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3 DE OUTUBRO DE 2020

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É nosso entendimento que a Lei de Bases do Ordenamento e Gestão do Espaço Marítimo (LBOGEM) deverá

ser objeto de alteração no sentido de reforçar a intervenção das regiões autónomas em matéria de ordenamento

e gestão do espaço marítimo adjacente.

Por se considerar positiva a ideia de um reforço dos poderes dos órgãos das regiões autónomas sobre o mar

que lhes é adjacente, apesar das fragilidades políticas e das inconstitucionalidades presentes no diploma, alguns

de nós, na generalidade, não votaram desfavoravelmente a Proposta de Lei n.º 179/XIII/4.ª (ALRAA), na

expectativa que viessem a ser corrigidas na especialidade.

No entanto, tal não aconteceu. O Decreto n.º 59/XIV que daí resultou enferma dos seguintes vícios de

natureza política e jurídica:

−Cria uma fratura na soberania nacional ao criar um conceito específico de território autónomo designado

«mar dos Açores», que transforma o «mar Português», em matéria de ordenamento e gestão, num somatório

de três espaços marítimos, o dos Açores, o da Madeira e o do Continente;

−Submete o exercício de poderes de soberania do Governo da República para lá das 200 milhas a parecer

obrigatório e vinculativo das regiões autónomas;

−Torna a intervenção do Governo da República até às 200 milhas residual, limitado à emissão de parecer

que só será obrigatório e vinculativo nas matérias ditas de soberania e de integridade territorial, que o diploma

não caracteriza.

Para além disso, o diploma suscita outras preocupações de natureza geral:

−A gestão do mar, alargada a toda a plataforma continental, não é matéria de interesse específico das

regiões. Pelo contrário, integra o núcleo central das funções de soberania, incorrendo a solução aprovada no

risco de colisão com o exercício dos poderes do Estado nas áreas da defesa nacional, da segurança interna e

dos negócios estrangeiros;

−Esta lei fragiliza e não reforça a posição negocial de Portugal no processo que decorre nas Nações Unidas

de extensão da plataforma continental em que pelo regulamento da Comissão de Limites apenas pode existir

um interlocutor nacional;

−Esta lei comprometerá o processo normal de negociação europeia de fixação das quotas nacionais de pesca

que, naturalmente, são definidas para todo o mar português com a participação do Governo da República no

Conselho de Ministros das Pescas da UE;

−Igualmente, torna muito mais difícil a existência de um plano estratégico e de ação nacional quer quanto à

utilização económica, quer quanto à proteção do mar, uma vez que qualquer projeto de dimensão nacional fica

sujeito a avaliações e licenciamentos parcelares.

Pelo exposto, votámos contra a Proposta de Lei n.º 179/XIII/4.ª (ALRAA), em votação final global. O veto

presidencial, devolvendo o Decreto n.º 59/XIV à Assembleia da República para reapreciação criou uma nova

oportunidade para serem sanadas as fragilidades apontadas anteriormente.

No entanto, tal não aconteceu. As alterações introduzidas não corrigem essas fragilidades e simultaneamente

não dão resposta cabal às preocupações manifestadas por Sua Excelência o Presidente da República.

Foi ignorada a mensagem do Presidente da República que referia a necessidade de considerar um regime

adequado de delegação de competências, mantendo-se a opção por um modelo de atribuição de competências

aos órgãos das regiões autónomas que afasta a intervenção do Estado.

Os aditamentos efetuados ao texto do Decreto agravam o sentido das críticas que fundamentaram a posição

por nós assumida na votação de julho, afastando o Estado de qualquer intervenção no licenciamento da

utilização privativa de bens do domínio público marítimo e limitam-se a diferir para legislação futura «o regime

económico e financeiro associado à utilização privativa dos fundos marinhos».

Mantêm-se, assim, inteiramente pertinentes as considerações feitas na anterior declaração de voto,

designadamente por se estabelecer uma situação de inferioridade do Estado relativamente às regiões

autónomas ao atribuir natureza vinculativa plena aos pareceres regionais e limitando a intervenção do Estado

aos casos residuais em que esteja em causa a integridade e soberania nacional.

Continuamos a considerar legítimo e necessário o reforço da autonomia das regiões autónomas em matérias

do mar, respeitando, no entanto, um enquadramento constitucional e político adequado.

Como tal não existem razões para alterar o sentido de voto que continuará a ser contra.

Assembleia da República, 2 de outubro de 2020.

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