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Sexta-feira, 16 de outubro de 2020 I Série — Número 14

XIV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2020-2021)

REUNIÃOPLENÁRIADE15DEOUTUBRODE 2020

Presidente: Ex.mo Sr. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues

Secretários: Ex.mos Srs. Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco

S U M Á R I O

O Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 4

minutos. Deu-se conta da entrada na Mesa do Projeto de Lei n.º

567/XIV/2.ª e dos Projetos de Resolução n.os 717 a 723/XIV/2.ª.

Foram discutidos conjuntamente, na generalidade, os Projetos de Lei n.os 487/XIV/1.ª (PAN) — Aprova o regime

jurídico aplicável à doação de géneros alimentares para fins de solidariedade social e medidas tendentes ao combate ao desperdício alimentar, 537/XIV/2.ª (PCP) — Consagra medidas de promoção do escoamento de bens alimentares da pequena agricultura e agricultura familiar e cria um regime público simplificado para aquisição e distribuição de bens alimentares provenientes da pequena e média agricultura e

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pecuária nacional e da agricultura familiar, combatendo o desperdício alimentar e 544/XIV/2.ª (PEV) — Inquérito nacional sobre o desperdício alimentar em Portugal. Proferiram intervenções os Deputados Inês de Sousa Real (PAN), João Dias (PCP), Mariana Silva (PEV), Catarina Rocha Ferreira (PSD), João Gonçalves Pereira (CDS-PP), Ricardo Vicente (BE), Clarisse Campos (PS) e André Ventura (CH).

Foi debatido o Projeto de Resolução n.º 638/XIV/2.ª (PEV) — Reversão da privatização dos CTT – Correios de Portugal, SA, juntamente com, na generalidade, os Projetos de Lei n.os 517/XIV/2.ª (PCP) — Estabelece o regime de recuperação do controlo público dos CTT e 520/XIV/2.ª (BE) — Estabelece o regime para a nacionalização dos CTT e com o Projeto de Resolução n.º 242/XIV/1.ª (PAN) — Recomenda ao Governo que assegure uma participação determinante do Estado no capital social dos CTT – Correios de Portugal, SA. Intervieram os Deputados José Luís Ferreira (PEV), Bruno Dias (PCP), Isabel Pires (BE), Inês de Sousa Real (PAN), João Cotrim de Figueiredo (IL), Sofia Matos (PSD), André Ventura (CH), Hugo Carvalho (PS), João Gonçalves Pereira (CDS-PP) e Jorge Salgueiro Mendes (PSD).

Foi discutido o Projeto de Resolução n.º 572/XIV/1.ª (PS) — Recomenda ao Governo uma iniciativa mobilizadora de debate interinstitucional e de auscultação pública alargada sobre a aplicação do Plano de Recuperação da União Europeia (Next Generation EU), do Acordo de Parceria e do Plano Estratégico da PAC (PEPAC) 2021-2027, no quadro das consequências da COVID-19. Usaram da palavra os Deputados Nuno Fazenda (PS), Nelson Basílio Silva (PAN), Bruno Dias (PCP), João Pinho de Almeida (CDS-PP), André Ventura (CH), Fabíola Cardoso (BE) e Emília Cerqueira (PSD).

Foi debatido o Projeto de Resolução n.º 298/XIV/1.ª (PSD) — Compromisso de cooperação para o setor social e solidário. Intervieram os Deputados Carla Madureira (PSD),

Cristina Mendes da Silva (PS), Diana Ferreira (PCP), Bebiana Cunha (PAN), João Pinho de Almeida (CDS-PP) e José Moura Soeiro (BE).

Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, dos Projetos de Lei n.os 64/XIV/1.ª (PCP) — Garante o cumprimento efetivo dos horários de trabalho e a conciliação do trabalho com a vida familiar e revoga os mecanismos de adaptabilidade e de banco de horas, nas modalidades grupal e por regulamentação coletiva (16.ª alteração à Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que aprova o Código do Trabalho), 65/XIV/1.ª (PCP) — Garante o cumprimento efetivo dos horários de trabalho e a conciliação do trabalho com a vida familiar e revoga os mecanismos de adaptabilidade individual (16.ª alteração à Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que aprova o Código do Trabalho), 533/XIV/2.ª (BE) — Elimina o banco de horas grupal e por acordo de grupo, a adaptabilidade individual e grupal e reforça a fiscalização dos horários de trabalho (16.ª alteração ao Código do Trabalho), 534/XIV/2.ª (PAN) — Aprova medidas que garantam a conciliação do trabalho com a vida familiar e uma maior estabilidade profissional, procedendo, para o efeito, à 16.ª alteração ao Código do Trabalho, à 13.ª alteração à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas e à 6.ª alteração ao Decreto-Lei n.º 91/2009, de 9 de abril, e 539/XIV/2.ª (IL) — Restabelece o banco de horas individual (16.ª alteração à Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que aprovou o Código do Trabalho). Proferiram intervenções os Deputados Diana Ferreira (PCP), José Moura Soeiro (BE), Bebiana Cunha (PAN), João Cotrim de Figueiredo (IL), Lina Lopes (PSD), Tiago Barbosa Ribeiro (PS) e João Pinho de Almeida (CDS-PP).

Deu-se conta da entrada na Mesa da Proposta de Lei n.º 62/XIV/2.ª e dos Projetos de Resolução n.os 724 e 725/XIV/2.ª.

O Presidente (José Manuel Pureza) encerrou a sessão eram 18 horas e 13 minutos.

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O Sr. Presidente: — Boa tarde, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Funcionários, Sr.as e Srs. Jornalistas, Srs. Agentes de autoridade.

Vamos dar início à reunião plenária.

Eram 15 horas e 4 minutos.

Antes de entrarmos no primeiro ponto da ordem do dia, do qual consta a discussão de vários projetos de lei

sobre o desperdício alimentar, peço à Sr.ª Secretária Maria da Luz Rosinha o favor de dar conta do expediente

a todo o Plenário.

A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Muito boa tarde a todas e a todos. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, passo a anunciar que deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as

seguintes iniciativas legislativas: Projeto de Lei n.º 567/XIV/2.ª (PCP), que baixa à 10.ª Comissão, e Projetos de

Resolução n.os 717/XIV/2.ª (PCP), que baixa à 10.ª Comissão, 718/XIV/2.ª (PCP), que baixa à 10.ª Comissão,

719/XIV/2.ª (BE), que baixa à 9.ª Comissão, 720/XIV/2.ª (BE), que baixa à 9.ª Comissão, 721/XIV/2.ª (CDS-PP),

que baixa à 8.ª Comissão, 722/XIV/2.ª (PSD), que baixa à 8.ª Comissão, e 723/XIV/2.ª (PEV), que baixa à 9.ª

Comissão.

É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr.ª Secretária Maria da Luz Rosinha. Vamos dar início, então, ao primeiro ponto da nossa ordem de trabalhos, que consiste na apreciação, na

generalidade, dos Projetos de Lei n.os 487/XIV/1.ª (PAN) — Aprova o regime jurídico aplicável à doação de

géneros alimentares para fins de solidariedade social e medidas tendentes ao combate ao desperdício alimentar,

537/XIV/2.ª (PCP) — Consagra medidas de promoção do escoamento de bens alimentares da pequena

agricultura e agricultura familiar e cria um regime público simplificado para aquisição e distribuição de bens

alimentares provenientes da pequena e média agricultura e pecuária nacional e da agricultura familiar,

combatendo o desperdício alimentar e 544/XIV/2.ª (PEV) — Inquérito nacional sobre o desperdício alimentar em

Portugal.

Para apresentar o projeto de lei do PAN, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Só durante a primeira hora desta nossa reunião plenária, cerca de 115 kg de alimentos terão sido perdidos ou desperdiçados nas nossas

casas, mercados e refeitórios. São precisamente 115 kg por hora, num País em que 20% da população está em

risco de pobreza, sobrevivendo com rendimentos inferiores a 501 € mensais. Nos Açores, por exemplo, a taxa

de risco de pobreza é de 32%, ultrapassando largamente o valor nacional de 21,6%.

Num País em que, se não fosse o contributo das transferências sociais, 43,4% da população residente estaria

em risco de pobreza, em que os rendimentos monetários continuam a pautar-se por uma distribuição fortemente

assimétrica, do ponto de vista social e regional, em que 33% das pessoas vivem em agregados sem capacidade

para assegurar o pagamento imediato de uma despesa inesperada mais avultada, salvo com recurso a

empréstimos, ou em que 19% das pessoas não têm capacidade financeira para manter sequer a casa

adequadamente aquecida, tal é manifestamente inconcebível.

No caso dos dados que nos trazem entidades como a FAO (Food and Agriculture Organization), estima-se

que um terço dos alimentos no mundo se perde ou é desperdiçado todos os anos e que os impactos que este

desperdício alimentar tem vão muito além das questões sociais ou ambientais.

Para além deste impacto social que acabámos de referir, não se pode ignorar o impacto ambiental decorrente

do desperdício alimentar. A produção alimentar intensiva também tem um impacto no uso de recursos, pois, se

os alimentos se perderem ou forem desperdiçados, tal implica uma má utilização dos próprios recursos e,

consequentemente, impactos ambientais negativos.

A pegada global de carbono que resulta da perda e do desperdício de alimentos, excluindo as emissões da

alteração do uso do solo, corresponde hoje a cerca de 7% do total das emissões de gases com efeito de estufa.

A utilização dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos atribuível à perda ou ao desperdício de alimentos

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representa 6% do total da água extraída e quase 30% das terras agrícolas do mundo são hoje utilizadas para

produzir alimentos que, mais tarde, se perdem ou são desperdiçados.

Sr.as e Srs. Deputados, estes são números a que não podemos continuar alheios e indiferentes! Se é verdade

que, em Portugal, temos evoluído nesta matéria, contando já com uma Estratégia Nacional de Combate ao

Desperdício Alimentar ou com estratégias a nível municipal, muito em resultado das várias organizações não

governamentais e dos voluntários que têm desenvolvido parcerias a este respeito, estamos ainda muito longe

de garantir que, no final deste ano, não voltará a ir para o lixo mais de 1 milhão de toneladas de alimentos em

perfeitas condições para serem consumidos por quem mais precisa.

Senão, veja-se ainda, que, em 2019, no ano ao qual se seguiu uma crise sanitária sem precedentes, as

empresas de distribuição alimentar foram responsáveis por doar cerca de 16 000 t de produtos alimentares a

perto de 1000 IPSS (instituições particulares de solidariedade social). No mesmo ano, os bancos alimentares

evitaram que quase 18 000 t de alimentos fossem para o lixo. A rede Zero Desperdício salvou do lixo uma média

de 900 t de alimentos por ano, nos últimos cinco anos, e mesmo a Re-food conseguiu evitar o desperdício de

cerca 5000 t, desde 2011.

Não podemos ignorar também, do ponto de vista social, o impacto que isto tem num contexto de crise

socioeconómica, pois, a cada dois dias, 11,7% da população europeia, o que corresponde a 7,9% da população

portuguesa, não tem sequer recursos suficientes que lhe permitam comer uma refeição de qualidade. Bem

sabemos o efeito que a crise sanitária teve no aumento do desemprego e o impacto que vai ter na população

que, já de si, se encontrava em situação de pobreza ou de privação material.

Em alguns países que já adotaram medidas neste sentido, pouparam-se cerca de 100 000 t de comida por

ano, para que esta chegue a quem mais precisa. No passado dia 28 de setembro, o PAN acompanhou um dos

percursos da Re-food, em Lisboa, e registou não só a boa vontade e o empenho das equipas de voluntários,

mas também o facto de o potencial de recolha estar muito aquém do desejável.

Com esta medida, pretendemos precisamente evitar que continuem a sentir-se constrangimentos no setor

agroalimentar, para que não haja mais desperdício e mais alimentos a serem despejados para rua.

O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Concluo já, Sr. Presidente. Estamos abertos para, em especialidade, trabalhar precisamente a proposta, acolhendo as diferentes

sensibilidades nesta matéria, num combate que deve ser um desiderato de todas as forças políticas.

Aplausos do PAN.

O Sr. Presidente: — Pelo apresentar o projeto de lei do Grupo Parlamentar do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado João Dias.

O Sr. João Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: São muito preocupantes os níveis de desperdício alimentar que atualmente se verificam, quer em Portugal quer na Europa, sendo igualmente preocupante que

as medidas dirigidas ao seu combate tenham resultado infrutíferas.

Temos, por isso, a responsabilidade de implementar medidas eficazes no combate ao desperdício alimentar,

começando por identificar as suas causas e por combatê-las. Compreendemos que muitos não queiram fazer

esse exercício, pois isso implicaria ir à raiz do problema, aos ditos «mercados», que é como quem diz «aos

interesses económicos que orientam a produção», ou seja, é preciso perceber com que orientação e com que

objetivos se produz em Portugal.

É preciso perceber se os agricultores estão a produzir alimentos em função das necessidades do País ou se

os agricultores estão a produzir aquilo que o mercado diz que dá lucro. É preciso perceber se queremos que a

função da agricultura seja a satisfação das necessidades de alimentação do País ou se queremos que satisfaça

a voracidade do agronegócio. É preciso perceber e questionarmo-nos como é possível que milhões de toneladas

de alimentos sejam desperdiçados e, em simultâneo, a fome aumente.

A verdade, Srs. Deputados, é que, hoje em dia, em Portugal e na Europa, ao mesmo tempo que muitos têm

dificuldade em fazer uma alimentação adequada ou mesmo em alimentar-se, há muita produção que fica nas

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explorações agrícolas sem escoamento. Há, no entanto, quem entenda que, com a redução do desperdício

alimentar em 50%, se vai reduzir a fome no mundo. Srs. Deputados, uma coisa é garantida: se nada mudar nos

modelos de produção vigentes e se se continuar a apostar não no desenvolvimento, mas na caridade, então,

certamente, o problema do desperdício alimentar não se resolverá e, antes pelo contrário, irá agravar-se.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para o PCP, discutir o desperdício alimentar e a gestão eficiente dos

alimentos remete-nos para a abordagem das formas de produção e dos setores produtivos. Entendemos que a

agricultura familiar, a pequena e a média agricultura são as que utilizam a forma mais equilibrada de recursos,

quer através de uma vasta diversificação de culturas, quer porque produzem localmente o que é consumido

localmente e, quase sempre, produtos de melhor qualidade, para além do seu potencial fixador de população.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Muito bem!

O Sr. João Dias (PCP): — Entendemos que centrar o abastecimento alimentar às populações nos serviços fornecidos pelo setor da grande distribuição, secundarizando e desvalorizando a importância dos circuitos curtos

de proximidade e a relação direta entre os produtores e os consumidores, só vem favorecer a baixa de

rendimentos à produção, não concorrendo para a aplicação de preços justos ao consumidor e deixando fora dos

circuitos curtos de comercialização e do escoamento os pequenos e médios produtores nacionais.

É por isso que o PCP apresenta aqui uma iniciativa, à semelhança do que fez na última Sessão Legislativa.

Foi por proposta do PCP que se conseguiu a Lei n.º 52/2020, de 25 de agosto, que promove o escoamento de

pescado proveniente da pesca local e costeira e prevê a criação de um regime simplificado para aquisição e

fornecimento de pescado de baixo valor em lota. Srs. Deputados, se foi possível criarmos e aprovarmos esta lei

aqui, na Assembleia da República, então, propomos agora a criação de um regime público simplificado para

aquisição e distribuição de bens alimentares provenientes da pequena e média agricultura e da pecuária

nacional, combatendo, assim, o desperdício alimentar.

Entendemos que esta é uma resposta à dificuldade, acrescida com a pandemia, de escoamento da produção

alimentar dos pequenos e médios produtores nacionais e, seguramente, de combate ao desperdício de

alimentos. Combater o desperdício alimentar é fomentar a produção alimentar nacional, é assegurar

rendimentos justos para os pequenos e médios agricultores e para os produtores agropecuários.

Aplausos do PCP e do PEV.

O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Silva, de Os Verdes, para uma intervenção.

A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em Portugal, não existe um conhecimento nem rigoroso nem aproximado da realidade concreta do desperdício alimentar nas várias fases

da cadeia alimentar. O estudo que existe, e que se assume, ele próprio, como uma estimativa, resultou do

Projeto de Estudo e Reflexão sobre o Desperdício Alimentar, publicado em 2012.

O Partido Ecologista «Os Verdes» tem colocado na agenda política a problemática do desperdício alimentar,

apresentando um conjunto de iniciativas parlamentares que resultaram em orientações para o Governo cumprir,

tais como: promover uma gestão eficiente dos alimentos para combater o desperdício alimentar; promover a

participação pública na Estratégia Nacional e Plano de Ação de Combate ao Desperdício Alimentar; e realizar o

diagnóstico sobre o desperdício alimentar.

Porém, passados cinco anos sobre a iniciativa de Os Verdes, que resultou na aprovação da primeira

resolução da Assembleia da República sobre a temática, e volvidos quatro anos sobre a criação da Comissão

Nacional de Combate ao Desperdício Alimentar, ainda não existe um diagnóstico sobre a sua a real dimensão,

em Portugal. O primeiro objetivo estabelecido para esta comissão era o de proceder ao diagnóstico, à avaliação

e à monitorização sobre o desperdício alimentar a nível nacional. Com efeito, essa é uma das tarefas que Os

Verdes consideram urgente concretizar e na qual tem insistido recorrentemente junto do Governo.

De acordo com o Relatório de Progresso da Estratégia Nacional e do Plano de Ação de Combate ao

Desperdício Alimentar de dezembro de 2019, verifica-se que, pesem embora algumas iniciativas tomadas pelo

Instituto Nacional de Estatística e pelo Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral, ainda se está

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em fase de auscultação sobre a possibilidade de obtenção de dados, considerando-se que, na generalidade, os

contributos têm sido insuficientes.

Esta urgência decorre de circunstâncias para as quais o PEV tem alertado.

Do ponto de vista ambiental, é doloroso que sejam esbanjados recursos naturais para produzir bens

alimentares que, depois, acabam no lixo. Os impactos ambientais das diferentes fases da cadeia alimentar

poderiam ser significativamente reduzidos se não se verificassem altos níveis de desperdício.

Do ponto de vista social, é angustiante que se deite literalmente fora um conjunto significativo de alimentos

que poderiam contribuir para satisfazer necessidades básicas alimentares de uma parte da população. A injusta

repartição da riqueza e as políticas de empobrecimento repercutem-se de uma forma inaceitável no acesso aos

bens fundamentais para satisfação das mais elementares necessidades da população.

Tal como o PEV tem sublinhado, o primeiro passo necessário para combater as perdas alimentares é ter

consciência de que o problema existe. O segundo passo é perceber com rigor qual a sua dimensão e quais as

suas causas.

Assim sendo, Os Verdes propõem, através do projeto de lei que hoje aqui defendemos, que se realize um

inquérito nacional ao desperdício alimentar, tendo em conta que aqui se englobam alimentos destinados ao

consumo humano que acabaram por ser inutilizados, em quantidade ou em qualidade, e que estas perdas

alimentares se dão em todas as fases da cadeia alimentar, na produção, no processamento, no armazenamento,

no embalamento, no transporte, na disponibilização nos pontos de venda e, por fim, no consumo.

Sr.as e Srs. Deputados, o prémio Nobel da Paz de 2020 foi atribuído ao Programa Alimentar Mundial das

Nações Unidas. Nada mais justo num momento em que se produz como nunca se produziu, em tanta quantidade

capaz de alimentar toda a humanidade, mas em que continuam a existir milhões de pessoas que passam fome;

num momento em que se impõem hábitos alimentares para garantir a riqueza de uns poucos e se obriga a

transportes que implicam, por si só, um desperdício brutal; num momento em que, ao invés de se apostar nos

circuitos curtos de produção, evitando perdas, se cancelam mercados locais para benefício das grandes cadeias

de distribuição, elas mesmas fonte de desperdício.

O desperdício alimentar não é uma fatalidade. Não nos resignamos no seu combate.

Aplausos de Deputados do PCP.

Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Catarina Rocha Ferreira, do Grupo Parlamentar do PSD.

A Sr.ª Catarina Rocha Ferreira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Temos um debate sobre um assunto que nos é muito caro, não apenas ao PSD, não apenas aos grupos parlamentares que apresentaram

iniciativas, mas, em geral, a todas e todos os portugueses — o desperdício alimentar.

Aliás, como já foi referido, o recente Nobel da Paz, atribuído ao Programa Alimentar Mundial das Nações

Unidas, não foi mero acaso. É, sim, um alerta relevante quanto às assimetrias mundiais em termos de acesso a

alimentos, que se aplica também em Portugal, com a agravante da pandemia.

Se existe valor que é fundamental para o PSD, desde a sua fundação, é a dignidade da condição humana.

Por isso, não obstante as divergências com as iniciativas em discussão, a verdade é que este tema é oportuno

e justifica um amplo debate, no qual o PSD entende que tem a obrigação de participar. Portanto, apresentámos

também um projeto de resolução sobre o desperdício alimentar, que, apesar de não ser debatido aqui, hoje,

será discutido em sede de especialidade.

Começo, desde logo, por salientar alguma admiração. Por incrível que pareça, muitos dos argumentos e

motivações que hoje foram apresentados são semelhantes aos que já foram apresentados, discutidos e votados

em 2015 e 2016. Por isso, cabe-nos perguntar: como é possível que, passados quatro anos, este problema

persista em termos semelhantes? Até porque estamos a falar de um tema que é bastante consensual entre

todos os agentes da sociedade.

Este é um assunto que tem ganhado consistência em muitas iniciativas privadas e até públicas, mas,

evidentemente, isso não chega, é necessário também bastante mais empenho por parte do Governo e é

necessária uma postura diferente por parte de alguns grupos parlamentares.

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De resto, como as Sr.as e os Srs. Deputados bem sabem, não é suficiente a orientação de discursos sobre a

problemática e o flagelo que é o desperdício alimentar num dia, se, no dia seguinte, vêm estes mesmo grupos

parlamentares defender técnicas e práticas que devastam a produção nacional, ou propor iniciativas que

distanciam os consumidores dos nossos produtos tradicionais, ou ainda procurar dificultar a competitividade das

produções agrícolas nacionais.

Por outro lado, nunca é demais relembrar que vivemos num País em que 17% da produção é desperdício.

Esta é uma realidade que devemos inverter.

Até podemos dizer que a questão do desperdício alimentar é um paradoxo dos tempos modernos, porque,

quanto maior é o nível da qualidade e da segurança alimentar que se implementa nos sistemas alimentares

europeus, maior é o nível de desperdício e de perdas.

De igual modo, cumpre notar que, quanto mais exigente é o consumidor, mais tendência há para se

desperdiçarem alimentos saudáveis, muitas vezes, apenas por uma questão de aparência. Veja-se: é porque a

imagem de um alimento não preenche determinados requisitos de marketing ou comercialização. A imagem

sobrepõe-se ao alimento.

Portanto, compreendemos o PEV quanto à necessidade de um inquérito nacional sobre o desperdício

alimentar. Ficamos é novamente surpreendidos com o Governo: é mesmo necessário aprovarmos um projeto

de lei, nesta Casa, para que se efetue um inquérito nacional sobre este assunto? De qualquer modo, se só assim

se consegue viabilizar um inquérito nacional sobre o desperdício alimentar, não será o PSD a inviabilizar o

mesmo.

Noutra vertente, defendemos que as políticas públicas devem enquadrar a realidade da produção agrícola

nacional. No entanto, não podemos concordar com o PCP em dois aspetos: primeiro, não se compreende a

limitação ao Estatuto de Agricultura Familiar — é alguma coisa, mas, convenhamos, não é de todo suficiente —

e, em segundo lugar, é inaceitável a obrigatoriedade de estipulação de preços mínimos por parte do Governo,

como o PCP defende.

Por fim, em relação à iniciativa do PAN, também entendemos que deve ser efetuado um reforço nas

campanhas de sensibilização ao nível do consumo e junto das comunidades escolares. Aliás, também o

defendemos no nosso projeto de resolução. No entanto, a nosso ver, estas campanhas deverão ser efetuadas

em estreita colaboração com o Ministério da Agricultura, para que se aprofundem o conhecimento sobre a

produção agrícola nacional e as vantagens no consumo local sem desperdícios.

Por outro lado, temos reservas quanto ao procedimento e quanto à forma como o PAN estipula as doações,

porque nos parece que complicam e prejudicam mais do que são solução. Vamos obrigar? Vamos burocratizar

ainda mais? Até doações de géneros alimentares? Esta iniciativa é mais uma, como tantas outras nesta área,

muito enganadora. Parece uma coisa, mas vai-se verificar e é outra. Receamos mesmo que o seu efeito prático

venha a ser o inverso do que se pretende.

O que se pretende, e aquilo em que todos os portugueses são unânimes, é que o combate ao desperdício

alimentar seja uma prioridade no nosso País, envolvendo todos os agentes económicos e políticos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado João Gonçalves Pereira, do Grupo Parlamentar do CDS-PP.

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por felicitar os grupos parlamentares pelas iniciativas apresentadas, em especial o PAN por ter trazido esta mesma discussão.

A questão do desperdício alimentar é sempre importante, pois diz respeito aos recursos, que não podem ser

desperdiçados.

Analisando o projeto de lei do PAN, há vários temas que são positivos: a questão da prevenção do

desperdício alimentar, as metas nacionais de redução do desperdício alimentar, as doações dos produtos

alimentares, o sistema de incentivos — e eu diria que deveriam existir mais incentivos fiscais para quem faz

doações —, a existência de planos municipais de combate ao desperdício alimentar, que são importantes.

Eu próprio fui autor do primeiro Plano Municipal de Combate ao Desperdício Alimentar em Lisboa, que

organizei com as várias entidades a que chamo «forças vivas da cidade» e que teve um amplo consenso na

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câmara, por unanimidade. Portanto, foram três anos de trabalho dedicado a Lisboa em termos de combate ao

desperdício alimentar.

Nesse trabalho, que desenvolvi com gosto, algo que pude reter foi que a autorregulação funciona. Ou seja,

os supermercados, os hotéis, os restaurantes estão disponíveis para fazer doações e as IPPS, as juntas de

freguesia, as organizações religiosas vão, muitas delas, recolher essas refeições e, depois, entregá-las a quem

mais precisa. O sistema funciona.

O que é que o PAN, de alguma forma, naquela que é a sua intenção, nos vem apresentar, colocando-nos as

maiores reservas?

Protestos do Deputado do PCP João Dias.

O Sr. Deputado João Dias está muito incomodado e ainda não percebi porquê.

Sr. Deputado, este é um tema que nos deve unir a todos. Olhe, o PCP, na Câmara Municipal de Lisboa, deu

um bom exemplo: não só participou no Comissariado Municipal Combate ao Desperdício Alimentar, como votou

desde a sua nomeação até ao seu relatório final. Portanto, não percebo, Sr. Deputado, os apartes que está a

tentar fazer, mas muito bem.

Protestos do Deputado do PCP João Dias.

Agora, gostaria de dizer o seguinte: o PAN foi buscar o exemplo da legislação francesa. E porque é que os

franceses adotaram essa legislação de obrigatoriedade? Precisamente porque as instituições, a sociedade civil,

as próprias empresas não tinham a disponibilidade que existe, por exemplo, em Portugal.

Por isso, o CDS entende que esta obrigatoriedade da legislação não faz sentido quando há autorregulação

e há vários stakeholders que trabalham estas matérias. A Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real referiu a Re-food,

que conheço muito bem, mas há muitas outras entidades que combatem o desperdício alimentar na cidade de

Lisboa e por esse País fora. Por exemplo, conheci no País também, em termos de combate ao desperdício

alimentar, projetos interessantes como o da LIPOR (Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do

Grande Porto). Doadores não faltam, Sr.ª Deputada, não faltam.

Com a tolerância do Sr. Presidente, gostaria de terminar registando o reconhecimento do trabalho que tem

sido desenvolvido pela ASAE (Autoridade de Segurança Alimentar e Económica), um trabalho responsável, que

não fechou instituições, não andou atrás de restaurantes, não andou atrás de hotéis, nem nada disso, mas

sempre os fomentou.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para terminar, Sr. Deputado.

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — As próprias Nações Unidas e a FAO reconhecem que Portugal é um exemplo de boas práticas.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado.

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Portanto, este é um tema que merece consenso, não é de direita nem é de esquerda, e deve unir-nos a todos.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem mesmo de terminar.

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — O apelo que faço, Sr. Presidente, é que o PAN faça baixar a sua proposta à comissão, sem votação, para, em especialidade, podermos acertar um texto comum.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Tem agora palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Ricardo Vicente, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.

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O Sr. Ricardo Vicente (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas: Hoje, debatemos na Assembleia da República medidas concretas para responder ao desperdício alimentar. Mas, mais do que

encontrar soluções para absorver os desperdícios gerados pelo atual sistema alimentar, da produção ao

consumo, o que é verdadeiramente importante é debater o sistema alimentar que queremos para futuro.

Para o Bloco de Esquerda, este é o caminho da soberania alimentar, que se constrói com a democracia e

com a política pública que permita a regulação da produção e do mercado de bens alimentares.

À entrada de mais um quadro comunitário, sendo necessário definir uma estratégia para a aplicação da

Política Agrícola Comum em Portugal, o País terá de tomar decisões que terão consequências diretas sobre os

níveis de desperdício alimentar e sobre o ordenamento do território.

Defendemos a soberania alimentar com prioridade para os circuitos curtos. Lutamos por sistemas de

produção e processamento de alimentos de proximidade, que garantam a redução de desperdícios, a resiliência

do território e a mitigação das alterações climáticas. Propomos agriculturas diversificadas, com rotações e

consociações, e não podemos aceitar que se reduza a política agrícola à monocultura do olival, da vinha e dos

frutos vermelhos destinados ao mercado de exportação, promovendo a importação de tudo o resto. Os recursos

são finitos e, por isso, é preciso fazer escolhas claras.

No debate, na especialidade, do passado Orçamento do Estado, o Bloco de Esquerda propôs a criação de

um programa de reabilitação de mercados e feiras municipais, com a dotação mínima de um terço da área para

produtores locais, mas a proposta foi chumbada com os votos contra do PCP, do PAN e do PS.

O Bloco propôs também a obrigatoriedade de uma agricultura diversificada, com rotações e consociações

em todos os investimentos públicos de regadio. A proposta foi chumbada pelo PCP, pelo PS e por toda a direita.

Recentemente, propusemos o delineamento de um programa de transição ecológica e o fim do financiamento

público da agricultura intensiva e superintensiva. A proposta foi chumbada pelo PCP, pelo PS e por toda a direita.

Propusemos medidas de regulamentação do mercado para acabar com o abuso da grande distribuição, que

vende caro aos consumidores e paga miseravelmente aos produtores. A proposta foi chumbada com os votos

contra do PS, do CDS e do Iniciativa Liberal, enquanto o PAN, o PSD e o Chega ficaram a «ver a banda passar»

com a sua abstenção.

O debate do desperdício alimentar não se pode desligar destas escolhas estruturais sobre o sistema

alimentar que pretendemos para o futuro.

Hoje, entregámos um novo projeto resolução, também sobre medidas estruturais. Em 2012, o desperdício

alimentar por pessoa, na União Europeia, era de 173 kg por ano, representando 20% da produção alimentar

anual. O consumo doméstico e o processamento representavam 72% dos desperdícios alimentares.

Assim, as propostas agora apresentadas pelo Bloco de Esquerda têm mais duas dimensões: a primeira é a

de fortalecer o Serviço Nacional de Saúde para garantir o acesso e fortalecer as consultas de nutrição em todos

os centros de saúde, promovendo uma alimentação saudável e o melhor planeamento das refeições; a segunda

é a realização de estudos sobre a ocorrência de desperdícios ao longo da cadeia e seus potenciais de

reutilização e valorização, nomeadamente através da promoção de microindústrias de transformação,

conservação e valorização de alimentos que incorporem desperdícios alimentares.

A Sr.ª Alexandra Viera (BE): — Muito bem!

O Sr. Ricardo Vicente (BE): — Quanto aos projetos hoje em discussão, contarão com os votos favoráveis do Bloco de Esquerda, sendo que o projeto de lei do PAN deve ser revisto em vários domínios, em sede de

especialidade, nomeadamente nos artigos referentes à política fiscal.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Clarisse Campos, do Grupo Parlamentar do PS.

Faça favor, Sr.ª Deputada.

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A Sr.ª Clarisse Campos (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por saudar os autores das iniciativas hoje em discussão, salientando a extrema importância deste tema, que nos convoca a todos.

O desperdício alimentar tem estado periodicamente na agenda desta Assembleia da República e, ao longo

dos anos, o Partido Socialista tem dado provas de reconhecimento e ação nesta matéria.

O Sr. Pedro do Carmo (PS): — Essa é que é essa!

A Sr.ª Clarisse Campos (PS): — Trata-se de um problema que tem inegáveis consequências económicas e sociais, bem como efeitos ambientais gravosos.

É irracional que se esbanjem recursos escassos e preciosos, que se destruam bens que, sobrando a uns,

poderiam ser essenciais para a sobrevivência de outros. Não é aceitável que se consuma de forma irresponsável

e que se produza sem que tal beneficie quem quer que seja, quando tantos necessitam e não têm.

A pandemia trouxe à questão do desperdício alimentar uma urgência ainda maior, uma vez que representou

uma tomada de consciência quanto ao efeito da ação do Homem sobre os recursos naturais e, em simultâneo,

originou um aumento dos que procuram apoio alimentar por diminuição dos seus meios de subsistência.

É neste sentido que o Governo tem lançado um conjunto de iniciativas que, de forma transversal aos

ministérios, têm como meta a diminuição do desperdício de bens alimentares, alinhadas com orientações do

Parlamento Europeu aos Estados-Membros.

Exemplo dessa abordagem é a Agenda da Inovação para a Agricultura, que, em conjunto com as metas de

capacitação e modernização dos agricultores, dá especial relevo à gestão eficiente e sustentável dos recursos

naturais e dos ecossistemas e à produção de bens, processos e serviços através da valorização dos

subprodutos, para que a estes seja acrescentado valor de forma a enriquecer o sistema de produção.

Outro exemplo é o da distribuição de pescado nacional adquirido nas lotas e entregue a famílias carenciadas,

contribuindo para escoar um produto fresco e altamente perecível.

Realço ainda a campanha Alimente quem o Alimenta, lançada pelo Ministério da Agricultura, e a respetiva

plataforma digital, potenciadora de circuitos curtos de comercialização e de escoamento dos produtos locais

nacionais. A criação do manual Doação de Alimentos Seguros e a implementação da medida 8 — «Facilitar e

Incentivar o Regime de Doação de Géneros Alimentícios» foram fundamentais neste sentido.

Sr.as e Srs. Deputados, ainda no mês passado, no mesmo dia em que se assinalou pela primeira vez o Dia

Internacional da Consciencialização sobre Perdas e Desperdícios Alimentares, foi lançado mais um movimento,

Unidos Contra o Desperdício, que, com o alto patrocínio do Sr. Presidente da República e o apoio institucional

do Secretário-Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), congrega um relevante conjunto de vontades

representativas dos setores de restauração e hotelaria, distribuição, logística e agricultura, bem como entidades

pioneiras neste desiderato, e a Comissão Nacional de Combate ao Desperdício Alimentar.

Todas as propostas podem contribuir para esta causa fundamental, como as agora aqui apresentadas e em

discussão, seja a proposta do PCP, específica e centrada na pequena produção agrícola, visando a criação de

um regime simplificado para a compra e distribuição dos alimentos daí provenientes, a proposta do PAN,

apostada em aprofundar um regime jurídico para a doação de bens alimentares para projetos de solidariedade

social, ou ainda o projeto de lei do Partido Ecologista «Os Verdes», que preconiza um inquérito nacional para

que todos conheçamos, de forma aprofundada e clara, como, onde e quanto desperdiçamos alimentos em

Portugal.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É um bom augúrio que estejamos a discutir este tema na véspera do

Dia Mundial da Alimentação, que há quase 40 anos nos vem alertando para toda a problemática da nutrição e

da necessidade de adequar o que produzimos àquilo de que efetivamente necessitamos. São muitas as ideias,

muitos percursos e bons resultados.

Poderá pensar-se que é o suficiente? Todos sabemos que há um longo caminho a percorrer, começando

pela consciencialização de todos e de cada um para o papel que podemos ter neste objetivo, que é universal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado André Ventura, do Chega, para uma intervenção.

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O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Hoje, tratamos de um tema fundamental para a nossa democracia e para a nossa sobrevivência coletiva, sobretudo em tempos de pandemia.

Mas há duas notas que é importante tirarmos.

Para o Bloco de Esquerda, quem se abstém «vê a banda passar». Isto justifica, talvez, os votos no Bloco de

Esquerda no último Orçamento do Estado e nos últimos documentos orçamentais.

Protestos de Deputados do BE.

Para o Partido Socialista, todos os temas são fundamentais. Desde o desperdício alimentar até à ferrovia,

tudo o que é trazido a esta Câmara é apresentado pelo Partido Socialista como fundamental, embora, claro,

depois não dê andamento a nada, é apenas fundamental em matéria da discussão pública.

Protestos do Deputado do PS João Azevedo Castro.

Srs. Deputados, 88 milhões de toneladas é o valor do desperdício anual na União Europeia — 88 milhões.

Deste valor, 5% pertencem aos setores retalhista e grossista. É isto que temos de atacar. Atacar o resto e

confundir isto com as alterações climáticas e com uma série de fait-divers mediáticos serve apenas para uma

coisa, para não fazermos absolutamente nada nesta matéria.

O que deveríamos estar a discutir hoje era o que é que as câmaras municipais podem fazer…

O Sr. Presidente: — Já ultrapassou o seu tempo, Sr. Deputado.

O Sr. João Dias (PCP): — E ainda não disse nada!

O Sr. André Ventura (CH): — Vou terminar, Sr. Presidente. Deveríamos estar a discutir o que é que as câmaras municipais podem fazer em termos de desperdício, o

que é que as regiões autónomas podem fazer, e não mais do mesmo, uma discussão vazia, teórica, com o PS

a dizer que é muito importante, para ficarmos absolutamente na mesma nesta matéria.

O Sr. Presidente: — Obrigado, Sr. Deputado.

O Sr. André Ventura (CH): — É isso que tem acontecido e é isso que vai continuar a acontecer.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Isso é que foi um desperdício!

O Sr. Presidente: — Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Dias, do Grupo Parlamentar do PCP.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Dias (PCP): — Sr. Presidente, neste pouco tempo que me resta, deixe-me só esclarecer algumas questões levantadas pelo PSD, como, por exemplo, as duas questões relativas aos preços mínimos garantidos.

Não compreendemos como é que o PSD pode estar preocupado com uma plataforma que cria condições

para que os pequenos e médios agricultores e os produtores pecuários possam ter um preço mínimo garantido.

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Não é nada disso!

O Sr. João Dias (PCP): — Claro que podem produzir e vender mais caro. Não são preços tabelados, Sr.ª Deputada, são preços mínimos garantidos, que lhes asseguram um rendimento.

Mas eu dou-lhe um exemplo muito simples: são os produtores que sentem na pele o que é vender a batata,

como aconteceu este ano, a 5, 6 e 8 cêntimos é que sabem como é importante terem um preço mínimo garantido

que lhes assegure o rendimento. É isto que está em causa, Sr.ª Deputada!

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Aplausos do PCP.

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Não é nada disso!

O Sr. João Dias (PCP): — Por isso, não há que esconder ou branquear o grande problema. O problema do desperdício alimentar assenta em duas questões: por um lado, na produção e na falta de escoamento dessa

mesma produção e, por outro lado, na relação dos produtores com a grande distribuição.

Não podemos branquear a responsabilidade que, evidentemente, todos e cada um de nós tem de combater

o desperdício alimentar, mas a grande distribuição, que quer, acima de tudo, lucro económico, está muito pouco

preocupada com o desperdício alimentar, preocupa-se é com os grandes rendimentos.

Por isso, Srs. Deputados, quero lembrar ao PS aquilo que dissemos da tribuna. Tal como fizemos nas

questões relacionadas com o peixe de baixo valor em lota, também o podemos fazer relativamente à pequena

e à média agricultura e à pecuária nacional, criando condições de entendimento e resolvendo esta situação de

uma vez por todas.

Temos centenas de cantinas e refeitórios públicos que podem responder a esta necessidade de escoamento,

ainda mais agravada com a situação da pandemia.

Aplausos do PCP e do PEV.

O Sr. Presidente: — Para encerrar este debate, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real. Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em relação a esta questão, volto a referir o que há pouco mencionámos, isto é, estamos a falar de 1 milhão de toneladas que são anualmente

desperdiçadas.

Se este número não nos convocar para olharmos para o cariz humanitário destas medidas, tendo presente

que, para além de eleitos, também somos cidadãos e que os nossos concidadãos estão a passar por uma

situação socioeconómica bastante complicada, que carece de respostas, mais do que estarmos a levantar

algumas questões que mais não são do que bandeiras políticas ou ideológicas, ao invés de termos assente que

a matéria do combate à pobreza e da erradicação do desperdício alimentar deve ser transversal a todas as

forças políticas, de facto, não estaremos a cumprir o nosso papel.

Protestos da Deputada do PSD Emília Cerqueira.

E, Sr.as e Srs. Deputados, em particular os do PSD, que é o maior partido da oposição e tem um cariz

humanista na sua fundação, de facto, trazer apenas um projeto de resolução, praticamente em vésperas deste

debate, e fazer as críticas que fizeram à proposta do PAN, não nos parece ser um debate suficientemente sério.

Até porque, Sr.ª Deputada Emília Cerqueira, não se pode confundir as coisas. À margem deste debate,

podemos debater, evidentemente, os modelos de produção agrícola, mas não é disso que estamos a falar hoje.

À margem deste debate, podemos falar de modelos de produção agrícola sustentáveis e não superintensivos,

que degradam os solos e põem em causa a nossa alimentação enquanto futuro coletivo, mas não é isso que

estamos a debater. Estamos a debater, sim, o desperdício alimentar e aquele que deve ser, efetivamente, um

combate a algo que não pode continuar a acontecer neste contexto.

Por isso mesmo, e até porque Portugal não é só Lisboa, há modelos no País que são bastante positivos e

contaremos, certamente, com o contributo do Sr. Deputado do CDS para, em sede de especialidade, melhorar

esta proposta. Mas é fundamental que esta Assembleia diga, finalmente, se está ou não disponível para o fazer

com ações concretas, sem continuar a ignorar o problema das filas que aumentam à porta dos bancos

alimentares contra a fome e das associações, porque não existem bens a chegar.

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Isso é outra coisa!

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A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Recordo que, aquando da pandemia e do confinamento, todos nós, aqui, referimos que uma das preocupações do encerramento das escolas eram as crianças que tinham na

própria escola, muitas vezes, a sua única refeição.

Portanto, Sr.as e Srs. Deputados, se esta matéria não for debatida com seriedade, em sede de especialidade,

estaremos a falhar enquanto Parlamento. Da parte do PAN, não nos demitiremos, evidentemente, de fazer a

nossa parte nesta matéria.

Aplausos do PAN.

O Sr. Presidente: — Chegámos, assim, ao final do primeiro ponto da nossa ordem de trabalhos. Vamos passar, por consequência, ao segundo ponto, que consiste na apreciação do Projeto de Resolução

n.º 638/XIV/2.ª (PEV) — Reversão da privatização dos CTT – Correios de Portugal, SA, juntamente com, na

generalidade, os Projetos de Lei n.os 517/XIV/2.ª (PCP) — Estabelece o regime de recuperação do controlo

público dos CTT e 520/XIV/2.ª (BE) — Estabelece o regime para a nacionalização dos CTT e com o Projeto de

Resolução n.º 242/XIV/1.ª (PAN) — Recomenda ao Governo que assegure uma participação determinante do

Estado no capital social dos CTT – Correios de Portugal, SA.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Apesar da seriedade com que o assunto tem de ser encarado, o processo dos CTT pode muito bem ser relatado como quem conta uma história.

Uma história com um episódio estranho e penoso para os portugueses. Um episódio no qual o interesse público

não entra, nem sequer como personagem secundária, mas que, ainda assim, pode começar pelo clássico «era

uma vez».

Era uma vez uma empresa pública que prestava um serviço público de altíssima qualidade, facto, aliás,

reconhecido até no plano internacional, que respeitava os seus trabalhadores e que todos os anos contribuía

com importantes receitas para os cofres do Estado. E assim foi durante décadas, até que um Governo do PSD

e do CDS decidiu, em 2014, entregar esta importante empresa aos privados, vendendo em bolsa os 31,5% que

o Estado detinha, ainda por cima a preço de saldo.

Ora, esta decisão, como, aliás, já todos sabíamos, está a ter consequências muito negativas, tanto para o

Estado como para as populações e ainda para os próprios trabalhadores dos CTT. De facto, com a decisão de

privatizar os CTT, o PSD e o CDS privaram o Estado de importantes receitas, tão necessárias para dar resposta

às políticas sociais. Ao fim destes anos, o Estado já perdeu centenas de milhões de euros em dividendos e o

País deixou de ter um serviço de correios público, fiável e seguro.

A verdade é que, seis anos após a privatização, é hoje perfeitamente notória a crescente degradação dos

serviços de correio.

Encerraram centenas de estações e postos de correios, foram vendidos os edifícios, foram despedidos

trabalhadores, os vínculos precários aumentaram e aumentaram os percursos de cada giro de distribuição,

assim como os tempos de espera para atendimento.

Há falta de dinheiro disponível nas estações para pagamento de pensões e de outras prestações sociais,

registam-se atrasos inadmissíveis na entrega de vales postais e as situações em que o correio deixou de ser

distribuído diariamente generalizaram-se.

Enquanto isso, os acionistas continuam a apoderar-se, sob a forma de dividendos, de todos os lucros gerados

pela empresa e até se dão ao luxo de distribuir dividendos superiores aos lucros, descapitalizando

completamente os CTT. Só entre 2013 e 2016, foram distribuídos mais de 270 milhões de euros em dividendos,

cerca de um terço da receita total da privatização. Em 2017, os CTT apresentaram lucros de 27,3 milhões de

euros, mas distribuíram dividendos de 57 milhões. Dá que pensar!

A tudo isto acresce ainda o facto de o Banco CTT ter sido implementado sobre a estrutura de estações de

correios, funcionando nas instalações e com os trabalhadores dos correios, que são desviados dos balcões dos

serviços postais para os balcões do serviço do Banco, o que aumenta as filas de espera no atendimento postal.

Definitivamente, a Administração remete o serviço postal para segundo ou terceiro plano, o que agora interessa

é apenas, e apenas, o Banco CTT.

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Em resumo, a privatização trouxe menos qualidade, menos estações de correios, menos distribuição, menos

receitas para o Estado, delapidação de património e os trabalhadores viram as suas condições de trabalho sofrer

um substancial retrocesso.

A tudo isto é ainda necessário somar o aumento das tarifas, que, desde a privatização, já subiram mais de

50%. Ou seja, neste momento, e como resultado da privatização, os cidadãos pagam mais e a oferta do serviço

é menor.

Ora, face a este cenário, é tempo de repensar não o contrato de concessão — aliás, descaradamente

incumprido —, porque isso não resolveria rigorosamente nada, mas a própria propriedade dos CTT. Por tudo

isto, Os Verdes propõem alterar o rumo desta história, trazendo, de novo, os CTT para a esfera pública.

É exatamente isso que se pretende com esta iniciativa legislativa: recolocar o interesse público como

protagonista de uma longa história que dispensaria o triste episódio da privatização.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para apresentar o projeto de lei do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os interesses privados que hoje controlam os CTT continuam a viver acima das nossas possibilidades.

O serviço dos correios continua a degradar-se cada vez mais, a um nível insuportável para o País no seu

conjunto — utentes e populações, empresas e serviços públicos — e, desde logo, para os trabalhadores da

empresa, que são os primeiros a sofrer com as opções ruinosas que a gestão privada está a impor nos CTT.

Ontem mesmo, denunciámos, desta tribuna, as condições de trabalho desumanas e a sobrecarga inaceitável

em que se encontram sistematicamente os trabalhadores dos correios e apontámos para a evidência do que é

o resultado da privatização dos CTT, não só com a entrega da empresa aos privados, mas, desde logo, com

todo o caminho de degradação que sucessivos Governos e Administrações prepararam, durante anos a fio.

A situação a que chegámos no serviço postal atinge proporções sem paralelo no desmantelamento do serviço

público, na destruição de postos de trabalho, no encerramento de serviços. Com o aproximar do fim da

concessão, e face ao crescente descontentamento popular, a Administração dos CTT sentiu necessidade de

montar uma operação de propaganda, procurando esconder a realidade atrás de uma cortina de fumo.

Por um lado, travou o processo de encerramento de estações — e até o inverteu pontualmente, reabrindo

algumas das 33 estações que se comprometera, na Assembleia da República, a reabrir, ou seja, cerca de 10%

das estações encerradas com o processo de privatização —, mas, por outro lado, sob a capa de um pretenso

plano de modernização e investimento, tem vindo a agregar diversos centros de distribuição postal (CDP).

São já várias as sedes de concelho que deixaram ou vão deixar de ter um CDP próprio, fazendo com que o

correio seja distribuído a partir de localidades situadas, em muitos casos, a mais de 30 km. Como tem sido

denunciado pelas organizações representativas dos trabalhadores, acumulam-se, nas centrais de tratamento e

nos CDP, centenas de milhares de correspondências.

No ano passado, os CTT chumbaram em 23 dos 24 indicadores de qualidade. Para dar uma ideia, os CTT

não foram capazes de garantir a entrega de 90% do correio normal nos três dias após a sua aceitação, quando,

na altura da privatização, uma grande parte deste correio era entregue no dia seguinte ao da sua entrada nos

CTT.

O Sr. Duarte Alves (PCP): — É verdade!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — No ano em curso, a situação está ainda pior e a culpa não é só da pandemia. Desde a privatização, a administração privada encetou um processo de descapitalização e redução de valor

dos CTT, através da distribuição agressiva de dividendos acima dos lucros, venda de património e aquisições

de mais do que duvidosa transparência e utilidade.

A continuar assim, o Estado corre o risco de ver destruída uma empresa centenária e de referência e de ficar

sujeito à chantagem dos seus donos privados, exigindo indemnizações compensatórias ou outras contrapartidas

para assegurarem a prestação do serviço postal universal.

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Os custos que o País está a suportar, que correm o risco de aumentar com esta privatização, tornam

imperioso e urgente que o Estado readquira a capacidade e a responsabilidade pela gestão da empresa, para

garantir a sua viabilidade futura e para que volte a ter condições para prestar um serviço que o País, as

populações e os seus trabalhadores exigem.

A recuperação do controlo público dos CTT é um objetivo cuja concretização deve envolver a ponderação de

diversas opções, que vão desde a nacionalização, passando pela aquisição, até à negociação com os acionistas

dos CTT e outras formas que o possam assegurar. Uma opção que seja possível concretizar em tempo útil para

a defesa dos interesses nacionais.

Quando o Governo deixa passar o tempo e agravar-se o problema, quando o PS dá as mãos à direita toda

para, em conjunto, garantirem a proteção da gestão privada e dos interesses que ela representa, é preciso dizer

«basta!» e responder à exigência e à luta dos trabalhadores, que, mais uma vez, hoje, se encontram junto a

esta Assembleia para fazer ouvir a sua voz e os quais daqui saudamos. É tempo de passar das palavras aos

atos, de defender os CTT e o interesse nacional!

Aplausos do PCP e do PEV.

O Sr. Presidente: — Para apresentar o projeto de lei do Bloco de Esquerda, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Pires.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas: O ano de 2020 marca a celebração dos 500 anos dos CTT. São cinco séculos de uma das empresas públicas mais reconhecidas no

País. A sua capilaridade no território e as suas características permitiram criar, ao longo de tanto tempo, uma

rede única de prestação de um serviço postal universal, que, em tantos locais do nosso País, é o único ponto

de contacto com serviços públicos ou com o Estado.

Até 2012, os CTT foram uma empresa pública prestadora de um serviço universal, com altos níveis de

qualidade e representando um elemento de coesão territorial. Entre 2005 e 2012, os correios realizaram mais

de 500 milhões de euros de lucro para o Estado, tendo sido considerado um dos cinco melhores serviços postais

da Europa.

Mas, em 2013-2014, PSD e CDS decidiram vender a empresa a preço de saldo, começando aí problemas

que necessitam de urgente resolução. Com a privatização, Portugal juntou-se a um conjunto ínfimo de quatro

países com o sistema postal totalmente privado. Isto revela-se, ainda hoje, um profundo erro.

Em cinco anos, o serviço postal piorou radicalmente. Neste ano, 2020, a gestão privada chumbou em todos

os indicadores de qualidade. Até novembro de 2018, encerraram 69 estações de correio e, segundo a ANACOM

(Autoridade Nacional de Comunicações), são 33 os concelhos que já não têm estações, prevendo-se que este

número possa subir para 48, o que significa que quase 500 000 habitantes ficarão sem uma estação de correios.

Ao mesmo tempo, tudo aponta para que as estações que vão ser mantidas abertas sejam apenas as que

incluem o Banco CTT. E desta forma se fez um banco comercial privado em instalações dos correios, com

trabalhadores dos correios, com custos de funcionamento pagos pelos CTT, num inaudito processo de

vampirização, que ainda hoje continua: o serviço postal continua a manter o banco, sem qualquer justificação

para que isto aconteça.

Mais ainda, a solução que tem sido apontada no último ano é a da utilização de juntas de freguesia para a

prestação de serviços postais. Esta opção levanta muitas questões. Em primeiro lugar, como é que os CTT

firmam um acordo com a ANAFRE (Associação Nacional de Freguesias) em setembro de 2020, quando o

contrato de concessão termina em dezembro de 2020? Como é que se garantem as normas de privacidade dos

cidadãos? Porque é que se estão a financiar os CTT, hoje privados, com dinheiro público, quando os CTT

deveriam ser públicos e estar a cumprir este serviço postal universal, que hoje não cumprem? Não se

compreendem estas opções, quando aquilo de que as populações necessitam é da reabertura de estações.

Por outro lado, a forma como a gestão privada tem penalizado os milhares de trabalhadores é significativa,

como, ontem mesmo, tivemos oportunidade de ver: falta de pessoal, falta de condições laborais, tentativa de

implementar medidas como o cartão-refeição unilateralmente, despedimento de precários. O melhor que os CTT

têm são os seus trabalhadores e estes têm sido espezinhados desde a sua privatização, ao mesmo que se

distribuem dividendos acima dos lucros.

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Mais ainda, devemos falar das opções de gestão corrente da administração privada, que tem alterado as

prioridades de distribuição de correio, com claro prejuízo para as populações e atrasos inaceitáveis na entrega

de correspondência, a venda de património ao desbarato ou a concentração de centros de distribuição,

encerrando muitos outros.

Estes são apenas alguns exemplos de que tudo está mal com a gestão privada dos CTT. PS e PSD decidiram

destruir uma empresa pública de excelência, que dava lucro ao Estado, por uma escolha política com prejuízos

públicos, com prejuízos para os trabalhadores, com prejuízos para as populações. Destruiu-se uma das mais

importantes redes de contacto para milhares de portugueses e portuguesas, tem-se desbaratado património,

conhecimento e um bom serviço público, apenas para dar mais dividendos ao privado. Para nada mais do que

isto.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda traz novamente a debate a sua proposta de

nacionalização dos CTT, e não é por teimosia ou enviesamento ideológico, como alguns teimam em fazer crer

neste debate. Não! Voltamos a esta proposta, Srs. Deputados, porque não há, hoje, praticamente ninguém que

consiga defender a gestão privada dos CTT com uma cara séria nesta Câmara, é impossível. E isso tem tido

consequências para o País como um todo.

Decidir a nacionalização dos CTT é o único caminho de, nas condições atuais, ainda ser possível resgatar

para o Estado a propriedade e a gestão do serviço público universal dos correios, garantindo esse serviço a

todos e a todas, bem como garantindo a salvaguarda do património dos CTT e a melhoria das condições de

trabalho.

Termino, Sr. Presidente, dizendo que, se uma empresa como os CTT chega aos 500 anos, é porque ela é

mesmo importante para o País. Não desperdicemos a oportunidade de fazer retornar ao Estado a gestão desta

empresa, a bem dos seus trabalhadores, que hoje se concentram junto a esta Assembleia e que saudamos, e

de toda a população portuguesa.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para apresentar o projeto de resolução do PAN, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ao longo deste mês, celebramos os 500 anos de correios em Portugal, mas as razões para celebrar são muito poucas, porque, hoje, os CTT são

uma sombra do que já foram.

Esta situação fica a dever-se ao experimentalismo ideológico de PSD e CDS-PP, que, em 2014, procederam

à privatização total da empresa, numa operação absolutamente desnecessária, uma vez que os 5,5 mil milhões

de euros exigidos pela troica em privatizações já tinham sido alcançados.

De resto, graças à auditoria da IGF (Inspeção-Geral de Finanças), soubemos ainda: que esta avaliação da

empresa, no momento da privatização, foi feita abaixo do valor líquido que se acabou por obter no final de todo

o processo; que o Estado, antes da privatização dos CTT, abdicou de mais de 12 milhões de euros provenientes

da redução de capital, que acabaram por reverter para os privados; e que nem sequer está salvaguardada a

reversão para a esfera pública do património imobiliário e mobiliário dos CTT, em caso de se atribuir a concessão

a outro privado.

Tudo isto demonstra bem o modo quase usurário como foi conduzido todo este processo, bem como nos

alerta para a necessidade de se procurar revertê-lo, a bem do interesse público.

Mais: sabemos também que, entre 2013 e 2017, foram as margens de lucro do serviço postal universal que

compensaram o prejuízo das restantes atividades levadas a cabo pela empresa. Isto significa que, nestes anos,

o grosso das receitas da empresa não só resultou do contrato de concessão, como também serviu para financiar

as opções erráticas da gestão privada.

Sr.as e Srs. Deputados, o dinheiro público deveria servir para financiar aquilo que está contratualizado e não

para financiar os devaneios da gestão privada.

Hoje, sabemos que os padrões de qualidade exigidos na satisfação do serviço postal universal evidenciam

uma degradação da qualidade do serviço postal após 2013, mais acentuada em 2016 e 2017. Sabemos também

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que 2019 foi um dos piores anos, em termos de desempenho no cumprimento do índice de qualidade dos

serviços, dos últimos 29 anos.

Em 2020, com os dados que já vão sendo conhecidos, estima-se que a situação será ainda pior. A existente

degradação dos serviços nos CTT deve-se a muito mais do que ao fecho das estações, que, neste caso, é

apenas a ponta do iceberg. Deve-se a uma estrutura acionista assente em investidores de carácter financeiro

mais interessados no retorno rápido do que na viabilidade da própria empresa; deve-se, também, a uma busca

da maximização dos lucros pelos privados, por via da venda de património imobiliário, da secundarização dos

serviços de distribuição postal — devido à aposta no Banco CTT e na vertente comercial dos CTT — e da aposta

numa política de investimentos pagos por empréstimos bancários; e deve-se, por fim, à diminuição abrupta do

número de trabalhadores, sendo que, só no início deste ano, a empresa perdeu 4,3% dos trabalhadores

contratados efetivos ou a termo, prevendo-se inclusivamente um aumento de custos em virtude da caducidade

dos acordos da empresa.

Voltamos a referir, Sr.as e Srs. Deputados, que os CTT não são um privado qualquer, são uma empresa

estratégica para o País e um instrumento de coesão territorial, sendo muitas vezes o último reduto do serviço

público no interior. Os CTT têm potencial para ser uma empresa lucrativa e são o quarto maior empregador a

nível nacional, com 12 000 trabalhadores, pelo que o País não se pode dar ao luxo de perder todo este know-

how.

A privatização total falhou. O Parlamento não pode continuar de braços cruzados a ver morrer os CTT e o

Governo não pode, a tão pouco tempo do fim da concessão, continuar a não clarificar qual o modelo de

concessão do serviço postal universal a implementar a partir de 2021.

Por isso mesmo, o PAN traz a debate uma iniciativa que pretende que, no âmbito do processo de análise e

escolha do modelo de concessão do serviço postal universal a implementar a partir de 2021, o Governo assegure

uma participação determinante do Estado no capital social dos CTT, de modo a garantir uma gestão que

assegure a qualidade do serviço e a salvaguarda do interesse dos cidadãos.

Contudo, não podemos deixar de apelar, em particular às Sr.as e Srs. Deputados do Partido Socialista, ao

voto a favor da iniciativa do PAN, pedindo que se lembrem daquele que foi o vosso posicionamento em 2014.

Aplausos do PAN.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção pela Iniciativa Liberal, o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, ora, cá estamos, mais uma vez, a discutir a reversão da privatização dos CTT, que é um eufemismo para nacionalização dos CTT. Os comunistas não usam a palavra

«nacionalização» porque sabem que ainda há muita gente que se lembra do desastre que era a economia

quando estava tudo nacionalizado.

Mas não é só teimosia nem insistência, é também miopia. A extrema-esquerda ainda não percebeu nem viu

que, passados cinco anos de insistências, a nacionalização não ocorreu porque até o PS sabe que é uma má

ideia.

De facto, esta insistência só pode ser motivada por dogmatismo ideológico, porque, na verdade, não se

percebem bem as queixas da extrema-esquerda. Houve encerramento de estações? Antes da privatização

houve mais. Houve redução de pessoal? Antes da privatização houve mais. Houve falta de investimento? Antes

da privatização houve mais. Houve o incumprimento dos níveis de serviço? Antes da privatização também,

embora na altura fossem bem menos exigentes.

A verdade é que se os CTT fossem do Estado as coisas estariam pior e seriam um sorvedouro de dinheiro

dos portugueses, como já está a ser a TAP.

Protestos da Deputada do BE Isabel Pires.

A excelência do Estado como gestor está bem patente no Hospital de Braga, que, num só ano, desde que

acabaram com a PPP (parceria público-privada), vai gastar mais 30 e tal milhões de euros — valores antes dos

custos COVID — sem que um único utente se tenha revelado mais satisfeito.

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É preciso ter topete para, no meio desta enorme crise social e económica, querer gastar centenas de milhões

de euros dos portugueses para brincar aos carteiros, depois de outras centenas gastas para brincar aos aviões.

Protestos do PCP.

A minha última palavra é de reconhecimento e dirijo-a aos trabalhadores dos CTT, que são os principais

prejudicados com esta insistência anual da extrema-esquerda em debater este assunto.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Haja descaramento! Os liberais não têm limites.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Podia estudar um bocadinho!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção em nome do Grupo Parlamentar do PSD, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sofia Matos.

A Sr.ª Sofia Matos (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PSD regista, antes de mais, que Os Verdes, o PCP e o Bloco de Esquerda, a exemplo da Sessão Legislativa anterior e de Legislaturas anteriores,

em idênticos moldes, apresentaram iniciativas sobre o controlo do capital dos CTT pelo Estado. Saudamos ainda

a iniciativa do PAN que agora decidiu juntar-se a mais uma causa.

Ao contrário de outros partidos, não estamos reféns de dogmas nem de ideologias extremistas.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Já reparámos!

A Sr.ª Sofia Matos (PSD): — O PSD está, como sempre, disponível para debater este e outros assuntos com a responsabilidade que nos é característica, especialmente nos momentos em que Portugal mais precisa

de nós.

Relativamente a este assunto, há um histórico que deve ser invocado e há também um contexto que

precisamos fazer. Quanto ao histórico, convém lembrar que o Governo PSD/CDS privatizou os CTT no

cumprimento do Programa de Assistência Económica e Financeira,…

Vozes do PS: — Ah!…

A Sr.ª Sofia Matos (PSD): — … juntamente com a troica, Programa esse assinado, em maio de 2011, pelo Partido Socialista, que sistematicamente renega esta realidade.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Risos do Deputado do PS André Pinotes Batista.

O Sr. Deputado ri-se hoje, mas os portugueses não tiveram nenhuma vontade de rir em 2011.

Aplausos do PSD.

Convém lembrar que, com a privatização dos CTT, o Estado arrecadou 900 milhões de euros. Não foi a preço

de saldo Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Foi, foi!

A Sr.ª Sofia Matos (PSD): — A decisão do Governo PSD/CDS de privatizar os CTT não foi um mero capricho…

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Foi, foi!

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A Sr.ª Sofia Matos (PSD): — … e nem sequer foi malvadez ou para castigar os portugueses, Srs. Deputados, como insistentemente nos querem fazer crer. Foi para honrar os compromissos assumidos, não por nós, mas

por aqueles que, em 2011, levaram o País à bancarrota, especialmente o Governo do Partido Socialista.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

Depois deste histórico, Srs. Deputados, há que fazer um contexto. A empresa CTT, S.A. é a concessionária

da prestação do serviço postal universal até ao final de 2020. Cabe então ao Governo, após a avaliação da

ANACOM, como todos sabemos, definir o serviço postal universal e a respetiva concessão.

O Primeiro-Ministro já veio dizer, em resposta ao PCP nesta mesma Assembleia, que no momento próprio

tomará posição sobre a continuação, ou não, da concessão do serviço universal postal.

O contrato celebrado com os CTT termina, como todos sabemos, a 31 de dezembro deste ano, estando os

novos termos da concessão a ser discutidos há alguns meses. Sabemos que o Governo tomará uma posição

no seguimento do resultado das consultas públicas e das propostas apresentadas pelo regulador. Mais do que

qualquer outra força política, o PSD espera que o regulador exerça com bom senso e com rigor o seu dever e

as suas funções, tendo sempre em vista o interesse público nacional.

Em dezembro termina a concessão e, tendo em consideração o relatório do regulador e a decisão do

Governo, o PSD cá estará novamente, como sempre esteve, na defesa de Portugal e dos portugueses.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Ventura, do Chega.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, nada de novo temos aqui hoje. Como a concessão termina em dezembro, o Bloco de Esquerda e o PCP juntam-se novamente para pressionar o PS e o Governo socialista

para fazer o mesmo de sempre.

A verdade, por muito que vos custe, é esta: o número de despedimentos nos CTT diminuiu com a gestão

privada.

Mais: os CTT vão, este ano, aumentar em 800 o número de colaboradores — repito, 800! —, num

investimento superior a 41 milhões de euros feito, este ano, pela tal gestão privada dos CTT.

Protestos da Deputada do BE Isabel Pires.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Olhem o porta-voz do capital!

O Sr. André Ventura (CH): — As tais frotas automóveis, que os CTT não tinham enquanto PCP, PS e Bloco de Esquerda destruíam o serviço público postal, vão agora ser renovadas em 849 veículos comprados para

melhor servir os portugueses.

Protestos do Deputado do PS André Pinotes Batista.

Essa é que é a verdade.

Não há nenhuma melhoria de serviço que PCP, Bloco de Esquerda e PS queiram trazer. Querem é destruir

o serviço, porque já não é tão público como gostavam e porque antes de ser menos privado, como gostavam,

servia pior os portugueses.

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Gostava que dissessem isto aos portugueses: num momento em que não há dinheiro para salvar empresas,

não há dinheiro para pagar layoff aos trabalhadores e não há dinheiro para atualizar pensões acima de 645 €,

querem gastar 900 milhões de euros a, novamente, estatizar os CTT.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço-lhe para concluir.

O Sr. André Ventura (CH): — Gostava que dissessem isso lá fora, a quem não viu a sua pensão ou os seus salários atualizados e a quem não viu o seu layoff pago.

O Sr. Presidente: — Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. André Ventura (CH): — Era isso que deveriam fazer quando vêm para aqui dizer para gastarmos mais 900 milhões de euros a tornar públicas empresas que estão a funcionar bem.

Protestos do BE, do PCP e de Deputados do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra para uma intervenção o Sr. Deputado Hugo Carvalho, do Grupo Parlamentar do PS.

O Sr. Hugo Carvalho (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os CTT foram uma empresa estrutural na ligação entre o Estado, os portugueses e o território. Os CTT foram uma empresa de confiança para os

portugueses, pela qualidade dos serviços prestados e pela sua fiabilidade da sua resposta.

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Porque é que quiseram privatizar?

O Sr. Hugo Carvalho (PS): — Os CTT foram um elemento público de proximidade em todos os concelhos do País, em diversas localidades.

Os CTT foram um parceiro ao longo da história do nosso País, mas hoje não são exatamente aquilo que

foram.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — E vai daí?…

O Sr. Hugo Carvalho (PS): — E não o são não só porque o serviço postal mudou ou porque nos últimos anos o volume de tráfego postal tenha tido uma forte diminuição, mas também pela forma como se concretizou

a privatização desta empresa e se aceitou o contrato de concessão em vigor.

Hoje, quem subscreveu esta solução, quem optou pela privatização, sabe, certamente, que não fez um bom

serviço ao povo português.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD, do CDS-PP e do CH.

Srs. Deputados, tenham calma porque vão ter de ouvir toda a verdade.

Protestos do PSD, do CDS-PP e do CH.

Vão ter de ouvir toda a verdade, Srs. Deputados, tenham calma.

É bom que, neste debate, todos os que estão presentes saibam e estejam conscientes de que as decisões

políticas tomadas, em 2014, pelo Governo PSD/CDS — que, de forma cega, atribuíram tudo a uma empresa

privada sem salvaguardar o interesse público e sem garantir o serviço postal em todos os concelhos do território

— são corresponsáveis pela falta de qualidade do serviço postal dos CTT.

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Aplausos do PS.

Protestos do PSD, do CDS-PP e do CH.

Sr.ª Deputada Sofia Matos, não adianta chegar aqui e dizer que isso estava no Memorando de Entendimento,

porque esta privatização foi feita nos termos, nos moldes e nas condições com que o PSD sonhava e que o PSD

quis fazer.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD, do CDS-PP e do CH.

Sr.ª Deputada, deixe-me ainda que lhe diga que, em todas as intervenções sobre os CTT nesta Câmara, o

PSD perde uma oportunidade de pedir desculpa aos portugueses.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Que tristeza!

O Sr. Hugo Carvalho (PS): — Sr.as e Srs. Deputados, a verdade é que hoje, para os portugueses, interessa mais falar de futuro e há muitos pontos a melhorar na prestação do serviço postal em Portugal. Em primeiro

lugar, a rede territorial tem de ser alargada e melhorada.

Não podemos conceber que, no mesmo País, haja cidadãos que têm um posto dos CTT no seu concelho

enquanto, em outro concelho, haja cidadãos que não tenham esse serviço à disposição. Não há redução de

procura que justifique esta injustiça entre portugueses e, portanto, este é um dos pontos em que não

abdicaremos de corrigir o que o PSD sonhou na privatização.

Aplausos do PS.

Para garantir esta redistribuição territorial temos, também, de rebater o seguinte mito que a Iniciativa Liberal

e o Sr. Deputado André Ventura, do Chega, quiseram transmitir: reorganizar e rentabilizar uma empresa não é

fechar serviços nem despedir trabalhadores, é aproveitar as oportunidades e melhorar, tanto no comércio

eletrónico como no serviço de encomendas, para assim dar continuidade a uma empresa que é absolutamente

estratégica e decisiva para os portugueses.

Protestos do Deputado do CH André Ventura.

Caras e caros Deputados, no final deste ano termina o contrato de concessão com a empresa prestadora do

serviço CTT, uma oportunidade, por excelência, para corrigirmos alguns aspetos que hoje foram identificados.

Devemos debater tudo, sem tabus, sem excluir a entrada do Estado no capital da empresa, se isso for

condição necessária para salvaguardar que não haja distribuição de dividendos acima dos lucros quando há um

desinvestimento no serviço prestado, se isso for necessário para termos uma presença equilibrada e justa dos

CTT em todo o território nacional, se isso for condição necessária para aumentar os níveis de qualidade do

serviço ou se isso for necessário para defender o interesse superior de todos os portugueses.

É com esse mandato que confiamos na negociação entre o Governo e a entidade prestadora do serviço

postal, para garantir que no início de 2021 possamos ter um novo contrato que devolva aos CTT o papel central

que sempre tiveram na vida dos portugueses.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: — Lembro às Sr.as e Srs. Deputados que têm de deixar uma cadeira livre entre cada um. Portanto, não podem estar três Sr.as e Srs. Deputados juntos.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Tem de se arranjar um capacete para o CDS!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Um toldo!

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: — Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, é apenas para esclarecer o Sr. Deputado João Ferreira…

O Sr. Presidente: — Não, não. Para isso não tem neste momento a palavra.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Se quer falar com o João Ferreira vai ter de lhe ligar!

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, desculpe, mas…

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado não pode falar neste momento, não está inscrito…

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, mas é uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: — Uma interpelação à Mesa sobre a condução dos trabalhos?

O Sr. André Ventura (CH): — Sim, Sr. Presidente, sobre a condução dos trabalhos.

O Sr. Presidente: — Porquê?

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, é que outros Srs. Deputados do outro lado da bancada estão permanentemente…

Protestos do PCP.

Querem falar baixo ou não?

A Sr.ª Sandra Cunha (BE): — Ponha a máscara!

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, estamos a meio de um debate que não tem a ver com a sua intervenção… Mas faça favor.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, eu e o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo temos permanentemente a indicação de que temos de usar máscara…

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, não estamos a discutir o uso da máscara, essa é uma questão que discutiremos, se calhar, necessariamente noutro momento, em Conferência de Líderes,…

O Sr. André Ventura (CH): — É só para que sempre que os dois Deputados falam não tenham de ser chamados à atenção pelo uso da máscara.

O Sr. Presidente: — … porque a minha opinião é que não foi decidido em Conferência de Líderes que só se poderia estar sem máscara na primeira fila, na Mesa, na tribuna dos oradores ou na bancada do Governo.

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Portanto, se um dia se decidir isso em Conferência de Líderes, eu aplicarei. Enquanto tal não for decidido, não

aplico.

Aplausos de Deputados do PSD e do CH.

Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado João Gonçalves Pereira, do CDS-PP.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Temos hoje em discussão os CTT e falar de CTT significa falar da sua atividade principal, o serviço postal. Ora, esse serviço

postal tem tido quebras, não só em Portugal como no mundo inteiro, mas em particular em Portugal, de cerca

de 6% a 7% ao ano. Ou seja, a realidade de hoje, que ouvimos aqui, designadamente pelos partidos mais à

esquerda, não é compatível com o que era no passado e o Estado, mesmo não sendo acionista desta empresa,

acaba por estar nesta empresa e dar-lhe um contributo grande, porque o maior cliente dos CTT é, precisamente,

o próprio Estado, que, como é evidente, tem um papel importante ao nível da operação e rentabilidade dos CTT.

Mas o que é certo é que o serviço postal tem estado em quebra, em quebras sucessivas. E devo dizer-lhes,

Sr.as e Srs. Deputados, que não entrarei no discurso da privatização, porque parece que não há nenhuma

memória.

Já percebemos que para os partidos à esquerda todos os males que houver no País daqui a 10, 15, 20, 30,

40 anos terão sido da responsabilidade do que foi um governo de direita PSD/CDS, Passos Coelho/Paulo Portas.

Já sabemos isso. O PS até se esquece que colocou o País na bancarrota, trouxe a troica, assinou o Memorando,

assinou a privatização dos CTT, esquece-se disso tudo!

Protestos do PS e do BE.

Essa é a responsabilidade de sempre, Srs. Deputados, já conhecemos isso. Mas há uma coisa que nós não

temos: o CDS não tem preconceitos com a gestão pública…

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Ah não?!…

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Não, não tem. Não tem, Sr.ª Deputada! Há boa gestão pública como há boa gestão privada; há boa gestão privada como há boa gestão pública. Não há preconceitos dessa

natureza, mas uma coisa sabemos: privatizar não é sinónimo de resolver todos os problemas. Nós sabemos

disso, sabemos disso e até podemos admitir que possa haver algumas opções de gestão que não sejam as

mais acertadas — podemos admitir isso, seja nos CTT ou noutra empresa qualquer.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Merece o prémio Nobel do eufemismo 2020!

Protestos do PS.

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Tenham calma, estão muito nervosos! Eu sei, ficam muito nervosos quando se fala a verdade! Quando têm de ouvir a verdade os senhores ficam nervosos. Lidam mal

com a verdade, é um problema do Partido Socialista! Aliás, a intervenção que ouvimos foi muito nesse sentido:

esqueceu-se, esqueceu-se do Memorando, esqueceu-se do que tinha assinado!

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de concluir, por favor.

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Mas a questão é esta: estamos em vésperas de um contrato de concessão que está em negociação. E de duas, uma: ou o contrato de concessão está a ser cumprido ou

não está a ser cumprido. Temos um regulador, a ANACOM, temos o Governo e, portanto, esses é que têm de

exercer os seus poderes de fiscalização e assegurar, como é evidente, que esse mesmo contrato de concessão

seja cumprido.

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O Sr. Presidente: — Para uma intervenção pelo Grupo Parlamentar do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Mendes.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Salgueiro Mendes (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em 10 meses tivemos nesta Casa 10 iniciativas legislativas, nove respeitantes a nacionalizações ou controlo do capital público dos

CTT e uma relativa à qualidade do serviço.

Em todas estas iniciativas, as forças políticas da esquerda, motivadas por questões ideológicas, invocam

problemas de qualidade do serviço, a deficiente cobertura postal, a densidade da rede e serviços mínimos, a

descapitalização dos CTT, que o serviço postal público alavanca os resultados do Banco CTT, que os CTT

reduziram o quadro de pessoal e aumentaram a precaridade,…

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — É verdade!

O Sr. Jorge Salgueiro Mendes (PSD): — … argumentos desmentidos, em grande parte, pela auditoria da IGF, pelos auditores independentes e nos próprios relatórios e contas dos CTT.

Caras e caros Deputados, ao longo dos vários debates percebemos, e os portugueses também, que o que

está em causa nas propostas em discussão não é a qualidade do serviço postal mas, sim, opções dogmáticas

dos partidos da esquerda radical.

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Muito bem!

O Sr. Jorge Salgueiro Mendes (PSD): — Enquanto os partidos das esquerdas unidas se digladiam a apresentar iniciativas legislativas para marcar a sua agenda política e condicionar a dos outros partidos, Portugal

enfrenta uma crise pandémica sem fim à vista, Portugal enfrenta uma crise económica em crescendo, em

Portugal emerge uma crise social de consequências imprevisíveis e até políticas, e hoje, 15 de outubro, dia em

que Portugal entra de novo em confinamento, qual é a solução apresentada pelo PCP, pelo Bloco de Esquerda,

pelo PEV e pelo PAN para os problemas dos portugueses? Uma solução milagrosa: nacionalizem-se os CTT,

tal como fizemos com a TAP! E o Partido Socialista, que quer passar imune a este debate, continua a renegar

as suas responsabilidades no processo de privatização que assinou com a troica no Memorando de

Entendimento e que o Partido Social Democrata e o CDS tiveram de honrar.

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Muito bem!

O Sr. Jorge Salgueiro Mendes (PSD): — O Partido Socialista assiste a todo este teatro, a estas encenações, porque lhe convém, sobretudo no âmbito das suas negociações, das suas zangas, dos seus ziguezagues em

torno do Orçamento do Estado para 2021. Por isso, está na altura de o PS assumir as suas responsabilidades

e acabar, de vez, com os desvarios gonçalvistas da sua esquerda mais radical.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Jorge Salgueiro Mendes (PSD): — Por coincidência, no próximo 25 de novembro votaremos o Orçamento do Estado para 2021.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Exatamente!

O Sr. Jorge Salgueiro Mendes (PSD): — Esperamos que esta coincidência seja o suficiente para o Governo pensar mais no País e menos na ideologia.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção pelo Grupo Parlamentar do PCP, o Sr. Deputado Bruno Dias.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ao cabo deste debate a questão incontornável que se coloca tem de ser respondida pelo Partido Socialista.

Como é que o PS justifica dar as mãos ao PSD, ao CDS, à Iniciativa Liberal e ao Chega para manter os CTT

na gestão privada? Como é que explicam, aos trabalhadores dos CTT e às pessoas que têm a vida num inferno,

esta convergência?

Nós não nos surpreendemos com o desprezo pela vida das pessoas ou até a ignorância dos porta-vozes do

Grupo Champalimaud, ou da GreenWood Builders Fund I ou do Norges Bank neste debate. Não nos

surpreendemos. O que é grave é que a vossa resposta a quem fala daquela forma, como acabámos de ouvir,

seja essa convergência para deixar tudo na mesma.

Os porta-vozes do Grupo Champalimaud já não nos surpreendem, mas o que é preciso é perguntar até

quando é que os senhores vão deixar arder para um dia discutir as cinzas.

Aplausos do PCP.

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Antes o Champalimaud do que o Partido Comunista!

A Sr.ª Sofia Matos (PSD): — Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: — Para que efeito, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Sofia Matos (PSD): — Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa. É para informar que vamos fazer chegar à Mesa um documento que dá pelo nome de Programa de

Assistência Económica e Financeira, assinado pelo Partido Socialista,…

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, a Mesa conhece, mas faça o favor de o entregar. Isto é uma intervenção, não é uma interpelação à Mesa.

A Sr.ª Sofia Matos (PSD): — … onde estão as privatizações e onde consta a dos CTT. O Sr. Deputado tem memória curta. Tem memória curta!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Protestos do Deputado do PS João Paulo Correia.

O Sr. Presidente: — Para encerrar este debate, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira. Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No final deste debate queria referir-me ao que foi dito pela Sr.ª Deputada Sofia Matos, mas também pelo Sr. Deputado Jorge Mendes.

O Sr. Deputado Jorge Mendes disse que «tivemos de honrar os compromissos», portanto, o PSD esteve

contrariado.

A Sr.ª Deputada Sofia Matos disse que não são reféns de dogmas e que não foi o Governo PSD/CDS que

privatizou os CTT, foi a troica. Disse que estiveram obrigados àquilo.

Tudo bem, admitamos até que foi assim. Mas o que leva o PSD a não corrigir agora esse erro que foi

assumido pelos Srs. Deputados, que dizem que foi um erro, que estavam contrariados e foram obrigados a

privatizar os CTT? O que é que os leva agora a impedir que se faça essa reversão?! Isso é que não percebemos!

Continua a ser a troica?

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Protestos da Deputada do PSD Sofia Matos.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — São os interesses do costume!

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — O Sr. Deputado Jorge Mendes falou aqui da auditoria da IGF e ainda bem, porque essa auditoria veio mostrar três coisas.

Primeira, que o serviço público alimenta ou engorda os ganhos dos CTT.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Exatamente!

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Segunda, que a alteração legislativa que o Governo PSD/CDS promoveu em 2012 instalou a dúvida sobre a titularidade dos bens da concessão após terminar o contrato.

Por fim, que no processo de privatização o interesse público não foi de todo acautelado.

Mas destas conclusões, de facto, apenas uma é novidade, porque já todos sabíamos que o interesse público

não foi tido nem achado neste processo, como sabíamos que o serviço público estava a engordar os ganhos

dos CTT. O que não sabíamos era do jeito que, consciente ou inconscientemente, o Governo PSD/CDS acabou

por atribuir aos privados. Incógnitas ou incertezas legais sobre a titularidade dos bens de concessão que

integram a rede postal depois de terminar o contrato, Srs. Deputados?!

Risos do Deputado do PCP Bruno Dias.

Garantir a esta empresa privada a possibilidade de se eternizar no monopólio, que só não é natural porque,

neste caso, foi construído pelo PSD e pelo CDS, é absolutamente estranho num Estado de direito. Permitir que

no final de um contrato a reversão gratuita e automática dos bens da rede pública para o Estado não seja um

dado adquirido é absolutamente inaceitável e de uma irresponsabilidade completamente condenável.

O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Aqui, Srs. Deputados do PSD, não adianta atirar com as culpas para a troica, porque o que diz a auditoria da IGF, como o Sr. Deputado referiu há pouco, é que o PSD e o CDS

estiveram muito mal neste processo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos passar ao terceiro ponto da nossa agenda de hoje, a discussão do Projeto de Resolução n.º 572/XIV/1.ª (PS) — Recomenda ao Governo uma iniciativa mobilizadora de debate

interinstitucional e de auscultação pública alargada sobre a aplicação do Plano de Recuperação da União

Europeia (Next Generation EU), do Acordo de Parceria e do Plano Estratégico da PAC (PEPAC) 2021-2027, no

quadro das consequências da COVID-19.

Para apresentar este projeto de resolução tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Fazenda, do Grupo

Parlamentar do PS.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Nuno Fazenda (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O País dispõe de factos e dados objetivos que demonstram o impacto muito positivo dos fundos comunitários em Portugal e na melhoria da

qualidade da vida dos portugueses. E a gestão e execução dos fundos comunitários tem sido reconhecida pelas

instituições europeias, nomeadamente pela própria Comissão Europeia.

Contudo, tendo presente que podemos sempre fazer mais e melhor e que o elevado volume de recursos

financeiros determina uma responsabilidade acrescida, é essencial que aprofundemos o debate, para termos

ainda mais transparência, maior escrutínio público e ainda melhores decisões na aplicação dos fundos europeus

em Portugal.

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O Governo tem vindo a debater com a sociedade civil as grandes prioridades para o País através da

discussão pública de vários documentos estratégicos, como sejam as Agendas do Portugal 2030, o Plano

Nacional de Investimentos ou a Visão Estratégica para o Plano de Recuperação. Estes são documentos que

foram debatidos e que servem de suporte à estratégia global para a aplicação dos fundos comunitários.

Mas uma coisa é o planeamento da visão estratégica, o debate das grandes linhas — que foi efetuado em

vários contextos, incluindo na Assembleia da República —, outra é a programação, a territorialização dos

investimentos e a sua regulamentação. E é esse debate sobre a programação e a concretização dos fundos que

deve ser prosseguido e aprofundado.

Esse é um desafio que convoca a todos, que não dispensa ninguém, e onde os territórios têm um papel-

chave. Por isso, agora é o tempo de passar da visão à ação.

Portugal terá ao dispor três instrumentos fundamentais nos fundos comunitários. Um diz respeito ao Acordo

de Parceria, que corresponde ao Portugal 2030. O debate sobre este importante e mais volumoso instrumento

financeiro foi efetuado numa altura pré-COVID. Agora, importa atualizar a sua versão final, à luz das

consequências da COVID-19 e no quadro dos regulamentos que a Comissão Europeia ainda se encontra a

desenvolver. É um documento ainda em aberto e, por isso, tem toda a oportunidade aprofundar o debate sobre

o Portugal 2030, nomeadamente nas regiões.

Um segundo instrumento consiste no Plano Estratégico da Política Agrícola Comum. Pela primeira vez,

Portugal, como de resto os vários Estados-Membros, terá oportunidade de elaborar o seu plano estratégico para

aplicação da PAC (política agrícola comum) em Portugal. É um plano com cerca de 9000 milhões de euros para

apoio à agricultura e ao desenvolvimento rural.

Ora, sobre este instrumento, os regulamentos da PAC estão ainda ao nível da discussão entre o Conselho e

a Comissão Europeia, ainda nem sequer chegaram ao Parlamento Europeu.

Prevê-se que a nova PAC seja adotada a partir de 2022 ou 2023, o que significa que, apesar de já ter existido

interação com os atores da agricultura, também neste caso existe toda a oportunidade para um debate

aprofundado sobre este documento estratégico muito importante para a política agrícola em Portugal.

Por fim, Portugal terá ao dispor o Plano de Recuperação e Resiliência. Hoje mesmo, como é sabido, foi

entregue pelo Governo à Comissão Europeia um primeiro draft deste plano.

Trata-se, como ainda ontem foi referido pelo Sr. Primeiro-Ministro, de uma primeira versão, que terá de evoluir

com base num diálogo interno e com a Comissão Europeia, e a versão final terá de ser entregue até ao final do

mês de abril do próximo ano. Não é, portanto, um documento fechado, nem na substância, nem no tempo.

Em suma, tendo em conta que o planeamento é um processo em contínuo, que nenhum dos instrumentos

de financiamento comunitário está fechado, que a regulamentação da Comissão Europeia está por concluir,

condicionando o fecho de qualquer versão final dos instrumentos de financiamento, e que a aplicação dos fundos

exige um exercício de programação e territorialização dos investimentos que importa ainda debater e

concretizar, é neste contexto que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista propõe a esta Assembleia um

projeto de resolução que recomenda ao Governo um aprofundamento do debate sobre a aplicação dos fundos

europeus em Portugal. E propõe a auscultação dos territórios, nomeadamente nos conselhos regionais das

CCDR (comissão de coordenação e desenvolvimento regional), onde têm assento entidades representativas

dos interesses das regiões, nos órgãos das entidades intermunicipais, designadamente das CIM (comunidade

intermunicipal) e Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, e também um maior envolvimento da sociedade

civil neste debate.

O debate público sobre os fundos europeus é um desafio que convoca todos, em contínuo, que não dispensa

ninguém ou que ninguém se deve dispensar de o fazer. É isso que hoje se coloca também à discussão nesta

Assembleia.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Nelson Silva, do Grupo Parlamentar do PAN.

O Sr. Nelson Basílio Silva (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Com este projeto de resolução, o PS vem propor a auscultação de municípios, associações e sociedade civil, para os termos do processo de

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recuperação económica e social. Ao contrário de outras, esta é uma iniciativa que pretende aumentar a

democracia e transparência para a construção do futuro de Portugal e, por isso, contará com o nosso apoio. O

que esperamos é que os envolvidos não sejam apenas ouvidos. O que desejamos é que os seus contributos

sejam efetivamente incorporados no plano de recuperação.

No entanto, temos algumas reservas em relação à abertura do Governo para a incorporação efetiva desses

contributos, visto que se tem recusado a cumprir disposições legais do Orçamento do Estado, legitimamente

aprovadas neste Parlamento, como é o caso da suspensão da linha circular do metro de Lisboa, medida que vai

ser altamente lesiva para o Estado e, sem dúvida, para as pessoas.

O novo coronavírus permitiu-nos um primeiro vislumbre do que será o nosso futuro se não alterarmos o modo

como lidamos com a natureza.

Para o PAN, na fase de recuperação económica do País, mais do que rejeitar o dogma da produção a todo

o custo temos de ter a coragem de assumir um novo modelo que, rejeitando um sistema produtivista e extrativista

assente no consumismo desmedido, assegure uma economia climaticamente neutra, priorize o investimento no

setor dos bens e serviços ambientais, crie empregos verdes e coloque a justiça social e o bem-estar das pessoas

à frente dos interesses instalados que têm capturado o Estado nas últimas décadas.

Na recuperação económica, o caminho tem de passar pela aposta nas energias renováveis, na eficiência

energética e na redução da nossa pobreza energética. Mesmo que isso não agrade à EDP, é necessário apoiar

a microprodução de energia e o armazenamento de renováveis, dando maior autonomia às famílias e dando a

Portugal a merecida independência energética.

Nos próximos meses, Portugal vai ter de começar a investir não só na abrangência da mobilidade elétrica e

da mobilidade suave mas também no aumento da oferta e da qualidade dos transportes públicos, de modo a

que andar de transporte deixe de ser sinónimo de falta de oferta e de «conserva enlatada».

Teremos a oportunidade de reduzir a dependência das cadeias de produção do exterior e de adaptar a nossa

floresta e a nossa agricultura à nova realidade climática. Isto consegue-se não só com uma nova postura, que

rejeite liminarmente a construção de hotéis de luxo à beira-mar, mas por via da aposta na produção nacional,

na agricultura biológica e na produção local e de proximidade.

Outra das saídas para a crise económica vai ser o aumento do investimento público. Mas é preciso perceber

se esse investimento vai servir para adaptar o território aos efeitos das alterações climáticas, de modo a

minimizarmos, o mais possível, o impacto nas pessoas, e basear-se num atlas de risco das alterações climáticas,

ou se vamos continuar a enterrar dinheiro das pessoas com infraestruturas localizadas em zonas inundáveis,

como é o caso do aeroporto do Montijo.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Bruno Dias, do Grupo Parlamentar do PCP.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A necessidade de um debate aprofundado sobre os vários instrumentos de financiamento comunitário que estão em preparação nas instituições da União

Europeia é uma questão com a qual, à partida, em abstrato, toda a gente concordará.

À partida, quando falamos da necessidade de fazer um planeamento estratégico com os contributos das

várias instituições, a dúvida que fica é sobre se alguém discorda de que isso seja útil, necessário, positivo.

E a primeira pergunta que importa fazer neste debate é esta: que consequências é que se considera ou

define que devem ter essas participações e esses contributos? Eu pergunto mais: que espaço, que abertura, no

próprio processo de decisão política a nível da União Europeia, é deixado para esse debate consequente ou,

melhor dito, para a própria aplicação das insuficiências, dos erros, do ataque à soberania nacional que lá, a

montante, em Bruxelas, se está a apontar relativamente a estes instrumentos, em termos de financiamento

comunitário?

Quando temos um processo de debate, todo ele, desenvolvido nas costas dos cidadãos, mais agora do que

antes, porque abarca a situação ainda mais perversa de se promover, do ponto de vista propagandístico, toda

uma linha de comunicação assente na ideia de que agora é que esta Europa está a ouvir as pessoas, de que

agora é que esta Europa está a governar com as pessoas — e, Srs. Deputados, isso é completamente falso,

porque aquilo que está a ser discutido, aquilo que está a ser preparado, aquilo que está a ser imposto segue,

efetivamente, uma lógica de subordinação supranacional, em que nos dizem em que áreas de concentração

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temática, em que lógicas de intervenção e de políticas europeias é que temos de inserir e enformar as nossas

opções pseudossoberanas —, então, temos de apontar, como na velha história, que «o rei vai nu».

Esse genuíno processo de participação democrática não passa nem por um diálogo limitativo, de tipo

interinstitucional, que mal não faz mas que não resolve, e, do ponto de vista das consequências concretas

relativamente às decisões a tomar na tal territorialização dos investimentos, tem vindo a perder terreno de quadro

para quadro, como o Sr. Deputado Nuno Fazenda certamente reconhecerá, justamente à pala dessas

concentrações temáticas, dessas políticas prioritárias a nível europeu, em que nos dizem, à partida, «escolham

as vossas prioridades de entre estas que vos oferecemos».

Portanto, as nossas prioridades, nos territórios, nas regiões, envolvendo a população, envolvendo as

organizações locais, envolvendo os agentes do desenvolvimento, têm de passar, acima de tudo, pela

capacidade de assumirmos a liberdade e a determinação de traçar opções no quadro de um caminho de

desenvolvimento soberano.

Do nosso ponto de vista, o que a realidade demonstra é que não é isso que a União Europeia está a permitir,

bem pelo contrário, está a ser não uma parte da solução, mas uma parte do problema. E avançar com propostas

que procuram adequar este ataque que está a ser perpetrado é algo que, não agravando a situação, não

trazendo problemas acrescidos, está muito longe de apontar as respostas efetivas de que o País precisa nesta

matéria.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Almeida, para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do CDS-PP.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta iniciativa que o Partido Socialista aqui nos traz hoje é aquele tipo de iniciativa, peço desculpa e sem menosprezo pelo conteúdo,

para cumprir calendário. É que, efetivamente, acrescenta muito pouco ou nada àquilo que tem vindo a ser todo

um trabalho de discussão sobre qual deve ser a posição do Governo de Portugal e a reflexão nacional a fazer

relativamente à nossa recuperação e ao Plano de Recuperação e Resiliência.

O que devemos discutir aqui é se, do ponto de vista institucional, tudo foi feito no sentido de que este debate

se realizasse nos termos em que deveria ter sido antes da submissão a Bruxelas.

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Exatamente!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Antes de pensarmos em alargar o debate, convém percebermos se, no âmbito parlamentar, ele foi feito como deveria ter sido. E, Sr. Deputado Nuno Fazenda, não foi! Não foi!

Nós tomámos conhecimento hoje de manhã daquilo que o Governo ontem apresentou na Gulbenkian e que,

entretanto, já enviou para Bruxelas. E, como sempre dissemos, este plano tem compromissos a nível do cenário

macroeconómico, mas sobre isso não houve qualquer discussão.

Não adianta dizer que o Governo promoveu um concurso de ideias ao chamar a São Bento todos os partidos,

para que cada um dissesse o que achava que era prioritário, porque depois pôs no plano aquilo que bem

entendeu, sem voltar a falar com os partidos. E não discutiu com os partidos a relação que existe, do ponto de

vista do cenário macroeconómico, entre todas as opções e os compromissos que inscreveu no plano. Como é

que nós sabemos que aquelas propostas vão permitir o crescimento económico ou o nível de desemprego que

lá estão comprometidos? Não houve nenhuma discussão sobre isso!

Dizem os Srs. Deputados do Partido Socialista: «vamos, agora, fazer uma grande discussão nacional para

vermos como é que vamos aplicar este plano». Ó Srs. Deputados, os senhores já definiram os princípios, já

definiram os objetivos, vamos discutir o quê?! Vamos discutir o quê?! Os senhores já comprometeram o País!

Confesso que hoje, ao ouvir o Primeiro-Ministro, me lembrei de há uns anos. O Sr. Primeiro-Ministro, hoje,

estava feliz, porque a Presidente da Comissão tinha gostado muito do nosso plano. Srs. Deputados, sou do

tempo em que o Eng.º José Sócrates, Primeiro-Ministro de Portugal, dava conferências de imprensa ao lado da

Sr.ª Merkel a dizer que os PEC (Programa de Estabilidade e Crescimento) que ia trazer ao Parlamento português

eram muito bons. Espero que não voltemos a esse tempo! Espero que não voltemos ao tempo em que o Partido

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Socialista, que, na oposição, dizia que ia fazer voz grossa na Europa, no Governo, volte a uma subserviência

total, preferindo o patrocínio de outros dirigentes europeus a uma discussão séria no Parlamento de Portugal.

Essa postura é inaceitável!

Os senhores, sempre que governam, são submissos, preferem o patrocínio de quem está em Bruxelas ou

em Berlim…

Entretanto, assumiu a presidência o Vice-Presidente José Manuel Pureza.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, faça favor de concluir.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — … e não discutem no Parlamento de Portugal aquilo que têm de discutir.

Por isso, Srs. Deputados, se querem discutir alguma coisa, venham aqui, tragam as propostas e sejam

capazes de as discutir no sítio certo. O resto pode ser acrescentado, mas nunca pode estar em vez do essencial.

Protestos de Deputados do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.as e Srs. Deputados, boa tarde. Tem agora a palavra o Sr. Deputado André Ventura.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quem, de fora, pegasse neste projeto de resolução e o lesse, leria com intensidade estas palavras: «(…) uma iniciativa mobilizadora de debate

interinstitucional e de auscultação pública alargada sobre a aplicação do Plano de Recuperação da União

Europeia (…)». Quem lesse este projeto ficaria feliz por ver que o Partido Socialista usa estas palavras mais

caras para fazer um debate que não quis fazer aqui, no Parlamento de Portugal.

O mesmo Partido Socialista que quis matar os debates sobre política europeia, que quis matar os debates

quinzenais sobre política nacional, o mesmo Governo socialista que afastou o Presidente do Tribunal de Contas,

o mesmo Governo socialista que afastou tudo o que era voz incómoda vem, agora, recomendar a si próprio que

faça um debate e, relembro, a mobilização para um debate interinstitucional e de auscultação pública.

Se não é falta de vergonha, é muito perto disso. Alguém que quis matar todo o debate e toda a auscultação

vir agora dizer que quer fazer um debate e uma auscultação sobre esta matéria só pode ser brincadeira!

O mesmo partido que aumentou em mais de 30% a burocracia necessária para aceder aos programas de

apoio vem agora dizer que quer debater um programa que já está debatido, decidido e apresentado aos

portugueses.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, queira concluir.

O Sr. André Ventura (CH): — Vou concluir, Sr. Presidente. Se não fosse falta de vergonha era muito próximo disso!

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Fabíola Cardoso, do Bloco de Esquerda.

A Sr.ª Fabíola Cardoso (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda será sempre favorável à criação de mecanismos que promovam o aprofundamento do debate democrático, que alarguem o

debate político à sociedade, incluindo as entidades locais e setoriais, os parceiros económicos, as universidades,

os organismos ambientais e as associações não governamentais de todos os âmbitos.

Defendemos, desde sempre, mecanismos de democracia direta, participativa e deliberativa que permitam às

cidadãs e aos cidadãos portugueses participar na construção e no escrutínio de todas as iniciativas políticas,

sejam elas nacionais ou europeias. Cidadania ativa, bottom-up, assimetrias territoriais, impactos diferenciados

nas várias comunidades, nisso estamos de acordo.

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Hoje, apresenta-nos o PS um projeto de resolução que pretende fomentar o debate entre as instituições,

nomeadamente as de carácter territorial, e os parceiros setoriais, económicos, sociais e ambientais, as

organizações não governamentais, os organismos de promoção da inclusão social, da igualdade de género e

da não discriminação. Neste projeto de resolução, apela-se, ainda, ao envolvimento dos cidadãos em geral e

cito: «No debate sobre o diagnóstico, as prioridades e as propostas de políticas públicas para o futuro das suas

comunidades».

O Bloco de Esquerda não podia estar mais de acordo, mas o problema é que o objeto do projeto que agora

debatemos são três instrumentos de acesso aos fundos europeus do novo quadro de financiamento: o Plano de

Recuperação e Resiliência, o Acordo de Parceria e o Plano Estratégico da PAC, política agrícola comum.

Não tivesse o Primeiro-Ministro António Costa apresentado ontem, na Fundação Calouste Gulbenkian, o

esboço deste Plano de Recuperação e Resiliência que entrega já hoje em Bruxelas e esta seria uma discussão

muito mais verdadeira.

Consultas alargadas?! Processos mobilizadores?! Agora?! Não, Srs. Deputados. O que este projeto de

resolução pretende fazer é apenas cumprir calendário e requisitos procedimentais, fazendo de conta que

ouvimos todos, quando, afinal, as decisões já estão tomadas.

Tivesse o Ministério da Agricultura respondido de modo diferente quando, no dia 20 de abril, o Bloco de

Esquerda o questionou sobre o Plano Estratégico da PAC e esta discussão podia fazer muito mais sentido.

Já nessa altura defendemos, e cito, que «o desenvolvimento do plano estratégico português deve ser aberto,

participado e plural, de forma a responder da melhor maneira aos desafios inerentes a uma produção agrícola

acessível e adequada para todas as pessoas, contribuindo para a resiliência do território e garantindo direitos e

rendimentos justos aos trabalhadores do setor, enquanto preserva a biodiversidade e o clima.» Mas isto foi no

dia 20 de abril!

Ainda iremos a tempo de envolver as entidades locais e setoriais, as associações e as pessoas?! Será

agora?! Ou também este plano já está desenhado e a caminho de Bruxelas?

A ser ainda possível, é desejável que esta iniciativa do Governo decorra em condições de plena equidade e

transparência. Assim, deve ser o mais descentralizada possível, de modo a chegar a todo o território e a todas

as pessoas da forma mais simplificada possível, traduzindo os tecnicismos burocráticos do «europeiês», de

modo a garantir que é verdadeiramente entendida por todas e por todos e que é acompanhada, também, de

recursos humanos e técnicos para que seja exequível e não uma mera proclamação de intenções.

Não devemos, com os fundos europeus, como no caso das eleições nas CCDR, brincar à democracia.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, a Sr.ª Deputada Emília Cerqueira.

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, gostava de deixar uma nota quanto ao título que vemos e que, aliás, agrada ao PSD. O título é este: «Iniciativa mobilizadora de debate

interinstitucional e de auscultação pública alargada sobre a aplicação do Plano de Recuperação da União

Europeia (Next Generation EU), do Acordo de Parceria e do Plano Estratégico da PAC (PEPAC) 2021-2027».

Dito isto, a piada desta discussão toda é que não foi trazida por nenhum partido da oposição. É o partido do

Governo que finge que quer diálogo com o Governo que ele próprio tem!

Srs. Deputados, não posso deixar de fazer esta pergunta: perante esta contradição insanável, é o PS que

acha que deve haver auscultação, em contraponto com a «teoria do homem só» do António Costa, que,

inclusive, acha que um único «vidente» pode preparar o Plano de Recuperação e Resiliência do País?! É isso,

Srs. Deputados?!

Volto a dizer que, se não fosse um projeto do PS, parecia ser uma coisa a sério.

O PSD considera que, de facto, é muito importante discutirmos o próximo plano financeiro plurianual, seja o

Next Generation EU, seja o Plano de Recuperação e Resiliência, seja a nova PEPAC. Mas, obviamente, há um

senão relativamente a esta discussão: é que o plano já foi entregue ontem.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Pois!

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A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Isso é logo um senão. Para além das boas intenções deste título, como nos parece que já estamos a ter esta discussão, ou a

intenção de tê-la, tarde demais, não podemos deixar de chamar a atenção para algumas coisas que se estão a

passar no que diz respeito a estes três pacotes fundamentais para o futuro de Portugal, que, aliás, podem ser

uma última oportunidade para Portugal, de facto, se desenvolver.

O PSD ouve todos os dias discutir-se «quanto» e «quando», ou seja, quanto temos para gastar e quando

vamos gastar, mas muito poucas vezes ouvimos «como» e «em quê». Ou seja, não se discute como devem ser

aplicados e se são bem ou mal aplicados os fundos. Sobre isso, ninguém fala. Não se discute qual o valor, qual

o apport que vai trazer para o desenvolvimento do País e para fazer face à crise provocada pela COVID-19.

A COVID-19 não pode servir de desculpa para os atrasos a que temos vindo a assistir nos últimos anos.

Esse é um facto indesmentível para todos nós. Essa é a nossa grande preocupação: a sua aplicação efetiva, o

«como» e o «em quê», porque é isso que nos tem de congregar a todos, não é o «quando».

Permitam-me um aparte: isso é como termos um problema de saúde, termos um dinheiro amealhado e

decidirmos gastá-lo num qualquer Spa em vez de no procedimento cirúrgico que nos faz falta.

Portanto, em relação a «gastar», depende de como se gasta o que temos, e não vemos essa discussão.

Mesmo naquilo que vemos, que é o Plano de Recuperação e Resiliência que apresentaram à União Europeia,

vemos uma aposta fortíssima, ou, melhor dizendo, um gasto esmagador em políticas públicas. É tudo para o

setor público! Canaliza-se tudo para o setor público, sem uma visão efetiva de desenvolvimento do nosso tecido

empresarial, de boas práticas no território e da tal territorialização, tão importante, que bate com a coesão

territorial fundamental. Vemos, sim, sempre e constantemente, o território chamado «do interior» ficar para trás

e cada vez mais para trás, porque essa territorialização, tão bonita nos discursos, não a vemos passar para a

realidade. Essa é uma das preocupações do PSD.

Sr.as e Srs. Deputados, temos um pacote, como o próprio Primeiro-Ministro anunciou, de cerca de 47 mil

milhões de euros, da União Europeia — estou a falar dos diversos fundos que estão em discussão neste projeto

de resolução — e a verdade é que temos de aplicá-los bem. Temos de ser corajosos.

Protestos da Deputada do PS Joana Sá Pereira.

Temos de encarar um novo paradigma para que esses fundos, de facto, sejam a tal oportunidade de que

Portugal precisa. Nos últimos cinco anos, presumo que por causa das «esquerdas unidas», que estão numa

agenda de não-desenvolvimento, temos assistido a uma agenda de navegação à vista. Não percamos mais

tempo e recuperemos o tempo perdido destes últimos cinco anos.

Bem sabemos que esta é a pior altura para o PSD estar a chamar-vos à responsabilidade porque estão em

negociações do Orçamento, nas sombras, nos gabinetes, mas esperamos que o PS, para além destes projetos

de resolução, que nos parecem bem-intencionados, faça aquilo que é suposto fazer: ver o território e ver as

necessidades, desenvolvendo o País.

O PSD, minhas senhoras e meus senhores, se for para aquilo que é o melhor para o País, estará sempre ao

lado da solução. Essa sempre foi a nossa atitude responsável. Basta pensar que, no Parlamento Europeu, foram

os nossos Eurodeputados que mais lutaram por este pacote, para que ele viesse para Portugal. É importante

que isso fique claro e dito: foram eles os principais protagonistas da luta quer pelos fundos de coesão, quer pelo

pacote de resiliência, quer pelo plano plurianual, quer pelo PEPAC.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada, queira concluir.

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Vou mesmo terminar, Sr. Presidente. Portanto, se for para isso, contem connosco. Auscultar, sim; auscultar fora do prazo, eu lamento.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — O Sr. Deputado Nuno Fazenda, do Partido Socialista, tem ainda 1 minuto e 57 segundos para intervir nesta fase. Tem, depois, os 2 minutos de encerramento. A Mesa sinalizará

quando iniciar o tempo do encerramento.

Tem a palavra, Sr. Deputado, para uma intervenção.

O Sr. Nuno Fazenda (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por comentar a intervenção do Sr. Deputado João Almeida do CDS, que nos diz que este projeto acrescenta muito pouco. Mas acrescenta muito

pouco porquê?! Discorda do debate? Discorda que se debatam ideias?

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Isso é extemporâneo!

O Sr. Nuno Fazenda (PS): — Já agora, deixe-me só colocar mais uma questão: já comprometeram o País?! Talvez o Sr. Deputado tenha estado desatento à leitura do projeto de resolução. Vou explicar-lhe: primeiro,

o Plano de Recuperação e Resiliência é apenas uma parte dos fundos europeus, não é o todo; segundo, este

Plano de Recuperação e Resiliência foi debatido na Assembleia da República, com o Primeiro-Ministro e, há

dois dias, com dois ministros. Ou seja, tem vindo a ser debatido.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Este não foi!

O Sr. Nuno Fazenda (PS): — Mais: este Plano de Recuperação e Resiliência tem, por base, documentos estratégicos, como o PNPOT (Programa Nacional da Política do Ordenamento do Território), agendas 2030, que

tiveram debate alargado. Tudo isso aconteceu com grande debate!

De facto, hoje, o que foi apresentado foi apenas um draft, uma primeira versão, como foi dito, um documento

evolutivo e a sua última versão será entregue até abril do próximo ano. Portanto, o documento está em aberto,

está para discutir.

O que se lamenta é só o seguinte, Sr. Deputado: é que, na verdade, não ouvimos uma ideia da parte do

CDS. Uma ideia!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — O Primeiro-Ministro ouviu!

O Sr. Nuno Fazenda (PS): — Ontem, por exemplo, falava um colega seu a propósito de um PowerPoint, que não é um PowerPoint, como sabe, é um documento mais denso que existe sobre o Plano de Recuperação e

Resiliência. O ponto aqui é que, da vossa parte, nem um slide, nem uma folha! Escrevam alguma folha com uma

ideia! Isso era útil para o debate.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Isso não é verdade! O Primeiro-Ministro recebeu as nossas ideias!

O Sr. Nuno Fazenda (PS): — Vir aqui criticar sem o mínimo de sustentação é que nos parece, de facto, muito, muito pobre. Isto, tinha de dizer-lhe.

Também devo falar-lhe desta visão centralista que os senhores têm,…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Centralista?!

O Sr. Nuno Fazenda (PS): — … de não querer ouvir as regiões, conforme estavam a discutir. É uma coisa muito curta, que não queria deixar de dizer-lhe.

Mas, da próxima vez, tragam para o debate umas ideias, porque, de facto, isso foi muito pouco contributo.

Relativamente à Sr.ª Deputada Emília Cerqueira, que também nos disse que o documento já foi entregue e

que já está tudo fechado, queria dizer que não está fechado. Como acabei de dizer, Sr.ª Deputada, ele está em

aberto, é um draft, é uma primeira versão.

E não é só este documento, o Acordo de Parceria também está em aberto, como, de resto, também está em

aberto o plano estratégico…

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O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, informo-o de que a Mesa assume que, a partir de agora, entrou no tempo de encerramento.

Pode continuar.

O Sr. Nuno Fazenda (PS): — Muito bem, Sr. Presidente, muito obrigado. Portanto, há espaço para debater, conforme está claro para todos.

Quanto aos atrasos no atual Portugal 2020, Portugal tem das maiores execuções a nível europeu e não vai

haver hiato nos fundos comunitários.

Daquilo que se está a planear, o Governo já assegurou três coisas fundamentais: o Portugal 2020 está em

execução até 2022…

Protestos da Deputada do PSD Emília Cerqueira.

Não! É que disse que há atrasos na execução!

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Não falei disso.

O Sr. Nuno Fazenda (PS): — Segundo, falou do interior.

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Disso, falei.

O Sr. Nuno Fazenda (PS): — Tem havido uma agenda para o interior. Repito, tem havido uma agenda para o interior. Tem havido vários avisos de concursos com discriminação positiva para o interior, e ainda bem, o que

tem de ser reforçado. Mais: no Plano de Recuperação e Resiliência isso está previsto, tal como vários

investimentos, designadamente nas rodovias, para o interior.

São estas as notas que queria deixar e, como creio que já estou a utilizar o meu tempo de encerramento,

queria só dizer que, de facto, o Governo fez o trabalho de casa que tinha a fazer, mobilizou o maior pacote de

fundos europeus de que há memória, desenvolveu estratégias, fez debates e tem estado à frente no tempo.

Nesse sentido, Portugal não tem um vazio nos fundos e as instituições e as empresas não vão deixar de ter

fundos comunitários.

Gostaria também de responder ao Sr. Deputado André Ventura, mas ele está presente. Aliás, o Sr. Deputado

André Ventura tem esta questão de faltar muito a estas reuniões. Mas, não estando cá, enfim, é o que é possível.

É pena que não esteja.

Quanto ao PAN, digo apenas que, na verdade, a transição energética, a transição ambiental e a eficiência

energética são matérias que estão previstas e que não deixarão de o estar neste Plano de Recuperação e

Resiliência.

Por fim, quanto à intervenção do Sr. Deputado Bruno Dias, do Partido Comunista Português, acreditamos

que há balizas de fundo mas os Estados-Membros têm margem para poder definir as suas prioridades.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, queira concluir.

O Sr. Nuno Fazenda (PS): — Este é um contributo. Esperemos que todos possam, agora, dar um contributo para o debate, designadamente o CDS, que, de facto, não conseguiu acrescentar nem uma ideia.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Srs. Deputados, vamos passar ao quarto ponto da nossa ordem de trabalhos, que consiste na discussão do Projeto de Resolução n.º 298/XIV/1.ª (PSD) — Compromisso de

cooperação para o setor social e solidário.

Para apresentar esta iniciativa, tem a palavra, em nome do partido proponente, a Sr.ª Deputada Carla

Madureira.

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A Sr.ª Carla Madureira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O setor social e solidário é um pilar da sociedade portuguesa e do Estado social em qualquer conjuntura.

Temos ainda bem presente o papel insubstituível desempenhado pelas instituições sociais no amortecimento

dos efeitos devastadores nas famílias e nos mais vulneráveis provocados pela crise financeira que abalou o

nosso País.

Em plena situação de emergência sanitária COVID-19, uma vez mais o setor social e solidário esteve e está

na frente da batalha, ao lado dos portugueses, cuidando dos idosos, amparando as famílias e servindo de

almofada social e de instrumento de apoio à recuperação económica do País.

As instituições sociais estão de norte a sul do País, no interior, no litoral e nas ilhas, conhecem as

necessidades e as fragilidades das comunidades e contribuem, pela sua ação, para o desenvolvimento e a

coesão social e do território.

Prosseguem respostas dirigidas aos idosos, aos jovens e crianças, pessoas com deficiência, com doença

mental, com comportamentos aditivos, pessoas, famílias e comunidades vulneráveis, substituindo e

complementando o papel do Estado social.

O espírito de missão e humanismo, de solidariedade e entrega são a sua matriz. Um ideário que nem sempre

tem correspondência por parte do Estado nem no tempo, nem na forma ou nos fluxos financeiros.

Vemos estas instituições mergulhadas em enormes dificuldades, em desequilíbrios orçamentais que colocam

em causa a sua sustentabilidade futura, fruto do continuado subfinanciamento das respostas sociais.

Ouvimos há dias, nesta Câmara, um Deputado da bancada do PS dizer que o Governo aumentou em 90

milhões de euros os valores da cooperação entre 2015 e 2018, mas não deixamos de ler também um estudo da

Universidade Católica que diz, taxativamente, que o financiamento público às IPSS diminuiu entre 2016 e 2018.

Não é o PSD que o diz, é quem estuda estas matérias!

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A propaganda ilude, mas não paga contas!

O PS enche o peito para dizer que aumenta o financiamento ao setor social e solidário, mas no País real

vemos as instituições mergulhadas em dificuldades e lemos estudos que dizem precisamente o contrário.

O PS diz que aumenta o número de médicos e enfermeiros no Serviço Nacional de Saúde e todos sabemos

o estado em que se encontram os cuidados de saúde primários e a atividade assistencial aos doentes não

COVID-19.

O PS proclama que contrata mais funcionários para as escolas e todos vemos o que lá se passa. E teríamos

aqui tantos mais exemplos para deixar.

Numa adenda ao Compromisso de Cooperação para o Setor Social e Solidário, o Governo atualizou estes

acordos em 3,5% e, posteriormente, reforçou o financiamento dos lares e do apoio domiciliário em 5,5%. Ainda

assim, estes valores estão longe de repercutir os custos efetivos de funcionamento das respostas sociais

protocoladas.

Estamos a falar do acréscimo brutal dos custos com a adaptação dos equipamentos sociais, com a

necessidade de mais recursos humanos, com os equipamentos de proteção individual e com a implementação

de outras medidas preventivas de contágio da COVID-19 face às recomendações das autoridades competentes.

O projeto de resolução que aqui apresentamos preconiza a atualização extraordinária da comparticipação

financeira no âmbito do compromisso de cooperação que anule o diferencial relativamente ao custo efetivo que

as respostas sociais representam para as instituições.

Para que as IPSS possam assegurar o cumprimento das responsabilidades que assumem com o Governo,

com os seus utentes e as famílias, defendemos a celebração atempada dos acordos de cooperação.

Impõe-se, também, o pagamento pontual das comparticipações financeiras devidas pela segurança social,

por força dos acordos de cooperação celebrados.

Para quem tanto preconiza e defende o Estado social não é pedir muito.

Ao contrário do que ouvimos há dias nesta Casa, a atualização extraordinária da comparticipação financeira

no âmbito do compromisso de cooperação não é uma benesse ou um prémio às instituições sociais; é, acima

de tudo, corresponsabilidade, verdade e transparência numa relação de parceria. É não abusar de posição

dominante.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem agora a palavra, em nome do PS, a Sr.ª Deputada Cristina Mendes da Silva.

A Sr.ª Cristina Mendes da Silva (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, em relação ao Projeto de Resolução n.º 298/XIV/1.ª, do PSD, que visa um compromisso de cooperação para o setor social e solidário,

importa referir o seguinte: em primeiro lugar, que os apoios financeiros às IPSS não se esgotam nas

comparticipações financeiras decorrentes de acordos de cooperação celebrados com o Instituto de Segurança

Social; em segundo lugar, desengane-se quem pensar que foi preciso o PSD lembrar-se deste projeto de

resolução para que o Governo e o Partido Socialista valorizassem o setor social como um importante pilar da

sociedade portuguesa.

O Partido Socialista sempre assumiu os seus compromissos com o setor social, promovendo novos acordos,

renovando os existentes e impulsionando a cooperação entre o Estado e as instituições.

Senão, vejamos: o Governo de Passos Coelho o que fez, como aposta nesse setor, foi aumentar o número

de camas por quarto para reduzir comparticipações. Nessa ânsia de cortes, diminuiu o número de técnicos da

segurança social e cortou as prestações sociais, em especial refira-se a violência do corte no complemento

solidário para idosos, mas, neste momento, o PSD roga-se o direito de roubar a autoria da renegociação do

compromisso de cooperação.

O Governo socialista sempre apostou no Estado social e na economia social e, para vosso conhecimento,

em 2017, 2018, 2019 e 2020 foram promovidos aumentos na comparticipação financeira das IPSS.

O Compromisso da Cooperação para o Setor Social e Solidário para o Biénio 2019-2020, assinado em julho

de 2019, garantiu um aumento de 3,5% da comparticipação financeira ao setor social, o maior aumento desde

2009.

Neste ano, devido à resposta à COVID-19, os acordos de cooperação com o setor tiveram um aumento de

comparticipação financeira de 5,5% para as respostas sociais mais afetadas pela pandemia. A saber: serviços

de apoio ao domicílio, estruturas residenciais para pessoas idosas, lares residenciais, entre outras.

Mas não aumentámos apenas as comparticipações financeiras, aumentámos também os apoios à

construção e renovação de equipamentos com o programa PARES (Programa de Alargamento da Rede de

Equipamentos Sociais) e reforçámos as vagas alvo de comparticipação financeira através do PROCOOP

(Programa de Celebração ou Alargamento de Acordos de Cooperação para o Desenvolvimento de Respostas

Sociais). O PROCOOP, que garantiu a transparência na atribuição destas verbas, promoveu, desde 2016, um

aumento de 23% das verbas de cooperação, atingindo, em 2020, uma verba global de 1,6 milhões de euros, ou

seja, um aumento quase três vezes superior ao verificado no Governo do PSD — percebemos que acrescentar

camas sai mais barato do que garantir respostas sociais de qualidade!

Aplausos do PS.

Através do PARES está a proceder-se ao alargamento da rede de creches com 7000 novas vagas, mas,

como é esforço contínuo, foi lançado hoje o terceiro aviso do PARES com uma dotação de 110 milhões de euros

para o alargamento da rede de equipamentos sociais, através da construção ou requalificação de creches,

residenciais para idosos, centros de dia, lares residenciais e centros de atividades ocupacionais para pessoas

com deficiência.

Mas o Governo do Partido Socialista também implementou o seguinte: Programa Nacional de Rastreio para

120 000 funcionários; reforço dos EPI (equipamentos de proteção individual) com uma dotação de 1,3 milhões

de euros; Adaptar Social+, com 10 milhões de euros; medida de apoio ao reforço de emergência para 6800

pessoas em 1000 instituições; protocolos com a Cruz Vermelha, com a CASES (Cooperativa António Sérgio

para a Economia Social); isenção do IVA; mercado social de emprego, onde destaco o Programa MAREESS

(medida de apoio ao reforço de emergência de equipamentos sociais e de saúde), o Programa de Parcerias

Locais para o Emprego e Formação, o CEI (Contratos Emprego-Inserção), e o CEI+, que tantas oportunidades

deram de empregabilidade a tanta gente desempregada de longa duração; e o Programa Nacional Radar Social,

que recrutou 3000 jovens.

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Por isso, não é percetível a pretensão do PSD ao apresentar este projeto de resolução quando o Governo

do Partido Socialista tudo tem feito para acompanhar o esforço e o trabalho das instituições particulares de

solidariedade social, reforçando as medidas, os esforços e os apoios, sobretudo se pensarmos que, mesmo

num momento tão difícil, foram respeitadas e reforçadas as redes sociais que se empoderaram e empoderaram

os seus parceiros em cada território e que, juntos com o Governo, estão a conseguir não só lutar contra esta

pandemia mas a tudo fazer para melhorar e assegurar as respostas sociais necessárias em todo o País.

Tudo isto em prol das pessoas, principalmente das pessoas mais frágeis. Estas são as respostas a um Estado

social forte e eficiente. O Partido Socialista tem um compromisso com os portugueses: nunca deixar ninguém

para trás.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Diana Ferreira.

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Gostaria de começar esta intervenção com uma saudação aos trabalhadores do setor social, que têm realizado várias ações de luta nos últimos dias,

e uma saudação especial para os trabalhadores das misericórdias, que estão hoje numa concentração junto ao

Ministério do Trabalho, denunciando os baixos salários que se perpetuam no tempo, a não valorização da sua

especialização e do seu conhecimento, a imposição, que teve lugar por parte das instituições, de longas jornadas

de trabalho — 10, 12, 24 horas seguidas e 7, 14 dias consecutivos —, tendo sido estes trabalhadores impedidos

pelas suas entidades patronais, as instituições de que hoje aqui falamos, de prestar assistência aos seus filhos.

São estes trabalhadores, que são considerados também dos serviços essenciais no atual contexto, que

estiveram e que estão na linha da frente. São os trabalhadores destas instituições, de que hoje aqui falamos,

que cuidam das crianças, dos jovens, dos idosos, das pessoas com deficiência e que garantem o

acompanhamento de grupos sociais em situações de especial vulnerabilidade. Sem estes trabalhadores não há

instituição que funcione e é a estes trabalhadores que o PSD não dedica uma única palavra na sua iniciativa.

Em concreto, o que o PSD aqui propõe, no fundo, é o alargamento dos acordos de cooperação existentes e

o cumprimento de medidas que o Governo já deveria ter executado.

Lembramos aqui, Sr.ª Deputada Carla Madureira, que o PCP propôs o reforço do número de trabalhadores

para as IPSS, trabalhadores com direitos, naturalmente rejeitando a contratação com vínculos precários, de

trabalhadores desempregados via programas CEI ou CEI+. Na nossa iniciativa, tínhamos um artigo sobre o

financiamento às instituições e sobre os acordos de cooperação, onde propúnhamos que as medidas de reforço

de trabalhadores em equipamentos sociais fossem financiadas pelo Orçamento do Estado, sendo os respetivos

montantes transferidos para a segurança social, e, no caso da conversão dos contratos de trabalho no sentido

do vínculo efetivo, garantindo direitos, salários e descontos a estes trabalhadores, quando estivesse em causa

o exercício de funções em equipamentos sociais abrangidos por acordos de cooperação com a segurança social,

estes seriam considerados no âmbito do respetivo acordo de cooperação, devendo refletir o valor

correspondente aos montantes despendidos com a remuneração dos trabalhadores em causa. Em relação a

esta iniciativa de reforço de trabalhadores nestas instituições, que é uma necessidade reconhecida, e ao

respetivo reforço no financiamento por parte da segurança social, o PSD votou contra. Votou contra uma

iniciativa que resolvia um alargado conjunto de problemas das instituições que os senhores hoje dizem estar a

defender. Essa iniciativa reforçava o número de trabalhadores e garantia as condições para que as instituições

mantivessem esses mesmos trabalhadores.

Quando propusemos aqui um regime de apoio às famílias na frequência de equipamentos de apoio à infância,

considerando a resposta urgente no contexto do País, em que propúnhamos o alargamento de vagas em

creches e em acordos de cooperação, o voto do PSD contribuiu para rejeitar também esta proposta do PCP,

que garantia às famílias um conjunto de benefícios face à situação em que estavam, nomeadamente na redução

das mensalidades e também no impedimento da anulação da matrícula por incumprimento por parte das

famílias, considerando as situações de desemprego e de despedimento.

Importava que o PSD dissesse o que pretende com esta iniciativa, Sr.ª Deputada, nomeadamente no que se

refere à alínea b) deste mesmo projeto de resolução: é repetir o que fizeram no passado, abrindo vagas nos

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lares não considerando as condições das instituições, em que quartos individuais foram transformados em

duplos, quartos duplos em triplos, em que colocaram as IPSS a rebentar pelas costuras? Ou é voltar a transferir

e a carregar ainda mais sobre as IPSS responsabilidades que não são suas porque têm de ser, primeiramente,

assumidas pelo Estado, Sr.ª Deputada?

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada Diana Ferreira, tem de concluir.

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Vou mesmo terminar, Sr. Presidente. O PCP entende que a ação destas instituições é, efetivamente, importante, mas como complemento das

respostas públicas a que o Estado está obrigado constitucionalmente e não na sua substituição ao Estado.

Toda esta realidade não pode servir, como tem servido ao longo dos anos, para o Estado se

desresponsabilizar das suas funções sociais.

O caminho não pode ser o de um aprofundamento desta desresponsabilização, o caminho tem de ser o da

criação de respostas públicas, para servir todos, de forma universal e em condições de igualdade.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A próxima intervenção cabe ao PAN. Tem a palavra, para o efeito, a Sr.ª Deputada Bebiana Cunha.

A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: De facto, a importância estratégica do setor social e solidário tem sido reconhecida pelo Estado e está assente numa partilha de objetivos, interesses

comuns e repartição de obrigações e responsabilidades entre cada uma das partes.

Sabemos bem que o objetivo maior é que, através de uma rede de respostas integradas, se garanta a

cobertura nacional e equitativa dos serviços e dos equipamentos sociais. Para isso, é fundamental que o Estado

e os restantes parceiros garantam, de forma transparente e rigorosa, a sustentabilidade das instituições e os

projetos de intervenção.

As organizações de economia social detêm um papel fundamental, complementar ao Estado, na capacidade

diversificada de resposta às necessidades das pessoas e das comunidades. Falamos de respostas como o

acolhimento de crianças e jovens, o apoio à integração e formação de pessoas com incapacidades ou limitações,

cuidados de saúde, redes solidárias de educação pré-escolar, entre tantas, tantas outras. Sem a intervenção

das entidades da economia social, muitas das respostas públicas ficarão por dar.

Mas estas entidades também precisam que os seus recursos, os seus meios, os seus projetos e os seus

profissionais tenham estabilidade e continuidade no tempo, para não defraudar a confiança e as expectativas

dos seus utentes e para que os seus profissionais não sintam que não são reconhecidos nem apoiados.

A relação de compromisso entre o Estado e estas entidades tem de ser pautada por isto mesmo. Os

profissionais destas instituições dão o seu melhor, ultrapassam, muitas vezes, as suas obrigações para não

falharem aos utentes, mas estão cansados, Sr.as e Srs. Deputados.

Por causa deste desgaste, perdemos excelentes técnicos, perdemos excelentes profissionais, perdemos

trabalho feito e perdemos a confiança estabelecida pela população.

Não se pode pedir, e muito menos exigir, que se continue a responder às necessidades diárias da

comunidade sem que existam meios e estabilidade para o fazer. E são precisas respostas novas também, Sr.as

e Srs. Deputados, respostas novas a problemas antigos e a problemas atuais. Sabemos que vivemos tempos

excecionais, em que é preciso equilibrar soluções tradicionais com respostas sociais inovadoras.

Mas há um outro aspeto para o qual o PAN tem, constantemente, alertado. O Governo tem criado linhas de

financiamento a instituições particulares de solidariedade social ou a entidades equiparadas a micro ou

pequenas empresas e tem deixado de lado instituições de utilidade pública. Naquele que é o mote que tem,

reiteradamente, vindo a ser reforçado, de «não deixar ninguém para trás», que tanto tem sido aplicado durante

esta crise, há que incluir estas entidades de utilidade pública nestas respostas sociais, que não podem ficar de

fora.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem de concluir, Sr.ª Deputada.

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A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — As entidades de utilidade pública não podem ficar de fora destes apoios nem as pessoas podem ficar sem estas respostas sociais.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, em nome do CDS-PP, o Sr. Deputado João Almeida.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Queria, em primeiro lugar, cumprimentar o PSD por esta iniciativa. Não se trata de um cumprimento de circunstância, mas de um

cumprimento de substância, porque nos revemos na iniciativa. Aliás, já temos apresentado também iniciativas

no mesmo sentido.

Infelizmente, o problema das instituições particulares de solidariedade social, neste ano, não começou com

a pandemia, começou com o Orçamento do Estado. Foi o Orçamento do Estado, aprovado por PS, PCP, Bloco

de Esquerda e Os Verdes, que criou um enorme problema a essas instituições. Porquê? Pela incoerência entre

a revisão do montante da retribuição mínima garantida, do salário mínimo, e a revisão da comparticipação do

Estado nos acordos de cooperação. Ou seja, sabendo-se que as despesas com pessoal têm, nas IPSS, em

média, um peso de 70%, o PS, o PCP, o Bloco de Esquerda e Os Verdes aumentaram a retribuição mínima

garantida em 6% e aumentaram os acordos de cooperação em 3%, isto é, cerca de metade.

O que acontece é que as instituições particulares de solidariedade social, que já tinham problemas de

tesouraria por todas as obrigações que têm de cumprir, ficaram em situação de rutura. E isto não foi o CDS que

inventou. Isso foi dito pelo Sr. Presidente da CNIS (Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade) e

pelo Sr. Presidente da União das Misericórdias Portuguesas ao Sr. Presidente da República. Tal era a gravidade

da situação que ambos se dirigiram ao Presidente da República para o alertarem.

Com o surgimento da pandemia, naturalmente, a situação piorou. A situação piorou porque a pressão sobre

os lares é maior, a articulação entre a saúde e a segurança social não só continuou a não existir como, nalguns

casos, se agravou, pela total falta de operabilidade das instâncias de saúde, para poderem responder aos

requisitos dos lares.

Surgiu, depois, outro problema. É que, na primeira resposta, quando foram precisos equipamentos de

proteção individual e quando foram precisos testes em quantidade suficiente, se não fossem as autarquias e as

próprias IPSS, os idosos tinham ficado completamente ao abandono. Portanto, é fundamental, novamente,

lembrar que foram as autarquias e as IPSS que valeram quando o Estado central falhou em absoluto. O mesmo

Estado central que aparece agora com umas brigadas, em versão reduzida em relação àquilo que tinha

apresentado inicialmente, ao fim de mais de seis meses. Ou seja, o Estado central, o Governo, continua atrasado

na resposta aos idosos. E, pior, continua a não cumprir aquilo que era fundamental cumprir do ponto de vista

orçamental. E aí não é só o Governo o responsável, mas sim o PS, o PCP, o Bloco de Esquerda e Os Verdes,

que sabiam perfeitamente, quando aprovaram o último Orçamento do Estado, que estavam a criar um problema

grave às IPSS.

É com iniciativas como a que o CDS apresentou na semana passada e como a que o PSD apresenta hoje

que podemos, efetivamente, resolver esse problema.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado José Soeiro, do Bloco de Esquerda.

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em Portugal, a rede de equipamentos sociais tem cerca de 11 000 equipamentos, que servem, dão uma resposta social a 400 000

pessoas. A esmagadora maioria desses equipamentos, que são do setor privado e social, são IPSS. Estas IPSS

existem, basicamente, porque o Estado as financia. Ou seja, há uma espécie de sociedade civil secundária, que

foi impulsionada pelos acordos de cooperação da segurança social. São 1500 milhões em cada ano — no último

Orçamento do Estado cerca de 1500 milhões — que são transferidos do Orçamento do Estado para as IPSS,

para estas respostas sociais.

Na verdade, no nosso enquadramento normativo, os cuidados sociais foram remetidos para o campo da

solidariedade, foram enquadrados no princípio da subsidiariedade e, portanto, não foram codificados como um

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direito. Ou seja, o Estado subtraiu-se da provisão pública de respostas tão importantes como a resposta para a

infância, como as creches, os lares de idosos, equipamentos na área da deficiência ou centros de dia para

pessoas idosas.

Para o Estado, há uma vantagem nesta retirada da provisão pública, que é o facto de pagar menos do que

aquilo que gastaria se assumisse a responsabilidade. Mas as consequências são pesadas, quer para os

trabalhadores, quer para a população, porque sabemos que existe uma enorme escassez de oferta. Para dar

apenas um exemplo, no campo de cuidados a pessoas idosas, só 12,8% das pessoas idosas têm acesso a uma

resposta da rede de equipamentos sociais — são dados oficiais do diagnóstico social. E, além dessa escassez

de oferta, o facto de estes cuidados não serem constituídos como um direito, não permite que as pessoas

possam reivindicar a sua realização por parte do Estado.

O Sr. Jorge Costa (BE): — Muito bem!

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Mais ainda, os trabalhadores das IPSS têm salários muito baixos, são profundamente desvalorizados e têm uma sobrecarga laboral que não tem qualquer compensação.

Se compararmos as mesmas funções no setor público e no setor privado, vemos diferenças salariais da

ordem dos 100 €, por exemplo, no campo do apoio social. Por isso, a consequência desta privatização, desta

externalização das respostas sociais, é a precariedade, a desvalorização social.

O Estado é um Estado que financia, é um Estado que fiscaliza, é uma espécie de Estado multibanco, mas

que, na verdade, não consegue garantir nem a universalidade do acesso nem a qualidade dos cuidados

prestados.

Outra consequência da realidade que temos é a proliferação de respostas clandestinas. Não é por acaso

que, em Portugal, a escassez de oferta pública e o facto de a oferta privada não ser acessível para a maioria

das famílias faz com que haja 35 000 pessoas a residir em lares clandestinos.

Já propusemos, neste Parlamento, que, na negociação que o Governo faça dos acordos de cooperação, se

possam introduzir critérios que revejam, naturalmente, as verbas, mas que tenham como contrapartida o respeito

por condições laborais, o combate à precariedade. Não faz nenhum sentido o Estado ter, por exemplo, integrado

as amas que estavam na segurança social a falso recibo verde e continuar a financiar IPSS que têm amas a

fazerem as mesmas funções e que continuam num regime ilegal, de falso recibo verde, sem ver o seu contrato

reconhecido.

O Sr. Jorge Costa (BE): — Muito bem!

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — É importante que, também nessa revisão dos acordos de cooperação, se harmonizem as condições laborais e salariais entre os trabalhadores do setor público e os trabalhadores das

IPSS. E, sobretudo, não podemos continuar a aceitar que o reforço do pessoal, dos trabalhadores, nas respostas

sociais, como aconteceu nos lares, seja feito à custa de contratos de emprego-inserção. Estamos a falar de 15

000 trabalhadores que o Governo anunciou que iam trabalhar para os lares, sem um contrato de trabalho, sem

um salário, com uma bolsa que soma ao subsídio de desemprego. É indefensável!

E, independentemente ou paralelamente a esta revisão dos acordos de cooperação, precisamos, sim, de

investir numa rede pública de cuidados sociais, de respostas sociais.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, queira concluir.

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Precisamos — e com isto termino, Sr. Presidente — de repensar profundamente o próprio modelo de intervenção e de institucionalização.

Creio que este é o desafio principal que se coloca e ao qual o Bloco de Esquerda pretende responder.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — O PSD dispõe ainda de 54 segundos para intervir e como, a seguir, dispõe também do tempo de encerramento do debate, se não houver oposição, procederemos da mesma

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forma que procedemos no ponto anterior, pelo que, de seguida, a Sr.ª Deputada Carla Madureira utilizará 2

minutos e 54 segundos. A Mesa informará quando entrar no tempo de encerramento.

Tem, pois, a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Carla Madureira.

A Sr.ª Carla Madureira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ficou esta tarde claro — e bem claro — o papel insubstituível que o setor social tem na comunidade portuguesa, o contributo inestimável que

as IPSS e todo o setor social dão a uma comunidade e a importância que têm para o desenvolvimento e a

coesão do território.

Sr.ª Deputada Cristina Mendes da Silva, realmente, veio fazer aquilo que o Partido Socialista tem feito muito

bem, que é pintar um País muito cor-de-rosa, mas a verdade, nua e crua, não é esta. O que está a acontecer,

principalmente no setor social, não é a verdade cor-de-rosa que a Sr.ª Deputada aqui veio pintar. E por muito

que a propaganda socialista se esforce, não vai conseguir rebater o irrefutável subfinanciamento crónico das

respostas sociais abrangidas pelo compromisso de cooperação, que está a empurrar as contas das instituições

para o vermelho, ano após ano, ameaçando a sua sustentabilidade a prazo.

Aplausos do PSD.

Esta realidade de que aqui falamos é muito anterior à pandemia, que foi por ela seriamente agravada e que

deixou a nu as carências dos recursos humanos, e outras, que resultam do autêntico garrote a que estas

instituições estão sujeitas.

O PS está a anunciar milhões e mais milhões, falou do programa PARES — vamos ver como vai funcionar

este programa na versão 3.0.

O que é importante reforçar é que este projeto de resolução que o PSD aqui traz hoje está a defender apenas

que o Governo celebre, atempadamente, os acordos de cooperação, pague as comparticipações acordadas

pontualmente e atualize o valor destas, tendo em conta o aumento dos custos com os recursos humanos e

outros.

Não podemos continuar a deixar as instituições sozinhas e continuar a deixar que alguns fiquem para trás e

que se continue a verificar aquilo que se está a ver, que são as dificuldades das instituições.

Sim, Sr.ª Deputada, sim, Partido Socialista, não está tudo bem no setor social. Não está tudo bem, e disso

há provas, que aqui já demos e de que já falámos esta tarde.

É bom que olhem para o setor social de outra forma e que cumpram o que realmente vêm dizer. Vamos estar

muito atentos para ver se, neste Orçamento do Estado, o que está a ser prometido e cumprido vai ser feito e

também se os partidos que têm estado ao vosso lado vão alinhar nesta estratégia, vindo aqui fazer uma coisa

e, depois, apregoar outra.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Terminámos, assim, o quarto ponto da nossa ordem de trabalhos e passamos, de imediato, ao quinto e último ponto, do qual consta a discussão, conjunta, na generalidade, dos

Projetos de Lei n.os 64/XIV/1.ª (PCP) — Garante o cumprimento efetivo dos horários de trabalho e a conciliação

do trabalho com a vida familiar e revoga os mecanismos de adaptabilidade e de banco de horas, nas

modalidades grupal e por regulamentação coletiva (16.ª alteração à Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que

aprova o Código do Trabalho), 65/XIV/1.ª (PCP) — Garante o cumprimento efetivo dos horários de trabalho e a

conciliação do trabalho com a vida familiar e revoga os mecanismos de adaptabilidade individual (16.ª alteração

à Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que aprova o Código do Trabalho), 533/XIV/2.ª (BE) — Elimina o banco de

horas grupal e, por acordo de grupo, a adaptabilidade individual e grupal e reforça a fiscalização dos horários

de trabalho (16.ª alteração ao Código do Trabalho), 534/XIV/2.ª (PAN) — Aprova medidas que garantam a

conciliação do trabalho com a vida familiar e uma maior estabilidade profissional, procedendo para o efeito à

16.ª alteração ao Código do Trabalho, à 13.ª alteração à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, e à 6.ª

alteração ao Decreto-Lei n.º 91/2009, de 9 de abril e 539/XIV/2.ª (IL) — Restabelece o banco de horas individual

(16.ª alteração à Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que aprovou o Código do Trabalho).

Para apresentar as iniciativas do PCP, tem a palavra a Sr.ª Deputada Diana Ferreira.

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A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os horários de trabalho e o seu cumprimento, o respeito pelos tempos de descanso e de lazer, a articulação da vida profissional com a vida

pessoal e familiar, o cumprimento e o pagamento das devidas compensações previstas na lei continuam a ser

hoje, acentuando-se até no atual contexto, alvo de fortes ataques, colocando-se em causa os direitos dos

trabalhadores.

Em pleno século XXI, persistem imposições de longas jornadas de trabalho, trabalho suplementar que não é

pago, uma profunda desregulação dos horários de trabalho, com consequências na vida quotidiana dos

trabalhadores, das suas famílias e na sua saúde também. Alastra, cada vez mais, o abuso da laboração

contínua, do trabalho noturno e por turnos, que, ainda na passada semana, aqui discutimos por proposta do

PCP, mas também o prolongamento ilegal de horários de trabalho, os horários concentrados, os atropelos ao

descanso semanal, as adaptabilidades, os bancos de horas individuais e grupais.

Mais horário de trabalho e menos salário — é disto que falamos. Tal como falamos de trabalhadores que não

sabem a que horas saem do seu local de trabalho ou que, muitas vezes, não sabem, com a necessária

antecedência, a que horas vão entrar; de horários comunicados e alterados em cima do acontecimento, à

vontade do patrão; de trabalhadores sujeitos a horários de 12, 14, 16 horas de trabalho diárias e a semanas de

60 horas, que se seguem umas às outras; de consequências nefastas para a saúde física e psíquica dos

trabalhadores; de mães e pais que não estão com os filhos, que não os acompanham; de crianças que são

privadas do seu direito a serem acompanhadas pelos pais.

Para o patronato, mais do que um ser humano com direito a vida pessoal e familiar, o trabalhador é mais um

fator de produção ao qual deve retirar-se o máximo de lucro. A imposição da generalização do trabalho não

remunerado através das novas flexibilidades na organização do tempo de trabalho, sejam os bancos de horas,

as intermitências nos horários, a adaptabilidade individual ou grupal, o tempo de disponibilidade, o trabalho a

tempo parcial com intermitências, pelas mãos do último Governo do PSD/CDS — uma medida que o Governo

do PS não quis eliminar na esmagadora maioria —, pretende, sim, aumentar o tempo de trabalho sem encargos

para a entidade patronal.

Na FNAC, o banco de horas pode afastar os trabalhadores 12 horas da família — as horas são a mais, o

salário é o mesmo, os trabalhadores não sabem quando voltam para casa. A FNAC não precisa de contratar

mais trabalhadores, não paga horas extra e ainda fica com 150 horas da vida dos trabalhadores para utilizar a

seu bel-prazer. Na Hutchinson, a COVID-19 foi o pretexto para impor um banco de horas individual, uma solução

considerada ilegal, desde 2019, pela sua revogação. No Pingo Doce/Jerónimo Martins, na Sonae e em muitos

outros locais de trabalho são feitas autênticas campanhas de desinformação pelo patronato, que tem

comportamentos de pressão, de chantagem sobre os trabalhadores para que estes aceitem o banco de horas,

inclusive com recurso a instrumentos, como referendos, que são utilizados para que o patrão pressione ainda

mais o trabalhador a aceitar o banco de horas. Em todos estes locais e em muitos outros, os trabalhadores têm-

se manifestado, rejeitando esta solução.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: A luta pela redução da jornada de trabalho levada a cabo pelo movimento

operário atravessou os séculos XIX e XX. No nosso País, estas conquistas civilizacionais avançaram

significativamente com a revolução do 25 de Abril de 1974, tendo, ao longo de vários anos, com

responsabilidades de sucessivos governos, do PSD, do PS e do CDS, sido impostos retrocessos profundos.

Oito horas de trabalho diário, oito horas para descanso, oito para lazer, convívio e cultura — é uma reivindicação

tremendamente atual, especialmente se tivermos em conta as chamadas «flexibilidades horárias». Estes

mecanismos representam a adequação da organização do tempo de trabalho aos interesses do patronato,

impondo, na prática, prolongamentos do tempo de trabalho não remunerado e, consequentemente, um aumento

da jornada de trabalho.

É tempo de agir, de garantir horários dignos. É tempo de viver, para viver em família, tempo para pais e mães

estarem com os seus filhos, de acompanharem os seus filhos em todas as dimensões do seu crescimento e

desenvolvimento — este é um direito da criança! E, sem prejuízo da necessária redução do horário de trabalho

para as 35 horas, do reforço dos direitos de maternidade, de paternidade e de assistência e acompanhamento

de filhos, da reposição dos valores pagos por trabalho extraordinário — todas estas são matérias sobre as quais

o PCP tem uma proposta entregue na Assembleia —, da limitação do trabalho por turnos e noturno e da devida

compensação destes trabalhadores, como o PCP tem defendido, a revogação dos bancos de horas,

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nomeadamente grupal, e dos mecanismos de adaptabilidades, é fundamental para um cumprimento efetivo dos

horários de trabalho e para garantir uma articulação entre o trabalho e a vida pessoal e familiar.

Este é mais um contributo do PCP para que quem trabalha seja valorizado, tenha direitos laborais

salvaguardados e reforçados e tenha tempo para viver.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para apresentar a iniciativa legislativa do Bloco de Esquerda, tem a palavra o Sr. Deputado José Soeiro.

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em Portugal, 75% dos trabalhadores por conta de outrem trabalham com uma modalidade flexível do horário de trabalho. O banco de

horas foi, neste contexto, um mecanismo de desregulação dos horários e de embaratecimento do valor do

trabalho.

Inicialmente, em 2009, o banco de horas estava enquadrado pela contratação coletiva, mas, com a reforma

de 2012, passou a ser possível ser imposto de forma individual, por contrato individual, e foi também introduzida

a figura do banco de horas grupal, através da qual se tornou possível estender o banco de horas a trabalhadores

que, expressamente, o recusaram. Estas normas permitiram, em cerca de uma década, generalizar este

mecanismo, oferecendo aos patrões trabalho mais barato e horas extra sem majoração, mas impondo a quem

trabalha, por via da banalização dos bancos de horas, uma desorganização da vida pessoal e familiar, uma

dificuldade acrescida em conciliar emprego, família e lazer e uma redução de autonomia que transforma os

trabalhadores em instrumentos nas mãos das chefias, condicionados por todo o tipo de chantagens.

Na anterior Legislatura, o Governo, por acordo com a esquerda, acabou com o banco de horas individual no

Código do Trabalho, mas a contrapartida que ofereceu aos patrões foi a manutenção de um banco de horas

grupal. Este pode ser imposto a trabalhadores contra a sua vontade expressa e passou a poder ser validado por

referendos que simulam um pretenso processo plebiscitário, feito para afastar a mediação sindical e, também,

para contornar a contratação coletiva, num lamentável truque contra os sindicatos, introduzido na reforma laboral

de 2019. Como se não bastasse, estes referendos têm sido realizados sem respeito pelas regras mais

elementares que a própria lei previa, o que, aliás, confirmou que a monitorização do processo pela Autoridade

para as Condições do Trabalho era, obviamente, uma miragem. Temos assistido, nos últimos meses, a

convocatórias para referendos sem hora nem local, a votações sem garantia de confidencialidade, por via de

plataformas digitais controladas pelos empregadores, como aconteceu no Pingo Doce, com os dados dos

trabalhadores fornecidos a empresas externas, com os sindicatos impedidos de assistir e de monitorizar as

votações, como aconteceu na FNAC. Aliás, estes processos encontram-se, neste momento, em disputa em

tribunal e foram impugnados pelas organizações sindicais.

Numa relação marcada pela desigualdade entre as partes, como acontece sempre na relação de trabalho,

cabe ao direito do trabalho tutelar e proteger a parte mais fraca, num quadro de desequilíbrio do poder. A

invocação, neste contexto, da suposta liberdade das partes é uma forma cínica de a lei mascarar mecanismos

de imposição unilateral. O banco de horas grupal é, por isso mesmo, uma figura perversa que põe em causa

direitos individuais e coletivos.

O Bloco de Esquerda, com este projeto de lei, pretende expurgar da lei portuguesa estas figuras de

desregulação e de imposição, introduzindo, assim, um equilíbrio, onde hoje prevalece o abuso e a exploração.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Passamos à intervenção do PAN. Para o efeito, tem a palavra a Sr.ª Deputada Bebiana Cunha.

A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O trabalho tem, na nossa sociedade, um papel muito importante na obtenção de rendimentos e, sem prejuízo do debate que entendemos que deve

ser feito em torno, precisamente, do papel do trabalho na sociedade atual, hoje trazemos alguns contributos

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para a discussão que deve ser feita no que diz respeito à conciliação da vida pessoal e familiar com a vida

laboral.

Decorrente de pressões económicas e políticas diversas, de crises sociais e de desequilíbrios na relação

laboral, há, ainda hoje, muitas condições e relações de trabalho que não se coadunam com o trabalho digno,

nem com as necessárias exigências da conciliação desta esfera de vida, a esfera pessoal e familiar, com a

esfera laboral. A conciliação do trabalho com a vida familiar não pode ficar somente no plano das boas intenções,

nem pode ser apenas proclamatório. O direito ao trabalho não pode violar o direito à vida pessoal e familiar, pelo

contrário é necessário equilíbrio e trazer benefícios em ambos sentidos, porque desequilibrar um dos lados é

desequilibrar ambos.

Argumentos como a produtividade e a recuperação da crise não se aceitam para justificar o que poderão ser

atropelos. É necessário garantir a conciliação, sem que isso traga represálias ou desvalorização profissional.

Aliás, as melhores empresas e muitas empresas com boas práticas já o fazem e, ao invés de prejudicarem a

vida dos trabalhadores, contribuem para uma vida mais feliz e mais realizada.

Com esta proposta que o PAN traz hoje, pretendemos reverter alguns retrocessos que consideramos terem

sido cometidos nos últimos anos e, assim, propor também alguns avanços. Nesta proposta, destacamos o

seguinte: é essencial a reposição do direito ao descanso compensatório por prestação de trabalho suplementar,

assim como a reposição dos valores que devem ser pagos por esse trabalho. Mas também pretendemos reforçar

os direitos de mães e de pais trabalhadores, reforçando a proteção da parentalidade através do alargamento da

duração da licença parental inicial para seis meses. Sabemos bem, e os dados dizem-no, que o número de

mães a amamentar decresce drasticamente a partir do quarto e do quinto mês de vida da criança. Ora, Sr.as e

Srs. Deputados, esta é precisamente a fase em que as mães têm de regressar ao trabalho, o que claramente

contraria as recomendações da Organização Mundial da Saúde e até a resolução da Assembleia Mundial da

Saúde.

Quando falamos de trabalho, falamos também de primeiras oportunidades de emprego que, sabemos bem,

em situações como a que vivemos, estão dificultadas. Por isso, propomos a reversão dos entraves à entrada no

mercado de trabalho e uma maior estabilidade da vida profissional, no que diz respeito à procura do primeiro

emprego, aos desempregados de longa duração, passando dos atuais 180 dias para os 90 dias, apontando,

ainda, para a revisão do âmbito de utilização de contratos de trabalho de curta duração.

Sr.as e Srs. Deputados, parece-nos que os pressupostos que aqui trazemos são justos e são expectáveis em

sociedades mais desenvolvidas. Precisamos de caminhar para uma economia saudável e sustentável, na qual

os recursos humanos são a base das organizações, pois sem eles não há organizações. Caminhemos, então,

no sentido de dignificar o trabalho, de melhorar as condições laborais e de tornar qualitativo o papel do trabalho

na vida das pessoas e da vida familiar no trabalho das pessoas.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A próxima intervenção, também para apresentar a respetiva iniciativa legislativa, cabe ao Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, do Iniciativa Liberal.

Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quem já trabalhou fora desta Assembleia sabe que a atividade laboral de uma empresa não é regular ao longo do tempo. Há picos de

trabalho que alternam com alturas de atividade mais reduzida.

A bem da sua sustentabilidade, as empresas têm de se organizar e de organizar o trabalho em função dessas

variações. E uma forma de o fazerem é recorrendo ao pagamento de horas extraordinárias aos trabalhadores,

para que estes exerçam a sua função para além do horário normal de trabalho.

O trabalho extraordinário pode, no entanto, se ocorrer com frequência, aumentar de forma significativa a

massa salarial da empresa e afetar a sua viabilidade. Por outro lado, as horas extraordinárias são, pela sua

natureza, difíceis de planear, quer para a empresa, quer para o trabalhador. Para a empresa, isso implica manter

uma reserva de liquidez que deixa de estar afeta ao seu fundo de maneio ou, até, de investimento que pudesse

contribuir para o seu crescimento. Para o trabalhador, também não é benéfico não ter uma regularidade dos

seus rendimentos, algo que dificulta a gestão do orçamento familiar.

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Para responder a esta realidade é da maior utilidade permitir que o empregador e o trabalhador acordem de

antemão, e dentro de certos limites, acréscimos semanais e anuais nas horas trabalhadas, bem como a respetiva

forma de pagamento. É isso que o banco de horas pretende atingir e que este nosso projeto de lei contempla.

De acordo com o atual regime legal, a possibilidade de utilização de bancos de horas depende da sua

previsão em instrumento de regulação coletiva de trabalho, visto que foi revogada, recentemente, a possibilidade

de utilização de bancos de horas por negociação individual.

Dada a relevância que o banco de horas vem assumindo para uma gestão mais eficiente das empresas e,

portanto, para a respetiva rentabilidade, sustentabilidade e capacidade para criar emprego, importa restabelecer

a possibilidade de serem negociados bancos de horas individuais.

Este mecanismo é de ainda maior importância na altura em que, como resposta à crise pandémica, as

empresas necessitam de ainda maior capacidade de adaptação.

O trabalhador será sempre ressarcido pelo seu trabalho, da forma que livremente acordar com o seu

empregador. Este acordo, sem o qual o banco de horas não funciona, reforça o poder negocial do trabalhador

e cumpre o duplo objetivo de maior previsibilidade de custos e rendimentos, por um lado, e de maior flexibilidade

de horários e formas de remuneração, por outro.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Vou terminar, Sr. Presidente, dizendo que só quem tem uma visão estática e ultrapassada da economia é que pode achar que o futuro não exigirá de todos — empresas,

trabalhadores e, até, legisladores — mais flexibilidade e capacidade de adaptação. A reintrodução do banco de

horas individual é essencial para isso.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Lina Lopes, do PSD.

A Sr.ª Lina Lopes (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje, estão em discussão cinco projetos de lei, dois do PCP, um do Bloco de Esquerda, um do PAN e um do Iniciativa Liberal. Estas iniciativas visam

alterações ao Código do Trabalho, nomeadamente ao horário de trabalho e à sua flexibilização, ao banco de

horas, individual e grupal, e à conciliação do trabalho com a vida profissional. O que estamos a debater são

novas alterações ao Código do Trabalho, alterações de alterações que, faz agora precisamente um ano, algumas

delas entraram em vigor e cujos efeitos ainda mal se revelaram ou puderam ser avaliados.

Sr.as e Srs. Deputados, não podemos estar constantemente a revogar ou a modificar leis laborais sem dar

espaço à estabilidade e à contenção do processo legislativo. Os relatórios internacionais dizem-nos mesmo que

a imprevisibilidade das leis repele o investimento no nosso País. E o País precisa, mais do que nunca, de gerar

confiança.

Sr.as e Srs. Deputados, estamos num tempo novo, num tempo de incerteza para todos nós e, principalmente,

para os trabalhadores e para as empresas. Este é um tempo de aprendizagem, durante o qual o diálogo social,

nomeadamente a negociação coletiva e a concertação social, deverão desempenhar o seu papel, contribuindo

para a coesão social e para a confiança dos portugueses nas instituições da democracia.

Esta crise tornou ainda mais visíveis as fragilidades estruturais que se conheciam: as baixas qualificações, a

precariedade, a segmentação do mercado de trabalho, a eficiência e eficácia limitadas dos serviços públicos.

As desigualdades acentuaram-se, tendo atingido mais fortemente os grupos mais vulneráveis: os jovens, as

mulheres, os trabalhadores precários e os menos qualificados. Esta crise fez disparar o desemprego — mais

110 mil desempregados e menos 160 mil empregos do que há um ano. Em apenas cinco meses perderam-se

140 mil empregos. Um em cada quatro jovens está em situação de desemprego.

E os prognósticos sobre a evolução da pandemia não nos deixam, infelizmente, tranquilos. Os riscos de

novas vagas, com as consequências em termos de saúde pública, de serviços públicos, e em termos

económicos e sociais são reais e não devem ser escamoteados.

Sr.as e Srs. Deputados, é verdade que foram detetadas fragilidades, nomeadamente no teletrabalho e na

conciliação do trabalho com a vida profissional. Os parceiros sociais deram um grande contributo para a paz

social que tanto valorizamos. Não podemos esquecer que a concertação social é a pedra angular na

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determinação de condições e de relações de trabalho, com especial incidência na organização do tempo de

trabalho e nas condições da sua prestação. Daí a responsabilidade acrescida da concertação social na resposta

aos desafios que a pandemia veio antecipar e acelerar.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, um novo Orçamento foi apresentado há três dias atrás, e estamos a

poucos dias de o discutir nesta Câmara. É natural que apareçam novos compromissos e, provavelmente,

surgirão ajustamentos necessários à lei laboral, como é previsível com o Orçamento que nos foi apresentado.

Olhemos para as dificuldades que as empresas e os trabalhadores enfrentam neste momento e, de uma

forma séria, façamos os ajustamentos necessários à nova realidade que enfrentamos e que, infelizmente, não

sabemos como irá terminar. O trabalho digno, o emprego digno e sustentável, é condição sine qua non de um

país mais justo e solidário.

Sr.as e Srs. Deputados, o Partido Social Democrata entende que as alterações ao Código do Trabalho devem

ser precedidas de um amplo debate em sede de concertação social, pois é através de um diálogo entre os

representantes dos trabalhadores, dos representantes dos empregadores e do Governo que se encontram as

soluções mais adequadas e mais equilibradas para o mundo do trabalho. Este é o tempo de aguardar a

discussão do Orçamento do Estado e de aguardar a discussão em sede de concertação social.

Estamos preocupados com o futuro e preocupados em debater e em encontrar as melhores soluções para

as empresas e para os trabalhadores. Somos a favor de mais e melhores empregos, de empregos menos

precários e mais bem remunerados. É preciso mais formação, mais investimento e gerar mais confiança no

processo legislativo.

Sr.as e Srs. Deputados, o PSD irá bater-se por leis que incentivem o mercado de trabalho, que diminuam o

desemprego e aumentem a criação de emprego. Não podemos, também, deixar de afirmar que o PSD irá lutar

por medidas laborais que criem e reforcem a economia. E, sobretudo, lutaremos por um Estado social forte e

pela promoção de igualdade de oportunidades entre todos os portugueses.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Tiago Barbosa Ribeiro, do Partido Socialista.

O Sr. Tiago Barbosa Ribeiro (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Neste ponto da nossa ordem de trabalhos, discutimos importantes projetos relativos aos direitos dos trabalhadores, ou, como diria o Deputado

do Iniciativa Liberal, relativos aos direitos dos colaboradores.

A defesa do mundo do trabalho é património comum da esquerda e a legislação que preside à sua regulação

é permanentemente inacabada, permanentemente construída, para responder a necessidades que, por vezes,

no momento em que falamos, ainda desconhecemos, necessidades de tipo novo, que não devem ser

cristalizadas, nunca esquecendo, quando o fazemos, que a legislação laboral existe para proteger os

trabalhadores.

É esse o caminho que nós vimos fazendo desde 2015, e tem sido com esse espírito que temos feito

alterações à legislação do trabalho, alterações que se orientam para a promoção do trabalho digno, num espírito

de diálogo entre todos os partidos, sobretudo à nossa esquerda, e para a construção das mudanças necessárias,

sem abdicar das diferenças que são património identitário, obviamente, de cada partido.

Foi assim, e é importante lembrá-lo, que, desde 2015, entre muitas outras medidas, nós aumentámos o

salário mínimo nacional, num acumulado já superior a 25%; reforçámos a capacidade inspetiva da Autoridade

para as Condições do Trabalho, intervindo sobre situações de precariedade e vigiando o que se passa no mundo

do trabalho; promovemos a dinamização da contratação coletiva, o reforço das portarias de extensão, com uma

variação superior a 7% no salários dos trabalhadores abrangidos por contratação coletiva, o que demonstra,

aliás, que o combate à precariedade e à segmentação do trabalho não se fazem exclusivamente por via

legislativa; defendemos que a negociação do regime de organização do tempo de trabalho deve ser feita,

preferencialmente, em sede de contratação coletiva, que se reveste, aliás, de uma maior exigência em termos

de adaptabilidade em termos de horas; combatemos o assédio no local de trabalho e novas formas de trabalho

forçado; regulámos abusos na transmissão de estabelecimento, num projeto que teve a assinatura conjunta,

aliás, do Partido Socialista, do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista Português; combatemos a

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precariedade com o Livro Verde e com alterações que impediram, entre outras, que um jovem pudesse ter um

contrato a termo só por ser jovem; reformulámos as políticas ativas de emprego; combatemos o défice de

qualificações, lançando um programa de qualificações com o Programa Qualifica; estabelecemos quotas de

acesso ao emprego para pessoas com deficiência; eliminámos os bancos de horas individuais; criámos um novo

banco de horas grupal, em 2019, uma figura inteiramente nova e não como somatório de tudo aquilo que já

preexistia, numa base democrática, numa votação secreta, com aceitação expressa de mais de 60% dos

trabalhadores, com confidencialidade e acompanhamento por parte das comissões de trabalhadores e/ou parte

da ACT (Autoridade para as Condições do Trabalho); criámos uma taxa para combater a rotatividade excessiva.

E poderia continuar, aqui, durante bem mais tempo do que os 5 minutos a que tenho direito, a descrever o

caminho que vimos fazendo e um conjunto de alterações que visam promover mais dignidade, mais proteção

aos trabalhadores e mais justiça no trabalho.

É este o caminho que temos vindo a fazer e é para aqui que se orienta a nossa visão de intervenção no

mercado de trabalho. O debate relativo à conciliação do trabalho com a vida familiar e os mecanismos de

adaptabilidade é um debate muito importante para evitar que o horário da jornada laboral vá além daquilo que é

a jornada de trabalho, que invada os tempos de qualidade, os tempos de lazer, os tempos para a família. E o

que temos vivido, aliás, ao longo dos últimos meses, ao longo deste ano, com as novas abordagens ao nível do

teletrabalho, com as novas realidades, suscita esta inquietação e esta intervenção: os trabalhadores não são

máquinas, não pertencem às empresas, são pessoas que têm de ser respeitadas na sua individualidade, no seu

horário de trabalho e na livre gestão dos seus tempos.

É por isso que temos vindo a trabalhar, é por isso que temos vindo a lutar, não fechando nenhuma porta, não

abdicando de nenhuma solução. O Governo tem vindo a trabalhar nesta frente: elaborou um Livro Verde sobre

o Futuro do Trabalho, propôs a constituição de um grupo de trabalho tripartido na Comissão Permanente de

Concertação Social, com o intuito de promover, precisamente, um acordo global estratégico em torno das

questões da conciliação entre o trabalho e a vida pessoal, em torno da natalidade, em torno da família, em torno

da parentalidade, incluindo na negociação coletiva estes e outros temas, como licenças, horários de trabalho,

teletrabalho, instrumentos de apoio à conciliação, e não nos parece adequado fazermos qualquer tipo de

alteração antes de serem públicas as conclusões desse grupo de trabalho e antes de os parceiros concluírem,

precisamente, os seus trabalhos.

O que podemos desde já recusar é mesmo a proposta que aqui nos traz o Iniciativa Liberal. Estamos contra

o banco de horas individual, e foi por isso que o revogámos. Não se trata de uma medida isolada, porque, para

nós, os trabalhadores são mesmo a parte mais fraca da relação laboral. O Código do Trabalho existe para

proteger esses trabalhadores. Não temos uma visão neutra sobre o mundo do trabalho, entendemos que é

preciso uma visão legislativa que promova os direitos dos trabalhadores, que promova a dignidade do trabalho,

e é em torno disso que vamos continuar a intervir.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Tiago Barbosa Ribeiro (PS): — É para isso que o Partido Socialista trabalha e é nesse caminho que vamos prosseguir, com políticas laborais mais justas, mais dignas e mais igualitárias.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado João Pinho de Almeida, do Grupo Parlamentar do CDS-PP.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Fazemos este debate no contexto de uma declaração que hoje foi feita por um Ministro do Governo socialista, que dizia, orgulhoso,

que o aumento do salário mínimo não terá qualquer contrapartida para os patrões.

Essa é uma frase que, no contexto de crise em que vivemos, poderia ser dita por um ministro da propaganda;

por um Ministro da Economia não poderia de certeza. A economia precisa dos empregadores, precisa da

iniciativa privada — apesar de todos os planos que o Partido Socialista apresenta parecerem negar essa

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realidade —, para que as pessoas tenham os seus empregos e tenham condições de trabalho devidamente

valorizadas.

Portanto, esse equilíbrio, que todos dizemos defender, só é possível se, efetivamente, nós percebermos que,

à partida, se não houver empresas e não houver empregos, não vai ser possível defender as condições de

trabalho que os senhores aqui defendem tantas vezes e que, em muitos casos, estão totalmente certas.

Precisamos de criar condições para que as pessoas possam viver assim, e essa é a parte que os senhores

ignoram.

Ouvi falar hoje, aqui, por exemplo, do Livro Verde sobre as Relações Laborais. Muito bem! O que é que diz

esse Livro Verde a propósito do banco de horas? Lê-se, na página 341: «O banco de horas individual pode ser

criado no interesse dos trabalhadores para facilitar a conciliação da atividade profissional com a vida familiar».

Então, afinal, o Livro Verde diz ou não diz?! Atenção, o que se diz aqui é óbvio! É óbvio que um banco de

horas pode ser criado e pode funcionar a favor dos trabalhadores, como, se fosse imposto, poderia efetivamente

prejudicar os trabalhadores.

Acontece que aquilo que foi dito pelas bancadas mais à esquerda é uma impossibilidade, de facto. As

bancadas mais à esquerda disseram-nos o seguinte: «Os trabalhadores são prejudicados por um banco de

horas que é imposto por acordo.» Os senhores vão ter de explicar o que é uma imposição por acordo. Vão ter

de explicar, primeiro, o que é uma imposição por acordo para depois fazermos a discussão. É que imposição

por acordo nunca existiu!

O que podem dizer, e isso é discutível, é se as regras dos bancos de horas, como os limites de tempo, os

limites de acumulação, o tempo para o descanso, são ou não equilibradas. É que, se a baliza for equilibrada e

se dermos liberdade a empregadores e trabalhadores para, dentro de uma baliza equilibrada, poderem escolher

a melhor opção, estaremos a favor do emprego, estaremos a favor da conciliação com a vida familiar, estaremos

a favor da defesa das condições de vida destas pessoas. Isso, sim, é nossa responsabilidade: definir bem a

baliza.

Como já foi dito, a situação atual deriva de um acordo na concertação social. Nós entendemos que qualquer

alteração a essa realidade deve depender de um novo acordo na concertação social. Disso dependeria um voto

do CDS em votação final global. Naturalmente, na generalidade, votamos de acordo com aquela que é a nossa

convicção, e a nossa convicção é a de que não só não faz sentido eliminar o banco de horas nos termos em

que atualmente existe na lei, mas o que faria sentido seria repor o banco de horas individual.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, queira concluir.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Vou terminar, Sr. Presidente, dizendo o seguinte: reparem no ritmo de recuperação de emprego no fim da Legislatura do Governo PSD/CDS e o ritmo de recuperação de

emprego que os senhores propõem no plano de resiliência.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Aí perceberão a eficácia da legislação laboral na recuperação de emprego e naquilo que efetivamente interessa às pessoas.

Muito obrigado pela tolerância, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem agora a palavra para uma segunda intervenção, o Sr. Deputado José Moura Soeiro, do Bloco de Esquerda.

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sr. Presidente, não é surpreendente que o CDS e o Iniciativa Liberal defendam, aqui, o banco de horas individual,…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — E o Livro Verde!

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — … assim como também não é surpreendente que o PSD tenha defendido a revisão laboral que o Governo fez em 2019, porque verdadeiramente essa revisão laboral foi viabilizada pela

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direita, teve o acordo dos patrões e teve a oposição da esquerda, em 2019, quando foi votada, aqui, neste

Parlamento.

Vozes do PSD e do CDS-PP: — Não é verdade!

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Mas o que não podemos aceitar é a ideia de que não tivemos tempo de conhecer o seu impacto, porque o impacto destas alterações, nomeadamente no que diz respeito ao banco de

horas e ao banco de horas grupal por referendo, foi um bloqueio da negociação coletiva…

Protestos de Deputados do PSD e do CDS-PP.

… e foi tentar contornar a contratação coletiva, por via de referendos organizados à medida dos patrões, para

impor o banco de horas. Aliás, Sr. Deputado do Partido Socialista, sem confidencialidade e sem monitorização

da própria ACT. O banco de horas grupal por referendo é uma medida absolutamente perversa.

Queria terminar só com um comentário para a bancada do Partido Socialista. Nós teremos tempo para discutir

o teletrabalho e a sua regulação, mas o que está aqui a ser discutido hoje é o banco de horas grupal e a

adaptabilidade individual e são os cortes que o PSD e o CDS introduziram na Lei do Trabalho para cortar para

metade a majoração do trabalho suplementar.

Sobre estes cortes da direita, que permanecem na legislação do trabalho, o Partido Socialista não disse

nada, mas o silêncio nunca é neutro. O que interessava saber é se o Partido Socialista vai manter esse apego

a essa herança da troica, porque, de facto, se não acredita nas soluções austeritárias da direita, tinha a

obrigação de já se ter libertado.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, queira concluir.

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — A pergunta que fazemos é no sentido de saber se, desta vez, o Partido Socialista vai voltar a votar pela manutenção dos cortes da direita na legislação do trabalho e no pagamento do

trabalho suplementar.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para o encerramento deste debate, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, tem a palavra a Sr.ª Deputada Diana Ferreira.

Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: No fim desta discussão, vou deixar algumas observações.

A Sr.ª Deputada Lina Lopes falou muito da estabilidade legislativa. Quando a Sr.ª Deputada fala em

estabilidade legislativa, os trabalhadores ouvem «continuação de jornadas de trabalho de 12, 14 e 16 horas

diárias».

Protestos de Deputados do PSD e do CDS-PP.

Quando a Sr.ª Deputada fala em estabilidade legislativa, os trabalhadores ouvem «continuação do

afastamento do acompanhamento a filhos», porque é esta a realidade que os trabalhadores vivem todos os dias,

Sr.ª Deputada. Por isso, é a esta realidade que é preciso responder.

O que os trabalhadores sentem também é a continuação dos horários desregulados, Sr.ª Deputada. E é a

esta realidade que é preciso responder, igualmente.

Sr. Deputado Tiago Barbosa Ribeiro, o muito que o PS podia ter feito, revogando um conjunto alargado das

normas gravosas do Código do Trabalho, eliminando a caducidade da contratação coletiva e repondo o princípio

do tratamento mais favorável, e o mal que o PS fez na última alteração ao Código do Trabalho, introduzindo um

conjunto de elementos que pioraram a legislação laboral, é uma lista muito mais longa do que a que o Sr.

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I SÉRIE — NÚMERO 14

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Deputado aqui apresentou e que, aliás, nos causa muito mais preocupações e que tem tradução muito negativa

na vida dos trabalhadores todos os dias.

Srs. Deputados, o banco de horas não paga contas ao fim do mês, não paga a luz, não paga a água, não

paga a habitação. O banco de horas não põe comida na mesa das famílias dos trabalhadores. É tempo dos

trabalhadores que é de borla para o patrão.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Que disparate!

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — É desta realidade que estamos a falar e é preciso acabar com este tempo de borla para o patrão.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — O desemprego é melhor?!

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — É que, Srs. Deputados, se há horas extraordinárias que são continuadas, se há horas extraordinárias que são, muitas vezes, diárias na vida dos trabalhadores, elas não são extraordinárias,

são necessidades permanentes.

Por isso, tem de haver mais contratação de trabalhadores para aquela empresa, em vez de colocar mais

horas de trabalho nas costas dos trabalhadores — horas de trabalho, horas de descanso, horas para a família,

horas para a cultura, tempo para viver e horários dignos para os trabalhadores do nosso País. É neste sentido

que continuaremos a lutar, como lutamos, também, com esta proposta que aqui apresentamos.

Aplausos do PCP e do PEV.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Terminamos, assim, o último ponto da nossa ordem de trabalhos. Passo a palavra à Sr.ª Secretária Deputada Maria da Luz Rosinha para informar a Câmara da entrada de

algumas iniciativas legislativas.

Faça favor, Sr.ª Secretária.

A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, passo a informar que deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: Proposta de Lei n.º 62/XIV/2.ª (GOV),

que baixa à 1.ª Comissão, e os Projetos de Resolução n.os 724/XIV/2.ª (PSD) e 725/XIV/2.ª (PEV).

É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Muito obrigado, Sr.ª Deputada Secretária da Mesa. Srs. Deputados, amanhã, o Plenário reunirá excecionalmente às 9 horas. Portanto, pedimos às direções dos

grupos parlamentares que informem disso todos os Srs. Deputados e todas as Sr.as Deputadas.

Ao abrigo do artigo 72.º do Regimento, começaremos com um debate de urgência, requerido pelo Grupo

Parlamentar do PSD, sobre o tema «situação económica e social atualmente vivida em Fátima, concelho de

Ourém».

Prosseguiremos com o segundo ponto da ordem de trabalhos, que consiste no debate, na generalidade, do

Projeto de Lei n.º 512/XIV/2.ª (BE) — Medidas para a recuperação da atividade das juntas médicas de avaliação

de incapacidades, juntamente com o Projeto de Resolução n.º 321/XIV/1.ª (CDS-PP) — Recomenda ao Governo

que cumpra as recomendações da Provedora de Justiça para eliminar atrasos significativos na emissão de

atestados médicos de incapacidade multiuso e com, também na generalidade, os Projetos de Lei n.os 538/XIV/2.ª

(PAN) — Assegura a resposta eficaz da atividade das juntas médicas de avaliação de incapacidades e dos

cuidados de saúde primários em situação epidemiológica provocada pela COVID-19 e 541/XIV/2.ª (PCP) —

Regime transitório para a emissão de atestados médicos de incapacidade multiuso.

Do terceiro ponto consta a apreciação conjunta dos Projetos de Resolução n.os 600/XIV/1.ª (CDS-PP) —

Mercado móvel e introdução da tecnologia 5G, 590/XIV/1.ª (PCP) — Por um serviço público e universal de

telecomunicações em Portugal: 5G, oportunidade para mudar de rumo, 632/XIV/2.ª (PSD) — Recomendações

ao Governo e à ANACOM decorrentes da implementação das redes 5G, particularmente em territórios de baixa

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16 DE OUTUBRO DE 2020

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densidade populacional e 645/XIV/2.ª (BE) — Por um setor das telecomunicações público e universal em

Portugal.

No quarto ponto teremos o debate do Projeto de Resolução n.º 649/XIV/2.ª (PAN) — Recomenda ao Governo

que adote os procedimentos atinentes a assegurar a consagração do crime de ecocídio na lista de crimes

previstos no Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional.

O quinto ponto consiste na discussão conjunta, na generalidade, dos Projetos de Lei n.os 396/XIV/1.ª (PEV)

— Reforça a transparência nos contratos de adesão (Altera o Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro) e

532/XIV/2.ª (BE) — Procede ao reforço da transparência e dos efeitos da proibição de cláusulas gerais nos

contratos de adesão (4.ª alteração ao Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais).

Do sexto ponto da nossa ordem de trabalhos consta a apreciação do Relatório sobre o Progresso da

Igualdade entre Mulheres e Homens no Trabalho, no Emprego e na Formação Profissional – 2019.

Finalmente, no sétimo e último ponto, terão lugar as votações regimentais.

A todas as Sr.as Deputadas e a todos os Srs. Deputados agradeço, em nome da Mesa, a vossa colaboração

nesta sessão e desejo a continuação de um bom dia.

Está encerrada a sessão.

Até amanhã.

Eram 18 horas e 13 minutos.

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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