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I SÉRIE — NÚMERO 17

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Mais, o exercício do direito referendário pelo povo carece das necessárias intervenções constitucionais e

legais, pelo menos, do Parlamento e do Presidente da República. São atores no meio de um procedimento

constitucional, do qual não se podem demitir, acionando ou não as cláusulas legais que lhes foram facultadas.

Conclui o declarante, portanto, que se o Parlamento aprovar um referendo resultante de uma iniciativa de

cidadãos — que tem respaldo constitucional e legal — tal não importa uma demissão da responsabilidade dos

representantes. Na verdade, o caso representa, isso sim, o normal funcionamento das instituições e o

democrático exercício do poder político.

d) O exercício do referendo tem respaldo constitucional e legal, como se disse. E se assim é, nunca poderia

ser considerado um instrumento dilatório. Representa sim o exercício de um direito consagrado e

legítimo.

Reconhece-se, no caso patente, que existem iniciativas legislativas, aprovadas na generalidade na última

Sessão Legislativa, que validam a consagração legal da eutanásia e da morte medicamente assistida. Todavia,

tal facto não importa a ablação do exercício de direitos constitucional e legalmente consagrados, como é o direito

de iniciativa sobre a realização de um referendo. Pois, se assim fosse, isso significaria que o poder do

Parlamento é, em última linha, um poder superior na Constituição da República, o que não sucede no nosso

Estado de direito.

O declarante não subscreve a tese da conduta dilatória do referendo. E também não faz juízos sobre as

intenções mesquinhas de cada cidadão, caso existam, pois a democracia só pode realizar-se objetivamente no

quadro pleno dos direitos e das obrigações consagrados constitucional e legalmente.

Se procurássemos as motivações mesquinhas dos cidadãos para o exercício dos seus direitos a democracia

assentaria não na ideia de uma ordem ético-normativa, mas sim na lógica de uma ordem ética ou da moral, que

o declarante recusa no exercício do seu mandato. Não deixa de ser curioso que aqueles que tanto reclamam a

República e o Estado laico são os primeiros que se opõem a qualquer ordem moral, mas não deixam de incorrer

no erro de a ela aderirem ao julgarem os cidadãos que exercem os seus direitos (e iniciativa), no quadro próprio

das suas convicções.

e) O declarante afirmou na última Sessão Legislativa aquando da votação sobre a eutanásia e a morte

medicamente assistida:

«Os defensores das soluções apresentadas proclamam a existência de um aparente conflito de direitos, entre

o ‘direito à vida’ e um suposto ‘direito à morte’, que não encontra solução possível senão o de preterir o primeiro

em favor do segundo, numa fatal ablação do direito à vida. Não há concordância prática possível e a solução

que encontram é incentivar a cultura da morte.

(…)

Promove-se a instigação à cultura da morte através da eutanásia ou do suicídio medicamente assistido como

ato de piedade com quem sofre, mas abandonam-se os pacientes e as suas famílias ao adiar um efetivo

investimento nos cuidados paliativos, já para não falar num médico de família para todos, consultas, cirurgias e

exames médicos atempados, etc. Este é um discurso incoerente, falacioso e mentiroso que o subscritor condena

e repudia de forma veemente.

Viver ou morrer não é indiferente para a sociedade, para as famílias ou para cada um de nós e estas

iniciativas vêm promover a cultura do egoísmo e, como se disse, da relativização da vida humana em função de

outros interesses.

O subscritor não é tendencialmente favorável ao referendo sobre este tema, pois os direitos fundamentais —

como o direito à vida — não são referendáveis; mas compreende quem, perante a ausência de debate sério e

suficiente na sociedade portuguesa, tenta evitar a aprovação destas iniciativas com a defesa do referendo e

como ato derradeiro pela defesa da vida humana».

Uma questão que se coloca é a de saber se existe ou não a pretensa intenção de referendar um direito

fundamental — o direito de escolher a morte.

O direito à vida é um direito fundamental inequívoco.

Alguns argumentam que além desse existe o direito a querer morrer, o direito negativo do direito à vida. E,

assim sendo, na verdade a questão coloca-se no confronto entre os dois direitos, conduzindo a um conflito de

direitos.

Mas existe mesmo um conflito de direitos?

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