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Quinta-feira, 24 de setembro de 2020 I Série — Número 4
XIV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2020-2021)
REUNIÃOPLENÁRIADE23DESETEMBRODE 2020
Presidente: Ex.mo Sr. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Secretários: Ex.mos Srs. Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
S U M Á R I O
O Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 7
minutos. Deu-se conta da entrada na Mesa dos Projetos de Lei
n.os 512 e 514 a 519/XIV/2.ª, das Apreciações Parlamentares n.os 29 e 30/XIV/2.ª, do Inquérito Parlamentar n.º 7/XIV/2.ª, dos Projetos de Resolução n.os 632 a 637 e 639 a 642/XIV/2.ª e do Projeto de Resolução n.º 10/XIV/2.ª.
Ao abrigo do artigo 73.º do Regimento, procedeu-se a um debate temático, solicitado pelo Governo, sobre visão
estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030.
Após o Primeiro-Ministro (António Costa) ter proferido uma intervenção na fase de abertura, usaram da palavra, a diverso título, além daquele orador e da Ministra de Estado e da Presidência (Mariana Vieira da Silva), os Deputados Rui Rio (PSD), Ana Catarina Mendonça Mendes (PS), Jerónimo de Sousa (PCP), Catarina Martins (BE), Cecília Meireles (CDS-PP), Inês de Sousa Real (PAN), José Luís Ferreira
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(PEV), André Ventura (CH), António Maló de Abreu (PSD), Luís Moreira Testa (PS), Mariana Silva (PEV), Lara Martinho e Nuno Fazenda (PS), João Cotrim de Figueiredo (IL), Afonso Oliveira (PSD), João Paulo Correia (PS), José Moura Soeiro (BE) e Tiago Barbosa Ribeiro (PS).
No encerramento do debate, intervieram os Deputados José Luís Ferreira (PEV), Inês de Sousa Real (PAN), Telmo Correia (CDS-PP), João Oliveira (PCP), Pedro Filipe Soares (BE), Adão Silva (PSD) e Carlos Pereira (PS) e o Ministro do Planeamento (Nelson de Souza).
Seguiu-se o debate preparatório do próximo Conselho Europeu, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei
de Acompanhamento, Apreciação e Pronúncia pela Assembleia da República no âmbito do Processo de Construção da União Europeia. Proferiram intervenções, além do Primeiro-Ministro, que abriu e encerrou o debate, os Deputados Luís Capoulas Santos e Edite Estrela (PS), Isabel Meireles (PSD), Fabíola Cardoso e Beatriz Gomes Dias (BE), Bruno Dias (PCP), João Pinho de Almeida (CDS-PP), Inês de Sousa Real (PAN), José Luís Ferreira (PEV), André Ventura (CH) e João Cotrim de Figueiredo (IL).
O Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 28 minutos.
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O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Funcionários, Sr.as e Srs. Jornalistas, está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 7 minutos.
Antes de dar início aos nossos trabalhos, peço à Sr.ª Secretária Deputada Maria da Luz Rosinha o favor de
ler o expediente.
A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Muito obrigada, Sr. Presidente. Muito boa tarde a todas e a todos.
Deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os Projetos de Lei n.os 512/XIV/2.ª (BE), 514/XIV/2.ª (PCP),
515/XIV/2.ª (PCP), 516/XIV/2.ª (PSD), 517/XIV/2.ª (PCP), 518/XIV/2.ª (PCP) e 519/XIV/2.ª (N insc.).
Deram também entrada na Mesa, e foram admitidas, as Apreciações Parlamentares n.os 29/XIV/2.ª (PCP) e
30/XIV/2.ª (BE) e o Inquérito Parlamentar n.º 7/XIV/2.ª (PS).
Foram ainda admitidos os Projetos de Resolução n.os 632/XIV/2.ª (PSD), 633/XIV/2.ª (CDS-PP), 634/XIV/2.ª
(CDS-PP), 635/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Cristina Rodrigues), 636/XIV/2.ª (BE), 637/XIV/2.ª (PEV),
639/XIV/2.ª (PEV), 640/XIV/2.ª (PAR), 641/XIV/2.ª (CDS-PP) e 642/XIV/2.ª (PAN).
Por fim, foi admitido o Projeto de Deliberação n.º 10/XIV/2.ª (PAR).
Terminei, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr.ª Secretária Maria da Luz Rosinha. Aproveito para cumprimentar os Membros do Governo, o Sr. Primeiro-Ministro e todos Ministros e
Secretários de Estado presentes.
Sr.as e Srs. Deputados, vamos dar início à ordem do dia, com o debate temático, solicitado pelo Governo,
ao abrigo do artigo 73.º do Regimento, sobre visão estratégica para o plano de recuperação económica de
Portugal 2020-2030.
Tem, então, a palavra, para abrir este debate, o Sr. Primeiro-Ministro.
Faça favor, Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, estamos colocados perante um triplo desafio: controlar a pandemia, recuperar da crise económica e social que a COVID-19 gerou e garantir que,
com a recuperação, construímos um futuro mais robusto, com menos desigualdades, mais próspero, mais
coeso e mais sustentável.
Estes desafios não se esgotam na emergência da saúde pública nem na urgência de proteger rendimentos,
empregos e empresas. Temos de ser mais exigentes, olhando no médio e longo prazo. A recuperação não
pode significar regressar onde estávamos em fevereiro deste ano. A recuperação tem de nos permitir acelerar
o futuro. Temos de sair desta crise mais fortes, com serviços públicos mais eficientes, empresas mais
capitalizadas e produtivas, com emprego mais qualificado e com melhores salários.
Por isso, é fundamental dispormos de uma visão estratégica com um horizonte duradouro, que seja um
guia orientador das políticas públicas e um quadro inspirador dos agentes económicos, da comunidade
científica, do setor social e da cidadania.
O trabalho desenvolvido pelo Prof. António Costa Silva oferece-nos, nos seus 10 eixos de atuação, uma
base sólida e ambiciosa para enfrentar o desafio da recuperação com os olhos postos no futuro.
Agora, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, cabe-nos concretizar esta visão, assegurando a estabilidade
de opções estruturantes e a coerência entre sucessivos instrumentos de política que teremos de adotar ao
longo da década. E daqui convido, mais uma vez, as forças políticas representadas nesta Assembleia, os
parceiros sociais, as regiões autónomas e as autarquias locais a que deem o seu contributo, porque a
superação desta crise é um desígnio que nos deve unir a todos.
O primeiro destes instrumentos é o programa de recuperação e resiliência, que tem de reforçar a nossa
robustez social, económica e territorial, acelerar a dupla transição digital e climática e respeitar as
recomendações específicas para Portugal, formuladas nos semestres europeus de 2019 e 2020.
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A primeira prioridade que temos de assumir é necessariamente responder às vulnerabilidades sociais que a
crise sanitária mais evidenciou: continuar a reforçar o SNS (Serviço Nacional de Saúde); melhorar as
respostas sociais aos mais velhos; responder às variadas carências habitacionais; integrar os territórios de
exclusão que fraturam as Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto.
A segunda prioridade é aumentar o nosso potencial produtivo, investindo nas qualificações, da
modernização do ensino profissional à formação ao longo da vida e ao aumento do número e diversificação
dos estudantes a frequentar o ensino superior; reforçando o interface entre a ciência e o tecido produtivo, na
indústria, nos serviços ou na agricultura; promovendo um conjunto de agendas mobilizadoras que suportem a
reindustrialização e reconversão em setores estratégicos para a nossa integração nas cadeias de valor ao
nível global.
Aplausos do PS.
A terceira prioridade é assegurar um território mais competitivo, externamente, e mais coeso, internamente.
Aqui, o grande esforço de investimento será estruturado entre a reforma da floresta e a modernização das
áreas de localização empresarial e das respetivas acessibilidades. Assentará, ainda, no reforço das ligações
transfronteiriças indispensáveis à afirmação da centralidade do nosso interior no conjunto do mercado ibérico.
Aplausos do PS.
E promoverá, ainda, uma maior eficiência hídrica, em regiões críticas como o Algarve ou o Alto Alentejo.
Estas três prioridades, de resposta às vulnerabilidades sociais, à necessidade de maior competitividade e
coesão territorial e aumento do potencial produtivo, reforçam-se entre si e têm importantes sinergias com a
aceleração das transições digital e climática: o investimento na mobilidade sustentável, em especial na
ferrovia, reforça a coesão territorial; a descarbonização da economia e a eficiência energética melhoram o
rendimento das famílias e a competitividade das empresas; a digitalização da Administração Pública é decisiva
para a redução dos custos de contexto; e a digitalização das nossas escolas assegura a igualdade de
oportunidades numa escola de futuro, sem deixar nenhum aluno para trás.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, este é um programa que conta e tem de ter a participação ativa das
autarquias, das empresas, da academia, do setor social. Só nesta parceria descentralizada conseguiremos a
eficiência indispensável ao pleno aproveitamento dos recursos extraordinários que nos são disponibilizados. O
bom uso destes recursos exige, também, um grande esforço de capacitação das entidades de gestão e,
simultaneamente, a máxima transparência na aplicação dos fundos e a mínima burocracia na sua gestão.
O Sr. Presidente: — Sr. Primeiro-Ministro, já ultrapassou largamente o seu tempo, pelo que descontar-se-á esse tempo, a seguir, no tempo do Governo.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Vou já terminar, Sr. Presidente. Esta é, Sr. Presidente, seguramente a maior crise que qualquer um de nós teve de enfrentar, num quadro
cheio de incertezas. É verdade que ainda é incerta a duração da pandemia, mas, por outro lado, é certa a
determinação de todos os portugueses em perseverar no seu combate e no caminho da recuperação. Este é o
momento em que, com toda a nossa energia, nos temos de concentrar em enfrentar e superar o triplo desafio
que temos pela frente: controlar a pandemia, recuperar Portugal, cuidar do futuro.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Vamos entrar na segunda fase do debate. Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Rui Rio, do Grupo Parlamentar do PSD.
O Sr. Rui Rio (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro: Aquilo que o País deve pretender com este plano de recuperação é, seguramente, responder a algumas necessidades de curto prazo, mas,
fundamentalmente, preparar o País para o futuro e para o longo prazo.
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Preparar o País para o futuro e para o longo prazo significa, na prática, conseguir que, no futuro, haja
melhores empregos, melhores salários e que os portugueses possam viver melhor do que vivem hoje. Para
isso, a prioridade tem de ser dada às empresas. São as empresas que fazem o investimento, que criam o
emprego e que transformam a competitividade global da economia portuguesa.
É no quadro deste objetivo que ouço o Governo dizer que pretende fazer, em 2020, um aumento muito
significativo do salário mínimo nacional. Sempre fui pelo aumento do salário mínimo nacional num quadro em
que o desemprego é baixo e em que a economia está a crescer, mas num presente em que o desemprego é
enorme e a economia está a cair, em que temos uma grande incerteza sanitária e em que a inflação é nula ou
até mesmo negativa, não provocando a erosão do poder de compra dos salários, a minha questão é: qual é o
objetivo do Governo ao aumentar o salário mínimo nacional? Fomentar mais o desemprego? Aumentar mais
as falências? Agravar os custos de empresas que, hoje, praticamente não têm vendas e não têm receitas?
Faz-me lembrar, aqui há uns anos, quando um Governo do PS, presidido pelo Eng.º Sócrates aumentou os
funcionários públicos em 2,9%, sem ter condições para o fazer e, a seguir, teve de cortar em 5%, 6%, 7%,
10% esses mesmos salários!
Aplausos do PSD.
Não é agradável dizer o que estou a dizer. Não rende um voto dizer o que estou a dizer, mas, em nome
daqueles que queremos defender, que são, precisamente, os mais desfavorecidos, pergunto se considera
sensato, neste enquadramento, e agora, agravar os custos das empresas desta maneira.
Aplausos do PSD.
A segunda questão que lhe queria colocar tem a ver com as verbas da União Europeia, que são quase 60
mil milhões de euros até 2027. Desse dinheiro, metade — 28 mil milhões — têm de ser consignados e em
grande parte utilizados nos próximos anos. É muito dinheiro e durante muito pouco tempo.
Portugal tem índices de corrupção elevadíssimos e o combate à corrupção em Portugal é, francamente,
ineficaz.
Aplausos do PSD.
Por isso, o meu receio, e penso que o receio de todos os portugueses, é que uma parte desse dinheiro vá
parar a bolsos indevidos: intermediários facilitadores, empresários desonestos, agentes públicos corruptos,
tudo isso está no nosso imaginário. A minha pergunta é a seguinte: o Sr. Primeiro-Ministro está de acordo com
esta preocupação? Se não está, temos, aqui, numa profunda divergência. Se tem essa preocupação presente,
a minha pergunta é se o Governo já tem alguma ideia sobre como vai prevenir essa onda de potencial
corrupção relativamente a tanto dinheiro em tão pouco tempo.
Deixo umas ideias: um observatório dedicado a esta matéria, uma lei penal agravada para este efeito, um
departamento especial da PGR (Procuradoria-Geral da República), ou tudo isto no seu conjunto, tudo isto e
mais alguma coisa.
A minha pergunta, clara, é esta: o Governo tem alguma ideia de como vai prevenir uma potencial corrupção
na utilização dos dinheiros da União Europeia?
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça Mendes, do Grupo Parlamentar do PS.
A Sr.ª Ana Catarina Mendonça Mendes (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A minha primeira palavra é para saudar o Governo, não só por ter ouvido todos os partidos
sobre os grandes desafios para o País nos próximos 10 anos, depois desta crise pandémica, e ainda sem
sabermos ao certo os seus efeitos económicos e sociais, mas também para saudar a existência deste debate.
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A única coisa de que não estávamos à espera, já neste início do debate, é que o Sr. Deputado Rui Rio
pudesse recuperar os argumentos que foram dados em 2015, precisamente pela sua bancada, sobre o
«papão» do aumento do salário mínimo, o aumento dos rendimentos das pessoas ou a devolução de direitos
sociais às pessoas,…
Aplausos do PS.
… como se isso fosse impedir o crescimento da economia.
Podemos parar o tempo e achar que só os últimos seis meses é que contam para a História de Portugal,
mas a verdade é que, desde 2015, não só aumentámos quatro vezes o salário mínimo nacional como
devolvemos rendimentos aos portugueses, devolvemos salários, melhorámos as contas públicas e com isso
baixámos o desemprego — em fevereiro deste ano atingimos a menor taxa de desemprego de sempre —…
O Sr. José Luís Carneiro (PS): — É verdade!
A Sr.ª Ana Catarina Mendonça Mendes (PS): — … e os Srs. Deputados acham que o grande problema vai ser podermos aumentar de novo o salário mínimo nacional em 2021.
Aplausos do PS.
Esse é mesmo o contributo de que eu não estava à espera que viesse do PSD, mas, enfim, faz jus à sua
história.
Mas, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, em nome do Grupo Parlamentar do
Partido Socialista, aquilo que quero sublinhar, dentro das várias coisas que este plano comporta, é
verdadeiramente o reforço do Estado social. É que se há coisa que a História também nos prova, e provou na
gestão destes meses de pandemia e de crise sanitária, foi que, verdadeiramente, um Estado social forte é
capaz de dar as respostas necessárias na saúde, na escola pública, na proteção social de todos os cidadãos.
Por isso, congratulamo-nos quando vemos inscrito neste programa de recuperação e resiliência uma fatia
significativa para reforçar não só o Serviço Nacional de Saúde mas também as políticas de habitação — e
sabemos como esta crise, com as suas vulnerabilidades, destapou um conjunto de desigualdades, sendo a
habitação condigna absolutamente essencial para todos os cidadãos —, a proteção social e o reforço do
nosso Serviço Nacional de Saúde.
E, Sr. Primeiro-Ministro, permita-me que o saúde, a si e ao Governo, pelo olhar atento que tem aos mais
velhos, aos que trabalharam uma vida inteira na nossa sociedade, pois este plano tem um programa que nos
parece absolutamente essencial, que é o investimento na Rede Nacional de Cuidados Continuados
Integrados, para dar dignidade a quem está em fim de vida.
Aplausos do PS.
É por tudo isto, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, que o Grupo Parlamentar aqui está, não para que o
programa responda e nos devolva a situação em que estávamos antes da COVID-19 mas para que possamos
dizer aos nossos filhos, aos nossos netos, que há futuro em Portugal, num Portugal mais desenvolvido, mais
coeso e mais solidário.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — É a vez do Grupo Parlamentar do PCP e do Sr. Deputado Jerónimo de Sousa ter a palavra, para uma intervenção.
Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro: A epidemia veio tornar ainda mais visíveis os problemas estruturais do País e acrescentou novos desafios que precisam de resposta. Não é
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possível ir ao encontro das necessidades dos trabalhadores, do povo e do País sem uma rotura com a política
que nos colocou nesta situação.
Portugal deve bater-se para que os fundos comunitários que venham a ser disponibilizados sejam
integrados numa estratégia nacional de desenvolvimento. Devem ser as prioridades nacionais, e não as
imposições da União Europeia, que devem determinar para onde vão os fundos comunitários. Esses fundos
devem responder às prioridades e necessidades do País em vez de serem desviados para os grupos
económicos, como aconteceu no passado.
Quanto à questão dos salários, aqui tão bem descrita pelo Sr. Deputado Rui Rio, que disse que vai perder
votos, que não ganha nenhum, diria: ai não que não ganha, particularmente do grande capital que está à
espera dessas verbas para encher os bolsos à custa dos trabalhadores,…
Aplausos do PCP e do PEV.
… como aconteceu no passado, secundarizando milhares de micro, pequenas e médias empresas que têm
sob a cabeça o cutelo da falência.
Como já tivemos oportunidade de afirmar, há três questões que consideramos centrais.
Primeira: para haver recuperação económica é preciso uma política de valorização dos salários e dos
direitos dos trabalhadores e dos rendimentos das camadas populares;
Segunda: para dinamizar a economia é preciso recuperar o controlo público de empresas e setores
estratégicos;
Terceira: é preciso uma política decidida de criação de emprego, a partir da valorização dos setores
produtivos e da produção nacional, mas também reforçando o emprego público, em particular com o
investimento nos serviços públicos, na saúde, na educação, na segurança social e em tantas outras áreas
onde há necessidades e dificuldades.
Na proposta apresentada pelo Governo não encontramos resposta a estas questões. Em muitos aspetos, o
plano que o Governo apresenta mantém as opções e orientações da política que fragilizou, ao longo dos anos,
o nosso País.
Sr. Primeiro-Ministro, o desenvolvimento do País e a resposta à crise exigem o aumento dos salários,
designadamente do salário mínimo nacional, exigem a valorização dos direitos dos trabalhadores, exigem o
combate à desregulação dos horários de trabalho. É que a vida destes últimos anos demonstrou como prova
irrefutável que a valorização dos salários é uma bela contribuição para o desenvolvimento económico e,
simultaneamente, para a progressão do próprio mercado interno.
Aplausos do Deputado do PCP João Oliveira.
Estas opções têm de traduzir-se, de forma concreta, no fim dos cortes salariais e na proibição dos
despedimentos, haja ou não haja lucros. Têm de traduzir-se no aumento geral dos salários, incluindo o salário
mínimo e os salários dos trabalhadores da Administração Pública, no pagamento do subsídio de risco,
penosidade e insalubridade. Têm de traduzir-se na revogação dos bancos de horas e era importante saber se
o Governo vai tomar medidas para que isto se concretize.
Em relação à recuperação do controlo público de setores estratégicos, há medidas urgentes que têm de ser
tomadas.
Falamos, entre outras, da recuperação do controlo dos CTT - Correios de Portugal, cujo contrato de concessão termina no final do ano; da recuperação do controlo público do Novo Banco, que é preciso pôr ao
serviço do País e da economia nacional; da garantia do futuro da TAP (Transportes Aéreos Portugueses) ou
da recuperação do controlo dos aeroportos nacionais, inclusivamente para desbloquear a construção do futuro
aeroporto.
Que opções vai o Governo tomar? E em relação ao emprego e aos serviços públicos?
É preciso criar emprego canalizando investimento para os setores produtivos e a produção nacional,
criando riqueza e postos de trabalho a partir das potencialidades produtivas que temos no País e cujo
aproveitamento só depende de decisão nacional.
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Os serviços públicos, que têm dado uma resposta inestimável às necessidades do povo nestes tempos
difíceis, precisam de investimento, de trabalhadores e de condições que lhes permitam cumprir plenamente o
papel insubstituível que têm na vida dos seus utentes.
Na saúde é preciso investimento em edifícios e em equipamentos, é preciso reforçar os profissionais, é
preciso recuperar a atividade programada dos hospitais mas também dos centros de saúde, garantindo que os
utentes não ficam à espera à chuva e ao frio, amontoados à porta.
Também na escola pública é preciso contratar os profissionais que fazem falta e garantir às escolas os
meios e condições necessários para que a educação possa cumprir os seus objetivos de justiça social.
Não faltam só 1500 auxiliares nas nossas escolas, faltarão mais perto de 5000, e é preciso que sejam
contratados e integrados devidamente na vida das escolas, com perspetiva de longo prazo e não apenas por
um período ou um ano letivo.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — O mesmo em relação a professores e técnicos, a quem é preciso dar condições de trabalho que garantam a segurança, a tranquilidade e a confiança necessárias às funções que
exercem.
O reforço das verbas e medidas da ação social escolar são um outro aspeto indispensável na garantia de
igualdade no acesso à educação.
Em matéria de proteção social é fundamental garantir agora os apoios a quem perdeu o emprego, o salário
ou caiu numa situação de pobreza ou de exclusão social.
É preciso avançar na criação de uma rede pública de lares de idosos e na contratação de trabalhadores
pela segurança social para reforço dos equipamentos sociais, de forma a garantir condições adequadas de
resposta, seja nos lares, nas creches e jardins de infância, nas instituições dedicadas às pessoas com
deficiência ou outras.
É preciso investir no alargamento da gratuitidade das creches, na criação de uma rede pública nos
transportes, na habitação, nas forças e serviços de segurança, na justiça e em tantas outras áreas. O
investimento público e a contratação de trabalhadores são opções que têm de ser tomadas em função das
necessidades do povo e do País, mesmo que contra os ventos e marés das regras do défice impostas pela
União Europeia.
Está ou não o Governo disposto a tomar essas opções?
A resposta a essa questão tem de ser dada com medidas e ação concreta, não se pode ficar por
compromissos abstratos de concretização sempre duvidosa e muito menos com pressões e ameaças de crise
política.
Por nós, daremos a nossa contribuição com propostas concretas que tenham como referência e objetivo
melhorar as condições de vida de todos os portugueses.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — É a vez do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda. Tem a palavra a Sr.ª Deputada Catarina Martins.
A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este é um debate que tem duas particularidades, sendo a primeira a que marca o fim dos debates quinzenais. Estamos agora num modelo em
que o PS e o PSD se associaram para diminuir o escrutínio ao Governo e, em vez de termos pergunta-
resposta sobre temas da atualidade, temos uma série de intervenções sobre um tema pré-definido.
Ora, o tema pré-definido, neste caso, é debater as linhas gerais de um programa para utilizar eventuais
dinheiros europeus, que ainda não se sabe se teremos ou não, porque, como sabem, os conselhos europeus
têm vindo sempre a adiar as decisões.
Por isso mesmo, Sr. Presidente, sem o Bloco de Esquerda deixar, ainda neste debate, de falar sobre esse
plano, que é também importante, eu vou, neste momento, dedicar-me às urgências do País.
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Sr. Primeiro-Ministro, a Ministra da Saúde disse, hoje, que havia mais médicos no Serviço Nacional de
Saúde. Não é isso que está nos números do portal do Serviço Nacional de Saúde. Na verdade, durante a
pandemia, o número de médicos do SNS foi descendo. Comparando com janeiro, tínhamos, em julho, menos
130 médicos de carreira e menos 452 internos. Há mesmo menos médicos no SNS. As listas de espera para
consultas ou cirurgias aumentam, há mais utentes sem médico de família e muitos profissionais de saúde
estão absolutamente exaustos. Só nos meses de verão fizeram mais de seis milhões e meio de horas
extraordinárias.
Teremos, previsivelmente, mais pressão no Serviço Nacional de Saúde, mas porque a crise pandémica é
também uma crise económica e social, teremos também uma vaga de despedimentos e de aumento do
desemprego.
Em julho, as pessoas em situação de desemprego eram já mais de 600 mil; destas, cerca de 400 mil estão
sem acesso a subsídio de desemprego, incluindo o subsídio social de desemprego. Diversas organizações no
terreno têm dado conta de que a pobreza está a disparar, com pedidos crescentes de apoio alimentar, e ainda
não está, sequer, garantida a proibição do corte de acesso a bens essenciais, pelo menos até ao final do ano.
Ouço, neste debate, o Partido Socialista falar num eventual futuro apoio a idosos, mas lembro que o
Governo ainda não concretizou a medida que estava prevista no Orçamento do Estado para 2020 de retirar os
filhos do cálculo do 3.º escalão para acesso ao complemento solidário para idosos, uma medida que é tão
importante para apoiar os idosos mais pobres do nosso País.
Até agora, tudo o que sabemos das intenções do Governo, além do plano de investimento com fundos
europeus, que ainda não são certos, é que pretende continuar a garantir o financiamento dos prejuízos do
Novo Banco, mesmo sabendo que pode estar a ser enganado pela Lone Star. E nem o pouco que já sabemos
sobre as perdas do Novo Banco e que está na auditoria que foi feita, ainda que incompleta, vai ser
integralmente divulgado, porque PS e PSD juntaram-se, esta manhã, para manter o segredo.
Enquanto o sistema financeiro continua protegido, o Governo tarda em cumprir o que acordou com o Bloco
de Esquerda no Orçamento do Estado para 2020 para proteger o Serviço Nacional de Saúde. E se há
urgência é mesmo a contratação de profissionais de saúde.
O Orçamento do Estado para 2020 previa mais 8400 profissionais contratados em 2020 e 2021. Ou seja,
este ano deviam ter sido contratados, de forma permanente, mais 4200 trabalhadores para o Serviço Nacional
de Saúde, para além das contratações devidas para substituição de reformas ou situações extraordinárias de
pico. Ora, estas contratações, que aumentavam de forma líquida o número de trabalhadores do SNS, pura e
simplesmente, não foram feitas.
O caso dos médicos, repito, é flagrante. Este ano, e no momento em que mais precisava, o SNS perdeu
quase 600 médicos. E não é que não existam, há 1000 médicos à espera de vaga para especialidade. Mas
tendo aberto, finalmente, concursos, as vagas não foram reforçadas, nem foram, de facto, contratados mais
médicos.
O caso dos restantes profissionais de saúde também não nos sossega. É certo que foram contratados,
para responder à COVID, cerca de 4000 trabalhadores, essencialmente enfermeiros e assistentes
operacionais. E como são necessários no Serviço Nacional de Saúde! Só que os contratos são precários e a
contratação dos cerca de 3000 profissionais previstos no programa de estabilização continua parada no
Ministério das Finanças.
Os profissionais de que o SNS precisa não podem ser contratados de quatro em quatro meses, o Serviço
Nacional de Saúde precisa de se organizar e precisa de contratação definitiva.
Os profissionais do SNS que estão na linha da frente todos os dias estão exaustos e, ao mesmo tempo, a
população espera e desespera pelas consultas, exames e cirurgias adiadas. Só que o Governo não está a
concretizar o reforço do Serviço Nacional de Saúde, que já foi aprovado, tanto no Orçamento do Estado para
2020, como no Orçamento Suplementar.
Sr. Primeiro-Ministro, o Bloco de Esquerda quer debater soluções, soluções para o País, apoio robusto
para quem perde emprego, salário, rendimento.
Já apresentámos publicamente as nossas propostas: reforço do subsídio de desemprego e subsídio social
de desemprego; criação do rendimento social de cidadania, para responder à brutal perda de rendimento dos
mais precários dos precários — temporários, microempresários, trabalhadores independentes, entre outros.
Ninguém pode ficar abaixo do limiar de pobreza no meio da crise pandémica.
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Apresentámos propostas para proteger o emprego, colocando como condição dos apoios públicos às
empresas não só a manutenção dos trabalhadores efetivos, mas também o prolongamento dos contratos
precários; a proibição, durante este período extraordinário e tão difícil, dos despedimentos, tanto nas
empresas que têm apoio, como nas que mantêm lucros; e o reforço da proteção legal dos trabalhadores,
como, aliás, já está a ser feito em Espanha.
Como podemos nós debater apoios à economia sem garantir mecanismos de proteção do emprego, do
salário? Para o Bloco de Esquerda é claro: queremos mais apoios à economia e queremos debater os seus
critérios. E os primeiros desses critérios têm de ser o emprego e o salário, porque, se não, todos os planos
que forem apresentados e debatidos podem bem servir para encher os bolsos de alguns mas não chegam a
quem conta, que é quem vive do seu trabalho.
Queremos, como é claro, garantir os serviços públicos essenciais, a saúde, desde logo, e, para ser
credível, que se cumpra o que foi orçamentado: 8400 novas contratações.
Sr. Primeiro-Ministro, estamos numa das maiores crises de que temos memória e no Bloco de Esquerda
não desconhecemos a enorme dificuldade que a crise coloca ao Estado e às administrações, mas estamos a
pouco mais de duas semanas da entrega pelo Governo da sua proposta de Orçamento e nada se sabe. O
Bloco de Esquerda está aqui para medidas consistentes e verdadeiras. O tempo para este trabalho é curto.
Precisamos de discutir, sim, o longo prazo, mas para o fazer precisamos de resolver as urgências, precisamos
de trabalhar nas soluções para o País.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Para intervir no debate, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Meireles, do Grupo Parlamentar do CDS-PP.
Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, começo por cumprimentar o Sr. Primeiro-Ministro, os Srs. Ministros e os demais Membros do Governo.
Nesta nova fase que inauguramos, nesta sessão legislativa, em que o Sr. Primeiro-Ministro apenas se
desloca aqui para tratar de questões muito importantes para o nosso futuro, gostaria de começar por lhe dizer
que este assunto do plano de recuperação é, de facto, muito importante para o nosso futuro. Não acho é que
«importância» seja sinónimo de grandes frases, grandiloquentes, mas, com toda a franqueza, bastante vazias.
Portanto, Sr. Primeiro-Ministro, gostaria de começar por lhe fazer uma pergunta sobre o que eu chamaria de
um «caso prático», um teste prático, digamos assim.
Ouvi-o com atenção e disse que é preciso acelerar o futuro. Falou-se aqui de deixar um Portugal melhor
para os nossos filhos e ouvi na semana passada anunciar uma medida que me pareceu o oposto disto,
porque, falando no futuro, acho que faz sentido falarmos em crédito e em dívidas.
No fundo, as dívidas são o que não resolvemos agora e deixamos para o futuro e o Sr. Primeiro-Ministro
sabe, com certeza, que há muitas empresas em Portugal, sobretudo empresas mais pequenas, mais frágeis
do ponto de vista da sua tesouraria, que não só viram o seu negócio parar como ainda o não viram recuperar e
sabem que têm, nos próximos meses, o fim de algumas moratórias, o fim dos pagamentos fracionados à
segurança social, o fim de pagamentos fracionados de impostos, o fim de moratórias fiscais e, pura e
simplesmente, percebem que não vão ter dinheiro para isto tudo.
Então, o Governo lembrou-se de lançar uma medida — só espero que esta notícia seja falsa, Sr. Primeiro-
Ministro, porque absurda é, com certeza —, que é a seguinte: «Governo cria linha de crédito para financiar
pagamento de impostos». Ou seja, o Governo sabe que há empresas que não têm tesouraria — traduzindo,
não têm dinheiro — para pagar os impostos, certamente não têm dinheiro para pagar os impostos e os
salários, e, então, a conclusão que o Governo retira daí não é a de que há impostos a mais, não é a de que
são precisas moratórias ou novos fracionamentos de impostos, a conclusão que tira é dizer às empresas:
«Vão financiar-se junto da banca; paguem juros aos bancos, porque o Estado tem de receber e já!». Até diz:
«É melhor pagarem juros aos bancos, porque os juros que o Estado vos cobra pelos atrasos são maiores do
que os juros que os bancos vos cobram».
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Sr. Primeiro-Ministro, vir falar em futuro, em grandes planos, em eixos estratégicos e depois falhar numa
coisa tão essencial, tão básica, e achar que é normal ou razoável dizer a um profissional liberal: «Endivide-se
para pagar os seus impostos» ou «endivide-se para se poder candidatar a um fundo», é, de facto, viver
alheado da realidade. Acho muito difícil dizer a um profissional liberal: «Não tem dinheiro para pagar os seus
impostos? Vá endividar-se junto da banca e depois deixe a conta para os seus filhos pagarem!», ao mesmo
tempo que vem dizer-lhe que há um grande plano com eixos objetivos e dinamismos sobre o futuro.
É este caso prático que queria deixar-lhe e, já agora, queria fazer-lhe uma pergunta muito concreta. Há
uma solução para isto, que é uma descida cirúrgica de alguns impostos, sobretudo os que têm a ver com
adiantamentos ao Estado ou uma nova moratória. E, falando do futuro — até porque o Sr. Primeiro-Ministro
disse, e nisso estou de acordo consigo, que é preciso que este dinheiro chegue rapidamente e seja bem
executado —, esta medida, que, na verdade, não é de dar dinheiro, é de não tirar, tem uma enorme vantagem:
é de simples execução e é praticamente automática, não são precisos funcionários, não são precisas
escolhas, não é preciso nada. É preciso apenas ter vontade e assumir que, de facto, o Estado não pode cobrar
tanto às pessoas, porque elas têm menos rendimentos. Ponto final!
Em segundo lugar, e falando agora de prioridades, também lhe queria deixar esta pergunta. O Sr. Primeiro-
Ministro disse: «Não devemos cair em simplificações entre Estado e empresas». Sr. Primeiro-Ministro, não
devemos, de facto, mas quem começou esta discussão sobre a visão estratégica como uma espécie de
alternativa entre um concurso de ideias e uma discussão ideológica um tanto simplificada, não foi ninguém
neste Parlamento, foi quem o Sr. Primeiro-Ministro contratou para esta empreitada.
Tendo eu lido toda a visão estratégica, percebi que há 10 eixos prioritários, três blocos e paradigmas,
agendas mobilizadoras, transições, reconversões, inovações, implementações, qualificações,
infraestruturações, instrumentos, variáveis, triplos desafios. Há tudo e mais alguma coisa, Sr. Primeiro-
Ministro, menos medidas concretas!
Portanto, Sr. Primeiro-Ministro, trocando em miúdos, gostaria de saber do que estamos a falar. E esta é a
parte mais curiosa desta estratégia, vou ler-lha: «A definição de um modelo de governação que inclua uma
clarificação das prioridades, dos calendários e dos agentes envolvidos». Dou-lhe aqui uma sugestão para um
modelo de governação que defina as prioridades: que o Sr. Primeiro-Ministro, afinal, em concreto, diga do que
estamos a falar. Estamos a falar de uma lista de obras públicas ou de uma diferença concreta na nossa
economia? E, se sim, em quê? É tão simples como isto.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Para intervir no debate, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do PAN. Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, restantes Membros do Governo: No ano passado, quando discutimos o Orçamento do Estado, vivíamos um
tempo completamente diferente. Na altura, não podíamos valorizar os profissionais porque caminhávamos
para um excedente orçamental; desta feita, não podemos valorizar os profissionais, não podemos investir em
áreas tão estruturantes para o País como o Serviço Nacional de Saúde, a educação, entre outras, porque
estamos perante aquela que é uma crise socioeconómica sem precedentes.
Sr. Primeiro-Ministro, a par de todas estas crises e necessidades, há uma crise que também continuamos a
viver, a crise climática, que é bastante complexa e para a qual precisamos de medidas mais arrojadas e ação
concreta.
Por isso, não podemos deixar de olhar para esta agenda, que não dá, assim, a oportunidade a uma visão
mais progressista para uma agenda sustentável, que é aquela de que o País precisa, nomeadamente nas
suas opções estruturais. Ao contrário, verificamos que este plano assenta num modelo económico
absolutamente obsoleto, com uma lógica de economia de consumo exacerbado de recursos, serviços e bens
de consumo e numa pegada ecológica insustentável.
Isto é bem patente ao nível do turismo, por exemplo, onde o programa defende uma diversificação da
atividade turística e a necessidade de reduzir as emissões dos gases dos transportes, mas mantém esta
atividade como pilar estrutural da economia nacional, sem resolver, contudo, os impactos ambientais e sociais
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negativos desta atividade, nomeadamente no que respeita à precariedade laboral, aos problemas de habitação
e à pressão sobre as cidades. É incompreensível a negação da realização de um estudo de carga turística,
que continua a não estar no leque de medidas a tomar na fase de recuperação económica.
Sr. Primeiro-Ministro, parece-nos fundamental que esta revisão seja carreada para o plano e que, acima de
tudo, se faça este estudo. Portanto, desde logo, uma das primeiras perguntas que se impõe é esta: para
quando este estudo na área turística, de que o País tanto carece?
Mas para além das contradições, este plano é marcado por uma certa ingenuidade e falta de ambição.
Ingenuidade visível na crença de que a extração de recursos, em terra ou no mar, é compatível com a
sustentabilidade de ecossistemas, sem que sejam impostas linhas vermelhas claras em matéria ambiental.
Sr. Primeiro-Ministro, o País e o planeta precisam de ação e precisam também de uma visão disruptiva. Por
isso mesmo, precisamos de saber se o Governo vai ser realista e vai assumir os custos e riscos associados a
estas atividades ou se vai fazer prevalecer a crença de que as novas tecnologias são a varinha mágica que vai
salvar os ecossistemas.
Não deixamos, contudo, de reconhecer alguma bondade em algumas medidas do plano de Costa Silva,
nomeadamente, de saudar algumas propostas que convergem com as preocupações do PAN para a transição
económica e social, como sejam a aposta na ferrovia, o aumento da melhoria nos transportes públicos, a
aposta na digitalização, apesar de tardia, ou a aposta no turismo de natureza, em contraste com aquela que é
a excessiva dependência do País no setor do turismo tradicional.
Congratulamo-nos, ainda, com os esclarecimentos prestados pelo Prof. Costa Silva, na audição da semana
passada, nomeadamente ao ter clarificado que não defende a exploração mineira e de recursos naturais em
áreas protegidas, que a Convenção de Albufeira deve ser renegociada, que deve ser realizado um estudo de
carga turística para o País, como o PAN há muito propõe, e que a opção de localização do novo aeroporto de
Lisboa em Beja, com ligação ferroviária de alta velocidade a Lisboa, é uma hipótese que deve ser estudada.
Por fim, Sr. Primeiro-Ministro, não podemos deixar de destacar que o Prof. Costa Silva reconheceu que o
modelo socioeconómico vigente deve ser revisto à luz dos limites planetários, algo que não é tido em
consideração no plano que apresentou.
Mas, Sr. Primeiro-Ministro, o que não podemos deixar de lhe perguntar, a este tempo, é se vai ou não
incluir estas preocupações no documento final e na visão que vai apresentar para o País.
Por outro lado, não podemos também deixar de lhe apontar algumas incoerências entre a narrativa e as
medidas apresentadas.
Desde logo, temos propostas para a economia circular — está certo! —, mas o silêncio é total em relação a
medidas concretas para reduzir a produção de resíduos, que é um dos maiores flagelos ambientais do País e
do planeta.
O plano defende uma aposta na indústria transformadora, designadamente nos moldes e injeção de
plásticos. Contudo, Sr. Primeiro-Ministro, como é possível uma aposta nos plásticos e que tal seja compatível
com a vida nos oceanos?! Como é possível termos uma proposta desta natureza quando o mundo reconhece
que uma das prioridades ambientais do nosso tempo, em defesa do ambiente e da saúde pública, passa
precisamente pelo combate ao uso de plásticos e microplásticos?!
O plano também defende uma aposta na economia de extração da floresta, com a integração de cadeias
de mobiliário, cortiça, pasta de papel, ou seja, basicamente, eucaliptos e pinheiros. De que forma pretende o
Governo conciliar essa aposta com aquilo que tem de ser necessariamente o combate às alterações
climáticas, aos incêndios, à recuperação de habitats e ecossistemas e à proteção da biodiversidade?
Este plano é, ainda, totalmente omisso quanto à necessidade de reduzir as emissões no setor da pecuária.
E, a este propósito, Sr. Primeiro-Ministro, aquilo que perguntamos é até quando vamos continuar a ignorar
este problema e, também, sobretudo, que propostas para o futuro dos nossos jovens no atual enquadramento,
seja a nível da educação, seja a nível da empregabilidade e da salvaguarda dos seus direitos no que respeita
ao meio ambiente, que também continuam, de alguma forma, omissos.
Este plano é ainda insuficiente no que respeita à dimensão do impacto que as medidas de recuperação da
economia têm em matéria de igualdade entre homens e mulheres, combate à pobreza e exclusão social, em
particular da população mais velha.
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Assim, Sr. Primeiro-Ministro, para concluir, e tendo em conta que também não há uma única medida de
combate à corrupção, de transparência no uso dos fundos comunitários e daquela que possa ser a
participação cidadã, até onde está o Governo disponível a ir?
O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, tem de concluir.
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Concluo já, Sr. Presidente. Aquilo que se impõe saber neste debate, Sr. Primeiro-Ministro, é como daremos resposta a estes grandes
desafios e que pontes está o Governo disponível para construir, nomeadamente no âmbito das preocupações
do PAN.
O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira, de Os Verdes.
O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Tal como Os Verdes já tiveram oportunidade de afirmar no encontro que tivemos com o Sr. Primeiro-Ministro e
com outros Srs. Membros do Governo, receamos estar perante uma oportunidade perdida, e isto não pode
voltar a acontecer, sobretudo numa altura em que o País e o mundo se confrontam com uma grave crise de
saúde pública e com impactos ainda incalculáveis tanto do ponto de vista económico quanto do ponto de vista
social, crise que, aliás, tem na sua origem os desequilíbrios que se criaram na relação do homem com a
natureza e que veio confirmar as grandes debilidades dos países e dos povos que estão subordinados a um
modelo de crescimento globalizado, sustentado no saque da natureza e nas desigualdades sociais e
territoriais.
Portanto, mais do que nunca é preciso garantir respostas às necessidades do presente, até porque são
muitos os que dependem dessas respostas, mas é também necessário pensar o futuro, delineando caminhos
de sustentabilidade, nos quais a economia e a produção têm de caminhar lado a lado com a defesa da
natureza e com a justiça social.
Sucede que, das sugestões apresentadas pelo Prof. Costa Silva para o plano de recuperação da
economia, traduzidas, de certa forma, em propostas de financiamento no plano de recuperação e resiliência
que foi apresentado pelo Governo, a soberania alimentar e a conservação da natureza, que são dois pilares
estratégicos da resiliência de um país e de um povo perante catástrofes de toda a ordem, são praticamente
ignoradas. De facto, a visão e o financiamento apresentados para o reforço do potencial produtivo, a coberto
do manto da investigação e da inovação, estão todos eles virados para a agricultura intensiva e agroindustrial,
que provoca, como sabemos, graves impactes ambientais, deixando completamente de fora a agricultura
familiar, que continua a desempenhar um papel social e ambiental fundamental, nomeadamente no que diz
respeito ao combate à desertificação.
A agricultura familiar é, sem dúvida, a que mais vocacionada se encontra para garantir a soberania
alimentar, para procurarmos essa soberania alimentar, de uma forma equilibrada, diversificada e numa relação
de proximidade com os consumidores, questões fundamentais quando estamos confrontados com pandemias
como aquela que estamos a viver, mas também com a ameaça das alterações climáticas.
Portanto, Sr. Primeiro-Ministro, não vemos nestas propostas nenhum financiamento que venha beneficiar a
agricultura familiar e nenhum instrumento que possa privilegiar a produção alimentar virada para o consumo
interno e para assegurar a nossa soberania alimentar. O que pergunto, Sr. Primeiro-Ministro, é se estaremos
enganados, se somos nós que estamos a ver mal o «filme».
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado André Ventura, do Chega.
O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Primeiro-Ministro apresentou-nos um programa de recuperação e resiliência em que falou de coesão territorial e é impressionante que, nessa
coesão territorial, não tenha mencionado o Algarve uma única vez. A região do País onde o desemprego
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aumentou 200%, a par da região de Lisboa, não tem uma única menção do Primeiro-Ministro, no que se refere
a esta verdadeira tragédia nacional que é o desemprego.
Mas hoje o Sr. Primeiro-Ministro tem de responder a outra coisa: por que razão é que, em Portugal, há dois
países, o país público e o país privado, em que uns recebem 1,8 mil milhões e os coitados das empresas e
das famílias vão receber menos de metade desse valor?! São dois países para agradar à esquerda, deixando
os que pagam impostos e que sustentam este País fora do seu bolo de investimento, simplesmente porque
são do setor privado, do setor social ou do setor cooperativo. É uma espécie de «salve-se quem puder, se
puderem e da forma que puderem, porque nós não estaremos cá para ajudar».
Mas traz-nos também um programa de habitação pública, no fundo a dizer «não se preocupem, porque os
mesmos de sempre vão continuar a receber o mesmo de sempre e aqueles que andaram anos a pagar
impostos, a sustentar os privilégios de quem não quer fazer absolutamente nada, veem-se agora a pagar
habitação pública para todos, mais barata e até, se possível, de graça, já que estamos cá sempre para pagar e
a classe média está disponível».
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado, porque já ultrapassou o tempo de que dispunha.
O Sr. André Ventura (CH): — Vou terminar, Sr. Presidente, dizendo o seguinte: a dívida pública atingiu hoje 133% do PIB, um nível histórico nunca antes visto. E quero perguntar-lhe…
O Sr. Presidente: — Tem de terminar, Sr. Deputado.
O Sr. André Ventura (CH): — Vou terminar, Sr. Presidente. Quero perguntar-lhe, olhos nos olhos, Sr. Primeiro-Ministro, se vamos ou não ter impostos europeus para
financiar estas medidas.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Maló de Abreu, do Grupo Parlamentar do PSD.
O Sr. António Maló de Abreu (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Os números de infetados por COVID-19, de internamentos e de mortes não param de aumentar, Sr. Primeiro-
Ministro — tristemente! — porque a primavera de propaganda do milagre português, com que se engalanou,
não se confirma. Infelizmente!
O que procuro cuidar de saber é se tem a noção de quantos portugueses foram vítimas da pandemia, não
por terem contraído COVID, mas por terem medo ou por terem encontrado fechadas as portas do Serviço
Nacional de Saúde, em resultado da sua política. É que a inatividade do SNS, já em perda e depois
concentrado na pandemia, bateu de frente nos doentes todos, como um tsunami causado por si ou mandado
por si, ou autorizado por si, ou do seu conhecimento, enquanto Chefe do Governo.
E, a propósito de visão estratégica, pergunto-lhe: onde andava o Governo quando, ainda em janeiro, o PSD
pediu «medidas, face à possibilidade de propagação global do novo coronavírus», já que só apresentaram o
plano em 10 de março, ou seja, mais de um mês depois, quando apareceram os primeiros casos em
Portugal?!
Por onde andava o Governo que temos quando dizíamos que os lares poderiam vir a ser o grande foco,
que não definiu atempadamente fortes medidas preventivas, deixando quase entregues à sua sorte os frágeis
e vulneráveis de hoje, a geração que mais sofreu e mais combateu, porque esteve na guerra, mas também fez
Abril?!
Onde anda o Primeiro-Ministro da promessa de um médico de família para todos os portugueses em 2017,
quando, três anos depois, 1 milhão deles ainda desespera?! Palavra dada não é palavra honrada quando
quem pode não faz o que pode e não faz o que deve.
Aplausos do PSD.
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Por onde andava o Primeiro-Ministro que temos quando o Governo que temos não regulamentou a
compensação aos trabalhadores do SNS envolvidos no combate à pandemia, como a lei lhe impunha que
tivesse feito, até há um mês?! Os soldados anónimos da linha da frente nunca esquecerão os que deles se
esqueceram, ou não!
A propósito de visão estratégica falou o seu ex-Ministro da Saúde, quando aconselhou a «alinhar o
discurso político com a realidade», ou seja, a abandonar a narrativa fantasiosa do «país das vacas que voam»,
que o mesmo é dizer «haja alguém que nos governe».
Já passámos por todos os estados — de calamidade, de emergência, de contingência —, estamos agora
entregues ao estado a que isto chegou! Mas o compromisso do PSD mantém-se, primeiro com Portugal e,
exclusivamente, com os portugueses, sem deixar ninguém para trás.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Testa, do Grupo Parlamentar do PS.
O Sr. Luís Moreira Testa (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Tenho aqui um conjunto de questões para colocar ao Sr. Primeiro-Ministro, mas, antes, gostaria de fazer um
comentário sobre a intervenção que me precedeu.
A intervenção que me precedeu, bem escrita, bem articulada, bem vocalizada, não passa de uma miríade
na cabeça do Sr. Deputado, que mais não é do que um desejo que o Sr. Deputado gostaria que se verificasse
na vida de todos os portugueses.
Portugal é um país que se tem levantado todos os dias para combater, exatamente, o estado a que isto
chegou.
Sr. Primeiro-Ministro, Portugal é um país desequilibrado há décadas. Esse desequilíbrio tem razões
históricas, umas mais profundas do que outras. O Governo que V. Ex.ª lidera, e que iniciou funções na última
Legislatura, tem combatido, de forma eficaz, algumas dessas assimetrias, mas existem outras que são mais
resistentes, porque mais profundas. E essas, que são mais resistentes e têm raízes mais profundas, têm,
primeiro, despovoado o interior do País, seguidamente, têm colocado pressão sobre as grandes cidades e
têm-se traduzido numa dificuldade de utilização global dos recursos nacionais, porque a capacidade de
explorar esses recursos está concentrada nas regiões contrárias àquelas em que residem esses mesmos
recursos que permanecem no território.
Este plano que hoje nos é trazido aqui, à Assembleia da República, pelo Governo de V. Ex.ª robustece de
forma evidente a resposta que é dada desde o início da última Legislatura e que, mais do que política, é uma
resposta eficaz no terreno.
Se temos um país desequilibrado, onde, por um lado, temos força capaz de transformar a realidade e, por
outro, noutra dimensão, temos recursos por explorar, é preciso conjugar estas duas realidades para que
possamos utilizar, na sua plenitude, os recursos que estão ao nosso dispor, criar cadeias de valor,
reindustrializar e criar competitividade, de uma forma global, utilizando também aquilo que chamamos, porque
o é, o interior do País.
Saudamos a forma eficaz como isto tem sido abordado, a forma como esta questão tem sido delimitada na
ação política e, sobretudo, como tem constituído um pilar fundamental na visão de futuro que temos de ter
para o País.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Silva, de Os Verdes, para uma intervenção.
A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro: Nas sugestões apresentadas pelo Prof. Costa Silva para o plano de recuperação económica
de Portugal 2020-2030, traduzidas em propostas de financiamento no plano de recuperação e resiliência,
apresentado pelo Governo, promete-se o reforço do Serviço Nacional de Saúde e a aposta na ferrovia.
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Os Verdes consideram que estas são áreas que precisam mesmo de muita resiliência. Este reforço era, há
muito, necessário e foram inúmeras as vezes que o reclamámos. A epidemia só veio realçar as debilidades
destes setores fundamentais para a vida das populações e para o desenvolvimento do País. Veremos se os
reforços prometidos não passam apenas de anúncios e intenções.
Assim sendo, e visto que estamos na Semana Europeia da Mobilidade, é sobre o investimento na ferrovia
que gostava que nos esclarecesse.
No quadro da apresentação do plano de recuperação e resiliência, colocou a possibilidade de a aquisição
de material circulante ferroviário, apresentada e enquadrada na proposta para a mobilidade sustentável,
orçada em 975 milhões de euros, vir a ser financiada por outro instrumento europeu, o Connecting Europe
Facility, e de as verbas que lhe são atualmente destinadas serem desviadas para as intervenções no metro de
Lisboa e do Porto.
Ora, segundo sabemos, o Connecting Europe Facility não permite a aquisição de material circulante,
estando este instrumento europeu destinado a financiar infraestruturas.
Como tal, gostaríamos que nos garantisse hoje que a aquisição de material circulante ferroviário,
fundamental para o equilíbrio demográfico do território e para o desenvolvimento justo e sustentável do País,
vai manter-se neste plano de recuperação e resiliência.
O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Lara Martinho, do Grupo Parlamentar do PS, para uma intervenção.
A Sr.ª Lara Martinho (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Primeiro-Ministro: Estamos perante um desafio colossal, que só será superado se conseguirmos alcançar três fatores
críticos de sucesso.
O primeiro fator é o de sabermos para onde queremos ir. Felizmente, o Sr. Primeiro-Ministro abriu o futuro
à sociedade com a elaboração da Visão Estratégica pelo Prof. Costa Silva, com centenas de contributos, e,
em complementaridade, nos Açores, o Governo Regional abriu o futuro à sociedade e criou a ambiciosa
Agenda para o Relançamento Social e Económico, com 250 medidas para dar resposta às especificidades
regionais.
Teremos, pois, uma visão global e integrada do que devem ser as apostas para os próximos anos. É certo
que é impossível anteciparmos completamente o futuro, mas é também perante esta incerteza que se revela
tão importante termos um plano ou uma agenda.
Sr. Primeiro-Ministro, para implementarmos uma boa estratégia, é também importante termos recursos.
Este é o segundo fator crítico de sucesso, o resultado extraordinário da negociação dos novos fundos
comunitários.
No caso dos Açores, a abertura deste Governo a um reforço de quase 100% das verbas é um sinal claro
não só da importância que o Sr. Primeiro-Ministro e o seu Governo têm dado às autonomias, mas também do
papel que estas podem e devem ter na recuperação e no futuro do nosso País. Temos agora, todos, como o
Sr. Primeiro-Ministro referiu, a gigantesca responsabilidade de utilizar bem estas verbas.
O terceiro fator é o da cooperação. Hoje, mais do que nunca, a cooperação revela-se crucial. Só com o
envolvimento de todos — Governo central, Governos regionais, autarquias, empresas e instituições — será
possível concretizarmos esta visão e executarmos estes fundos. Só com esta visão de futuro, de cooperação e
de confiança no papel das autonomias podemos garantir que nenhuma região fique para trás. Apenas juntos
poderemos vencer este desafio!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Ainda para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do PS, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Fazenda.
O Sr. Nuno Fazenda (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro e demais Srs. Membros do Governo: Hoje estamos a discutir o futuro para enfrentarmos a maior crise de sempre e nunca o futuro
dependeu tanto do que coletivamente formos capazes de pensar e planear no presente.
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O Governo fez o trabalho que se lhe exigia até ao momento: conseguiu, com sucesso, obter o maior pacote
de fundos europeus de que há memória e tem estratégia para os utilizar bem — e isso não pode deixar de ser
reconhecido.
Agora, o desafio é o de afinar a estratégia e passar da estratégia à ação. Esta é uma responsabilidade que
cabe a todos: ao Governo, aos partidos políticos para gerar consensos, às instituições e aos milhares de
promotores públicos e privados, que terão de conceber bons projetos e executá-los dentro dos prazos. É, pois,
um desafio que convoca todos, que não dispensa ninguém.
Coletivamente, temos de dar respostas rápidas ao País. Diz o provérbio popular que «depressa e bem não
há quem», mas, no caso dos fundos comunitários, terá mesmo de ser assim. O País exige e Portugal terá de
executar, por ano, duas a três vezes mais do que em qualquer um dos anteriores quadros comunitários.
É precisamente por isso, pelo sentido de urgência que vivemos, que, mesmo sem termos ainda a
aprovação final do pacote de fundos comunitários por parte da Europa, o Governo tem vindo antecipadamente
a definir uma estratégia e a atuar em vários pontos críticos para termos uma execução célere dos fundos
comunitários.
Destaco três pontos críticos.
Em primeiro lugar, tem implementado, com resultados positivos, o programa Simplex em diferentes áreas,
incluindo medidas na área dos fundos comunitários. Ainda assim, sem se perder o rigor e a transparência, é
essencial continuar a agilizar procedimentos e a eliminar barreiras burocráticas. Este é um ponto crítico.
Em segundo lugar, a descentralização em curso será essencial para promover uma boa aplicação dos
fundos comunitários, assumindo as CCDR (comissões de coordenação e desenvolvimento regional) e as
entidades intermunicipais um papel-chave.
Em terceiro e último lugar, refiro a capacitação da Administração Pública. O trabalho realizado pelas atuais
estruturas do Portugal 2020 deve ser reconhecido, mas, agora, a exigência é muito maior. Por isso, a transição
digital e o recrutamento de 1000 técnicos superiores na Administração Pública são medidas muito importantes
que estão em curso e que devem ser continuadas.
É neste sentido que questiono o Sr. Primeiro-Ministro sobre a importância de termos uma execução célere
dos fundos comunitários, uma vez que este será o ponto crítico para recuperar Portugal e cuidar do futuro.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Está inscrito, para uma intervenção, o Sr. Primeiro-Ministro, António Costa.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, creio que é para responder às questões.
O Sr. Presidente: — Sr. Primeiro-Ministro, este debate não tem uma fase de questões e uma fase de intervenções. Segundo a grelha, este tipo de debate tem três fases, a de abertura, a de debate e a de
encerramento. Neste momento, estamos na fase de debate.
O Sr. Primeiro-Ministro inscreveu-se para esta fase, pelo que tem, então, a palavra para uma intervenção.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A primeira condição para podermos utilizar bem os recursos extraordinários, que constituem, efetivamente, uma responsabilidade gigantesca para
o nosso País e que são disponibilizados pela União Europeia, é a de começarmos por desenhar bem esse
programa. A razão pela qual o Governo promoveu e solicitou à Assembleia da República a realização deste
debate é a de entendermos e acreditarmos que um bom programa é aquele que conta com a contribuição de
todos.
Aplausos do PS.
Sr. Deputado Rui Rio, não posso deixar de lhe dizer que, quando estamos a discutir um programa desta
importância estratégica para o futuro do País, das nossas empresas, das novas gerações, ao nível das
carências sociais profundas do nosso País e da necessidade de aumentarmos o nosso potencial produtivo,
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para mim, é de uma enorme perplexidade que o Sr. Deputado intervenha neste debate sem uma única ideia
ou uma única proposta para o futuro. Fico completamente perplexo!
Aplausos do PS.
A única ideia que revelou sobre o futuro ficou implícita na sua preocupação com o salário mínimo nacional.
Até me pareceu ouvir o seu antecessor, quando, em 2016, explicou que o aumento do salário mínimo nacional
que íamos introduzir ia destruir a criação de emprego, ia destruir as empresas e ia destruir a economia. Aquilo
que demonstrámos ao seu antecessor — e, seguramente, o senhor estará cá para ver também — foi que o
reforço do rendimento das famílias é uma condição essencial de revitalização da economia do nosso País.
Aplausos do PS.
As empresas do futuro não são as empresas de baixos salários, são as empresas que beneficiam do
investimento na inovação, as empresas que vão reforçar o seu capital, as empresas que vão aumentar a sua
presença no mercado externo, as empresas que se estão a modernizar. Essas são as empresas do futuro e é
para essas empresas que este programa olha, não é para as empresas que contam os cêntimos sobre o
aumento do salário mínimo nacional.
Quem conta os cêntimos do salário mínimo nacional e tem mesmo de ter uma resposta são aqueles que
ganham o salário mínimo nacional. A esses temos de responder: «Sim, vamos ter de prosseguir a trajetória de
aumento do salário mínimo nacional.»
Aplausos do PS.
Sr. Deputado, a preocupação com a corrupção é algo que, felizmente, me acompanha e sobre o qual tenho
provas dadas ao longo de uma vasta carreira política, desde Ministro da Justiça a autarca. Como o Sr.
Deputado me conhece bem, far-me-á, seguramente, a justiça de não ter dúvidas sobre isso.
Aplausos do PS.
Essa é uma preocupação que se concretiza, também, quanto à execução dos fundos. Como sabe,
apresentámos, nesta Assembleia da República, uma proposta de lei sobre a contratação pública que,
eliminando a burocracia, reforça o seu acompanhamento, designadamente propondo uma comissão de
acompanhamento que integra eleitos por esta Assembleia da República.
Aplausos do PS.
O Sr. Deputado não terá conhecimento, mas ficará a saber que, desde o ano passado, a Agência para o
Desenvolvimento e Coesão, que gere os fundos comunitários, tem um protocolo com o DCIAP (Departamento
Central de Investigação e Ação Penal), de forma a permitir e a agilizar a fiscalização e o acompanhamento,
por parte do Ministério Público, da boa gestão dos fundos comunitários.
Aplausos do PS.
É também por isso que, neste momento, temos em debate público uma Estratégia Nacional de Combate à
Corrupção, que espero que se traduza rapidamente em iniciativas legislativas concretas para reforçar o
arsenal de combate à corrupção, que, essencialmente, ainda é o mesmo que esta Assembleia aprovou
quando eu era Ministro da Justiça, sob iniciativa e proposta do Governo.
Aplausos do PS.
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Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, retive, mais uma vez, como tenho feito disciplinadamente desde a sua
intervenção no encerramento da Festa do Avante!, as múltiplas preocupações que revela e que terão
expressão no próximo Orçamento do Estado, às quais procuraremos corresponder no âmbito da apreciação
conjunta que temos em curso.
Agora, este programa de recuperação e resiliência é uma oportunidade única não de fazermos aquilo que a
União Europeia nos impõe, mas de dizermos à União Europeia o que desejamos fazer. Foi por isso que
trouxemos este programa a debate.
Se o Sr. Deputado tiver em conta os documentos que entregámos e partilhámos na passada segunda-feira,
em investimento no conjunto das vulnerabilidades sociais, na escola pública, nas qualificações, nos
transportes públicos, temos cerca de 6,6 mil milhões de euros previstos neste programa. Não falta ambição
para responder às necessidades concretas e sociais do nosso povo, as quais estão espelhadas na proposta
de programa que apresentámos.
Aplausos do PS.
Sr.ª Deputada Catarina Martins, sinto-a insegura relativamente àquela que virá a ser a aprovação final
deste programa de recuperação e resiliência, contudo, chamo a sua atenção para o facto de este programa
não ter sido adiado. O Conselho Europeu já o aprovou em julho passado. Só espero que o Parlamento
Europeu o vote favoravelmente e que os eleitos do Bloco de Esquerda no Parlamento Europeu contribuam
para a aprovação, tão rápida quanto possível, deste programa.
Aplausos do PS.
Queria deixar uma nota concreta sobre o que disse em matéria de recursos humanos no Serviço Nacional
de Saúde. Hoje, temos mais 5216 profissionais do que tínhamos no início do ano; só em relação a médicos,
temos mais 691 do que tínhamos no início do ano e, como sabe, no próximo mês teremos ainda mais, porque,
fruto do atraso no fim do internato geral, há um atraso na possibilidade de entrarem especialistas, que ainda
não completaram a formação.
Sr.ª Deputada Cecília Meireles, vi que leu com atenção a Visão Estratégica apresentada pelo Prof. António
Costa Silva e fico muito satisfeito com isso, mas vejo que o seu líder ainda não lhe forneceu a documentação
concreta que já entregámos ao CDS na passada segunda-feira, onde se concretizam e quantificam mesmo as
prioridades. Portanto, quando passarmos ao debate daquilo que está agora em discussão, gostaríamos de
contar também com a contribuição positiva do CDS-PP.
Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, relativamente ao programa que estamos aqui a apresentar, este prevê,
no conjunto de investimentos para o Serviço Nacional de Saúde e, em particular, na resposta à população
idosa, cerca de 1,5 mil milhões de euros.
Relativamente à questão dos resíduos, como sabe, neste programa eles não são contabilizáveis e é por
isso que tem de haver articulação com outros programas, designadamente o PT 2030.
Da mesma forma, também tem de ser agilizado com o PT 2030 o que diz respeito ao investimento em
material circulante, a que se referiu a Sr.ª Deputada Mariana Silva. O que dizemos é que, entre o PT 2030, a
Connecting Europe Facility e este programa, iremos fazer este investimento que está previsto para a
renovação do material circulante na CP (Comboios de Portugal).
Sr. Deputado André Ventura, que não haja dúvidas: espero mesmo que haja impostos europeus, porque se
não houver impostos europeus, serão os impostos nacionais a pagar este programa de recuperação. O senhor
escolherá se será a Europa ou se seremos nós a pagar.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Continuando nesta fase de debate, tem a palavra o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, do Iniciativa Liberal.
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O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro e demais Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Já aqui disse o que achava deste plano — um catálogo de dezenas de
medidas em que tudo é crucial, fundamental, essencial, fulcral, em que tudo, ou seja, nada, é prioritário.
Vou passar por cima da propaganda que foi feita, a este propósito, contra os liberais, como se os bons
exemplos de combate à pandemia e de início de recuperação económica não viessem precisamente de países
liberais. Só que o Governo, em vez de fazer aquilo que é a essência da política, ou seja, fazer escolhas e
afinar prioridades, limitou-se a cruzar os eixos do «plano Costa Silva» com os pilares de Bruxelas, não para
ver se as medidas fazem sentido, mas apenas para ver se se podem financiar.
Mas há aqui dois enormes equívocos.
O primeiro é não perceber que na origem dos nossos problemas de sempre — a pobreza, as assimetrias,
os serviços ineficientes, o centralismo, o compadrio — está a falta de desenvolvimento económico. Sem mais
riqueza, bem podemos discutir a qualidade dos serviços públicos ou o exagero da carga fiscal, que, mais tarde
ou mais cedo, não haverá dinheiro para pagar nada. E aqui chocam duas conceções de como o País se pode
desenvolver: o PS acha que é através dos ditames dirigistas do Estado, mas a IL acha que é através da livre
iniciativa e do esforço das pessoas e das empresas, às quais, aliás, o plano atribui menos de um terço das
verbas.
O segundo equívoco é ainda pior. Este plano exige a capacidade de executar projetos que valem o dobro
ou o triplo do que foi conseguido nos melhores anos de aplicação dos fundos estruturais. Este plano exige
uma enorme mobilização de toda a sociedade portuguesa, em especial dos que podem criar a tal riqueza sem
a qual a discussão política fica estéril.
O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.
O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Vou concluir, Sr. Presidente. Perante esta evidência, o Governo opta por manter a lógica de gestão dos fundos que já existe, ou seja,
espera atingir objetivos muito mais ambiciosos com a mesmíssima estrutura. Para não perdermos esta
oportunidade, precisamos de mobilizar e libertar a energia e a criatividade dos portugueses.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado. Tem de concluir.
O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Isso é que é absolutamente crucial, fundamental, essencial, fulcral.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, pelo Grupo Parlamentar do PSD, o Sr. Deputado Afonso Oliveira.
O Sr. Afonso Oliveira (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro e demais Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Com o agendamento deste debate, pensei momentaneamente se teríamos regressado
a algures no final de 2015 e ao início dos já quase cinco anos dos Governos do Partido Socialista liderados
pelo atual Primeiro-Ministro. Mas, afinal, não, estamos mesmo em setembro de 2020!
O Sr. Primeiro Ministro descobriu, finalmente, no meio de uma gigantesca crise sanitária, que não tinha
uma visão estratégica para o País e, nos últimos cinco anos de governação, nunca sentiu falta de um
pensamento estratégico nem de qualquer contributo de alguém que olhasse para o País que somos e para o
País que queremos ser. O PSD tem vindo a afirmar, ao longo dos últimos anos, o que está hoje muito evidente
para todos: o Governo tem navegado à vista, o Governo não tem um rumo estratégico.
Quando o Sr. Primeiro Ministro foi confrontado, como todos os portugueses, com uma circunstância
excecional, que, na verdade, era absolutamente imprevisível e se revelou uma realidade completamente nova
para todos, olhou para o lado, olhou para o seu Governo e constatou algo que já sabíamos: faltava uma visão
estratégica para o País e não era possível encontrar essa visão dentro do seu Governo. Ora, essa é
precisamente a virtualidade do trabalho elaborado pelo Prof. António Costa Silva: obrigar o Governo a
perceber que pode, deve e tem mesmo de haver pensamento estratégico na ação governativa e que o
conhecimento da realidade e das possibilidades é sempre um bem necessário para as decisões.
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Vivemos um tempo excecional e, neste tempo excecional, há uma pergunta à qual o Governo tem mesmo
de responder: o que esperam, hoje, os portugueses da ação do Governo? É isto que o Governo tem de
perceber: o que esperam os portugueses da ação do Governo? Sr. Primeiro Ministro, o que os portugueses
esperam da ação do Governo é muito simples: um rumo! Esperam um rumo, Sr. Primeiro Ministro, que seja
mobilizador de todos os portugueses, que envolva os trabalhadores, os empresários, as empresas, as
universidades, as instituições. Infelizmente, o Governo não tem sido capaz de definir esse rumo nem de
mobilizar os portugueses para o que temos todos de fazer.
O próprio autor da Visão Estratégica encomendada pelo Governo, Prof. António Costa Silva, disse-o de
forma muito clara — e, hoje, a oportunidade desta afirmação é da maior relevância: «Se não houver uma
colaboração e apoio do Estado às empresas rentáveis e competitivas, que estão com dificuldades de
tesouraria por causa da pandemia, e estas falirem, vai ser um desastre para a economia portuguesa e a
recuperação vai ser mais lenta.»
Esperemos que esta afirmação do Prof. António Costa Silva tenha eco no seio do Governo e permita que
percebam, de uma vez por todas, que um plano de recuperação tem mesmo de ter, no seu cerne, medidas
que potenciem a produtividade e a competitividade das empresas, porque são as empresas, os empresários e
os trabalhadores que criam riqueza e fazem crescer o País. E é mesmo aí, na capacidade empreendedora, na
inovação, no potencial para criar mais e melhor emprego, que tem de se colocar a fatia de leão do apoio
europeu à recuperação económica do País. Esta resposta ainda não foi dada hoje pelo Sr. Primeiro-Ministro e
deveria ser dada. É neste âmbito, nas empresas, que deve ser colocada a fatia de leão.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro e demais Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje, os
portugueses esperam do Governo o que o Governo não conseguiu dar nos cinco anos de governação —
orientação estratégica, objetivos claros e capacidade de concretização. Os portugueses esperam do Governo
muito mais ação e menos propaganda.
Após a apresentação pelo Prof. António Costa Silva da Visão Estratégica para o Plano de Recuperação
Económica, o Sr. Primeiro Ministro iniciou a sua intervenção com uma interrogação, de que me recordo por ter
estado lá a assistir. Perguntava o Sr. Primeiro-Ministro: «E agora?» Pois, é uma boa pergunta, que deve ser
colocada no seu Conselho de Ministros: «E agora?» É uma pergunta que também temos de lhe devolver: «E
agora, Sr. Primeiro-Ministro?» A questão é que as respostas não têm sido dadas e, hoje, viu-se neste debate
que não há resposta para o que vem a seguir. Não se percebe qual é o plano do Governo!
Agora, é hora de o seu Governo fazer o que tem de ser feito: criar um modelo de governação dos fundos
europeus à prova de interesses que não sejam apenas e só o interesse de Portugal e dos portugueses;
apostar nos portugueses e na sua capacidade de enfrentar adversidades; ouvir a sociedade portuguesa e
definir as prioridades certas.
Será imperdoável não termos um Governo à altura do momento que vivemos. Será imperdoável termos um
Governo que cometa os mesmos erros dos Governos socialistas do passado. Será imperdoável que este seja
o Governo da oportunidade perdida. Não há tempo para errar, este é mesmo o tempo para acertar.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro e demais Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Termino
nos mesmos termos em que já o fiz, deste mesmo lugar, com o pensamento de Almada Negreiros, que traduz
muito o momento que vivemos: «Quando eu nasci, as frases que hão de salvar a humanidade já estavam
todas escritas, só faltava uma coisa — salvar a humanidade.» Neste caso, o que falta mesmo é um plano, e
esse plano que ainda não se percebeu qual é.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Meireles, do Grupo Parlamentar do CDS-PP.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, creio que ainda haverá oportunidade para fazer um esclarecimento.
Gostava só de dizer ao Sr. Primeiro-Ministro que fizemos o nosso trabalho de casa e, portanto, solicitei e
obtive, hoje, este documento precioso para o meu partido. Foi assim que, depois de ter passado alguns dias a
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estudar os 10 eixos prioritários, pude agora estudar estes três grandes blocos. Como o Sr. Primeiro-Ministro
compreenderá, não é assim um estudo que leve muitas horas.
Já agora, falando de coisas concretas, mais lhe exemplifico o que gostava de saber. O documento diz o
seguinte: «resiliência», «potencial produtivo», «capitalização das empresas» — estamos todos de acordo. O
que pergunto ao Sr. Primeiro-Ministro é se acha que capitaliza as empresas ao dizer-lhes: «Se não têm
dinheiro para pagar impostos, vão endividar-se junto da banca, vão pagar juros à banca para pagarem os
vossos impostos.» É que, se não há tesouraria, não há dinheiro para pagar impostos. Só que o Estado pode
atrasar-se a pagar às empresas com quem contrata, mas os contribuintes e os profissionais liberais não
podem atrasar-se.
Portanto, esta é a noção de ajuda e de capitalização das empresas?
Se calhar, mais valia debruçarmo-nos sobre estes assuntos mais práticos e deixarmos as grandes
intenções para os grandes pensadores.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Paulo Correia, do PS.
O Sr. João Paulo Correia (PS): — Sr. Presidente, se me permite usar esta figura regimental, a minha intervenção é no sentido de questionar o Sr. Deputado Afonso Oliveira, do PSD, que fez uma intervenção há
pouco. Na altura, sinalizámos à Mesa que pretendíamos inscrever-nos, mas não ficou registado. Assim, vou
usar a figura regimental da pergunta na minha intervenção.
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. João Paulo Correia (PS): — O Sr. Deputado Afonso Oliveira disse há pouco que este plano não traz uma ideia, não traz propostas novas para o País. A verdade é que o PSD não trouxe uma única proposta, uma
única ideia para este debate. A grande preocupação do PSD é a subida do salário mínimo, como se isso fosse
a fonte de todos os males do futuro que aí vem.
Ouvir o Dr. Rui Rio dizer isso há pouco, como também o disse o Sr. Deputado Afonso Oliveira, fez-nos
lembrar o que disse aqui, no final de 2015 e em 2016, de forma reiterada, o Deputado Passos Coelho, quando
veio dizer que o aumento do salário mínimo iria destruir a criação de emprego e fazer disparar o desemprego.
Isso é uma ausência de ideias, um vazio de propostas. O País estava à espera de mais PSD neste tipo de
debate!
Aplausos do PS.
O Governo trouxe ao Parlamento o plano de recuperação económica e resiliência do País para os próximos
anos, para enfrentar a crise duríssima que o País, a Europa e o mundo estão a viver, um plano de cerca de 13
mil milhões de euros, com três eixos fundamentais: a resiliência, a transição digital e a transição climática. O
Governo ouviu o País, ouviu a sociedade — este plano teve uma ampla participação —, ouviu os partidos e o
que ouvimos da bancada do PSD é um «zero» redondo, o que é lamentável e não podemos deixar passar em
claro.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos continuar com a ordem de inscrições. Antes disso, porém, tenho indicação de que o Sr. Deputado Afonso Oliveira, do Grupo Parlamentar do
PSD, quer responder.
Sr. Deputado, tem a palavra, dispondo de 6 segundos.
O Sr. Afonso Oliveira (PSD): — Sr. Presidente, será muito rápido.
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Penso que o Sr. Deputado João Paulo Correia, como habitualmente, não ouviu sequer a minha
intervenção, nem grande parte do debate.
Aplausos do PSD.
Se tivesse ouvido, tinha percebido que o que está em causa neste debate, hoje, no Parlamento, é o plano
estratégico do Governo. O que se percebeu é que há uma visão estratégica apresentada pelo Sr. Prof. Costa
Silva e não há ainda um plano estratégico do Governo para o que tem de ser feito a seguir. Não há, não se
percebe ainda! Estamos a discutir e vamos ver.
Portanto, o que há é uma intenção do Governo em algumas áreas, e que está em discussão — ainda bem
que está —, mas em momento nenhum eu disse que o Sr. Prof. Costa Silva não apresentou um conjunto de
propostas que valesse a pena discutir e avaliar.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de concluir.
O Sr. Afonso Oliveira (PSD): — Sr. Presidente, se me permite, deixo uma última nota e termino rapidamente.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de concluir.
O Sr. Afonso Oliveira (PSD): — Termino já, Sr. Presidente. Sr. Deputado João Paulo Correia, comparar o que é incomparável é incompreensível. Comparar a crise de
2011 com a realidade que vivemos, durante quatro anos, com o Governo do Partido Socialista, e com aquilo
que vivemos hoje é de quem está completamente a leste do paraíso.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Ministra de Estado e da Presidência, Mariana Vieira da Silva.
A Sr.ª Ministra de Estado e da Presidência (Mariana Vieira da Silva): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Um jovem nascido em 1990 completa, neste ano de 2020, 30 anos e terá assistido, na sua vida
adulta, a duas crises económicas de dimensão internacional. Há menos de uma década, muitas das empresas
onde poderia ter trabalhado deixaram de contratar, os salários sofreram cortes, não progrediu na carreira que
escolheu. Na última crise, os seus pais podem ter ficado desempregados e os seus avós podem ter tido as
pensões cortadas. Provavelmente, aos 30 anos, adiou a sua saída de casa e não pôde ainda escolher ter
filhos.
As crises, mesmo depois de ultrapassadas, persistem na vida daqueles que as viveram. É por isso que é
tão importante responder com rapidez e eficácia, para que nesta crise os impactos não sejam tão profundos,
para evitar recuos de décadas no emprego, nos salários — já se viu que é o que a direita pretende — e nos
direitos, como aqueles que aconteceram no passado.
O Governo tem assumido o compromisso de responder a esta crise de forma diferente. Temos trabalhado
no sentido de criar as condições para que a resposta combata os efeitos da crise provocada pela pandemia,
em lugar de os acentuar.
O plano de recuperação e resiliência, a par com a recuperação económica e do emprego, que é sempre o
elemento fundamental de superação de uma crise, deve proteger os mais vulneráveis. Nenhuma crise atinge
todos por igual. Atinge sempre mais fortemente os que já estavam mais desprotegidos, acentuando a sua
pobreza e as desigualdades que enfrentam, retirando as oportunidades aos que menos tinham. O que se
espera das políticas públicas é que corrijam essas desigualdades. É isso que o plano que agora discutimos
contém.
Aplausos do PS.
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Para construir um futuro de progresso e bem-estar, temos de reforçar o SNS e a rede social que protege
todos, que tem de ser mais sólida e mais próxima.
Por isso, o primeiro objetivo deste plano é o de fortalecer o SNS, em particular concluindo a Rede Nacional
de Cuidados Continuados Integrados e a Rede Nacional de Cuidados Paliativos e definindo um plano para
reforçar a Rede de Cuidados de Saúde Primários.
Em segundo lugar, numa área em que a pandemia revelou fragilidades nas respostas sociais, o plano
responde com uma nova geração de equipamentos e respostas, que deve permitir investir na qualidade das
respostas desenhadas para os idosos, reforçando as respostas de apoio domiciliário e respondendo melhor às
famílias. Também na habitação e na pobreza, em particular nas áreas metropolitanas, este plano tem
propostas.
Temos os recursos e um rumo bem definido, com objetivos fundamentais. Devemos colocar as nossas
energias na recuperação da crise, no combate ao desemprego, no combate à pobreza e às desigualdades. E
quem, no passado, defendeu respostas diferentes às crises que vivemos tem o dever acrescido de participar
neste caminho.
Queremos ganhar as batalhas do futuro, da economia verde e da transição digital, mas vamos fazê-lo hoje,
com as mulheres e os homens do nosso presente, com as crianças e os jovens do nosso futuro. É com elas e
com eles, é para elas e para eles que as políticas públicas têm de trabalhar, trabalhando mais para quem mais
precisa, para que a força de todos chegue a cada um.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Sr.ª Ministra, registaram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados José Soeiro, do Bloco de Esquerda, e Tiago Barbosa Ribeiro, do PS.
Tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado José Soeiro.
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, a pandemia expôs as debilidades do nosso sistema de proteção social e também as lacunas do nosso regime de prestação de cuidados.
Temos mais de metade dos desempregados sem acesso a proteção no desemprego, um problema que já
vinha de trás, precisamente de alterações feitas pelo Partido Socialista, em 2010, e das alterações feitas pela
direita, em 2012; temos uma cobertura irrisória do subsídio social de desemprego; temos uma desproteção
dos trabalhadores independentes, que fez com que fosse preciso criar um apoio extraordinário, que foi
requerido por cerca de 200 000 trabalhadores e que não chegou a toda a gente que dele precisava; temos
prestações no desemprego e apoios extraordinários com valores muito aquém do limiar de pobreza — aliás,
em média, nos apoios extraordinários, são metade do que é hoje o limiar de pobreza —; temos cuidados
sociais inteiramente entregues ao setor privado, o Estado sendo o financiador e um frágil fiscalizador e não
havendo uma rede pública de cuidados, nomeadamente para as pessoas idosas e para as pessoas
dependentes; temos um modelo de institucionalização que não serve e um reforço de profissionais nos
cuidados sociais que foi feito repetindo, tragicamente, os erros do passado.
Os 15 000 profissionais que o Governo anunciou que iriam reforçar os lares de idosos estão a reforçar
essas infraestruturas de cuidados sem contrato, tendo apenas uma bolsa, e não um contrato de trabalho, e
sem salário, porque recebem o subsídio de desemprego e uma majoração. Ora, isto é um modelo de
precariedade assistida pelo Estado, que é o oposto do que precisamos para responder à crise. E, claro, no
mundo do trabalho, nomeadamente para os jovens, mas não só, existe uma lógica de precarização que parece
não ter fim à vista e que revelou as consequências sociais neste contexto.
Por isso, Sr.ª Ministra, pergunto-lhe se no debate sobre o reforço da proteção social, no debate sobre a
resiliência, no debate sobre o emprego não acha que é preciso ir muito mais longe para não deixar ninguém
para trás, sabendo que o reforço da proteção social é a discussão sobre as medidas de apoio social, mas é
também a discussão sobre o combate à precariedade e a reconstrução das relações coletivas de trabalho,
porque uma coisa e outra são duas faces da mesma moeda.
Aplausos do BE.
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O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para um pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado Tiago Barbosa Ribeiro, do Grupo Parlamentar do PS.
O Sr. Tiago Barbosa Ribeiro (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, o debate sobre a recuperação económica a uma década demonstra espírito de humildade, espírito de compromisso e espírito
de transparência por parte do Governo.
Este não é o debate de um partido. É o debate de um País que tem de ultrapassar coletivamente os
desafios que temos pela frente, sendo certo que, pelo que ouvimos esta tarde, ainda há partidos da oposição
que têm muito trabalho pela frente para darem os contributos necessários para estas soluções.
Sabemos que estas soluções não dependem das forças puras do mercado, dependem do Estado, e, por
isso, devemos envolver todos, mesmo aqueles que, ao longo de anos, atacaram o Estado e agora pedem mais
SNS, mais transportes públicos, mais serviços sociais, mais escola pública, demonstrando, aliás, como uma
das primeiras consequências de uma crise é mesmo transformar velhos liberais em novos socialistas adeptos
do Estado social.
Aplausos do PS.
O Estado social foi muito necessário ao longo dos últimos meses e, antes de prepararmos os próximos
anos, não descuramos o que tivemos de fazer no período mais crítico da crise sanitária — crise sanitária que
foi, também, crise social e vai ser, sabemo-lo, crise do emprego.
Se conseguimos preservar milhares de postos de trabalho e os rendimentos foi porque aprovámos o layoff
simplificado; se os intermitentes do espetáculo e outros trabalhadores independentes têm, hoje em dia,
proteção foi porque a alargámos; se não há cortes de luz e água para quem não pode pagar foi porque o
impedimos; se as pessoas conseguem continuar a manter os seus créditos é porque aprovámos moratórias.
Fizemos tudo isto e muito mais, mobilizando milhares de milhões de euros — mais de 2300 milhões de
euros — nos serviços da segurança social, no Orçamento Suplementar que aqui aprovámos, demonstrando a
importância do nosso Estado social. Mas só foi possível fazer isso porque chegámos ao início deste ano com
um superavit orçamental, porque iniciámos uma política económica e social de devolução de rendimentos que,
ao longo de cinco anos, permitiu reerguer o País, dinamizar a economia, criar emprego, injetar confiança e,
com isso, sanear, também, as nossas contas públicas.
Aplausos do PS.
Com isso, temos, hoje, mais músculo para enfrentar a crise que temos pela frente, resultado das opções
fundamentais que fizemos ao longo dos últimos anos.
Hoje, a grande opção, Sr.ª Ministra, é: emprego, emprego, emprego! Sei que o Governo partilha desta
ambição e que o plano que aqui apresentou é indissociável desta prioridade. Portanto, pedia-lhe que, no
pouco tempo de que dispõe, desenvolvesse a questão do emprego como pilar deste plano e explicasse de que
forma as preocupações com a ciência, com as qualificações e com a própria transição digital são fundamentais
para empregos qualificados, para mais emprego e para a economia do futuro, onde todos têm o seu lugar.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para responder, a Sr.ª Ministra de Estado e da Presidência, Mariana Vieira da Silva.
A Sr.ª Ministra de Estado e da Presidência: — Sr. Presidente, agradeço aos Srs. Deputados as duas questões.
Julgo que uma das coisas fundamentais quando olhamos para uma resposta à crise como a que temos de
dar é, desde logo, rejeitar falsas dicotomias entre a urgência e a resposta estrutural. Elas não existem, como
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esta crise bem mostrou, porque o que a crise revela é que precisamos de trabalhar em áreas onde já
estávamos a trabalhar.
Aquilo que procuramos garantir é que, no quadro dos Orçamentos do Estado, do plano de recuperação e
do quadro financeiro plurianual, consigamos uma resposta coerente para todos estes problemas que
identificaram e para muitos outros que poderíamos identificar com mais tempo, sem achar que, primeiro,
temos de resolver o que é urgente e, depois, logo tratamos do que é estrutural, porque, se o fizermos, já não
vamos responder ao que é estrutural.
A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Totalmente de acordo!
A Sr.ª Ministra de Estado e da Presidência: — Por isso, a questão do emprego atravessa também esta dimensão, porque o que se mostra é que temos de continuar o trabalho que estávamos a fazer, e não apenas
de criação de emprego, apostando desde logo em projetos que possam dar provas rápidas da capacidade de
criar emprego e também trabalhando na qualidade do emprego, nomeadamente combatendo a precariedade.
Aquilo que fica deste debate, creio eu, é uma pergunta: se não formos capazes de nos entender numa
resposta à crise que aumente o investimento, que proteja o SNS, que reforce as políticas sociais, quando é
que poderemos ser capazes de nos entender?
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Chegámos, assim, ao fim do período de debate. Vamos passar à fase de encerramento.
Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado José Luís Ferreira, do Grupo Parlamentar do Partido
Ecologista «Os Verdes».
O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo traz hoje a discussão o plano de recuperação e resiliência, assumido como um dos principais
instrumentos de intervenção estrutural com vista à recuperação da economia e para melhorar a qualidade de
vida dos portugueses.
Ora, como afirmámos desde a primeira hora, Os Verdes continuam a considerar que será um erro
irreversível se se procurar recuperar a economia através de opções que provocam grandes e graves impactos
ambientais e cujos contributos para o desenvolvimento do País são mais que duvidosos.
Referimo-nos, por exemplo, à localização do novo aeroporto no Montijo, à exploração desenfreada de lítio,
ignorando as preocupações das populações e abrindo, até, a porta para que essa exploração possa ter lugar
em áreas classificadas, aos incentivos para as culturas intensivas e superintensivas, nomeadamente o olival e
o amendoal.
Referimo-nos ainda à mineração em mar profundo, quando, face aos impactos ambientais negativos, até a
própria União Europeia defende uma moratória internacional a esta mineração, e, por fim, à construção da
barragem no rio Ocreza, que, para além das consequências que provocará para os ecossistemas e para as
comunidades ribeirinhas, ainda surge como uma espécie de alternativa aos esforços do Governo para rever a
Convenção de Albufeira.
Sucede que procurar recuperar a economia sacrificando os nossos valores ambientais é procurar tapar um
buraco abrindo outros buracos, que nem mesmo a mais potente bazuca conseguirá regularizar.
Sabendo que a preservação dos nossos valores ambientais é absolutamente decisiva para a nossa
resiliência coletiva, Os Verdes defendem que uma visão estratégica para o futuro exige, antes de mais, opções
sustentáveis que não comprometam, que não hipotequem, o futuro que se pretende assegurar.
Bem sabemos que há, neste plano, sinais, ao nível da agricultura, para a proteção da biodiversidade, assim
como a intenção de restaurar ecossistemas degradados, o que, aliás, registamos com agrado, mas também
sabemos que nada se refere no plano quanto à conservação da natureza que não está ainda degradada. Ou
seja, tapa-se de um lado para destapar do outro, e isso não chega para se falar em sustentabilidade. O que se
impõe é recuperar o que está degradado e preservar o que ainda não está degradado.
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Em síntese, no que se refere aos valores ambientais, o que nos parece é que a proteção da natureza não
representa, neste plano, uma componente devidamente valorizada.
Quanto aos transportes e infraestruturas públicas, o destaque vai para o metro de Lisboa e do Porto, mas
há um deserto de propostas para o interior do País no que diz respeito ao transporte público.
Relativamente à ferrovia, preveem-se avanços ao nível da sua eletrificação e da sua expansão, o que
salientamos como positivo, mas não deixamos de registar que, ao mesmo tempo que se realça a importância
da ferrovia e da sua expansão, se insiste na reconversão do Ramal da Lousã em «metrobus», contrariando
grosseiramente o caminho que é traçado no próprio plano. Mas, ainda sobre a ferrovia, Os Verdes esperam
que tenha chegado a altura de dar cumprimento à promessa, que consta do Programa do Governo, de levar o
transporte ferroviário a todas as capitais de distrito.
Por outro lado, o plano elege o potencial produtivo como um grande bloco, mas deixa de fora uma área que
é, nesta matéria, absolutamente decisiva, e mais ainda quando falamos de soberania alimentar. Referimo-nos
à agricultura familiar, uma matéria que, aliás, se cruza também com outro grande bloco, que é o da coesão
territorial.
Por fim, o plano refere, e bem, a importância do Serviço Nacional de Saúde, mas não explora com clareza
a necessidade de o reforçar com profissionais de saúde, para além de atribuir pouca relevância aos cuidados
de saúde primários e ser omisso relativamente à necessidade de reabrir unidades de saúde e alargar horários.
Por tudo isto, olhamos para este plano com reservas e com receio de que a pontaria do Governo não seja
certeira na utilização da tal bazuca e, por essa via, comprometa a oportunidade de alavancar um futuro que se
pretende sustentável.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — É a vez do PAN. Tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real para uma intervenção.
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro e restantes membros do Governo: No encerramento deste debate, não podemos deixar de reforçar a nossa
preocupação com algumas das omissões que persistem neste plano e que, desde logo, passam pelos
desafios da coesão territorial.
Além de os exemplos serem escassos nesta matéria e de não ter sido apresentado um plano que
identifique a forma de combate às assimetrias regionais e sociais, que persistem no nosso tempo, e de atração
de pessoas e atividades para o interior, adicionalmente, as propostas apresentadas estão também
desconectadas da futura realidade climática das regiões em apreço.
O que vamos fazer, Sr. Primeiro-Ministro, para proteger da desertificação as regiões mais a sul? Ou como
vamos gerir os escassos recursos hídricos que teremos no futuro? Qual a agricultura do futuro? Ou como
vamos defender a nossa orla costeira da subida do nível do mar?
Como vamos ainda garantir uma transição digital adequada às diferentes realidades do País? Ou como
vamos combater a pobreza energética e defender aqueles que não têm recursos financeiros para se
aquecerem no inverno ou arrefecerem no verão? Vai ou não o Governo criar apoios a fundo perdido para
investimentos em eficiência energética para quem não a pode pagar, como o PAN tem defendido, mitigando,
assim, um Portugal a duas velocidades?
Este plano identifica ainda os Açores e a Madeira como polos de atração turística. Estas regiões, contudo,
para manterem os seus ecossistemas intactos, não podem continuar a apostar no crescimento desmesurado
do turismo.
Aquilo que se impõe, Sr. Primeiro-Ministro, é percebermos se vai ou não seguir a recomendação do próprio
Prof. Costa Silva e realizar estudos de carga turística antes de avançar com uma atividade que pode pôr em
causa os ecossistemas. É que, acompanhando aquela que é uma preocupação latente das organizações não-
governamentais do ambiente, para o PAN, é fundamental que o combate às alterações climáticas não se faça
sem se proteger também a biodiversidade e as áreas degradadas, muito pelo contrário.
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Sr. Primeiro-Ministro, reconhecendo uma série de boas intenções na narrativa deste plano, não podemos
deixar de manifestar a nossa deceção, porque, de facto, apesar de parecer muito abrangente e com vontade
de conciliar todas as visões, na verdade, traduz-se em muito pouco.
É muito pouco porque assenta no pressuposto de que podemos manter o atual modelo socioeconómico
extrativista e consumista, o que é errado, na medida em que não só não o podemos fazer, como, se queremos
funcionar dentro dos limites do planeta e manter a vida tal como a conhecemos, temos de parar com a forma
como estamos a viver e a consumir.
É muito pouco porque parte do pressuposto de que o território não vai sofrer modificações devido às
alterações climáticas, o que é falacioso, pois vamos ter secas, desertificação do sul do País, a orla costeira
ameaçada com a subida do nível do mar, entre outras alterações. Sr. Primeiro-Ministro, como é que se pode
continuar a partir do pressuposto de que é permitida a construção das maiores infraestruturas, de forma
permanente, em áreas relativamente às quais não temos qualquer tipo de avaliação dos riscos climáticos?
É muito pouco porque não se foca de forma efetiva nos dois maiores desafios que temos pela frente: o
combate e a adaptação às alterações climáticas.
É muito pouco porque esquece os jovens, que, para além de merecerem um planeta para sobreviver,
precisam de respostas para o seu futuro e precisam que o País os oiça e aposte neles para evoluir.
É muito pouco porque esquece as necessidades da população mais vulnerável e frequentemente
esquecida e não percebe que, sem coesão social, nada se constrói para futuro.
É muito pouco também no que respeita à dimensão do impacto que as suas medidas vão ter na
recuperação da economia, em matéria de igualdade de género, nas múltiplas formas de discriminação e
exclusão social.
É muito pouco porque não encara os desafios que temos na sociedade, como o combate à corrupção, e,
mais uma vez, deixa na gaveta aquele que é o pacto de justiça.
Sr. Primeiro-Ministro, o nosso País tem uma oportunidade única de fazer os investimentos que são
absolutamente fundamentais para a mudança de paradigma que se impõe no modelo de crescimento e
desenvolvimento, numa recuperação que seja verdadeiramente sustentável e justa socialmente.
Aquilo que hoje nos resta saber é se o Governo está verdadeiramente predisponível para acolher uma
visão para este plano que seja mais progressista, mais sustentável do ponto de vista ambiental e mais humana
para as presentes e as futuras gerações.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia, em nome do CDS-PP, para uma intervenção.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro e demais Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, devo dizer que o Sr. Primeiro-Ministro veio aqui, hoje,
desafiar e propor um consenso. E a primeira pergunta que faz sentido fazer talvez seja esta: um consenso
sobre o quê, concretamente?
De facto, este plano, com base no «plano Costa Silva», é, em larga medida, um vasto conjunto de
generalidades — generalidades que muitos de nós dizem e repetem há muitos anos, muitas vezes sem se
saber como serão realizadas, sem se saber quanto vai custar, em concreto, cada uma destas metas e,
sobretudo, sem se saber quem as fiscalizará.
Daqui até lá, ainda falta, obviamente, a importante discussão do Orçamento do Estado, mas digamos que
esta é uma carta antecipada — uma espécie de desejo de Natal —, dirigida ao Pai Natal europeu, onde cabe
tudo aquilo que o País pode querer e desejar.
Só que ela terá de ser paga e a questão, obviamente, é também a de saber quem paga e como é que nós,
portugueses, vamos pagar esta lista de desejos. Sr. Primeiro-Ministro, é evidente que os impostos serão
europeus, não serão portugueses, mas a verdade é que os portugueses vão continuar a pagar a nossa
elevadíssima carga fiscal e terão ainda, também, de pagar os impostos europeus. Ou deixámos de ser
europeus? Obviamente, não deixámos.
Registo que este plano, de facto, lembra um bocadinho aquelas 50 medidas de um anterior primeiro-
ministro socialista — o Primeiro-Ministro Sócrates e os seus planos de 50 medidas, que todos sabemos onde
nos conduziram —, sempre muito baseado, como é o «plano Costa Silva», numa retórica ideológica para
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agradar à geringonça, ou seja, «vamos combater os liberais», «o que é preciso, de facto, é mais Estado»,
quando aquilo que esperávamos era, de facto, mais pragmatismo e menos citações batidas, que davam um
lindíssimo artigo para um jornal de referência, mas são pouco úteis num plano pragmático e efetivo para o
País.
Por outro lado, também, é um bocadinho de tudo e o seu contrário, ou seja: mobilização e dinamização das
grandes cidades, mas interior; criação e cada vez mais indústria, mas ambiente… É um bocadinho de tudo e o
seu contrário e, Sr. Primeiro-Ministro, na minha opinião, esta nova utopia, esta utopia 2.0, choca um bocadinho
com a realidade do País.
Referem o grande desenvolvimento da digitalização. Não vai ficar tudo bem, vai ficar tudo perfeito, se
olharmos para o plano. Mas a realidade é esta: onde é que está o milhão de computadores, que era suposto
estarem a chegar às escolas e às crianças neste momento, quando tantas crianças portuguesas não têm
computador?
Em relação aos idosos, dizem que vamos finalmente resolver o abandono dos idosos, com que somos
confrontados todos os dias. Mas, num País onde há pessoas que esperam dois anos para verem a sua
pensão processada, isto choca com a realidade, na nossa opinião, Sr. Primeiro-Ministro.
E até encontramos pressupostos errados. Por exemplo, um dos pressupostos do «plano Costa Silva» é o
de que o Estado-nação está em declínio. Tem a certeza, Sr. Primeiro-Ministro? Eu não tenho nada essa
certeza de que o Estado-nação esteja em declínio, nem tenho a certeza de que, em relação à China, todo o
Ocidente esteja adormecido. Se calhar, há uma parte que está, mas não sei se está todo.
Portanto, a partir destes pressupostos, vamos exercer — citando o «plano Costa Silva», a frase não é
minha — o nosso «soft power» e vamos ser, como dizem normalmente estes planos, um player com as
nossas Forças Armadas, um player não só europeu mas também atlântico. Isto é o que diz o plano. A
realidade é que o Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas disse, há muito pouco tempo, que a situação
está em rutura e é insustentável, porque não há recrutamento e não há meios — e o mesmo se diga das
forças de segurança.
Em relação à ferrovia, anunciam grande investimento e grande solução. Qual é a realidade? Importação de
sucata espanhola com amianto. Esta é a última realidade que nós conhecemos na ferrovia.
Ou seja, este é um plano de boas intenções, tem algumas ideias boas — não é isso que está em causa —,
algumas aproveitáveis, muito pouco quantificáveis, e, sobretudo, é muito pouco descritivo daquilo que se vai
fazer em concreto.
Termino, Sr. Primeiro-Ministro, dizendo que a questão que se coloca é de opção e a primeira opção que
esperávamos saber era sobre o modelo económico. O que é que nós queremos? O que é que queremos ter
como modelo económico para o País? Este modelo que nos é apresentado é, ainda assim, mais…
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço-lhe para concluir.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Vou terminar, Sr. Presidente. Como estava a dizer, este modelo é, ainda assim, mais Estado e mais consumo público. O modelo que
deveríamos ter era mais iniciativa privada, mais empresas e uma economia exportadora. Se este é o modelo,
nós dificilmente aderiremos, ainda que possamos dar contributos.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira, do Grupo Parlamentar do PCP, para uma intervenção.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro e demais membros do Governo: O PCP trouxe a este debate a sua visão e as suas propostas para aquilo que é a
solução dos problemas que o País enfrenta.
Identificámos linhas de rutura com a política que conduziu o País à situação em que ele se encontra e
identificámos também objetivos a prosseguir, sublinhando questões que nos parecem centrais nos objetivos
que é preciso alcançar, nomeadamente a necessidade de uma política de valorização dos salários, dos
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direitos dos trabalhadores e dos rendimentos das camadas populares, a necessidade de recuperação do
controlo público de empresas e setores estratégicos, a necessidade de uma política de criação de emprego a
partir da valorização dos setores produtivos e também do investimento absolutamente indispensável nos
serviços públicos, seja em edifícios e equipamentos que são necessários, seja na contratação de
trabalhadores.
Talvez mais importante do que tudo isto, apontámos medidas e ações concretas que devem ser tomadas
para ultrapassar os problemas que atingem os trabalhadores e o povo, em questões que correspondem não só
a problemas imediatos que os trabalhadores e o povo português estão hoje a sofrer, mas também a problemas
estruturais do País.
E, Sr.ª Ministra Mariana Vieira da Silva, não há aqui uma dicotomia entre problemas imediatos a que é
preciso dar resposta e problemas estruturais do País a que é preciso responder. O que é preciso é que a
resposta imediata aos problemas que hoje se colocam se encaixe em objetivos que deem resposta aos
problemas estruturais do País. Essa é uma questão decisiva, e é uma questão decisiva hoje, para os
problemas que os portugueses estão a sofrer e para as necessidades que têm pela frente.
Algumas destas propostas estão já agendadas para discussão e para decisão na Assembleia da República,
como, por exemplo: a discussão que faremos amanhã, a propósito da contratação pela segurança social de
trabalhadores para reforçar os equipamentos sociais; a proposta, que o PCP agendou para a próxima semana,
de reforço do subsídio de desemprego, quer no acesso quer nos montantes e nos prazos de pagamento; as
medidas relacionadas com o banco de horas, com o aumento do salário mínimo nacional. Todas estas são
propostas que o PCP tem já agendadas para discussão e votação na Assembleia da República e
correspondem a problemas imediatos que são hoje sentidos pelos portugueses e enquadram-se também
nessa resposta de fundo aos problemas estruturais do País de que necessitamos.
Quando hoje sabemos que foi alcançado um novo recorde de trabalhadores em regime de layoff, quando
sabemos que há 120 trabalhadores da Autoeuropa que correm o risco de ser despedidos e de perder o seu
posto de trabalho, quando verificamos os abusos do grande patronato sobre os trabalhadores, com a
imposição de horários de trabalho desregulados e de agravamento da exploração, particularmente por via do
banco de horas, tudo isso são exemplos que confirmam a necessidade de medidas imediatas de resposta a
esses problemas, mas de enquadramento de cada uma dessas medidas em respostas de fundo que
ultrapassem estes problemas estruturais que o País encontra.
Sr.as e Srs. Deputados, não temos ilusões relativamente às forças que é preciso juntar para alcançar esses
objetivos e sabemos que uma das principais questões, que é verdadeiramente determinante, é que os
trabalhadores assumam nas suas mãos a luta pela resolução destes problemas concretos, que é um aspeto
essencial.
Também sabemos que, à volta, há quem vá fazendo contas de outros campeonatos. O Sr. Deputado Rui
Rio fez hoje uma referência ao salário mínimo nacional que, como já foi dito pelo meu camarada Jerónimo de
Sousa, naturalmente tem em vista obter apoios de todos aqueles que acham que os salários devem baixar. Eu
diria que quem fez prática governativa de cortes de salários tarde ou nunca se habitua a que os salários dos
trabalhadores tenham de aumentar.
Aplausos do PCP.
Mas esse é um combate que faremos igualmente na Assembleia da República, hoje tal e qual como
fizemos no passado, quando o Governo do PSD e do CDS impôs cortes de salários, cortes de pensões, cortes
de prestações sociais, que, também com o nosso contributo e com a nossa iniciativa, foram repostos nos
últimos anos.
Sr. as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, com a dimensão dos problemas que o País hoje
enfrenta, com a dimensão das imposições que nos são feitas pela União Europeia, com critérios que não
correspondem às opções de desenvolvimento nacional que precisamos de prosseguir, as opções que o País
tem de fazer de aproveitamento dos seus recursos produtivos e das suas potencialidades produtivas para criar
emprego, para se desenvolver, para criar riqueza são opções absolutamente decisivas, mas têm de ser
acompanhadas por medidas de redistribuição da riqueza, para que à criação de maior riqueza corresponda
também maior justiça social na sua distribuição.
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A questão dos aumentos dos salários é uma das questões decisivas…
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Concluo, Sr. Presidente. O investimento público, o investimento nos serviços públicos, na contratação de trabalhadores, a aposta e
o reforço da resposta na proteção social são outras dessas dimensões imprescindíveis e, por elas, cá
estaremos a bater-nos, com a nossa iniciativa, com as nossas propostas, em todo o âmbito em que a
Assembleia da República tem competências para intervir nessas matérias.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.
Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Há uma questão que, penso, tem de sair esclarecida deste debate, porque se não sabemos
bem qual a realidade do País, se não fazemos bem a análise do presente, dificilmente acertaremos no futuro.
Por isso, quando o Sr. Primeiro-Ministro trouxe aqui à colação os dados do SNS, devo dizer-lhe, até para
que esta matéria fique absolutamente clara, que este é um dos problemas a que estamos a assistir.
Entre janeiro e julho, os dados do SNS — aqueles públicos e conhecidos — indicam que 130 médicos
saíram do SNS. No que toca a médicos internos, foram 452. Estes são dados públicos, oficiais, do SNS, entre
janeiro e julho.
Que o Sr. Primeiro-Ministro venha dizer que vai contratar novos médicos não significa que seja mau, é
bom. Mas sabemos que a contratação desses novos médicos é para passar os que hoje já são internos e já
trabalham no SNS para médicos especialistas. Assim, não há um alargamento da base de recrutamento
dentro do SNS e isso é um problema.
Sabemos, também, que à medida que o número de médicos foi reduzindo, durante a pandemia, o número
de utentes sem médico de família foi aumentando. Quando sabemos que, na resposta à pandemia, os
cuidados primários são essenciais, há mais 300 000 utentes sem médico de família, agora no mês de agosto.
Por isso, creio que, face a esta realidade, a pergunta que deveria existir é se, de facto, o SNS é uma
aposta do País, se, de facto, os seus profissionais são uma aposta deste Governo e do País. Se assim for, é
inexplicável que no momento em que mais precisávamos deles não tivéssemos conseguido que se
mantivessem no SNS e não tivéssemos conseguido contratar novos médicos para o SNS.
Essa preocupação é que nos faz também desconfiar do que o Prof. António Costa Silva várias vezes
apresentou. É que, por várias vezes, ele errou o alvo na análise da realidade e, por várias vezes, teve
incongruências ou até erros no que apresentou, apesar do muito que lá está ser, creio, subscrito pela larga
maioria dos portugueses. Mas na análise que ele fez falhou exatamente quanto ao que faz falta às pessoas
deste País: falhou no trabalho e falhou na política de rendimentos.
Na visão estratégica apresentada inicialmente, sobre combate à precariedade e sobre a necessidade de
valorização dos rendimentos no nosso País, não há uma única palavra. E se olharmos para os efeitos da
pandemia — e resiliência significa fazer face às dificuldades e recuperar de forma melhor —, os problemas
foram efetivamente começando naqueles que estavam desprotegidos, os precários, os trabalhadores
independentes, todos jogados no desemprego.
O Governo poderia ter feito como fizeram em Espanha e em Itália, poderia ter decidido que não haveria
despedimentos durante aquele período. Não o fez e sabemos que o que está a acontecer agora soma, então,
nas folhas da segurança social, no que toca ao pagamento de subsídios de desemprego, mas soma, acima de
tudo, nos que estão inscritos, mas não recebem qualquer apoio. E isso é uma dificuldade e são esses que não
podemos deixar para trás. Sobre isso, o plano de António Costa Silva diz zero.
O Governo baralhou, tornou a dar e sobre trabalho diz quase nada. Sobre o fundamental, que é proteger o
emprego, proibir despedimentos, não há uma linha da visão estratégica do Governo sobre esta matéria.
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Precisamos de alterar a lei laboral. O que hoje percebemos é que a precariedade é a antecâmara do
desemprego e que isso fragiliza a economia. E se o Sr. Primeiro-Ministro diz, e tenho de acreditar naquilo que
disse, que «uma empresa do futuro não é uma empresa de salários baixos», também não pode ser uma
empresa de precários, porque isso não tem futuro nenhum, nem na nossa economia, nem pelo mundo fora.
Sabemos que falar de política de rendimentos assusta logo ali a direita. Há fantasmas que vêm a correr
para retirar o sono ao Dr. Rui Rio e a outros da sua bancada, mas nós somos dos que compreendem que
quando deitámos abaixo os dogmas e acreditámos na política de rendimentos, na devolução de direitos, na
defesa das pessoas, o País ficou melhor e é isso que temos de fazer.
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Há outro aspeto em que o plano de Costa Silva falha e sobre o qual o Governo não disse nada, chama-se sistema financeiro.
Temos o elefante na sala, chamado Novo Banco, que leva, em dinheiro público, metade do que vamos
discutir nos próximos anos e sobre essa matéria sabemos que o Governo deu sempre a sua anuência aos
pagamentos ao Novo Banco e sabemos que o plano de Costa Silva não tem uma linha sobre essa matéria.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Adão Silva, do Grupo Parlamentar do PSD. Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Adão Silva (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: Os tempos de pandemia, com os seus sobressaltos, medos e deceções, são também tempos de um novo começo.
A Europa aposta forte na criação de condições robustas para este recomeço e Portugal não pode
desperdiçar nem os recursos financeiros disponibilizados, nem, muito menos, o tempo, que é o primeiro dos
recursos.
Temos grandes desafios à nossa frente, porque grande é o tormento que hoje nos aflige.
A utilização de 58 000 milhões de euros nos próximos nove anos, isto é, 6500 milhões de euros por ano e
mais de 16 milhões de euros por dia, são recursos excecionais para a modernização de Portugal, uma
oportunidade inesperada que não podemos desperdiçar.
O Partido Social Democrata traz hoje, aqui, duas perguntas: onde vamos utilizar este dinheiro? Como
vamos utilizar este dinheiro?
As empresas têm de ser as principais destinatárias desses recursos: empresas que promovam a inovação,
o emprego sustentável e de qualidade e revitalizem as exportações; empresas produtivas e competitivas,
capazes de melhorar os salários e dar sustentabilidade aos sistemas sociais que vão combater a pobreza;
empresas devidamente apoiadas e incentivadas para se distribuírem por todo o território, gerando justiça
territorial, igualdade de oportunidades e equilíbrio demográfico.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. Adão Silva (PSD): — Empresas com consciência social, como espaço onde as pessoas se realizam, a livre iniciativa criadora se evidencia e sejam o orgulho de Portugal.
Se o País, por oportunismos ideológicos, viesse a concentrar aqueles recursos excecionais na satisfação
de clientelas políticas e amiguismos e ainda na criação de um Estado mastodôntico, estaríamos a andar para
trás, contrários aos ventos da História.
O Governo não pode instrumentalizar aquele jackpot para garantir a sua própria sobrevivência. Se assim
fosse, a sua sobrevivência seria feita à custa da decadência e da insubsistência de Portugal e dos
portugueses. Isso seria inaceitável.
Mas o Estado e os serviços públicos devem ser igualmente acarinhados com investimentos
modernizadores, até para ultrapassar uma insuportável constatação generalizada de que os serviços públicos
estão à beira de um ataque de nervos, muito por falta de investimentos, nos últimos anos, do atual e do
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anterior Governo. Isto porque o futuro de Portugal também se ganha com serviços públicos eficazes ao dispor
dos cidadãos e motivadores dos funcionários.
A segunda pergunta que atrás deixei é sobre como vamos gastar esse dinheiro.
Se até aqui Portugal consumia, anualmente, cerca de 3000 milhões de euros de fundos comunitários, isso
significa que passaremos a receber o dobro nos próximos nove anos.
O desafio é gigantesco, sobretudo quando desesperamos com a falta de prontidão da máquina
administrativa pública. Mas o sobressalto maior que nos acomete tem a ver com o desperdício, os
investimentos megalómanos, os tais elefantes brancos, despropositados e imponderados — alguns já
espreitam da cartola —, e, muito especialmente, com as cadeias de corrupção e compadrio que logo se
instalam.
Portugal não é um país de corruptos, mas Portugal está hoje manchado por tristes circunstâncias de que
destaco: um ex-primeiro-ministro acusado, ex-banqueiros e pretensos banqueiros às voltas com a justiça,
responsáveis das maiores empresas sob suspeita, personalidades do topo da magistratura envoltas em
suspeições.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. Adão Silva (PSD): — O cidadão comum assiste a este colapso social e teme o pior.
Aplausos do PSD.
Pois bem, se o imperativo deve ser «nem um cêntimo desperdiçado», temos de acrescentar: nem um pingo
de esperança malbaratado!
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço-lhe para concluir.
O Sr. Adão Silva (PSD): — Por isso, neste recomeço que a pandemia nos impõe e nesta oportunidade que os fundos comunitários nos propiciam, temos de ser intolerantes às práticas corruptivas.
O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Deputado!
O Sr. Adão Silva (PSD): — Como disse o Presidente do meu partido, o Deputado Rui Rio: «é preciso que o Governo, é preciso que nós todos, o Parlamento e os tribunais, sejamos capazes de encontrar soluções de
acompanhamento e fiscalização da utilização desses fundos comunitários, para não voltarmos a ter a dor de
peito, a dor de alma, que tivemos no passado, da má utilização dos fundos comunitários.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Pelo Grupo Parlamentar do PS, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Pereira. Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Pereira (PS): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro e restantes Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Em democracia há lugar a divergências sobre os caminhos a seguir. É assim que
queremos, é essa a essência do sistema em que nos sentimos representados e é por isso que lutaremos até
ao limite das nossas forças para o preservar.
Mas este debate ocorre num tempo crítico das nossas vidas, colocando uma pressão intensa e uma
ansiedade por vezes insuperável sobre todos os nossos concidadãos.
Os portugueses não nos perdoarão se a Assembleia da República for incapaz de gerar um entendimento
alargado sobre um plano de recuperação que ultrapassa esta Legislatura e que mais não é do que o desenho
do resto das nossas vidas, das vidas das famílias, dos mais velhos, das crianças, das empresas, dos
empresários, dos jovens, de todos, sem exceção.
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O tremendo clima de incerteza que a crise pandémica provoca e a degradação progressiva e abrupta dos
indicadores económicos e sociais exigem de nós uma nova atitude, um novo homo politicus, uma capacidade
extrema para deixar cair as divergências políticas e romper com preconceitos ideológicos, para olhar com
dignidade e sentido de responsabilidade o nosso Portugal real.
Acreditamos que temos o dever de cuidar do País com genuíno sentido patriótico, sobretudo daqueles que
sofrem, dos que desesperam, dos que choram os entes queridos, dos que têm medo da pandemia, mas
também de perder o emprego, ou fechar a empresa, ou não ter dinheiro para pagar as contas.
Podemos estar perante um marco histórico e os portugueses esperam de nós, desta Assembleia, a
maturidade democrática e a objetividade responsável para falarmos a uma só voz. Divergir incondicionalmente
no essencial do plano é comprometer a sua execução rápida e eficaz, mas também é reduzir a força do País
na defesa dos nossos interesses em Bruxelas.
Creio que não falharemos enquanto Nação, mas seremos mais ou menos bem-sucedidos se superarmos
juntos ou em divergência, respetivamente, esta colossal prova de capacidade e inteligência.
Foi tendo presente esse contexto que, desde a primeira hora, o Governo conduziu o processo de
construção de um plano sem identidade partidária. Uma personalidade da vida portuguesa desenhou os
caminhos possíveis, num exercício extraordinário de auscultação profunda de muitos agentes, culminando
com uma consulta pública que gerou ainda mais contributos.
Mas na senda da construção da convergência, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista transportou o
debate para a Assembleia da República, para ouvir o autor do programa, mas também os responsáveis
políticos, além de ter proposto a criação de uma comissão eventual para que todos possam acompanhar a sua
execução.
Estarmos juntos e em convergência significa, também, dizer «não» a condicionalidades impostas pela
União Europeia e contribuir para estabelecer metas, prioridades e objetivos. Somos nós, e não os outros que
vêm de fora, que estabelecemos os parâmetros que defendem os portugueses.
Estarmos juntos significa, também, envolver o País inteiro na execução do plano, descentralizando e dando
mecanismos para que ao nível infraestadual, da região e da autarquia, por exemplo, não haja nenhum vazio
operacional.
Estarmos juntos quer dizer que somos capazes de convergir na remoção dos obstáculos à execução deste
programa ambicioso que triplique os meios financeiros disponíveis por ano — seja os obstáculos de ordem
legislativa, seja de governança, seja de capacidade e qualidade das instituições —, promovendo, tudo isto,
ainda mais a transparência e o combate à corrupção.
Estarmos juntos também quer dizer respeitar as opções e o quadro de elegibilidades definido pela União
Europeia.
Estarmos juntos num processo ativo de convergência significa compreender o papel incontornável do
Estado para criar as condições de reposição da capacidade produtiva, com uma atenção particular às
empresas como único reduto capaz de criar emprego e dinamizar o crescimento económico.
Sr. Presidente, gostaria de lembrar que a agenda do plano de recuperação é exigente e apertada. Não há
tempo para discussões intermináveis, mas há espaço, da parte do Governo e do Grupo Parlamentar do PS,
para que possamos convergir no interesse do País. Os portugueses exigem essa disponibilidade.
Termino, sublinhando que tudo faremos para honrar o nosso País, com dedicação e empenho para juntos
escrevermos uma etapa de superação que orgulhará as gerações futuras.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para terminar este debate temático, solicitado pelo Governo, sobre a visão estratégica para o plano de recuperação económica de Portugal 2020-2030, tem a palavra o Sr. Ministro do Planeamento,
Nelson de Souza.
O Sr. Ministro do Planeamento (Nelson de Souza): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Finalizamos este debate com a expressão de pontos de vista, naturalmente, uns de consenso, outros de discordância,
relativamente à proposta apresentada pelo Governo.
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Confessamos que a relevância do tema para o nosso futuro comum gerou em nós, talvez, expectativas de
um maior contributo. Continuaremos à espera até ao limite do tempo, que, como sabemos, é curto nesta
primeira fase de conceção e desenho deste nosso programa.
Hoje demos nota de como pretendemos aumentar, em primeiro lugar, a resiliência do nosso País,
reduzindo, desde logo, as vulnerabilidades sociais, que se mostraram, aliás, tão críticas como fatores de
indução da pandemia, reforçando o nosso potencial produtivo de resposta às necessidades não só no
combate à pandemia, mas a necessidades críticas em momento de crise, e, finalmente, reforçando a
competitividade e a coesão territorial.
Ficou, igualmente, claro como, ao alinhar com as transições gémeas priorizadas pela União Europeia, a
climática e a digital, não deixamos de ter sempre a preocupação de as traduzir — a essas prioridades, que,
por princípio, são comunitárias — em projetos, em opções que correspondem aos nossos interesses, aos
interesses nacionais.
Na transição climática, com a definição de agendas coladas às nossas necessidades em matéria de
ferrovia, de mobilidade sustentável, de transporte em sítio próprio, de modalidades de eficiência energética, de
economia circular e de descarbonização.
Na transição digital, aproveitando, aliás, uma oportunidade única de utilizar os recursos e também o
potencial disponibilizado por esta transição, usando-a como a verdadeira alavanca de uma reforma
generalizada da Administração Pública, promovendo a sua orientação para servir melhor os cidadãos e as
empresas, sem descurar, obviamente, esse mesmo potencial como fator de modernização e posicionamento
das nossas empresas, sobretudo das empresas de menor dimensão, no sentido do aproveitamento de todo o
potencial da economia digital.
Foi esta a arquitetura do plano de recuperação e resiliência que trouxemos hoje a debate.
De uma forma ou de outra, uns com mais vocalidade e outros com menos, quase todos os partidos de
direita criticaram, neste plano, uma alegada alocação excessiva de fundos ao Estado. Trata-se de uma
apreciação que consideramos muito limitada e redutora, apenas sustentada numa visão curta, na
contabilidade do quinhão de financiamento diretamente atribuído às empresas.
Aplausos do PS.
É limitada, porque não tem em conta que é com investimento público previsto que o Estado vai produzir
bens e serviços que irão reduzir custos de contexto para as empresas e oferecer melhores serviços coletivos
aos cidadãos, entre os quais estão também os trabalhadores das empresas. Isto melhora o contexto geral que
incrementa o contexto favorável para a melhoria da produtividade do conjunto da atividade económica.
Melhorar as condições dos cidadãos, melhorar as condições de vida das pessoas também melhora o
conjunto da produtividade, no contexto global da nossa economia.
Aplausos do PS.
Mas também se trata de uma visão redutora, porque ignora a procura gerada pelo investimento público na
construção, nas obras públicas, nos bens de equipamento, de transporte e de serviços TIC (tecnologias de
informação e comunicação).
Finalmente, a obsessão ideológica da direita contra o papel do Estado impede-a de perceber, afinal de
contas, aquilo que é evidente: o setor privado não está, nas atuais circunstâncias, nas melhores condições
para fazer aquilo que a situação de crise e relançamento exige que seja feito na economia, que é investir. A
recuperação apenas pode passar pela promoção do investimento público e é apenas o Estado que pode,
nestas circunstâncias, promover e desempenhar esse papel.
Aplausos do PS.
De uma forma rápida, basta olhar, aliás, para os prescritores, os analistas, os economistas, o BCE (Banco
Central Europeu), o FMI (Fundo Monetário Internacional), a OCDE (Organização de Cooperação e de
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Desenvolvimento Económicos), para ver que todos eles recomendam a adoção de programas de estímulo
económico, usando como alavanca o investimento público.
O Sr. Presidente: — Sr. Ministro, peço-lhe o favor de concluir.
O Sr. Ministro do Planeamento: — Termino já, Sr. Presidente. Queria deixar uma última palavra relativamente a uma questão essencial que tem sido colocada por
diversos analistas, em diversas opiniões, mesmo dos partidos aqui representados nesta Assembleia, que tem
a ver com a necessidade de prestar uma atenção particular aos sistemas de gestão e controlo, de forma a
evitar situações quer de utilização fraudulenta, quer de desvio de utilização deste elevado montante de fundos.
O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Ministro.
O Sr. Ministro do Planeamento: — Aquilo que queremos dizer é que estamos particularmente sensíveis para estudar novos e reforçados meios, inclusive até transformando e modificando a atual «caixa preta», que,
aos olhos dos utilizadores e da generalidade dos cidadãos, é o atual sistema de gestão e controlo dos fundos,
criando um sistema de «paredes de vidro» que, ao mesmo tempo que assegura o bom uso dos fundos,
promove a eficiência e a celeridade que todos desejamos.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, concluímos, assim, o primeiro ponto da nossa ordem de trabalhos de hoje.
Passamos ao segundo ponto, que é o do debate preparatório do Conselho Europeu, ao abrigo da alínea a)
do n.º 1 do artigo 4.º da Lei de Acompanhamento, Apreciação e Pronúncia pela Assembleia da República no
âmbito do Processo de Construção da União Europeia.
Para abrir o debate, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Como é sabido, o Conselho Europeu foi, inopinadamente, adiado para o início de outubro e tem na agenda diversas matérias de relações externas,
a começar por uma informação e um debate a propósito da cimeira realizada entre a União Europeia e a
China, a discussão estratégica da relação da União com a Turquia, a avaliação da situação no Mediterrâneo
Oriental e, porventura, um ponto de situação sobre o Brexit.
Contudo, os pontos mais relevantes deste Conselho têm a ver com o debate em torno do fortalecimento do
mercado interno, do desenvolvimento da política industrial e do desenvolvimento da estratégia para a transição
digital.
Nesse sentido, creio que é importante sublinhar as propostas de conclusões apresentadas, tendo uma
afirmação muito clara da necessidade de reforçar o nosso mercado interno e, designadamente, de remover as
limitações ainda existentes, em especial no setor dos serviços.
Este é um tema particularmente importante para nós, visto que, no âmbito do programa de recuperação e
resiliência, temos de responder às recomendações específicas para Portugal, e uma das mais repetidas e,
mais uma vez, constante das recomendações de 2019 é a da necessidade de reformar a situação das
profissões reguladas, tema há muito adiado e bloqueado e que, agora, tem mesmo de ser desbloqueado.
Esta visão sobre o fortalecimento do mercado interno passa também por uma revisão da política de
concorrência, que deve ter em conta a necessidade de acelerar a inovação para a transição digital e climática
e ter em conta a envolvente global em que nos inserimos.
É importante, nesse sentido, que as conclusões sublinhem a importância do investimento em educação, na
formação profissional e na capacitação das qualificações, de forma a aumentar a nossa capacidade de
concorrência na economia global.
Nota importante: é uma rutura muito significativa com as visões liberais do passado o entendimento de que
a Europa tem mesmo de ter uma política industrial e que essa política industrial deve permitir e assentar no
reforço de um conjunto de alianças estratégicas, que são, aliás, bem identificadas, como as que permitem a
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produção de matérias-primas, de equipamentos médicos, de microprocessadores, a segurança das redes de
telecomunicações, as indústrias de baixo carbono e a indústria da nuvem e das plataformas digitais.
É neste contexto que o Conselho sublinha a importância de reforçar os projetos de interesse europeu, entre
os quais se insere a Aliança para o Hidrogénio Limpo, de cuja liderança Portugal se orgulha de fazer parte.
Gostaria de enfatizar também a importância que o Conselho atribui à necessidade de maior cooperação em
matéria de indústria do espaço e de integração das indústrias de defesa.
Uma preocupação que temos no conjunto destas dimensões, quer da digital, quer do desenvolvimento da
política industrial, tem a ver com a necessidade de garantir um equilíbrio entre o esforço da coesão e o esforço
da convergência para as pequenas e médias empresas e a necessidade de reforçar núcleos europeus que
tenham a capacidade de concorrer na economia global.
Somos defensores da política industrial, mas não somos defensores da centralização europeia que agrave
as assimetrias contra a coesão e contra a convergência. Uma das riquezas e forças do mercado interno é
precisamente a de poder mobilizar, de forma descentralizada, aqueles que são os contributos das redes de
conhecimento e das redes de produção existentes em cada um dos países. É aí que nos queremos inserir e
julgo que a experiência adquirida ao longo de toda esta crise evidencia bem a necessidade de reforçarmos a
autonomia estratégica da Europa e, no quadro dessa autonomia estratégica da Europa, afirmarmos Portugal
como um suporte importante do desenvolvimento da base industrial europeia.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, pelo Grupo Parlamentar do PS, o Sr. Deputado Capoulas Santos.
O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Há cerca de dois meses, com o forte contributo de Portugal, fez-se história na União Europeia e inverteu-se o
ciclo de descrença e de degradação do projeto europeu a que vínhamos assistindo. Foi dado, sem dúvida, no
Conselho de julho, um dos mais relevantes pequenos passos, traduzido em ações concretas, a que Robert
Schuman se referia como método para a construção Europeia.
Não quero, com isto, dizer que foram sanadas todas as contradições e que os valores fundacionais da
União Europeia passaram, por encanto, a ser partilhados por todos. Certamente que não. Apesar do sinal
esperançoso dado pelo Conselho de julho, não podemos, contudo, esquecer que os mesmos líderes que
romperam o impasse do quadro financeiro plurianual e que consagraram o, até há pouco, impensável princípio
de mutualização da dívida são os mesmos que se revelaram incapazes de coisas aparentemente tão simples
como o estabelecimento de regras comuns para a gestão das fronteiras em contexto de pandemia ou a
convergência em questões relevantes de política externa, onde cada vez mais é necessária uma posição forte
e coesa da União Europeia.
Faz, por isso, todo o sentido, sem esquecermos que o processo final de aprovação das decisões de julho,
no contexto da codecisão com o Parlamento Europeu, ainda decorre, que o Conselho reúna para discutir
questões tão relevantes como o reforço do mercado único, a estratégia para a reindustrialização ou a transição
digital, assim como questões fulcrais da política externa, como a tensão no Mediterrâneo Oriental, as relações
com a China, com a Rússia e a crise na Bielorrússia.
Além disso, apesar de não constar formalmente da ordem de trabalhos, o aparente mau desfecho das
negociações do Brexit, que parece, cada vez mais, adivinhar-se, não deixará certamente de pairar sobre os
Membros do Conselho, como, aliás, o Sr. Primeiro-Ministro já admitiu.
Este é, certamente, um Conselho para o qual o Primeiro-Ministro de Portugal vai bastante tranquilo. As
posições da Comissão e da maioria do Conselho, relativamente às matérias em agenda, são genericamente
coincidentes com as posições portuguesas, como o demonstram as linhas de orientação do Programa de
Governo, o programa do trio de presidências ou a arquitetura geral do plano de recuperação e resiliência que
acabámos de discutir, há poucos minutos, nesta Câmara.
Nestes termos, para além de felicitá-lo pelo seu desempenho, em nome de Portugal, e pelo protagonismo
acrescido que terá a partir de janeiro, com a presidência portuguesa, gostaria de formular três perguntas.
A primeira pergunta é esta: dada a importância de dispor rapidamente dos meios financeiros,
designadamente do plano de recuperação, como antevê a possibilidade de um acordo, em tempo útil, no que
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se refere aos recursos próprios, no contexto da codecisão com o Parlamento Europeu, onde aliás, os
eurodeputados portugueses Margarida Marques e José Manuel Fernandes têm desempenhado um papel de
relevo no team negocial?
A segunda pergunta é esta: depois de a Turquia ter provocado a atual tensão no Mediterrâneo Oriental,
como avalia a declaração do Presidente turco, ontem proferida na Assembleia Geral das Nações Unidas,
apelando à realização de uma conferência regional sobre o Chipre e a Grécia, no conflito com a União
Europeia?
Por último, enquanto futura presidência do Conselho, como encara a perspetiva de, no primeiro dia de
presidência portuguesa, no dia 1 de janeiro de 2021, ser confrontado com o eventual primeiro dia da relação
caótica com o Reino Unido?
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Continua o Grupo Parlamentar do PS no uso da palavra. Tem, agora, a palavra, a Sr.ª Deputada Edite Estrela, para uma intervenção.
A Sr.ª Edite Estrela (PS): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A razão do adiamento do Conselho Europeu previsto para esta semana mostra que vivemos numa
enorme incerteza: incerteza quanto à evolução da epidemia, incerteza quanto à profundidade da crise
económica, incerteza quanto ao futuro.
Não sabemos como vai ser a Europa depois desta crise global, se conseguirá fazer prevalecer os seus
valores, combater os nacionalismos e os populismos, defender o Estado de direito e a democracia, promover o
bem-estar dos cidadãos.
Ninguém pode garantir que não iremos enfrentar grandes dificuldades, mas o Conselho Europeu pode e
deve tomar as decisões que os cidadãos esperam e que o momento exige.
Já se referiu que o Conselho esteve bem quando aprovou instrumentos e recursos inéditos para acelerar a
retoma da economia, recursos, esses, que se espera que cheguem rapidamente a quem deles precisa. Com
este acordo, ficou demonstrado que, quando os decisores europeus se unem no mesmo objetivo, não há
impossíveis.
O Sr. Primeiro-Ministro já referiu os temas importantes que constam da agenda do Conselho Europeu.
Gostaria, utilizando um slogan que foi usado pela Presidente da Comissão e que também é muito usado pelo
Sr. Primeiro-Ministro, «não deixar ninguém para trás», que o Conselho Europeu também se pronunciasse
sobre a situação da Bielorrússia, que estivesse ao lado do povo e daqueles que, com enorme coragem e não
obstante a repressão violenta, as detenções, os feridos e até mortos, se continuam a manifestar, reivindicando
liberdade, democracia e eleições livres.
Sei, com conhecimento de causa, porque o pude confirmar em novembro passado, como membro da
delegação de observação das eleições legislativas, que são recorrentes as fraudes eleitorais na Bielorrússia.
Em relação à transição digital, há muito que o PS incluiu o tema na agenda política, constando do
programa que foi sufragado pelas portuguesas e pelos portugueses. O Programa do Governo dá-lhe a devida
importância e também no plano de recuperação e resiliência lhe é dado grande desenvolvimento.
Por isso, Sr. Primeiro-Ministro, gostaria que o tivesse em atenção e que me dissesse que importância vai
dar a esta temática da transição digital no Conselho Europeu, tendo em conta que a crise pandémica veio
confirmar que as tecnologias digitais estão a revolucionar o mundo, mas, ao mesmo tempo, tornou mais
evidente e aprofundou o fosso entre «ligados» e «não ligados», entre quem tem computador e quem não tem
computador, entre quem tem competências digitais e quem não tem. A desigualdade digital é um risco real que
deve ser acautelado.
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Edite Estrela (PS): — Termino já, Sr. Presidente. É este o alerta que vem das Nações Unidas: o mundo digital está a funcionar com muitos benefícios, mas
não de forma igual para todos.
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Portanto, é preciso que o Conselho tome decisões para apoiar as pequenas e médias empresas na
transformação digital e no desenvolvimento, como também já disse o Sr. Primeiro-Ministro, das capacidades
digitais na escola e nos programas de formação, para evitarmos que haja novas desigualdades a somar às
antigas.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Meireles, do Grupo Parlamentar do PSD, para uma intervenção.
A Sr.ª Isabel Meireles (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: No discurso sobre o estado da União, a Presidente da Comissão Europeia apresentou a sua
visão para a Europa, que considerou estar condicionada pela pandemia, aliás, como se viu com o adiamento
deste Conselho Europeu.
Este estado tem uma dupla frente: a da crise sanitária e da proteção da saúde e a da crise económica e
social, perante este choque de proporções absolutamente gigantescas nas economias, na destruição dos
postos de trabalho, dos rendimentos e das empresas.
Espero que o Governo português, no próximo Conselho Europeu, possa continuar a desenvolver uma ação
enérgica na defesa dos interesses de Portugal e dos portugueses, perante algumas contradições nesta área.
Passo a explicitar: sabemos todos que precisamos de uma vacina para a COVID-19. Então, isto significa
que precisamos de mais investigação e de mais inovação. Portanto, não se percebe como é que foi possível
reduzir o programa Horizonte Europa, que é um programa forte no âmbito da saúde e que não se compagina
com estes cortes. O PSD defende o reforço deste programa europeu e pergunto qual é, em relação a isto, a
posição do Governo.
A Presidente da Comissão Europeia, por outro lado, anunciou, no Parlamento Europeu, um novo pacto
sobre as migrações. A ideia é a de acabar com o, enfim, quase diria inútil Sistema de Dublin, já com 30 anos,
e enveredar por uma abordagem baseada, em primeiro lugar, na humanidade, em segundo lugar, na
solidariedade e, em terceiro lugar e não menos importante, na distinção clara entre os que têm o direito a
permanecer em território europeu e aqueles que não têm esse direito.
Sr. Primeiro-Ministro, a propósito desta questão, recordo que, nos últimos meses, a costa do Algarve tem
registado sucessivos desembarques de migrantes ilegais provenientes do Norte de África. Já não restam
dúvidas de que Portugal entrou na fase B da chegada de migrantes.
Apesar de reconhecermos que o assunto é complexo, sentimos que o Governo não está a fazer tudo aquilo
que pode. Se está, não temos conhecimento.
Confirma o Governo que existem, de facto, redes organizadas de migrantes ilegais para o Algarve? Ou
continua o Governo a afirmar, como o fez o seu Ministro da Administração Interna, que estas redes de tráfico
ilegal são ridículas? Que medidas operacionais, designadamente centros de detenção, que não existem — os
migrantes são postos em quartéis ou fogem —, e de monitorização vão ser implementadas? Como é que o
Governo pretende implementar todas estas medidas para suster o avanço destes fluxos, que, a médio prazo,
ou, se calhar, no imediato, podem ser uma bomba-relógio, quiçá, um segundo campo de Moria?
Ainda neste âmbito, há avanços sobre o futuro acordo de migração com Marrocos e com outros Estados?
O problema da migração é um desafio para toda a Europa, como sabemos, mas a pior coisa que se pode
fazer é entrar em estado de negação. Pretende o Governo aproveitar esta oportunidade para abordar, no
próximo Conselho Europeu, este tema que, agora, também nos entra pelas portas adentro? No âmbito do
quadro estratégico com a Turquia, que, como sabemos, é um dos países que tem servido de tampão às vagas
de imigrantes provenientes da Síria, este tema vai ser repristinado na presidência portuguesa?
Gostaria, também, de obter uma resposta mais direta à questão do Brexit. Os recentes desenvolvimentos
fazem-nos soar trombetas de alarme: a insensibilidade para a paz na Irlanda do Norte, que tão laboriosamente
foi conseguida e que pode estar em risco, designadamente o Acordo da Sexta-feira Santa; o fechamento cego
à Europa; a retórica primária e populista; a quebra de acordos internacionais. Já não bastava a «diplomacia do
Twitter» e, agora, temos a diplomacia da pirataria contra as leis internacionais.
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Neste contexto, a ameaça de Boris Johnson de rasgar o acordo do Brexit levou, como sabemos, Portugal a
refazer e a revisitar o seu plano de contingência. Relembramos que é obrigação do Governo proteger os
direitos dos cidadãos portugueses que residem, que trabalham e que estudam no Reino Unido. Além disso,
este programa de contingência, se bem me recordo, tinha uma vertente muito importante virada para o apoio
técnico e financeiro aos agentes económicos. Este apoio vai continuar a ser defendido? O que é que o
Governo está a pensar fazer nesta matéria?
Ou seja, são três questões cruciais: a questão de uma política comum de saúde; a questão das migrações,
do plano para as migrações; e a questão do Brexit.
Pedia, Sr. Primeiro-Ministro, que me respondesse, se possível frontalmente, a todas estas questões,
porque um homem ou uma mulher, quando assumem uma função pública, devem considerar-se propriedade
pública e, logo, com obrigação de resposta cabal.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, a Sr.ª Deputada Fabíola Cardoso, para uma intervenção.
A Sr.ª Fabíola Cardoso (BE): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Mais uma vez, a COVID-19 mostrou-nos, a todos e a cada um, a nossa fragilidade, fragilidade
pessoal e coletiva, que levou, nomeadamente, ao adiamento do Conselho Europeu, devido à quarentena do
seu Presidente.
A resposta europeia à pandemia pretende aumentar a resiliência da União. A resiliência, para a biologia, é
a capacidade de recuperação de um ecossistema face a um desequilíbrio.
Construir uma Europa mais resiliente significará não só recuperar da crise sanitária, social e económica
que atravessamos, mas também fazer as mudanças estruturais necessárias para uma União mais sustentável,
inovadora e justa. Significará pensar e levar à prática um projeto participado, capaz de enfrentar crises futuras,
sejam elas sanitárias, ambientais ou políticas.
Construir uma Europa mais resiliente significa dispor não só de novos instrumentos de investimento, que
ainda não são certos, mas também da coragem política para aplicar esses fundos nas reformas necessárias
para tornar a União mais inclusiva e democrática.
Temos de abandonar um modelo económico e social baseado na exploração de mão-de-obra precária,
viciado em economias fósseis e centrado na lógica do lucro imediato, explorando o planeta e destruindo
futuros.
Resiliência significa também mudar, fazer a transição ou as transições — verdes, justas, digitais —, mas a
sério, não só no papel. Temos de melhorar efetivamente as condições de vida, garantir direitos no trabalho,
para que essa resiliência se materialize. Temos de aprender com a crise pandémica e garantir um plano de
investimento público que não sobrecarregue a dívida nacional nem traga austeridade ao futuro.
As propostas do Bloco de Esquerda são claras, tanto para a emergência, como para as profundas
alterações necessárias para o futuro.
Digitalizar, sim, mas protegendo empregos e rendimentos de todos quantos trabalham na Europa,
reduzindo efetivamente a precariedade, reconstruindo relações coletivas de trabalho, incluindo as plataformas
digitais e de teletrabalho.
Produzir, sim, mas defender serviços públicos fortes, universais e gratuitos, saúde e educação, mas
também telecomunicações, ciência, cultura, habitação; garantir que ninguém fica para trás sem uma efetiva
proteção social e cuidado.
Inovar, sim, mas combatendo as alterações climáticas, reduzindo a dependência externa, seja ela
alimentar, industrial ou energética.
Relações externas, sim, mas reforçando também o Estado de direito na União, garantindo a igualdade e a
dignidade a todas as pessoas perante a lei, liberdade de imprensa, independência de poderes, combate ao
racismo e a todas as formas de discriminação.
Concorda com estas prioridades, Sr. Primeiro-Ministro? São estes, também, os critérios a cumprir por quem
receba apoios europeus?
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Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Ainda no tempo do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, tem a palavra a Sr.ª Deputada Beatriz Gomes Dias.
A Sr.ª Beatriz Gomes Dias (BE): — Boa tarde, Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados: A emergência humana que se vive nos campos de refugiados de Moria expõe o fracasso das
políticas de fronteira da «Europa-fortaleza», que trata como indesejados ou empecilhos todas as pessoas que
procuram asilo.
O incêndio que destruiu o campo de refugiados de Moria desocultou a desumanidade, a indiferença face
aos direitos fundamentais de milhares de pessoas que fogem da guerra, das perseguições ideológicas e da
fome.
A situação na fronteira entre a Grécia e a Turquia agravou-se com o aumento do número de pessoas
refugiadas, que fogem da guerra na Síria. O presidente da Turquia, ao renunciar ao acordo de subcontratação
de políticas de fronteiras, abriu as portas à entrada de centenas de milhar de pessoas que se acumulam em
centros de detenção sobrelotados, com falta de condições sanitárias e de segurança.
Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas: No campo de Moria, com uma lotação quatro
vezes superior à sua capacidade, vivem cerca de 13 000 pessoas, entre as quais menores desacompanhados,
grávidas e doentes crónicos. Com a pandemia, à grave crise humana soma-se uma grave crise sanitária, pois
as condições precárias impossibilitam o distanciamento físico e o cumprimento das medidas de higiene
recomendadas.
O governo grego, perante esta crise humana, persiste na política carcerária e avança na construção de um
novo campo e reprime, com polícia de choque e gás lacrimogénio, os protestos dos refugiados que reivindicam
a liberdade e se levantam contra a construção de abrigos temporários que perpetuam a sua detenção.
Sr. Primeiro-Ministro, a resposta da União Europeia é insuficiente e não altera o paradigma assente na
detenção, contrária aos valores humanistas e à defesa dos direitos humanos. A Comissão Europeia
apresentou o Pacto para as Migrações e, para ter sucesso, onde se fracassou no passado, são necessárias
três medidas essenciais: alterar o paradigma assente na detenção e dar prioridade aos direitos das pessoas;
efetivar a concretização dos acordos para a reinstalação de refugiados; e evacuar os campos de refugiados na
Grécia, assegurando a implementação de mecanismos de efetiva distribuição solidária de responsabilidades
entre os Estados-Membros.
O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, tem de concluir.
A Sr.ª Beatriz Gomes Dias (BE): — Concorda com estas propostas, Sr. Primeiro-Ministro?
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — É a vez do Grupo Parlamentar do PCP. Tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo: Perante a ordem de trabalhos que está apontada para a próxima sessão do Conselho Europeu,
ganham mais relevo e força as preocupações e os alertas do PCP quanto às opções políticas que determinam
o sentido das prioridades no plano económico, desde logo as recentemente anunciadas pela Presidente da
Comissão Europeia.
Mais uma vez, é a mesma receita de concentração do poder político e de dominação no plano
supranacional, incluindo o alargamento a novos setores e áreas de ação — como a saúde —, sempre em
nome da angelical harmonização ou articulação, para esconder as reais estratégias de acumulação de lucro,
de degradação dos serviços públicos, de desregulação dos vários planos. É a continuidade, com outras
roupagens e retóricas, do mesmíssimo federalismo neoliberal, anunciando-se a conclusão da União dos
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Mercados de Capitais e da União Bancária, ou proclamando uma reindustrialização que serve, no essencial,
as economias mais poderosas.
Apesar do que disse agora o Sr. Primeiro-Ministro, o próprio Governo já chegou ao ponto de defender,
nesta Legislatura, na Assembleia da República, essa ideia peregrina da soberania industrial europeia, como se
estivéssemos todos no mesmo barco e como se a defesa da indústria nacional e dos nossos setores
produtivos fosse dispensável ou equivalente nas grandes potências da União Europeia!
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Primeiro-Ministro, só quem quiser ser enganado irá acreditar que, nas políticas industriais, é tudo uma grande família europeia, seja a EFACEC (Empresa Fabril de Máquinas
Elétricas, SARL) ou a ThyssenKrupp, a TAP ou a Lufthansa, o Arsenal do Alfeite ou o HDW (Howaldtswerke-
Deutsche Werft)!
No momento em que se anunciam verbas provenientes de fundos comunitários e em que o Governo se
prepara para submeter à União Europeia o chamado «plano de recuperação e resiliência», o PCP sublinha a
necessidade de o País ter o direito de decidir, de forma soberana, acerca da aplicação desses fundos de
acordo com o interesse nacional. É preciso defender os setores produtivos, o desenvolvimento e a soberania
do nosso País.
Não vamos deixar de o afirmar: Portugal precisa de concretizar um projeto de desenvolvimento soberano,
liberto dos interesses das grandes potências e dos grupos monopolistas e dos constrangimentos e
condicionalismos do euro e da União Europeia.
Portugal precisa de um projeto que, resgatando importantes elementos da sua soberania económica,
tirando partido dos seus recursos, recuperando o controlo público de setores estratégicos e de instrumentos
essenciais para enfrentar problemas e défices estruturais, assegurando a libertação da submissão ao euro e a
renegociação da dívida pública, aposte decididamente na melhoria das condições de vida, na elevação de
direitos, na valorização do trabalho e dos trabalhadores, no investimento público, no aumento da produção
nacional e na melhoria dos serviços públicos.
E, no domínio das relações internacionais, quando os senhores do dinheiro e da guerra bradam por novas
ingerências e agressões a países e a povos, deixo um desafio ao Sr. Primeiro-Ministro: faça uma coisa, se for
capaz, leve para o Conselho Europeu a Constituição da República Portuguesa e leia, em voz alta, o artigo 7.º.
Pode ser que alguém aprenda alguma coisa!
Há que combater essa visão de poder de império, da ingerência externa, da escalada militarista, do
saudosismo neocolonial, do torpedeamento da legalidade por parte de quem pretende derrubar governos
enquanto celebra negócios com potências ocupantes. Não, Srs. Deputados, há que cumprir a Constituição,
defender a paz e o respeito pela soberania e pelo direito internacional.
Aplausos do PCP e do PEV.
O Sr. Presidente: — É vez do Grupo Parlamentar do CDS-PP. Tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida, para uma intervenção.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: Queria começar por salientar a importância e a satisfação, por parte do Grupo
Parlamentar do CDS-PP, de estarmos a ter este debate. Não fora o veto do Sr. Presidente da República, este
era um dos debates que já não existiria.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Bem lembrado!
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Pegando no exemplo do debate anterior, parece-me evidente que acabar com debates quinzenais, transformados agora em debates temáticos, não traz vantagem nenhuma
ao debate político, e acabar com os debates europeus também não traria.
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Independentemente das perspetivas diferentes que temos — e são substancialmente diferentes —, é
indiscutível que este debate e este escrutínio são fundamentais para o que todos sempre dizemos que
queremos, isto é, uma cultura de participação no projeto europeu.
Nunca ninguém chegou a perceber como se defendia uma maior participação e proximidade ao projeto
europeu e se acabava com o momento de debate, no Parlamento, antes de cada Conselho Europeu.
Conseguimos até a proeza, desta vez, de estarmos a debater sobre um Conselho que já não vai acontecer na
data prevista e que só acontecerá mais tarde, mas ainda bem que assim é.
A agenda do Conselho está concentrada nos pontos essenciais do pós-pandemia, evidentemente, na
questão do mercado interno, na forma como foi afetado e como podemos restabelecê-lo. É curioso até que o
Sr. Primeiro-Ministro faça um ataque à visão liberal, quando uma das questões fundamentais da própria
agenda do Conselho é a do mercado livre europeu. Obviamente, saudamos isso, mas não percebemos,
depois, a crítica feita.
É também importante tratarmos a liberdade de circulação das pessoas e o restabelecimento dessa
liberdade de circulação, a importância de haver critérios europeus para que esta liberdade seja viável e
funcione, sem que haja barreiras. Ainda há barreiras e, obviamente, todos desejamos que deixe de haver, mas
com segurança, para todos podermos fazer um caminho em que, depois, não se volte para trás. Para isso, as
relações externas também são relevantíssimas.
No primeiro ponto, sobre o mercado interno, há uma questão que queria de colocar ao Sr. Primeiro-Ministro
e que acho que seria importante que Portugal defendesse no contexto deste Conselho. Esteve em cima da
mesa uma proposta para a criação, em português, de um instrumento de apoio à solvência das empresas que
tinha, até, uma verba substancial. Este mecanismo era importante para países como Portugal por uma razão
simples: houve outros países, com outras possibilidades, que deram apoios às suas empresas superiores aos
que Portugal deu às suas empresas.
O Sr. Duarte Marques (PSD): — Muito bem!
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Portanto, no retorno e na reabertura do mercado, há um problema de competitividade para quem recebeu apoios inferiores relativamente a concorrentes que
receberam outro tipo de apoios. A Comissão Europeia previu um mecanismo para equilibrar esta situação, o
Parlamento Europeu apoia este mecanismo, mas não há maioria no Conselho para o aprovar. Pergunto se o
Sr. Primeiro-Ministro vai defender o interesse das empresas portuguesas, da sua solvência, da resolução de
um dos maiores problemas que tem a economia nacional, que é a falta de capital, para permitir que as
empresas portuguesas tenham uma bolsa para poderem ter essa competitividade.
Uma vez que o tempo está a terminar, dizia apenas, relativamente às relações externas, que nos parece o
seguinte: é muito importante — já aqui foi dito por outros partidos — a questão da Bielorrússia. É fundamental
que Portugal acentue, neste Conselho, a defesa de regras claras de democracia e de respeito pela liberdade
de participação política.
O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Deputado.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Por isso, Portugal, que é um país exemplar nestas matérias, deve bater-se para que países que estão nas fronteiras da União não continuem a fazer e a atropelar os
direitos humanos e de participação política, como tem acontecido na Bielorrússia.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — É a vez do Grupo Parlamentar do PAN. Tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real.
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Já ouvimos o Sr. Primeiro-Ministro, ainda há pouco, falar da autonomia estratégica da
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Europa ou da recuperação económica, preocupações que partilhamos, mas as questões que hoje gostaríamos
de trazer dizem respeito aos valores humanitários do projeto europeu.
Para além das questões deixadas pelos restantes grupos parlamentares quanto à Bielorrússia, gostaríamos
de falar de um caso em particular que tem a ver com o facto de a crise sanitária não ter feito desaparecer a
crise humana que se vive no campo de Moria, um campo sobrelotado a que as próprias ONG (organizações
não-governamentais) apelidaram de «inferno na terra».
De facto, a tecnocracia de Bruxelas tem acabado por ignorar, ao longo dos anos, este flagelo. Há
condições absolutamente indignas nos campos gregos e que já são conhecidas há muito. Se nada se fizer,
poderemos ver repetida esta tragédia em Kara Tepe que é, neste momento, um dos maiores campos de
migrantes da Europa.
Enquanto aqui debatemos, em Kara Tepe, os migrantes, onde se incluem crianças, vindos de Moria, só têm
uma casa de banho para cada 500 pessoas, não têm água, não têm luz, vivem debaixo de surtos de COVID,
sem qualquer ajuda médica ou medicamentos, numa situação humana absolutamente indigna e à qual não
podemos fechar os olhos.
Sr. Primeiro-Ministro, parece-nos, assim, que é fundamental que a Europa e Portugal passem a ter uma
política mais eficaz no que respeita ao acolhimento de migrantes, começando por antecipar o acolhimento,
nomeadamente daqueles que estão nestas condições absolutamente deploráveis e desumanas, ao invés de
os acolher apenas quando ocorrem tragédias mediáticas.
Não podemos continuar a desperdiçar fundos europeus, como aconteceu recentemente com o caso da
Câmara Municipal de Lisboa. Precisamos de ter uma política que integre, efetivamente, estas pessoas, que
lhes garanta emprego e habitação. Este acolhimento não pode ser apenas de 18 ou 24 meses, findos os quais
têm de procurar outras oportunidades, nomeadamente em outros países, sendo fundamental a publicitação e a
dinamização do Fundo para o Asilo, a Migração e a Integração e, também, a criação de oferta pública de
habitação e melhorar, obviamente, o acompanhamento destas pessoas.
Por isso, Sr. Primeiro-Ministro, parece-nos que é fundamental perceber o que vai fazer, afinal, o Governo,
de que forma vai sensibilizar o Conselho Europeu quanto à urgência de se mudar, estruturalmente, estas
matérias, respeitando os direitos humanos destas pessoas refugiadas.
Para concluir, Sr. Primeiro-Ministro, um tema incontornável parece-nos ser, também, a nova lei de
segurança nacional de Hong Kong, que põe em risco os mais básicos direitos dos ativistas pró-democracia. A
União Europeia já recomendou, em julho, a adoção de um conjunto de medidas aos Estados-Membros, que
vão desde a ponderação da suspensão dos acordos de extradição com Hong Kong. Portugal ainda não se
pronunciou. Por isso, pergunto-lhe, Sr. Primeiro-Ministro, qual a opinião do Governo relativamente à
suspensão do acordo de extradição com Hong Kong? Até quando Portugal e a Europa vão continuar a fechar
os olhos a um regime que, sistematicamente, passa por cima dos mais basilares direitos humanos?
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado José Luís Ferreira, do Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os Verdes».
O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, o próximo Conselho Europeu não deve deixar de focar as suas atenções na resposta à crise que a Europa está a viver, na sequência da
pandemia. Aquilo de que precisamos é de respostas concretas e não de falsas solidariedades e princípios
europeus que, aliás, em rigorosamente nada se concretizam no dia a dia dos cidadãos.
Por isso, a nosso ver, a União Europeia não pode continuar a legitimar desigualdades, permitindo que
prevaleça a concorrência e a ganância do mercado único, que continua, aliás, a ditar condições desfavoráveis
para Portugal. Portanto, faz todo o sentido continuar a reclamar outro rumo para a União Europeia.
Sobre a transformação digital, também em cima da mesa, Os Verdes reafirmam que pode ser uma
oportunidade para melhorar a sustentabilidade e a eficiência e, sem descurar o potencial da digitalização —
aliás, há já muito tempo que Os Verdes têm propostas nesse campo —, ainda assim, não podemos ignorar as
consequências prejudiciais da sua concretização em contexto capitalista, que é aquele que a União Europeia
defende e representa.
Sr. Primeiro-Ministro, Os Verdes têm ainda uma preocupação relacionada com o Tratado da Carta da
Energia, que já vai na segunda ronda de negociações e que já mereceu, aliás, uma pergunta da nossa parte,
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mas cuja resposta, por parte do Governo, suscitou muitas preocupações. O Governo afirma que nunca
ponderou abandonar este tratado, preferindo trabalhar com os parceiros europeus com vista à sua
modernização. Mas, mesmo com todas as alterações que a Comissão Europeia diz pretender fazer, o que,
aliás, é pouco provável que aconteça, este Tratado manter-se-á incompatível com os objetivos do Acordo de
Paris.
Sr. Primeiro-Ministro, a questão que quero colocar é se o Governo mantém a intenção de permanecer no
Tratado da Carta da Energia, mesmo sabendo que cada dia que passa sem abandonar o Tratado da Carta da
Energia é um dia perdido e sabendo que nada inviabiliza que Portugal participe no processo de modernização
e pondere, ao mesmo tempo, a possibilidade de abandono do Tratado, até para o caso de não haver qualquer
alteração relevante.
O que pergunto é se o Governo mantém a intenção de permanecer nesse Tratado mesmo sabendo que
este representa uma ameaça para o clima e para o desenvolvimento do Acordo de Paris no combate às
alterações climáticas.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado André Ventura, do Chega.
O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, ficou claro que a única estratégia que o Governo tem de combate à crise é estar de mão estendida para Europa. Não há
outra. É esperar pelo dinheiro que chega, a ver quando chega e em desespero, porque, se não chega, o tal
Ronaldo das Finanças não deixou nenhum milagre que permita a solidez da nossa economia.
Queria perguntar qual vai ser a posição do Governo português sobre os corredores aéreos que nos
continuam a ser encerrados, perante a passividade, inacreditável, de um Governo que deixa morrer o turismo
no Algarve, no Norte, com o encerramento consistente e permanente de corredores aéreos sem uma palavra
do Governo e com palavras muito dúbias do Presidente da República.
Sr. Primeiro-Ministro, a economia portuguesa, no auge da pandemia, foi a quarta que mais caiu em toda a
zona euro. Isso já mostra a fragilidade do nosso tecido económico. O que é que vamos fazer, que pedido
vamos fazer e que estratégia vamos ter na Europa para evitar que os mesmos de sempre, os países mais
ricos da Europa, sejam beneficiados e que a economia portuguesa seja, novamente, prejudicada com o
aumento da dívida e com a pressão sobre as suas contas públicas?
Porque é que o dinheiro da Europa só chega em 2021 quando foi consensual entre todos os Estados-
Membros que esta era a maior crise das nossas vidas? Porque é que não se conseguiu evitar a burocracia de
Bruxelas para que o dinheiro pudesse chegar ainda, por exemplo, até dezembro deste ano e, pelo menos, se
salvassem postos de trabalho, empresas e famílias?
É sempre mais forte a burocracia do que a necessidade e o objetivo de ajudar aqueles que mais precisam,
exceto quando é para pagar impostos! Aí, estão sempre cá para os cobrar!
Sr. Primeiro-Ministro, soubemos, hoje mesmo, que a União Europeia propôs um novo Pacto de Migrações
e Asilo em que, espantem-se, se propõe que os Estados-Membros venham, agora, com novas contribuições
— novas contribuições! —, para podermos ir buscar migrantes à entrada da Europa e os trazer para qualquer
outra parte da União Europeia.
O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Deputado.
O Sr. André Ventura (CH): — Vou terminar, Sr. Presidente. Já nos disse, hoje, que vai haver mais impostos europeus. Gostava que nos dissesse o que Portugal vai
dizer a mais contribuições para ir buscar pessoas à fronteira externa da União Europeia quando temos
pessoas sem casa, aqui, na cidade de Lisboa. É a isso que gostava que me respondesse.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, da Iniciativa Liberal.
O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Quero saudar especialmente o Sr. Primeiro-Ministro, pois termos, hoje, dois debates,
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no mesmo dia, é um luxo, principalmente depois de o PSD e de o PS terem decidido acabar com os debates
quinzenais.
Quanto ao Conselho Europeu, apesar de ter sido adiado para a próxima semana, mas suponho que com a
mesma agenda, convinha relembrar o seguinte.
A União Europeia é um espaço de livre circulação e livre comércio de bens e serviços, mas, infelizmente,
alguns pensam que é também um espaço de comércio de valores e princípios. Para nós, liberais, não é! A
Europa não se deve vender por um prato de lentilhas, a Europa deve ter coragem de fazer frente a quem,
independentemente do seu poder, violar direitos e liberdades dos cidadãos europeus.
Por isso, a Iniciativa Liberal insta o Sr. Primeiro-Ministro a representar Portugal e a ter um papel ativo na
definição das sanções europeias a aplicar aos responsáveis políticos opressores na Bielorrússia.
Registo com agrado que não sou, hoje, finalmente, o único a falar deste tema, tal como não sou o único a
falar no que se passa relativamente ao território de Hong Kong e a defender que a Europa se mexa também
em relação aos cidadãos europeus presos na China, entre eles, um jovem de 19 anos com passaporte
português, cujo nome vou arriscar dizer, Tsz Lun Kok, que está detido, há um mês, sem acesso a advogado,
sem poder contactar a família, em condições que nem sequer imaginamos.
O Governo tem de levar este tema ao Conselho com urgência e os serviços diplomáticos portugueses
devem exigir poder visitá-lo e inteirar-se do seu estado, algo previsto ao abrigo do domínio legal humanitário.
Quanto aos pontos relativos ao mercado único e à política industrial, tem de ser dito que o poder de
decisão de Portugal não se pode vergar ao da Europa sem discussão. É normal que haja critérios na aplicação
de fundos, mas não é normal que as prioridades, os objetivos e a distribuição das verbas sejam impostas de
forma dirigista, de cima para baixo, como se os países fossem todos iguais e com pouco ou nenhum
conhecimento do que a sociedade portuguesa precisa e está preparada para fazer.
Retomo, em parte, um ponto que já sublinhei na intervenção de há pouco: a enorme importância de ter uma
estrutura de governação dos fundos, a nível europeu e a nível nacional, que esteja à altura da ambição e da
novidade em que consiste este plano de recuperação.
O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Deputado.
O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Vou terminar, Sr. Presidente, dizendo o seguinte: ainda ninguém sabe muito bem como e quem vai avaliar, selecionar e acompanhar os projetos que serão apoiados. Ainda
ninguém percebeu como se pode garantir que, desta vez, haverá retorno social e retorno económico dos
investimentos. Ainda ninguém nos convenceu que, no final, não acabemos, mais uma vez, apenas a engrossar
a montanha de dívida pública e a lamentar uma oportunidade perdida.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para encerrar este debate europeu, o Sr. Primeiro-Ministro, António Costa.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Muito obrigado pelo conjunto de questões.
Em primeiro lugar, começando por responder ao Sr. Deputado Capoulas Santos — que cumprimento
especialmente na sua qualidade de Presidente da Comissão de Assuntos Europeus —, relativamente ao
acordo com o Parlamento Europeu, aquilo que espero é que ele se concretize o mais depressa possível.
A Europa enfrenta uma crise muito grave. O que temos dito, desde o início, é que precisamos de uma
resposta robusta e à escala europeia para esta crise, que é global, e com muito esforço foi possível obter um
acordo que, como disse, e bem, foi um passo histórico dado no Conselho.
É preciso que todos tenham bem consciência de que, hoje, no seio dos 27, há visões geometricamente
muito variáveis sobre o que deve ser a União. Isso tem uma expressão porventura menos clara no Parlamento
Europeu, que se organiza mais em torno de famílias políticas do que na expressão do interesse específico de
cada Estado, mas que, depois, no seio do Conselho, se torna particularmente evidente e de uma forma
transversal a todas as famílias políticas.
Portanto, considero que é absolutamente fundamental termos todos em conta que o acordo que foi obtido
no Conselho muito dificilmente pode ser alargado, seja para acomodar a ambição de termos orçamentos mais
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generosos relativamente aos programas de gestão descentralizada da União Europeia, como é o caso do
Horizon 2020, ou de mantermos mecanismos como o mecanismo da insolvência, ou de alargarmos os critérios
de acesso aos fundos de uma forma mais exigente do que aquela que foi acordada no Conselho.
Espero, por isso, que o diálogo entre as instituições corra bem e que, tão rapidamente quanto possível,
este mecanismo esteja disponível a partir do próximo dia 1 de janeiro. Às vezes o que é difícil acontece: esta
semana, contra a expectativa de muitos, foi dada a última garantia nacional que faltava para que o programa
SURE (Support to mitigate Unemployment Risks in an Emergency) pudesse estar disponível. A partir do
próximo mês estará disponível. Esperemos que este acordo com o Parlamento Europeu seja também efetivo.
No diálogo com a Turquia, temos, obviamente, uma posição totalmente solidária com a Grécia e com
Chipre. Consideramos que é fundamental que haja, por um lado, o desenvolvimento de todas as plataformas
de diálogo e convém não esquecer que a Turquia é um aliado de todos nós na NATO (North Atlantic Treaty
Organization), que tem uma posição geoestratégica da maior importância para a NATO e que é,
simultaneamente, um país com quem a União Europeia vem mantendo, há longas décadas, uma relação no
mínimo equívoca. Julgo que não haverá entendimento possível com a Turquia enquanto não acabarmos com
os equívocos e assumirmos, de uma vez por todas, qual deverá ser a base de relacionamento futuro entre a
União Europeia e a Turquia. Por isso, aquilo em que temos insistido e é o contributo que daremos no Conselho
é que, de uma vez por todas, tenhamos um debate franco e uma decisão clara sobre o tipo de relacionamento
que queremos manter, no futuro, com a Turquia.
Quanto ao Reino Unido, a única coisa que, neste momento, podemos dizer é reiterar o que é um princípio
do direito internacional: os tratados não se rasgam, cumprem-se, e o acordo de saída existe e o Reino Unido
deve cumpri-lo.
A Sr.ª Deputada Edite Estrela sublinhou, e bem, como vários Srs. Deputados, a necessidade de termos
uma posição clara relativamente à violação dos direitos humanos e à defesa das liberdades públicas e
políticas na Bielorrússia. É essa a posição que teremos e que iremos defender.
Quanto à questão das migrações, que foi colocada por diversos Srs. Deputados, gostaria de dizer —
permita-me a Sr.ª Deputada Isabel Meireles — que esse problema não nos tocou agora à porta porque tem
havido sinais de uma nova rota atlântica de acesso à Europa. Esse é um problema que nos toca desde o
momento em que o primeiro migrante ou refugiado chegou a qualquer país da União Europeia.
Esse não é um problema nacional, ao contrário do que pensa o Sr. Deputado André Ventura, é mesmo um
problema do conjunto da União Europeia e ao qual temos de responder solidariamente. É por isso que somos
partidários da solidariedade na repartição dos candidatos à obtenção de proteção internacional na União
Europeia, é por isso que já recebemos cerca de 360 refugiados provenientes de Itália e 1200 provenientes da
Grécia e que temos um acordo complementar com a Grécia para podermos receber mais 1000 refugiados e,
em particular, para podermos receber 500 menores não acompanhados, provenientes da Grécia. Mal ocorreu
o incêndio em Moria, eu próprio comuniquei ao meu colega grego que estávamos em condições de receber,
imediatamente, 100 refugiados e 20 menores não acompanhados da Grécia, transmitindo também essa nossa
disponibilidade à presidência alemã.
É por essa razão que também temos participado, voluntariamente, em todas as operações de acolhimento
ad hoc que têm sido solicitadas por Malta, pela Itália e pela Grécia, e iremos continuar a participar em todas.
Portanto, Sr. Deputado André Ventura, leva duas más notícias: não só espero que haja impostos europeus
para que os fundos próprios da União não sejam reforçados com as contribuições nacionais mas com os
impostos de quem não paga impostos na Europa, apesar de enriquecer na Europa, como acontece com as
grandes plataformas internacionais, como queremos, efetivamente, participar, de uma forma solidária, no
esforço que a Europa tem de desenvolver para assegurar proteção internacional a quem dela carece.
Aplausos do PS.
Não tenho muito tempo, mas vou responder às últimas perguntas.
A Sr.ª Deputada Fabíola Cardoso perguntou-me se estou de acordo. Sim, estou de acordo. E estou de tal
maneira de acordo que é pena que não tenha intervindo no debate anterior, onde a questão esteve,
precisamente, em discussão e onde a proposta que temos do programa de recuperação e resiliência procura
precisamente responder às questões que aqui coloca.
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Ao Sr. Deputado Bruno Dias respondo a mesma coisa: a melhor forma de definirmos, de uma forma
soberana, o que pretendemos defender com os fundos comunitários não é fugir ao debate sobre o programa
de recuperação e resiliência, é participar ativamente nesse programa e não colocarmo-nos em debates laterais
e que não têm a ver com o programa de recuperação e resiliência.
Quanto à política industrial, não sei se estamos 100% de acordo, mas estamos tendencialmente de acordo.
E isso é muito claro. Podemos mesmo ter uma política industrial porque a Europa não pode estar nesta
economia global de uma forma ingénua e Portugal não pode estar no seio da União Europeia também de uma
forma ingénua, portanto, defendemos o mercado único.
Mas defendemos um mercado único que não gere o reforço das assimetrias pela via da criação de grandes
campeões europeus, de uma forma centralizada, mas, pelo contrário, aproveite totalmente o enorme potencial
que existe na União Europeia, através da criação de redes descentralizadas que mobilizem o conjunto dos
sistemas científicos e o conjunto do tecido produtivo dos 27 Estados-Membros.
Queremos sempre ser parte ativa na construção dessa autonomia estratégica da Europa e não ter uma
posição passiva nesse contexto da política industrial europeia.
E não há nenhuma contradição nisto, Sr. Deputado João Almeida, em defender esta força do mercado
interno mas defender que dentro do mercado interno, como em todos os mercados, não podemos esperar pela
mão invisível e devemos assegurar que haja, efetivamente, um mecanismo de correção de assimetrias que
assegure um level playing field entre todos aqueles que são participantes no mercado interno.
Para nós, no mercado interno, não há uma bolsa de valores. Os valores são os que estão afirmados na
nossa Constituição, que estão afirmados na história da nossa democracia. Não têm fronteiras, seja na Europa,
seja em todo o mundo.
Por isso, defendemo-lo de uma forma universal, quer no seio da União Europeia, quer no caso concreto
que diz respeito à China, com base nas nossas relações bilaterais. E é por esses canais diplomáticos que
temos vindo a acompanhar a situação dos cidadãos portugueses que são também cidadãos chineses, que
merecem uma especial preocupação e atenção e que têm vindo a ser acompanhados pelos competentes
canais diplomáticos, e assim continuaremos a proceder.
Permita-me só, Sr. Presidente, para não deixar de responder ao Sr. Deputado José Luís Ferreira, dizer
que, sim, não há para nós incompatibilidade em matéria de sermos fiéis a um tratado de que fazemos parte e
continuar a defender aquilo que é essencial, que é cumprir o Acordo de Paris e foi para cumprir mesmo que
estabelecemos no nosso Plano Nacional Energia e Clima as metas que são mais ambiciosas do que aquelas
que constam do Acordo de Paris.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Chegámos, assim, ao final deste debate e também da nossa agenda de hoje. Agradeço aos Membros do Governo aqui presentes e ao Sr. Primeiro-Ministro em particular.
A nossa reunião plenária de amanhã terá início às 15 horas, com a ordem de trabalhos que passo a
informar.
Do primeiro ponto consta a apreciação do Projeto de Resolução n.º 307/XIV/1.ª (PS) — Recomenda ao
Governo a adoção de medidas de valorização das associações que promovam o equilíbrio de género nos seus
órgãos sociais.
Seguir-se-á, no segundo ponto, a discussão do Projeto de Resolução n.º 582/XIV/1.ª (PSD) — Programa
de resposta económica e social para o Algarve.
No terceiro ponto, iremos debater, em conjunto e na generalidade, os Projetos de Lei n.os 414/XIV/1.ª (BE)
— Densifica o regime jurídico aplicável à transmissão de empresa ou estabelecimento clarificando a sua
aplicação nas situações de fornecimento de serviços de vigilância, alimentação ou limpeza (Décima sexta
alteração do Código do Trabalho), 448/XIV/1.ª (PS) — Introduz uma norma interpretativa do artigo 285.º do
Código do Trabalho, tornando obrigatória a sua aplicação à adjudicação, por concurso público, de prestações
de serviços públicos e 503/XIV/1.ª (PCP) — Defende e reforça os direitos dos trabalhadores em caso de
transmissão de empresa ou estabelecimento, no setor privado ou no setor público, por adjudicação de
fornecimento de serviços que se concretize por concurso público, ajuste direto ou qualquer outro meio
previsto.
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O quarto ponto consiste na discussão conjunta, na generalidade, dos Projetos de Lei n.os 372/XIV/1.ª (PCP)
— Cria um regime de reforço de trabalhadores em equipamentos sociais e revoga a Portaria n.º 82-C/2020, de
31 de março, 490/XIV/1.ª (CDS-PP) — Atualização em 6% do Compromisso de Cooperação celebrado com as
entidades do setor social e solidário e 504/XIV/1.ª (BE) — Conversão em contrato de trabalho das bolsas dos
profissionais recrutados para reforço do apoio aos lares e a outros equipamentos sociais.
Do quinto e último ponto consta a discussão do Projeto de Resolução n.º 99/XIV/1.ª (CDS-PP) —
Recomenda ao Governo a preparação de medidas concretas, e com caráter permanente, que visem minorar
os efeitos da seca, juntamente, na generalidade, com os Projetos de Lei n.º 155/XIV/1.ª (PCP) — Cria o plano
nacional para a prevenção estrutural dos efeitos da seca e seu acompanhamento e 502/XIV/1.ª (Deputada não
inscrita Cristina Rodrigues) — Cria o plano de prevenção e adaptação do território aos efeitos da seca.
Muito obrigado a todos, um bom final de tarde e até amanhã.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 28 minutos.
Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.