerca de 400 mil estão

sem acesso a subsídio de desemprego, incluindo o subsídio social de desemprego. Diversas organizações no

terreno têm dado conta de que a pobreza está a disparar, com pedidos crescentes de apoio alimentar, e ainda

não está, sequer, garantida a proibição do corte de acesso a bens essenciais, pelo menos até ao final do ano.

Ouço, neste debate, o Partido Socialista falar num eventual futuro apoio a idosos, mas lembro que o

Governo ainda não concretizou a medida que estava prevista no Orçamento do Estado para 2020 de retirar os

filhos do cálculo do 3.º escalão para acesso ao complemento solidário para idosos, uma medida que é tão

importante para apoiar os idosos mais pobres do nosso País.

Até agora, tudo o que sabemos das intenções do Governo, além do plano de investimento com fundos

europeus, que ainda não são certos, é que pretende continuar a garantir o financiamento dos prejuízos do

Novo Banco, mesmo sabendo que pode estar a ser enganado pela Lone Star. E nem o pouco que já sabemos

sobre as perdas do Novo Banco e que está na auditoria que foi feita, ainda que incompleta, vai ser

integralmente divulgado, porque PS e PSD juntaram-se, esta manhã, para manter o segredo.

Enquanto o sistema financeiro continua protegido, o Governo tarda em cumprir o que acordou com o Bloco

de Esquerda no Orçamento do Estado para 2020 para proteger o Serviço Nacional de Saúde. E se há

urgência é mesmo a contratação de profissionais de saúde.

O Orçamento do Estado para 2020 previa mais 8400 profissionais contratados em 2020 e 2021. Ou seja,

este ano deviam ter sido contratados, de forma permanente, mais 4200 trabalhadores para o Serviço Nacional

de Saúde, para além das contratações devidas para substituição de reformas ou situações extraordinárias de

pico. Ora, estas contratações, que aumentavam de forma líquida o número de trabalhadores do SNS, pura e

simplesmente, não foram feitas.

O caso dos médicos, repito, é flagrante. Este ano, e no momento em que mais precisava, o SNS perdeu

quase 600 médicos. E não é que não existam, há 1000 médicos à espera de vaga para especialidade. Mas

tendo aberto, finalmente, concursos, as vagas não foram reforçadas, nem foram, de facto, contratados mais

médicos.

O caso dos restantes profissionais de saúde também não nos sossega. É certo que foram contratados,

para responder à COVID, cerca de 4000 trabalhadores, essencialmente enfermeiros e assistentes

operacionais. E como são necessários no Serviço Nacional de Saúde! Só que os contratos são precários e a

contratação dos cerca de 3000 profissionais previstos no programa de estabilização continua parada no

Ministério das Finanças.

Os profissionais de que o SNS precisa não podem ser contratados de quatro em quatro meses, o Serviço

Nacional de Saúde precisa de se organizar e precisa de contratação definitiva.

Os profissionais do SNS que estão na linha da frente todos os dias estão exaustos e, ao mesmo tempo, a

população espera e desespera pelas consultas, exames e cirurgias adiadas. Só que o Governo não está a

concretizar o reforço do Serviço Nacional de Saúde, que já foi aprovado, tanto no Orçamento do Estado para

2020, como no Orçamento Suplementar.

Sr. Primeiro-Ministro, o Bloco de Esquerda quer debater soluções, soluções para o País, apoio robusto

para quem perde emprego, salário, rendimento.

Já apresentámos publicamente as nossas propostas: reforço do subsídio de desemprego e subsídio social

de desemprego; criação do rendimento social de cidadania, para responder à brutal perda de rendimento dos

mais precários dos precários — temporários, microempresários, trabalhadores independentes, entre outros.

Ninguém pode ficar abaixo do limiar de pobreza no meio da crise pandémica.

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Apresentámos propostas para proteger o emprego, colocando como condição dos apoios públicos às

empresas não só a manutenção dos trabalhadores efetivos, mas também o prolongamento dos contratos

precários; a proibição, durante este período extraordinário e tão difícil, dos despedimentos, tanto nas

empresas que têm apoio, como nas que mantêm lucros; e o reforço da proteção legal dos trabalhadores,

como, aliás, já está a ser feito em Espanha.

Como podemos nós debater apoios à economia sem garantir mecanismos de proteção do emprego, do

salário? Para o Bloco de Esquerda é claro: queremos mais apoios à economia e queremos debater os seus

critérios. E os primeiros desses critérios têm de ser o emprego e o salário, porque, se não, todos os planos

que forem apresentados e debatidos podem bem servir para encher os bolsos de alguns mas não chegam a

quem conta, que é quem vive do seu trabalho.

Queremos, como é claro, garantir os serviços públicos essenciais, a saúde, desde logo, e, para ser

credível, que se cumpra o que foi orçamentado: 8400 novas contratações.

Sr. Primeiro-Ministro, estamos numa das maiores crises de que temos memória e no Bloco de Esquerda

não desconhecemos a enorme dificuldade que a crise coloca ao Estado e às administrações, mas estamos a

pouco mais de duas semanas da entrega pelo Governo da sua proposta de Orçamento e nada se sabe. O

Bloco de Esquerda está aqui para medidas consistentes e verdadeiras. O tempo para este trabalho é curto.

Precisamos de discutir, sim, o longo prazo, mas para o fazer precisamos de resolver as urgências, precisamos

de trabalhar nas soluções para o País.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para intervir no debate, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Meireles, do Grupo Parlamentar do CDS-PP.

Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, começo por cumprimentar o Sr. Primeiro-Ministro, os Srs. Ministros e os demais Membros do Governo.

Nesta nova fase que inauguramos, nesta sessão legislativa, em que o Sr. Primeiro-Ministro apenas se

desloca aqui para tratar de questões muito importantes para o nosso futuro, gostaria de começar por lhe dizer

que este assunto do plano de recuperação é, de facto, muito importante para o nosso futuro. Não acho é que

«importância» seja sinónimo de grandes frases, grandiloquentes, mas, com toda a franqueza, bastante vazias.

Portanto, Sr. Primeiro-Ministro, gostaria de começar por lhe fazer uma pergunta sobre o que eu chamaria de

um «caso prático», um teste prático, digamos assim.

Ouvi-o com atenção e disse que é preciso acelerar o futuro. Falou-se aqui de deixar um Portugal melhor

para os nossos filhos e ouvi na semana passada anunciar uma medida que me pareceu o oposto disto,

porque, falando no futuro, acho que faz sentido falarmos em crédito e em dívidas.

No fundo, as dívidas são o que não resolvemos agora e deixamos para o futuro e o Sr. Primeiro-Ministro

sabe, com certeza, que há muitas empresas em Portugal, sobretudo empresas mais pequenas, mais frágeis

do ponto de vista da sua tesouraria, que não só viram o seu negócio parar como ainda o não viram recuperar e

sabem que têm, nos próximos meses, o fim de algumas moratórias, o fim dos pagamentos fracionados à

segurança social, o fim de pagamentos fracionados de impostos, o fim de moratórias fiscais e, pura e

simplesmente, percebem que não vão ter dinheiro para isto tudo.

Então, o Governo lembrou-se de lançar uma medida — só espero que esta notícia seja falsa, Sr. Primeiro-

Ministro, porque absurda é, com certeza —, que é a seguinte: «Governo cria linha de crédito para financiar

pagamento de impostos». Ou seja, o Governo sabe que há empresas que não têm tesouraria — traduzindo,

não têm dinheiro — para pagar os impostos, certamente não têm dinheiro para pagar os impostos e os

salários, e, então, a conclusão que o Governo retira daí não é a de que há impostos a mais, não é a de que

são precisas moratórias ou novos fracionamentos de impostos, a conclusão que tira é dizer às empresas:

«Vão financiar-se junto da banca; paguem juros aos bancos, porque o Estado tem de receber e já!». Até diz:

«É melhor pagarem juros aos bancos, porque os juros que o Estado vos cobra pelos atrasos são maiores do

que os juros que os bancos vos cobram».

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Sr. Primeiro-Ministro, vir falar em futuro, em grandes planos, em eixos estratégicos e depois falhar numa

coisa tão essencial, tão básica, e achar que é normal ou razoável dizer a um profissional liberal: «Endivide-se

para pagar os seus impostos» ou «endivide-se para se poder candidatar a um fundo», é, de facto, viver

alheado da realidade. Acho muito difícil dizer a um profissional liberal: «Não tem dinheiro para pagar os seus

impostos? Vá endividar-se junto da banca e depois deixe a conta para os seus filhos pagarem!», ao mesmo

tempo que vem dizer-lhe que há um grande plano com eixos objetivos e dinamismos sobre o futuro.

É este caso prático que queria deixar-lhe e, já agora, queria fazer-lhe uma pergunta muito concreta. Há

uma solução para isto, que é uma descida cirúrgica de alguns impostos, sobretudo os que têm a ver com

adiantamentos ao Estado ou uma nova moratória. E, falando do futuro — até porque o Sr. Primeiro-Ministro

disse, e nisso estou de acordo consigo, que é preciso que este dinheiro chegue rapidamente e seja bem

executado —, esta medida, que, na verdade, não é de dar dinheiro, é de não tirar, tem uma enorme vantagem:

é de simples execução e é praticamente automática, não são precisos funcionários, não são precisas

escolhas, não é preciso nada. É preciso apenas ter vontade e assumir que, de facto, o Estado não pode cobrar

tanto às pessoas, porque elas têm menos rendimentos. Ponto final!

Em segundo lugar, e falando agora de prioridades, também lhe queria deixar esta pergunta. O Sr. Primeiro-

Ministro disse: «Não devemos cair em simplificações entre Estado e empresas». Sr. Primeiro-Ministro, não

devemos, de facto, mas quem começou esta discussão sobre a visão estratégica como uma espécie de

alternativa entre um concurso de ideias e uma discussão ideológica um tanto simplificada, não foi ninguém

neste Parlamento, foi quem o Sr. Primeiro-Ministro contratou para esta empreitada.

Tendo eu lido toda a visão estratégica, percebi que há 10 eixos prioritários, três blocos e paradigmas,

agendas mobilizadoras, transições, reconversões, inovações, implementações, qualificações,

infraestruturações, instrumentos, variáveis, triplos desafios. Há tudo e mais alguma coisa, Sr. Primeiro-

Ministro, menos medidas concretas!

Portanto, Sr. Primeiro-Ministro, trocando em miúdos, gostaria de saber do que estamos a falar. E esta é a

parte mais curiosa desta estratégia, vou ler-lha: «A definição de um modelo de governação que inclua uma

clarificação das prioridades, dos calendários e dos agentes envolvidos». Dou-lhe aqui uma sugestão para um

modelo de governação que defina as prioridades: que o Sr. Primeiro-Ministro, afinal, em concreto, diga do que

estamos a falar. Estamos a falar de uma lista de obras públicas ou de uma diferença concreta na nossa

economia? E, se sim, em quê? É tão simples como isto.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para intervir no debate, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do PAN. Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, restantes Membros do Governo: No ano passado, quando discutimos o Orçamento do Estado, vivíamos um

tempo completamente diferente. Na altura, não podíamos valorizar os profissionais porque caminhávamos

para um excedente orçamental; desta feita, não podemos valorizar os profissionais, não podemos investir em

áreas tão estruturantes para o País como o Serviço Nacional de Saúde, a educação, entre outras, porque

estamos perante aquela que é uma crise socioeconómica sem precedentes.

Sr. Primeiro-Ministro, a par de todas estas crises e necessidades, há uma crise que também continuamos a

viver, a crise climática, que é bastante complexa e para a qual precisamos de medidas mais arrojadas e ação

concreta.

Por isso, não podemos deixar de olhar para esta agenda, que não dá, assim, a oportunidade a uma visão

mais progressista para uma agenda sustentável, que é aquela de que o País precisa, nomeadamente nas

suas opções estruturais. Ao contrário, verificamos que este plano assenta num modelo económico

absolutamente obsoleto, com uma lógica de economia de consumo exacerbado de recursos, serviços e bens

de consumo e numa pegada ecológica insustentável.

Isto é bem patente ao nível do turismo, por exemplo, onde o programa defende uma diversificação da

atividade turística e a necessidade de reduzir as emissões dos gases dos transportes, mas mantém esta

atividade como pilar estrutural da economia nacional, sem resolver, contudo, os impactos ambientais e sociais

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negativos desta atividade, nomeadamente no que respeita à precariedade laboral, aos problemas de habitação

e à pressão sobre as cidades. É incompreensível a negação da realização de um estudo de carga turística,

que continua a não estar no leque de medidas a tomar na fase de recuperação económica.

Sr. Primeiro-Ministro, parece-nos fundamental que esta revisão seja carreada para o plano e que, acima de

tudo, se faça este estudo. Portanto, desde logo, uma das primeiras perguntas que se impõe é esta: para

quando este estudo na área turística, de que o País tanto carece?

Mas para além das contradições, este plano é marcado por uma certa ingenuidade e falta de ambição.

Ingenuidade visível na crença de que a extração de recursos, em terra ou no mar, é compatível com a

sustentabilidade de ecossistemas, sem que sejam impostas linhas vermelhas claras em matéria ambiental.

Sr. Primeiro-Ministro, o País e o planeta precisam de ação e precisam também de uma visão disruptiva. Por

isso mesmo, precisamos de saber se o Governo vai ser realista e vai assumir os custos e riscos associados a

estas atividades ou se vai fazer prevalecer a crença de que as novas tecnologias são a varinha mágica que vai

salvar os ecossistemas.

Não deixamos, contudo, de reconhecer alguma bondade em algumas medidas do plano de Costa Silva,

nomeadamente, de saudar algumas propostas que convergem com as preocupações do PAN para a transição

económica e social, como sejam a aposta na ferrovia, o aumento da melhoria nos transportes públicos, a

aposta na digitalização, apesar de tardia, ou a aposta no turismo de natureza, em contraste com aquela que é

a excessiva dependência do País no setor do turismo tradicional.

Congratulamo-nos, ainda, com os esclarecimentos prestados pelo Prof. Costa Silva, na audição da semana

passada, nomeadamente ao ter clarificado que não defende a exploração mineira e de recursos naturais em

áreas protegidas, que a Convenção de Albufeira deve ser renegociada, que deve ser realizado um estudo de

carga turística para o País, como o PAN há muito propõe, e que a opção de localização do novo aeroporto de

Lisboa em Beja, com ligação ferroviária de alta velocidade a Lisboa, é uma hipótese que deve ser estudada.

Por fim, Sr. Primeiro-Ministro, não podemos deixar de destacar que o Prof. Costa Silva reconheceu que o

modelo socioeconómico vigente deve ser revisto à luz dos limites planetários, algo que não é tido em

consideração no plano que apresentou.

Mas, Sr. Primeiro-Ministro, o que não podemos deixar de lhe perguntar, a este tempo, é se vai ou não

incluir estas preocupações no documento final e na visão que vai apresentar para o País.

Por outro lado, não podemos também deixar de lhe apontar algumas incoerências entre a narrativa e as

medidas apresentadas.

Desde logo, temos propostas para a economia circular — está certo! —, mas o silêncio é total em relação a

medidas concretas para reduzir a produção de resíduos, que é um dos maiores flagelos ambientais do País e

do planeta.

O plano defende uma aposta na indústria transformadora, designadamente nos moldes e injeção de

plásticos. Contudo, Sr. Primeiro-Ministro, como é possível uma aposta nos plásticos e que tal seja compatível

com a vida nos oceanos?! Como é possível termos uma proposta desta natureza quando o mundo reconhece

que uma das prioridades ambientais do nosso tempo, em defesa do ambiente e da saúde pública, passa

precisamente pelo combate ao uso de plásticos e microplásticos?!

O plano também defende uma aposta na economia de extração da floresta, com a integração de cadeias

de mobiliário, cortiça, pasta de papel, ou seja, basicamente, eucaliptos e pinheiros. De que forma pretende o

Governo conciliar essa aposta com aquilo que tem de ser necessariamente o combate às alterações

climáticas, aos incêndios, à recuperação de habitats e ecossistemas e à proteção da biodiversidade?

Este plano é, ainda, totalmente omisso quanto à necessidade de reduzir as emissões no setor da pecuária.

E, a este propósito, Sr. Primeiro-Ministro, aquilo que perguntamos é até quando vamos continuar a ignorar

este problema e, também, sobretudo, que propostas para o futuro dos nossos jovens no atual enquadramento,

seja a nível da educação, seja a nível da empregabilidade e da salvaguarda dos seus direitos no que respeita

ao meio ambiente, que também continuam, de alguma forma, omissos.

Este plano é ainda insuficiente no que respeita à dimensão do impacto que as medidas de recuperação da

economia têm em matéria de igualdade entre homens e mulheres, combate à pobreza e exclusão social, em

particular da população mais velha.

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Assim, Sr. Primeiro-Ministro, para concluir, e tendo em conta que também não há uma única medida de

combate à corrupção, de transparência no uso dos fundos comunitários e daquela que possa ser a

participação cidadã, até onde está o Governo disponível a ir?

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, tem de concluir.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Concluo já, Sr. Presidente. Aquilo que se impõe saber neste debate, Sr. Primeiro-Ministro, é como daremos resposta a estes grandes

desafios e que pontes está o Governo disponível para construir, nomeadamente no âmbito das preocupações

do PAN.

O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira, de Os Verdes.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Tal como Os Verdes já tiveram oportunidade de afirmar no encontro que tivemos com o Sr. Primeiro-Ministro e

com outros Srs. Membros do Governo, receamos estar perante uma oportunidade perdida, e isto não pode

voltar a acontecer, sobretudo numa altura em que o País e o mundo se confrontam com uma grave crise de

saúde pública e com impactos ainda incalculáveis tanto do ponto de vista económico quanto do ponto de vista

social, crise que, aliás, tem na sua origem os desequilíbrios que se criaram na relação do homem com a

natureza e que veio confirmar as grandes debilidades dos países e dos povos que estão subordinados a um

modelo de crescimento globalizado, sustentado no saque da natureza e nas desigualdades sociais e

territoriais.

Portanto, mais do que nunca é preciso garantir respostas às necessidades do presente, até porque são

muitos os que dependem dessas respostas, mas é também necessário pensar o futuro, delineando caminhos

de sustentabilidade, nos quais a economia e a produção têm de caminhar lado a lado com a defesa da

natureza e com a justiça social.

Sucede que, das sugestões apresentadas pelo Prof. Costa Silva para o plano de recuperação da

economia, traduzidas, de certa forma, em propostas de financiamento no plano de recuperação e resiliência

que foi apresentado pelo Governo, a soberania alimentar e a conservação da natureza, que são dois pilares

estratégicos da resiliência de um país e de um povo perante catástrofes de toda a ordem, são praticamente

ignoradas. De facto, a visão e o financiamento apresentados para o reforço do potencial produtivo, a coberto

do manto da investigação e da inovação, estão todos eles virados para a agricultura intensiva e agroindustrial,

que provoca, como sabemos, graves impactes ambientais, deixando completamente de fora a agricultura

familiar, que continua a desempenhar um papel social e ambiental fundamental, nomeadamente no que diz

respeito ao combate à desertificação.

A agricultura familiar é, sem dúvida, a que mais vocacionada se encontra para garantir a soberania

alimentar, para procurarmos essa soberania alimentar, de uma forma equilibrada, diversificada e numa relação

de proximidade com os consumidores, questões fundamentais quando estamos confrontados com pandemias

como aquela que estamos a viver, mas também com a ameaça das alterações climáticas.

Portanto, Sr. Primeiro-Ministro, não vemos nestas propostas nenhum financiamento que venha beneficiar a

agricultura familiar e nenhum instrumento que possa privilegiar a produção alimentar virada para o consumo

interno e para assegurar a nossa soberania alimentar. O que pergunto, Sr. Primeiro-Ministro, é se estaremos

enganados, se somos nós que estamos a ver mal o «filme».

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado André Ventura, do Chega.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Primeiro-Ministro apresentou-nos um programa de recuperação e resiliência em que falou de coesão territorial e é impressionante que, nessa

coesão territorial, não tenha mencionado o Algarve uma única vez. A região do País onde o desemprego

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aumentou 200%, a par da região de Lisboa, não tem uma única menção do Primeiro-Ministro, no que se refere

a esta verdadeira tragédia nacional que é o desemprego.

Mas hoje o Sr. Primeiro-Ministro tem de responder a outra coisa: por que razão é que, em Portugal, há dois

países, o país público e o país privado, em que uns recebem 1,8 mil milhões e os coitados das empresas e

das famílias vão receber menos de metade desse valor?! São dois países para agradar à esquerda, deixando

os que pagam impostos e que sustentam este País fora do seu bolo de investimento, simplesmente porque

são do setor privado, do setor social ou do setor cooperativo. É uma espécie de «salve-se quem puder, se

puderem e da forma que puderem, porque nós não estaremos cá para ajudar».

Mas traz-nos também um programa de habitação pública, no fundo a dizer «não se preocupem, porque os

mesmos de sempre vão continuar a receber o mesmo de sempre e aqueles que andaram anos a pagar

impostos, a sustentar os privilégios de quem não quer fazer absolutamente nada, veem-se agora a pagar

habitação pública para todos, mais barata e até, se possível, de graça, já que estamos cá sempre para pagar e

a classe média está disponível».

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado, porque já ultrapassou o tempo de que dispunha.

O Sr. André Ventura (CH): — Vou terminar, Sr. Presidente, dizendo o seguinte: a dívida pública atingiu hoje 133% do PIB, um nível histórico nunca antes visto. E quero perguntar-lhe…

O Sr. Presidente: — Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. André Ventura (CH): — Vou terminar, Sr. Presidente. Quero perguntar-lhe, olhos nos olhos, Sr. Primeiro-Ministro, se vamos ou não ter impostos europeus para

financiar estas medidas.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Maló de Abreu, do Grupo Parlamentar do PSD.

O Sr. António Maló de Abreu (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Os números de infetados por COVID-19, de internamentos e de mortes não param de aumentar, Sr. Primeiro-

Ministro — tristemente! — porque a primavera de propaganda do milagre português, com que se engalanou,

não se confirma. Infelizmente!

O que procuro cuidar de saber é se tem a noção de quantos portugueses foram vítimas da pandemia, não

por terem contraído COVID, mas por terem medo ou por terem encontrado fechadas as portas do Serviço

Nacional de Saúde, em resultado da sua política. É que a inatividade do SNS, já em perda e depois

concentrado na pandemia, bateu de frente nos doentes todos, como um tsunami causado por si ou mandado

por si, ou autorizado por si, ou do seu conhecimento, enquanto Chefe do Governo.

E, a propósito de visão estratégica, pergunto-lhe: onde andava o Governo quando, ainda em janeiro, o PSD

pediu «medidas, face à possibilidade de propagação global do novo coronavírus», já que só apresentaram o

plano em 10 de março, ou seja, mais de um mês depois, quando apareceram os primeiros casos em

Portugal?!

Por onde andava o Governo que temos quando dizíamos que os lares poderiam vir a ser o grande foco,

que não definiu atempadamente fortes medidas preventivas, deixando quase entregues à sua sorte os frágeis

e vulneráveis de hoje, a geração que mais sofreu e mais combateu, porque esteve na guerra, mas também fez

Abril?!

Onde anda o Primeiro-Ministro da promessa de um médico de família para todos os portugueses em 2017,

quando, três anos depois, 1 milhão deles ainda desespera?! Palavra dada não é palavra honrada quando

quem pode não faz o que pode e não faz o que deve.

Aplausos do PSD.

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Por onde andava o Primeiro-Ministro que temos quando o Governo que temos não regulamentou a

compensação aos trabalhadores do SNS envolvidos no combate à pandemia, como a lei lhe impunha que

tivesse feito, até há um mês?! Os soldados anónimos da linha da frente nunca esquecerão os que deles se

esqueceram, ou não!

A propósito de visão estratégica falou o seu ex-Ministro da Saúde, quando aconselhou a «alinhar o

discurso político com a realidade», ou seja, a abandonar a narrativa fantasiosa do «país das vacas que voam»,

que o mesmo é dizer «haja alguém que nos governe».

Já passámos por todos os estados — de calamidade, de emergência, de contingência —, estamos agora

entregues ao estado a que isto chegou! Mas o compromisso do PSD mantém-se, primeiro com Portugal e,

exclusivamente, com os portugueses, sem deixar ninguém para trás.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Testa, do Grupo Parlamentar do PS.

O Sr. Luís Moreira Testa (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Tenho aqui um conjunto de questões para colocar ao Sr. Primeiro-Ministro, mas, antes, gostaria de fazer um

comentário sobre a intervenção que me precedeu.

A intervenção que me precedeu, bem escrita, bem articulada, bem vocalizada, não passa de uma miríade

na cabeça do Sr. Deputado, que mais não é do que um desejo que o Sr. Deputado gostaria que se verificasse

na vida de todos os portugueses.

Portugal é um país que se tem levantado todos os dias para combater, exatamente, o estado a que isto

chegou.

Sr. Primeiro-Ministro, Portugal é um país desequilibrado há décadas. Esse desequilíbrio tem razões

históricas, umas mais profundas do que outras. O Governo que V. Ex.ª lidera, e que iniciou funções na última

Legislatura, tem combatido, de forma eficaz, algumas dessas assimetrias, mas existem outras que são mais

resistentes, porque mais profundas. E essas, que são mais resistentes e têm raízes mais profundas, têm,

primeiro, despovoado o interior do País, seguidamente, têm colocado pressão sobre as grandes cidades e

têm-se traduzido numa dificuldade de utilização global dos recursos nacionais, porque a capacidade de

explorar esses recursos está concentrada nas regiões contrárias àquelas em que residem esses mesmos

recursos que permanecem no território.

Este plano que hoje nos é trazido aqui, à Assembleia da República, pelo Governo de V. Ex.ª robustece de

forma evidente a resposta que é dada desde o início da última Legislatura e que, mais do que política, é uma

resposta eficaz no terreno.

Se temos um país desequilibrado, onde, por um lado, temos força capaz de transformar a realidade e, por

outro, noutra dimensão, temos recursos por explorar, é preciso conjugar estas duas realidades para que

possamos utilizar, na sua plenitude, os recursos que estão ao nosso dispor, criar cadeias de valor,

reindustrializar e criar competitividade, de uma forma global, utilizando também aquilo que chamamos, porque

o é, o interior do País.

Saudamos a forma eficaz como isto tem sido abordado, a forma como esta questão tem sido delimitada na

ação política e, sobretudo, como tem constituído um pilar fundamental na visão de futuro que temos de ter

para o País.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Silva, de Os Verdes, para uma intervenção.

A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro: Nas sugestões apresentadas pelo Prof. Costa Silva para o plano de recuperação económica

de Portugal 2020-2030, traduzidas em propostas de financiamento no plano de recuperação e resiliência,

apresentado pelo Governo, promete-se o reforço do Serviço Nacional de Saúde e a aposta na ferrovia.

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Os Verdes consideram que estas são áreas que precisam mesmo de muita resiliência. Este reforço era, há

muito, necessário e foram inúmeras as vezes que o reclamámos. A epidemia só veio realçar as debilidades

destes setores fundamentais para a vida das populações e para o desenvolvimento do País. Veremos se os

reforços prometidos não passam apenas de anúncios e intenções.

Assim sendo, e visto que estamos na Semana Europeia da Mobilidade, é sobre o investimento na ferrovia

que gostava que nos esclarecesse.

No quadro da apresentação do plano de recuperação e resiliência, colocou a possibilidade de a aquisição

de material circulante ferroviário, apresentada e enquadrada na proposta para a mobilidade sustentável,

orçada em 975 milhões de euros, vir a ser financiada por outro instrumento europeu, o Connecting Europe

Facility, e de as verbas que lhe são atualmente destinadas serem desviadas para as intervenções no metro de

Lisboa e do Porto.

Ora, segundo sabemos, o Connecting Europe Facility não permite a aquisição de material circulante,

estando este instrumento europeu destinado a financiar infraestruturas.

Como tal, gostaríamos que nos garantisse hoje que a aquisição de material circulante ferroviário,

fundamental para o equilíbrio demográfico do território e para o desenvolvimento justo e sustentável do País,

vai manter-se neste plano de recuperação e resiliência.

O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Lara Martinho, do Grupo Parlamentar do PS, para uma intervenção.

A Sr.ª Lara Martinho (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Primeiro-Ministro: Estamos perante um desafio colossal, que só será superado se conseguirmos alcançar três fatores

críticos de sucesso.

O primeiro fator é o de sabermos para onde queremos ir. Felizmente, o Sr. Primeiro-Ministro abriu o futuro

à sociedade com a elaboração da Visão Estratégica pelo Prof. Costa Silva, com centenas de contributos, e,

em complementaridade, nos Açores, o Governo Regional abriu o futuro à sociedade e criou a ambiciosa

Agenda para o Relançamento Social e Económico, com 250 medidas para dar resposta às especificidades

regionais.

Teremos, pois, uma visão global e integrada do que devem ser as apostas para os próximos anos. É certo

que é impossível anteciparmos completamente o futuro, mas é também perante esta incerteza que se revela

tão importante termos um plano ou uma agenda.

Sr. Primeiro-Ministro, para implementarmos uma boa estratégia, é também importante termos recursos.

Este é o segundo fator crítico de sucesso, o resultado extraordinário da negociação dos novos fundos

comunitários.

No caso dos Açores, a abertura deste Governo a um reforço de quase 100% das verbas é um sinal claro

não só da importância que o Sr. Primeiro-Ministro e o seu Governo têm dado às autonomias, mas também do

papel que estas podem e devem ter na recuperação e no futuro do nosso País. Temos agora, todos, como o

Sr. Primeiro-Ministro referiu, a gigantesca responsabilidade de utilizar bem estas verbas.

O terceiro fator é o da cooperação. Hoje, mais do que nunca, a cooperação revela-se crucial. Só com o

envolvimento de todos — Governo central, Governos regionais, autarquias, empresas e instituições — será

possível concretizarmos esta visão e executarmos estes fundos. Só com esta visão de futuro, de cooperação e

de confiança no papel das autonomias podemos garantir que nenhuma região fique para trás. Apenas juntos

poderemos vencer este desafio!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Ainda para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do PS, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Fazenda.

O Sr. Nuno Fazenda (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro e demais Srs. Membros do Governo: Hoje estamos a discutir o futuro para enfrentarmos a maior crise de sempre e nunca o futuro

dependeu tanto do que coletivamente formos capazes de pensar e planear no presente.

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O Governo fez o trabalho que se lhe exigia até ao momento: conseguiu, com sucesso, obter o maior pacote

de fundos europeus de que há memória e tem estratégia para os utilizar bem — e isso não pode deixar de ser

reconhecido.

Agora, o desafio é o de afinar a estratégia e passar da estratégia à ação. Esta é uma responsabilidade que

cabe a todos: ao Governo, aos partidos políticos para gerar consensos, às instituições e aos milhares de

promotores públicos e privados, que terão de conceber bons projetos e executá-los dentro dos prazos. É, pois,

um desafio que convoca todos, que não dispensa ninguém.

Coletivamente, temos de dar respostas rápidas ao País. Diz o provérbio popular que «depressa e bem não

há quem», mas, no caso dos fundos comunitários, terá mesmo de ser assim. O País exige e Portugal terá de

executar, por ano, duas a três vezes mais do que em qualquer um dos anteriores quadros comunitários.

É precisamente por isso, pelo sentido de urgência que vivemos, que, mesmo sem termos ainda a

aprovação final do pacote de fundos comunitários por parte da Europa, o Governo tem vindo antecipadamente

a definir uma estratégia e a atuar em vários pontos críticos para termos uma execução célere dos fundos

comunitários.

Destaco três pontos críticos.

Em primeiro lugar, tem implementado, com resultados positivos, o programa Simplex em diferentes áreas,

incluindo medidas na área dos fundos comunitários. Ainda assim, sem se perder o rigor e a transparência, é

essencial continuar a agilizar procedimentos e a eliminar barreiras burocráticas. Este é um ponto crítico.

Em segundo lugar, a descentralização em curso será essencial para promover uma boa aplicação dos

fundos comunitários, assumindo as CCDR (comissões de coordenação e desenvolvimento regional) e as

entidades intermunicipais um papel-chave.

Em terceiro e último lugar, refiro a capacitação da Administração Pública. O trabalho realizado pelas atuais

estruturas do Portugal 2020 deve ser reconhecido, mas, agora, a exigência é muito maior. Por isso, a transição

digital e o recrutamento de 1000 técnicos superiores na Administração Pública são medidas muito importantes

que estão em curso e que devem ser continuadas.

É neste sentido que questiono o Sr. Primeiro-Ministro sobre a importância de termos uma execução célere

dos fundos comunitários, uma vez que este será o ponto crítico para recuperar Portugal e cuidar do futuro.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Está inscrito, para uma intervenção, o Sr. Primeiro-Ministro, António Costa.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, creio que é para responder às questões.

O Sr. Presidente: — Sr. Primeiro-Ministro, este debate não tem uma fase de questões e uma fase de intervenções. Segundo a grelha, este tipo de debate tem três fases, a de abertura, a de debate e a de

encerramento. Neste momento, estamos na fase de debate.

O Sr. Primeiro-Ministro inscreveu-se para esta fase, pelo que tem, então, a palavra para uma intervenção.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A primeira condição para podermos utilizar bem os recursos extraordinários, que constituem, efetivamente, uma responsabilidade gigantesca para

o nosso País e que são disponibilizados pela União Europeia, é a de começarmos por desenhar bem esse

programa. A razão pela qual o Governo promoveu e solicitou à Assembleia da República a realização deste

debate é a de entendermos e acreditarmos que um bom programa é aquele que conta com a contribuição de

todos.

Aplausos do PS.

Sr. Deputado Rui Rio, não posso deixar de lhe dizer que, quando estamos a discutir um programa desta

importância estratégica para o futuro do País, das nossas empresas, das novas gerações, ao nível das

carências sociais profundas do nosso País e da necessidade de aumentarmos o nosso potencial produtivo,

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para mim, é de uma enorme perplexidade que o Sr. Deputado intervenha neste debate sem uma única ideia

ou uma única proposta para o futuro. Fico completamente perplexo!

Aplausos do PS.

A única ideia que revelou sobre o futuro ficou implícita na sua preocupação com o salário mínimo nacional.

Até me pareceu ouvir o seu antecessor, quando, em 2016, explicou que o aumento do salário mínimo nacional

que íamos introduzir ia destruir a criação de emprego, ia destruir as empresas e ia destruir a economia. Aquilo

que demonstrámos ao seu antecessor — e, seguramente, o senhor estará cá para ver também — foi que o

reforço do rendimento das famílias é uma condição essencial de revitalização da economia do nosso País.

Aplausos do PS.

As empresas do futuro não são as empresas de baixos salários, são as empresas que beneficiam do

investimento na inovação, as empresas que vão reforçar o seu capital, as empresas que vão aumentar a sua

presença no mercado externo, as empresas que se estão a modernizar. Essas são as empresas do futuro e é

para essas empresas que este programa olha, não é para as empresas que contam os cêntimos sobre o

aumento do salário mínimo nacional.

Quem conta os cêntimos do salário mínimo nacional e tem mesmo de ter uma resposta são aqueles que

ganham o salário mínimo nacional. A esses temos de responder: «Sim, vamos ter de prosseguir a trajetória de

aumento do salário mínimo nacional.»

Aplausos do PS.

Sr. Deputado, a preocupação com a corrupção é algo que, felizmente, me acompanha e sobre o qual tenho

provas dadas ao longo de uma vasta carreira política, desde Ministro da Justiça a autarca. Como o Sr.

Deputado me conhece bem, far-me-á, seguramente, a justiça de não ter dúvidas sobre isso.

Aplausos do PS.

Essa é uma preocupação que se concretiza, também, quanto à execução dos fundos. Como sabe,

apresentámos, nesta Assembleia da República, uma proposta de lei sobre a contratação pública que,

eliminando a burocracia, reforça o seu acompanhamento, designadamente propondo uma comissão de

acompanhamento que integra eleitos por esta Assembleia da República.

Aplausos do PS.

O Sr. Deputado não terá conhecimento, mas ficará a saber que, desde o ano passado, a Agência para o

Desenvolvimento e Coesão, que gere os fundos comunitários, tem um protocolo com o DCIAP (Departamento

Central de Investigação e Ação Penal), de forma a permitir e a agilizar a fiscalização e o acompanhamento,

por parte do Ministério Público, da boa gestão dos fundos comunitários.

Aplausos do PS.

É também por isso que, neste momento, temos em debate público uma Estratégia Nacional de Combate à

Corrupção, que espero que se traduza rapidamente em iniciativas legislativas concretas para reforçar o

arsenal de combate à corrupção, que, essencialmente, ainda é o mesmo que esta Assembleia aprovou

quando eu era Ministro da Justiça, sob iniciativa e proposta do Governo.

Aplausos do PS.

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Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, retive, mais uma vez, como tenho feito disciplinadamente desde a sua

intervenção no encerramento da Festa do Avante!, as múltiplas preocupações que revela e que terão

expressão no próximo Orçamento do Estado, às quais procuraremos corresponder no âmbito da apreciação

conjunta que temos em curso.

Agora, este programa de recuperação e resiliência é uma oportunidade única não de fazermos aquilo que a

União Europeia nos impõe, mas de dizermos à União Europeia o que desejamos fazer. Foi por isso que

trouxemos este programa a debate.

Se o Sr. Deputado tiver em conta os documentos que entregámos e partilhámos na passada segunda-feira,

em investimento no conjunto das vulnerabilidades sociais, na escola pública, nas qualificações, nos

transportes públicos, temos cerca de 6,6 mil milhões de euros previstos neste programa. Não falta ambição

para responder às necessidades concretas e sociais do nosso povo, as quais estão espelhadas na proposta

de programa que apresentámos.

Aplausos do PS.

Sr.ª Deputada Catarina Martins, sinto-a insegura relativamente àquela que virá a ser a aprovação final

deste programa de recuperação e resiliência, contudo, chamo a sua atenção para o facto de este programa

não ter sido adiado. O Conselho Europeu já o aprovou em julho passado. Só espero que o Parlamento

Europeu o vote favoravelmente e que os eleitos do Bloco de Esquerda no Parlamento Europeu contribuam

para a aprovação, tão rápida quanto possível, deste programa.

Aplausos do PS.

Queria deixar uma nota concreta sobre o que disse em matéria de recursos humanos no Serviço Nacional

de Saúde. Hoje, temos mais 5216 profissionais do que tínhamos no início do ano; só em relação a médicos,

temos mais 691 do que tínhamos no início do ano e, como sabe, no próximo mês teremos ainda mais, porque,

fruto do atraso no fim do internato geral, há um atraso na possibilidade de entrarem especialistas, que ainda

não completaram a formação.

Sr.ª Deputada Cecília Meireles, vi que leu com atenção a Visão Estratégica apresentada pelo Prof. António

Costa Silva e fico muito satisfeito com isso, mas vejo que o seu líder ainda não lhe forneceu a documentação

concreta que já entregámos ao CDS na passada segunda-feira, onde se concretizam e quantificam mesmo as

prioridades. Portanto, quando passarmos ao debate daquilo que está agora em discussão, gostaríamos de

contar também com a contribuição positiva do CDS-PP.

Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, relativamente ao programa que estamos aqui a apresentar, este prevê,

no conjunto de investimentos para o Serviço Nacional de Saúde e, em particular, na resposta à população

idosa, cerca de 1,5 mil milhões de euros.

Relativamente à questão dos resíduos, como sabe, neste programa eles não são contabilizáveis e é por

isso que tem de haver articulação com outros programas, designadamente o PT 2030.

Da mesma forma, também tem de ser agilizado com o PT 2030 o que diz respeito ao investimento em

material circulante, a que se referiu a Sr.ª Deputada Mariana Silva. O que dizemos é que, entre o PT 2030, a

Connecting Europe Facility e este programa, iremos fazer este investimento que está previsto para a

renovação do material circulante na CP (Comboios de Portugal).

Sr. Deputado André Ventura, que não haja dúvidas: espero mesmo que haja impostos europeus, porque se

não houver impostos europeus, serão os impostos nacionais a pagar este programa de recuperação. O senhor

escolherá se será a Europa ou se seremos nós a pagar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Continuando nesta fase de debate, tem a palavra o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, do Iniciativa Liberal.

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O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro e demais Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Já aqui disse o que achava deste plano — um catálogo de dezenas de

medidas em que tudo é crucial, fundamental, essencial, fulcral, em que tudo, ou seja, nada, é prioritário.

Vou passar por cima da propaganda que foi feita, a este propósito, contra os liberais, como se os bons

exemplos de combate à pandemia e de início de recuperação económica não viessem precisamente de países

liberais. Só que o Governo, em vez de fazer aquilo que é a essência da política, ou seja, fazer escolhas e

afinar prioridades, limitou-se a cruzar os eixos do «plano Costa Silva» com os pilares de Bruxelas, não para

ver se as medidas fazem sentido, mas apenas para ver se se podem financiar.

Mas há aqui dois enormes equívocos.

O primeiro é não perceber que na origem dos nossos problemas de sempre — a pobreza, as assimetrias,

os serviços ineficientes, o centralismo, o compadrio — está a falta de desenvolvimento económico. Sem mais

riqueza, bem podemos discutir a qualidade dos serviços públicos ou o exagero da carga fiscal, que, mais tarde

ou mais cedo, não haverá dinheiro para pagar nada. E aqui chocam duas conceções de como o País se pode

desenvolver: o PS acha que é através dos ditames dirigistas do Estado, mas a IL acha que é através da livre

iniciativa e do esforço das pessoas e das empresas, às quais, aliás, o plano atribui menos de um terço das

verbas.

O segundo equívoco é ainda pior. Este plano exige a capacidade de executar projetos que valem o dobro

ou o triplo do que foi conseguido nos melhores anos de aplicação dos fundos estruturais. Este plano exige

uma enorme mobilização de toda a sociedade portuguesa, em especial dos que podem criar a tal riqueza sem

a qual a discussão política fica estéril.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Vou concluir, Sr. Presidente. Perante esta evidência, o Governo opta por manter a lógica de gestão dos fundos que já existe, ou seja,

espera atingir objetivos muito mais ambiciosos com a mesmíssima estrutura. Para não perdermos esta

oportunidade, precisamos de mobilizar e libertar a energia e a criatividade dos portugueses.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado. Tem de concluir.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Isso é que é absolutamente crucial, fundamental, essencial, fulcral.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, pelo Grupo Parlamentar do PSD, o Sr. Deputado Afonso Oliveira.

O Sr. Afonso Oliveira (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro e demais Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Com o agendamento deste debate, pensei momentaneamente se teríamos regressado

a algures no final de 2015 e ao início dos já quase cinco anos dos Governos do Partido Socialista liderados

pelo atual Primeiro-Ministro. Mas, afinal, não, estamos mesmo em setembro de 2020!

O Sr. Primeiro Ministro descobriu, finalmente, no meio de uma gigantesca crise sanitária, que não tinha

uma visão estratégica para o País e, nos últimos cinco anos de governação, nunca sentiu falta de um

pensamento estratégico nem de qualquer contributo de alguém que olhasse para o País que somos e para o

País que queremos ser. O PSD tem vindo a afirmar, ao longo dos últimos anos, o que está hoje muito evidente

para todos: o Governo tem navegado à vista, o Governo não tem um rumo estratégico.

Quando o Sr. Primeiro Ministro foi confrontado, como todos os portugueses, com uma circunstância

excecional, que, na verdade, era absolutamente imprevisível e se revelou uma realidade completamente nova

para todos, olhou para o lado, olhou para o seu Governo e constatou algo que já sabíamos: faltava uma visão

estratégica para o País e não era possível encontrar essa visão dentro do seu Governo. Ora, essa é

precisamente a virtualidade do trabalho elaborado pelo Prof. António Costa Silva: obrigar o Governo a

perceber que pode, deve e tem mesmo de haver pensamento estratégico na ação governativa e que o

conhecimento da realidade e das possibilidades é sempre um bem necessário para as decisões.

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Vivemos um tempo excecional e, neste tempo excecional, há uma pergunta à qual o Governo tem mesmo

de responder: o que esperam, hoje, os portugueses da ação do Governo? É isto que o Governo tem de

perceber: o que esperam os portugueses da ação do Governo? Sr. Primeiro Ministro, o que os portugueses

esperam da ação do Governo é muito simples: um rumo! Esperam um rumo, Sr. Primeiro Ministro, que seja

mobilizador de todos os portugueses, que envolva os trabalhadores, os empresários, as empresas, as

universidades, as instituições. Infelizmente, o Governo não tem sido capaz de definir esse rumo nem de

mobilizar os portugueses para o que temos todos de fazer.

O próprio autor da Visão Estratégica encomendada pelo Governo, Prof. António Costa Silva, disse-o de

forma muito clara — e, hoje, a oportunidade desta afirmação é da maior relevância: «Se não houver uma

colaboração e apoio do Estado às empresas rentáveis e competitivas, que estão com dificuldades de

tesouraria por causa da pandemia, e estas falirem, vai ser um desastre para a economia portuguesa e a

recuperação vai ser mais lenta.»

Esperemos que esta afirmação do Prof. António Costa Silva tenha eco no seio do Governo e permita que

percebam, de uma vez por todas, que um plano de recuperação tem mesmo de ter, no seu cerne, medidas

que potenciem a produtividade e a competitividade das empresas, porque são as empresas, os empresários e

os trabalhadores que criam riqueza e fazem crescer o País. E é mesmo aí, na capacidade empreendedora, na

inovação, no potencial para criar mais e melhor emprego, que tem de se colocar a fatia de leão do apoio

europeu à recuperação económica do País. Esta resposta ainda não foi dada hoje pelo Sr. Primeiro-Ministro e

deveria ser dada. É neste âmbito, nas empresas, que deve ser colocada a fatia de leão.

Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro e demais Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje, os

portugueses esperam do Governo o que o Governo não conseguiu dar nos cinco anos de governação —

orientação estratégica, objetivos claros e capacidade de concretização. Os portugueses esperam do Governo

muito mais ação e menos propaganda.

Após a apresentação pelo Prof. António Costa Silva da Visão Estratégica para o Plano de Recuperação

Económica, o Sr. Primeiro Ministro iniciou a sua intervenção com uma interrogação, de que me recordo por ter

estado lá a assistir. Perguntava o Sr. Primeiro-Ministro: «E agora?» Pois, é uma boa pergunta, que deve ser

colocada no seu Conselho de Ministros: «E agora?» É uma pergunta que também temos de lhe devolver: «E

agora, Sr. Primeiro-Ministro?» A questão é que as respostas não têm sido dadas e, hoje, viu-se neste debate

que não há resposta para o que vem a seguir. Não se percebe qual é o plano do Governo!

Agora, é hora de o seu Governo fazer o que tem de ser feito: criar um modelo de governação dos fundos

europeus à prova de interesses que não sejam apenas e só o interesse de Portugal e dos portugueses;

apostar nos portugueses e na sua capacidade de enfrentar adversidades; ouvir a sociedade portuguesa e

definir as prioridades certas.

Será imperdoável não termos um Governo à altura do momento que vivemos. Será imperdoável termos um

Governo que cometa os mesmos erros dos Governos socialistas do passado. Será imperdoável que este seja

o Governo da oportunidade perdida. Não há tempo para errar, este é mesmo o tempo para acertar.

Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro e demais Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Termino

nos mesmos termos em que já o fiz, deste mesmo lugar, com o pensamento de Almada Negreiros, que traduz

muito o momento que vivemos: «Quando eu nasci, as frases que hão de salvar a humanidade já estavam

todas escritas, só faltava uma coisa — salvar a humanidade.» Neste caso, o que falta mesmo é um plano, e

esse plano que ainda não se percebeu qual é.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Meireles, do Grupo Parlamentar do CDS-PP.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, creio que ainda haverá oportunidade para fazer um esclarecimento.

Gostava só de dizer ao Sr. Primeiro-Ministro que fizemos o nosso trabalho de casa e, portanto, solicitei e

obtive, hoje, este documento precioso para o meu partido. Foi assim que, depois de ter passado alguns dias a

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estudar os 10 eixos prioritários, pude agora estudar estes três grandes blocos. Como o Sr. Primeiro-Ministro

compreenderá, não é assim um estudo que leve muitas horas.

Já agora, falando de coisas concretas, mais lhe exemplifico o que gostava de saber. O documento diz o

seguinte: «resiliência», «potencial produtivo», «capitalização das empresas» — estamos todos de acordo. O

que pergunto ao Sr. Primeiro-Ministro é se acha que capitaliza as empresas ao dizer-lhes: «Se não têm

dinheiro para pagar impostos, vão endividar-se junto da banca, vão pagar juros à banca para pagarem os

vossos impostos.» É que, se não há tesouraria, não há dinheiro para pagar impostos. Só que o Estado pode

atrasar-se a pagar às empresas com quem contrata, mas os contribuintes e os profissionais liberais não

podem atrasar-se.

Portanto, esta é a noção de ajuda e de capitalização das empresas?

Se calhar, mais valia debruçarmo-nos sobre estes assuntos mais práticos e deixarmos as grandes

intenções para os grandes pensadores.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Paulo Correia, do PS.

O Sr. João Paulo Correia (PS): — Sr. Presidente, se me permite usar esta figura regimental, a minha intervenção é no sentido de questionar o Sr. Deputado Afonso Oliveira, do PSD, que fez uma intervenção há

pouco. Na altura, sinalizámos à Mesa que pretendíamos inscrever-nos, mas não ficou registado. Assim, vou

usar a figura regimental da pergunta na minha intervenção.

O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Paulo Correia (PS): — O Sr. Deputado Afonso Oliveira disse há pouco que este plano não traz uma ideia, não traz propostas novas para o País. A verdade é que o PSD não trouxe uma única proposta, uma

única ideia para este debate. A grande preocupação do PSD é a subida do salário mínimo, como se isso fosse

a fonte de todos os males do futuro que aí vem.

Ouvir o Dr. Rui Rio dizer isso há pouco, como também o disse o Sr. Deputado Afonso Oliveira, fez-nos

lembrar o que disse aqui, no final de 2015 e em 2016, de forma reiterada, o Deputado Passos Coelho, quando

veio dizer que o aumento do salário mínimo iria destruir a criação de emprego e fazer disparar o desemprego.

Isso é uma ausência de ideias, um vazio de propostas. O País estava à espera de mais PSD neste tipo de

debate!

Aplausos do PS.

O Governo trouxe ao Parlamento o plano de recuperação económica e resiliência do País para os próximos

anos, para enfrentar a crise duríssima que o País, a Europa e o mundo estão a viver, um plano de cerca de 13

mil milhões de euros, com três eixos fundamentais: a resiliência, a transição digital e a transição climática. O

Governo ouviu o País, ouviu a sociedade — este plano teve uma ampla participação —, ouviu os partidos e o

que ouvimos da bancada do PSD é um «zero» redondo, o que é lamentável e não podemos deixar passar em

claro.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos continuar com a ordem de inscrições. Antes disso, porém, tenho indicação de que o Sr. Deputado Afonso Oliveira, do Grupo Parlamentar do

PSD, quer responder.

Sr. Deputado, tem a palavra, dispondo de 6 segundos.

O Sr. Afonso Oliveira (PSD): — Sr. Presidente, será muito rápido.

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Penso que o Sr. Deputado João Paulo Correia, como habitualmente, não ouviu sequer a minha

intervenção, nem grande parte do debate.

Aplausos do PSD.

Se tivesse ouvido, tinha percebido que o que está em causa neste debate, hoje, no Parlamento, é o plano

estratégico do Governo. O que se percebeu é que há uma visão estratégica apresentada pelo Sr. Prof. Costa

Silva e não há ainda um plano estratégico do Governo para o que tem de ser feito a seguir. Não há, não se

percebe ainda! Estamos a discutir e vamos ver.

Portanto, o que há é uma intenção do Governo em algumas áreas, e que está em discussão — ainda bem

que está —, mas em momento nenhum eu disse que o Sr. Prof. Costa Silva não apresentou um conjunto de

propostas que valesse a pena discutir e avaliar.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de concluir.

O Sr. Afonso Oliveira (PSD): — Sr. Presidente, se me permite, deixo uma última nota e termino rapidamente.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de concluir.

O Sr. Afonso Oliveira (PSD): — Termino já, Sr. Presidente. Sr. Deputado João Paulo Correia, comparar o que é incomparável é incompreensível. Comparar a crise de

2011 com a realidade que vivemos, durante quatro anos, com o Governo do Partido Socialista, e com aquilo

que vivemos hoje é de quem está completamente a leste do paraíso.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Ministra de Estado e da Presidência, Mariana Vieira da Silva.

A Sr.ª Ministra de Estado e da Presidência (Mariana Vieira da Silva): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Um jovem nascido em 1990 completa, neste ano de 2020, 30 anos e terá assistido, na sua vida

adulta, a duas crises económicas de dimensão internacional. Há menos de uma década, muitas das empresas

onde poderia ter trabalhado deixaram de contratar, os salários sofreram cortes, não progrediu na carreira que

escolheu. Na última crise, os seus pais podem ter ficado desempregados e os seus avós podem ter tido as

pensões cortadas. Provavelmente, aos 30 anos, adiou a sua saída de casa e não pôde ainda escolher ter

filhos.

As crises, mesmo depois de ultrapassadas, persistem na vida daqueles que as viveram. É por isso que é

tão importante responder com rapidez e eficácia, para que nesta crise os impactos não sejam tão profundos,

para evitar recuos de décadas no emprego, nos salários — já se viu que é o que a direita pretende — e nos

direitos, como aqueles que aconteceram no passado.

O Governo tem assumido o compromisso de responder a esta crise de forma diferente. Temos trabalhado

no sentido de criar as condições para que a resposta combata os efeitos da crise provocada pela pandemia,

em lugar de os acentuar.

O plano de recuperação e resiliência, a par com a recuperação económica e do emprego, que é sempre o

elemento fundamental de superação de uma crise, deve proteger os mais vulneráveis. Nenhuma crise atinge

todos por igual. Atinge sempre mais fortemente os que já estavam mais desprotegidos, acentuando a sua

pobreza e as desigualdades que enfrentam, retirando as oportunidades aos que menos tinham. O que se

espera das políticas públicas é que corrijam essas desigualdades. É isso que o plano que agora discutimos

contém.

Aplausos do PS.

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Para construir um futuro de progresso e bem-estar, temos de reforçar o SNS e a rede social que protege

todos, que tem de ser mais sólida e mais próxima.

Por isso, o primeiro objetivo deste plano é o de fortalecer o SNS, em particular concluindo a Rede Nacional

de Cuidados Continuados Integrados e a Rede Nacional de Cuidados Paliativos e definindo um plano para

reforçar a Rede de Cuidados de Saúde Primários.

Em segundo lugar, numa área em que a pandemia revelou fragilidades nas respostas sociais, o plano

responde com uma nova geração de equipamentos e respostas, que deve permitir investir na qualidade das

respostas desenhadas para os idosos, reforçando as respostas de apoio domiciliário e respondendo melhor às

famílias. Também na habitação e na pobreza, em particular nas áreas metropolitanas, este plano tem

propostas.

Temos os recursos e um rumo bem definido, com objetivos fundamentais. Devemos colocar as nossas

energias na recuperação da crise, no combate ao desemprego, no combate à pobreza e às desigualdades. E

quem, no passado, defendeu respostas diferentes às crises que vivemos tem o dever acrescido de participar

neste caminho.

Queremos ganhar as batalhas do futuro, da economia verde e da transição digital, mas vamos fazê-lo hoje,

com as mulheres e os homens do nosso presente, com as crianças e os jovens do nosso futuro. É com elas e

com eles, é para elas e para eles que as políticas públicas têm de trabalhar, trabalhando mais para quem mais

precisa, para que a força de todos chegue a cada um.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Ministra, registaram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados José Soeiro, do Bloco de Esquerda, e Tiago Barbosa Ribeiro, do PS.

Tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado José Soeiro.

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, a pandemia expôs as debilidades do nosso sistema de proteção social e também as lacunas do nosso regime de prestação de cuidados.

Temos mais de metade dos desempregados sem acesso a proteção no desemprego, um problema que já

vinha de trás, precisamente de alterações feitas pelo Partido Socialista, em 2010, e das alterações feitas pela

direita, em 2012; temos uma cobertura irrisória do subsídio social de desemprego; temos uma desproteção

dos trabalhadores independentes, que fez com que fosse preciso criar um apoio extraordinário, que foi

requerido por cerca de 200 000 trabalhadores e que não chegou a toda a gente que dele precisava; temos

prestações no desemprego e apoios extraordinários com valores muito aquém do limiar de pobreza — aliás,

em média, nos apoios extraordinários, são metade do que é hoje o limiar de pobreza —; temos cuidados

sociais inteiramente entregues ao setor privado, o Estado sendo o financiador e um frágil fiscalizador e não

havendo uma rede pública de cuidados, nomeadamente para as pessoas idosas e para as pessoas

dependentes; temos um modelo de institucionalização que não serve e um reforço de profissionais nos

cuidados sociais que foi feito repetindo, tragicamente, os erros do passado.

Os 15 000 profissionais que o Governo anunciou que iriam reforçar os lares de idosos estão a reforçar

essas infraestruturas de cuidados sem contrato, tendo apenas uma bolsa, e não um contrato de trabalho, e

sem salário, porque recebem o subsídio de desemprego e uma majoração. Ora, isto é um modelo de

precariedade assistida pelo Estado, que é o oposto do que precisamos para responder à crise. E, claro, no

mundo do trabalho, nomeadamente para os jovens, mas não só, existe uma lógica de precarização que parece

não ter fim à vista e que revelou as consequências sociais neste contexto.

Por isso, Sr.ª Ministra, pergunto-lhe se no debate sobre o reforço da proteção social, no debate sobre a

resiliência, no debate sobre o emprego não acha que é preciso ir muito mais longe para não deixar ninguém

para trás, sabendo que o reforço da proteção social é a discussão sobre as medidas de apoio social, mas é

também a discussão sobre o combate à precariedade e a reconstrução das relações coletivas de trabalho,

porque uma coisa e outra são duas faces da mesma moeda.

Aplausos do BE.

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O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para um pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado Tiago Barbosa Ribeiro, do Grupo Parlamentar do PS.

O Sr. Tiago Barbosa Ribeiro (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, o debate sobre a recuperação económica a uma década demonstra espírito de humildade, espírito de compromisso e espírito

de transparência por parte do Governo.

Este não é o debate de um partido. É o debate de um País que tem de ultrapassar coletivamente os

desafios que temos pela frente, sendo certo que, pelo que ouvimos esta tarde, ainda há partidos da oposição

que têm muito trabalho pela frente para darem os contributos necessários para estas soluções.

Sabemos que estas soluções não dependem das forças puras do mercado, dependem do Estado, e, por

isso, devemos envolver todos, mesmo aqueles que, ao longo de anos, atacaram o Estado e agora pedem mais

SNS, mais transportes públicos, mais serviços sociais, mais escola pública, demonstrando, aliás, como uma

das primeiras consequências de uma crise é mesmo transformar velhos liberais em novos socialistas adeptos

do Estado social.

Aplausos do PS.

O Estado social foi muito necessário ao longo dos últimos meses e, antes de prepararmos os próximos

anos, não descuramos o que tivemos de fazer no período mais crítico da crise sanitária — crise sanitária que

foi, também, crise social e vai ser, sabemo-lo, crise do emprego.

Se conseguimos preservar milhares de postos de trabalho e os rendimentos foi porque aprovámos o layoff

simplificado; se os intermitentes do espetáculo e outros trabalhadores independentes têm, hoje em dia,

proteção foi porque a alargámos; se não há cortes de luz e água para quem não pode pagar foi porque o

impedimos; se as pessoas conseguem continuar a manter os seus créditos é porque aprovámos moratórias.

Fizemos tudo isto e muito mais, mobilizando milhares de milhões de euros — mais de 2300 milhões de

euros — nos serviços da segurança social, no Orçamento Suplementar que aqui aprovámos, demonstrando a

importância do nosso Estado social. Mas só foi possível fazer isso porque chegámos ao início deste ano com

um superavit orçamental, porque iniciámos uma política económica e social de devolução de rendimentos que,

ao longo de cinco anos, permitiu reerguer o País, dinamizar a economia, criar emprego, injetar confiança e,

com isso, sanear, também, as nossas contas públicas.

Aplausos do PS.

Com isso, temos, hoje, mais músculo para enfrentar a crise que temos pela frente, resultado das opções

fundamentais que fizemos ao longo dos últimos anos.

Hoje, a grande opção, Sr.ª Ministra, é: emprego, emprego, emprego! Sei que o Governo partilha desta

ambição e que o plano que aqui apresentou é indissociável desta prioridade. Portanto, pedia-lhe que, no

pouco tempo de que dispõe, desenvolvesse a questão do emprego como pilar deste plano e explicasse de que

forma as preocupações com a ciência, com as qualificações e com a própria transição digital são fundamentais

para empregos qualificados, para mais emprego e para a economia do futuro, onde todos têm o seu lugar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para responder, a Sr.ª Ministra de Estado e da Presidência, Mariana Vieira da Silva.

A Sr.ª Ministra de Estado e da Presidência: — Sr. Presidente, agradeço aos Srs. Deputados as duas questões.

Julgo que uma das coisas fundamentais quando olhamos para uma resposta à crise como a que temos de

dar é, desde logo, rejeitar falsas dicotomias entre a urgência e a resposta estrutural. Elas não existem, como

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esta crise bem mostrou, porque o que a crise revela é que precisamos de trabalhar em áreas onde já

estávamos a trabalhar.

Aquilo que procuramos garantir é que, no quadro dos Orçamentos do Estado, do plano de recuperação e

do quadro financeiro plurianual, consigamos uma resposta coerente para todos estes problemas que

identificaram e para muitos outros que poderíamos identificar com mais tempo, sem achar que, primeiro,

temos de resolver o que é urgente e, depois, logo tratamos do que é estrutural, porque, se o fizermos, já não

vamos responder ao que é estrutural.

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Totalmente de acordo!

A Sr.ª Ministra de Estado e da Presidência: — Por isso, a questão do emprego atravessa também esta dimensão, porque o que se mostra é que temos de continuar o trabalho que estávamos a fazer, e não apenas

de criação de emprego, apostando desde logo em projetos que possam dar provas rápidas da capacidade de

criar emprego e também trabalhando na qualidade do emprego, nomeadamente combatendo a precariedade.

Aquilo que fica deste debate, creio eu, é uma pergunta: se não formos capazes de nos entender numa

resposta à crise que aumente o investimento, que proteja o SNS, que reforce as políticas sociais, quando é

que poderemos ser capazes de nos entender?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Chegámos, assim, ao fim do período de debate. Vamos passar à fase de encerramento.

Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado José Luís Ferreira, do Grupo Parlamentar do Partido

Ecologista «Os Verdes».

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo traz hoje a discussão o plano de recuperação e resiliência, assumido como um dos principais

instrumentos de intervenção estrutural com vista à recuperação da economia e para melhorar a qualidade de

vida dos portugueses.

Ora, como afirmámos desde a primeira hora, Os Verdes continuam a considerar que será um erro

irreversível se se procurar recuperar a economia através de opções que provocam grandes e graves impactos

ambientais e cujos contributos para o desenvolvimento do País são mais que duvidosos.

Referimo-nos, por exemplo, à localização do novo aeroporto no Montijo, à exploração desenfreada de lítio,

ignorando as preocupações das populações e abrindo, até, a porta para que essa exploração possa ter lugar

em áreas classificadas, aos incentivos para as culturas intensivas e superintensivas, nomeadamente o olival e

o amendoal.

Referimo-nos ainda à mineração em mar profundo, quando, face aos impactos ambientais negativos, até a

própria União Europeia defende uma moratória internacional a esta mineração, e, por fim, à construção da

barragem no rio Ocreza, que, para além das consequências que provocará para os ecossistemas e para as

comunidades ribeirinhas, ainda surge como uma espécie de alternativa aos esforços do Governo para rever a

Convenção de Albufeira.

Sucede que procurar recuperar a economia sacrificando os nossos valores ambientais é procurar tapar um

buraco abrindo outros buracos, que nem mesmo a mais potente bazuca conseguirá regularizar.

Sabendo que a preservação dos nossos valores ambientais é absolutamente decisiva para a nossa

resiliência coletiva, Os Verdes defendem que uma visão estratégica para o futuro exige, antes de mais, opções

sustentáveis que não comprometam, que não hipotequem, o futuro que se pretende assegurar.

Bem sabemos que há, neste plano, sinais, ao nível da agricultura, para a proteção da biodiversidade, assim

como a intenção de restaurar ecossistemas degradados, o que, aliás, registamos com agrado, mas também

sabemos que nada se refere no plano quanto à conservação da natureza que não está ainda degradada. Ou

seja, tapa-se de um lado para destapar do outro, e isso não chega para se falar em sustentabilidade. O que se

impõe é recuperar o que está degradado e preservar o que ainda não está degradado.

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Em síntese, no que se refere aos valores ambientais, o que nos parece é que a proteção da natureza não

representa, neste plano, uma componente devidamente valorizada.

Quanto aos transportes e infraestruturas públicas, o destaque vai para o metro de Lisboa e do Porto, mas

há um deserto de propostas para o interior do País no que diz respeito ao transporte público.

Relativamente à ferrovia, preveem-se avanços ao nível da sua eletrificação e da sua expansão, o que

salientamos como positivo, mas não deixamos de registar que, ao mesmo tempo que se realça a importância

da ferrovia e da sua expansão, se insiste na reconversão do Ramal da Lousã em «metrobus», contrariando

grosseiramente o caminho que é traçado no próprio plano. Mas, ainda sobre a ferrovia, Os Verdes esperam

que tenha chegado a altura de dar cumprimento à promessa, que consta do Programa do Governo, de levar o

transporte ferroviário a todas as capitais de distrito.

Por outro lado, o plano elege o potencial produtivo como um grande bloco, mas deixa de fora uma área que

é, nesta matéria, absolutamente decisiva, e mais ainda quando falamos de soberania alimentar. Referimo-nos

à agricultura familiar, uma matéria que, aliás, se cruza também com outro grande bloco, que é o da coesão

territorial.

Por fim, o plano refere, e bem, a importância do Serviço Nacional de Saúde, mas não explora com clareza

a necessidade de o reforçar com profissionais de saúde, para além de atribuir pouca relevância aos cuidados

de saúde primários e ser omisso relativamente à necessidade de reabrir unidades de saúde e alargar horários.

Por tudo isto, olhamos para este plano com reservas e com receio de que a pontaria do Governo não seja

certeira na utilização da tal bazuca e, por essa via, comprometa a oportunidade de alavancar um futuro que se

pretende sustentável.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — É a vez do PAN. Tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real para uma intervenção.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro e restantes membros do Governo: No encerramento deste debate, não podemos deixar de reforçar a nossa

preocupação com algumas das omissões que persistem neste plano e que, desde logo, passam pelos

desafios da coesão territorial.

Além de os exemplos serem escassos nesta matéria e de não ter sido apresentado um plano que

identifique a forma de combate às assimetrias regionais e sociais, que persistem no nosso tempo, e de atração

de pessoas e atividades para o interior, adicionalmente, as propostas apresentadas estão também

desconectadas da futura realidade climática das regiões em apreço.

O que vamos fazer, Sr. Primeiro-Ministro, para proteger da desertificação as regiões mais a sul? Ou como

vamos gerir os escassos recursos hídricos que teremos no futuro? Qual a agricultura do futuro? Ou como

vamos defender a nossa orla costeira da subida do nível do mar?

Como vamos ainda garantir uma transição digital adequada às diferentes realidades do País? Ou como

vamos combater a pobreza energética e defender aqueles que não têm recursos financeiros para se

aquecerem no inverno ou arrefecerem no verão? Vai ou não o Governo criar apoios a fundo perdido para

investimentos em eficiência energética para quem não a pode pagar, como o PAN tem defendido, mitigando,

assim, um Portugal a duas velocidades?

Este plano identifica ainda os Açores e a Madeira como polos de atração turística. Estas regiões, contudo,

para manterem os seus ecossistemas intactos, não podem continuar a apostar no crescimento desmesurado

do turismo.

Aquilo que se impõe, Sr. Primeiro-Ministro, é percebermos se vai ou não seguir a recomendação do próprio

Prof. Costa Silva e realizar estudos de carga turística antes de avançar com uma atividade que pode pôr em

causa os ecossistemas. É que, acompanhando aquela que é uma preocupação latente das organizações não-

governamentais do ambiente, para o PAN, é fundamental que o combate às alterações climáticas não se faça

sem se proteger também a biodiversidade e as áreas degradadas, muito pelo contrário.

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Sr. Primeiro-Ministro, reconhecendo uma série de boas intenções na narrativa deste plano, não podemos

deixar de manifestar a nossa deceção, porque, de facto, apesar de parecer muito abrangente e com vontade

de conciliar todas as visões, na verdade, traduz-se em muito pouco.

É muito pouco porque assenta no pressuposto de que podemos manter o atual modelo socioeconómico

extrativista e consumista, o que é errado, na medida em que não só não o podemos fazer, como, se queremos

funcionar dentro dos limites do planeta e manter a vida tal como a conhecemos, temos de parar com a forma

como estamos a viver e a consumir.

É muito pouco porque parte do pressuposto de que o território não vai sofrer modificações devido às

alterações climáticas, o que é falacioso, pois vamos ter secas, desertificação do sul do País, a orla costeira

ameaçada com a subida do nível do mar, entre outras alterações. Sr. Primeiro-Ministro, como é que se pode

continuar a partir do pressuposto de que é permitida a construção das maiores infraestruturas, de forma

permanente, em áreas relativamente às quais não temos qualquer tipo de avaliação dos riscos climáticos?

É muito pouco porque não se foca de forma efetiva nos dois maiores desafios que temos pela frente: o

combate e a adaptação às alterações climáticas.

É muito pouco porque esquece os jovens, que, para além de merecerem um planeta para sobreviver,

precisam de respostas para o seu futuro e precisam que o País os oiça e aposte neles para evoluir.

É muito pouco porque esquece as necessidades da população mais vulnerável e frequentemente

esquecida e não percebe que, sem coesão social, nada se constrói para futuro.

É muito pouco também no que respeita à dimensão do impacto que as suas medidas vão ter na

recuperação da economia, em matéria de igualdade de género, nas múltiplas formas de discriminação e

exclusão social.

É muito pouco porque não encara os desafios que temos na sociedade, como o combate à corrupção, e,

mais uma vez, deixa na gaveta aquele que é o pacto de justiça.

Sr. Primeiro-Ministro, o nosso País tem uma oportunidade única de fazer os investimentos que são

absolutamente fundamentais para a mudança de paradigma que se impõe no modelo de crescimento e

desenvolvimento, numa recuperação que seja verdadeiramente sustentável e justa socialmente.

Aquilo que hoje nos resta saber é se o Governo está verdadeiramente predisponível para acolher uma

visão para este plano que seja mais progressista, mais sustentável do ponto de vista ambiental e mais humana

para as presentes e as futuras gerações.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia, em nome do CDS-PP, para uma intervenção.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro e demais Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, devo dizer que o Sr. Primeiro-Ministro veio aqui, hoje,

desafiar e propor um consenso. E a primeira pergunta que faz sentido fazer talvez seja esta: um consenso

sobre o quê, concretamente?

De facto, este plano, com base no «plano Costa Silva», é, em larga medida, um vasto conjunto de

generalidades — generalidades que muitos de nós dizem e repetem há muitos anos, muitas vezes sem se

saber como serão realizadas, sem se saber quanto vai custar, em concreto, cada uma destas metas e,

sobretudo, sem se saber quem as fiscalizará.

Daqui até lá, ainda falta, obviamente, a importante discussão do Orçamento do Estado, mas digamos que

esta é uma carta antecipada — uma espécie de desejo de Natal —, dirigida ao Pai Natal europeu, onde cabe

tudo aquilo que o País pode querer e desejar.

Só que ela terá de ser paga e a questão, obviamente, é também a de saber quem paga e como é que nós,

portugueses, vamos pagar esta lista de desejos. Sr. Primeiro-Ministro, é evidente que os impostos serão

europeus, não serão portugueses, mas a verdade é que os portugueses vão continuar a pagar a nossa

elevadíssima carga fiscal e terão ainda, também, de pagar os impostos europeus. Ou deixámos de ser

europeus? Obviamente, não deixámos.

Registo que este plano, de facto, lembra um bocadinho aquelas 50 medidas de um anterior primeiro-

ministro socialista — o Primeiro-Ministro Sócrates e os seus planos de 50 medidas, que todos sabemos onde

nos conduziram —, sempre muito baseado, como é o «plano Costa Silva», numa retórica ideológica para

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agradar à geringonça, ou seja, «vamos combater os liberais», «o que é preciso, de facto, é mais Estado»,

quando aquilo que esperávamos era, de facto, mais pragmatismo e menos citações batidas, que davam um

lindíssimo artigo para um jornal de referência, mas são pouco úteis num plano pragmático e efetivo para o

País.

Por outro lado, também, é um bocadinho de tudo e o seu contrário, ou seja: mobilização e dinamização das

grandes cidades, mas interior; criação e cada vez mais indústria, mas ambiente… É um bocadinho de tudo e o

seu contrário e, Sr. Primeiro-Ministro, na minha opinião, esta nova utopia, esta utopia 2.0, choca um bocadinho

com a realidade do País.

Referem o grande desenvolvimento da digitalização. Não vai ficar tudo bem, vai ficar tudo perfeito, se

olharmos para o plano. Mas a realidade é esta: onde é que está o milhão de computadores, que era suposto

estarem a chegar às escolas e às crianças neste momento, quando tantas crianças portuguesas não têm

computador?

Em relação aos idosos, dizem que vamos finalmente resolver o abandono dos idosos, com que somos

confrontados todos os dias. Mas, num País onde há pessoas que esperam dois anos para verem a sua

pensão processada, isto choca com a realidade, na nossa opinião, Sr. Primeiro-Ministro.

E até encontramos pressupostos errados. Por exemplo, um dos pressupostos do «plano Costa Silva» é o

de que o Estado-nação está em declínio. Tem a certeza, Sr. Primeiro-Ministro? Eu não tenho nada essa

certeza de que o Estado-nação esteja em declínio, nem tenho a certeza de que, em relação à China, todo o

Ocidente esteja adormecido. Se calhar, há uma parte que está, mas não sei se está todo.

Portanto, a partir destes pressupostos, vamos exercer — citando o «plano Costa Silva», a frase não é

minha — o nosso «soft power» e vamos ser, como dizem normalmente estes planos, um player com as

nossas Forças Armadas, um player não só europeu mas também atlântico. Isto é o que diz o plano. A

realidade é que o Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas disse, há muito pouco tempo, que a situação

está em rutura e é insustentável, porque não há recrutamento e não há meios — e o mesmo se diga das

forças de segurança.

Em relação à ferrovia, anunciam grande investimento e grande solução. Qual é a realidade? Importação de

sucata espanhola com amianto. Esta é a última realidade que nós conhecemos na ferrovia.

Ou seja, este é um plano de boas intenções, tem algumas ideias boas — não é isso que está em causa —,

algumas aproveitáveis, muito pouco quantificáveis, e, sobretudo, é muito pouco descritivo daquilo que se vai

fazer em concreto.

Termino, Sr. Primeiro-Ministro, dizendo que a questão que se coloca é de opção e a primeira opção que

esperávamos saber era sobre o modelo económico. O que é que nós queremos? O que é que queremos ter

como modelo económico para o País? Este modelo que nos é apresentado é, ainda assim, mais…

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço-lhe para concluir.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Vou terminar, Sr. Presidente. Como estava a dizer, este modelo é, ainda assim, mais Estado e mais consumo público. O modelo que

deveríamos ter era mais iniciativa privada, mais empresas e uma economia exportadora. Se este é o modelo,

nós dificilmente aderiremos, ainda que possamos dar contributos.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira, do Grupo Parlamentar do PCP, para uma intervenção.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro e demais membros do Governo: O PCP trouxe a este debate a sua visão e as suas propostas para aquilo que é a

solução dos problemas que o País enfrenta.

Identificámos linhas de rutura com a política que conduziu o País à situação em que ele se encontra e

identificámos também objetivos a prosseguir, sublinhando questões que nos parecem centrais nos objetivos

que é preciso alcançar, nomeadamente a necessidade de uma política de valorização dos salários, dos

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direitos dos trabalhadores e dos rendimentos das camadas populares, a necessidade de recuperação do

controlo público de empresas e setores estratégicos, a necessidade de uma política de criação de emprego a

partir da valorização dos setores produtivos e também do investimento absolutamente indispensável nos

serviços públicos, seja em edifícios e equipamentos que são necessários, seja na contratação de

trabalhadores.

Talvez mais importante do que tudo isto, apontámos medidas e ações concretas que devem ser tomadas

para ultrapassar os problemas que atingem os trabalhadores e o povo, em questões que correspondem não só

a problemas imediatos que os trabalhadores e o povo português estão hoje a sofrer, mas também a problemas

estruturais do País.

E, Sr.ª Ministra Mariana Vieira da Silva, não há aqui uma dicotomia entre problemas imediatos a que é

preciso dar resposta e problemas estruturais do País a que é preciso responder. O que é preciso é que a

resposta imediata aos problemas que hoje se colocam se encaixe em objetivos que deem resposta aos

problemas estruturais do País. Essa é uma questão decisiva, e é uma questão decisiva hoje, para os

problemas que os portugueses estão a sofrer e para as necessidades que têm pela frente.

Algumas destas propostas estão já agendadas para discussão e para decisão na Assembleia da República,

como, por exemplo: a discussão que faremos amanhã, a propósito da contratação pela segurança social de

trabalhadores para reforçar os equipamentos sociais; a proposta, que o PCP agendou para a próxima semana,

de reforço do subsídio de desemprego, quer no acesso quer nos montantes e nos prazos de pagamento; as

medidas relacionadas com o banco de horas, com o aumento do salário mínimo nacional. Todas estas são

propostas que o PCP tem já agendadas para discussão e votação na Assembleia da República e

correspondem a problemas imediatos que são hoje sentidos pelos portugueses e enquadram-se também

nessa resposta de fundo aos problemas estruturais do País de que necessitamos.

Quando hoje sabemos que foi alcançado um novo recorde de trabalhadores em regime de layoff, quando

sabemos que há 120 trabalhadores da Autoeuropa que correm o risco de ser despedidos e de perder o seu

posto de trabalho, quando verificamos os abusos do grande patronato sobre os trabalhadores, com a

imposição de horários de trabalho desregulados e de agravamento da exploração, particularmente por via do

banco de horas, tudo isso são exemplos que confirmam a necessidade de medidas imediatas de resposta a

esses problemas, mas de enquadramento de cada uma dessas medidas em respostas de fundo que

ultrapassem estes problemas estruturais que o País encontra.

Sr.as e Srs. Deputados, não temos ilusões relativamente às forças que é preciso juntar para alcançar esses

objetivos e sabemos que uma das principais questões, que é verdadeiramente determinante, é que os

trabalhadores assumam nas suas mãos a luta pela resolução destes problemas concretos, que é um aspeto

essencial.

Também sabemos que, à volta, há quem vá fazendo contas de outros campeonatos. O Sr. Deputado Rui

Rio fez hoje uma referência ao salário mínimo nacional que, como já foi dito pelo meu camarada Jerónimo de

Sousa, naturalmente tem em vista obter apoios de todos aqueles que acham que os salários devem baixar. Eu

diria que quem fez prática governativa de cortes de salários tarde ou nunca se habitua a que os salários dos

trabalhadores tenham de aumentar.

Aplausos do PCP.

Mas esse é um combate que faremos igualmente na Assembleia da República, hoje tal e qual como

fizemos no passado, quando o Governo do PSD e do CDS impôs cortes de salários, cortes de pensões, cortes

de prestações sociais, que, também com o nosso contributo e com a nossa iniciativa, foram repostos nos

últimos anos.

Sr. as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, com a dimensão dos problemas que o País hoje

enfrenta, com a dimensão das imposições que nos são feitas pela União Europeia, com critérios que não

correspondem às opções de desenvolvimento nacional que precisamos de prosseguir, as opções que o País

tem de fazer de aproveitamento dos seus recursos produtivos e das suas potencialidades produtivas para criar

emprego, para se desenvolver, para criar riqueza são opções absolutamente decisivas, mas têm de ser

acompanhadas por medidas de redistribuição da riqueza, para que à criação de maior riqueza corresponda

também maior justiça social na sua distribuição.

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A questão dos aumentos dos salários é uma das questões decisivas…

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Concluo, Sr. Presidente. O investimento público, o investimento nos serviços públicos, na contratação de trabalhadores, a aposta e

o reforço da resposta na proteção social são outras dessas dimensões imprescindíveis e, por elas, cá

estaremos a bater-nos, com a nossa iniciativa, com as nossas propostas, em todo o âmbito em que a

Assembleia da República tem competências para intervir nessas matérias.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Há uma questão que, penso, tem de sair esclarecida deste debate, porque se não sabemos

bem qual a realidade do País, se não fazemos bem a análise do presente, dificilmente acertaremos no futuro.

Por isso, quando o Sr. Primeiro-Ministro trouxe aqui à colação os dados do SNS, devo dizer-lhe, até para

que esta matéria fique absolutamente clara, que este é um dos problemas a que estamos a assistir.

Entre janeiro e julho, os dados do SNS — aqueles públicos e conhecidos — indicam que 130 médicos

saíram do SNS. No que toca a médicos internos, foram 452. Estes são dados públicos, oficiais, do SNS, entre

janeiro e julho.

Que o Sr. Primeiro-Ministro venha dizer que vai contratar novos médicos não significa que seja mau, é

bom. Mas sabemos que a contratação desses novos médicos é para passar os que hoje já são internos e já

trabalham no SNS para médicos especialistas. Assim, não há um alargamento da base de recrutamento

dentro do SNS e isso é um problema.

Sabemos, também, que à medida que o número de médicos foi reduzindo, durante a pandemia, o número

de utentes sem médico de família foi aumentando. Quando sabemos que, na resposta à pandemia, os

cuidados primários são essenciais, há mais 300 000 utentes sem médico de família, agora no mês de agosto.

Por isso, creio que, face a esta realidade, a pergunta que deveria existir é se, de facto, o SNS é uma

aposta do País, se, de facto, os seus profissionais são uma aposta deste Governo e do País. Se assim for, é

inexplicável que no momento em que mais precisávamos deles não tivéssemos conseguido que se

mantivessem no SNS e não tivéssemos conseguido contratar novos médicos para o SNS.

Essa preocupação é que nos faz também desconfiar do que o Prof. António Costa Silva várias vezes

apresentou. É que, por várias vezes, ele errou o alvo na análise da realidade e, por várias vezes, teve

incongruências ou até erros no que apresentou, apesar do muito que lá está ser, creio, subscrito pela larga

maioria dos portugueses. Mas na análise que ele fez falhou exatamente quanto ao que faz falta às pessoas

deste País: falhou no trabalho e falhou na política de rendimentos.

Na visão estratégica apresentada inicialmente, sobre combate à precariedade e sobre a necessidade de

valorização dos rendimentos no nosso País, não há uma única palavra. E se olharmos para os efeitos da

pandemia — e resiliência significa fazer face às dificuldades e recuperar de forma melhor —, os problemas

foram efetivamente começando naqueles que estavam desprotegidos, os precários, os trabalhadores

independentes, todos jogados no desemprego.

O Governo poderia ter feito como fizeram em Espanha e em Itália, poderia ter decidido que não haveria

despedimentos durante aquele período. Não o fez e sabemos que o que está a acontecer agora soma, então,

nas folhas da segurança social, no que toca ao pagamento de subsídios de desemprego, mas soma, acima de

tudo, nos que estão inscritos, mas não recebem qualquer apoio. E isso é uma dificuldade e são esses que não

podemos deixar para trás. Sobre isso, o plano de António Costa Silva diz zero.

O Governo baralhou, tornou a dar e sobre trabalho diz quase nada. Sobre o fundamental, que é proteger o

emprego, proibir despedimentos, não há uma linha da visão estratégica do Governo sobre esta matéria.

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Precisamos de alterar a lei laboral. O que hoje percebemos é que a precariedade é a antecâmara do

desemprego e que isso fragiliza a economia. E se o Sr. Primeiro-Ministro diz, e tenho de acreditar naquilo que

disse, que «uma empresa do futuro não é uma empresa de salários baixos», também não pode ser uma

empresa de precários, porque isso não tem futuro nenhum, nem na nossa economia, nem pelo mundo fora.

Sabemos que falar de política de rendimentos assusta logo ali a direita. Há fantasmas que vêm a correr

para retirar o sono ao Dr. Rui Rio e a outros da sua bancada, mas nós somos dos que compreendem que

quando deitámos abaixo os dogmas e acreditámos na política de rendimentos, na devolução de direitos, na

defesa das pessoas, o País ficou melhor e é isso que temos de fazer.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Há outro aspeto em que o plano de Costa Silva falha e sobre o qual o Governo não disse nada, chama-se sistema financeiro.

Temos o elefante na sala, chamado Novo Banco, que leva, em dinheiro público, metade do que vamos

discutir nos próximos anos e sobre essa matéria sabemos que o Governo deu sempre a sua anuência aos

pagamentos ao Novo Banco e sabemos que o plano de Costa Silva não tem uma linha sobre essa matéria.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Adão Silva, do Grupo Parlamentar do PSD. Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: Os tempos de pandemia, com os seus sobressaltos, medos e deceções, são também tempos de um novo começo.

A Europa aposta forte na criação de condições robustas para este recomeço e Portugal não pode

desperdiçar nem os recursos financeiros disponibilizados, nem, muito menos, o tempo, que é o primeiro dos

recursos.

Temos grandes desafios à nossa frente, porque grande é o tormento que hoje nos aflige.

A utilização de 58 000 milhões de euros nos próximos nove anos, isto é, 6500 milhões de euros por ano e

mais de 16 milhões de euros por dia, são recursos excecionais para a modernização de Portugal, uma

oportunidade inesperada que não podemos desperdiçar.

O Partido Social Democrata traz hoje, aqui, duas perguntas: onde vamos utilizar este dinheiro? Como

vamos utilizar este dinheiro?

As empresas têm de ser as principais destinatárias desses recursos: empresas que promovam a inovação,

o emprego sustentável e de qualidade e revitalizem as exportações; empresas produtivas e competitivas,

capazes de melhorar os salários e dar sustentabilidade aos sistemas sociais que vão combater a pobreza;

empresas devidamente apoiadas e incentivadas para se distribuírem por todo o território, gerando justiça

territorial, igualdade de oportunidades e equilíbrio demográfico.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Adão Silva (PSD): — Empresas com consciência social, como espaço onde as pessoas se realizam, a livre iniciativa criadora se evidencia e sejam o orgulho de Portugal.

Se o País, por oportunismos ideológicos, viesse a concentrar aqueles recursos excecionais na satisfação

de clientelas políticas e amiguismos e ainda na criação de um Estado mastodôntico, estaríamos a andar para

trás, contrários aos ventos da História.

O Governo não pode instrumentalizar aquele jackpot para garantir a sua própria sobrevivência. Se assim

fosse, a sua sobrevivência seria feita à custa da decadência e da insubsistência de Portugal e dos

portugueses. Isso seria inaceitável.

Mas o Estado e os serviços públicos devem ser igualmente acarinhados com investimentos

modernizadores, até para ultrapassar uma insuportável constatação generalizada de que os serviços públicos

estão à beira de um ataque de nervos, muito por falta de investimentos, nos últimos anos, do atual e do

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anterior Governo. Isto porque o futuro de Portugal também se ganha com serviços públicos eficazes ao dispor

dos cidadãos e motivadores dos funcionários.

A segunda pergunta que atrás deixei é sobre como vamos gastar esse dinheiro.

Se até aqui Portugal consumia, anualmente, cerca de 3000 milhões de euros de fundos comunitários, isso

significa que passaremos a receber o dobro nos próximos nove anos.

O desafio é gigantesco, sobretudo quando desesperamos com a falta de prontidão da máquina

administrativa pública. Mas o sobressalto maior que nos acomete tem a ver com o desperdício, os

investimentos megalómanos, os tais elefantes brancos, despropositados e imponderados — alguns já

espreitam da cartola —, e, muito especialmente, com as cadeias de corrupção e compadrio que logo se

instalam.

Portugal não é um país de corruptos, mas Portugal está hoje manchado por tristes circunstâncias de que

destaco: um ex-primeiro-ministro acusado, ex-banqueiros e pretensos banqueiros às voltas com a justiça,

responsáveis das maiores empresas sob suspeita, personalidades do topo da magistratura envoltas em

suspeições.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Adão Silva (PSD): — O cidadão comum assiste a este colapso social e teme o pior.

Aplausos do PSD.

Pois bem, se o imperativo deve ser «nem um cêntimo desperdiçado», temos de acrescentar: nem um pingo

de esperança malbaratado!

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço-lhe para concluir.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Por isso, neste recomeço que a pandemia nos impõe e nesta oportunidade que os fundos comunitários nos propiciam, temos de ser intolerantes às práticas corruptivas.

O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Deputado!

O Sr. Adão Silva (PSD): — Como disse o Presidente do meu partido, o Deputado Rui Rio: «é preciso que o Governo, é preciso que nós todos, o Parlamento e os tribunais, sejamos capazes de encontrar soluções de

acompanhamento e fiscalização da utilização desses fundos comunitários, para não voltarmos a ter a dor de

peito, a dor de alma, que tivemos no passado, da má utilização dos fundos comunitários.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Pelo Grupo Parlamentar do PS, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Pereira. Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Pereira (PS): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro e restantes Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Em democracia há lugar a divergências sobre os caminhos a seguir. É assim que

queremos, é essa a essência do sistema em que nos sentimos representados e é por isso que lutaremos até

ao limite das nossas forças para o preservar.

Mas este debate ocorre num tempo crítico das nossas vidas, colocando uma pressão intensa e uma

ansiedade por vezes insuperável sobre todos os nossos concidadãos.

Os portugueses não nos perdoarão se a Assembleia da República for incapaz de gerar um entendimento

alargado sobre um plano de recuperação que ultrapassa esta Legislatura e que mais não é do que o desenho

do resto das nossas vidas, das vidas das famílias, dos mais velhos, das crianças, das empresas, dos

empresários, dos jovens, de todos, sem exceção.

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O tremendo clima de incerteza que a crise pandémica provoca e a degradação progressiva e abrupta dos

indicadores económicos e sociais exigem de nós uma nova atitude, um novo homo politicus, uma capacidade

extrema para deixar cair as divergências políticas e romper com preconceitos ideológicos, para olhar com

dignidade e sentido de responsabilidade o nosso Portugal real.

Acreditamos que temos o dever de cuidar do País com genuíno sentido patriótico, sobretudo daqueles que

sofrem, dos que desesperam, dos que choram os entes queridos, dos que têm medo da pandemia, mas

também de perder o emprego, ou fechar a empresa, ou não ter dinheiro para pagar as contas.

Podemos estar perante um marco histórico e os portugueses esperam de nós, desta Assembleia, a

maturidade democrática e a objetividade responsável para falarmos a uma só voz. Divergir incondicionalmente

no essencial do plano é comprometer a sua execução rápida e eficaz, mas também é reduzir a força do País

na defesa dos nossos interesses em Bruxelas.

Creio que não falharemos enquanto Nação, mas seremos mais ou menos bem-sucedidos se superarmos

juntos ou em divergência, respetivamente, esta colossal prova de capacidade e inteligência.

Foi tendo presente esse contexto que, desde a primeira hora, o Governo conduziu o processo de

construção de um plano sem identidade partidária. Uma personalidade da vida portuguesa desenhou os

caminhos possíveis, num exercício extraordinário de auscultação profunda de muitos agentes, culminando

com uma consulta pública que gerou ainda mais contributos.

Mas na senda da construção da convergência, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista transportou o

debate para a Assembleia da República, para ouvir o autor do programa, mas também os responsáveis

políticos, além de ter proposto a criação de uma comissão eventual para que todos possam acompanhar a sua

execução.

Estarmos juntos e em convergência significa, também, dizer «não» a condicionalidades impostas pela

União Europeia e contribuir para estabelecer metas, prioridades e objetivos. Somos nós, e não os outros que

vêm de fora, que estabelecemos os parâmetros que defendem os portugueses.

Estarmos juntos significa, também, envolver o País inteiro na execução do plano, descentralizando e dando

mecanismos para que ao nível infraestadual, da região e da autarquia, por exemplo, não haja nenhum vazio

operacional.

Estarmos juntos quer dizer que somos capazes de convergir na remoção dos obstáculos à execução deste

programa ambicioso que triplique os meios financeiros disponíveis por ano — seja os obstáculos de ordem

legislativa, seja de governança, seja de capacidade e qualidade das instituições —, promovendo, tudo isto,

ainda mais a transparência e o combate à corrupção.

Estarmos juntos também quer dizer respeitar as opções e o quadro de elegibilidades definido pela União

Europeia.

Estarmos juntos num processo ativo de convergência significa compreender o papel incontornável do

Estado para criar as condições de reposição da capacidade produtiva, com uma atenção particular às

empresas como único reduto capaz de criar emprego e dinamizar o crescimento económico.

Sr. Presidente, gostaria de lembrar que a agenda do plano de recuperação é exigente e apertada. Não há

tempo para discussões intermináveis, mas há espaço, da parte do Governo e do Grupo Parlamentar do PS,

para que possamos convergir no interesse do País. Os portugueses exigem essa disponibilidade.

Termino, sublinhando que tudo faremos para honrar o nosso País, com dedicação e empenho para juntos

escrevermos uma etapa de superação que orgulhará as gerações futuras.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para terminar este debate temático, solicitado pelo Governo, sobre a visão estratégica para o plano de recuperação económica de Portugal 2020-2030, tem a palavra o Sr. Ministro do Planeamento,

Nelson de Souza.

O Sr. Ministro do Planeamento (Nelson de Souza): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Finalizamos este debate com a expressão de pontos de vista, naturalmente, uns de consenso, outros de discordância,

relativamente à proposta apresentada pelo Governo.

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Confessamos que a relevância do tema para o nosso futuro comum gerou em nós, talvez, expectativas de

um maior contributo. Continuaremos à espera até ao limite do tempo, que, como sabemos, é curto nesta

primeira fase de conceção e desenho deste nosso programa.

Hoje demos nota de como pretendemos aumentar, em primeiro lugar, a resiliência do nosso País,

reduzindo, desde logo, as vulnerabilidades sociais, que se mostraram, aliás, tão críticas como fatores de

indução da pandemia, reforçando o nosso potencial produtivo de resposta às necessidades não só no

combate à pandemia, mas a necessidades críticas em momento de crise, e, finalmente, reforçando a

competitividade e a coesão territorial.

Ficou, igualmente, claro como, ao alinhar com as transições gémeas priorizadas pela União Europeia, a

climática e a digital, não deixamos de ter sempre a preocupação de as traduzir — a essas prioridades, que,

por princípio, são comunitárias — em projetos, em opções que correspondem aos nossos interesses, aos

interesses nacionais.

Na transição climática, com a definição de agendas coladas às nossas necessidades em matéria de

ferrovia, de mobilidade sustentável, de transporte em sítio próprio, de modalidades de eficiência energética, de

economia circular e de descarbonização.

Na transição digital, aproveitando, aliás, uma oportunidade única de utilizar os recursos e também o

potencial disponibilizado por esta transição, usando-a como a verdadeira alavanca de uma reforma

generalizada da Administração Pública, promovendo a sua orientação para servir melhor os cidadãos e as

empresas, sem descurar, obviamente, esse mesmo potencial como fator de modernização e posicionamento

das nossas empresas, sobretudo das empresas de menor dimensão, no sentido do aproveitamento de todo o

potencial da economia digital.

Foi esta a arquitetura do plano de recuperação e resiliência que trouxemos hoje a debate.

De uma forma ou de outra, uns com mais vocalidade e outros com menos, quase todos os partidos de

direita criticaram, neste plano, uma alegada alocação excessiva de fundos ao Estado. Trata-se de uma

apreciação que consideramos muito limitada e redutora, apenas sustentada numa visão curta, na

contabilidade do quinhão de financiamento diretamente atribuído às empresas.

Aplausos do PS.

É limitada, porque não tem em conta que é com investimento público previsto que o Estado vai produzir

bens e serviços que irão reduzir custos de contexto para as empresas e oferecer melhores serviços coletivos

aos cidadãos, entre os quais estão também os trabalhadores das empresas. Isto melhora o contexto geral que

incrementa o contexto favorável para a melhoria da produtividade do conjunto da atividade económica.

Melhorar as condições dos cidadãos, melhorar as condições de vida das pessoas também melhora o

conjunto da produtividade, no contexto global da nossa economia.

Aplausos do PS.

Mas também se trata de uma visão redutora, porque ignora a procura gerada pelo investimento público na

construção, nas obras públicas, nos bens de equipamento, de transporte e de serviços TIC (tecnologias de

informação e comunicação).

Finalmente, a obsessão ideológica da direita contra o papel do Estado impede-a de perceber, afinal de

contas, aquilo que é evidente: o setor privado não está, nas atuais circunstâncias, nas melhores condições

para fazer aquilo que a situação de crise e relançamento exige que seja feito na economia, que é investir. A

recuperação apenas pode passar pela promoção do investimento público e é apenas o Estado que pode,

nestas circunstâncias, promover e desempenhar esse papel.

Aplausos do PS.

De uma forma rápida, basta olhar, aliás, para os prescritores, os analistas, os economistas, o BCE (Banco

Central Europeu), o FMI (Fundo Monetário Internacional), a OCDE (Organização de Cooperação e de

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Desenvolvimento Económicos), para ver que todos eles recomendam a adoção de programas de estímulo

económico, usando como alavanca o investimento público.

O Sr. Presidente: — Sr. Ministro, peço-lhe o favor de concluir.

O Sr. Ministro do Planeamento: — Termino já, Sr. Presidente. Queria deixar uma última palavra relativamente a uma questão essencial que tem sido colocada por

diversos analistas, em diversas opiniões, mesmo dos partidos aqui representados nesta Assembleia, que tem

a ver com a necessidade de prestar uma atenção particular aos sistemas de gestão e controlo, de forma a

evitar situações quer de utilização fraudulenta, quer de desvio de utilização deste elevado montante de fundos.

O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro do Planeamento: — Aquilo que queremos dizer é que estamos particularmente sensíveis para estudar novos e reforçados meios, inclusive até transformando e modificando a atual «caixa preta», que,

aos olhos dos utilizadores e da generalidade dos cidadãos, é o atual sistema de gestão e controlo dos fundos,

criando um sistema de «paredes de vidro» que, ao mesmo tempo que assegura o bom uso dos fundos,

promove a eficiência e a celeridade que todos desejamos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, concluímos, assim, o primeiro ponto da nossa ordem de trabalhos de hoje.

Passamos ao segundo ponto, que é o do debate preparatório do Conselho Europeu, ao abrigo da alínea a)

do n.º 1 do artigo 4.º da Lei de Acompanhamento, Apreciação e Pronúncia pela Assembleia da República no

âmbito do Processo de Construção da União Europeia.

Para abrir o debate, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Como é sabido, o Conselho Europeu foi, inopinadamente, adiado para o início de outubro e tem na agenda diversas matérias de relações externas,

a começar por uma informação e um debate a propósito da cimeira realizada entre a União Europeia e a

China, a discussão estratégica da relação da União com a Turquia, a avaliação da situação no Mediterrâneo

Oriental e, porventura, um ponto de situação sobre o Brexit.

Contudo, os pontos mais relevantes deste Conselho têm a ver com o debate em torno do fortalecimento do

mercado interno, do desenvolvimento da política industrial e do desenvolvimento da estratégia para a transição

digital.

Nesse sentido, creio que é importante sublinhar as propostas de conclusões apresentadas, tendo uma

afirmação muito clara da necessidade de reforçar o nosso mercado interno e, designadamente, de remover as

limitações ainda existentes, em especial no setor dos serviços.

Este é um tema particularmente importante para nós, visto que, no âmbito do programa de recuperação e

resiliência, temos de responder às recomendações específicas para Portugal, e uma das mais repetidas e,

mais uma vez, constante das recomendações de 2019 é a da necessidade de reformar a situação das

profissões reguladas, tema há muito adiado e bloqueado e que, agora, tem mesmo de ser desbloqueado.

Esta visão sobre o fortalecimento do mercado interno passa também por uma revisão da política de

concorrência, que deve ter em conta a necessidade de acelerar a inovação para a transição digital e climática

e ter em conta a envolvente global em que nos inserimos.

É importante, nesse sentido, que as conclusões sublinhem a importância do investimento em educação, na

formação profissional e na capacitação das qualificações, de forma a aumentar a nossa capacidade de

concorrência na economia global.

Nota importante: é uma rutura muito significativa com as visões liberais do passado o entendimento de que

a Europa tem mesmo de ter uma política industrial e que essa política industrial deve permitir e assentar no

reforço de um conjunto de alianças estratégicas, que são, aliás, bem identificadas, como as que permitem a

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produção de matérias-primas, de equipamentos médicos, de microprocessadores, a segurança das redes de

telecomunicações, as indústrias de baixo carbono e a indústria da nuvem e das plataformas digitais.

É neste contexto que o Conselho sublinha a importância de reforçar os projetos de interesse europeu, entre

os quais se insere a Aliança para o Hidrogénio Limpo, de cuja liderança Portugal se orgulha de fazer parte.

Gostaria de enfatizar também a importância que o Conselho atribui à necessidade de maior cooperação em

matéria de indústria do espaço e de integração das indústrias de defesa.

Uma preocupação que temos no conjunto destas dimensões, quer da digital, quer do desenvolvimento da

política industrial, tem a ver com a necessidade de garantir um equilíbrio entre o esforço da coesão e o esforço

da convergência para as pequenas e médias empresas e a necessidade de reforçar núcleos europeus que

tenham a capacidade de concorrer na economia global.

Somos defensores da política industrial, mas não somos defensores da centralização europeia que agrave

as assimetrias contra a coesão e contra a convergência. Uma das riquezas e forças do mercado interno é

precisamente a de poder mobilizar, de forma descentralizada, aqueles que são os contributos das redes de

conhecimento e das redes de produção existentes em cada um dos países. É aí que nos queremos inserir e

julgo que a experiência adquirida ao longo de toda esta crise evidencia bem a necessidade de reforçarmos a

autonomia estratégica da Europa e, no quadro dessa autonomia estratégica da Europa, afirmarmos Portugal

como um suporte importante do desenvolvimento da base industrial europeia.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, pelo Grupo Parlamentar do PS, o Sr. Deputado Capoulas Santos.

O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Há cerca de dois meses, com o forte contributo de Portugal, fez-se história na União Europeia e inverteu-se o

ciclo de descrença e de degradação do projeto europeu a que vínhamos assistindo. Foi dado, sem dúvida, no

Conselho de julho, um dos mais relevantes pequenos passos, traduzido em ações concretas, a que Robert

Schuman se referia como método para a construção Europeia.

Não quero, com isto, dizer que foram sanadas todas as contradições e que os valores fundacionais da

União Europeia passaram, por encanto, a ser partilhados por todos. Certamente que não. Apesar do sinal

esperançoso dado pelo Conselho de julho, não podemos, contudo, esquecer que os mesmos líderes que

romperam o impasse do quadro financeiro plurianual e que consagraram o, até há pouco, impensável princípio

de mutualização da dívida são os mesmos que se revelaram incapazes de coisas aparentemente tão simples

como o estabelecimento de regras comuns para a gestão das fronteiras em contexto de pandemia ou a

convergência em questões relevantes de política externa, onde cada vez mais é necessária uma posição forte

e coesa da União Europeia.

Faz, por isso, todo o sentido, sem esquecermos que o processo final de aprovação das decisões de julho,

no contexto da codecisão com o Parlamento Europeu, ainda decorre, que o Conselho reúna para discutir

questões tão relevantes como o reforço do mercado único, a estratégia para a reindustrialização ou a transição

digital, assim como questões fulcrais da política externa, como a tensão no Mediterrâneo Oriental, as relações

com a China, com a Rússia e a crise na Bielorrússia.

Além disso, apesar de não constar formalmente da ordem de trabalhos, o aparente mau desfecho das

negociações do Brexit, que parece, cada vez mais, adivinhar-se, não deixará certamente de pairar sobre os

Membros do Conselho, como, aliás, o Sr. Primeiro-Ministro já admitiu.

Este é, certamente, um Conselho para o qual o Primeiro-Ministro de Portugal vai bastante tranquilo. As

posições da Comissão e da maioria do Conselho, relativamente às matérias em agenda, são genericamente

coincidentes com as posições portuguesas, como o demonstram as linhas de orientação do Programa de

Governo, o programa do trio de presidências ou a arquitetura geral do plano de recuperação e resiliência que

acabámos de discutir, há poucos minutos, nesta Câmara.

Nestes termos, para além de felicitá-lo pelo seu desempenho, em nome de Portugal, e pelo protagonismo

acrescido que terá a partir de janeiro, com a presidência portuguesa, gostaria de formular três perguntas.

A primeira pergunta é esta: dada a importância de dispor rapidamente dos meios financeiros,

designadamente do plano de recuperação, como antevê a possibilidade de um acordo, em tempo útil, no que

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se refere aos recursos próprios, no contexto da codecisão com o Parlamento Europeu, onde aliás, os

eurodeputados portugueses Margarida Marques e José Manuel Fernandes têm desempenhado um papel de

relevo no team negocial?

A segunda pergunta é esta: depois de a Turquia ter provocado a atual tensão no Mediterrâneo Oriental,

como avalia a declaração do Presidente turco, ontem proferida na Assembleia Geral das Nações Unidas,

apelando à realização de uma conferência regional sobre o Chipre e a Grécia, no conflito com a União

Europeia?

Por último, enquanto futura presidência do Conselho, como encara a perspetiva de, no primeiro dia de

presidência portuguesa, no dia 1 de janeiro de 2021, ser confrontado com o eventual primeiro dia da relação

caótica com o Reino Unido?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Continua o Grupo Parlamentar do PS no uso da palavra. Tem, agora, a palavra, a Sr.ª Deputada Edite Estrela, para uma intervenção.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A razão do adiamento do Conselho Europeu previsto para esta semana mostra que vivemos numa

enorme incerteza: incerteza quanto à evolução da epidemia, incerteza quanto à profundidade da crise

económica, incerteza quanto ao futuro.

Não sabemos como vai ser a Europa depois desta crise global, se conseguirá fazer prevalecer os seus

valores, combater os nacionalismos e os populismos, defender o Estado de direito e a democracia, promover o

bem-estar dos cidadãos.

Ninguém pode garantir que não iremos enfrentar grandes dificuldades, mas o Conselho Europeu pode e

deve tomar as decisões que os cidadãos esperam e que o momento exige.

Já se referiu que o Conselho esteve bem quando aprovou instrumentos e recursos inéditos para acelerar a

retoma da economia, recursos, esses, que se espera que cheguem rapidamente a quem deles precisa. Com

este acordo, ficou demonstrado que, quando os decisores europeus se unem no mesmo objetivo, não há

impossíveis.

O Sr. Primeiro-Ministro já referiu os temas importantes que constam da agenda do Conselho Europeu.

Gostaria, utilizando um slogan que foi usado pela Presidente da Comissão e que também é muito usado pelo

Sr. Primeiro-Ministro, «não deixar ninguém para trás», que o Conselho Europeu também se pronunciasse

sobre a situação da Bielorrússia, que estivesse ao lado do povo e daqueles que, com enorme coragem e não

obstante a repressão violenta, as detenções, os feridos e até mortos, se continuam a manifestar, reivindicando

liberdade, democracia e eleições livres.

Sei, com conhecimento de causa, porque o pude confirmar em novembro passado, como membro da

delegação de observação das eleições legislativas, que são recorrentes as fraudes eleitorais na Bielorrússia.

Em relação à transição digital, há muito que o PS incluiu o tema na agenda política, constando do

programa que foi sufragado pelas portuguesas e pelos portugueses. O Programa do Governo dá-lhe a devida

importância e também no plano de recuperação e resiliência lhe é dado grande desenvolvimento.

Por isso, Sr. Primeiro-Ministro, gostaria que o tivesse em atenção e que me dissesse que importância vai

dar a esta temática da transição digital no Conselho Europeu, tendo em conta que a crise pandémica veio

confirmar que as tecnologias digitais estão a revolucionar o mundo, mas, ao mesmo tempo, tornou mais

evidente e aprofundou o fosso entre «ligados» e «não ligados», entre quem tem computador e quem não tem

computador, entre quem tem competências digitais e quem não tem. A desigualdade digital é um risco real que

deve ser acautelado.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): — Termino já, Sr. Presidente. É este o alerta que vem das Nações Unidas: o mundo digital está a funcionar com muitos benefícios, mas

não de forma igual para todos.

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Portanto, é preciso que o Conselho tome decisões para apoiar as pequenas e médias empresas na

transformação digital e no desenvolvimento, como também já disse o Sr. Primeiro-Ministro, das capacidades

digitais na escola e nos programas de formação, para evitarmos que haja novas desigualdades a somar às

antigas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Meireles, do Grupo Parlamentar do PSD, para uma intervenção.

A Sr.ª Isabel Meireles (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: No discurso sobre o estado da União, a Presidente da Comissão Europeia apresentou a sua

visão para a Europa, que considerou estar condicionada pela pandemia, aliás, como se viu com o adiamento

deste Conselho Europeu.

Este estado tem uma dupla frente: a da crise sanitária e da proteção da saúde e a da crise económica e

social, perante este choque de proporções absolutamente gigantescas nas economias, na destruição dos

postos de trabalho, dos rendimentos e das empresas.

Espero que o Governo português, no próximo Conselho Europeu, possa continuar a desenvolver uma ação

enérgica na defesa dos interesses de Portugal e dos portugueses, perante algumas contradições nesta área.

Passo a explicitar: sabemos todos que precisamos de uma vacina para a COVID-19. Então, isto significa

que precisamos de mais investigação e de mais inovação. Portanto, não se percebe como é que foi possível

reduzir o programa Horizonte Europa, que é um programa forte no âmbito da saúde e que não se compagina

com estes cortes. O PSD defende o reforço deste programa europeu e pergunto qual é, em relação a isto, a

posição do Governo.

A Presidente da Comissão Europeia, por outro lado, anunciou, no Parlamento Europeu, um novo pacto

sobre as migrações. A ideia é a de acabar com o, enfim, quase diria inútil Sistema de Dublin, já com 30 anos,

e enveredar por uma abordagem baseada, em primeiro lugar, na humanidade, em segundo lugar, na

solidariedade e, em terceiro lugar e não menos importante, na distinção clara entre os que têm o direito a

permanecer em território europeu e aqueles que não têm esse direito.

Sr. Primeiro-Ministro, a propósito desta questão, recordo que, nos últimos meses, a costa do Algarve tem

registado sucessivos desembarques de migrantes ilegais provenientes do Norte de África. Já não restam

dúvidas de que Portugal entrou na fase B da chegada de migrantes.

Apesar de reconhecermos que o assunto é complexo, sentimos que o Governo não está a fazer tudo aquilo

que pode. Se está, não temos conhecimento.

Confirma o Governo que existem, de facto, redes organizadas de migrantes ilegais para o Algarve? Ou

continua o Governo a afirmar, como o fez o seu Ministro da Administração Interna, que estas redes de tráfico

ilegal são ridículas? Que medidas operacionais, designadamente centros de detenção, que não existem — os

migrantes são postos em quartéis ou fogem —, e de monitorização vão ser implementadas? Como é que o

Governo pretende implementar todas estas medidas para suster o avanço destes fluxos, que, a médio prazo,

ou, se calhar, no imediato, podem ser uma bomba-relógio, quiçá, um segundo campo de Moria?

Ainda neste âmbito, há avanços sobre o futuro acordo de migração com Marrocos e com outros Estados?

O problema da migração é um desafio para toda a Europa, como sabemos, mas a pior coisa que se pode

fazer é entrar em estado de negação. Pretende o Governo aproveitar esta oportunidade para abordar, no

próximo Conselho Europeu, este tema que, agora, também nos entra pelas portas adentro? No âmbito do

quadro estratégico com a Turquia, que, como sabemos, é um dos países que tem servido de tampão às vagas

de imigrantes provenientes da Síria, este tema vai ser repristinado na presidência portuguesa?

Gostaria, também, de obter uma resposta mais direta à questão do Brexit. Os recentes desenvolvimentos

fazem-nos soar trombetas de alarme: a insensibilidade para a paz na Irlanda do Norte, que tão laboriosamente

foi conseguida e que pode estar em risco, designadamente o Acordo da Sexta-feira Santa; o fechamento cego

à Europa; a retórica primária e populista; a quebra de acordos internacionais. Já não bastava a «diplomacia do

Twitter» e, agora, temos a diplomacia da pirataria contra as leis internacionais.

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Neste contexto, a ameaça de Boris Johnson de rasgar o acordo do Brexit levou, como sabemos, Portugal a

refazer e a revisitar o seu plano de contingência. Relembramos que é obrigação do Governo proteger os

direitos dos cidadãos portugueses que residem, que trabalham e que estudam no Reino Unido. Além disso,

este programa de contingência, se bem me recordo, tinha uma vertente muito importante virada para o apoio

técnico e financeiro aos agentes económicos. Este apoio vai continuar a ser defendido? O que é que o

Governo está a pensar fazer nesta matéria?

Ou seja, são três questões cruciais: a questão de uma política comum de saúde; a questão das migrações,

do plano para as migrações; e a questão do Brexit.

Pedia, Sr. Primeiro-Ministro, que me respondesse, se possível frontalmente, a todas estas questões,

porque um homem ou uma mulher, quando assumem uma função pública, devem considerar-se propriedade

pública e, logo, com obrigação de resposta cabal.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, a Sr.ª Deputada Fabíola Cardoso, para uma intervenção.

A Sr.ª Fabíola Cardoso (BE): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Mais uma vez, a COVID-19 mostrou-nos, a todos e a cada um, a nossa fragilidade, fragilidade

pessoal e coletiva, que levou, nomeadamente, ao adiamento do Conselho Europeu, devido à quarentena do

seu Presidente.

A resposta europeia à pandemia pretende aumentar a resiliência da União. A resiliência, para a biologia, é

a capacidade de recuperação de um ecossistema face a um desequilíbrio.

Construir uma Europa mais resiliente significará não só recuperar da crise sanitária, social e económica

que atravessamos, mas também fazer as mudanças estruturais necessárias para uma União mais sustentável,

inovadora e justa. Significará pensar e levar à prática um projeto participado, capaz de enfrentar crises futuras,

sejam elas sanitárias, ambientais ou políticas.

Construir uma Europa mais resiliente significa dispor não só de novos instrumentos de investimento, que

ainda não são certos, mas também da coragem política para aplicar esses fundos nas reformas necessárias

para tornar a União mais inclusiva e democrática.

Temos de abandonar um modelo económico e social baseado na exploração de mão-de-obra precária,

viciado em economias fósseis e centrado na lógica do lucro imediato, explorando o planeta e destruindo

futuros.

Resiliência significa também mudar, fazer a transição ou as transições — verdes, justas, digitais —, mas a

sério, não só no papel. Temos de melhorar efetivamente as condições de vida, garantir direitos no trabalho,

para que essa resiliência se materialize. Temos de aprender com a crise pandémica e garantir um plano de

investimento público que não sobrecarregue a dívida nacional nem traga austeridade ao futuro.

As propostas do Bloco de Esquerda são claras, tanto para a emergência, como para as profundas

alterações necessárias para o futuro.

Digitalizar, sim, mas protegendo empregos e rendimentos de todos quantos trabalham na Europa,

reduzindo efetivamente a precariedade, reconstruindo relações coletivas de trabalho, incluindo as plataformas

digitais e de teletrabalho.

Produzir, sim, mas defender serviços públicos fortes, universais e gratuitos, saúde e educação, mas

também telecomunicações, ciência, cultura, habitação; garantir que ninguém fica para trás sem uma efetiva

proteção social e cuidado.

Inovar, sim, mas combatendo as alterações climáticas, reduzindo a dependência externa, seja ela

alimentar, industrial ou energética.

Relações externas, sim, mas reforçando também o Estado de direito na União, garantindo a igualdade e a

dignidade a todas as pessoas perante a lei, liberdade de imprensa, independência de poderes, combate ao

racismo e a todas as formas de discriminação.

Concorda com estas prioridades, Sr. Primeiro-Ministro? São estes, também, os critérios a cumprir por quem

receba apoios europeus?

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Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Ainda no tempo do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, tem a palavra a Sr.ª Deputada Beatriz Gomes Dias.

A Sr.ª Beatriz Gomes Dias (BE): — Boa tarde, Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados: A emergência humana que se vive nos campos de refugiados de Moria expõe o fracasso das

políticas de fronteira da «Europa-fortaleza», que trata como indesejados ou empecilhos todas as pessoas que

procuram asilo.

O incêndio que destruiu o campo de refugiados de Moria desocultou a desumanidade, a indiferença face

aos direitos fundamentais de milhares de pessoas que fogem da guerra, das perseguições ideológicas e da

fome.

A situação na fronteira entre a Grécia e a Turquia agravou-se com o aumento do número de pessoas

refugiadas, que fogem da guerra na Síria. O presidente da Turquia, ao renunciar ao acordo de subcontratação

de políticas de fronteiras, abriu as portas à entrada de centenas de milhar de pessoas que se acumulam em

centros de detenção sobrelotados, com falta de condições sanitárias e de segurança.

Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas: No campo de Moria, com uma lotação quatro

vezes superior à sua capacidade, vivem cerca de 13 000 pessoas, entre as quais menores desacompanhados,

grávidas e doentes crónicos. Com a pandemia, à grave crise humana soma-se uma grave crise sanitária, pois

as condições precárias impossibilitam o distanciamento físico e o cumprimento das medidas de higiene

recomendadas.

O governo grego, perante esta crise humana, persiste na política carcerária e avança na construção de um

novo campo e reprime, com polícia de choque e gás lacrimogénio, os protestos dos refugiados que reivindicam

a liberdade e se levantam contra a construção de abrigos temporários que perpetuam a sua detenção.

Sr. Primeiro-Ministro, a resposta da União Europeia é insuficiente e não altera o paradigma assente na

detenção, contrária aos valores humanistas e à defesa dos direitos humanos. A Comissão Europeia

apresentou o Pacto para as Migrações e, para ter sucesso, onde se fracassou no passado, são necessárias

três medidas essenciais: alterar o paradigma assente na detenção e dar prioridade aos direitos das pessoas;

efetivar a concretização dos acordos para a reinstalação de refugiados; e evacuar os campos de refugiados na

Grécia, assegurando a implementação de mecanismos de efetiva distribuição solidária de responsabilidades

entre os Estados-Membros.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, tem de concluir.

A Sr.ª Beatriz Gomes Dias (BE): — Concorda com estas propostas, Sr. Primeiro-Ministro?

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — É a vez do Grupo Parlamentar do PCP. Tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo: Perante a ordem de trabalhos que está apontada para a próxima sessão do Conselho Europeu,

ganham mais relevo e força as preocupações e os alertas do PCP quanto às opções políticas que determinam

o sentido das prioridades no plano económico, desde logo as recentemente anunciadas pela Presidente da

Comissão Europeia.

Mais uma vez, é a mesma receita de concentração do poder político e de dominação no plano

supranacional, incluindo o alargamento a novos setores e áreas de ação — como a saúde —, sempre em

nome da angelical harmonização ou articulação, para esconder as reais estratégias de acumulação de lucro,

de degradação dos serviços públicos, de desregulação dos vários planos. É a continuidade, com outras

roupagens e retóricas, do mesmíssimo federalismo neoliberal, anunciando-se a conclusão da União dos

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Mercados de Capitais e da União Bancária, ou proclamando uma reindustrialização que serve, no essencial,

as economias mais poderosas.

Apesar do que disse agora o Sr. Primeiro-Ministro, o próprio Governo já chegou ao ponto de defender,

nesta Legislatura, na Assembleia da República, essa ideia peregrina da soberania industrial europeia, como se

estivéssemos todos no mesmo barco e como se a defesa da indústria nacional e dos nossos setores

produtivos fosse dispensável ou equivalente nas grandes potências da União Europeia!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Primeiro-Ministro, só quem quiser ser enganado irá acreditar que, nas políticas industriais, é tudo uma grande família europeia, seja a EFACEC (Empresa Fabril de Máquinas

Elétricas, SARL) ou a ThyssenKrupp, a TAP ou a Lufthansa, o Arsenal do Alfeite ou o HDW (Howaldtswerke-

Deutsche Werft)!

No momento em que se anunciam verbas provenientes de fundos comunitários e em que o Governo se

prepara para submeter à União Europeia o chamado «plano de recuperação e resiliência», o PCP sublinha a

necessidade de o País ter o direito de decidir, de forma soberana, acerca da aplicação desses fundos de

acordo com o interesse nacional. É preciso defender os setores produtivos, o desenvolvimento e a soberania

do nosso País.

Não vamos deixar de o afirmar: Portugal precisa de concretizar um projeto de desenvolvimento soberano,

liberto dos interesses das grandes potências e dos grupos monopolistas e dos constrangimentos e

condicionalismos do euro e da União Europeia.

Portugal precisa de um projeto que, resgatando importantes elementos da sua soberania económica,

tirando partido dos seus recursos, recuperando o controlo público de setores estratégicos e de instrumentos

essenciais para enfrentar problemas e défices estruturais, assegurando a libertação da submissão ao euro e a

renegociação da dívida pública, aposte decididamente na melhoria das condições de vida, na elevação de

direitos, na valorização do trabalho e dos trabalhadores, no investimento público, no aumento da produção

nacional e na melhoria dos serviços públicos.

E, no domínio das relações internacionais, quando os senhores do dinheiro e da guerra bradam por novas

ingerências e agressões a países e a povos, deixo um desafio ao Sr. Primeiro-Ministro: faça uma coisa, se for

capaz, leve para o Conselho Europeu a Constituição da República Portuguesa e leia, em voz alta, o artigo 7.º.

Pode ser que alguém aprenda alguma coisa!

Há que combater essa visão de poder de império, da ingerência externa, da escalada militarista, do

saudosismo neocolonial, do torpedeamento da legalidade por parte de quem pretende derrubar governos

enquanto celebra negócios com potências ocupantes. Não, Srs. Deputados, há que cumprir a Constituição,

defender a paz e o respeito pela soberania e pelo direito internacional.

Aplausos do PCP e do PEV.

O Sr. Presidente: — É vez do Grupo Parlamentar do CDS-PP. Tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida, para uma intervenção.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: Queria começar por salientar a importância e a satisfação, por parte do Grupo

Parlamentar do CDS-PP, de estarmos a ter este debate. Não fora o veto do Sr. Presidente da República, este

era um dos debates que já não existiria.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Bem lembrado!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Pegando no exemplo do debate anterior, parece-me evidente que acabar com debates quinzenais, transformados agora em debates temáticos, não traz vantagem nenhuma

ao debate político, e acabar com os debates europeus também não traria.

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Independentemente das perspetivas diferentes que temos — e são substancialmente diferentes —, é

indiscutível que este debate e este escrutínio são fundamentais para o que todos sempre dizemos que

queremos, isto é, uma cultura de participação no projeto europeu.

Nunca ninguém chegou a perceber como se defendia uma maior participação e proximidade ao projeto

europeu e se acabava com o momento de debate, no Parlamento, antes de cada Conselho Europeu.

Conseguimos até a proeza, desta vez, de estarmos a debater sobre um Conselho que já não vai acontecer na

data prevista e que só acontecerá mais tarde, mas ainda bem que assim é.

A agenda do Conselho está concentrada nos pontos essenciais do pós-pandemia, evidentemente, na

questão do mercado interno, na forma como foi afetado e como podemos restabelecê-lo. É curioso até que o

Sr. Primeiro-Ministro faça um ataque à visão liberal, quando uma das questões fundamentais da própria

agenda do Conselho é a do mercado livre europeu. Obviamente, saudamos isso, mas não percebemos,

depois, a crítica feita.

É também importante tratarmos a liberdade de circulação das pessoas e o restabelecimento dessa

liberdade de circulação, a importância de haver critérios europeus para que esta liberdade seja viável e

funcione, sem que haja barreiras. Ainda há barreiras e, obviamente, todos desejamos que deixe de haver, mas

com segurança, para todos podermos fazer um caminho em que, depois, não se volte para trás. Para isso, as

relações externas também são relevantíssimas.

No primeiro ponto, sobre o mercado interno, há uma questão que queria de colocar ao Sr. Primeiro-Ministro

e que acho que seria importante que Portugal defendesse no contexto deste Conselho. Esteve em cima da

mesa uma proposta para a criação, em português, de um instrumento de apoio à solvência das empresas que

tinha, até, uma verba substancial. Este mecanismo era importante para países como Portugal por uma razão

simples: houve outros países, com outras possibilidades, que deram apoios às suas empresas superiores aos

que Portugal deu às suas empresas.

O Sr. Duarte Marques (PSD): — Muito bem!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Portanto, no retorno e na reabertura do mercado, há um problema de competitividade para quem recebeu apoios inferiores relativamente a concorrentes que

receberam outro tipo de apoios. A Comissão Europeia previu um mecanismo para equilibrar esta situação, o

Parlamento Europeu apoia este mecanismo, mas não há maioria no Conselho para o aprovar. Pergunto se o

Sr. Primeiro-Ministro vai defender o interesse das empresas portuguesas, da sua solvência, da resolução de

um dos maiores problemas que tem a economia nacional, que é a falta de capital, para permitir que as

empresas portuguesas tenham uma bolsa para poderem ter essa competitividade.

Uma vez que o tempo está a terminar, dizia apenas, relativamente às relações externas, que nos parece o

seguinte: é muito importante — já aqui foi dito por outros partidos — a questão da Bielorrússia. É fundamental

que Portugal acentue, neste Conselho, a defesa de regras claras de democracia e de respeito pela liberdade

de participação política.

O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Por isso, Portugal, que é um país exemplar nestas matérias, deve bater-se para que países que estão nas fronteiras da União não continuem a fazer e a atropelar os

direitos humanos e de participação política, como tem acontecido na Bielorrússia.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — É a vez do Grupo Parlamentar do PAN. Tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Já ouvimos o Sr. Primeiro-Ministro, ainda há pouco, falar da autonomia estratégica da

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Europa ou da recuperação económica, preocupações que partilhamos, mas as questões que hoje gostaríamos

de trazer dizem respeito aos valores humanitários do projeto europeu.

Para além das questões deixadas pelos restantes grupos parlamentares quanto à Bielorrússia, gostaríamos

de falar de um caso em particular que tem a ver com o facto de a crise sanitária não ter feito desaparecer a

crise humana que se vive no campo de Moria, um campo sobrelotado a que as próprias ONG (organizações

não-governamentais) apelidaram de «inferno na terra».

De facto, a tecnocracia de Bruxelas tem acabado por ignorar, ao longo dos anos, este flagelo. Há

condições absolutamente indignas nos campos gregos e que já são conhecidas há muito. Se nada se fizer,

poderemos ver repetida esta tragédia em Kara Tepe que é, neste momento, um dos maiores campos de

migrantes da Europa.

Enquanto aqui debatemos, em Kara Tepe, os migrantes, onde se incluem crianças, vindos de Moria, só têm

uma casa de banho para cada 500 pessoas, não têm água, não têm luz, vivem debaixo de surtos de COVID,

sem qualquer ajuda médica ou medicamentos, numa situação humana absolutamente indigna e à qual não

podemos fechar os olhos.

Sr. Primeiro-Ministro, parece-nos, assim, que é fundamental que a Europa e Portugal passem a ter uma

política mais eficaz no que respeita ao acolhimento de migrantes, começando por antecipar o acolhimento,

nomeadamente daqueles que estão nestas condições absolutamente deploráveis e desumanas, ao invés de

os acolher apenas quando ocorrem tragédias mediáticas.

Não podemos continuar a desperdiçar fundos europeus, como aconteceu recentemente com o caso da

Câmara Municipal de Lisboa. Precisamos de ter uma política que integre, efetivamente, estas pessoas, que

lhes garanta emprego e habitação. Este acolhimento não pode ser apenas de 18 ou 24 meses, findos os quais

têm de procurar outras oportunidades, nomeadamente em outros países, sendo fundamental a publicitação e a

dinamização do Fundo para o Asilo, a Migração e a Integração e, também, a criação de oferta pública de

habitação e melhorar, obviamente, o acompanhamento destas pessoas.

Por isso, Sr. Primeiro-Ministro, parece-nos que é fundamental perceber o que vai fazer, afinal, o Governo,

de que forma vai sensibilizar o Conselho Europeu quanto à urgência de se mudar, estruturalmente, estas

matérias, respeitando os direitos humanos destas pessoas refugiadas.

Para concluir, Sr. Primeiro-Ministro, um tema incontornável parece-nos ser, também, a nova lei de

segurança nacional de Hong Kong, que põe em risco os mais básicos direitos dos ativistas pró-democracia. A

União Europeia já recomendou, em julho, a adoção de um conjunto de medidas aos Estados-Membros, que

vão desde a ponderação da suspensão dos acordos de extradição com Hong Kong. Portugal ainda não se

pronunciou. Por isso, pergunto-lhe, Sr. Primeiro-Ministro, qual a opinião do Governo relativamente à

suspensão do acordo de extradição com Hong Kong? Até quando Portugal e a Europa vão continuar a fechar

os olhos a um regime que, sistematicamente, passa por cima dos mais basilares direitos humanos?

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado José Luís Ferreira, do Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os Verdes».

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, o próximo Conselho Europeu não deve deixar de focar as suas atenções na resposta à crise que a Europa está a viver, na sequência da

pandemia. Aquilo de que precisamos é de respostas concretas e não de falsas solidariedades e princípios

europeus que, aliás, em rigorosamente nada se concretizam no dia a dia dos cidadãos.

Por isso, a nosso ver, a União Europeia não pode continuar a legitimar desigualdades, permitindo que

prevaleça a concorrência e a ganância do mercado único, que continua, aliás, a ditar condições desfavoráveis

para Portugal. Portanto, faz todo o sentido continuar a reclamar outro rumo para a União Europeia.

Sobre a transformação digital, também em cima da mesa, Os Verdes reafirmam que pode ser uma

oportunidade para melhorar a sustentabilidade e a eficiência e, sem descurar o potencial da digitalização —

aliás, há já muito tempo que Os Verdes têm propostas nesse campo —, ainda assim, não podemos ignorar as

consequências prejudiciais da sua concretização em contexto capitalista, que é aquele que a União Europeia

defende e representa.

Sr. Primeiro-Ministro, Os Verdes têm ainda uma preocupação relacionada com o Tratado da Carta da

Energia, que já vai na segunda ronda de negociações e que já mereceu, aliás, uma pergunta da nossa parte,

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mas cuja resposta, por parte do Governo, suscitou muitas preocupações. O Governo afirma que nunca

ponderou abandonar este tratado, preferindo trabalhar com os parceiros europeus com vista à sua

modernização. Mas, mesmo com todas as alterações que a Comissão Europeia diz pretender fazer, o que,

aliás, é pouco provável que aconteça, este Tratado manter-se-á incompatível com os objetivos do Acordo de

Paris.

Sr. Primeiro-Ministro, a questão que quero colocar é se o Governo mantém a intenção de permanecer no

Tratado da Carta da Energia, mesmo sabendo que cada dia que passa sem abandonar o Tratado da Carta da

Energia é um dia perdido e sabendo que nada inviabiliza que Portugal participe no processo de modernização

e pondere, ao mesmo tempo, a possibilidade de abandono do Tratado, até para o caso de não haver qualquer

alteração relevante.

O que pergunto é se o Governo mantém a intenção de permanecer nesse Tratado mesmo sabendo que

este representa uma ameaça para o clima e para o desenvolvimento do Acordo de Paris no combate às

alterações climáticas.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado André Ventura, do Chega.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, ficou claro que a única estratégia que o Governo tem de combate à crise é estar de mão estendida para Europa. Não há

outra. É esperar pelo dinheiro que chega, a ver quando chega e em desespero, porque, se não chega, o tal

Ronaldo das Finanças não deixou nenhum milagre que permita a solidez da nossa economia.

Queria perguntar qual vai ser a posição do Governo português sobre os corredores aéreos que nos

continuam a ser encerrados, perante a passividade, inacreditável, de um Governo que deixa morrer o turismo

no Algarve, no Norte, com o encerramento consistente e permanente de corredores aéreos sem uma palavra

do Governo e com palavras muito dúbias do Presidente da República.

Sr. Primeiro-Ministro, a economia portuguesa, no auge da pandemia, foi a quarta que mais caiu em toda a

zona euro. Isso já mostra a fragilidade do nosso tecido económico. O que é que vamos fazer, que pedido

vamos fazer e que estratégia vamos ter na Europa para evitar que os mesmos de sempre, os países mais

ricos da Europa, sejam beneficiados e que a economia portuguesa seja, novamente, prejudicada com o

aumento da dívida e com a pressão sobre as suas contas públicas?

Porque é que o dinheiro da Europa só chega em 2021 quando foi consensual entre todos os Estados-

Membros que esta era a maior crise das nossas vidas? Porque é que não se conseguiu evitar a burocracia de

Bruxelas para que o dinheiro pudesse chegar ainda, por exemplo, até dezembro deste ano e, pelo menos, se

salvassem postos de trabalho, empresas e famílias?

É sempre mais forte a burocracia do que a necessidade e o objetivo de ajudar aqueles que mais precisam,

exceto quando é para pagar impostos! Aí, estão sempre cá para os cobrar!

Sr. Primeiro-Ministro, soubemos, hoje mesmo, que a União Europeia propôs um novo Pacto de Migrações

e Asilo em que, espantem-se, se propõe que os Estados-Membros venham, agora, com novas contribuições

— novas contribuições! —, para podermos ir buscar migrantes à entrada da Europa e os trazer para qualquer

outra parte da União Europeia.

O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. André Ventura (CH): — Vou terminar, Sr. Presidente. Já nos disse, hoje, que vai haver mais impostos europeus. Gostava que nos dissesse o que Portugal vai

dizer a mais contribuições para ir buscar pessoas à fronteira externa da União Europeia quando temos

pessoas sem casa, aqui, na cidade de Lisboa. É a isso que gostava que me respondesse.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, da Iniciativa Liberal.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Quero saudar especialmente o Sr. Primeiro-Ministro, pois termos, hoje, dois debates,

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no mesmo dia, é um luxo, principalmente depois de o PSD e de o PS terem decidido acabar com os debates

quinzenais.

Quanto ao Conselho Europeu, apesar de ter sido adiado para a próxima semana, mas suponho que com a

mesma agenda, convinha relembrar o seguinte.

A União Europeia é um espaço de livre circulação e livre comércio de bens e serviços, mas, infelizmente,

alguns pensam que é também um espaço de comércio de valores e princípios. Para nós, liberais, não é! A

Europa não se deve vender por um prato de lentilhas, a Europa deve ter coragem de fazer frente a quem,

independentemente do seu poder, violar direitos e liberdades dos cidadãos europeus.

Por isso, a Iniciativa Liberal insta o Sr. Primeiro-Ministro a representar Portugal e a ter um papel ativo na

definição das sanções europeias a aplicar aos responsáveis políticos opressores na Bielorrússia.

Registo com agrado que não sou, hoje, finalmente, o único a falar deste tema, tal como não sou o único a

falar no que se passa relativamente ao território de Hong Kong e a defender que a Europa se mexa também

em relação aos cidadãos europeus presos na China, entre eles, um jovem de 19 anos com passaporte

português, cujo nome vou arriscar dizer, Tsz Lun Kok, que está detido, há um mês, sem acesso a advogado,

sem poder contactar a família, em condições que nem sequer imaginamos.

O Governo tem de levar este tema ao Conselho com urgência e os serviços diplomáticos portugueses

devem exigir poder visitá-lo e inteirar-se do seu estado, algo previsto ao abrigo do domínio legal humanitário.

Quanto aos pontos relativos ao mercado único e à política industrial, tem de ser dito que o poder de

decisão de Portugal não se pode vergar ao da Europa sem discussão. É normal que haja critérios na aplicação

de fundos, mas não é normal que as prioridades, os objetivos e a distribuição das verbas sejam impostas de

forma dirigista, de cima para baixo, como se os países fossem todos iguais e com pouco ou nenhum

conhecimento do que a sociedade portuguesa precisa e está preparada para fazer.

Retomo, em parte, um ponto que já sublinhei na intervenção de há pouco: a enorme importância de ter uma

estrutura de governação dos fundos, a nível europeu e a nível nacional, que esteja à altura da ambição e da

novidade em que consiste este plano de recuperação.

O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Vou terminar, Sr. Presidente, dizendo o seguinte: ainda ninguém sabe muito bem como e quem vai avaliar, selecionar e acompanhar os projetos que serão apoiados. Ainda

ninguém percebeu como se pode garantir que, desta vez, haverá retorno social e retorno económico dos

investimentos. Ainda ninguém nos convenceu que, no final, não acabemos, mais uma vez, apenas a engrossar

a montanha de dívida pública e a lamentar uma oportunidade perdida.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para encerrar este debate europeu, o Sr. Primeiro-Ministro, António Costa.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Muito obrigado pelo conjunto de questões.

Em primeiro lugar, começando por responder ao Sr. Deputado Capoulas Santos — que cumprimento

especialmente na sua qualidade de Presidente da Comissão de Assuntos Europeus —, relativamente ao

acordo com o Parlamento Europeu, aquilo que espero é que ele se concretize o mais depressa possível.

A Europa enfrenta uma crise muito grave. O que temos dito, desde o início, é que precisamos de uma

resposta robusta e à escala europeia para esta crise, que é global, e com muito esforço foi possível obter um

acordo que, como disse, e bem, foi um passo histórico dado no Conselho.

É preciso que todos tenham bem consciência de que, hoje, no seio dos 27, há visões geometricamente

muito variáveis sobre o que deve ser a União. Isso tem uma expressão porventura menos clara no Parlamento

Europeu, que se organiza mais em torno de famílias políticas do que na expressão do interesse específico de

cada Estado, mas que, depois, no seio do Conselho, se torna particularmente evidente e de uma forma

transversal a todas as famílias políticas.

Portanto, considero que é absolutamente fundamental termos todos em conta que o acordo que foi obtido

no Conselho muito dificilmente pode ser alargado, seja para acomodar a ambição de termos orçamentos mais

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generosos relativamente aos programas de gestão descentralizada da União Europeia, como é o caso do

Horizon 2020, ou de mantermos mecanismos como o mecanismo da insolvência, ou de alargarmos os critérios

de acesso aos fundos de uma forma mais exigente do que aquela que foi acordada no Conselho.

Espero, por isso, que o diálogo entre as instituições corra bem e que, tão rapidamente quanto possível,

este mecanismo esteja disponível a partir do próximo dia 1 de janeiro. Às vezes o que é difícil acontece: esta

semana, contra a expectativa de muitos, foi dada a última garantia nacional que faltava para que o programa

SURE (Support to mitigate Unemployment Risks in an Emergency) pudesse estar disponível. A partir do

próximo mês estará disponível. Esperemos que este acordo com o Parlamento Europeu seja também efetivo.

No diálogo com a Turquia, temos, obviamente, uma posição totalmente solidária com a Grécia e com

Chipre. Consideramos que é fundamental que haja, por um lado, o desenvolvimento de todas as plataformas

de diálogo e convém não esquecer que a Turquia é um aliado de todos nós na NATO (North Atlantic Treaty

Organization), que tem uma posição geoestratégica da maior importância para a NATO e que é,

simultaneamente, um país com quem a União Europeia vem mantendo, há longas décadas, uma relação no

mínimo equívoca. Julgo que não haverá entendimento possível com a Turquia enquanto não acabarmos com

os equívocos e assumirmos, de uma vez por todas, qual deverá ser a base de relacionamento futuro entre a

União Europeia e a Turquia. Por isso, aquilo em que temos insistido e é o contributo que daremos no Conselho

é que, de uma vez por todas, tenhamos um debate franco e uma decisão clara sobre o tipo de relacionamento

que queremos manter, no futuro, com a Turquia.

Quanto ao Reino Unido, a única coisa que, neste momento, podemos dizer é reiterar o que é um princípio

do direito internacional: os tratados não se rasgam, cumprem-se, e o acordo de saída existe e o Reino Unido

deve cumpri-lo.

A Sr.ª Deputada Edite Estrela sublinhou, e bem, como vários Srs. Deputados, a necessidade de termos

uma posição clara relativamente à violação dos direitos humanos e à defesa das liberdades públicas e

políticas na Bielorrússia. É essa a posição que teremos e que iremos defender.

Quanto à questão das migrações, que foi colocada por diversos Srs. Deputados, gostaria de dizer —

permita-me a Sr.ª Deputada Isabel Meireles — que esse problema não nos tocou agora à porta porque tem

havido sinais de uma nova rota atlântica de acesso à Europa. Esse é um problema que nos toca desde o

momento em que o primeiro migrante ou refugiado chegou a qualquer país da União Europeia.

Esse não é um problema nacional, ao contrário do que pensa o Sr. Deputado André Ventura, é mesmo um

problema do conjunto da União Europeia e ao qual temos de responder solidariamente. É por isso que somos

partidários da solidariedade na repartição dos candidatos à obtenção de proteção internacional na União

Europeia, é por isso que já recebemos cerca de 360 refugiados provenientes de Itália e 1200 provenientes da

Grécia e que temos um acordo complementar com a Grécia para podermos receber mais 1000 refugiados e,

em particular, para podermos receber 500 menores não acompanhados, provenientes da Grécia. Mal ocorreu

o incêndio em Moria, eu próprio comuniquei ao meu colega grego que estávamos em condições de receber,

imediatamente, 100 refugiados e 20 menores não acompanhados da Grécia, transmitindo também essa nossa

disponibilidade à presidência alemã.

É por essa razão que também temos participado, voluntariamente, em todas as operações de acolhimento

ad hoc que têm sido solicitadas por Malta, pela Itália e pela Grécia, e iremos continuar a participar em todas.

Portanto, Sr. Deputado André Ventura, leva duas más notícias: não só espero que haja impostos europeus

para que os fundos próprios da União não sejam reforçados com as contribuições nacionais mas com os

impostos de quem não paga impostos na Europa, apesar de enriquecer na Europa, como acontece com as

grandes plataformas internacionais, como queremos, efetivamente, participar, de uma forma solidária, no

esforço que a Europa tem de desenvolver para assegurar proteção internacional a quem dela carece.

Aplausos do PS.

Não tenho muito tempo, mas vou responder às últimas perguntas.

A Sr.ª Deputada Fabíola Cardoso perguntou-me se estou de acordo. Sim, estou de acordo. E estou de tal

maneira de acordo que é pena que não tenha intervindo no debate anterior, onde a questão esteve,

precisamente, em discussão e onde a proposta que temos do programa de recuperação e resiliência procura

precisamente responder às questões que aqui coloca.

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Ao Sr. Deputado Bruno Dias respondo a mesma coisa: a melhor forma de definirmos, de uma forma

soberana, o que pretendemos defender com os fundos comunitários não é fugir ao debate sobre o programa

de recuperação e resiliência, é participar ativamente nesse programa e não colocarmo-nos em debates laterais

e que não têm a ver com o programa de recuperação e resiliência.

Quanto à política industrial, não sei se estamos 100% de acordo, mas estamos tendencialmente de acordo.

E isso é muito claro. Podemos mesmo ter uma política industrial porque a Europa não pode estar nesta

economia global de uma forma ingénua e Portugal não pode estar no seio da União Europeia também de uma

forma ingénua, portanto, defendemos o mercado único.

Mas defendemos um mercado único que não gere o reforço das assimetrias pela via da criação de grandes

campeões europeus, de uma forma centralizada, mas, pelo contrário, aproveite totalmente o enorme potencial

que existe na União Europeia, através da criação de redes descentralizadas que mobilizem o conjunto dos

sistemas científicos e o conjunto do tecido produtivo dos 27 Estados-Membros.

Queremos sempre ser parte ativa na construção dessa autonomia estratégica da Europa e não ter uma

posição passiva nesse contexto da política industrial europeia.

E não há nenhuma contradição nisto, Sr. Deputado João Almeida, em defender esta força do mercado

interno mas defender que dentro do mercado interno, como em todos os mercados, não podemos esperar pela

mão invisível e devemos assegurar que haja, efetivamente, um mecanismo de correção de assimetrias que

assegure um level playing field entre todos aqueles que são participantes no mercado interno.

Para nós, no mercado interno, não há uma bolsa de valores. Os valores são os que estão afirmados na

nossa Constituição, que estão afirmados na história da nossa democracia. Não têm fronteiras, seja na Europa,

seja em todo o mundo.

Por isso, defendemo-lo de uma forma universal, quer no seio da União Europeia, quer no caso concreto

que diz respeito à China, com base nas nossas relações bilaterais. E é por esses canais diplomáticos que

temos vindo a acompanhar a situação dos cidadãos portugueses que são também cidadãos chineses, que

merecem uma especial preocupação e atenção e que têm vindo a ser acompanhados pelos competentes

canais diplomáticos, e assim continuaremos a proceder.

Permita-me só, Sr. Presidente, para não deixar de responder ao Sr. Deputado José Luís Ferreira, dizer

que, sim, não há para nós incompatibilidade em matéria de sermos fiéis a um tratado de que fazemos parte e

continuar a defender aquilo que é essencial, que é cumprir o Acordo de Paris e foi para cumprir mesmo que

estabelecemos no nosso Plano Nacional Energia e Clima as metas que são mais ambiciosas do que aquelas

que constam do Acordo de Paris.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Chegámos, assim, ao final deste debate e também da nossa agenda de hoje. Agradeço aos Membros do Governo aqui presentes e ao Sr. Primeiro-Ministro em particular.

A nossa reunião plenária de amanhã terá início às 15 horas, com a ordem de trabalhos que passo a

informar.

Do primeiro ponto consta a apreciação do Projeto de Resolução n.º 307/XIV/1.ª (PS) — Recomenda ao

Governo a adoção de medidas de valorização das associações que promovam o equilíbrio de género nos seus

órgãos sociais.

Seguir-se-á, no segundo ponto, a discussão do Projeto de Resolução n.º 582/XIV/1.ª (PSD) — Programa

de resposta económica e social para o Algarve.

No terceiro ponto, iremos debater, em conjunto e na generalidade, os Projetos de Lei n.os 414/XIV/1.ª (BE)

— Densifica o regime jurídico aplicável à transmissão de empresa ou estabelecimento clarificando a sua

aplicação nas situações de fornecimento de serviços de vigilância, alimentação ou limpeza (Décima sexta

alteração do Código do Trabalho), 448/XIV/1.ª (PS) — Introduz uma norma interpretativa do artigo 285.º do

Código do Trabalho, tornando obrigatória a sua aplicação à adjudicação, por concurso público, de prestações

de serviços públicos e 503/XIV/1.ª (PCP) — Defende e reforça os direitos dos trabalhadores em caso de

transmissão de empresa ou estabelecimento, no setor privado ou no setor público, por adjudicação de

fornecimento de serviços que se concretize por concurso público, ajuste direto ou qualquer outro meio

previsto.

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O quarto ponto consiste na discussão conjunta, na generalidade, dos Projetos de Lei n.os 372/XIV/1.ª (PCP)

— Cria um regime de reforço de trabalhadores em equipamentos sociais e revoga a Portaria n.º 82-C/2020, de

31 de março, 490/XIV/1.ª (CDS-PP) — Atualização em 6% do Compromisso de Cooperação celebrado com as

entidades do setor social e solidário e 504/XIV/1.ª (BE) — Conversão em contrato de trabalho das bolsas dos

profissionais recrutados para reforço do apoio aos lares e a outros equipamentos sociais.

Do quinto e último ponto consta a discussão do Projeto de Resolução n.º 99/XIV/1.ª (CDS-PP) —

Recomenda ao Governo a preparação de medidas concretas, e com caráter permanente, que visem minorar

os efeitos da seca, juntamente, na generalidade, com os Projetos de Lei n.º 155/XIV/1.ª (PCP) — Cria o plano

nacional para a prevenção estrutural dos efeitos da seca e seu acompanhamento e 502/XIV/1.ª (Deputada não

inscrita Cristina Rodrigues) — Cria o plano de prevenção e adaptação do território aos efeitos da seca.

Muito obrigado a todos, um bom final de tarde e até amanhã.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 28 minutos.

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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