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Quinta-feira, 1 de outubro de 2020 I Série — Número 7

XIV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2020-2021)

REUNIÃOPLENÁRIADE30DESETEMBRODE 2020

Presidente: Ex.mo Sr. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues

Secretárias: Ex.mas Sr.as Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha Ana Sofia Ferreira Araújo

S U M Á R I O

O Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 5 minutos.

Deu-se conta da não admissão, pelo Presidente, do Projeto de Lei n.º 482/XIV/2.ª e da admissão das Propostas de Lei n.os 57 a 59/XIV/2.ª, dos Projetos de Lei n.os 530 a

546/XIV/2.ª, da Apreciação Parlamentar n.º 31/XIV/2.ª e dos Projetos de Resolução n.os 664 a 674/XIV/2.ª.

Em declaração política, o Deputado Duarte Pacheco (PSD) pôs em causa a escolha, pelo Governo, da Deloitte para fazer uma auditoria ao Novo Banco e defendeu que tal

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seja feito por uma entidade pública, como, por exemplo, o Tribunal de Contas. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Deputados José Luís Ferreira (PEV), Inês de Sousa Real (PAN) — que também usou da palavra em defesa da honra —, Duarte Alves (PCP), Mariana Mortágua (BE), Miguel Costa Matos (PS) e Cecília Meireles (CDS-PP).

Em declaração política, o Deputado José Maria Cardoso (BE) teceu críticas ao processo de eleição dos presidentes e vice-presidentes das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) e respondeu a pedidos de esclarecimento dos Deputados José Cancela Moura (PSD), Cecília Meireles (CDS-PP), João Cotrim de Figueiredo (IL), Nelson Basílio Silva (PAN), Paula Santos (PCP), José Luís Ferreira (PEV) e Maria da Luz Rosinha (PS).

Em declaração política, o Deputado António Filipe (PCP) salientou a importância da política de justiça para o Estado de direito democrático e lamentou que o Governo não faça os investimentos necessários com vista à resolução de problemas que afetam o funcionamento daquela área. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Deputados José Manuel Pureza (BE), André Ventura (CH), Carlos Peixoto (PSD), Isabel Rodrigues (PS) e Telmo Correia (CDS-PP).

Em declaração política, a Deputada Cecília Meireles (CDS-PP) considerou necessário que o Orçamento do Estado para 2021 confie na iniciativa privada e acusou o Governo de apostar num modelo de crescimento assente em obras públicas. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Deputados Jorge Paulo Oliveira (PSD), João Cotrim de Figueiredo (IL), Duarte Alves (PCP) e Hugo Costa (PS).

Em declaração política, a Deputada Inês de Sousa Real (PAN) criticou a disparidade de critérios sanitários definidos relativamente a diferentes atividades, com base nas indicações da Direção-Geral da Saúde, e o incumprimento das regras nos espetáculos tauromáquicos. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Deputados Fernanda Velez (PSD), Ana Rita Bessa (CDS-PP), André Ventura (CH), Eduardo Barroco de Melo (PS) e Paula Santos (PCP).

Em declaração política, o Deputado Pedro Coimbra (PS) teceu considerações acerca da crise social e económica

provocada pela crise sanitária e congratulou-se pela apresentação do Plano de Recuperação e Resiliência anunciado pelo Primeiro-Ministro, tendo agradecido os contributos do Professor António Costa Silva e da sociedade. De seguida, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Deputados Bruno Dias (PCP), José Luís Ferreira (PEV), Inês de Sousa Real (PAN), Isabel Pires (BE), Cristóvão Norte (PSD) e João Gonçalves Pereira (CDS-PP).

Foi apreciada a Petição n.º 57/XIV/1.ª (Joana Isabel Gentil Soares e outros) — Apoio para todas as crianças com idade escolar até aos 12 anos durante todo o período de suspensão letiva. Intervieram os Deputados João Cotrim Figueiredo (IL), Bebiana Cunha (PAN), Alexandra Vieira (BE), Mariana Silva (PEV), Ana Rita Bessa (CDS-PP), Maria Germana Rocha (PSD), Lúcia Araújo Silva (PS) e Alma Rivera (PCP).

Foi apreciada a Petição n.º 636/XIII/4.ª (Movimento de Apoio à Saúde Materno-Infantil da Guarda, MASMI, representado por Ismael Escudeiro Martins Duarte) — Solicitam a adoção de medidas com vista à requalificação do pavilhão 5 do Hospital de Sousa Martins, da Unidade Local de Saúde da Guarda, em conjunto com os Projetos de Resolução n.os 547/XIV/1.ª (CDS-PP) — Recomenda ao Governo a requalificação do Pavilhão 5 do Hospital Dr. Sousa Martins, 555/XIV/1.ª (PSD) — Recomenda ao Governo a requalificação do Pavilhão 5 do Hospital de Sousa Martins, na Unidade Local de Saúde da Guarda, para instalação do Departamento de Saúde da Criança e da Mulher, 595/XIV/1.ª (PS) — Recomenda ao Governo prioridade absoluta na conclusão do projeto de requalificação do Pavilhão 5 do Hospital Sousa Martins, da Guarda, para Maternidade e Departamento de Saúde da Criança e da Mulher, 609/XIV/1.ª (BE) — Requalificação do Pavilhão 5 do hospital da Guarda e do Pavilhão Dona Amélia e 613/XIV/1.ª (PCP) — Recomenda a reconstrução imediata do Pavilhão 5 do Hospital Sousa Martins para instalação da área clínica materno-infantil (Guarda). Proferiram intervenções os Deputados Ana Rita Bessa (CDS-PP), Carlos Peixoto (PSD), Santinho Pacheco (PS), Moisés Ferreira (BE), Duarte Alves (PCP), Mariana Silva (PEV) e André Ventura (CH).

O Presidente (Fernando Negrão) encerrou a sessão eram 18 horas e 56 minutos.

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O Sr. Presidente: — Boa tarde, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Funcionários, Sr.as e Srs. Jornalistas. Vamos dar início à nossa sessão plenária.

Eram 15 horas e 5 minutos.

O primeiro ponto da nossa ordem do dia consta, como sabem, de declarações políticas, mas, antes disso,

dou a palavra à Sr.ª Secretária Maria da Luz Rosinha para proceder à leitura do expediente.

A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, passo a informar da não admissão, pela Mesa, do Projeto de Lei n.º 482/XIV/1.ª (CH).

Deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: Propostas de Lei n.os 57/XIV/2.ª (GOV),

58/XIV/2.ª (GOV) e 59/XIV/2.ª (GOV); Projetos de Lei n.os 530/XIV/2.ª (PEV), 531/XIV/2.ª (CH), 532/XIV/2.ª

(BE), 533/XIV/2.ª (BE), 534/XIV/2.ª (PAN), 535/XIV/2.ª (PAN), 536/XIV/2.ª (PAN), 537/XIV/2.ª (PCP),

538/XIV/2.ª (PAN), 539/XIV/2.ª (IL), 540/XIV/2.ª (IL), 541/XIV/2.ª (PCP), 542/XIV/2.ª (Deputada não inscrita

Cristina Rodrigues), 543/XIV/2.ª (CH), 544/XIV/2.ª (PEV), 545/XIV/2.ª (PCP) e 546/XIV/2.ª (Deputada não

inscrita Cristina Rodrigues); Apreciação Parlamentar n.º 31/XIV/2.ª (PCP); e Projetos de Resolução n.os

664/XIV/2.ª (PSD), 665/XIV/2.ª (IL), 666/XIV/2.ª (PSD), 667/XIV/2.ª (BE), 668/XIV/2.ª (PSD), 669/XIV/2.ª (CDS-

PP), 670/XIV/2.ª (CDS-PP), 671/XIV/2.ª (PSD), 672/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Cristina Rodrigues),

673/XIV/2.ª (BE) e 674/XIV/2.ª (IL).

É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Vamos entrar na ordem do dia, cujo primeiro ponto consta de declarações políticas. A primeira declaração política cabe ao Grupo Parlamentar do PSD, para o que tem a palavra o Sr.

Deputado Duarte Pacheco.

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Seis anos após a resolução e com 7 mil milhões de euros gastos com o BES (Banco Espírito Santo) /Novo Banco, esta instituição financeira

continua a cair na mesa dos portugueses, até porque somos todos nós, fomos todos nós que pagámos

aqueles 7 mil milhões.

É unânime que este problema tem a génese num caso de polícia, a que se seguiu uma resolução, que não

foi perfeita, e uma venda pelo Estado, que se confirma, hoje, ruinosa para os cofres públicos.

As perplexidades dos portugueses e de todos nós, nesta Casa, são de tal ordem que aprovámos

recentemente a constituição de uma nova comissão parlamentar de inquérito, a qual vai avaliar estas e outras

questões.

Mas há ações que podemos desenvolver em simultâneo e que podem ser úteis para o esclarecimento da

verdade e, até, auxiliar o trabalho da comissão de inquérito, a qual dificilmente irá iniciar a sua atividade real

antes do mês de dezembro.

Durante os últimos anos, o Novo Banco apresentou, na sequência das perdas com a venda de ativos,

faturas a pagamento ao abrigo de uma garantia que o Governo socialista antes negara existir e que se

confirmou ser real.

O pior é que todas as faturas foram pagas sem que, aparentemente, fossem analisadas e confirmado se o

pagamento era devido. É o caso, incompreensível para qualquer cidadão comum, das perdas com a venda de

imobiliário face ao valor registado no banco, precisamente no momento do crescimento dos preços do

mercado imobiliário em todo o território nacional.

Porque esta realidade é surpreendente para todos, o próprio Governo solicitou a realização de uma

auditoria. E aqui ocorreu um novo erro.

É verdade que foi o Banco de Portugal que indicou a Deloitte para a realização dessa auditoria, mas

também é verdade que, num mercado tão pequeno como o nosso e com tantos milhares de operações para

analisar, seria difícil que qualquer das grandes empresas de auditoria/consultoria não estivesse envolvida pelo

menos numa das operações em análise.

Devia ter-se recorrido logo a uma instituição pública, que desse provas de independência, de idoneidade e

competência reconhecida e inquestionável para a realização dessa auditoria.

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O Sr. Adão Silva (PSD): — Muito bem!

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — E a primeira dessas instituições, aquela que salta à vista de qualquer cidadão, entre outras que também podíamos referenciar, é o Tribunal de Contas, quer pelo exposto, quer

ainda pela qualidade dos seus relatórios e pela análise crítica e independente que sempre faz, doendo a quem

doer.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Muito bem!

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Não foi esse o caminho que o Governo prosseguiu. Mas este é o caminho que hoje podemos, ainda, trilhar.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o tempo urge e, daqui a sete ou oito meses, o Novo Banco pode

querer receber os 1000 milhões de euros que ainda restam nesta garantia pública. Uma auditoria com esta

envergadura e com estas consequências é difícil e demorada, pelo que não há tempo a perder.

Pode a Assembleia da República esperar por janeiro para, então, determinar a uma instância pública,

nomeadamente ao Tribunal de Contas, que desenvolva esta auditoria, mas, hoje, se for o entendimento

alargado na Câmara, que, por exemplo, o Tribunal de Contas a deve realizar, podemos sinalizar isso mesmo,

nomeadamente quando o próprio Tribunal já confirmou que tem competência para avançar com essa auditoria.

E tudo isto, porque as conclusões da mesma devem ser conhecidas em tempo útil, antes de o Estado passar o

próximo cheque.

Sabemos que os contratos do Estado devem e têm de ser respeitados e cumpridos.

Se todo o valor for realmente devido, deve ser pago, e cá estaremos para avaliar a bondade, a seriedade e

a ingenuidade do contrato que o Estado assinou.

Se o valor não for devido, deve ser evitado o pagamento da tranche em falta, e procurar recuperar, nas

instâncias competentes, o que, eventualmente, foi pago a mais.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, vamos ser práticos.

Mais do que atirarmos pedras uns aos outros e continuarmos a transferir dinheiro para o Novo Banco, o

que os portugueses exigem é que não se transfira nem mais um cêntimo — nem mais um cêntimo! — se isso

não for devido. E depois que se apure a responsabilidade sobre os compromissos que o Estado assumiu.

É este o nosso propósito e desejamos, Srs. Deputados, que se juntem ao PSD nesta ação, para assegurar

que uma entidade pública, nomeadamente o Tribunal de Contas, possa fazer aquilo que todos os portugueses

esperam dele.

É uma exigência nacional.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, a Mesa regista a inscrição de seis Deputados para formularem pedidos de esclarecimento. Como pretende responder?

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Sr. Presidente, responderei, primeiro, a três e, depois, aos restantes três.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para formular pedidos de esclarecimento, o Sr. Deputado José Luís Ferreira, de Os Verdes.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Duarte Pacheco, começo por cumprimentá-lo pelo assunto que traz a discussão, porque o Novo Banco, não sendo um

problema só de agora, continua a ser um assunto atual e, infelizmente, pelos piores motivos.

De facto, estamos a falar de um problema que se arrasta há já seis anos, o mesmo é dizer que estamos a

falar de um problema que nasceu com o Governo PSD/CDS-PP. Mais, o Governo PSD/CDS-PP não só criou

um problema como também não o resolveu. E, face ao acumular de situações estranhas e até aos encargos

que os contribuintes continuam a suportar, Os Verdes também consideram que é necessário perceber as

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causas das perdas do Novo Banco imputadas ao Fundo de Resolução, detetar as decisões que estiveram na

sua origem e identificar os responsáveis políticos por essas decisões. Foi, aliás, por esse motivo que Os

Verdes estiveram de acordo com a criação de uma comissão de inquérito ao Novo Banco.

Mas, como o Sr. Deputado sabe, a comissão de inquérito, apesar da importância que lhe atribuímos,

sobretudo para que a culpa não volte a morrer solteira, não vai resolver o essencial do problema.

Na nossa perspetiva, o essencial do problema reside na necessidade de colocar o Novo Banco ao serviço

do desenvolvimento do País, da nossa economia, ao serviço dos interesses dos portugueses. Mas isso só

será possível quando o Novo Banco estiver nas mãos do Estado, nas mãos de quem o paga, aliás. Enquanto

assim não for, o problema vai continuar e os portugueses vão continuar a suportar os custos deste impasse.

Mas, Sr. Deputado, certamente estará recordado das palavras da então Ministra de Estado e das Finanças,

Maria Luís Albuquerque, quando, em 2015, dizia que a opção do Governo PSD/CDS-PP não ia trazer custos

para os contribuintes. Sucede que, desde essa altura, os custos para os contribuintes não param de aumentar.

Aquilo que pergunto, Sr. Deputado Duarte Pacheco, é: seis anos depois destas afirmações, que avaliação

faz desta convicção da Ministra de Estado e das Finanças do Governo PSD/CDS-PP, quando, aliás, o Sr.

Deputado até reconhece, como reconheceu hoje, na sua intervenção, que os custos continuam a cair na mesa

dos portugueses?

Era importante saber, seis anos depois, que avaliação é que o Sr. Deputado Duarte Pacheco faz das

declarações da então Ministra de Estado e das Finanças, Maria Luís Albuquerque, ao afirmar que não havia

custos para os contribuintes.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra, para pedir esclarecimentos, a Sr.ª Deputada Inês Sousa Real, do PAN.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Duarte Pacheco, no debate do Novo Banco a posição do PAN tem sido mais do que clara. Não será, certamente, pelo PAN que

o Novo Banco terá uma nova injeção de dinheiros públicos, mas não entramos em aventuras e

experimentalismos como outros. Para nós, o essencial é que haja uma renegociação urgente dos acordos de

venda para clarificar tudo o que, neste momento, não é claro.

Sem esta renegociação não poderemos impedir a injeção de capitais, via Fundo de Resolução, sem que

isso acarrete a responsabilização do Estado, no futuro, que pode, aliás, ter um custo superior ao da injeção.

De resto, não é de todo claro que, devido à crise sanitária, o Novo Banco não possa vir a reivindicar uma

injeção de capital superior à prevista no contrato e só uma renegociação a poderá, de facto, impedir.

Mais, acabámos de ouvir a esquerda referir a hipótese real de quererem uma nacionalização do Novo

Banco. Ora, sem a renegociação, há, claramente, o risco real de o Estado se tornar acionista do Novo Banco

no próximo ano, algo que acreditamos que o PSD não venha a acompanhar.

Sem a renegociação o Novo Banco passa a poder aumentar, já neste ano, os salários dos administradores,

o que, em nosso entender, é uma absoluta imoralidade.

Sem a renegociação, dificilmente o Estado poderá vir a responsabilizar o Lone Star pelos prejuízos

causados ao erário público, em virtude da gestão dolosa e ruinosa que tem mostrado. Sabíamos já que o Lone

Star era um fundo abutre e ficámos, há uns meses, a saber também que era um fundo matriosca, com

ligações a paraísos fiscais.

Portanto, sem a renegociação dos fundos e dos acordos de venda, a discussão sobre a não injeção de

capital no Novo Banco não passa de um mero show off mediático que ganho nenhum traz ao equilíbrio das

contas públicas e ao bolso dos contribuintes.

O PAN já aqui trouxe — e não podemos deixar de o recordar — a votação desta renegociação dos acordos

de venda do Novo Banco por duas vezes. Sr. Deputado, recordo que — e não podemos deixar de questioná-lo

—, em maio, o PSD, aquando do programa de estabilidade, votou contra e, em julho, passou a abster-se.

Sr. Deputado, recordamos também que, ainda há umas semanas, o PSD juntou-se ao PS e transformaram

uma proposta do PAN no sentido de o Governo, através da IGF (Inspeção-Geral de Finanças), fazer uma

auditoria independente à venda do GNB Vida, mas agora o PSD já tem pressa, de facto, na auditoria.

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Sr. Deputado, perguntamos-lhe se é desta que o PSD, finalmente, se junta às preocupações do PAN. No

próximo Orçamento do Estado, vai servir o interesse do País e votar a favor desta proposta do PAN ou vai

continuar a ser duro com as palavras com o Lone Star e com o PS, mas ligeiro no momento das votações?

O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Estou mesmo a concluir, Sr. Presidente. Quando é que o PSD vai passar das palavras à ação e à votação?

Aplausos do PAN.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, ainda neste primeiro conjunto de pedidos de esclarecimento, o Sr. Deputado Duarte Alves, do Grupo Parlamentar do PCP.

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Duarte Pacheco, depois de, há duas semanas, termos discutido o projeto de resolução do PCP sobre o controlo público do Novo Banco e de,

na semana passada, termos aprovado a constituição de uma comissão de inquérito, o PSD traz de novo a

debate a situação do Novo Banco, que é de grande relevância.

Continuam a manifestar-se as consequências do que se passou no BES, um autêntico retrato de um grupo

monopolista, das suas ligações na alta finança e nos governos da política de direita ao seu serviço, mas

também as consequências de opções políticas que foram tomadas por diferentes governos relativamente à

situação do BES e do Novo Banco.

Sr. Deputado, por ter falado da resolução com o eufemismo que utilizou, dizendo que não foi perfeita, creio

sinceramente que é altura de o PSD perceber exatamente que a resolução feita foi fraudulenta. Disse-se aos

portugueses que era possível resolver um banco com 12 milhões de euros de passivos, na sua holding

internacional, com os 4,9 mil milhões de euros que estavam nos fundos da troica, quando isso não era

possível! Maria Luís Albuquerque sabia, Passos Coelho sabia, o Governador do Banco de Portugal, Carlos

Costa, também o sabia. Portanto, esta resolução não foi perfeita, não, e mentiu-se mesmo aos portugueses.

Já nessa altura, o PCP defendia que devia pensar-se na hipótese da nacionalização, que o Banco de

Portugal, na altura, estimou que custaria 7 mil milhões de euros. Entretanto, já gastámos muito mais e o banco

não é nosso. Nessa altura, a ministra Maria Luís Albuquerque recusou-se sequer a avaliar essa hipótese.

Depois dessa resolução fraudulenta, o Governo do PS decidiu entregar o banco a custo zero ao Lone Star,

com uma garantia pública de 3,9 mil milhões de euros e já estamos muito perto desse valor.

Relativamente a auditorias e a comissões de inquérito, não obstaculizamos nenhuma medida no sentido de

ficarmos a conhecer, mas pensamos que não pode iludir-se os portugueses com estas medidas que, no fundo,

não vão à questão essencial. É sobre esta questão essencial que gostaríamos de questionar o PSD. No

momento em que já estamos perto dos 9 mil milhões de euros enterrados no Novo Banco, queremos saber se

o banco deve ser colocado na esfera pública ou se o Estado paga, mas não manda, o que, pela sua posição,

julgo ser o que o PSD e outros partidos têm defendido.

O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Sr. Presidente, termino, perguntando se o PSD está de acordo com o PCP quanto ao facto de o Banco de Portugal dever ter meios próprios de auditoria, sem estar dependente das

grandes multinacionais e consultoras.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Duarte Pacheco.

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, as vossas intervenções sobre o que eu afirmei pouco disseram, porque, infelizmente, estão no pior daquilo que as pessoas esperam do

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Parlamento, ou seja, que passemos a vida a querer atirar pedras uns aos outros em vez de irmos ao fundo das

questões e de procurarmos soluções.

Aplausos do PSD.

Se eu quisesse ir por essa linha, Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, podia perguntar-lhe o seguinte: mas

quem aprovou o último Orçamento do Estado, que tinha lá a verba para o Novo Banco? Não foi o PAN?

Aplausos do PSD.

Sr. Deputado, dizer que o problema do Novo Banco nasceu com o Governo do PSD é tão sério como dizer

que esta pandemia nasceu com o Governo do Partido Socialista. Percebe? É algo que não tem nada que ver

com a governação e que ocorre no mesmo momento em que alguém está a governar.

Aplausos do PSD.

Sr. Deputado Duarte Alves, a vossa solução é sempre a mesma: mesmo que fique mais cara não interessa,

a nacionalização é sempre opção para tudo, mesmo que a partir desse momento custe mais e mais dinheiro

aos contribuintes. Não é essa a nossa solução, porque preferimos uma solução que possa ser menos onerosa

e que seja melhor para a economia.

Volto a deixar aqui o repto — já não vão responder hoje, mas fico na expetativa de poderem dizê-lo

publicamente: o que é que os senhores têm contra o facto de uma entidade pública, como o Tribunal de

Contas, poder fazer uma auditoria a tempo e horas antes de a última injeção poder estar em cima da mesa e

de transferirmos mais 1000 milhões de euros para o Novo Banco?

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Se não têm nada a opor digam-no claramente para que esse sinal chegue a quem de direito e para que o Tribunal de Contas possa iniciar, de imediato, a sua atividade e

começar a auditar as contas do Novo Banco.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Duarte Pacheco, seguem-se mais três pedidos de esclarecimento. O primeiro cabe à Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.

Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Duarte Pacheco, não se trata de uma resolução que não foi perfeita. Vamos ser objetivos e objetivas: a resolução foi um desastre, porque os

prejuízos não foram assumidos, porque se criou a ficção de um banco limpo e porque a então Ministra das

Finanças disse — é preciso assumi-lo — que o Estado não iria pagar eventuais prejuízos do Novo Banco, e

isso era objetivamente falso.

No entanto, é verdade que a venda foi ruinosa e que a mesma promessa falsa foi feita aos portugueses

aquando dessa venda ruinosa. Lamento que o PSD tenha permitido a venda. Podia ter impedido essa venda

votando na Assembleia da República. Lamento também que o PSD tenha chumbado a proposta que permitia

que as novas injeções tivessem de ser aprovadas na Assembleia da República.

Mas estamos de acordo com o seguinte: não vale a pena esperar que as injeções que sobram sejam feitas

para, depois, vir fazer arqueologia dos prejuízos. Se o Parlamento tem poder para travar, agora, as novas

injeções e as negociatas que o Lone Star está a fazer com o Novo Banco, então tem de travar essas

negociatas. É essa a nossa responsabilidade!

Por isso, defendemos que o Fundo de Resolução tem de ser imediatamente substituído, porque não nos dá

garantias de confiança na fiscalização das contas do Novo Banco. Por isso, defendemos uma auditoria pública

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e independente com um único objetivo: travar a negociata do Lone Star no Novo Banco à custa de fundos

públicos.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — É esse o único objetivo do Bloco de Esquerda. Não se trata de pedir favores ao Lone Star, trata-se de travar o que o Lone Star está a fazer no Novo Banco.

Se o Tribunal de Contas precisa de sinais da Assembleia da República para começar imediatamente uma

auditoria que proteja o interesse público na gestão que o Lone Star faz do Novo Banco, então pode contar com

todo o apoio do Bloco de Esquerda. Já o dissemos e continuamos a dizê-lo: queremos uma auditoria pública e

independente que defenda o interesse público e dos contribuintes contra os abusos do Lone Star na gestão do

Novo Banco.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra o Sr. Deputado Miguel Costa Matos, do Grupo Parlamentar do PS.

O Sr. Miguel Matos (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, de facto, os portugueses querem mesmo saber por que razão continuam a pagar o Novo Banco. É um empréstimo ao Fundo de Resolução, é

certo que vamos reavê-lo. Mas porque é que metemos lá o dinheiro? Sobre isso, o PSD, nesta declaração

política, fez um exercício de agnotologia, ou seja, de produção da ignorância e da confusão para que ninguém

perceba nada. Contam, para isso, com a criação de três mitos. O primeiro é o de que isto é tudo culpa da

venda que os senhores não fizeram, em 2015, quando havia três boas propostas para o fazer.

Vozes do PS: — Bem lembrado!

O Sr. Miguel Matos (PS): — Em 2017, a única alternativa à venda era a liquidação desse mesmo banco, com um custo estimado pela Comissão Europeia de 14 mil milhões de euros, isto é, três vezes mais do que o

dinheiro que poderá vir a colocar-se lá. A venda foi mesmo feita à melhor oferta. Quem o diz não somos nós,

mas a Comissão Europeia.

O segundo mito é o de que a culpa de tudo isto vem com a venda e com o mecanismo de capital

contingente, que paga os prejuízos.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço desculpa por esta pequena interrupção. Peço aos Srs. Deputados que estão de pé, praticamente desde o princípio da sessão, para saírem da Sala

ou, então, para se sentarem.

Muito obrigado.

Pode continuar, Sr. Deputado.

O Sr. Miguel Matos (PS): — Obrigado, Sr. Presidente. A culpa, na verdade, não é do mecanismo de capital contingente, mas é do facto de só terem descoberto

estes ativos maus nessa altura, transformando uma carteira sólida numa carteira má, ilegal e velha, como diz

António Ramalho. Tudo isto desde que o Novo Banco deixou de ser auditado pela firma onde eram sócios os

dois principais arquitetos da resolução de 2014, um deles o ex-Chefe de Gabinete de Vítor Gaspar.

Estamos a pagar a falta de boa gestão e de rigor nos procedimentos do Novo Banco, estamos a pagar as

avaliações sistematicamente erradas dos imóveis do Novo Banco e estamos a pagar a consequência da

pressa de se desfazerem de ativos maus, de forma mais rápida e, logicamente, mais barata do que o previsto.

O terceiro mito é o de que é possível falar dos problemas do Novo Banco sem falar da resolução que os

criou. Desde a resolução do Novo Banco, já consumimos metade do dinheiro que o Estado lá meteu, através

de prejuízos que já eram previsíveis desde as auditorias de 2013 e de 2014.

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Sr. Presidente, aprovámos, na semana passada, um inquérito parlamentar ao Novo Banco. O PSD votou

contra a proposta do Partido Socialista porque não quer revisitar a resolução. Porquê, Sr. Deputado? Por que

razão querem ignorar que venderam gato por lebre, uma resolução por uma complicação e que, desde então,

o têm encoberto e arrastado? Porque não querem a verdade?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — É a vez da Sr.ª Deputada Cecília Meireles, do Grupo Parlamentar do CDS-PP, pedir esclarecimentos.

Tem a palavra.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, queria começar por cumprimentar o Sr. Deputado Duarte Pacheco. Neste exercício a que assistimos mais uma vez, que diria ser

de passa-culpas, gostava de começar por lembrar que já ouvi aqui que os problemas nasceram com este ou

aquele governo. Os problemas, nesta matéria, não nasceram com um governo; os problemas nasceram num

banco que se chamava Banco Espírito Santo. Acho que seria bom estarmos todos cientes disso.

Com os problemas irresolúveis que existiam neste banco — e que não foram criados por nenhum governo,

embora possa ter havido um ou outro político que tenha tido a sua atuação —, é importante perceber que há

passos fundamentais: a questão da resolução; a questão mais importante ainda, do meu ponto de vista, da

definição do perímetro; a questão da venda; e a questão da fiscalização da venda e dos seus ativos. São estes

os quatro passos fundamentais na explicação do que está agora a passar-se.

É impossível responder ao que se está agora a passar, que é o dinheiro que está a ser gasto, sem

responder a uma pergunta essencial. Por isso, gostava de dizer-lhe que percebo a sugestão que faz do

Tribunal de Contas. Pela minha parte, creio que quanto mais depressa melhor, porque não é possível

continuarmos a ter esta discussão sem respondermos a uma pergunta fundamental sobre os ativos a cujos

prejuízos o fundo de resolução responde. Das duas uma: ou estes bens estão, de facto, a ser vendidos ao

desbarato pelo Novo Banco — e isso tem de parar já e o dinheiro que já respondeu por isso tem de regressar

à esfera pública —, ou estão a ser bem vendidos e estavam mal contabilizados com um valor que não era real

e não existia. Esta é a pergunta fundamental a que uma auditoria tem de responder.

Esta auditoria que recebemos não responde a esta pergunta fundamental, diz apenas que não há evidência

de partes relacionadas, mas também que não há evidência do controlo das partes relacionadas. Enfim, nada

conclui. Portanto, relativamente a tudo o que seja chegar a uma conclusão sobre este assunto, naturalmente,

o CDS será favorável.

Resta dizer que esta auditoria se pronuncia, e bem, sobre muitos dos prejuízos pelos quais os portugueses

já responderam, sendo prejuízos que estão em créditos. Acho que — sem querer repetir a Comissão do BES,

mas sobretudo a Comissão da Caixa — não devemos deixá-los passar em branco.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Duarte Pacheco.

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, Sr.ª Deputada Cecília Meireles, permitam-me que saliente aquilo que percebemos que temos em comum, ou

seja, a vontade que seja feita uma auditoria que avalie, efetivamente, o que foram os últimos anos e o

comportamento da administração do Novo Banco quanto à alienação de créditos e de imobiliário, com perdas

tão avultadas que, depois, fomos todos nós chamados a pagá-las. Isso é positivo!

Mas há algo que nos distingue, Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, que é o facto de a Sr.ª Deputada já ter a

conclusão: é impedir a injeção. Eu digo que o Estado tem de ser uma pessoa de bem. O Estado assinou um

contrato e se a auditoria disser que os bens foram vendidos pelo preço justo, então temos de pagar e de fazer,

a seguir, a avaliação política de quem assinou esse contrato. Que contrato se assinou sem se perceber que

iria ter consequências tão graves para o erário público e para todos os portugueses? Não pode dizer-se que o

Estado deve, mas não paga.

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Bem sei que há quem diga que não se deve pagar as dívidas. Não é essa a nossa posição. A nossa

posição é muito clara: o que é devido tem de ser pago, todos nós temos de ser pessoas de bem, enquanto

cidadãos e enquanto Estado.

Por isso mesmo, entendemos que essa auditoria deve avançar o mais rapidamente possível, de modo a

que as suas conclusões venham em tempo útil de se avaliar se a última tranche deve ou não ser paga. Não se

trata de a proibi-la se for justa e devida face ao que o Estado contratou, trata-se de fazer o que for devido. E,

como digo, a seguir fazemos todos a avaliação política de quem assinou aquele contrato.

Outra coisa, bem diferente, é pensar o seguinte, Sr. Deputado Miguel Matos: é que quando a venda foi feita

não se sabia o volume dos ativos tóxicos que estavam lá incluídos. Isso é querer chamar estúpidos aos

portugueses! Sabe porquê? Porque quem queria uma garantia de 3,9 mil milhões de euros tinha indícios fortes

de que existiam ativos tóxicos desse valor. Caso contrário, porque seriam 3,9 mil milhões de euros? Porque

não 2,9 mil milhões? Porque não 6 mil milhões? Porque não 500 milhões? Porque não 7 mil milhões? Porque

é que são 3,9 mil milhões de euros? E depois, a seguir, os ativos batem certinho, certinho com 3,9 mil milhões

de euros. Está a atirar areia para os olhos de quem?

Aí, sim, quiseram atirar areia para os olhos dos portugueses e enganar os portugueses. Talvez por isso o

Sr. Deputado, em nome do PS, não se tenha pronunciado sobre a questão principal que eu aqui trouxe.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Vou concluir, Sr. Presidente. Vamos todos dar um sinal positivo para que o Tribunal de Contas possa fazer esta auditoria o mais

rapidamente possível e para que a possa fazer com a competência e a independência que lhe são

reconhecidas, e em tempo útil, antes de fazermos a avaliação do dinheiro que falta.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — A Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real pediu a palavra. Para que efeito, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Para defesa da honra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Relativamente a que questão, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, o Sr. Deputado Duarte Pacheco deu a entender que o PAN viabilizou a injeção de capital no Novo Banco e está a faltar à verdade ao afirmá-lo, uma vez que o PAN

votou contra essa injeção de capital…

O Sr. Presidente: — Desculpe, Sr.ª Deputada, ainda não lhe dei a palavra. Estava só a perguntar o que é que tinha motivado o seu pedido de palavra para defesa da honra.

Agora, sim, tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, o Sr. Deputado Duarte Pacheco, do PSD, ao dar a entender que o PAN viabilizou a injeção de capital no Novo Banco, faltou à verdade. O PAN votou contra — é

importante que isso fique clarificado — o n.º 1 do artigo 116.º da proposta de lei do Governo. Não viabilizou, de

forma alguma, essa injeção de capital. Isso veio a traduzir-se, na redação final, no n.º 1 do artigo 154.º.

Já quanto ao PSD, lamentamos que se tenha abstido quanto à proposta do PAN para a realização da

auditoria, mas ficamos obviamente satisfeitos por, finalmente, virem ao encontro da que é, há muito, uma

reivindicação do PAN.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Duarte Pacheco, tem a palavra para responder.

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O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, longe de mim querer ofender a honra de V. Ex.ª. Aquilo que eu disse foi algo de completamente diferente

do que a Sr.ª Deputada disse, e a Sr.ª Deputada sabe perfeitamente.

É que a Sr.ª Deputada viabilizou o Orçamento e este tinha previsto a transferência de verbas para o Novo

Banco.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Se essa fosse uma questão tão fulcral para si, se fosse uma questão de vida ou de morte, não tinha votado a favor do Orçamento, tinha votado contra.

Qualquer português sabe, pois, que não foi assim como disse.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para proferir a segunda declaração política do dia, o Sr. Deputado José Maria Cardoso, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.

O Sr. José Maria Cardoso (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A declaração política que o Bloco de Esquerda aqui traz hoje é precisamente sobre um tema que está na ordem do dia — a eleição dos

presidentes e vice-presidentes das CCDR (Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional), que se

realiza no próximo dia 13 de outubro e que merece, da parte do Bloco de Esquerda, críticas contundentes

tanto quanto ao fundamento, como quanto ao processo.

A nossa crítica incide em três pontos.

Em primeiro lugar, afinal, para que serve esta eleição?

Começa por perverter as razões de funcionamento do órgão CCDR. Não esqueçamos que se trata de

organismos periféricos da Administração Central enquanto órgãos desconcentrados do Estado, e assim

continuam a ser. Não lhes são atribuídas novas competências, nem se trata da criação de um novo órgão.

A natureza jurídica das comissões continua a amarrá-las à administração desconcentrada do Estado.

Muda-se para que tudo fique na mesma. Quem elege não tem qualquer poder de fiscalização. Estas

comissões mantêm-se presas à órbita do Governo, que até tem o poder de demitir o seu presidente.

Passamos de uma nomeação administrativa para uma nomeação de acordo partidário, transformando

organismos de planeamento e gestão regional em extensões de interesses partidarizados no equilíbrio de

forças do domínio autárquico. Na verdade, esta eleição indireta é um simulacro de descentralização. A decisão

sobre quem são e o que fazem continuará a ser do Governo central. Esta eleição é uma «farsa» — subscrevo

esta interpretação, mas não sou eu o seu autor, mas sim o Presidente da Câmara de Viseu, do PSD, que

reforça a crítica, dizendo que se trata de um processo que pouco ou nada tem de democrático.

Em segundo lugar, quanto à regionalização apregoada, desde sempre, pelos proponentes, convém lembrar

que o PS e o PSD concordaram em nomear uma comissão para desenhar o futuro da descentralização. Num

trabalho extenso e rigoroso, essa comissão apontou a regionalização administrativa.

Os recentes exemplos da falta de articulação regional no combate à COVID-19 evidenciaram a

necessidade deste órgão subnacional e supramunicipal. Mesmo assim, António Costa e Rui Rio, que

subscreveram as suas conclusões, não foram capazes de se mobilizar para tal, preferindo inventar e acordar

esta falácia de descentralização.

É evidente que, neste propósito, são fiéis cumpridores das orientações do convicto antirregionalista

Marcelo Rebelo de Sousa, que se apressou a promulgar o diploma como apologia aos perigos da

regionalização.

Desde a versão inicial, que, numa primeira fase, recebeu a crítica do PSD, esta eleição foi apresentada

como um passo significativo para a regionalização, como forma de desconcentrar o poder pelas regiões.

Cedo se percebeu que não passava de um embuste — até as declarações da ministra da tutela foram

nesse sentido. Disse a Sr.ª Ministra: «Estamos a falar da alteração da forma de designação do titular de um

serviço de administração direta do Estado para garantir uma legitimidade acrescida; outra coisa é a

regionalização». E o Sr. Presidente da República também o disse: «É um passozinho no sentido de aproximar

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os autarcas das comissões de coordenação e desenvolvimento regional, mas isso é uma coisa, regionalizar é

outra coisa.»

É exatamente porque consideramos que este enlevo PS/PSD tem por intenção encapotar a regionalização

que requeremos a cessação de vigência aquando do debate da apreciação parlamentar.

Em terceiro lugar, outro aspeto que nos é apresentado como uma espécie de grande avanço civilizacional é

o da democracia. É um trunfo de convencimento: democratizar as CCDR através do ato eleitoral. Este

argumento ainda colheu adeptos — o colégio eleitoral de autarcas a votar para a eleição dos seus

representantes regionais. Votar tem sempre uma conotação democrática. Mas votar em quem? Agora se

percebe que a democracia também «caiu por terra»: votar em candidatos «cozinhados» pelas cúpulas dos

aparelhos partidários do PS e do PSD, sem qualquer auscultação aos autarcas dos seus próprios partidos —

«o presidente é nosso e o vice-presidente é vosso», feitas as contas dos votos, em conformidade com o

número de eleitos, numa espécie de Tratado de Tordesilhas regionalista.

Este convénio partidário do Bloco Central, com quezílias pessoais entre pretendentes, e que até apressou

a remodelação de secretarias de Estado, limita-se a anunciar candidatos, sem qualquer prenúncio de critérios,

nem a exposição de um programa de ação.

Esta é uma visão centralizadora do exercício do poder, que, em nome da hipotética descentralização,

amarra os autarcas eleitores ao espírito dessa visão. Muitos autarcas assim se têm pronunciado — até através

de um requerimento que enviámos a todos os presidentes de câmara do País temos obtido essas respostas. O

Presidente da Câmara Municipal do Porto diz que não vai votar porque se trata de uma nomeação e não de

uma eleição.

Na realidade, o reacender do Bloco Central escolheu os/as candidatos/candidatas a presidente e a vice-

presidente, em conformidade com o equilíbrio de forças do poder local, em cada região e no todo nacional, de

acordo com a implantação maioritária. Assim, temos o Norte e o Centro mais próximos do PSD, Lisboa e Vale

do Tejo e Algarve mais próximos do PS. A exceção é o Alentejo, onde temos dois candidatos por

desentendimento partidário.

No meio de tudo isto, é a própria legislação que retira a possibilidade da pluralidade, porque quem não for

proposto pelos partidos — veja-se quantos movimentos locais apartidários de cidadãos existem pelo País com

vereadores, assembleias municipais e presidentes de câmara eleitos, nomeadamente — só pode ser

apresentado como candidato com 15% de proponentes. Tomando como exemplo a CCDR-Norte, um

candidato teria de ter 657 subscritores, o que inviabiliza este legítimo direito.

Esta entorse à democracia, que efetivamente retira a capacidade eletiva a quem não estiver a coberto dos

partidos, é um ataque aos movimentos de cidadãos que têm proliferado pelo País, nomeadamente aquando

das eleições autárquicas.

Para completar a «equipa de sonho» lá temos o vice-presidente emanado do Governo, que, ironicamente,

é dito que resulta de uma eleição interministerial.

Não está em causa a confiança pessoal de quem quer que seja, mas sim a transparência do processo.

Convenhamos que é gente que vai gerir largos milhões de euros. Tal como está montado o cenário eleitoral,

estamos perante uma apelidada nova intenção com velhos e viciados métodos de afunilamento democrático.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.

O Sr. José Maria Cardoso (BE): — Vou concluir, Sr. Presidente. Agarram-se os eleitores aos ditames dos selecionados para eleitos, perante uma efetiva nomeação que

passa de administrativa para partidária. Escolhidos os que são do agrado dos chefes, ordena-se aos

subordinados municipais para votar.

Este voto em urna acaba por ser um referendo para ratificação das escolhas pessoais dos «donos» do

poder autárquico. Se é esta a democracia invocada como grande marca da singularidade do processo,

estamos conversados.

Aplausos do BE.

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O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, seis Deputados. Como pretende responder?

O Sr. José Maria Cardoso (BE): — Responderei a blocos de três, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Em primeiro lugar, tem a palavra o Sr. Deputado José Cancela Moura, do Grupo Parlamentar do PSD.

O Sr. José Cancela Moura (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, só estranharia esta declaração política quem não soubesse que o Bloco é um partido centralista, vocacionado para o protesto. Só estranharia

esta narrativa quem não soubesse que o Bloco é um partido sem implantação autárquica, que desvaloriza a

política de proximidade. Só estranharia esta posição quem não soubesse que o Bloco só critica e nunca teve a

coragem de assumir a responsabilidade de decidir.

Aceitamos que o diploma até possa suscitar várias interpretações, conforme as convicções de cada um,

mas, na essência, esta lei tem um objetivo incontornável, que é o processo de democratização do

funcionamento das CCDR.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Muito bem!

O Sr. José Cancela Moura (PSD): — De facto, a lei introduz mais democracia, desde logo pela eleição de uma entre várias candidaturas e confere, também, maior proximidade, porque a nomeação pelo Governo é

substituída pelo voto dos autarcas de cada região-plano.

O que é que o País tem a perder com a aprovação deste diploma? E o Bloco de Esquerda o que tem a

perder com isso?

Afinal, desta vez, estão contra o quê? Que o Governo continue a nomear o presidente? Que os autarcas

não tenham direito a voto? Que não haja escolha democrática?

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Boa pergunta!

O Sr. José Cancela Moura (PSD): — A nós, o Bloco de Esquerda não nos engana com essa retórica falaciosa.

O facto de dois partidos estabelecerem um acordo para apresentarem uma candidatura não inviabiliza que

os outros façam o mesmo ou que qualquer cidadão se proponha ao lugar! Veja-se o caso da CCDR do

Alentejo, que é exemplo disso, cuja eleição será disputada por dois candidatos.

Façam um favor a esta Câmara: leiam a lei sem o filtro ideológico que vos tolhe o raciocínio e vão ver que o

vosso protesto labora num enorme equívoco. Porque é que o Bloco, em vez de protestar, não vai a votos?

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Vá a votos!

O Sr. José Cancela Moura (PSD): — Porque é que não promoveu uma candidatura? A resposta, como é hábito, será de conveniência, mas eu antecipo-a.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.

O Sr. José Cancela Moura (PSD): — Vou concluir, Sr. Presidente. Porque o Bloco representa uma esquerda ortodoxa, travestida de progressista, que convive mal com a

própria democracia.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para um pedido de esclarecimento, a Sr.ª Deputada Cecília Meireles, do Grupo Parlamentar do CDS-PP.

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A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, queria começar por cumprimentar o Sr. Deputado José Maria Cardoso que traz aqui um assunto que é sério e grave.

De facto, o que se está a passar com a alteração da legislação das CCDR é grave, é muito grave mesmo.

Vale a pena lembrar que a descentralização que o Governo prometeu, e que, sim, deve ser feita, porque é

assim que há maior aproximação às populações e que se fazem melhores serviços públicos, é com a

passagem de competências para os municípios. Gostava de salientar que a passagem dessas competências

nos ramos da saúde, da educação e da ação social, que são aquelas que, de facto, implicam dinheiro e verbas

e que têm maior impacto na vida das pessoas, foi adiada por decisão do Governo. Pura e simplesmente não

estão feitas.

Em vez disto, o Governo resolve fazer um processo que é, basicamente, o seguinte: ao invés de ser o

Governo a nomear os presidentes das CCDR, estes são nomeados pelo «bloco central», através do aparelho

autárquico do PS e do PSD. Do meu ponto de vista, é uma mudança para pior, e mesmo para muito pior.

Inúmeros autarcas já explicaram que não têm sido ouvidos nas escolhas, que os boletins das candidaturas

aparecem já preenchidos. Aliás, havia até títulos a dizer que o Governo ia aproveitar para mudar alguns

secretários de Estado. Portanto, já se vê a proximidade às populações que com isto estava a ser feita. Dizia

um autarca: «Isto não são eleições». Não são, de facto, e na maior parte dos casos existia só um candidato.

Portanto, este processo não vai trazer nenhuma vantagem de proximidade. Não traz nenhuma vantagem para

os cidadãos, pelo contrário, traz desvantagens. Este é um processo de nomeação de comissários políticos do

«bloco central», tão só.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, do Iniciativa Liberal.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado José Maria Cardoso, cumprimento-o por ter trazido este tema a debate. Apesar de já ter sido discutida aqui, neste

Hemiciclo, a proposta de lei do Governo, apesar de já ter sido discutida aqui, neste Hemiciclo, a apreciação

parlamentar do diploma que lhe deu origem, apesar disso, o tema continua vivo e merece ser discutido.

Um ano antes das eleições autárquicas, poucos meses antes da chegada da «bazuca» financeira de

Bruxelas, o que nos é proposto? É-nos proposto que um órgão, cujas grandes competências são a nível do

planeamento, do desenvolvimento regional e da administração dos fundos, passe a ser nomeado por um

«cozinhado» entre o PS e o PSD. E o Sr. Deputado chamou-lhe «Tratado de Tordesilhas». Acho que até foi

simpático da sua parte. É mais uma repartição dos despojos de um saque daquilo que vai chegar aí de

Bruxelas.

E nada disto é inocente. Chegou ao ponto de um secretário de Estado se demitir do Governo já com o lugar

garantido, neste caso para a CCDR do Algarve.

Tanta democracia, tanta incerteza que há nesta eleição! Só há uma coisa pior do que isto ser feito assim: é

o PCP ter a sonsice, que não tem outro nome, de vir dizer «se os outros partidos se opõem a isto, então,

apresentem candidaturas alternativas». É preciso ser-se, de facto, muito sonso.

Portanto, a data de entrada em vigor desta lei não só é um mau dia para a democracia, como são péssimas

notícias para a descentralização e péssimas notícias para a transparência e para o exercício do poder em

Portugal.

O Sr. Presidente: — Para responder a estes pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Maria Cardoso, do Bloco de Esquerda.

O Sr. José Maria Cardoso (BE): — Muito obrigado, Sr. Presidente. Agradeço aos Srs. Deputados terem-me colocado questões sobre o tema que trouxe a discussão.

Sr. Deputado José Cancela de Moura, do PSD, é verdade, o Bloco de Esquerda critica. Então, não critica?!

É um partido de protesto?! Pois é, quando acha e considera que há algo que está errado, quando é necessário

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reivindicar um conjunto de direitos, quando é obrigatório tomar posição sobre a defesa daquilo que são as

necessidades prioritárias e primárias para a população.

Portanto, aí continuamos a ser críticos, continuaremos a fazer essa oposição, que é feroz, naturalmente,

em relação às nossas pretensões. Quanto a isso não temos a menor dúvida. Mas ao afirmar que, perante esta

situação, perante uma realidade tão evidente quanto esta, nós somos contra a democracia, que este é um

processo altamente democrático, gostaria de lhe perguntar, exatamente, se este é o seu conceito de

democracia, se este é o conceito de democracia do PSD.

Do que se trata, neste caso concreto, é, sem dúvida, de uma espécie — como foi dito, e muito bem, pela

Sr.ª Deputada Cecília Meireles — de um conjunto de comissários políticos que são criados numa situação que

é, de todo, importante no momento, para gerir milhões que vão chegar da União Europeia. Aliás, isso levou,

até, a uma reviravolta na posição do PSD, que inicialmente era contrário e era crítico, dizendo, inclusive, que

teria de coincidir com o período das eleições autárquicas e, depois, achou por bem alterar, passando para

outubro, para prolongar em cinco anos, com esta voracidade dos milhões da União Europeia. É esta a

situação e é este o sentido.

Portanto, não há aqui qualquer princípio democrático, antes pelo contrário, há um ataque à própria

democracia. Dizer-se «porque é que não concorrem, porque é que não apresentam listas alternativas» é de

um cinismo tremendo! Naturalmente, perante o panorama dos resultados eleitorais e de quem tem o poder

autárquico, uma candidatura de coligação PS/PSD é obrigatoriamente vencedora, em conformidade, digamos,

com um universo eleitoral que está viciado e partidarizado. É óbvio, não é? Portanto, é de um cinismo de todo

o tamanho considerar dessa forma toda esta situação.

Caro Deputado José Cancela de Moura, democracia é, acima de tudo, uma partilha, uma partilha de

entendimento, uma pluralidade. E reduzir essa pluralidade ao facto, e até vangloriar-se, de que no Alentejo

existem dois candidatos? Isso aconteceu porque não houve acordo entre os partidos. Foi exatamente por isso

que houve dois candidatos. Um dos candidatos não aceitou, porque senão seria exatamente igual, com um

único candidato em todas as regiões. Isto é resultado deste entendimento, à surdina, que foi feito entre o PS e

o PSD como reacendimento de um «bloco central» para este tipo de interesses.

Sr.ª Deputada Cecília Meireles, naturalmente saúdo o acompanhamento que faz da nossa posição, em

conformidade com aquilo que nós defendemos.

Quanto ao Sr. Deputado do Iniciativa Liberal, João Cotrim de Figueiredo, naturalmente que concordamos,

também, com a sua crítica em relação a uma evidência cada vez maior em termos de resultado e daquilo que

é obtido.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem mais quatro pedidos de esclarecimento, de Deputados do PAN, do PEV, do PCP e do PS.

Para o efeito, pelo PAN, tem a palavra o Sr. Deputado Nelson Basílio Silva.

O Sr. Nelson Basílio Silva (PAN): — Sr. Presidente, muito obrigado. Boa tarde a todas e a todos os presentes.

Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado José Maria Cardoso, a posição do PAN quanto à eleição das direções

das CCDR é mais do que clara e foi expressa com propostas de alteração no âmbito da apreciação

parlamentar que aqui correu o seu curso. Fomos contra o modo apressado como o PS e o PSD cozinharam

esta alteração legal. Fomos contra este modelo de eleição indireta porque entendemos que o mesmo é

ultrapassado, assenta numa lógica preocupante de democracia em circuito fechado, é demasiado politizado e

exclui do processo eleitoral agentes cruciais ao desenvolvimento regional.

Para nós, o caminho progressista é o da eleição direta por sufrágio universal, com a participação de todos

os cidadãos. Só assim se poderia verdadeiramente falar em legitimidade democrática das direções das CCDR

e assegurar a possibilidade de desenvolver a sua missão de planeamento com eficácia e verdadeira

autonomia da tutela do Governo.

Contudo, contrariamente ao que defenderam o PS e o PSD, este caminho nunca poderia significar, como

acabou por acontecer, um aligeiramento ou uma redução dos requisitos curriculares exigidos para os cargos.

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Pois bem, estas propostas foram rejeitadas pelo Bloco, que se juntou ao PS, ao PSD, ao PCP e ao IL, sendo

que foram as únicas que propunham uma visão alternativa à do Governo.

Para o PAN, a discussão sobre as CCDR é diferente da discussão da regionalização. Nessa segunda

discussão, o PAN é claro: sem uma revisão constitucional que clarifique a questão do referendo não é possível

avançar.

A posição do Bloco quanto às CCDR é, no mínimo, estranha. Em junho deste ano, o Sr. Deputado José

Maria Cardoso dizia: «Queremos uma eleição direta, em que a população seja auscultada, e isso não está

contemplado no decreto-lei do Governo que foi aprovado. É um ato de democracia que aqui é coartado». E

voltou aqui hoje a repetir essa ideia.

Um mês depois, talvez por influência do PCP, fez o «bailinho do vira» e votou contra a proposta do PAN

que visava a eleição direta nas direções das CCDR, pondo-se ao lado da eleição de circuito fechado que o PS

e o PSD cozinharam. E então como ficamos quando os eleitos locais do Bloco apresentaram no último mês,

nas assembleias municipais, moções contra a eleição indireta? Impõe-se saber, afinal de contas, qual a

posição do Bloco quanto às CCDR. São mesmo contra a eleição direta ou só são contra porque foi uma

proposta do PAN?

Aplausos do PAN.

O Sr. Presidente: — É a vez da Sr.ª Deputada Paula Santos, do Grupo Parlamentar do PCP, pedir esclarecimentos.

Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Maria Cardoso, cumprimento-o por trazer este tema das CCDR a debate.

Nós cremos que a questão de fundo relativamente a este assunto é, de facto, a de criar mais um obstáculo,

mais um empecilho para que se avance de uma forma decisiva para a criação das regiões administrativas e

para a regionalização do nosso País. Esta é a questão de fundo, esta é a questão estrutural, esta é a questão

que a nossa Constituição coloca e pela qual, ao longo de décadas, o PS, o PSD e o CDS foram responsáveis.

Nunca foi concretizada por falta de vontade política e para que efetivamente não só se cumpra a Constituição,

mas também para que se avance e se permita o desenvolvimento regional, que permita dar voz às populações

e que permita, também, contribuir para a eliminação das assimetrias no nosso território.

Quando nós aqui agendámos a apreciação parlamentar sobre a alteração das CCDR e esta dita

democratização das CCDR foi porque, desde logo, ficou muito claro, no diploma do Governo, o seguinte: não

há nenhum processo de democratização. Aliás, os presidentes são eleitos e no fim do processo eleitoral

passam a ser uma chefia de uma estrutura da administração central e podem, inclusivamente, ser demitidos

pelo Governo.

Outro aspeto que sublinho é que as CCDR não alteraram a sua natureza e, portanto, continuam a ser uma

estrutura desconcentrada da administração central, não são nenhuma autarquia. Aliás, o que a nossa

Constituição prevê é a criação das regiões administrativas.

Mais uma vez, o PS e o PSD convergiram em não se avançar com a regionalização, empurrando-a para a

frente e pondo-a na gaveta.

Sr. Deputado, a questão que lhe queria colocar é no sentido de saber se não acha que a solução é avançar

para a regionalização. O PS e o PSD, nesta convergência, impediram que se pudesse avançar, tal e qual o

PCP já aqui propôs, na Assembleia da República,…

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Vou já terminar, Sr. Presidente. Pergunto-lhe, Sr. Deputado, se não considera importante, neste processo de criação das regiões

administrativas, dar voz às populações através de um processo efetivamente democrático, promovendo a sua

participação e contribuindo para o desenvolvimento dos territórios.

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Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira, do PEV.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Maria Cardoso, de facto, olhar para este processo como um passo no sentido de descentralizar ou no sentido de dar corpo ao processo de

regionalização, não é de quem sabe do que fala, porque tanto o PS como o PSD sabem muito bem que este

processo nada tem a ver com descentralização nem com regionalização. É, sim, de quem, intencionalmente

ou não, procura iludir as pessoas com a confusão deliberada entre dois conceitos muito distintos.

Bem sabe o Governo, bem sabe o PS, bem sabe o PSD que a desconcentração nada tem a ver com o

processo de descentralização do País. Desconcentrar e descentralizar são conceitos com uma natureza e um

alcance muito distintos. Aliás, esta técnica de procurar pretextos para ir adiando o processo de regionalização

do País não é nova. Foi, de resto, com esse propósito que foram criadas as próprias CCDR. E agora, com o

designado processo de democratização das CCDR, o propósito vai no mesmo sentido, de procurar fugir ao

cumprimento das regras constitucionais relativas ao processo de criação das regiões administrativas.

Na verdade, por mais voltas que se pretendam dar ou das novas roupagens que lhes procurem vestir, as

CCDR não deixam, por isso, de continuar a ser organismos da administração central, porque assim decorre da

própria natureza jurídica, como muito bem referiu há pouco, da tribuna, o Sr. Deputado. Aliás, basta atender ao

facto de o próprio diploma estabelecer a eleição dos presidentes das CCDR, mas, ao mesmo tempo,

estabelecer a faculdade de o Governo poder, indiscriminadamente, destituir os mesmos presidentes. Onde

está a democratização deste processo?

Para além disso, nos termos do próprio diploma, um dos vice-presidentes de cada uma das CCDR também

é indicado pelo Governo. Ou seja, por mais operações de maquilhagem que se pretendam fazer, estaremos

sempre a falar de desconcentração e não de descentralização, estaremos sempre a falar de estruturas da

administração central do Estado.

Na perspetiva de Os Verdes, o que se impõe para potenciar o desenvolvimento regional e combater as

assimetrias regionais é avançar com o processo de criação das regiões administrativas e não com estas

operações de maquilhagem.

Por isso, Sr. Deputado, queria perguntar-lhe se nos acompanha na leitura que fazemos quando afirmamos

que este processo é movido por um único propósito, o de continuar a adiar o processo de regionalização que

está previsto no nosso texto constitucional.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, a Sr.ª Deputada Maria da Luz Rosinha, do PS.

A Sr.ª Maria da Luz Rosinha (PS): — Muito boa tarde, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados. Um dos compromissos do XXII Governo para 2019-2021 foi o de aprofundar a descentralização com vista à

regionalização, aprofundar a descentralização com mais democracia e melhor serviço público, reforçar o poder

local, que todas as forças políticas, da direita à esquerda, aplaudem e reconhecem ser o baluarte do

desenvolvimento territorial, e democratizar a governação territorial dando passos no sentido de o sistema

português se tornar menos centralista.

Uns concordam, outros não. Curiosamente, a crítica é mais feroz à esquerda, conforme o Sr. Deputado

José Maria Cardoso, que cumprimento desde já, acabou de confirmar — «feroz» foi o termo que utilizou.

Refiro que os autarcas — é certo que alguns ainda com dúvidas perfeitamente compreensíveis, o que levou o

Governo a prorrogar o prazo-limite para a descentralização — têm vindo a abraçar este desafio, assumindo

novas competências, porque reconhecem que, desta forma, as autarquias ficarão mais habilitadas a responder

aos problemas das populações.

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Chegamos ao momento em que todos falam para criticar, mas não querem assumir qualquer decisão,

ficando-se por um modelo ideal que, se calhar, nem existe e enchendo o discurso de adjetivos. «A

regionalização é o sonho de alguns», dizem, mas é preciso fazer o caminho até lá chegar, o que não querem,

e preferem continuar a fazer um coro de críticas, fingindo ignorar que o centralismo trava o desenvolvimento e

impede a melhoria das condições de vida das populações.

Por isso, o Governo do Partido Socialista, assumindo e honrando os compromissos que tomou, avançou

com a eleição democrática das comissões de coordenação e desenvolvimento regional, vulgo CCDR, que terá

lugar no próximo dia 13 de outubro e que, de acordo com a legislação, envolverá mais de 10 000 autarcas.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Maria da Luz Rosinha (PS): — Vou já concluir, Sr. Presidente. Sr. Deputado José Maria Cardoso, certamente que o Bloco de Esquerda não colocará em causa a

capacidade dos autarcas, embora não tenha muitos, mas pergunto se reconhece, ou não, que esta eleição é

um passo para a tão ansiada regionalização. Nesse caso, pergunto como justifica que se obstaculizem

continuamente as medidas para o reforço do poder local.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Maria Cardoso, do Bloco de Esquerda.

O Sr. José Maria Cardoso (BE): — Sr. Presidente, agradeço a todos os Srs. Deputados e Deputadas que colocaram este conjunto de questões.

Em função da apresentação das perguntas, começo por responder ao Sr. Deputado do PAN Nelson Silva.

Devo dizer que não percebi muito bem a confusão que fez em relação ao que, pelas suas palavras, teria sido

dito pelo Bloco de Esquerda. Desde o início que dizemos o mesmo, ou seja, consideramos que esta eleição é

uma forma ardilosa de encapotar aquilo que é necessário e urgente fazer-se e que, desde 1976, está

consagrado na lei, que é a regionalização.

Como tal, não é a questão de acharmos que a eleição deve ser direta, universal ou indireta que vai resolver

a situação — poderá ser mais democrática ou menos democrática, poderá envolver mais gente, mais

população, mas isso não faz com que seja reconhecedora de qualquer coisa em termos de democratizar as

CCDR.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!

O Sr. José Maria Cardoso (BE): — As CCDR são um organismo periférico do Estado, estão sob a alçada do Estado, e não há nada que mude a sua natureza jurídica, não há nada que altere nem a sua composição

nem a sua forma de atuação. Muito sinceramente, se quer que lhe diga, estarmos aqui a falar se vai

democratizar ou não até piora a situação. Até agora havia uma nomeação administrativa — sabíamos que era

assim —, relacionada com o Governo, e passa a haver uma nomeação partidária, de jogo partidário, o que

torna a situação muito mais perigosa. Portanto, esta condição não melhora absolutamente nada e é essa a

nossa posição desde o início.

Nós — e respondendo também à Sr.ª Deputada Paula Santos — somos é a favor da regionalização, é isso

que defendemos,…

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!

O Sr. José Maria Cardoso (BE): — … e, como tal, o nosso caminho é no sentido de criar condições para que ela seja uma realidade. Aliás, foi por isso que pedimos, até, a cessação de vigência deste documento,

quando aqui foi discutido enquanto decreto-lei. Foi nesse sentido que invocámos essa situação.

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Fala-se muito, permanentemente, em assimetrias, em desigualdades, em coesão territorial, quando temos

um país totalmente assimétrico, um país cada vez mais assimétrico e mais desequilibrado. Não vendo aí a

cura de todos os males, mas percebendo que é uma das possibilidades de criar uma maior igualdade de

oportunidades e um maior equilíbrio, a regionalização é, sem dúvida alguma, um caminho a encetar o mais

rapidamente possível.

O PS e o PSD sabem muito bem que estarmos aqui a entreter e a emparedar uma situação é, exatamente,

estar a ganhar tempo, porque, entretanto, o Sr. Presidente da República é convictamente contra a

regionalização. Por isso, andamos aqui a arranjar uns artifícios e uns subterfúgios para responder à exigência

da regionalização. É este o sentido e é este o interesse daquilo que está em causa.

Sr. Deputado José Luís Ferreira, tal como acabei de dizer, consideramos que este processo é para

entravar a regionalização. Isso mesmo foi descrito aquando do Congresso da Associação Nacional de

Municípios Portugueses, pois, tanto no discurso de abertura do Sr. Presidente da República quanto no de

encerramento do Sr. Primeiro-Ministro, foram criadas as balizas. Aliás, foi nessa altura que o Sr. Primeiro-

Ministro apresentou a grande novidade da eleição dos presidentes das CCDR, exatamente no sentido de adiar

a regionalização.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço-lhe para concluir.

O Sr. José Maria Cardoso (BE): — Digo-lhe mais: adiar a regionalização já é mau, mas é muito pior o que está em causa, porque estamos a criar condições para se gerirem fundos comunitários ao interesse dos

objetivos do PS e do PSD e ao interesse do bloco central e dos autarcas que o defendem.

Só mesmo para terminar, Sr. Presidente,…

O Sr. Presidente: — Tem mesmo de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. José Maria Cardoso (BE): — … respondendo à Sr.ª Deputada Maria da Luz Rosinha, queria dizer que este não é mesmo um passo para a regionalização, mas exatamente o seu contrário: é para encapotar e

para encobrir a regionalização.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma declaração política, pelo Grupo Parlamentar do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A política de justiça é uma trave-mestra do Estado de direito democrático e qualquer dúvida sobre a sua solidez é sempre um perigo para a

democracia.

Garantir um sistema de justiça em que os cidadãos possam confiar, garantir a independência dos tribunais

e a autonomia do Ministério Público, garantir os meios necessários para a investigação e o julgamento

atempado de todas as formas de criminalidade, garantir a todos os cidadãos o acesso ao direito e aos

tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, garantir um sistema prisional

respeitador dos direitos humanos e com capacidade de ressocialização, garantir os serviços públicos

necessários para a segurança dos atos com relevância jurídica, tudo isto são objetivos cuja realização

interpela o poder político democrático.

O ciclo político que se iniciou no final de 2015 com a atual equipa ministerial, cuja orientação se manteve,

no essencial, em 2019, começou bem, com a reabertura dos tribunais que haviam sido encerrados pelo

Governo PSD/CDS, mas esse começo auspicioso não teve a necessária continuidade na resolução de outros

problemas muito graves que continuam a afetar o funcionamento da justiça.

Numa palavra, não houve, ao longo destes anos, o investimento que se impunha e que se impõe para que

o sistema judiciário possa corresponder eficazmente à realização dos imperativos constitucionais.

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Os tribunais continuam com uma clamorosa falta de funcionários, o que afeta gravemente o seu

funcionamento. O estatuto dos funcionários judiciais, prometido há muitos anos, continua inaceitavelmente

bloqueado.

O acesso aos tribunais continua a ser uma miragem para os cidadãos que não têm condições financeiras

para suportar as custas judiciais e os custos do patrocínio judiciário. É certo que, por proposta do PCP em

sucessivos Orçamentos do Estado desde 2016, tem sido congelado o valor das custas judiciais, mas isso não

resolve o problema de fundo. E o problema de fundo é que a maioria dos cidadãos nem tem dinheiro para

recorrer aos tribunais nem tem direito a apoio judiciário por parte do Estado, vendo o seu direito à justiça ser

denegado por insuficiência de meios económicos.

Os serviços de registos e notariado continuam a vegetar. Não só não são resolvidos os problemas

estatutários dos respetivos profissionais, que se arrastam há longos anos, como não são resolvidos os

problemas de instalações inadequadas e de funcionalidade dos serviços na sua relação com os cidadãos.

Em vez de tomar medidas para resolver problemas reais e prementes, o Governo apresenta projetos

indefinidos e a longo prazo.

No sistema prisional, há um plano para 10 anos que parece não passar do ano zero, mas, no presente, não

há guardas prisionais e outros profissionais em número suficiente, o Corpo da Guarda Prisional tem uma

equiparação legal à PSP (Polícia de Segurança Pública) que não é cumprida, faltam no sistema as condições

mínimas para o cumprimento da sua função ressocializadora.

No plano do combate à corrupção, em vez de dotar a Polícia Judiciária e o Ministério Público com os meios

humanos, materiais e financeiros indispensáveis a um eficaz combate à criminalidade económica e financeira,

o Governo põe em discussão pública mais um documento para uma «Estratégia Nacional de Combate à

Corrupção».

Em matéria de combate à corrupção, aquilo de que o País precisa não é de planos estratégicos nem de

concursos de ideias. O que importa é dar cumprimento à Resolução da Assembleia da República n.º 91/2010,

sobre as medidas destinadas ao reforço da prevenção e do combate à corrupção.

O PCP sempre deu provas do seu empenhamento, designadamente nesta Assembleia, na aprovação de

medidas políticas e legislativas que permitam uma defesa eficaz do Estado democrático — porque é disso que

estamos a falar — contra a corrupção.

Fizemo-lo aqui, há mais de 30 anos, ao suscitar o debate sobre a gritante falta de meios de combate à

corrupção denunciada pelo então Procurador-Geral da República, Dr. Cunha Rodrigues, no tempo dos

Governos de Cavaco Silva, e contribuímos para a aprovação de medidas legislativas que fazem com que a

situação esteja hoje bem melhor do que estava nessa altura.

Hoje, há figuras públicas ligadas ao mundo da política, do sistema financeiro, do meio empresarial, da

banca, do futebol ou da justiça condenadas ou arguidas por crimes de corrupção. Estes factos são

inseparáveis dos passos que foram dados em sede legislativa e não devem ser desvalorizados.

O PCP não alinha no discurso daqueles que enchem a boca com frases gongóricas contra a corrupção e

reivindicam para si o estatuto de serem as únicas pessoas sérias neste mundo, mas convivem bem com as

PPP (parcerias público-privadas), com os offshore onde se escondem os capitais branqueados, com a

promiscuidade entre a política e os negócios, com a evasão fiscal dos poderosos ou com a drenagem de

recursos públicos a favor de lucros privados.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Exatamente!

O Sr. António Filipe (PCP): — A história tem dado exemplos eloquentes de que é, muitas vezes, atrás do discurso anticorrupção que se escondem os maiores corruptos e aqueles que, em nome do combate à

corrupção, mais não querem do que liquidar princípios estruturantes do Estado de direito democrático.

Aplausos do PCP.

Insistimos, por isso: aquilo de que o País precisa não é de mais planos e estratégias no papel, mas sim de

mais meios para o Ministério Público, para a Polícia Judiciária e para as inspeções gerais; de mais peritos nas

áreas financeira, contabilística e informática; de tribunais dotados suficientemente para conferir mais

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celeridade aos processos, combatendo justos sentimentos de ineficácia da justiça devido à sua excessiva

morosidade.

É nesse combate que estamos, pela justiça, contra a impunidade, contra a demagogia e pela democracia.

Aplausos do PCP e do PEV.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado António Filipe, tem quatro pedidos de esclarecimento. Como pretende responder?

O Sr. António Filipe (PCP): — Dois a dois, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Em primeiro lugar, tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado José Manuel Pureza, do Bloco de Esquerda.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado António Filipe, naturalmente, a minha primeira palavra é de apreço e felicitação pela forma como abordou, nesta Câmara, a

temática da política de justiça.

Do nosso ponto de vista, Sr. Deputado, há um problema de fundo, na política de justiça, que se vem

agravando ao longo do tempo. E esse problema de fundo é o de, no próprio sistema, o incumprimento da lei

ser uma realidade. Portanto, é justamente no sistema onde a lei deveria ser o primado absoluto que ela acaba

por ser, frequentemente, incumprida.

Passo a dar vários exemplos, com os quais gostaria de o confrontar.

Em primeiro lugar, algo que o Sr. Deputado referiu, e muito bem, na sua intervenção: o incumprimento

sistemático, pelas mais altas autoridades responsáveis pela política de justiça, de compromissos legais

assumidos, designadamente na lei do Orçamento, com um incumprimento sistemático da apresentação e

aprovação de estatutos profissionais, centrais para o funcionamento do sistema judiciário — em primeiro lugar,

e desde logo, o do Ministério Público, depois o dos juízes e agora este atraso inqualificável da apresentação e

aprovação do estatuto dos funcionários judiciais.

Quero, aliás, em nome do Bloco de Esquerda, deixar uma palavra de saudação para a greve dos

funcionários judiciais que está hoje a ocorrer e que é um protesto muito importante e muito justo face a este

incumprimento da lei por parte do Governo.

Mas há mais: incumprimento, também, da lei no que diz respeito ao funcionamento do sistema prisional e

do sistema penitenciário. Nas audições que levámos a cabo no âmbito da Subcomissão para a Reinserção

Social e Assuntos Prisionais, ficou já estabelecido, com clareza, que o Código da Execução das Penas e

Medidas Privativas da Liberdade é quotidianamente incumprido nos nossos estabelecimentos prisionais, em

matérias tão básicas quanto o princípio, absolutamente fundamental, de celas individuais e até o apoio jurídico

aos reclusos e outros aspetos deste Código.

Finalmente, um terceiro exemplo, que, aliás, o Sr. Deputado referiu: a tabela de honorários do sistema de

acesso ao direito. Na verdade, o aumento mecânico que ocorreu recentemente, de cerca de 8 cêntimos, é um

insulto aos advogados que trabalham no sistema de acesso ao direito e é um incumprimento flagrante da lei,

que mandava que a atualização da tabela de honorários obedecesse quer à evolução da inflação quer ao

princípio do pagamento digno de uma remuneração para todos os advogados.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Concluo, Sr. Presidente, perguntando ao Sr. Deputado António Filipe se não lhe parece que o incumprimento da lei é um aspeto essencial e se há, eventualmente, aspetos a

melhorar no próprio sistema de relação da justiça com o tecido social, para que não haja uma proteção de

aspetos que são nocivos e para que haja uma maior abertura e transparência do próprio funcionamento da

justiça.

Aplausos do BE.

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O Sr. Presidente: — Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado André Ventura, do Chega.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, ouvimos o Sr. Deputado António Filipe falar de política de justiça e dizer que não podemos ter uma justiça em que os cidadãos não podem confiar.

É curioso ouvir isto do Partido Comunista, ouvir dizer que há vários arguidos e condenados em cargos

públicos, quando, sempre que instado a comentar, diz que não se mistura justiça com política e que não

confunde arguidos com condenados nem condenados com o exercício de cargos políticos. Por isso, seria bom

que hoje ficasse claro o que querem aqui dizer!

Protestos do Deputado do PCP Bruno Dias.

Mas seria também importante perguntar ao Partido Comunista se está ou não disponível para conseguir

superar o bloqueio do Tribunal Constitucional em matéria de enriquecimento ilícito e se está ou não disponível

para uma proposta que, finalmente, consiga levar quem enriquece ilicitamente a ser condenado pela nossa

justiça ou se é só de boca e se, na verdade, não vamos fazer nada.

Mas hoje, Sr. Deputado, não posso deixar de lhe fazer uma pergunta. Sobre a prisão perpétua, ouvi o Sr.

Deputado dizer que era um choque e que violava flagrantemente as nossas normas. Por isso, com esta

oportunidade, tendo em conta que, na grande maioria dos países comunistas do mundo, há prisão perpétua —

até há pior, mas há prisão perpétua, pelo menos —, gostaria que nos dissesse se o Partido Comunista

Português vai ou não estar de acordo e é capaz de apoiar uma medida, como a que o Chega já introduziu ao

sistema parlamentar português, de prisão perpétua para casos de violação de menores, homicídio, terrorismo

e casos graves de corrupção, uma vez que em quase todos os países comunistas do mundo isso acontece.

Gostaria ainda de lhe fazer outra pergunta, Sr. Deputado. O Sr. Deputado falou em incompatibilidade de

exercício entre a vida pública e o setor privado, como se os privados fossem todos uns criminosos e uns

corruptos. É tempo de o Partido Comunista dizer também se vai ou não apoiar a proposta do Chega que prevê

que quem faça negócios com o Estado e em nome do Estado nunca mais possa exercer cargos na empresa

com a qual negociou em nome do Estado. É que estamos fartos de ministros que fazem concessões e depois

vão trabalhar para as pontes onde fizeram essas concessões ou paraministros que propuseram obras e que

acabaram a trabalhar nas empresas a que adjudicaram essas mesmas obras.

Era isto que o Partido Comunista podia fazer e era isto que, para lá da conversa sobre a política de justiça

e sobre melhorar as celas individuais, como o Bloco de Esquerda quer fazer, os portugueses gostariam,

efetivamente, de ver resolvido em Portugal.

Protestos da Deputada do BE Isabel Pires.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, o Sr. Deputado José Manuel Pureza suscitou três questões, que destaquei e que são muito relevantes, dando-me a oportunidade de me referir a elas.

A primeira diz respeito ao estatuto dos funcionários judiciais. De facto, não é minimamente aceitável que,

depois de se ter desbloqueado o Estatuto dos Magistrados Judiciais e o Estatuto do Ministério Público — aliás,

estatutos que os Governos PSD/CDS tinham deixado absolutamente encalacrados —, depois de se ter

resolvido esses estatutos, não se tenha procedido de igual forma relativamente aos funcionários judiciais e,

pelo contrário, tenham sido bloqueadas todas as negociações com os representantes sindicais dos

funcionários judiciais relativamente ao seu estatuto. Isso é absolutamente inaceitável. Já não é só o problema

da falta gritante de funcionários nos tribunais, é também, de facto, o bloqueamento da aprovação do seu

estatuto e, portanto, queremos deixar aqui uma palavra muito firme de repúdio pelo facto de não haver esse

desbloqueamento e essa disponibilidade por parte do Governo.

Ora bem, com o sistema prisional temos um outro problema. Planos para o sistema prisional não têm

faltado — aliás, houve um plano, elaborado pelo Prof. Freitas do Amaral, no início do século XXI, a que não foi

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dado, efetivamente, cumprimento — e, agora, temos mais um plano a 10 anos para o sistema prisional que

está a derrapar. Basta olhar para a cadeia de Ponta Delgada para ver que a solução que o Governo arranjou

para o terreno, para a respetiva localização, já vai arrastar os custos e o tempo para que esse estabelecimento

prisional, absolutamente prioritário em defesa dos mais elementares direitos humanos e da dignidade do

sistema prisional, possa ser uma realidade.

Depois, o Sr. Deputado deu-me uma oportunidade para referir um outro problema, que é o dos honorários

dos advogados que prestam apoio judiciário. O Governo está obrigado a publicar uma portaria de atualização

que tenha em conta a justa remuneração dos serviços que são prestados por esses advogados, incumpriu ao

não publicar essa portaria durante muito tempo e, quando a publicou, fez um aumento de 8 cêntimos! Isto é

inaceitável, é um insulto para os advogados. Portanto, ainda bem que o Sr. Deputado colocou essa questão.

Quanto ao Sr. Deputado André Ventura, nós estamos aqui a falar de propostas sérias, estamos a falar da

defesa do Estado de direito democrático e o senhor não é para aqui chamado.

Aplausos do PCP, do PEV e da Deputada do PS Maria Begonha.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, vamos continuar com os pedidos de esclarecimento. Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Peixoto, do Grupo Parlamentar do PSD.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado António Filipe, não há como não assinar por baixo e concordar com quase tudo o que o Sr. Deputado disse da tribuna, porque

ninguém tem dúvida de que a preocupação do PCP — e, digo, de todos os grupos parlamentares, de todos os

partidos, penso que de todos os Deputados — é uma preocupação genuína e autêntica relativamente ao

combate à corrupção e à melhor forma de encontrar soluções para dar a volta à entropia e aos bloqueios da

justiça.

Mas, Sr. Deputado, vou falar-lhe disto porque já usou por duas vezes a expressão «Governos PSD/CDS»:

por mais tempo que passe, por mais que aconteça, os senhores têm sempre a cassete — agora já não é a

cassete, são outros meios — neste passado de 2011 a 2015.

É que o Sr. Deputado, com o que disse, dá ideia de que o PCP veio de outra galáxia e só chegou aqui

ontem. Não! O PCP tem de assumir as suas responsabilidades, como, aliás, o Bloco, porque os senhores

foram muleta do Governo do PS entre 2015 e 2019, votaram quatro Orçamentos do Estado…

Aplausos do PSD.

… e, portanto, são responsáveis por aquilo que de bom aconteceu — e aconteceram coisas boas —, mas

também são responsáveis pelos estilhaços de muitos dos insucessos. E o que é que os senhores têm para

oferecer relativamente à justiça e ao combate à corrupção? Levaram um puxão de orelhas das instituições

internacionais, que colocaram Portugal na cauda da Europa no que respeita à adoção de medidas de combate

à corrupção. Isto foi o que os senhores conseguiram!

Sr. Deputado, nós temos leis, podemos ter mais e elas podem ser melhoradas, mas o que não temos e

precisamos de ter são meios para as polícias, designadamente para a Polícia Judiciária, que precisa de mais

peritos, e para a Procuradoria-Geral da República.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Isso foi o que ele disse!

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — É por esses meios que os senhores têm de lutar para que constem do próximo Orçamento do Estado. É aí, a nosso ver, que têm de colocar todos os esforços. Não sei se concorda

ou não comigo.

Protestos do Deputado do PCP Bruno Dias.

Termino, Sr. Presidente, perguntando ao Sr. Deputado António Filipe se acha que basta a estratégia

abstrata de combate à corrupção recentemente divulgada pelo Governo, que passa, de facto, ao lado do olho

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do furacão, pois não diz nada de concreto relativamente às ligações entre o Governo e o futebol e entre os

fundos europeus e as obras públicas, e isso é preocupante. Mas cá estamos nós todos, vigilantes, para

construir um Portugal melhor.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado António Filipe, a Mesa ainda regista duas inscrições para pedidos de esclarecimento, do PS e do CDS.

Pelo Grupo Parlamentar do PS, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Rodrigues.

A Sr.ª Isabel Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, quero começar por saudar o Sr. Deputado António Filipe pelo tema da sua declaração política.

Comungamos da ideia de que a justiça é um pilar fundamental do Estado de direito e do papel crítico que o

bom ou o mau funcionamento do sistema de justiça tem na confiança das pessoas nas instituições. Portanto,

aí não poderíamos estar mais de acordo com a pertinência do tema que trouxe a debate, num dia, aliás, em

que a Comissão Europeia revelou o relatório sobre o Estado de direito. Ao mesmo tempo que aponta aspetos

em que é necessário continuar a melhorar a ação do Governo, os quais coincidem com as prioridades que

estão no Programa do Governo, nas orientações globais do Governo e nos Orçamentos do Estado, esse

relatório também releva muito do trabalho importante que Portugal desenvolveu nos últimos anos,

nomeadamente em matéria de combate à corrupção, com a aprovação de legislação muito relevante e com a

apresentação da estratégia. Depois das intervenções que ouvi, até parece que o incómodo foi por o Governo

ter apresentado uma estratégia. Que bom que teria sido se o Governo não tivesse apresentado uma

estratégia!…

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça Mendes (PS): — Muito bem!

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Não, o Governo não apresentou!

A Sr.ª Isabel Rodrigues (PS): — Uma estratégia é uma estratégia, o resto vem depois, Sr. Deputado! O resto vem depois!

Outro dos exemplos que é dado e com enorme relevância para o bom funcionamento da justiça é o

investimento que tem sido feito em tecnologias de informação e comunicação, sem as quais não é possível

trabalhar na eficiência e celeridade da justiça. Perdoem-me o pleonasmo, mas a justiça só é justa se for

tempestiva e, sem estes investimentos, isso não é possível.

Se tivesse tempo, poderia elencar aqui todo o trabalho que foi feito ao nível dos estatutos profissionais.

Sabemos, e os senhores também sabem, que o Governo está a trabalhar empenhadamente no estatuto dos

funcionários judiciais e que muito brevemente teremos um novo patamar no reforço dos recursos humanos, o

que, aliás, já se tem sentido.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Oh!…

A Sr.ª Isabel Rodrigues (PS): — Para concluir esta intervenção, Sr. Presidente, queria dizer que o PS tem consciência do muito caminho que ainda há a fazer em questões como as que o Sr. Deputado António Filipe

mencionou: melhorar a resposta que o serviço prisional dá a quem cumpre penas de detenção e melhorar os

honorários dos advogados são duas das preocupações que, naturalmente, partilhamos convosco.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia, do Grupo Parlamentar do CDS-PP.

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O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, em primeiro lugar, naturalmente, quero cumprimentá-lo pelo tema que trouxe à discussão, um tema que é, de facto, importante e

que é para ser tratado com seriedade, fora de análises mais ou menos populistas.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Vai daí…

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Não o fez e cumprimento-o também por isso, como é evidente. Sr. Deputado, pegando até na intervenção anterior, há uma frase muito célebre que diz: «Justiça lenta não

é mais do que injustiça qualificada.» Isso é uma verdade absoluta e é-o na nossa justiça há muitos anos. Só

que a verdade é que já lá vão também muitos anos deste Governo do Partido Socialista e as coisas não

acontecem. Não acontecem! A morosidade continua, as dificuldades continuam, o plano de investimentos

continua a ser um plano que nunca mais sai do papel e passa, efetivamente, para a realidade. Portanto,

pergunto-lhe, em primeiro lugar, se concorda ou não com esta análise.

Depois, Sr. Deputado, gostaria de lhe fazer algumas perguntas simples, aliás, umas mais simples e outras

mais difíceis. De resto, Sr. Deputado, talvez até faça um exercício, aumentando o grau de dificuldade das

perguntas.

Assim, a primeira pergunta que lhe faço é no sentido de saber que avaliação é que o Sr. Deputado faz da

ação deste Governo e do anterior Governo do Partido Socialista, designadamente que avaliação é que o

Partido Comunista Português faz da ação da Ministra Francisca Van Dunem, porque, de facto, trata-se de uma

pessoa preparada, boa jurista, que conhece o sistema, mas que, por qualquer razão, que pode ir da falta de

peso político a qualquer outra que não descortino neste momento, não tem conseguido promover as reformas

necessárias. Portanto, a primeira pergunta é no sentido de saber como é que o PCP avalia a atuação do

Governo.

Em segundo lugar, dizendo o Sr. Deputado — e depreendo que isso é claro na sua intervenção — que a

questão não está tanto na lei, designadamente no combate à corrupção, mas mais no investimento, pergunto-

lhe se, no entanto, não acha que algumas leis podem ser melhoradas. Ou seja, o PCP, que, de resto, é um

partido proativo na proposição de leis e projetos de resolução, etc., por aí fora, considera ou não que alguns

dos regimes jurídicos poderão ser melhorados? Não sei se o do lobbying, não sei se o estatuto do

denunciante, não sei exatamente de que matérias, mas pergunto-lhe se algumas delas teriam ou não a

concordância do PCP. Esta é uma pergunta um bocadinho mais difícil.

Pergunta mais difícil…

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço-lhe para ser agora muito sintético na última pergunta.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Estou mesmo a terminar, Sr. Presidente. Pergunta mais difícil ainda: vai ou não o PCP bater-se pelos investimentos que faltam?

Última pergunta, e a mais difícil de todas: tirará ou não o PCP, na votação do Orçamento do Estado,…

O Sr. Presidente: — Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — … consequências de o Governo não apresentar as reformas e os investimentos que são necessários?

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, agradeço as perguntas que foram feitas, que não são difíceis, são todas perfeitamente respondíveis.

O Sr. Deputado Carlos Peixoto lamentou que me tivesse referido várias vezes aos Governos PSD/CDS,

mas eu só disse duas coisas: uma foi que tinham encerrado tribunais, que depois foram reabertos, e outra foi

que tinham deixado por aprovar os estatutos dos magistrados judiciais e do Ministério Público, que só depois

foram desbloqueados.

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O Sr. Deputado diz: «Bom, o PCP quer ser responsável por coisas boas, mas depois não quer ser

responsável por coisas que ficaram por fazer.» Não, Sr. Deputado, nós assumimos todas as responsabilidades

daquilo que defendemos nesta Assembleia.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Depois de o ouvir…

O Sr. António Filipe (PCP): — Aliás, é por isso que aproveito para responder também, de certa forma, a uma das questões colocadas pelo Sr. Deputado Telmo Correia, que foi a de saber se nos batemos ou não por

estes investimentos que aqui defendemos. Tanto nos batemos, Sr. Deputado, que tenho aqui a proposta que o

PCP apresentou na discussão, na especialidade, do Orçamento do Estado para 2020 — e fui buscar, de facto,

o mais recente — para a aprovação de um plano plurianual de investimento na investigação criminal. Ora bem,

esta proposta teve os votos contra do Partido Socialista, o que lamentamos, mas poderia ter sido aprovada,

não tivessem sido as abstenções do PSD, do CDS e do Chega.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Oh! A sério?!…

O Sr. António Filipe (PCP): — Ora, imaginem lá os senhores que, com a vossa votação, inviabilizaram a possibilidade de ser aprovado, no Orçamento do Estado para 2020, um plano de investimento plurianual na

investigação criminal, que estaria agora em vigor.

Protestos do Deputado do PSD Carlos Peixoto.

Poderiam estar agora, eventualmente, a criticar o Governo por não dar cumprimento cabal a esta

disposição, mas ela teria sido aprovada, se os Srs. Deputados tivessem aprovado a proposta do PCP, o que

não fizeram.

Protestos do Deputado do CDS-PP Telmo Correia.

Pergunta o Sr. Deputado Telmo Correia se continuaremos a bater-nos por isso. Sim, continuaremos, e

todos somos responsáveis pelas opções que fazemos nesta Assembleia, quer em matéria orçamental, quer,

evidentemente, em outras matérias. E com isto respondo também, de certo modo, ao Sr. Deputado Telmo

Correia no que diz respeito ao balanço que fazemos. Nós consideramos que não tem havido o investimento

necessário para resolver problemas estruturantes do sistema de justiça a vários níveis, quer a nível da

investigação criminal, quer a nível da dotação dos tribunais com os meios necessários, quer a nível do sistema

prisional, quer a nível do estatuto socioprofissional, porque, tirando o problema do estatuto dos magistrados,

que está resolvido, o dos outros profissionais do sistema não está, e está muito longe de estar resolvido. E

continuaremos também a bater-nos por isso.

Sr.ª Deputada Isabel Rodrigues, agradeço as questões que formulou e queria dizer-lhe o seguinte: já vou

ficando entradote e lembro-me das denúncias feitas aqui pelo Procurador-Geral da República José Narciso da

Cunha Rodrigues, ao tempo dos Governos de Cavaco Silva, quando disse, nesta Assembleia, que os

processos criminais iam do Ministério Público para o Tribunal da Boa Hora no estribo do elétrico, porque não

havia um carro que permitisse ao Ministério Público levá-los. E, então, os passageiros reclamavam, porque o

elétrico ficava muito tempo parado, para que os funcionários do Ministério Público metessem os processos no

estribo do elétrico para os levar para a Boa Hora. Esta era a situação da investigação criminal nos anos 90.

A situação já não é essa e os passos que foram dados, em matéria legislativa, nesta Assembleia,

designadamente em 2010, quando se fez um trabalho muito importante…

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.

O Sr. António Filipe (PCP): — Vou concluir, Sr. Presidente. Como estava a dizer, os passos que foram dados, designadamente com a aprovação da resolução de 2010

que aqui citei, e que, se não estou em erro, foi aprovada por unanimidade, foram importantes, estão a dar

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resultados e poderiam dar mais, o problema agora é de investimento, é de cumprimento dos objetivos dessa

resolução.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Segue-se a declaração política do Grupo Parlamentar do CDS-PP, para o que tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Meireles.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos a 12 dias de começar a discussão do Orçamento do Estado. Vai ser, ou pelo menos devia ser, o Orçamento mais decisivo

dos próximos anos.

Primeiro, porque o próximo ano vai ser completamente atípico e uma parte substancial da economia vai

continuar encerrada ou, pelo menos, a meio gás por força ou receio das medidas tomadas para conter a

pandemia.

Segundo, porque este é também o Orçamento que vai marcar o caminho que queremos seguir nas

próximas décadas e o que queremos fazer com o tão famoso e apregoado dinheiro da Europa, a tal «bazuca»

de que fala o Sr. Primeiro-Ministro.

O Orçamento certo para Portugal é, ou devia ser, um Orçamento que confia na iniciativa privada e que lhe

dá as condições necessárias para aguentar as dificuldades da pandemia e a liberdade para conseguir que

Portugal não passe os próximos 20 anos a disputar os últimos lugares do ranking europeu, ao contrário do que

aconteceu, aliás, nas duas últimas décadas.

Mas o Orçamento de que o PS precisa e que tenta desenhar com os seus parceiros mais à esquerda é

outro, bem diferente. Já se percebeu que, como modelo de crescimento, apresenta uma lista de obras, e de

obras públicas. Em relação à iniciativa privada, sobretudo a que não depende do Estado, olha-a com

desconfiança e prefere apostar num país clientelar, em vez de deixar florescer profissionais e empresas

dinâmicas, pouco dependentes do Estado, das suas autorizações e dos seus apoios.

Vamos ver alguns exemplos práticos das últimas semanas ou dos últimos meses.

Gostava de começar pelo tão publicitado Plano de Recuperação. E não vou sequer falar do facto, tão

óbvio, de apenas um quarto deste plano e do envelope financeiro nele previsto estar destinado ao potencial

produtivo e às empresas. Mas salta aos olhos que a esmagadora maioria das medidas concretas não são

propriamente medidas, são obras, e são obras públicas — do ponto de vista do Governo, é esse o motor da

economia —, e não há uma única medida, dos 3000 milhões de euros, para as empresas que seja de

aplicação fácil, rápida e transversal a todas, sem necessidade de criação de uma verdadeira indústria de

projetos e organismos públicos de aprovação, rejeição e negociação com empresas.

Uma medida tão simples como poderia ser a da eliminação de uma parte dos impostos ou contributos que

foram prorrogados durante este ano e que as empresas não têm dinheiro para pagar, aparentemente, não

estará prevista no Orçamento nem em cima da mesa. É a isto que se chama a criação de um país clientelar:

não há apoios a empresas sem carimbos dos serviços.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Vale a pena lembrar, por acaso, algo que já foi referido esta tarde, a questão das CCDR, de que o PS em má hora se veio lembrar, com aquilo a que chamou «eleição indireta».

Na prática, aquilo a que estamos a assistir é à colocação nas CCDR de comissários políticos repartidos pelo

bloco central, em que o PS leva a fatia de leão, como é, aliás, assumido de forma completamente aberta e

frontal, sem nenhum pudor, perante a indiferença da opinião pública, ou melhor, perante a indiferença da

opinião publicada. Ou seja, aquilo que está a acontecer, neste momento, em Portugal é grave: para executar

políticas públicas — não é desenhar, é executar —, analisar projetos, tratar de licenças, para isso, conta a

confiança política e não conta nada a competência técnica.

Num país como o nosso, em que, em muitos concelhos, o principal empregador é já a câmara municipal e

que precisava de criar mais oportunidades no setor privado, o que está a ser feito é a entrega das CCDR às

máquinas partidárias autárquicas. Com as suas competências na execução de políticas públicas e também no

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que toca à execução dos tais fundos comunitários e dos grandes envelopes financeiros, é bom de ver que

aquilo que está a ser criado é, sim, um país clientelar, em que conta mais a empresa que conhece quem do

que a empresa que se sai bem, que trata bem os seus trabalhadores, que paga salários justos. Estas eram as

empresas em que era importante não que o Governo ajudasse, mas, sobretudo, que não atrapalhasse, e,

infelizmente, o que acontece é o contrário.

Por último, este Orçamento podia e devia ser uma excelente oportunidade para o Governo salvar e manter

postos de trabalho, que se vão perder se alguma coisa não for feita muito rapidamente. Infelizmente, há muitas

empresas que estiveram fechadas durante o período de confinamento, que reabriram nos últimos meses, que

querem sobreviver e salvar empregos, mas que têm, de facto, menos clientes e menos encomendas — e,

provavelmente, continuarão a ter menos clientes e menos encomendas enquanto vivermos nesta incerteza,

basta pensar num pequeno hotel ou numa loja do comércio local.

A medida do layoff simplificado, ou melhor, medianamente simples, apesar das demoras e dos solavancos

iniciais, permitiu manter emprego, com sacrifícios substanciais — é verdade! — para quase 900 000

trabalhadores, que viram diminuído o seu rendimento, e também, é justo lembrá-lo, com o esforço de muitos

empresários, que utilizaram as suas poupanças pessoais para este fim.

O Governo decidiu eliminá-lo e substituí-lo por um layoff complicado, a que chamou «apoio extraordinário à

retoma progressiva». Mudou o nome e complicou o regime. Resultado: ontem, já estava a anunciar a revisão

do regime do layoff complicado, vulgo, apoio extraordinário à retoma.

Estamos a perder tempo precioso, tempo que muitas empresas não têm, é preciso rapidez e simplicidade.

Neste momento, há duas urgências.

Entretanto, assumiu a presidência o Vice-Presidente Fernando Negrão.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, chamo a sua atenção para o tempo utilizado.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Com certeza, Sr. Presidente. A primeira urgência é proteger os mais vulneráveis, a segunda e última é proteger o emprego e o trabalho.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para já, a Mesa regista a inscrição de três Srs. Deputados, do PSD, do Iniciativa Liberal e do PCP, para formularem pedidos de esclarecimento à Sr.ª Deputada Cecília

Meireles, que responderá conjuntamente.

Tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado Jorge Paulo Oliveira, do PSD.

O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Cecília Meireles, cumprimento e saúdo o Grupo Parlamentar do CDS-PP pelo tema escolhido para a sua declaração

política e pela relevância do mesmo.

Numa análise serena, mas objetiva, àquilo que é a situação económica e financeira do País, somos

obrigados a concluir, em primeiro lugar, que a situação económica do País é pior do que aquela que o

Governo antecipou.

Em segundo lugar, somos obrigados a concluir que a generalidade das empresas continua muito longe da

retoma da atividade, e esta circunstância não é exclusiva do setor da restauração ou do turismo.

Em terceiro lugar, as empresas sentem-se desapoiadas. Basta ouvir o que dizem os empresários, basta

ouvir o que dizem os presidentes das associações empresariais.

Em quarto lugar, são cada vez mais evidentes os sinais das guerras instaladas no seio do Governo quanto

ao rumo a traçar. O anúncio do regime substituto do regime simplificado de layoff foi feito pelo Sr. Ministro da

Economia, quando esta é uma área tutelada pela Sr.ª Ministra do Trabalho, ademais, à margem e à revelia da

concertação social. Este é um sinal revelador da guerra instalada no Governo.

Em quinto lugar, as medidas que o Governo adotou no combate à crise económica são poucas, não

resolvem nada de estrutural e foram todas, mas foram mesmo todas, tardiamente implementadas.

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Neste contexto, Sr.ª Deputada Cecília Meireles, pergunto-lhe se concorda ou não com a nossa sexta e

derradeira conclusão, a de que o Governo tem, e teve, condições e a obrigação de fazer muito, de fazer

mesmo muito mais, se quiser evitar o encerramento de milhares de empresas e o despedimento de milhares

de trabalhadores, que nos conduziriam, inevitavelmente, a uma derrocada social de dimensão gigantesca.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, do Iniciativa Liberal, tem a palavra para um pedido de esclarecimento.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Cecília Meireles, muito lhe agradeço por ter trazido este tema.

Não fazia tenções de lhe pedir um esclarecimento, mas houve algo que me deixou a pensar e gostava de

ouvir a sua opinião sobre aquilo a que posso chamar um fenómeno grave e exemplificativo de dissonância

cognitiva. Da próxima vez que me perguntarem o que é, apontarei para esta bancada do PS e direi: «Este é

um exemplo de dissonância cognitiva.» Ou, para aqueles que não gostam tanto do jargão técnico, é: «Olha

para o que digo, não olhes para o que faço!»

O Sr. Pedro do Carmo (PS): — Ah! Muito bem…

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — É que, relativamente à situação, de cujo diagnóstico, em boa parte, partilho, há um aspeto que acho particularmente curioso: quando o Governo apresenta o seu Plano de

Recuperação, apesar de o seu próprio «paraministro» Eng.º Costa Silva mencionar que são as empresas que

criam riqueza e emprego, vamos ver esse Plano de Recuperação e as empresas estão uma nota de pé de

página, algures, como beneficiários indiretos de infraestruturas, de qualificações, com uma presença muito

pouco importante.

Quando o próprio Primeiro-Ministro diz que é fundamental mobilizarmos as energias, quer de empresas,

quer de cidadãos, o que é que vemos? Um apelo pífio a essa mesma participação e não se vê bem onde é

que os cidadãos podem colaborar.

A estrutura de decisão e de avaliação e os critérios para estes fundos que aí vêm mantêm-se exatamente

os mesmos que tínhamos nos fundos estruturais europeus.

Portanto, entusiasmo, que é o que era preciso, não vemos. O que é que vemos? A fila de empresas e de

consultoras clientelares do Estado à espera de abocanhar esse bolo grande que aí vem.

Acho que não é assim que se deve fazer um plano de recuperação, acho que é um fenómeno claro de

dissonância cognitiva. Mas, Sr.ª Deputada, posso estar completamente errado e gostava de ter a sua opinião.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr.ª Deputada Cecília Meireles, no total, quatro Deputados inscreveram-se para pedir esclarecimentos. Pretende responder dois a dois?

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Muito bem, Sr.ª Deputada. Tem a palavra para responder.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, gostava de agradecer aos Srs. Deputados Jorge Paulo Oliveira e João Cotrim de Figueiredo as suas questões.

Acho que vale a pena, neste momento, lembrarmo-nos de uma coisa: a realidade que temos é a de que a

economia não está a funcionar como é habitual. Parte das empresas está parada, ou a andar mais devagar,

ou com menos encomendas. E essa situação, infelizmente — e sublinho «infelizmente» —, vai manter-se

enquanto o mundo estiver nesta situação, até porque, mesmo que as coisas fossem diferentes em Portugal,

seriam assim no resto do mundo.

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Do meu ponto de vista, aquilo que o Estado deve fazer para proteger o emprego e os postos de trabalho de

muitas pessoas é proteger a sobrevivência das empresas. Imaginar que é possível sacrificar as empresas, ou

imaginar que é possível que as empresas encerrem e o Estado mantenha uma situação como se nada se

estivesse a passar, é enganar as pessoas.

Por isso é que me parece que era preciso que o plano de emergência garantisse a sobrevivência dessas

empresas. Como? Transformando em apoios moratórias fiscais que já foram dadas, consagrando alguns

apoios a fundo perdido e, sobretudo, criando um incentivo que não fosse de escolha do Estado, mas que

abrangesse todas as empresas.

Em segundo lugar, gostava de lembrar estes dados, porque vale a pena lembrá-los: tivemos uma queda

muito, muito, muito substancial no número de horas trabalhadas. Porquê? Porque as pessoas foram obrigadas

a ficar em casa. De facto, o que aconteceu na primeira fase, com o layoff simplificado — com defeitos, é

verdade, e com muitos sacrifícios, sim —, foi que isso permitiu preservar grande parte dos postos de trabalho.

Proibições, ver a diabolização das empresas, ver as empresas como se elas fossem inimigas das pessoas

e inimigas dos seus trabalhadores, do meu ponto de vista, é meio caminho andado para criar um monumental

problema, ainda maior do que aquele que já temos. O caminho é o oposto a esse.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr. Deputado Duarte Alves, do PCP, tem a palavra para um pedido de esclarecimento.

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Cecília Meireles, cumprimento-a por ter trazido um conjunto de temas relativos à política económica e orçamental.

De facto, estamos, hoje, perante novos problemas, que são consequência da pandemia, e perante

problemas estruturais que o País já enfrentava e que se agravaram de forma significativa com a pandemia e

com as suas consequências económicas.

A questão que se coloca, neste momento, é esta: quais as respostas para esta situação? Quais as

soluções para estes problemas, para a vida dos trabalhadores e do povo?

Identificamos três questões centrais: desde logo, a necessidade de uma política de valorização dos

rendimentos e dos salários, sobre a qual o Plano de Recuperação é uma autêntica página em branco, não

falando sobre essa necessidade de recuperar rendimentos para os trabalhadores; em segundo lugar, a

necessidade de dinamizar a economia, para a qual é necessário a recuperação do controlo público sobre

setores e empresas estratégicos; em terceiro lugar, a necessidade da criação de emprego a partir da

valorização de setores produtivos, reforçando o emprego público, tão necessário, no Serviço Nacional de

Saúde, na escola pública e noutros serviços públicos.

São necessárias, também, medidas de política fiscal de desagravamento da tributação sobre quem

trabalha e medidas que apoiem e desonerem as micro, pequenas e médias empresas, como, aliás, o PCP tem

proposto. No último Orçamento Suplementar, medidas como a suspensão do pagamento por conta e a

devolução integral dos PEC (pagamentos especiais por conta) foram propostas pelo PCP, foram aprovadas e

pensamos que devem ter continuidade.

Relativamente ao PSD e ao CDS, sabemos que a sua fórmula é outra: corte nos salários, nas pensões,

ataques aos direitos, desinvestimento, privatizações. Consideramos que, neste momento, ao contrário da

fórmula do Dr. Rui Rio e do CDS, é preciso, sim, o aumento geral dos salários, em particular do salário mínimo

nacional.

Era sobre isso que gostava que a Sr.ª Deputada Cecília Meireles se pronunciasse, porque estamos a

enfrentar um momento de restrições no plano internacional, sendo fundamental dar novo dinamismo ao

mercado interno. Isso só se faz com rendimentos, só se faz com aumento dos salários e, para dinamizar o

mercado interno, é, de facto, necessário um aumento geral dos salários, em particular do salário mínimo

nacional.

Aplausos do PCP.

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O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem agora a palavra o Sr. Deputado Hugo Costa, do PS, para um pedido de esclarecimento.

O Sr. Hugo Costa (PS): — Sr. Presidente, cumprimento a Sr.ª Deputada Cecília Meireles pela escolha do tema que o CDS nos trouxe.

Se é verdade que a atual crise económica e social coloca novos e importantes desafios a todos e se é

verdade que a situação pandémica coloca, também, desafios importantes às empresas, aos trabalhadores, à

situação económica e social e consequências no emprego, não deixa de ser verdade que é altura de Portugal

ter um verdadeiro plano de resiliência, um pleno plano de confiança e um pleno plano de reconstrução

económica.

Ficámos a saber que o CDS é contra o investimento público. O CDS é contra a aposta na ferrovia, algo

que, durante anos e anos, não foi feito? O CDS é contra a aposta no investimento público nos territórios de

baixa densidade, nomeadamente nos territórios com mais dificuldades económicas e sociais, no nosso

interior? O CDS é contra isso? Sendo, igualmente, contra o plano de recuperação económica e de resiliência,

o CDS, certamente, também é contra a transição digital ou a aposta na descarbonização da economia.

Pergunto à Sr.ª Deputada Cecília Meireles qual é a posição do CDS sobre essa matéria.

Se existe matéria em que, ao longo dos anos, as políticas públicas em Portugal fizeram com que o

mercado deixasse de funcionar é a habitação. Qual é a proposta concreta do CDS para a habitação? Só

conhecemos uma na história: a lei dos despejos, a lei de destruir o mercado habitacional, colocando o

mercado acima da desproteção social.

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Muito bem!

Protestos do Deputado do PSD Duarte Marques.

O Sr. Hugo Costa (PS): — Por isso, questiono qual é a proposta concreta do CDS a nível de habitação. Em relação à resposta do Governo, sublinhamos que o CDS reconhece a importância do layoff

simplificado. Milhares e milhares de postos de trabalho foram salvos por esta medida. Mas queríamos

perceber que medidas concretas é que o CDS nos apresenta. O Governo apresentou linhas de crédito, layoff

simplificado, um conjunto de medidas que permitiram salvar.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr. Deputado, chamo a sua atenção para o tempo.

O Sr. Hugo Costa (PS): — Bem sabemos que o ótimo é inimigo do bom, por isso, questionamos o CDS no sentido de saber que medidas concretas apresenta para responder a esta crise pandémica.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr.ª Deputada Cecília Meireles, tem a palavra para responder.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, queria agradecer as questões colocadas pelos Srs. Deputados.

Começo por dizer que ouvi da bancada do Partido Socialista: «Ficámos a saber que o CDS é contra o

investimento público.» Ora, gostava de dizer que o CDS não é contra o investimento público. Sou, sim, contra

a ideia de considerar a iniciativa privada uma espécie de parceira de segunda do Estado e do investimento

público, que tem como função pagar impostos, pagar contas e pouco mais. Sim! Acho que a maior parte do

investimento deve ser privado. É assim que funciona uma sociedade próspera. Sem problema nenhum!

Dizia-me o Sr. Deputado Hugo Costa que somos contra o investimento ferroviário. Não sou contra o

investimento ferroviário, mas tenho memória! Ainda me lembro quando o grande investimento não era

ferroviário, mas rodoviário, e se chamava «autoestradas». Lembra-se do tempo do seu ex-Primeiro-Ministro

Sócrates, sabendo como acabou essa história, quer para ele, quer para o bolso de todos nós?

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O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — E do Paulo Campos!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Portanto, perceba que, quando ouço falar em grandes planos de investimento público, quando ouço «agora é que vai ser», quando dantes tínhamos de combater a

interioridade com as autoestradas, mas agora já não, é o País da ferrovia, olho para isto tudo com um

bocadinho de desconfiança, sobretudo quando vejo, nos planos, grandes palavras, grandes intenções, mas,

depois, de medidas concretas, vejo muito pouco.

Quanto a medidas concretas para as empresas, já lhe dei uma: pegar num dos vários impostos ou

contributos que prorrogou e, numa parte, pura e simplesmente, eliminá-lo e não cobrá-lo. É fácil, é rápido e

ajuda muitas empresas.

Em relação ao Sr. Deputado Duarte Alves, que me fez uma pergunta sobre a nossa posição relativamente

a fórmulas e ao salário mínimo nacional, trouxe alguns números, porque, às vezes, sobre fórmulas, mais vale

irmos ver a realidade.

Em relação ao salário mínimo nacional, fui olhar para os países da Europa em que ele é mais alto e vi isto:

Luxemburgo, 2141 € de salário mínimo; Irlanda, 1681 € de salário mínimo; Holanda, 1666 € de salário mínimo.

Do lado das vossas bancadas, só ouço críticas a estes países. Se calhar, mais valia irem ver o que é que eles

estão a fazer bem para as pessoas terem estes rendimentos de salário mínimo.

Falando em fórmulas, fui também olhar para os países que têm os salários mínimos mais baixos. Encontrei

isto: Bulgária, salário mínimo de 311 €; Letónia, salário mínimo de 430 €; Roménia, salário mínimo de 463 €.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr.ª Deputada, chamo a sua atenção para o tempo.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Deputado, pense bem nas fórmulas que estes países seguiram para as pessoas viverem assim e vai encontrá-las todas, mesmo todas, no seu partido. O seu partido conduz a

estas misérias.

Aplausos do CDS-PP.

Protestos de Deputados do PCP.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem a palavra, para uma declaração política, a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do PAN.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Durante esta crise sanitária, assistimos, em particular no período de desconfinamento, a uma total incoerência nos critérios que vieram a

ser definidos pelo Governo, com base nas recomendações e orientações da Direção-Geral da Saúde (DGS),

nomeadamente naquilo que respeita à presença de público nas diferentes atividades culturais ou desportivas.

Se, por um lado, os jogos de futebol ou outras práticas desportivas, onde se inclui o desporto adaptado,

têm esperado por um período demasiado prolongado no tempo pelas normas e orientações da DGS, o mesmo

não se tem visto noutras atividades. Não nos podemos esquecer de que a espera por estas normas teve um

impacto nos clubes, nos rendimentos e na prestação dos profissionais do desporto.

Estas atividades decorrem ainda à porta fechada, quando, contrariamente ao que o Governo tinha

inicialmente avançado, a tauromaquia foi, mais uma vez, a exceção. Para o Governo e a Direção-Geral da

Saúde, do público do futebol espera-se um comportamento indisciplinado, de gente que não se sabe

comportar. Mas — pasmem-se! —, já nas touradas, essa atividade anacrónica, o Governo parece acreditar

que o público se vai comportar como um autêntico anjinho!

Por que razão é que nem 5% de um estádio de futebol pode ser ocupado, quando, em contrapartida, nos

últimos dias, circulou nas redes sociais uma fotografia panorâmica de uma praça de touros em Santarém,

repleta de pessoas a assistir a uma tourada?

Protestos da Deputada do PSD Fernanda Velez.

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É uma imagem que não deixa margem para dúvidas.

Neste momento, a oradora exibiu uma fotografia.

Nesta fotografia, cuja autenticidade já foi verificada, é possível constatar como foram ignoradas as regras

do distanciamento físico e social impostas pela DGS no âmbito da situação de contingência em que o País se

encontra: a ocupação do recinto praticamente no máximo, com filas preenchidas quase na totalidade, ou seja,

o oposto do que se exige e do que recomendam as boas práticas neste tempo para todas as atividades

económicas, sociais e culturais e — pasme-se! — não apenas para as touradas.

Mas mais: em Reguengos de Monsaraz, cujo contexto sanitário bem conhecemos, anunciou-se que seriam

realizados touros de morte e que a DGS autorizou a realização deste evento, mais uma vez com a presença

de público.

Sr.as e Srs. Deputados, a tauromaquia faz o que quer neste País!

Protestos do Deputado do PS Pedro do Carmo.

Não bastam os reiterados incumprimentos ao Regulamento do Espetáculo Tauromáquico, também agora,

num contexto sanitário absolutamente excecional, é, mais uma vez, a vergonhosa exceção!

Protestos da Deputada do PSD Fernanda Velez.

Apesar das medidas de distanciamento físico impostas de 2 m entre pessoas, exceção feita para os

coabitantes, não é isso que, na prática, tem acontecido.

De acordo com órgãos de comunicação social, o promotor garantiu que todos os lugares indisponíveis

seriam identificados e que, resultado disso, a lotação da praça ficaria nos 50%, algo que a imagem que

acabámos de ver demonstra, de forma absolutamente categórica, não ser verdade.

Como se não bastasse, segundo a mesma entidade, a PSP esteve presente com o triplo dos efetivos face

ao que é habitual, no entanto não reportou qualquer expulsão do recinto por incumprimento reiterado das

regras sanitárias, facto que, novamente perante as imagens, só nos pode causar incredulidade, estupefação e

também alguma revolta perante este desrespeito pela saúde pública. Mas deixem-nos adivinhar: deviam ser

todos familiares!

Mas, afinal, Sr.as e Srs. Deputados, que atividade é esta que não apenas beneficia de um estatuto

excecional face a outras atividades, nomeadamente as desportivas, como, aparentemente, goza de um

estatuto de absoluta impunidade neste País?

Num momento em que recebemos nesta Assembleia várias denúncias e preocupações de famílias que têm

os seus familiares isolados nos lares ou que não podem acompanhar as mulheres grávidas no momento do

parto, assistimos, depois, à lotação máxima de uma praça de touros! Dois pesos e duas medidas!

O que é mais importante, afinal: garantir que se nasce de forma humanizada em Portugal, ou garantir que

as touradas, uma atividade absolutamente desumana, têm público?!

Sr.as e Srs. Deputados, particularmente os que defendem a tauromaquia: concordam com esta

irresponsabilidade? Que comentário vos merece esta flagrante falta de equidade perante outros eventos que

têm sofrido o boicote das autoridades de saúde?

E, muito particularmente, Sr.as e Srs. Deputados do Partido Socialista, como justificam a incoerência de ter

o Sr. Primeiro-Ministro, num dia, a defender a implementação de medidas excecionais, de maneira a evitar um

aumento exponencial de contágios e a fazer depender o sucesso do combate ao vírus do comportamento de

cada cidadã e cidadão, e, noutro dia, as entidades públicas que o Governo tutela a permitirem esta afronta à

saúde pública e ao bom senso e, pior, as autoridades com competência de fiscalização a furtarem-se ao

cumprimento da lei?

Protestos do Deputado do PS Pedro do Carmo.

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Na prática, o que temos é o Governo a dizer, num dia, que o País não pode voltar a confinar e que a única

forma de o garantir é a adoção de comportamentos responsáveis e, no dia imediatamente a seguir, a legitimar,

através das entidades públicas que estão sob a sua égide, um critério simplesmente incompreensível, ao

permitir eventos que, se já não bastasse serem a promoção da violência gratuita e injustificada sobre animais,

põem ainda em causa a integridade física de quem participa nesta atividade e desrespeitam, de forma

flagrante, as orientações da Direção-Geral da Saúde.

Veja-se ainda que, recentemente, a Comissão de Educação, Desporto e Juventude recebeu o Comité

Olímpico de Portugal, o Comité Paralímpico de Portugal e a Confederação do Desporto de Portugal, que já em

julho assinaram uma moção conjunta, manifestando as suas preocupações com a sobrevivência do desporto

nacional, seja dos pequenos clubes, seja no incentivo à prática desportiva dos jovens. Mas para estes atletas

não há exceções. Fecha-se a porta a atividades promotoras de boas práticas e não às da cultura da violência!

Sr.as e Srs. Deputados, fecham os olhos ao sofrimento animal, fecham os olhos às inúmeras irregularidades

que ocorrem nesta atividade, fecham os olhos à falta de seguro para os forcados, e, pelos vistos, fecham

também os olhos à saúde, valor de que tanto se falou durante esta crise sanitária e que pela tauromaquia tem

sido feita tábua rasa.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr.ª Deputada, chamo-lhe a atenção para o tempo.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Vou concluir, Sr. Presidente. Se a tauromaquia já não devia ter lugar num contexto de normalidade sanitária, muito menos tem num

contexto como aquele que vivemos, em que a sociedade tem sido obrigada a enormes sacrifícios e privações,

em que as cidadãs e os cidadãos são privados de levarem as suas vidas com normalidade e os profissionais

de saúde são expostos a um desgaste acrescido.

É, assim, absolutamente incompreensível para o PAN esta exceção por parte do Estado, assim como a

total impunidade que tem reinado perante este setor.

Aplausos do PAN.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — A Sr.ª Deputada tem cinco pedidos de esclarecimento. Como é que pretende responder?

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, responderei aos primeiros dois e depois aos restantes três.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem, então, a palavra para pedir esclarecimentos, a Sr.ª Deputada Fernanda Velez.

A Sr.ª Fernanda Velez (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, ainda bem que o PAN trouxe o tema da cultura, hoje, ao Parlamento.

Mas deixe-me começar por lhe dizer que a sua obsessão pelas touradas é, claramente, doentia e só nos

faz lembrar que o PAN tem um único tema, que é a tauromaquia, acabar com a tauromaquia, e socorre-se de

uma fotografia que, inclusive, não corresponde à realidade. Essa fotografia foi tirada na Praça de Touros

Celestino Graça em anos anteriores.

Mas vamos ao que interessa, vamos à cultura que é isso que nos traz aqui. A paralisação de todo o setor

cultural provocou danos gravíssimos e o resultado está à vista: muitos agentes e profissionais enfrentam a

pobreza, o desemprego e a incerteza no futuro. Uma situação que o Grupo Parlamentar do PSD tem vindo a

denunciar e a acompanhar de forma séria e constante, porque o estado da cultura em Portugal assim o exige.

A Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real recorda-se, seguramente, que foi o PSD que promoveu um debate de

urgência no passado mês de junho sobre o estado da cultura em Portugal e já na altura o Grupo Parlamentar

do PSD se mostrou preocupado com o facto de todas as atividades ligadas ao setor cultural estarem

encerradas e as respostas do Ministério da Cultura serem curtas, tardias e muito pouco eficazes. E se o setor

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cultural atravessava nesse momento um estado de absoluta calamidade, infelizmente, esse quadro pouco ou

nada mudou.

Não obstante a situação pandémica que ainda se verifica com a evolução da crise da COVID-19, o Grupo

Parlamentar do PSD considera que a reabertura de diversas atividades e de espetáculos culturais e

desportivos, sem exceção, é fundamental quer para todos os profissionais desses setores, quer para o público

em geral, evidentemente que respeitando as medidas da DGS, de forma a assegurar a salvaguarda da saúde

pública, como acontece na tauromaquia.

Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, naturalmente que o Grupo Parlamentar do PSD concorda consigo

porquanto as medidas e as regras a implementar como referencial de atuação para a prevenção e controlo da

transmissão da COVID-19 em todas as manifestações, sejam elas de cariz cultural ou desportivo, devem

existir e devem ser adequadas a cada uma das situações.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Chamo-lhe a atenção para o tempo, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Fernanda Velez (PSD): — Termino já, Sr. Presidente. No entanto, Sr.ª Deputada, não podemos acompanhar o objetivo do PAN que consiste em pôr em prática

uma política de gosto, repudiando atividades que, de acordo com a lei em vigor, são consideradas espetáculos

culturais.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Inês Sousa Real, cumprimento-a e quero dizer-lhe que não foi com grande espanto que ouvi a sua intervenção, embora, confesso-lhe, o título que

estava indicado para a sua declaração política nos distanciasse um bocadinho disto, mas, enfim, nós também

já conhecemos o PAN.

De facto, passou da crise sanitária decorrente da COVID-19 — podia ter falado, imagine, sobre os lares,

sobre o que se passa nos lares, sobre as brigadas que foram criadas e que, afinal, vão ter menos pessoal

médico do que o necessário —, o que isso seria falar sobre as pessoas e sobre a morte das pessoas, mas eu

também percebo que isso não é assim muito relevante para o PAN, que tem outras causas mais grandiosas,

no seu legítimo direito, para o hipotético sofrimento animal.

Sr.ª Deputada, o que eu ouvi aqui foi a Sr.ª Deputada, basicamente, apontar o dedo a toda a gente, exceto

ao PAN — naturalmente, imaculado nestas matérias —, à DGS, ao Governo, ao Parlamento. Toda a gente há

de ter culpa, mas a Sr.ª Deputada é que, realmente, não devia estar atenta quando o setor negociou com a

DGS, como todos os outros setores negociaram com a DGS, as normas para a abertura no caso do

espetáculo tauromáquico.

Se a Sr.ª Deputada tinha algum problema era nessa altura que podia fazer perguntas, que podia ter

chamado cá a Sr.ª Diretora-Geral da Saúde para esclarecer. Fez isso? Não fez! Prefere falar da tribuna e fazer

um grande número, que há de dar-lhe um grande vídeo, que há de ser muito propagado no Facebook e,

assim, vivemos nós alegremente.

Sr.ª Deputada, pode apontar o dedo a toda a gente, mas o facto é que, se a Sr.ª Deputada quer ser polícia

nas suas horas vagas, pode ir tirar fotografias à praça e denunciar o que estiver mal; agora, escusa é de vir

aqui para a Assembleia dizer que toda a gente tem culpa de um espetáculo que cumpriu as normas. Tenha

paciência!

Não tenho mais nada para lhe perguntar, mas é que, realmente, este assunto já cansa!

A Sr.ª Fernanda Velez (PSD): — Muito bem!

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real.

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A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, antes de mais quero agradecer às Sr.as Deputadas as questões que colocaram.

A Sr.ª Deputada do PSD já nos vem habituando à sua obsessão — e retribuo-lhe a simpatia que me

endereçou —, porque doentio, parece-nos, é tentar elevar a cultura o que consiste numa violência e maus

tratos aos animais.

Da mesma forma não nos parece correto desvalorizar o contexto sanitário que vivemos e o desrespeito…

A Sr.ª Fernanda Velez (PSD): — Não há desrespeito!

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — … por parte de quem foi assistir a este espetáculo pelas normas e orientações da Direção-Geral da Saúde.

Até porque, Sr.ª Deputada, recordo que estas imagens já circularam, inclusivamente, nos órgãos de

comunicação social e, inclusivamente, o programa Polígrafo já dedicou tempo a analisar a veracidade desta

imagem.

Protestos do Deputado do PS Pedro do Carmo.

Portanto, o PAN não vem aqui trazer nada que não tenha sido já abordado na comunicação social e de que

não existam já indícios de que, efetivamente, esta situação ocorreu.

Mas a Sr.ª Deputada, toldada que está pela sua obsessão em manter viva a tauromaquia, deixa de fora a

preocupação legítima com uma discriminação, porque não lhe ouvimos uma palavra em relação ao desporto,

não lhe ouvimos uma palavra em relação aos atletas que estão condicionados e foram discriminados, no

desporto adaptado de que falámos da tribuna.

É que, para nós, a saúde pública e a igualdade são, de facto, valores demasiado importantes para estarem

aqui a ser toureados.

Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa, quero, desde já, esclarecer que alguém a informou mal em relação ao tema

da declaração política do PAN, porque o PAN disse, claramente, ao que vinha, ou seja, que vínhamos aqui

falar não só do público nos eventos desportivos e culturais, pelo que terá de ver dentro da sua bancada quem

é que a induziu em erro.

Protestos da Deputada do CDS-PP Ana Rita Bessa.

Sobre o PAN questionar o Governo, recordo também, porque eventualmente estará desatenta ao trabalho

do PAN, que temos apresentado várias perguntas ao Governo, não só sobre as orientações da Direção-Geral

da Saúde para os espetáculos tauromáquicos como também sobre muitas outras áreas da nossa sociedade,

seja sobre os lares portugueses, seja sobre…

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Queira concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Concluo já, Sr. Presidente. Portanto, aconselho-a a acompanhar mais atentamente o trabalho do PAN…

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Peço desculpa, mas não vai ser possível!

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — … porque, efetivamente, temos tido não só preocupações como temos trazido aqui uma questão que é bastante legítima e com a qual não se brinca, que é a saúde de todas

as pessoas.

Aplausos do PAN.

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O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado André Ventura.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, penso que, antes de mais, era importante sabermos se a fotografia que mostrou é pós-pandemia ou se é anterior à pandemia,

porque, de facto, trazer uma fotografia para a discussão que pode ser de há um ano, ou dois, ou três não é

exatamente a mesma coisa.

Parecia o Orçamento do Estado do PS, mais facilmente.

Protestos de Deputados do PS.

Portanto, Sr.ª Deputada, acho importante saber de quando é a foto.

Mas, ao mesmo tempo, gostava de lhe perguntar se entende que esta é a única consequência que há

destas regras que se referem à tauromaquia. É que, de facto, assim, parece que há uma obsessão com a

tauromaquia, ou seja, em qualquer situação, sobre qualquer situação, de desemprego, de falta de água, de

seca ou de extrema dificuldade económica, logo vem a tauromaquia ao barulho.

Por exemplo, hoje, a Sr.ª Deputada esteve certamente na mesma audição que eu à Sr.ª Diretora-Geral da

Saúde e penso que se apercebeu que os lares estão numa situação muito difícil — hoje, honra lhe seja feita,

falou dos lares.

Portanto, o que queremos saber é sobre as notícias que temos visto nos últimos dias, que nos dizem, por

exemplo, que PAN está reunido com o Governo, que o PAN está reunido com António Costa, que o PAN diz

que há avanços significativos nas negociações.

Quando a fiscalização nos lares desce 17%, quando os lares se encontram na situação pandémica mais

difícil da sua história e quando o descontrolo é total em matéria de informação, Sr.ª Deputada, em vez de vir

falar de tauromaquia, venha dizer o que é que o PAN vai fazer no Orçamento do Estado, venha dizer-nos se

vai ou não dar a mão ao Partido Socialista, outra vez, neste Orçamento do Estado, porque é isso que importa.

É que estar aqui a dizer que está tudo muito mau, estar a apontar o dedo ao Governo, chamar a bancada

do Partido Socialista à razão, mas chegar ao dia do Orçamento, levantar a mão e votar a favor ou abster-se, é

a mesma coisa que nada!

Já agora, trouxe uma fotografia da tauromaquia mas podia ter trazido uma da Festa do Avante!,…

Protestos do BE e do PCP.

… ou outra qualquer, que seria a mesma coisa, mas, se calhar, ia melindrar os seus amigos e isso já não

convinha muito.

Tem de se perceber em que bancada é que está e de que lado está, Sr.ª Deputada.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Barroco de Melo.

O Sr. Eduardo Barroco de Melo (PS): — Sr. Presidente, devo começar por dizer que, de facto, é preciso notar esta suprema ironia do Chega ao falar de manipulação da verdade. Acho que é uma nota do registo

neste debate.

O Sr. Pedro do Carmo (PS): — Muito bem!

O Sr. Eduardo Barroco de Melo (PS): — Sr.ª Deputada Inês Sousa Real, ao contrário da Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa, fiquei um pouco surpreendido com o discurso que aqui nos trouxe, por uma razão simples. É

que partilhamos, até, uma posição pessoal sobre as touradas, portanto, estou à vontade nesse campo, mas

considero que, de facto, aquilo que estamos a fazer não é um debate sobre legitimidade das touradas, é um

debate sobre a presença ou não do público nos espetáculos desportivos e nos espetáculos culturais.

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O Sr. Pedro do Carmo (PS): — Muito bem!

O Sr. Eduardo Barroco de Melo (PS): — A Sr.ª Deputada Fernanda Velez conseguiu fazer uma síntese impossível, de querer respeitar as direções da Direção-Geral da Saúde ao mesmo tempo que quer abrir as

portas às pessoas nestes eventos, quando, curiosamente, é a Direção-Geral da Saúde que determina as

regras para a não presença das pessoas nestes eventos.

Dito isto — aliás, ao contrário do que diz a bancada do Partido Social Democrata — e como a Sr.ª

Deputada percebe, e bem, se não queremos ferir a integridade física dos touros, falando aqui especificamente

das touradas e da posição que partilhamos, também não queremos sujeitar as pessoas, que também têm

direito à proteção da sua integridade física, a serem, eventualmente, alvo de risco.

Portanto, como é óbvio, o Partido Socialista tem tomado uma posição que nos parece responsável, que é a

de permitir — aliás, desde dia 1 de junho — a realização de eventos culturais, havendo até, daqui a uma

semana, no dia 7 de outubro, o primeiro jogo de futebol, com a seleção de seniores masculinos, a poder ter

adeptos no estádio.

Protestos do Deputado do PSD Cristóvão Norte.

Portanto, estamos, paulatinamente, segundo os critérios da Direção-Geral da Saúde, a permitir, que as

pessoas possam regressar à sua vida normal e usufruir, na plenitude ou dentro do possível, dos espetáculos

desportivos e dos espetáculos culturais.

Por isso, Sr.ª Deputada, o que lhe quero perguntar é se não lhe parece fazer sentido, nesta atitude de

precaução — para não pôr em risco a saúde das pessoas e não pôr em risco a própria evolução da situação

pandémica em Portugal —, que tenhamos, de facto, esta concertação com a Direção-Geral da Saúde, como

temos vindo a ter até agora.

Percebendo, obviamente, as dificuldades que estão colocadas a associações culturais, desportivas, a todos

os promotores de espetáculos culturais e desportivos, pergunto se não faz sentido que possamos fazer este

trabalho calmamente para, em vez de corrermos o risco de abrir agora para fechar daqui a pouco,…

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr. Deputado, chamo a atenção para o tempo.

O Sr. Eduardo Barroco de Melo (PS): — … podermos, de facto, ter uma sustentação da atividade cultural e desportiva em Portugal, que acho que é o que todos desejamos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, a Sr.ª Deputada Paula Santos, do PCP.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, cumprimento a Sr.ª Deputada Inês Sousa Real. Sobre a sua intervenção e as questões que aqui coloca, gostaria de abordar um aspeto, que nos parece

ser o aspeto principal relativamente à realização de um conjunto de atividades culturais e desportivas no nosso

País, sejam elas de âmbito profissional ou amador, que é a importância que isto tem para a vida das pessoas

e também para a saúde e o bem-estar da própria população.

A epidemia da COVID-19 exige respostas de fundo a todas as questões estruturais que o PCP tem vindo a

colocar.

O que a situação impõe é a tomada de medidas de prevenção e mitigação da doença — nomeadamente no

plano dos locais de trabalho, habitacional e dos transportes — e que se faça, a todos os níveis, a pedagogia

da necessidade da proteção, para promoção e dinamização das atividades económica, social, cultural,

desportiva, de lazer e de convívio, fundamentais para a vida, a saúde e o bem-estar.

Ao longo deste período, identificámos aquilo que consideramos que deve ocorrer, que é, de facto, cumprir

todas as recomendações de saúde pública para a proteção da saúde de todos e para prevenir a epidemia e a

doença. Mas é importante que vamos avançando na retoma do conjunto de atividades culturais, na retoma do

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conjunto das atividades desportivas, nomeadamente quando sabemos os impactos que isto tem tido, por

exemplo, no setor da cultura, que tem levado um conjunto de trabalhadores e um conjunto de estruturas para

extremas dificuldades.

Sabemos também do impacto que, por exemplo, inúmeras coletividades e associações de bairro do nosso

País têm sentido, com dificuldades concretas no seu dia a dia, mas sabemos mais, sabemos da importância

da realização, por exemplo, de um conjunto de atividades desportivas para as crianças e jovens, em que estas

coletividades e associações, muitas das vezes, são a única oportunidade de estas crianças e jovens poderem

ter acesso ao desporto. E o mesmo podemos dizer relativamente à cultura.

Por isso, a questão que gostaríamos de lhe colocar, Sr.ª Deputada,…

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr.ª Deputada, terminou o seu tempo.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, vou terminar. A questão que o PCP gostaria de colocar, Sr.ª Deputada, é se, para o PAN, não é, de facto, importante,

respeitando as recomendações existentes, retomar as atividades culturais, retomar as atividades desportivas,

para o bem-estar de todos nós, porque cultura e desporto fazem parte da nossa vida, fazem parte da nossa

identidade e são elementos essenciais para o desenvolvimento e para o bem-estar das populações.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem a palavra, para responder, a Sr.ª Deputada Inês Sousa Real.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, antes de mais, obrigada ao Sr. Deputado e às Sr.as Deputadas pelas questões que colocaram.

Sr. Deputado André Ventura, há uma questão que, desde logo, importa ficar clara. Perguntou-nos de que

lado é que estamos. Que fique bastante claro que do seu lado é que não estamos, certamente, porque, do

ponto de vista ideológico, há muito mais que nos afasta do que apenas a tauromaquia. Portanto, não é este,

única e exclusivamente, o tema em que nos distanciamos.

O Sr. Deputado veio falar da questão de as imagens poderem estar, de alguma forma, manipuladas,

quando existem várias imagens e várias denúncias em relação a esta matéria, mais do que esclarecida; mas

podíamos, por exemplo, falar do Avante! ou do próprio congresso do Chega, em que as normas sanitárias

também não foram respeitadas.

O PAN não se tem furtado não só a questionar o Governo como também a apresentar propostas para o

País. E aqui respondo também ao outro Sr. Deputado e às Sr.as Deputadas, dizendo que, efetivamente, o PAN

tem contribuído, em matéria de saúde pública, com medidas concretas, quer no Orçamento Suplementar, quer

no Orçamento do Estado que estamos a negociar.

Apesar disso, há algo que os Srs. Deputados se furtaram, hoje, a comentar. Há, de facto, uma fiscalização

que não foi feita a esta atividade tauromáquica,…

Protestos da Deputada do PSD Fernanda Velez.

… há um incumprimento claro das normas da Direção-Geral da Saúde e, mais uma vez, os Srs. Deputados

e as Sr.as Deputadas ignoram e passam por cima.

Protestos da Deputada do PSD Fernanda Velez.

Já nos vêm habituando a que fechem os olhos ao sofrimento animal, a que cedam ao lóbi da tauromaquia,

mas que cedam à negligência quanto à saúde pública já nos parece manifestamente incompreensível e é uma

preocupação a que não nos podemos furtar de trazer a debate.

Respondendo também à Sr.ª Deputada e ao Sr. Deputado do PS, diria que, evidentemente, em

concertação com a Direção-Geral da Saúde, é fundamental que, gradualmente, se retomem atividades como,

precisamente, o desporto, nas coletividades, e as práticas em áreas que sejam saudáveis para as nossas

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crianças e jovens. Mas que uma atividade beneficie de uma exceção, em detrimento, por exemplo, do

desporto, que ainda não tem regras definidas, isso é que, para nós, é manifestamente incompreensível.

É incompreensível, neste contexto absolutamente excecional, privilegiar, mais uma vez, uma atividade que

não é consensual na nossa sociedade, que põe em causa os valores humanitários do nosso tempo, e — pior!

— que vem agora pôr em causa a saúde pública de todos.

Protestos do Deputado do PS Pedro do Carmo.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr.ª Deputada, tem de terminar.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Se a vós isto não vos incomoda, a nós incomoda-nos profundamente e não nos calaremos em relação a isso.

Aplausos do PAN.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Agora sim, segue-se a última declaração política. Tem a palavra, para o efeito, o Sr. Deputado Pedro Coimbra, do PS.

O Sr. Pedro Coimbra (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O País e o mundo vivem, hoje, uma das maiores crises de que há memória, uma crise sanitária, causada por um inimigo invisível que provoca

doença e morte de forma devastadora e indiscriminada.

Como consequência da crise sanitária, atravessamos uma devastadora crise social e económica. Após um

período económico e financeiro histórico no País, onde o investimento, público e privado, crescia, o

desemprego descia para valores mínimos e o défice da República apresentava, em anos consecutivos, os

melhores desempenhos em democracia, o País bate-se, tal como o mundo, com milhares de desempregados

e com milhares de empresas em falência ou em grandes dificuldades. Urge, portanto, rapidamente traçar um

caminho para a recuperação de Portugal, além do combate à pandemia, como é evidente.

O Primeiro-Ministro António Costa foi já muito claro quando afirmou que o caminho correto e a seguir não

seria o da austeridade, com o aumento da carga fiscal, com cortes nos salários e no investimento público,

como a direita portuguesa protagonizou ainda há pouco tempo.

Protestos do Deputado do PSD Cristóvão Norte.

Não! Não será assim e não é esse o caminho.

O Primeiro-Ministro, desde cedo e desde logo, percebeu que o caminho teria de ser outro, que seria

importante salvar as empresas e salvar os postos de trabalho, mobilizando recursos financeiros, sobretudo

europeus, para esse efeito. Bem sabemos que não tem sido fácil, numa Europa com líderes tão diferentes e

com uma visão tão distinta, mas respeitamos, naturalmente, esta forma diferente.

No entanto, a Europa e os seus líderes demonstram estar à altura dos desafios que temos pela frente.

Ontem mesmo, em Lisboa, foi apresentado um importantíssimo Plano de Recuperação e Resiliência e a

Presidente da Comissão Europeia afirmou que, para dar resposta à crise, foi possível alcançar um acordo a 27

que mobilizará recursos de uma magnitude sem precedentes, dizendo, em bom tom, que Portugal foi, e é, um

parceiro-chave neste trabalho.

Nos próximos anos, Portugal terá à disposição perto de 60 mil milhões de euros, se tivermos em conta

todos os mecanismos e instrumentos de apoio. É muito dinheiro, entre subvenções a fundo perdido e

empréstimos, que podem ser usados em todo ou em parte. Absolutamente fundamental é aplicar bem este

dinheiro, e, se assim for, podemos e devemos mudar a face do País para melhor.

Aplausos do PS.

Um país mais qualificado e com melhores empregos, um país com empregos mais bem pagos, um país

com empresas mais competitivas, um país com uma economia mais resiliente, mais verde e mais digital.

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No próximo dia 15 de outubro, o Primeiro-Ministro apresentará, em Bruxelas, o Plano de Recuperação e

Resiliência para Portugal, onde se destacarão, como já foi anunciado, o investimento na qualificação, o

investimento na inovação, o investimento na reindustrialização, o investimento na Administração Pública, o

investimento na coesão territorial e o investimento nos cuidados aos mais velhos.

Ganha aqui importância, e destaca-se, a Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de

Portugal 2020-2030, desenhada pelo Prof. António Costa Silva — importa também, desde já, agradecer

publicamente ao Prof. António Costa Silva pelo esforço, pelo trabalho, dedicação e empenho que emprestou,

com o seu saber, a esta causa, de forma totalmente desinteressada —, um documento importante que

resultou do contributo de muitos, num amplo debate, aberto e público, que contou com a participação de

múltiplos cidadãos, associações, confederações, autarquias, empresas, universidades, centro de investigação,

sindicatos e um conjunto muito vasto de outros organismos.

Este grande debate é, só por si, demonstrativo da grande mobilização e do grande interesse dos cidadãos

e das instituições em contribuir para o futuro do País e para a recuperação económica e social.

Temos todos uma grande responsabilidade e, em simultâneo, uma grande oportunidade para reinventar o

País e para renascermos mais fortes. Esse é um papel que cabe a todos nós, sem exceção, a toda a

sociedade portuguesa e, por maioria de razão, a todos os partidos políticos com assento parlamentar.

Portugal e os portugueses jamais nos perdoariam se, em cima de uma crise sanitária devastadora, de uma

crise social e económica terrível, acrescentássemos, ainda, uma crise política irresponsável, que só viria

contribuir ainda mais para a degradação das circunstâncias atuais ao adiar ou, até mesmo, colocar em causa

a recuperação do País.

Cada um, dentro do papel que lhe foi confiado pelos portugueses, tem de assumir as suas

responsabilidades, colocando acima de tudo o interesse nacional, de Portugal e dos portugueses, agora e nos

próximos anos. É isso que os portugueses nos exigem.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr. Deputado, a Mesa regista seis inscrições para pedidos de esclarecimento. Como pretende responder?

O Sr. Pedro Coimbra (PS): — Sr. Presidente, responderei a três e depois aos outros três.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Assim sendo, tem a palavra, para formular pedidos de esclarecimento, o Sr. Deputado Bruno Dias, do PCP.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Pedro Coimbra, ouvimos com atenção a abordagem que fez na sua declaração política da questão da recuperação e da situação

económica do País.

Importa sublinhar que a extensão e a gravidade dos problemas que o País enfrenta exigem, a par de

respostas e de soluções para problemas imediatos, a adoção de uma política que rompa com a política de

direita que, ao longo de décadas, os gerou e acentuou, abrindo caminho a um outro rumo que assegure as

condições para o desenvolvimento soberano do País, para superar os principais défices estruturais, valorizar

os salários e os direitos dos trabalhadores e elevar as condições de vida do povo.

Não há solução nem resposta possível insistindo nas mesmas opções que estiveram na origem da

dependência, das fragilidades e dos condicionalismos que marcam e tolhem as condições de um

desenvolvimento soberano do País. A resposta imediata aos problemas nacionais é inseparável de opções e

decisões que irão ser tomadas nos próximos meses. O que se exige é que se assuma uma viragem nas

opções, nos critérios e nas prioridades que condicionam e, em larga medida, impedem o desenvolvimento do

País. É sobre isso que o questiono, Sr. Deputado.

Afinal, os senhores e o PS consideram ou não que este é o tempo para defender e valorizar o emprego

com direitos, nos setores privado e público, para eliminar os cortes salariais associados ao layoff ou às novas

versões desse tipo de medidas, para proibir todos os despedimentos, para assegurar apoios extraordinários a

quem perdeu rendimentos, para reforçar a proteção social em todas as suas dimensões — do desemprego à

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doença, das pensões às creches e aos lares —, para garantir o funcionamento efetivo dos serviços públicos e

inverter o crónico subfinanciamento e a falta de profissionais, para apoiar a atividade das micro e pequenas

empresas? São inúmeras as denúncias que aqui chegam sobre a situação de abandono, de ausência desses

apoios que, simplesmente, não chegam ao terreno e que levaram já a comissão parlamentar a aprovar a

proposta do PCP para chamar o Sr. Ministro da Economia.

Sr. Deputado, para terminar, concorda, ou não, que o que a situação reclama não é agitar fantasmas ou

insinuar chantagens, nem meras declarações de aparente distanciamento do PS em relação ao PSD, se as

opções que vierem a adotar forem, no essencial, aquelas que o PSD adotaria?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira, do PEV.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Coimbra, queria felicitá-lo por trazer um tema tão atual para discussão, porque, de facto, o programa de recuperação é assumido como um

dos principais instrumentos de intervenção estrutural, tanto do ponto de vista da recuperação da economia

como também da qualidade de vida dos portugueses, mas temos alguns receios de que esta oportunidade

única acabe por transformar-se numa oportunidade perdida. Para que assim não seja, é nosso dever

determinante que não pretenda assentar-se a recuperação da economia em opções e investimentos que

provoquem grandes impactos ambientais, cujo contributo para o desenvolvimento do País seria por demais

duvidoso.

Esta crise também veio mostrar os fortes desequilíbrios que se foram criando na relação que o Homem

estabelece com a natureza e veio confirmar, ainda, as grandes debilidades dos países e dos povos

subordinados a um modelo de crescimento globalizado e que assenta, sobretudo, no saque dos recursos

naturais e nas desigualdades sociais e territoriais.

Portanto, é necessário garantir respostas às necessidades do presente, sim, mas a pensar num futuro que

se pretende sustentável, onde a economia e a produção têm de estar em sintonia com a defesa da natureza e

com a justiça social. Neste contexto, ganha particular enfoque não só a questão da soberania alimentar, mas

também a da conservação da natureza, ou seja, dois pilares estratégicos de resiliência de qualquer povo.

Sobre a conservação da natureza, Sr. Deputado, não é só o que está degradado que importa acautelar, é

também necessário preservar o que resta para, de facto, termos um País mais verde. Sobre a soberania

alimentar importa, antes de mais, valorizar a agricultura familiar que é, sem dúvida, a que está mais

vocacionada para garantir essa mesma soberania de uma forma equilibrada, diversificada e até mais próxima

dos consumidores, para além dos outros contributos positivos que pode trazer, nomeadamente no que diz

respeito ao combate contra a desertificação do interior, contra o abandono do mundo rural e também contra os

incêndios florestais, numa perspetiva preventiva.

Pergunto-lhe, Sr. Deputado, se considera que tanto a conservação da natureza como a agricultura familiar

estão devidamente valorizadas e assumem alguma relevância neste plano de recuperação e resiliência.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Muito bem!

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do PAN, tem a palavra.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, antes de mais felicitamos o PS por trazer, novamente, esta questão do programa de recuperação.

Precisamente por ser um tema sobre o qual já aqui falámos, há questões que tivemos oportunidade de

apontar, nomeadamente em matéria ambiental e, também, de coesão territorial. Não querendo repetir essas

preocupações, há algumas questões muito concretas que gostaríamos ainda de ver esclarecidas e, por isso,

vamos aproveitar esta mesma oportunidade. O primeiro ponto prende-se com a questão da transparência no

próprio mecanismo de recuperação e também no uso dos fundos comunitários, pois, no plano, há, de facto,

uma matéria que ainda não está bastante esclarecida.

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O PAN tem previsto e defendido que deve existir uma maior transparência, nomeadamente uma plataforma

em que seja possível divulgar tudo aquilo que possam ser custos com este plano e com esta medida de

recuperação económica. Esta é uma medida que tem sido defendida pelo próprio FMI (Fundo Monetário

Internacional) e que já está a ser seguida por outros países, passando pela criação deste portal da

transparência em que se preveja, então, todas as medidas neste contexto, o seu custo orçamental, número de

beneficiários, entidades ou critérios. Gostaríamos de saber precisamente se o PS está ou não disponível para

nos acompanhar, relativamente a uma proposta do PAN, em sede do próprio Orçamento do Estado, que

concretize este objetivo.

Outro ponto prende-se com a justiça, uma matéria que já aqui foi trazida hoje pelo PCP, mas, na altura, não

tivemos oportunidade de o felicitar e de colocar questões. Gostaríamos de destacar, em relação ao plano, que

há duas características que parecem estar omissas. A primeira tem que ver, desde logo, com o combate à

corrupção e, nesta medida, parece-nos que o plano é pouco ambicioso, deixando na gaveta a concretização

do Pacto de Justiça, que prevê medidas muito importantes para este objetivo, como sejam a criação e a

instalação, nas comarcas, de gabinetes de assessoria técnica para a criminalidade económica e combate à

corrupção.

Para nós seria fundamental saber como é que o PS vai posicionar-se relativamente à concretização desta

medida. Não podemos deixar de recordar que, de hoje até sexta-feira, os funcionários judiciais vão estar em

greve, o que, de facto, salienta a necessidade mais do que premente de fazermos avanços nestas matérias e

a insuficiência de recursos que tem marcado a justiça.

Aplausos do PAN.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para responder a este conjunto de questões, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Coimbra, do PS.

O Sr. Pedro Coimbra (PS): — Sr. Presidente, queria, antes de mais, agradecer ao Sr. Deputado Bruno Dias, ao Sr. Deputado José Luís Ferreira e à Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real as questões que me

colocaram e as intervenções que fizeram.

Começando pelas questões do Sr. Deputado Bruno Dias, quero dizer-lhe que, naturalmente, as questões

que coloca estão nas primeiras prioridades de toda a atuação do Governo e do plano de resiliência que vai ser

apresentado no dia 15. O Sr. Deputado teve também oportunidade de participar, tal como eu, na audição ao

Sr. Prof. António Costa Silva e recorda-se que, nesse plano, existe também uma grande aposta — que tem

sido enfatizada pelo Sr. Primeiro-Ministro — nas temáticas do emprego, da saúde e das prestações sociais,

que foram aquelas que aqui colocou. Boa parte do que se pretende que venha a ser o investimento nos

próximos anos passa também por aí, como tem sido amplamente divulgado e como tem sido apresentado.

Queria também dizer ao Sr. Deputado José Luís Ferreira, um pouco no seguimento disto, que sobre as

questões da natureza, do ambiente e da agricultura poderei dizer exatamente o mesmo, ou seja, estão

também nas prioridades desta intervenção política e da atuação política no futuro, tal como a questão da

coesão do território. Aliás, sabemos bem que uma economia mais verde e mais digital é também uma das

grandes prioridades para a próxima década, sendo absolutamente essencial para todas as políticas do País e,

diria, da Europa e do mundo, porque está, naturalmente, na primeira ordem de prioridades de qualquer país

responsável. Nós não fugimos a essa regra.

Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, naturalmente as questões que coloca têm que ver com uma temática

muito importante que, também neste plano, está perfeitamente identificada e realçada, que é o investimento na

Administração Pública. É fundamental dotar a Administração Pública de melhores condições, que permitam

prestar um melhor serviço ao cidadão, inclusive no que referiu — e bem — e que diz respeito quer à

transparência na aplicação dos fundos, quer ao combate à corrupção.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr. Deputado, chamo a atenção para o tempo.

O Sr. Pedro Coimbra (PS): — Vou terminar, Sr. Presidente.

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Portanto, são matérias obviamente muito relevantes e que passam, precisamente, por essa modernização.

Para haver modernização tem de haver investimento e têm de ser criadas condições para tal. É isso

exatamente o que se pretende e esse é, seguramente, também um caminho a fazer na próxima década.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Pires, do Bloco de Esquerda.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Coimbra, agradeço o tema que trouxe a este debate.

A determinada altura da sua intervenção, referiu que é importante termos responsabilidade num momento

como este que atravessamos. Já todos percebemos que este é um momento de crise provocado não só pela

questão sanitária mas também pela crise económica e social que vamos atravessar e sobre o qual este

Parlamento tem vindo a debruçar-se.

Então, importa referir o que queremos dizer quando falamos de responsabilidade, Sr. Deputado. Por falar

em responsabilidade, se calhar importava olhar para as falhas da visão estratégica e também do plano de

recuperação que foi apresentado mais recentemente. E falo-lhe, obviamente, das questões de salários e de

rendimentos que, tanto na visão estratégica, como, depois, no plano de recuperação, não estão, do nosso

ponto de vista, plasmados como deveriam estar.

Já que, na sua intervenção, falou também sobre o que foi feito, nos últimos anos, no âmbito da política de

recuperação de rendimentos, tendo ficado provado que foi isso que permitiu ultrapassar a crise, então, neste

momento, parece que se esqueceu completamente de que é preciso manter uma trajetória de recuperação de

rendimentos, de salários, de reformas e de pensões, porque isso, sim, é o método para combater qualquer

crise. Sobre isto, os documentos pouco falaram.

Uma das falhas mais tremendas que existem nestes documentos tem que ver com o código laboral e com o

combate à precariedade. Já agora, numa das respostas que há pouco deu, referiu que o Primeiro-Ministro teria

apresentado, no plano de reestruturação, propostas de combate à precariedade e, eventualmente, alterações

ao Código do Trabalho. Lamento, mas não apresenta e não há nada, nestes documentos, que nos diga o que

o Governo, afinal, quer do ponto de vista laboral. É aí que está a ênfase do que queremos enquanto sociedade

e enquanto economia. Já agora, o que foi dito foi muito pouco, pois o Sr. Primeiro-Ministro falou da

necessidade de combater a segmentação do mercado de trabalho e eu digo-lhe que isso tanto serviu para as

medidas de austeridade como pode servir para outra coisa qualquer. Portanto, é preciso responsabilidade na

definição do que queremos efetivamente.

Sr. Presidente, termino, deixando a seguinte pergunta: dentro desta responsabilidade, então, de que lado o

Partido Socialista quer ficar? Do lado de uma resposta à crise que é inovadora, que responde pelos salários,

pelas pensões e pelas pessoas…

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr.ª Deputada, tem de terminar.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — … ou, então, do lado da precariedade e do saque do Novo Banco, por exemplo, que vai manter-se ou não?

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr. Deputado Cristóvão Norte, do PSD, tem a palavra.

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Pedro Coimbra, o PS é extraordinário, é mesmo imparável…

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Muito obrigado!

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O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — … nesta lógica de o Governo tudo fazer ao serviço dos portugueses e de este plano de resiliência e de recuperação económica, que, no fundo, ninguém conhece, ser o alfa e o ómega

de toda a intervenção que vai resgatar os portugueses desta situação dificílima.

Mas, infelizmente, esta ideia é falsa. Alguém conhece o plano? Eu não conheço! Sr. Deputado, conhece o

plano? Mostre-me o plano, traga-o aqui!

O Sr. Afonso Oliveira (PSD): — Muito bem visto!

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Ontem, fizeram uma apresentação, um PowerPoint com 10 slides, mas, em concreto, ninguém conhece o plano. Se nós não conhecemos o plano, como havemos de o discutir?

O Sr. Afonso Oliveira (PSD): — Claro!

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Não podemos dizer que o plano é bom ou mau ou o que quer que seja! Mas, Sr. Deputado, aproveita esta oportunidade, tal como o grupo do Partido Socialista a aproveita, para

exortar um plano que o País não conhece, que a Assembleia da República não conhece e que ninguém

conhece. A única coisa que sabemos é que tudo o que consta nesse famigerado plano é prioridade.

Sr. Deputado, na sua intervenção, disse, quando lhe falaram da seca, que era uma prioridade; a seguir,

quando falaram do ambiente, disse que era uma prioridade; a seguir, quando falaram da agricultura, disse que

era uma prioridade. Era tudo prioridade! Isto é como uma Bimby — metemos uma coisa lá para dentro e não

sabemos o que é que sai!

Os senhores não sabem o que vai sair e, ainda assim, aproveitam esta circunstância para mais uma

daquelas monstruosas encenações que, no fim, põem em causa o que o Governo devia fazer para auxiliar as

empresas, para salvar o emprego, para, no fim de contas, dar esperança e futuro aos portugueses. Nisso, o

Governo não se concentra! Olhamos à volta, vemos quebras tremendas no emprego e na economia, que são

maiores do que as dos nossos parceiros europeus, e onde está o Governo? O que é que o Governo está a

fazer para ajudar quem está com o «credo na boca»?

A única coisa que ainda sabemos do plano são essas pias intenções de natureza ideológica que não se

fundam nas melhores energias da sociedade, na capacidade de iniciativa privada, mas antes no facto de o

Estado ser o todo-poderoso, ser o centro das orientações e, no fim de contas, ser tudo aquilo para que um

eventual plano seja desenhado.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr. Deputado, chamo a atenção para o tempo.

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Portanto, faço-lhe duas perguntas muito simples, sendo a primeira a seguinte: afinal, qual é a prioridade?

A segunda pergunta é: quando é que o Governo vai olhar para esta situação e vai tomar medidas com

fôlego para que o País não se transforme num monte de escombros, com grandes perdas económicas, mais

difíceis do que aquelas que já resultam desta situação crítica que estamos a enfrentar?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem a palavra, ainda para um pedido de esclarecimentos, o Sr. Deputado João Gonçalves Pereira, do Grupo Parlamentar do CDS-PP.

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, começo por cumprimentar o Sr. Deputado Pedro Coimbra e por lhe agradecer ter trazido aqui este mesmo tema.

O tema em si é importante, mas seria mais importante, como é evidente, que nos trouxesse aqui o plano e

que o pudéssemos conhecer. É difícil estar aqui a discutir um mero PowerPoint que foi distribuído. Eu diria que

há alguma propaganda, como é evidente, e que o Partido Socialista sabe apresentar bem essas coisas,

sempre com PowerPoints muito bonitos, mas o que é certo é que não temos aqui em discussão esse mesmo

plano.

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Portanto, importa colocar outras questões que têm a ver com a recuperação económica do País — isso é,

evidentemente, importante —, mas também perceber a coerência ou incoerência do próprio Governo.

O que é que soubemos no dia 14 de setembro? Soubemos que o Governo está a preparar uma linha de

crédito para financiar o pagamento de impostos. Ou seja, o que o Governo diz às empresas e aos profissionais

liberais que tenham dificuldades em pagar os seus impostos é: «Não há problema nenhum, vamos arranjar

aqui uma linhazinha de crédito para os senhores pagarem, porque o Estado não pode ficar sem receita». O

Partido Socialista está mais preocupado com o Estado e com aquilo que alimenta o Estado, que são as

receitas dos impostos, do que propriamente com as empresas.

Depois — é notável! —, viemos a saber, agora, há dias, há horas, que Portugal vai dispensar os

empréstimos europeus, ou seja, Portugal vai apenas aproveitar o fundo perdido. E qual é a razão para essa

decisão, para que Portugal use apenas o fundo perdido e não os empréstimos? É a dívida pública!

Então, analisemos a dívida pública: quando o Dr. António Costa entrou no Governo, a dívida pública era de

231 000 milhões de euros; em 2020, 5 anos depois, acrescentou-lhe 37 000 milhões de euros. Ou seja, a

dívida pública está em 268 000 milhões de euros. É assim que vamos terminar o final do ano: com uma dívida

pública de 134% do PIB (produto interno bruto).

A pergunta que se coloca, como é evidente, é esta: a questão do endividamento só é importante para o

Estado?

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Chamo-lhe a atenção para o seu tempo, Sr. Deputado.

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Estou a terminar, Sr. Presidente. O endividamento para as empresas, esse, não é relevante?

Sr. Deputado, as empresas não precisam de linhas de crédito para pagar impostos. O que precisam é de

menos impostos e de menos burocracia. E, digo-lhe mais, precisam é de menos Estado.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem a palavra, para responder a este conjunto de questões, o Sr. Deputado Pedro Coimbra.

O Sr. Pedro Coimbra (PS): — Sr. Presidente, queria agradecer à Sr.ª Deputada Isabel Pires, ao Sr. Deputado Cristóvão Norte e ao Sr. Deputado João Gonçalves Pereira as questões que me colocaram e as

intervenções que fizeram.

Sr.ª Deputada Isabel Pires, naturalmente, a questão que colocou é, também, para o Partido Socialista e,

seguramente, para o Governo, como também tem sido dito, muito importante e pertinente.

Já foi afirmado mais do que uma vez que o caminho não é a perda de rendimento. O caminho vai continuar

a ser, tal como foi no passado recente, a recuperação do rendimento. Essa é uma questão absolutamente

essencial para o Partido Socialista e para o Governo. Isso tem sido dito em sede da Assembleia da República

e tem sido dito, também, pelo Governo e pela voz do Sr. Primeiro-Ministro. Portanto, é esse o caminho que

continuaremos. Não há a menor dúvida em relação a isso.

A recuperação do rendimento, associado, inclusive, ao aumento do ordenado mínimo, tal como tem vindo a

ser programado, é uma questão absolutamente essencial para o PS e para o Governo do Partido Socialista.

Por isso, continuamos a recusar, mesmo perante as dificuldades que temos e que não podemos esconder —

elas são evidentes no mundo inteiro —, uma política de austeridade. Portanto, estamos empenhados nessa

política de investimento e de recuperação do rendimento.

Sr. Deputado Cristóvão Norte, o que o senhor aqui trouxe não foram nem perguntas, nem uma intervenção,

foi um exercício de demagogia.

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Foi a verdade!

O Sr. Pedro Coimbra (PS): — O senhor disse, aqui, que é tudo prioridade, que não há documento, que não há discussão e que nada há.

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O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — O Sr. Deputado é que disse!

O Sr. Pedro Coimbra (PS): — O Sr. Deputado esteve numa comissão parlamentar onde foi apresentado o documento base que Portugal irá apresentar, no dia 15 de outubro, em Bruxelas, para a recuperação do País

na próxima década. Trata-se de um documento que foi precedido de uma ampla discussão pública e de um

contributo absolutamente significativo da sociedade civil, que envolveram cidadãos e as mais diversas

entidades, um debate rico e construtivo.

Protestos do PSD e do CH.

Portanto, quando o senhor vem aqui dizer que não há prioridades é porque não leu o documento. Devia lê-

lo! Quando o senhor vem aqui dizer que o Governo não vai tomar medidas, está a dizer que não leu ou que

desconhece o documento. Devia lê-lo e devia conhecê-lo, porque ele foi, de facto, apresentado na comissão

parlamentar à qual o senhor pertence e na qual é coordenador do seu grupo parlamentar e precedido de um

amplo debate público!

O Sr. Deputado João Gonçalves Pereira coloca uma questão relevante e que foi ontem abordada pelo Sr.

Primeiro-Ministro. Afirma que o Sr. Primeiro-Ministro entende não utilizar os empréstimos da União Europeia

para fazer face às dificuldades que temos. Não foi bem isso que o Sr. Primeiro-Ministro disse. O que o Sr.

Primeiro-Ministro disse foi que, para já, entende não utilizar esses empréstimos porque a economia

portuguesa e o País não estão em condições de os utilizar, neste momento. Isso não é mais do que uma

atitude responsável e séria.

O senhor referiu-se aqui à dívida pública. A dívida pública, até há pouco tempo, estava a diminuir em

percentagem, em função da evolução do PIB.

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — E as empresas?

O Sr. Pedro Coimbra (PS): — A dívida pública diminuía e o PIB crescia, ou seja, a dívida pública diminuía relativamente ao produto interno bruto.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Chamo-lhe a atenção para o seu tempo, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Coimbra (PS): — Vou terminar, Sr. Presidente. Naturalmente, com a situação económica e financeira que atravessamos, a dívida pública em função do

PIB está a aumentar e, portanto, diz a responsabilidade, diz o bom senso e diz o sentido de Estado do Sr.

Primeiro-Ministro que não será propriamente adequado, neste momento, recorrer a esses empréstimos da

Europa, o que não quer dizer que não se possa vir a fazer.

Essa não é mais do que uma atitude séria, responsável, na defesa do País e no combate a um problema

estrutural que temos, que é, precisamente, a dívida pública de Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Srs. Deputados, terminado o primeiro ponto da ordem do dia, com as declarações políticas, passamos ao segundo ponto, que consta da apreciação da Petição n.º 57/XIV/1.ª

(Joana Isabel Gentil Soares e outros) — Apoio para todas as crianças com idade escolar até aos 12 anos

durante todo o período de suspensão letiva.

Aguardo que os Srs. Deputados se inscrevam junto da Mesa para as respetivas intervenções.

Pausa.

Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, da Iniciativa Liberal.

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O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta petição deu entrada na Assembleia há seis meses, pedindo um conjunto de apoios para crianças no contexto desta pandemia, mas

o apoio que é necessário tem, hoje, um significado bastante diferente, porque, hoje, temos de fazer todo o

possível para que a escola não pare, o ano letivo não seja suspenso e as nossas crianças e jovens continuem

a ter acesso ao elevador social que a escola constitui.

Hoje, temos de garantir que, entre os direitos das crianças e as pressões dos sindicatos dos professores,

escolhemos as crianças e o seu desenvolvimento salutar.

Hoje, temos de garantir que não há mais orientações desumanas da DGS, como foi o caso da orientação

relativa ao isolamento de crianças e jovens em risco que estivessem em acolhimento residencial.

Hoje, temos de garantir que as nossas crianças podem praticar desporto, treinando e competindo em todas

as modalidades, o que ainda não acontece.

Hoje, temos de garantir que as crianças têm a liberdade para se desenvolverem e têm, sempre que

necessário, os cuidados de saúde mental, depois de tantos meses fechadas em casa.

O maior apoio que, hoje, podemos dar às crianças, aos jovens e às suas famílias é mesmo adotar, em

todos os domínios, a estratégia que a Iniciativa Liberal há tanto defende: proteger os vulneráveis e incentivar

os mais saudáveis a vencer o medo.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr. Deputada Bebiana Cunha, do PAN.

A Sr. Bebiana Cunha (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Antes de mais, saudamos os peticionários desta iniciativa, a qual surgiu numa altura em que estávamos todos a aprender a lidar com esta

crise sanitária e, rapidamente, estes cidadãos e cidadãs se organizaram para dar resposta a um problema

concreto, obviamente, num contexto e num tempo específico.

Esse tempo específico surgiu na sequência do parecer do Centro Europeu para a Prevenção e Combate às

Doenças, tendo por base aquele que era o cenário de risco vivido em Portugal, e, portanto, na altura, o

Conselho de Ministros suspendeu a atividade escolar letiva e não letiva presencial, desde o dia 16 de março,

procurando contribuir para a contenção e mitigação deste novo vírus, numa fase em que pouco se sabia sobre

ele, e, como sabemos bem, os serviços de saúde não se encontravam ainda equipados, nem preparados, para

um possível aumento abrupto de novos casos.

Ainda que com reduzido tempo de preparação, sabemos também que as comunidades educativas

souberam responder prontamente, demonstrando elevada capacidade de adaptação, apesar de todas as

dificuldades encontradas. O mesmo sucedeu com os profissionais de saúde, os profissionais de educação e

as famílias, que concentraram todos os seus esforços nessa adaptação.

Mas para além dessa necessária adaptação das comunidades educativas, a decisão de encerramento das

atividades letivas e não letivas trazia outros obstáculos ao nosso País e à vida económica e das famílias. As

crianças precisavam, de facto, de uma retaguarda, enquanto a escola continuava a cumprir a sua missão,

nesta altura, à distância. Era obrigatória uma medida que assegurasse que os progenitores pudessem ficar

com os filhos, enquanto permanecessem encerrados os estabelecimentos escolares. Mas essa medida, que

se tornou efetiva, não incluía o período de férias escolares, partindo do pressuposto de que as famílias teriam

de estar de férias nesse tempo, terminando, por isso, os apoios às famílias com filhos até 12 anos nesse

período de férias.

É um facto que, noutros tempos, muitas famílias encontravam soluções, recorriam a outras respostas que

não elas próprias para o período de férias dos filhos, ora inscrevendo-as em atividades, ora socorrendo-se do

apoio de referências fundamentais como são os avôs. Mas num cenário de confinamento e de emergência,

como o que se viveu, estas respostas não puderam ser ativadas, o que deixava famílias inteiras sem outra

forma de apoiar os filhos senão faltando ao trabalho, sem que esta fosse uma opção com alternativas.

Gostaríamos de dizer que, na altura, o PAN deu entrada de uma proposta para contrariar as soluções que

pareciam desenhar-se em alguns setores de atividade e que obrigavam um dos pais, ou uma das mães, a tirar

férias nesse período ou, até, a pedirem baixas médicas, quando nenhum dos elementos se encontrava em

estado de doença, ou a gozar férias, o que, obviamente, nos parecia errado.

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Aplausos do PAN.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr. Deputada Alexandra Vieira, do BE.

A Sr. Alexandra Vieira (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda saúda os mais de 4000 peticionários que subscreveram a petição para que seja mantido o apoio a todas as crianças

com idade escolar até aos 12 anos durante o período de suspensão letiva.

Pese embora o facto de não estarmos, no momento atual, em período de paragens das atividades letivas

presenciais, a petição fez todo o sentido, na medida em que os apoios extraordinários não incluíam o período

de interrupção compreendido entre os dias 24 de março e 6 de abril. Sendo que, decorrente da crise

pandémica, os apoios à família e os ATL (atividades de tempos livres) das crianças estavam suspensos e que,

a haver as designadas férias escolares, elas são apenas para as crianças, afigurou-se como correta a

manutenção da possibilidade de os progenitores que tivessem de trabalhar durante o confinamento pudessem

continuar a usufruir dos apoios excecionais.

Ainda bem que o Governo corrigiu o inicialmente previsto, ao tomar consciência de que as organizações

que promovem as atividades estavam encerradas durante esse período, precisamente por causa do estado de

emergência. Foi sempre essa a posição do Bloco de Esquerda, que apresentou uma proposta, não aprovada,

no sentido da manutenção do apoio à família durante as interrupções letivas.

Indo um pouco mais longe, já antes da pandemia, várias famílias tiveram dificuldade de acesso a essas

atividades. A dificuldade mantém-se e pode, até, ter sido agravada. A oferta tem tendência a diminuir, devido

às restrições dos espaços. Na verdade, perdeu-se a oportunidade envolver outros locais que permitissem o

distanciamento social e aliviar as escolas.

No Bloco de Esquerda, vamos continuar a apresentar propostas para estas e para outras questões da

educação, relacionadas com as famílias trabalhadoras, de modo a que possam deixar os seus filhos em

segurança e com atividades lúdicas e de aprendizagem.

Consideramos que as atividades de enriquecimento curricular, as atividades de animação e de apoio à

família e a componente de apoio à família necessitam de ser ampliadas e melhoradas, num regime diferente

do atual, com oferta pública, tendencialmente gratuita, mais regulada, com menos trabalho precário e com

salários dignos.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr. Deputada Mariana Silva, de Os Verdes.

A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Para minimizar as repercussões do encerramento das escolas na vida e atividades profissionais de muitos pais, foram reconhecidas pelo Decreto-

Lei n.º 10-A/2020 como faltas justificadas sem perda de direitos, salvo quanto à retribuição, as faltas ao

trabalho motivadas por assistência inadiável a filho ou outro dependente a cargo, menor de 12 anos ou,

independentemente da idade, com deficiência ou doença crónica.

Os Verdes, tal como pedem os subscritores desta petição, consideram que o apoio excecional à família,

criado pelo decreto referido, não correspondeu às necessidades de muitas famílias por não abranger o período

correspondente às férias da Páscoa.

Nas ausências ao trabalho, que ocorreram entre 30 de março e 9 de abril, para assistência aos filhos,

apesar de serem consideradas como faltas justificadas, os trabalhadores por conta de outrem e os

trabalhadores independentes não beneficiaram de qualquer apoio.

O Governo pressupôs que, independentemente da situação de emergência que vivemos devido à COVID-

19, os pais teriam uma solução prévia para colmatar a pausa letiva da Páscoa.

Contudo, nestes períodos de férias escolares, os pais recorrem habitualmente a centros de atividades

ocupacionais e de tempos livres privados ou disponibilizados pelas autarquias, que foram igualmente

encerrados por determinação do Governo.

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O recurso a familiares mais velhos, nomeadamente avós, de março a abril, em pleno pico da pandemia,

também deixou de ser solução pelo facto de as autoridades de saúde terem desaconselhado o

acompanhamento de crianças por familiares idosos, que poderiam, eventualmente, ter alguma disponibilidade

para tomar conta e cuidar dos seus netos.

Muitos trabalhadores foram obrigados a suspender a sua atividade profissional, através da marcação de

férias ou de outro mecanismo, levando à redução dos seus rendimentos.

Perante a necessidade dos pais em beneficiar do apoio excecional durante o período das férias da Páscoa,

o Partido Ecologista «Os Verdes» apresentou o Projeto de Lei n.º 264/XIV/1.ª não só para abranger este

período de férias, mas também para alargar o apoio aos pais com filhos menores de 15 anos.

Contudo, esta iniciativa do Partido Ecologista «Os Verdes» foi rejeitada pelo PS, pelo PSD e pelo CDS-PP,

tendo o líder do PSD chegado a apelidar esta e outras propostas que iam ao encontro das pretensões das

famílias, dos trabalhadores e das pequenas e médias empresas, de folclore parlamentar.

A petição que hoje aqui debatemos, e que aproveitamos para saudar, diz bem de quem faz folclore nesta

Assembleia.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa, do CDS-PP.

Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Eu ia dizer, até esta última intervenção ser proferida, que este era um daqueles raros momentos em que, mais ou menos, estamos todos

de acordo, mas já não posso fazê-lo. Mas, apesar de tudo, estamos perto, Sr.ª Deputada Mariana Silva,

porque, de facto, na substância da petição, que pedia que fosse prolongado o apoio excecional para pais de

crianças com menos de 12 anos durante a suspensão letiva, estamos de acordo que não faz sentido o ponto a

que o Governo chegou, que foi a justificação das faltas, mas sem a respetiva retribuição remuneratória. E não

faz sentido porque o princípio para que esse apoio excecional fosse dado era o de que se mantinha durante a

interrupção letiva.

Na verdade, os pais das crianças com menos de 12 anos — e talvez seja essa a questão que nos faz

distinguir — não tinham onde as deixar e, em muitos casos, como aqui foi dito pelo PAN, tiveram de socorrer-

se de férias ou de atestados médicos, que não é a solução pretendida nem sequer a verdadeira.

O CDS apresentou também um projeto, em 8 de abril, que foi chumbado pelo PS e pelo PSD. De resto, o

assunto desta petição foi ultrapassado pelo tempo, mas isso em nada retira razão aos peticionários que, na

sua substância, deveriam ter visto a sua causa aprovada por qualquer um dos projetos que aqui está, desde

que cumprissem a restrição dos 12 anos.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Também para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Germana Rocha, do PSD.

Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Maria Germana Rocha (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo, naturalmente, por saudar os signatários da petição em apreço, que demonstra bem as preocupações, angústias e apreensões

dos cidadãos e mais concretamente das famílias, a quem saúdo de forma especial pelo esforço que têm feito

neste período extremamente difícil, designadamente na fase em que as escolas estiveram encerradas, em que

foi necessário adotar medidas excecionais de apoio às famílias com filhos em idade escolar que tiveram de

ficar em casa numa dupla ou tripla missão que, para além da componente familiar e laboral, também tiveram

de acompanhar os seus filhos no ensino à distância, constituindo, por isso, um enorme desafio muito difícil de

concretizar.

Sr.as e Srs. Deputados: Sendo o ano letivo em curso também feito de novos desafios, muitas angústias e

preocupações, devido à situação pandémica em que o País se encontra e com o surgir de vários surtos em

contexto escolar, os constrangimentos na vida familiar continuarão a existir, exigindo-se, por isso, por parte do

Governo, respostas céleres, eficazes e adequadas a estes novos tempos, que não se compadecem com

decisões em cima do joelho e a correr atrás do prejuízo no que diz respeito à apresentação de medidas, como

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aconteceu no arranque do ano letivo, em que o Governo não providenciou, como era sua obrigação, a

divulgação atempada das regras e orientações a implementar pelas escolas.

Sr.as e Srs. Deputados, a resposta a estes novos desafios não se faz com a existência de escolas que não

conseguem, por falta de espaços adequados, implementar as regras definidas pela DGS, nomeadamente no

que diz respeito ao distanciamento social entre os alunos, não se faz com alunos a dividir a mesma carteira na

sala de aula, não se faz com a impossibilidade de desdobramento de turmas nem com a falta de condições

para a ventilação dos espaços dentro da escola.

Também não se faz com escolas que, tendo espaços apropriados para recreio ou para a prática de

educação física, não os podem utilizar devido à falta de autorização, por parte da Parque Escolar, para a

realização de obras de adaptação desses espaços, como acontece, por exemplo, na escola Clara de

Resende, no Porto, ou com alunos que continuam a ter aulas em contentores por não se ter conseguido

concluir as obras nessas escolas.

A resposta a estes novos desafios não se faz com a crónica falta de funcionários, cujo reforço vem sendo

prometido em anúncios sucessivos durante cinco anos desta governação, qual milagre da multiplicação, mas

que continuam sem chegar às nossas escolas.

E também não se faz, certamente, sem computadores para alunos e professores e muito menos sem

acesso à internet em muitas regiões do País, nem com a falta de condições no transporte dos alunos, por falta

de apoios, planeamento e adequação a esta nova realidade.

Mas, certamente, esta grave e constante falta de respostas às famílias, professores, alunos, funcionários e

a toda a comunidade educativa apenas nos conduzirá a prejuízos irreparáveis, que comprometerão o presente

e o futuro das atuais gerações e do País.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Lúcia Araújo Silva, do PS.

A Sr.ª Lúcia Araújo Silva (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Saúdo os peticionários que subscreveram a Petição n.º 57/XIV/1.ª, hoje em discussão nesta Câmara.

A petição em apreço acontece na sequência da crise sanitária, causada pelo vírus SARS-CoV-2, a qual

tornou clara a necessidade de termos um Estado social cada vez mais forte, mais robusto e mais inclusivo,

destacando que o Estado social, tal como foi aqui já, nesta Câmara, proferido, é um pilar fundamental da

cidadania e do desenvolvimento económico numa sociedade decente.

Quanto ao conteúdo da petição, os peticionários indagam pela forma de justificação de faltas e o

alargamento do apoio excecional à família durante os períodos de interrupção letiva.

Sr.as e Srs. Deputados, o Governo de Portugal, atendendo à emergência de saúde pública de âmbito

internacional, declarada pela Organização Mundial de Saúde como uma pandemia, no dia 11 de março de

2020 decretou a suspensão de atividades letivas, não letivas e formativas com a presença de estudantes em

estabelecimentos públicos, particulares e cooperativos e do setor social e solidário da educação pré-escolar,

básica, secundária e do ensino superior.

Para permitir o necessário acompanhamento das crianças, o Governo decretou como faltas justificadas as

faltas ao trabalho motivadas por assistência inadiável a filho ou a outro dependente a cargo menor de 12 anos,

ou, independentemente da idade, com deficiência ou doença crónica, decorrentes da suspensão das

atividades letivas e não letivas presenciais em estabelecimento escolar ou equipamento social de apoio à

primeira infância ou deficiência, fora dos períodos de interrupções letivas.

O Governo não previu a justificação de faltas ao trabalho na interrupção letiva. Mas, face ao cenário, não

só exigente, mas também em constante mutação, o Governo decidiu reforçar as medidas adotadas,

fortalecendo as condições atribuídas às famílias na prestação de assistência a filhos menores, durante o

período das interrupções letivas.

Esta medida enquadra-se, assim, num conjunto de medidas de apoio à família e ao acompanhamento de

crianças, como a criação do apoio excecional à família para acompanhamento de filhos menores de 12 anos,

ou, independentemente da idade, com deficiência ou doença crónica.

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Sr.as e Srs. Deputados, desde março que o Governo apoiou 1,3 milhões de portugueses com as medidas

de apoio à pandemia da COVID-19, com especial enfoque no apoio extraordinário às famílias e no layoff

simplificado. Só o layoff simplificado serviu de almofada protetora a cerca de 849 mil trabalhadores, mitigando,

desta forma, o desemprego.

Ainda na senda das medidas excecionais, no âmbito do trabalho e segurança social, relembro a esta

Câmara algumas dessas medidas: o teletrabalho, o apoio extraordinário à manutenção dos contratos de

trabalho a empresas em situação de crise empresarial, o plano extraordinário de formação do IEFP (Instituto

do Emprego e da Formação Profissional, I.P.), a suspensão das contribuições para a segurança social,

subsídios pagos a 100% e o pagamento, desde o primeiro dia, do subsídio de doença, entre tantos outros

exemplos que aqui poderia citar.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os momentos que o País e o mundo vivem são momentos únicos,

inesperados e indefinidos no tempo. Contudo, não podemos deixar de realçar as medidas do Governo

português nas respostas sociais. E gostaria aqui de relembrar as palavras da Sr.ª Presidente da Comissão

Europeia, Ursula von der Leyen, que esta semana, mais concretamente ontem, aqui, em Lisboa, não poupou

elogios à inovação e à resiliência de Portugal e dos portugueses, lembrando o desempenho exemplar do País

na luta contra a pandemia do novo coronavírus, salientando, a este propósito, a humildade, a responsabilidade

e a solidariedade que Portugal tem demonstrado em toda esta crise, exibindo o melhor de si e o melhor da

Europa.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, esta é uma causa que nos move a todos e que a todos deve

responsabilizar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada do PCP, Alma Rivera.

A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Com o encerramento das escolas, provocado pela pandemia, milhares de crianças foram para casa, suscitando a necessidade de

acompanhamento por parte dos pais.

Esta petição, cujos subscritores o PCP aproveita para saudar, surgiu exatamente para exigir uma resposta

à situação complexa com que se viram confrontadas as famílias, tendo de trabalhar e não vendo abrangido o

período das férias pelo apoio que na altura era concedido.

Independentemente do horizonte temporal que a petição visava, o que lhe subjaz tem pertinência para

situações futuras e convocam-nos a relembrar algo que o PCP sempre disse e que aqui reafirmamos: o direito

ao acompanhamento a filho é, em primeiro lugar, um direito da criança. E este acompanhamento torna-se

ainda mais importante quando deixam de existir outras atividades, quando existe uma situação de disrupção

nas suas rotinas, atividades e aprendizagens. É nesses momentos que os filhos mais precisam do

acompanhamento dos seus pais.

Relembramos, ainda, uma outra questão que na altura apontámos, que é a seguinte: o acompanhamento

não pode confundir-se com teletrabalho. Se um dos pais está a trabalhar, em teletrabalho ou não,

forçosamente deixa de poder acompanhar os filhos, pelo que esse direito, que é, em primeiro lugar, da

criança, não pode ser posto em causa por um dos pais estar em teletrabalho.

Não pode, pois, ser permitido nem tolerado aquilo que aconteceu. Trabalhadores que requereram o direito

de assistência aos filhos foram prejudicados, sendo, por vezes, os primeiros a ser penalizados e mesmo

despedidos, na onda de atropelos verificados, a coberto da pandemia.

Na situação, em concreto, das férias da Páscoa, era óbvia a justeza da reivindicação vertida nesta petição.

Todas as atividades estavam interrompidas, os equipamentos encerrados, os ATL interrompidos, e, como é

evidente, era preciso evitar ter de deixar as crianças com familiares, sobretudo com os avós, por razões mais

do que óbvias.

Na altura, propusemos que se eliminasse o impedimento da atribuição do apoio durante as férias escolares

e isso foi chumbado. Propusemos, inclusivamente, que fosse alargado até aos 16 anos. Não foi por falta de

propostas do PCP, seja por alteração dos decretos que o Governo apresentou, seja com iniciativas próprias,

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que falhou uma resposta mais completa que garantisse condições aos pais para acompanharem os filhos. Foi

porque faltou vontade política nesta Assembleia.

Agora, que as crianças e os jovens regressam às escolas e às aulas, garantam-se as condições para que

esse regresso se faça da melhor forma e com menores riscos. Aprove-se a proposta do PCP de reforço dos

meios da escola pública, nomeadamente com a contratação de todos os trabalhadores necessários ao bom

funcionamento da escola e à preservação da saúde de alunos, professores e funcionários.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Não havendo mais inscrições, dou por terminado este ponto da ordem de trabalhos.

Passamos à apreciação da Petição n.º 636/XIII/4.ª (Movimento de Apoio à Saúde Materno-Infantil da

Guarda, MASMI, representado por Ismael Escudeiro Martins Duarte) — Solicitam a adoção de medidas com

vista à requalificação do Pavilhão 5 do Hospital Sousa Martins, da Unidade Local de Saúde da Guarda, em

conjunto com os Projetos de Resolução n.os 547/XIV/1.ª (CDS-PP) — Recomenda ao Governo a requalificação

do Pavilhão 5 do Hospital Dr. Sousa Martins, 555/XIV/1.ª (PSD) — Recomenda ao Governo a requalificação

do Pavilhão 5 do Hospital Sousa Martins, na Unidade Local de Saúde da Guarda, para instalação do

Departamento de Saúde da Criança e da Mulher, 595/XIV/1.ª (PS) — Recomenda ao Governo prioridade

absoluta na conclusão do projeto de requalificação do Pavilhão 5 do Hospital Sousa Martins, da Guarda, para

Maternidade e Departamento de Saúde da Criança e da Mulher, 609/XIV/1.ª (BE) — Requalificação do

Pavilhão 5 do hospital da Guarda e do Pavilhão Dona Amélia e 613/XIV/1.ª (PCP) — Recomenda a

reconstrução imediata do Pavilhão 5 do Hospital Sousa Martins para instalação da área clínica materno-infantil

(Guarda).

Para apresentar o Projeto de Resolução n.º 547/XIV/1.ª (CDS-PP), tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Rita

Bessa.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Discutimos agora esta petição, que solicita a adoção de medidas para a requalificação do Pavilhão 5 da ULS (Unidade Local de Saúde) da

Guarda, para aí instalar o Departamento de Saúde da Criança e da Mulher. É uma petição de julho de 2019,

sobre um assunto que se arrasta há já muitos anos, que reuniu mais de 18 000 assinaturas e, tendo em conta

os projetos de resolução hoje em discussão, também parece reunir consenso da direita à esquerda.

Sinteticamente, o que acontece é que, apesar de o Hospital Sousa Martins estar acreditado pela OMS

(Organização Mundial da Saúde) e pela UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) como hospital

amigo do bebé, de ter equipas especializadas e de ter idoneidade formativa, o edifício onde se encontra o

conjunto de serviços de saúde da criança e da mulher não tem condições. Não tem condições de segurança a

vários níveis e não tem condições de conforto e humanização compatíveis com o que descrevi anteriormente.

Isto parece ser tão evidente que quase todos os partidos pedem que o Pavilhão 5 seja requalificado para aí

acolher estes serviços, tendo, obviamente, de deslocalizar aqueles que lá se encontram, nomeadamente as

unidades de ambulatório e de AVC (acidente vascular cerebral).

Portanto, a pergunta óbvia é esta: se há tanto consenso, o que é que faltou até aqui para que esta

requalificação pudesse ter lugar?

Tal explica-se muito simplesmente: esta obra está abrangida pela segunda fase de intervenção no Hospital

Sousa Martins, que já tem largos anos na sua história, tem projeto desde outubro de 2016 e foi contemplada

na primeira fase do Programa Operacional Regional do Centro.

Em 2018, o Ministério da Saúde respondeu a uma pergunta do CDS sobre este assunto, dizendo que,

como, entretanto, o valor da obra tinha passado de 2,5 milhões de euros para 6,7 milhões de euros, isso tinha

obrigado a reiniciar todo o processo de autorizações.

Entretanto, em 2019, o Governo aprovou o PIAS (Programa de Investimentos na Área da Saúde),

excluindo, nessa altura, o Hospital Sousa Martins, mas em setembro desse ano o Sr. Primeiro-Ministro

avançou com a garantia da sua própria palavra de que a obra se iria realizar.

Em fevereiro de 2020, a ULS da Guarda anunciou que havia um novo caderno de encargos e pedidos de

autorização à tutela que já estavam na fase final, mas o que é certo é que, quando chegámos ao Orçamento

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do Estado de 2020, nada apareceu. E é aqui que acho interessante olhar para o projeto de resolução do

Partido Socialista, porque, depois de uma primeira página onde se diz que a culpa é do Governo anterior — é

o costume, já nem vou por aí —, diz-se assim: «A partir de 2016, o objetivo do Governo do Partido Socialista

foi ficando cada vez mais claro…» — foi devagarinho que foi ficando cada vez mais claro! — «… e o

descongelamento da segunda fase do hospital da Guarda foi definido desde o primeiro momento como uma

prioridade regional».

Foi uma prioridade desde o primeiro momento, em 2016, e continua a ser no primeiro momento de 2020,

porque estamos exatamente no mesmo sítio.

Depois, diz esse projeto de resolução que «apesar de alguns atrasos…» — 2016, 2017, 2018, 2019 e

2020…; sim, são alguns atrasos! — «… os avanços são significativos». E pergunta-se: «E hoje onde

estamos?». A isto sei responder: estamos mais ou menos no mesmo sítio, que é nada. Não aconteceu nada.

Uma vez que sei responder à pergunta do projeto de resolução — estamos mais ou menos no mesmo sítio,

porque nem uma única pretensão foi concretizada —, como estamos perto do Orçamento do Estado e como

esta é uma prioridade tão prioritária que já vem desde 2016, tenho a certeza de que constará do Orçamento

do Estado para 2021. Cá estaremos para ter essa garantia e para apresentar essa proposta.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para apresentar o Projeto de Resolução n.º 555/XIV/1.ª (PSD), tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Peixoto.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos a falar de uma petição que tem 18 661 subscritores, quase metade da população do concelho da Guarda, note-se bem, cujos

representantes se encontram nas galerias e a quem felicito e cumprimento por esta demonstração enorme de

civismo, bem como política, que não pode deixar ninguém indiferente. E tanto não deixou ninguém indiferente

que cinco partidos — repito, cinco partidos — aproveitaram a iniciativa e avançaram com projetos de resolução

sobre esta matéria.

Não interessa agora saber quem correu à frente, quem foi o primeiro ou o último a apresentar, o que

interessa é que todos suplicam — já não digo que todos pedem, mas sim que todos suplicam! — que o

Governo faça o que não conseguiu fazer nos últimos cinco anos, isto é, que requalifique as instalações da

saúde materno-infantil do hospital da Guarda, que têm, como sabe quem lá vive ou quem é de lá, como é o

meu caso, as valências de ginecologia, obstetrícia e pediatria.

Para que conste, isto responsabiliza todos os partidos que apresentaram projetos de resolução. A partir de

agora, já passámos das proclamações aos assuntos mais sérios. Nenhum grupo parlamentar aceita a

manutenção do estado obsoleto, degradante e indigno em que se encontram aquelas instalações, que estão

completamente incapazes de servir os utentes e os serviços de mérito e qualidade que ali vêm sendo

prestados pelos profissionais de saúde.

Isto significa que, a partir de agora, a Guarda — o concelho da Guarda, os guardenses, a população de

todo o distrito — já não fica apenas embalada, pois foi um pouco de música que foi lá passada, com a

promessa do ex-Ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, que foi garantir, em pleno hospital local,

que em setembro de 2018 a obra arrancaria. Ironia das ironias — até parece castigo! —, foi demitido logo no

dia seguinte. Não foi por causa disto, mas foi demitido logo no dia seguinte e já não conseguiu cumprir a sua

promessa. Mas a sua sucessora, a atual Ministra Marta Temido, já foi à Comissão Parlamentar de Saúde

garantir que o processo estava em curso e que era para ser feito.

Então, palavra das palavras, o Sr. Primeiro-Ministro lá foi à Guarda — é certo que em campanha eleitoral,

no calor das promessas fáceis —, em outubro de 2019, há exatamente um ano, dizer isto: «Venho aqui

anunciar o descongelamento deste projeto e prometo arrancar com a obra». Este anúncio foi tão

ingenuamente — a palavra é minha — levado a sério que o Sr. Deputado Santinho Pacheco, do Partido

Socialista, disse que existia um antes e um depois e que o depois era a palavra do Sr. Primeiro-Ministro. Pois

é, Sr. Deputado, já lá vai um ano e o antes e o depois são exatamente a mesma coisa: nada! Estamos

exatamente na mesma. Mas vá…!

Agora, o PS vem, um pouco anedoticamente, recomendar a si próprio — o que os senhores estão a fazer é

a recomendar a vós próprios, que apoiam o Governo — que faça uma obra que vós próprios não quiseram

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fazer nem inscreveram no Orçamento do Estado. É uma coisa absolutamente extraordinária e, portanto, é

preciso terem lata para recomendarem a vocês próprios que façam aquilo que não quiseram fazer.

Isto dava para rir se não estivéssemos a tratar de assuntos muito sérios. Já agora, a Sr.ª Deputada Ana

Rita Bessa já vos fez um desafio e eu reincido nesse desafio: os senhores estão em condições de garantir que

no próximo Orçamento do Estado, que vai começar a ser discutido, há verba para construir este Pavilhão 5 do

hospital da Guarda? Se não estiver lá esta verba, o que é que os Srs. Deputados do Partido Socialista, que

apoiam o Governo, fazem? Não votam o Orçamento? Metem a cabeça na areia? O que é que fazem?

Pensem bem nisto, porque esta responsabilidade que os senhores têm a partir de hoje já não é uma

responsabilidade qualquer, é um assunto, de facto, muito sério. Mas, Srs. Deputados, não pensem que com

esta manobra de circo do projeto de resolução os guardenses se aninham e se calam. Não, não pensem

nisso. O PS e o Governo têm de dizer de uma vez por todas, sem subterfúgios, olhos nos olhos, se vão ou não

vão arrancar com a segunda fase do hospital da Guarda.

Como sabem, a segunda fase do hospital da Guarda é muito mais do que o Pavilhão 5 e abrange um

conjunto muito mais vasto de edificações e de valências. Os senhores têm essa garantia ou não têm?

Conseguem dá-la aqui ou não conseguem?

É também tempo de esclarecerem como e quando vão diminuir os obscenos tempos de espera para

consultas e cirurgias naquele hospital. Srs. Deputados, por lá, além de só se poder adoecer em alguns dias,

porque nos outros não há médicos especialistas para tratarem as pessoas, aquilo que acontece em algumas

especialidades faz desesperar qualquer pessoa. Até anotei os tempos de espera, para não me enganar: três

anos e sete meses por uma consulta de cardiologia; dois anos por uma consulta de dermatologia; um ano e

meio por uma consulta de neurologia; e quase três anos por uma consulta de oftalmologia ou de ortopedia.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Termino, Sr. Presidente, dizendo o seguinte: é exatamente por esta doença, que tão mal trata os guardenses, que o Governo também tem de responder, mas que sobre isto tem

feito como a avestruz. E escuso de dizer o que a avestruz faz: mete a cabeça na areia e nem conseguimos

saber se ela cora ou não de vergonha.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para apresentar o Projeto de Resolução n.º 595/XIV/1.ª (PS), tem a palavra o Sr. Deputado Santinho Pacheco.

O Sr. Santinho Pacheco (PS): — Sr. Presidente, nem vale a pena esperar muito tempo, porque a poeira levantada pelo Sr. Deputado Carlos Peixoto já pousou toda e, por isso, vamos em frente muito rapidamente.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje é um dia bom para a Guarda e um dia importante, penso eu,

para a Assembleia da República. Quando o povo reivindica, os Deputados recomendam e o Governo faz,

como é o caso, é a total consagração do respeito pela soberania e pela legalidade constitucional. Como

homem da Guarda, dessa terra antiga, farta e bela, a minha gratidão pelo apoio político ao reforço de tão justa

petição.

Permitam-me uma saudação especial aos representantes do MASMI, Movimento de Apoio à Saúde

Materno-Infantil do Distrito da Guarda, ao primeiro subscritor, Ismael Escudeiro Duarte, aqui presente, que é o

rosto das 18 661 assinaturas recolhidas de forma presencial pelos embaixadores do Movimento em todas as

terras do nosso distrito. Bem-haja a todos.

A história da prestação de cuidados de saúde na Guarda é marcada pelo Sanatório Sousa Martins e pelo

Parque da Saúde. A primeira expedição científica à serra da Estrela, incluindo o médico Sousa Martins, queria

respostas para muitas questões, entre as quais a cura da tuberculose. O ar frio e seco da Guarda, uma

frondosa mata e a altitude determinaram a decisão de construir o sanatório, inaugurado em 1907. Meio século

depois, foram construídas novas instalações, as mesmas onde ainda hoje funcionam serviços como a

maternidade ou as medicinas.

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A luta por um novo hospital na Guarda arrasta-se por décadas e a adesão comunitária reforçou a

esperança dos profissionais de saúde e da população em geral.

Os Governos de Cavaco Silva acabaram por optar por construir hospitais novos em várias cidades, entre

as quais Viseu ou Covilhã, e a Guarda ficou no meio, a lamber feridas, com a sociedade civil partida, dividida

em contradições.

Vinte anos mais tarde, finalmente, foi um Governo do PS que cumpriu a mais importante e antiga

reivindicação da Guarda: o novo hospital.

Era um projeto com duas fases. A primeira fase seria um hospital novo, um edifício de dois pisos, mais dois

de estacionamento subterrâneo, moderno e preparado para tudo, incluindo até, vejam lá, a COVID-19! Alguns,

tão ligeiros a criticar e a demonstrar a sua ignorância, só agora descobriram para que servia o alegado

desperdício de dois largos corredores paralelos, para sujos e limpos, positivos e negativos. A justificação da

escolha da ULS Guarda como hospital COVID, o primeiro da região centro, estava também aí.

Uma vez ao serviço o hospital novo, seria então executada a segunda fase do projeto: a recuperação das

instalações dos anos 50. Só isto justifica a importância dessa segunda fase. Alguém concebe que o hospital

novo, a não estar prevista a recuperação do «edifício do comboio» — a forma simpática como, na Guarda,

identificamos a parte velha do hospital —, fosse aprovado superiormente sem serviço materno-infantil e sem

medicinas?

O Ministro Paulo Macedo, no Governo PSD/CDS — ouçam bem! —, com uma frase, cortou as asas ao

sonho: o hospital novo tinha sido o mais caro do País por metro quadrado, nem pensar na segunda fase. Mas

e a maternidade, como iria ser? Com pessoal de excelência e classificado internacionalmente como «hospital

amigo dos bebés», não podíamos ficar décadas à espera. Foi então que o Conselho de Administração da ULS

lançou a ideia de adaptar o Pavilhão 5 à saúde materno-infantil. Sem programa funcional aprovado, sem

projeto de execução concluído, sem investimento autorizado, a candidatura ao PO (Programa Operacional)

Centro 2020 não foi admitida.

A situação, em 2017, era uma trapalhada absoluta. Valeram o empenho e a dedicação do novo Conselho

de Administração, que encarou o Pavilhão 5 como uma prioridade. E juntos, Governo, Deputados e cidadãos,

conseguimos desatar os vários nós e tornar o projeto numa realidade.

Em setembro de 2019, o Primeiro-Ministro, António Costa, afirmou, alto e bom som, no centro da Guarda,

que a segunda fase do hospital da Guarda era para avançar e ia avançar. O «edifício do comboio» vai ser

recuperado e adaptado a várias valências que são prioritárias na região e no País, sem esquecer que é o

hospital mais próximo dos territórios fronteiriços de Espanha. O Pavilhão 5 é apenas a primeira fase da

segunda fase.

Vem agora o PSD bater com a mão no peito e tentar salvar a face, por ter sido o Governo de Passos

Coelho e de Paulo Macedo, com o beneplácito de autarcas e dirigentes locais sociais-democratas, o

responsável pelo cancelamento da segunda fase do hospital.

Bem pode a Presidente da Assembleia Municipal da Guarda, como fez ontem, tomar as dores do PSD e

apresentar, demagogicamente, moções para exigir a segunda fase do hospital da Guarda. De pouco lhes

servirá essa tentativa desesperada de querer ver quem mais capitaliza para melhor se posicionar internamente

como candidato ou candidata do PSD à Câmara da Guarda. Os guardenses não querem saber de guerrilhas

partidárias, resolvam-nas dentro de casa! Os guardenses querem e merecem ter a segunda fase do seu

hospital.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Façam a obra!

O Sr. Santinho Pacheco (PS): — E os guardenses sabem que, para isso, podem confiar no Governo do Partido Socialista e no compromisso assumido, na Guarda, pelo Sr. Primeiro-Ministro.

Risos do Deputado do PSD Carlos Peixoto.

A moção ontem votada na Assembleia Municipal da Guarda, sabendo que iria haver hoje esta sessão, a

exigir isto e aquilo, é de um ridículo atroz. Lá no fundo, não querem nada; só o que é mau para a Guarda é

bom para o PSD!

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Protestos do Deputado do PSD Carlos Peixoto.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr. Deputado, chamo a sua atenção para o tempo.

O Sr. Santinho Pacheco (PS): — Termino já, Sr. Presidente. Até ao momento, foram dados já todos os passos decisivos para a execução da obra do Pavilhão 5, esse

primeiro passo tão significativo: temos aprovado o programa funcional e o procedimento de aquisição do

projeto de execução, cujas propostas dos concorrentes estão já em fase de análise e avaliação. A realização

do investimento de 6 945 000 € obteve o parecer prévio favorável da ARS Centro (Administração Regional de

Saúde do Centro).

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr. Deputado, tem mesmo de terminar.

O Sr. Santinho Pacheco (PS): — Termino, Sr. Presidente. Seguir-se-ão, com a maior brevidade possível, os procedimentos conducentes à execução da segunda fase

do hospital da Guarda, cumprindo o compromisso de António Costa. Como sempre, o PS está com a Guarda

para responder aos seus problemas estruturais, na saúde, na ferrovia, nas relações transfronteiriças.

Termino com um voto: o de que a cimeira ibérica que se reúne para a semana, na Guarda, seja um êxito à

medida das nossas ambições!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para apresentar o projeto de resolução do Bloco de Esquerda, tem a palavra o Sr. Deputado Moisés Ferreira.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Gostaria de cumprimentar, antes de mais, em nome do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, o Movimento de Apoio à Saúde Materno-Infantil

da Guarda e, obviamente, os quase 19 000 peticionários — e não só cumprimentar, mas agradecer-lhes,

também, a oportunidade que nos dão de fazermos este debate.

Creio que a grande palavra que o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda tem para dar aos peticionários

é esta a de que têm razão, efetivamente. Têm razão quando dizem que a população, o distrito da Guarda, a

região necessitam, obviamente, de um melhor Serviço Nacional de Saúde. Têm razão quando reivindicam

implicitamente que o Serviço Nacional de Saúde necessita de mais investimento — aliás, que melhor altura do

que esta, exatamente, para constatar que o que faz falta ao País é mais investimento no Serviço Nacional de

Saúde? Têm razão, os peticionários, quando dizem que o Hospital Sousa Martins serve todo o distrito — só

por isso, é da maior importância — e tem valências, nomeadamente na área da saúde materno-infantil, que

são da maior importância, porque se não existirem ali, algumas delas, provavelmente, só em Coimbra, o que

obrigaria a deslocações enormes. E têm razão também quando dizem que o trabalho que os profissionais que

lá estão desempenham é, aliás, do melhor que se faz no País. É pena que as condições de infraestrutura não

acompanhem nem o trabalho dos profissionais nem a importância que esta unidade hospitalar tem para a

região e para o País.

Por isso, têm razão também quando reclamam a requalificação do chamado «Pavilhão 5» para a instalação

dos serviços materno-infantis, porque dizem, e nós acompanhamos essa interpretação, que essa

requalificação melhorará a segurança de utentes e profissionais, melhorará o conforto e a humanização dos

serviços, o que é, obviamente, importante em todas as áreas, principalmente quando falamos de saúde

materno-infantil, e melhorará também o SNS e a saúde na região, ao que nós acrescentamos que, numa área

que tantas vezes se debate com a dificuldade de captar e fixar profissionais de saúde, melhores condições —

requalificação, melhor infraestrutura, melhor equipamento — pode ser também uma forma de captar e fixar

mais profissionais naquele hospital, naquela unidade local de saúde, e aí, por exemplo, contribuir para a

redução de listas de espera, de tempos de espera, na região.

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Por isso, o projeto que o Bloco de Esquerda apresenta vai ao encontro da reivindicação dos peticionários.

Queremos, obviamente, a requalificação do Pavilhão 5 para a instalação de serviços de qualidade das várias

valências que compõem a saúde materno-infantil. Mas queremos mais do que isso.

Já se falou aqui hoje na segunda fase, que não é uma novidade, não apareceu ontem, não é algo que não

tenha tido discussão no passado. Por isso, parece-nos, efetivamente, que, para ir ao encontro de tudo isto —

melhorar o Serviço Nacional de Saúde, melhorar a prestação de cuidados de saúde à população daquele

distrito —, é preciso a requalificação do Pavilhão 5, mas é preciso também a segunda fase, integralmente.

Aliás, já há projetos e discussão vária sobre o assunto.

Os edifícios do antigo sanatório, desde o chamado «comboio» aos edifícios como o Pavilhão Dona Amélia

e o seu gémeo, devem ser requalificados, obviamente. Ninguém consegue compreender que, num país e

numa região onde subsistem ainda necessidades de saúde, se desaproveite edificado e haja edificado

completamente abandonado, algum completamente degradado, quase em risco de derrocada, quando ali

poderiam ser colocados centros de investigação, como já se falou no passado, serviços de meios

complementares de diagnóstico, laboratórios, serviços de endoscopia, saúde visual, saúde psicológica, saúde

oral. Há tanta coisa que é preciso fazer no SNS, há tanta necessidade de saúde e há ali edificado que é

preciso aproveitar e requalificar. Por isso, sim, acompanhamos essas reivindicações e concordamos que deve

ser também colocada em cima da mesa, de uma vez por todas, a questão da concretização de toda a

chamada segunda fase.

Com tantos projetos de resolução, de tantos partidos, tantas palavras que parecem ser consonantes, enfim,

a única expetativa é a de que isto venha a ser realidade o mais rapidamente possível. É essa a expetativa do

Bloco de Esquerda.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para apresentar o projeto de resolução do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Alves.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por saudar os peticionários, o movimento cívico que lançou esta petição e todos aqueles que se têm mobilizado no sentido da reconstrução

imediata do Pavilhão 5 do Hospital Sousa Martins para a instalação da área clínica materno-infantil.

A situação pandémica que enfrentamos evidenciou que o Serviço Nacional de Saúde é verdadeiramente o

garante da saúde dos portugueses. Enquanto sucessivos Governos do PS, do PSD e do CDS se dedicaram a

desviar recursos do SNS para os grupos privados da saúde — ou, melhor dito, para os grupos privados do

negócio da doença —, o PCP sempre interveio no sentido de reforçar o SNS, o seu caráter público, universal,

geral e gratuito. E fizemo-lo sempre com a plena consciência de que o SNS só cumprirá esse papel se garantir

a todos os cidadãos, independentemente da região do País onde se encontram, igualdade nas condições de

acesso aos serviços de saúde.

O PCP tem denunciado, em múltiplas ocasiões, a asfixia de meios materiais e de recursos humanos para o

bom funcionamento das diversas áreas de intervenção do Serviço Nacional de Saúde no distrito da Guarda. A

necessidade de garantir a existência da maternidade no Hospital Sousa Martins, bem como a defesa da

valência de pediatria, tem sido objeto de reivindicações da população de todo o distrito e da intervenção do

PCP, e é nesse sentido que o PCP apresenta o projeto de resolução que hoje discutimos.

Como já foi dito, há vários projetos de outros partidos, mas o do PCP é o único que, além da construção do

Pavilhão 5 e da instalação da área clínica materno-infantil, recomenda também que sejam contratados os

profissionais necessários para implementar essas valências, nomeadamente especialistas em obstetrícia e

saúde infantil e pediátrica, obstetras, pediatras, anestesistas, assistentes operacionais, entre outros.

Esperamos que os restantes partidos não se fiquem pelas paredes do pavilhão e acompanhem a iniciativa

do PCP para que sejam reforçados os meios humanos, até porque os profissionais de saúde do distrito da

Guarda têm contribuído, de forma dedicada e generosa, para a prestação de cuidados de saúde de

excelência, nomeadamente no departamento da criança e da mulher, como já foi referido noutras

intervenções, apesar do crónico subfinanciamento e da degradação das instalações. É preciso também

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assegurar atempadamente o rejuvenescimento das equipas para que a experiência destes profissionais seja

passada a novos profissionais.

Mesmo quanto à reconstrução do Pavilhão 5, importa clarificar um aspeto: não aceitamos uma perspetiva

minimalista na requalificação deste pavilhão. O investimento deve ter uma perspetiva de longo prazo, com

mais e melhor resposta pública, alargando os diferentes níveis e modelos organizativos dos serviços a serem

instalados.

Srs. Deputados, a preocupação com a fixação de população no interior e com a taxa de natalidade é

frequentemente mencionada por todas as forças políticas — veja-se que até temos um Ministério da Coesão

Territorial. Mas não há coesão territorial, não há fixação de população no interior sem a garantia de serviços

públicos de qualidade, em particular no SNS. Décadas de destruição e degradação dos serviços públicos, de

falta de investimento público, da responsabilidade de Governos tanto de PS como de PSD e CDS, criaram

verdadeiras entropias à vida de quem está nas regiões do interior, desde logo no distrito da Guarda.

A reconstrução imediata do Pavilhão 5 e a instalação da área clínica materno-infantil é essencial para dar

condições de segurança às famílias que pretendam ter filhos e, assim, incentivar a natalidade, tão importante

para o nosso País; é essencial para melhorar a prestação de serviços no SNS e dar as devidas condições de

trabalho aos seus profissionais e, assim, contribuir para a fixação de população no distrito da Guarda.

O compromisso do PCP é o de tudo fazer para que esta aspiração das populações seja rápida e

adequadamente cumprida, o que exige do Governo não só a sua orçamentação, mas, sobretudo, a sua

execução, tantas vezes posta de parte em nome da redução acelerada do défice, que, afinal, serviu de pouco.

As populações do distrito da Guarda não podem continuar à espera. É preciso que se concretize este

investimento fundamental para a região.

Aplausos do PCP e do PEV.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Silva, do PEV.

A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No distrito da Guarda, nasceram em média, nos últimos anos, mais de 800 bebés por ano, dois terços dos quais no Hospital Sousa Martins, que

tem, entre outras, as valências de Pediatria, Ginecologia/Obstetrícia, Urgência Pediátrica e Obstétrica

instaladas num edifício centenário.

Apesar de o hospital da Guarda ter serviços materno-infantis de elevada qualidade e reconhecido mérito,

com profissionais de saúde competentes e dedicados, e de estar dotado dos equipamentos adequados, é

reconhecida a necessidade de melhorar as instalações deste hospital, por razões de segurança, de conforto e

de humanização dos serviços.

Perante as evidências de que as instalações não reuniam as condições adequadas, em 2016, foi

anunciada, pela Unidade Local de Saúde da Guarda, a requalificação do pavilhão onde funcionaram as

urgências entre 1997 e 2014, para aí instalar todos os serviços que integram o Departamento de Saúde da

Criança e da Mulher.

No entanto, perante a urgência dessa intervenção e visto que o projeto não passava de uma intenção, em

2018, foi promovida uma petição, subscrita por mais de 18 000 pessoas, que Os Verdes aproveitam para

saudar, exigindo que se concretize a requalificação do Pavilhão 5 e a colocação no mesmo pavilhão do centro

materno-infantil.

A petição revela a preocupação da população do distrito da Guarda relativamente à necessidade de

melhorar e possuir serviços dedicados à saúde materno-infantil de qualidade, onde se promova a saúde e o

bem-estar das mulheres e das crianças.

Apesar da anunciada autorização da Ministra da Saúde, em maio de 2019, para se avançar com a obra de

requalificação do Pavilhão 5, a verdade é que só no passado mês de agosto abriu o concurso para

«Elaboração de Estudos e Projetos para a Requalificação do Edifício 5 do Hospital Sousa Martins para

Instalação do Departamento da Criança e da Mulher».

Os serviços de saúde públicos de qualidade são essenciais para fixar as populações no interior e promover

a natalidade. Melhorar e reforçar os serviços públicos no interior é um contributo para a coesão do território,

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devendo a aposta nos serviços de saúde ser uma das principais prioridades deste Plano de Recuperação e

Resiliência que o Governo apresentou, e de que tanto ouvimos falar.

Assim, Os Verdes acompanham as iniciativas parlamentares aqui apresentadas e reforçam a ideia de que,

para além de dotar o hospital de boas instalações, garantindo condições de trabalho e qualidade dos serviços,

devem igualmente ser tomadas medidas para a contratação de mais profissionais de saúde, nomeadamente

especialistas, para o novo centro materno-infantil do Hospital Sousa Martins.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem a palavra, também para uma intervenção, o Sr. Deputado André Ventura, do Chega.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, o Chega começa por saudar os mais de 18 000 peticionários pela resistência e resiliência, porque, de facto, é resiliência e resistência que é preciso ter.

No dia 8 de setembro de 2019, António Costa prometeu descongelar a segunda fase do hospital da

Guarda. Disse isto num comício, na Praça do Município, conforme, aliás, foi recordado hoje pelo Sr. Deputado

do Partido Socialista. Ontem e anteontem, soubemos que está em estudos, que o concurso foi aberto, que vai

continuar a aguardar e que não há data prevista para avançar. É assim que continuamos no reino socialista, a

dizer-se que «um dia faremos as obras que querem, é tudo uma prioridade».

É importante dizer-se que, no Orçamento do Estado para 2020, já depois de ter sido feita esta proposta,

nenhuma verba foi incluída para a saúde materno-infantil da Guarda. O MASMI considerou as instalações

indignas deste século e, mesmo assim, não foi incluída no Orçamento do Estado para este ano nenhuma

remodelação das instalações.

A grande questão que fica, e é isso que estes mais de 18 000 peticionários querem saber, é esta: vamos

ou não mudar as coisas neste Orçamento do Estado? É que o outro já passou.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Chamo a sua atenção para o tempo utilizado, Sr. Deputado.

O Sr. André Ventura (CH): — Vou terminar, Sr. Presidente. Agora, é tempo de sabermos a quem interessa o esvaziamento do Hospital Sousa Martins, quem tem

interesse nisso, que tipo de interesses existem nisso, e, sobretudo, se o PS, com os seus parceiros de

esquerda, vai ou não disponibilizar uma verba do Orçamento do Estado para, finalmente, dar azo a uma obra

tão importante.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, está terminada a nossa ordem de trabalhos.

Cabe-me, agora, ler a agenda da próxima sessão plenária, que se realizará amanhã, às 15 horas.

Em primeiro lugar, iremos proceder à apreciação conjunta, na generalidade, dos Projetos de Lei n.os

473/XIV/1.ª (PS) — Aprova a Carta de Direitos Fundamentais na Era Digital e 498/XIV/1.ª (PAN) — Aprova a

Carta dos Direitos Digitais e um conjunto de medidas complementares que asseguram o reforço das garantias

dos cidadãos no domínio digital.

Em segundo lugar, procederemos à apreciação do Projeto de Resolução n.º 532/XIV/1.ª (PSD) —

Recomenda ao Governo um conjunto de medidas com vista a identificar e solucionar o problema dos lares que

se encontrem em situação irregular ou ilegal.

Em seguida, iremos apreciar, conjuntamente, na generalidade, os Projetos de Lei n.os 484/XIV/1.ª (BE) —

Cria um teto máximo para o valor das propinas de 2.º e 3.º ciclos de estudos e pós-graduações no ensino

superior público, 492/XIV/1.ª (PCP) — Eliminação das propinas no ensino superior público e 497/XIV/1.ª (PAN)

— Limita a alteração do valor das propinas dos cursos técnico superior profissional, 2.º e 3.º ciclos de estudos

no ensino superior público.

Em quarto e último lugar, procederemos à apreciação conjunta, também na generalidade, dos Projetos de

Lei n.os 18/XIV/1.ª (PCP) — Melhora as regras de atribuição e altera a duração e montantes do subsídio de

desemprego e subsídio social de desemprego, 491/XIV/1.ª (PAN) — Aumenta as garantias dos beneficiários

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de prestações de desemprego no âmbito das regras referentes à formação profissional, alterando o Decreto-

Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro e 495/XIV/1.ª (BE) — Alarga e melhora as condições de acesso e os

períodos de concessão do subsídio de desemprego e do subsídio social de desemprego (17.ª alteração do

Regime Jurídico de Proteção no Desemprego).

Por hoje, é tudo, Srs. Deputados.

Desejo a todos uma boa noite.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 56 minutos.

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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