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Quinta-feira, 17 de dezembro de 2020 I Série — Número 30

XIV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2020-2021)

REUNIÃOPLENÁRIADE16DEDEZEMBRODE 2020

Presidente: Ex.mo Sr. António Filipe Gaião Rodrigues

Secretários: Ex.mos Srs. Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha Diogo Feijóo Leão Campos Rodrigues

S U M Á R I O

O Presidente (António Filipe) declarou aberta a sessão

às 15 horas e 3 minutos. Deu-se conta da entrada na Mesa dos Projetos de

Resolução n.os 784 a 786, 790 a 794, 796 a 799 — que foi retirado — e 800 a 802/XIV/2.ª, dos Projetos de Lei n.os 597 a 605/XIV/2.ª, da Proposta de Lei n.º 64/XIV/2.ª e das Proposta de Resolução n.os 16 e 17/XIV/2.ª.

Foi aprovado um parecer da Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados relativo à suspensão de mandato de um Deputado do BE e à respetiva substituição.

Em declaração política, o Deputado João Gonçalves Pereira (CDS-PP) acusou o Ministro das Infraestruturas e da Habitação de apoiar um plano de reestruturação da TAP que

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irá conduzir ao despedimento de trabalhadores e questionou a razão da indemnização dada ao acionista privado. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Deputados Hugo Costa (PS), Carlos Silva (PSD), André Silva (PAN), Bruno Dias (PCP) e Isabel Pires (BE).

Em declaração política, a Deputada Inês de Sousa Real (PAN), a propósito do Dia Internacional dos Direitos Humanos, denunciou vários atropelos aos direitos humanos ocorridos no nosso País, entre eles o caso da morte de um cidadão ucraniano no aeroporto de Lisboa, tendo depois respondido a pedidos de esclarecimento dos Deputados Carlos Peixoto (PSD), João Pinho de Almeida (CDS-PP), Bacelar de Vasconcelos (PS), Alma Rivera (PCP) e José Manuel Pureza (BE).

Em declaração política, o Deputado José Luís Ferreira (PEV) manifestou preocupação pela reconversão de culturas agrícolas em molde tradicional para plantações intensivas e superintensivas de olival e amendoal, sobretudo no Alentejo, com recurso a trabalho precário e com impactos negativos na conservação do solo, na qualidade da água, na saúde humana, na biodiversidade e, também, na identidade regional. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Deputados Ricardo Vicente (BE), Emília Cerqueira (PSD), André Silva (PAN), Norberto Patinho (PS) e João Dias (PCP).

Em declaração política, o Deputado Miguel Matos (PS), que foi cumprimentado pelo Presidente em exercício pela sua eleição para líder da Juventude Socialista, referiu-se aos grandes desafios que as gerações mais jovens do nosso País enfrentarão já em 2021 para ultrapassar a crise económica e social resultante da pandemia da COVID-19. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Deputados Alexandre Poço (PSD), Bruno Dias (PCP), André Silva (PAN) e João Gonçalves Pereira (CDS-PP).

Em declaração política, o Deputado Cristóvão Norte (PSD) criticou o Governo pela forma como delineou o plano de reestruturação da TAP apresentado na União Europeia, não envolvendo o Parlamento, tendo, depois, respondido a pedidos de esclarecimento dos Deputados João Cotrim de Figueiredo (IL), Inês de Sousa Real (PAN), Bruno Dias (PCP), Carlos Pereira (PS), João Gonçalves Pereira (CDS-PP) e Isabel Pires (BE).

Em declaração política, a Deputada Beatriz Gomes Dias (BE) condenou a morte de um cidadão ucraniano nas instalações do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras no aeroporto de Lisboa, aludiu a denúncias de outros casos idênticos, defendeu a implementação de um modelo

diferente de lidar com pessoas migrantes e considerou que o Ministro da Administração Interna deixou de ter condições para continuar no cargo. Respondeu, no fim, a pedidos de esclarecimento dos Deputados Inês de Sousa Real (PAN), Alma Rivera (PCP), Bacelar de Vasconcelos (PS), Duarte Marques (PSD) e Mariana Silva (PEV).

Em declaração política, a Deputada Ana Mesquita (PCP), a propósito da situação económica e social em que, por causa da pandemia, se encontram os trabalhadores do setor artístico e cultural, defendeu a existência de um modelo em que o Estado assegure uma componente de financiamento daquelas áreas. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Deputados Alexandra Vieira (BE), Mariana Silva (PEV), Rosário Gambôa (PS) e Paulo Rios de Oliveira (PSD).

Foi apreciada a Petição n.º 82/XIV/1.ª (FENPROF) — Reabertura de estabelecimentos de educação e ensino deverá ser precedida da realização de testes juntamente com o Projeto de Resolução n.º 652/XIV/2.ª (BE) — Pela disponibilização de testes COVID-19 gratuitos a professores, trabalhadores não-docentes e alunos. Proferiram intervenções os Deputados Joana Mortágua (BE), Bebiana Cunha (PAN), Carla Madureira (PSD), Ana Rita Bessa (CDS-PP), Maria Joaquina Matos (PS), Mariana Silva (PEV) e Ana Mesquita (PCP).

Foi apreciada a Petição n.º 619/XIII/4.ª (SINDEL - Sindicato Nacional da Indústria e da Energia) — Solicitam o reconhecimento da profissão dos trabalhadores da manutenção e montagem de aerogeradores como de desgaste rápido juntamente com os Projetos de Resolução n.os 658/XIV/2.ª (BE) — Pela regulamentação da atividade de trabalhador da manutenção e montagem de aerogeradores com vista à redução do desgaste resultante do exercício da atividade, à garantia das condições de segurança e saúde no trabalho e à adequação do acesso à reforma e 718/XIV/2.ª (PCP) — Recomenda ao Governo que tome medidas para a definição e regulamentação de um regime laboral e de aposentação específico para os trabalhadores da manutenção e montagem de aerogeradores. Usaram da palavra os Deputados José Moura Soeiro (BE), Duarte Alves (PCP), Bebiana Cunha (PAN), José Luís Ferreira (PEV), João Pinho de Almeida (CDS-PP), Nuno Sá (PS) e Olga Silvestre (PSD).

Deu-se conta dos Deputados que estiveram presentes, por videoconferência, na reunião plenária.

O Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 22 minutos.

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O Sr. Presidente (António Filipe): — Muito boa tarde a todos. Vamos dar início aos nossos trabalhos.

Eram 15 horas e 3 minutos.

Peço aos Srs. Agentes de autoridade que abram as galerias, apesar das limitações de acesso que são

conhecidas.

A Sr.ª Deputada Maria da Luz Rosinha vai anunciar as iniciativas legislativas que deram entrada na Mesa.

A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, muito boa tarde a todas e a todos.

O primeiro anúncio que importa fazer é o da entrada na Mesa e retirada do Projeto de Resolução n.º

799/XIV/2.ª (PSD).

Entretanto, deram, ainda, entrada na Mesa, e foram admitidas, outras iniciativas legislativas.

Refiro, em primeiro lugar, os Projetos de Resolução n.os 784/XIV/2.ª (CDS-PP), 785/XIV/2.ª (PCP),

786/XIV/2.ª (PAN), 790/XIV/2.ª (PSD), 791/XIV/2.ª (BE), 792/XIV/2.ª (BE), que baixa à 11.ª Comissão,

793/XIV/2.ª (PCP), que baixa à 11.ª Comissão, em conexão com a 13.ª Comissão, 794/XIV/2.ª (PCP), que

baixa à 11.ª Comissão, 796/XIV/2.ª (BE), que baixa à 11.ª Comissão, 797/XIV/2.ª (PEV), que baixa à 11.ª

Comissão, em conexão com a 13.ª Comissão, 798/XIV/2.ª (PEV), que baixa à 11.ª Comissão, 800/XIV/2.ª

(PS), que baixa à 12.ª Comissão, 801/XIV/2.ª (PCP), que baixa à 11.ª Comissão, e 802/XIV/2.ª (PAN).

Refiro, em segundo lugar, os Projetos de Lei n.os 597/XIV/2.ª (PSD), que baixa à 13.ª Comissão,

598/XIV/2.ª (PSD), que baixa à 11.ª Comissão, 599/XIV/2.ª (PCP), 600/XIV/2.ª (PCP), 601/XIV/2.ª (PCP),

602/XIV/2.ª (PAN), 603/XIV/2.ª (BE), 604/XIV/2.ª (CH), que baixa à 1.ª Comissão, e 605/XIV/2.ª (Deputada não

inscrita Cristina Rodrigues).

Deu, ainda, entrada na Mesa, e foi admitida, a Proposta de Lei n.º 64/XIV/2.ª (GOV).

Por último, refiro as Propostas de Resolução n.os 16/XIV/2.ª (GOV), que baixa à 2.ª Comissão, e 17/XIV/2.ª

(GOV), que baixa, igualmente, à 2.ª Comissão.

Sr. Presidente, importa, ainda, dar conta de um parecer da Comissão de Transparência e Estatuto dos

Deputados, que tem de ser submetido a votação, relativo à suspensão de mandato do Deputado Ricardo

Vicente (BE), do círculo eleitoral de Leiria, sendo substituído por Manuel António Azenha Santos Pereira, pelo

período de 18 de dezembro de 2020 a 16 de janeiro de 2021, inclusive.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, vamos, então, votar o parecer que acabou de ser anunciado.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do CH e das Deputadas não

inscritas Cristina Rodrigues e Joacine Katar Moreira.

Passamos ao período destinado a declarações políticas.

A primeira declaração política de hoje cabe ao CDS-PP e, para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado João

Gonçalves Pereira.

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Temos falado e tem-se falado muito da TAP (Transportes Aéreos Portugueses). Importa fazer aqui um pouco da história: tivemos

uma TAP que foi privatizada; tivemos, depois, uma TAP em que parte da privatização foi revertida; e temos,

hoje, uma TAP quase totalmente pública.

O Sr. Miguel Matos (PS): — Ainda bem!

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — A TAP privatizada trouxe uma equipa de gestão profissional que percebia do negócio.

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Já houve várias discussões públicas, e em diferentes fóruns, sobre a gestão dos últimos anos da TAP. Uns

acreditam que a TAP estava inchada, que era inviável e mal gerida; outros, aqueles que promoveram a

privatização, têm a convicção de que a TAP tinha viabilidade e ia no bom caminho.

Mas os números são números e a TAP, desde 1998, não recebeu um único cêntimo do dinheiro dos

contribuintes. A pergunta que deve ser formulada é a seguinte: se não houvesse pandemia, a TAP ia ou não

precisar da ajuda do Estado?

Mais: se a TAP estivesse falida, como diz o Ministro Pedro Nuno Santos, teria aguentado os meses de

março, abril, maio, junho e julho apenas e só com aquilo que era a sua tesouraria, tesouraria, essa, que

permitiu assegurar e cumprir as suas obrigações até que entrasse a primeira ajuda financeira do Estado?!

Sr.as e Srs. Deputados, é para todos inegável o interesse estratégico da TAP, seja a nível diplomático, seja

a nível económico, seja a nível social. Mas de uma coisa o CDS tem a certeza: a TAP não pode ser um saco

sem fundo e tem de existir uma ação ativa de fiscalização dos vários milhões de euros que estão a ser

injetados na companhia.

A lógica do Partido Socialista é paga primeiro e pensa depois, mas, na perspetiva do CDS, devíamos ter

avaliado todos os cenários, com dados objetivos, e depois, aí, sim, ter tomado uma decisão. Infelizmente, não

o fizemos.

O problema da TAP, hoje, é que temos Estado a mais e privado a menos. Tivemos, em todo este processo

da TAP, um ministro absolutamente irresponsável que, objetivamente, destruiu valor na companhia. Se temos

uma TAP que foi empurrada para o quadro de resgate e recuperação e não para o quadro de apoios COVID-

19, isto deve-se, em grande medida, à condução irresponsável deste processo, por parte do Ministro das

Infraestruturas. Por mais que o Ministro tente construir a sua verdade sobre a TAP, existe uma grande

diferença entre os tais dois caminhos. E não é por acaso que todas as companhias aéreas na Europa,

sublinho todas, escolheram o quadro de apoios COVID-19.

Estamos a assistir ao experimentalismo do Ministro Pedro Nuno Santos, que só agora percebeu que a

realidade, por vezes, colide de frente com a ideologia. Só isso justifica que, em momento de pandemia e com

um Governo de esquerda, o País assista ao maior despedimento público, em democracia, com a assinatura do

Ministro das Infraestruturas.

Sr.as e Srs. Deputados, agora, temos um plano de reestruturação da TAP que já foi entregue em Bruxelas,

relativamente ao qual o Governo recusa a entrega ao Parlamento. Num dia, o Governo quer trazer o plano

para o Parlamento aprovar e, no dia seguinte, o mesmo Governo recusa entregar o plano, justificando que é

confidencial. Os ziguezagues do Ministro em todo este processo transformaram-no no Ministro mais isolado e

fragilizado deste Governo.

Sr.as e Srs. Deputados, quero ainda falar aqui de algo que é grave e que merece não só a fiscalização

política, mas também, acima de tudo, a fiscalização do Tribunal de Contas.

David Neeleman recebeu um cheque do Governo de 55 milhões de euros. A pergunta que temos de

colocar é a de saber se o Sr. Neeleman devia ou não ter recebido esses milhões. Fui analisar a legislação

comunitária. E o que é que diz a legislação comunitária, em termos de apoios e em termos de apoios dos

próprios Estados? Diz no ponto 66, precisamente do tal quadro de reestruturação e resgate, que os acionistas

históricos devem suportar, na íntegra, repito, na íntegra, as perdas passadas e que a intervenção do Estado só

pode ocorrer após as perdas terem sido plenamente contabilizadas. Ou seja, o Sr. Neeleman não devia ter

recebido um único tostão.

As regras do quadro de resgate e reestruturação da Comissão Europeia são claras. Repito: os acionistas

têm de suportar, na íntegra, as perdas passadas e só depois disso pode existir a intervenção do Estado.

Portanto, há aqui uma violação das orientações comunitárias.

E, espantem-se, no mundo da aviação e por consequência desta pandemia, todos os acionistas, por esse

mundo fora, perderam tudo.

Os Estados perdem milhões, os trabalhadores perdem rendimento, muitos perdem também o seu posto de

trabalho e no meio de tudo isto, onde todos perdem, não apenas em Portugal, mas no mundo, o Sr. David

Neeleman recebe um cheque de 55 milhões de euros.

O desastre da TAP não é só irresponsabilidade do ponto de vista da gestão e da política, é também do

ponto de vista moral. Enquanto os trabalhadores saem e os salários são cortados, o Sr. David Neeleman é o

único empresário no mundo, no setor da aviação, a ter proveitos na ocorrência de uma pandemia. É o

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chamado «socialismo seletivo». O povo português serve para ser invocado nas comissões de inquérito, mas

esse mesmo povo português já não serve para ser defendido nos acordos com o Sr. David Neeleman.

Por isso, Sr.as e Srs. Deputados, termino lançando aqui um repto, um desafio ao Partido Socialista e ao

Governo. O desafio que lhes lanço é este: enviem este processo e este contrato, precisamente para o Tribunal

de Contas o poder avaliar e fiscalizar. Estamos a falar de muitos milhões de euros, e de milhões de euros que

têm de ser fiscalizados.

Quero terminar, Sr. Presidente, com a conclusão a que já todos chegámos: o Sr. Ministro Pedro Nuno

Santos é uma espécie de…

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Vou terminar, Sr. Presidente. Como eu estava a dizer, o Sr. Ministro Pedro Nuno Santos é uma espécie de Rei Midas, mas ao contrário:

em tudo o que toca o contribuinte paga.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado João Gonçalves Pereira, inscreveram-se, para pedidos de esclarecimento, cinco Srs. Deputados. Como é que pretende responder?

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Primeiro, a três e, depois, a dois Srs. Deputados, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Então, tem a palavra, em primeiro lugar, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Hugo Costa, do PS.

O Sr. Hugo Costa (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado João Gonçalves Pereira, o CDS escolhe para tema da sua declaração política a TAP. Depois de ontem termos seis horas de debate sobre a TAP, o CDS

escolhe este tema para a sua declaração política, mas perde mais uma boa oportunidade para dizer o que o

CDS pensa sobre a TAP.

É ou não o CDS a favor da manutenção da empresa? É ou não o CDS a favor da liquidação da empresa,

como alguma oposição aqui avança?

Sr. Deputado João Gonçalves Pereira, será que o CDS tem orgulho na privatização da empresa, que foi

feita num período eleitoral em que já era certo que o PSD e o CDS não se iriam manter no poder e em que,

sim, a empresa foi entregue ao Sr. David Neeleman, que o senhor aqui tanto critica?!

O Sr. Miguel Matos (PS): — Pois é!

O Sr. Hugo Costa (PS): — Vamos a factos: a empresa representa 2,6 mil milhões de euros de exportações; a empresa representa 1,3 mil milhões de euros de compras a empresas nacionais; a empresa

representa 2% do PIB (produto interno bruto) nacional. O Sr. Deputado assume aqui, perante esta Casa, que

quer liquidar esta empresa? O que é que o CDS defende para o futuro da empresa?

Protestos do Deputado do CDS-PP João Gonçalves Pereira.

Sr. Deputado, ao fim de semanas de debates sobre a TAP, vai assumir qual é, afinal, a posição do CDS

sobre a empresa TAP? Vai defender a sua liquidação? Vai defender a reestruturação?

Sr. Deputado, aproveitava para lhe colocar mais duas ou três questões. É verdade ou mentira que, perante

a atual circunstância, se não fosse a injeção de 1,2 mil milhões de euros, a TAP não podia ter futuro?

Depois, questiono-o também se continua com os populismos que outros partidos suscitam, nomeadamente

o dos 300 € por contribuinte, esquecendo que, em qualquer equação, temos de colocar os dois cenários?!

Uma última pergunta: o Sr. Deputado julga que a empresa estava bem antes da COVID, para aqui dizer

que, se não fosse a COVID, Portugal podia reestruturar a empresa?! Qual era a possibilidade de Portugal

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colocar a empresa no plano COVID se a empresa já tinha prejuízo, Sr. Deputado?! É verdade ou mentira que

a empresa já tinha prejuízo e, por isso, não podia ir para o plano COVID?!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Carlos Silva, do PSD.

O Sr. Carlos Silva (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado João Gonçalves Pereira, a TAP é uma espécie de tragédia grega, sem fim à vista.

Os portugueses não têm a garantia de que temos um plano viável e não existe qualquer racional que nos

diga que a TAP é sustentável a prazo. Os portugueses perguntam mesmo se faz sentido lá colocar mais de

3700 milhões de euros.

Protestos do Deputado do PS Hugo Costa.

Não sabemos! O Governo não o demonstrou. O Governo limita-se a uns sound bites sem qualquer

coerência.

Protestos do Deputado do PS Hugo Costa.

O Governo de Passos Coelho, em 2015, retirou a TAP da falência que estava anunciada. Este Governo,

em 2016, ideologicamente, nacionalizou a TAP. Chegou a pandemia e, sejamos honestos, a TAP estava mal,

pior ficou.

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Muito bem!

O Sr. Carlos Silva (PSD): — Então, Sr. Deputado, qual é o cenário aterrador que temos hoje? Temos um Governo que colocou já 1200 milhões de euros na TAP, sem qualquer escrutínio,…

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Muito bem!

O Sr. Carlos Silva (PSD): — … um Governo que dispensou os serviços do único acionista que percebia de aviões e ainda lhe pagou 55 milhões de euros para sair, um Governo desorientado, com divergências na praça

pública entre o Ministro da tutela e o Primeiro-Ministro e uma TAP que paga prémios de gestão aos seus

gestores em anos de prejuízo.

E a TAP, o que tem do seu lado para a proteger? Nada! Tem apenas um Ministro empolgado, de megafone

em punho, que carregou durante os últimos dois anos impropérios ideológicos sobre a gestão da TAP. Tem

um Ministro, a fazer «tremer as pernas» aos alemães, que afirmava há anos que a austeridade matava, a

efetuar o maior despedimento coletivo de que há memória em Portugal, sem qualquer sensibilidade social.

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Exatamente. Bem lembrado!

O Sr. Carlos Silva (PSD): — Tem um Ministro que, no plano de recuperação, só fala de cortes salariais. Não há uma palavra para os cortes das «gorduras» da empresa.

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Muito bem!

O Sr. Carlos Silva (PSD): — E tem, ainda, um Ministro que prejudicou severamente as negociações de melhores condições para a TAP, em Bruxelas.

Por tudo isto, Sr. Deputado — e não é pouco —, pergunto-lhe: acha que a TAP, neste cenário de terror

político-social, tem alguma possibilidade de sobrevivência a prazo?

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Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem, agora, a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado André Silva, do PAN.

O Sr. André Silva (PAN): — Sr. Presidente, já sabemos que o CDS insiste na alucinação de que a TAP estava de excelente saúde financeira antes da crise provocada pela pandemia, posição que não partilhamos.

Esta situação de inviabilidade foi reconhecida pela própria União Europeia ao não considerar a TAP

elegível para receber apoio, ao abrigo dos auxílios de Estado já permitidos pela Comissão, visto destinarem-se

apenas a empresas viáveis.

A situação de epidemia por COVID-19 veio, basicamente, pôr a nu e agravar a dificuldade de

sustentabilidade económico-financeira que a TAP já vinha a viver, colocando-a em situação de potencial

falência técnica, caso não tivesse havido a intervenção do Estado.

Mas o que gostaríamos de perguntar ao CDS, uma vez mais — não é a primeira vez que questionamos o

CDS —, tem a ver com a sua posição quanto aos problemas ambientais da TAP.

Do ponto de vista ambiental, a TAP era a terceira empresa nacional com maior nível de emissões de CO2 e

uma das 10 companhias aéreas europeias mais poluentes.

Foi inviabilizada a proposta que o PAN apresentou em sede do Orçamento do Estado para 2021, que

previa a implementação de um plano de redução de emissão de gases com efeito de estufa, que, para além de

uma frota mais eficiente a nível do consumo, poderá passar pela introdução de combustíveis verdes, como

aqueles que são fabricados a partir da captura do carbono, e também pela implementação de um plano de

compras ecológico, entre outras medidas, para além do fim das isenções aos produtos petrolíferos.

O CDS votou contra esta proposta do PAN. O que gostaríamos de perguntar é: por que motivo? Por que

motivo o CDS é contra exigirem-se contrapartidas ambientais a uma empresa altamente poluente, que vai

receber apoios de dinheiros do Estado, dinheiros públicos de todos nós.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para responder a estes pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado André Gonçalves Pereira.

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Sr. Presidente, André Gonçalves Pereira foi um Ministro. Eu ainda não…

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado, não leve a mal. Peço imensa desculpa!

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Não levo, Sr. Presidente. Até porque não ofende a pessoa em causa.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, Sr. Deputado João Gonçalves Pereira. Peço imensa desculpa.

Isto é da minha provecta idade. Ainda me lembro do Professor André Gonçalves Pereira como Ministro dos

Negócios Estrangeiros, imagine.

Risos.

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Sr. Presidente, começo por agradecer as questões colocadas e passo a responder ao Sr. Deputado Hugo Costa, do Partido Socialista.

Diz o Sr. Deputado: «Bom, ainda ontem estivemos a debater aqui, neste mesmo Hemiciclo, com o Sr.

Ministro Pedro Nuno Santos, Ministro das Infraestruturas, a questão da TAP. Lá insiste o CDS em trazer o

tema». Mas sabe porquê, Sr. Deputado? Por uma razão muito simples: isto vai custar muitos milhões de euros

aos contribuintes. Muitos milhões de euros! Portanto, isto exige discussão, como é evidente! Exige

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fiscalização! Estou certo, Sr. Deputado, conhecendo-o como o conheço, de que o Sr. Deputado até concordará

comigo.

Mas gostaria de dizer o seguinte em relação a algumas das apreciações que fez: o CDS — olhe, tal como o

PSD, ainda agora ouvi o Sr. Deputado Carlos Silva referir também — não tem complexos com a privatização,

não tem complexos com uma gestão privada.

Portanto, quanto a isso estamos calmos, serenos e, a seu tempo, faremos, como temos feito, a

comparação entre aquilo que é a gestão privada e, vamos ver no futuro, aquilo que é a gestão pública.

No entanto, quero dizer o seguinte: na discussão sobre a minha intervenção, eu gostava de ter ouvido da

parte do Partido Socialista uma outra resposta e um outro comentário, nomeadamente sobre o cheque que foi

passado ao Sr. David Neeleman, os tais 55 milhões de euros, e aquilo que está nas disposições europeias,

que os senhores conhecem e que, se calhar, hoje não querem discutir. Sobre isso é que eu gostaria de ter

ouvido algo da parte do Partido Socialista.

Já agora, em relação ao que era a empresa e como é que está agora, há um elemento na gestão — hoje,

não temos aqui o nosso professor de gestão e de empresas, o Ministro Pedro Nuno Santos! —, um elemento

de referência, quando se fala da avaliação de uma empresa. E esse elemento chama-se EBITDA (earnings

before interest taxes depreciation, and amortization). Sabe qual era o EBITDA da TAP, em 2015? Era cerca de

100 milhões de euros. Sabe quanto é que era em 2019? Mais de 500. Portanto, por aí tem a resposta.

Depois, perguntou o Sr. Deputado Carlos Silva se a TAP sobrevive ou não. Bem, é importante garantir que

haja o hub da TAP, que é, no fundo, o que gera cash para a operação da TAP.

Vamos ver o plano de reestruturação, que foi um documento apresentado em Bruxelas. Vamos ver o que

vem de lá. Estamos expectantes. Esperemos que a TAP possa sobreviver.

Uma última nota em relação às questões que o Sr. Deputado André Silva colocou.

A TAP não é perfeita. Claro que não! Tinha erros de gestão? Com certeza que sim! Quanto a isso não

tenho também grandes dúvidas.

Agora, há uma coisa que sei. O Sr. Deputado colocou uma questão que tem a ver com as emissões. É uma

preocupação que o CDS tem, a da questão das emissões. No entanto, devo dizer que, se houve ato de gestão

da administração e da gestão privada da TAP — onde também está o Estado, é verdade —, foi o da

renovação da frota. Esta frota que há na TAP é muito mais eficiente. Não tivesse a gestão privada decidido a

renovação da frota e teríamos uma mais obsoleta e mais poluente.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Vamos retomar os pedidos de esclarecimento, pelo que dou a palavra ao Sr. Deputado Bruno Dias, do PCP.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado João Gonçalves Pereira, a TAP tem vindo a atravessar uma situação com enormes ameaças e com problemas da maior gravidade. Mas

não há dúvida de que um problema que não é pequeno nem é pouco relevante para a TAP é o da demagogia,

do populismo e do oportunismo político dos que, na esfera político-partidária, aproveitam não só a situação da

TAP para fazer guerrilha mas também a crise pandémica para apostar no dumping social e para «pedir a

cabeça» dos trabalhadores e os seus direitos.

Protestos do PSD.

É por isso que não podemos deixar de repudiar a forma demagógica, a forma politicamente desonesta

como está a ser colocado este assunto por parte de alguns partidos, e aqui destaco o CDS e o PSD — o seu a

seu dono, honra seja feita! —, que têm assumido desde o início uma atitude de total displicência relativamente

ao futuro de uma companhia estratégica para o nosso desenvolvimento e soberania.

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Não é verdade!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Os Srs. Deputados falam em não ter complexos relativamente ao setor público e ao setor privado, às nacionalizações e às privatizações e nós observamos, de uma forma muito concreta, a

experiência que tem sido. Os senhores tão depressa nacionalizam prejuízos como privatizam lucros. Isso é

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verdade! No entanto, a defesa do interesse nacional, a defesa de companhias estratégicas para a nossa

soberania, não é a isso que temos vindo a assistir.

Quando o Sr. Deputado diz que a TAP não recebe um cêntimo do Estado desde 1998, é inteiramente

verdade. Nós andámos anos a dizer isso, nomeadamente quando o Governo PSD/CDS e o vosso Ministro Dr.

Pires de Lima privatizaram a TAP, nesse tal negócio criminoso com o Dr. David Neeleman, em que a TAP não

podia ser vendida, porque o Governo não a podia vender, e foi vendida logo a um senhor que não a podia

comprar.

Foi uma situação absolutamente escandalosa, do ponto de vista até jurídico e do ponto de vista legal! Do

ponto de vista estratégico e da soberania, foi pura e simplesmente uma decisão criminosa.

Nós não podemos deixar de dizer — e vou terminar, Sr. Presidente — que o que é importante, de facto, é

defender a TAP. É muito mais caro para o País deixar a TAP desaparecer, como os senhores defendem, do

que defender a TAP e intervir em relação ao seu futuro.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Pires, do BE, para pedir esclarecimentos.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado João Gonçalves Pereira, o tema que traz a debate é relevante e é importante. Ontem mesmo, tivemos uma tarde praticamente inteira

de audição ao Ministro das Infraestruturas, a requerimento do Bloco de Esquerda, sobre a matéria.

Convenhamos que é preciso ter alguma seriedade quando falamos de uma empresa que representa tanto

para a economia portuguesa, que representa tanto para a soberania do País e que representa tanto, direta e

indiretamente, para centenas de milhares de trabalhadores no nosso País. Ora, a forma como a direita,

nomeadamente o CDS, tem feito o debate da TAP, audição após audição e aqui, hoje, no âmbito das

declarações políticas, denota bem a falta de seriedade com que o CDS está nesta discussão.

Falou em fazer história da TAP. Mas, então, temos de perceber os resultados desastrosos da privatização

que o Governo do PSD e do CDS fez. Deu uma empresa estratégica para a economia portuguesa a um

acionista privado, que já aqui foi referido, David Neeleman, que, numa altura em que era absolutamente

necessário, não tinha vontade nenhuma, como era óbvio, de auxiliar a empresa onde estava, por variadas

razões. E já nem vamos sequer falar da gestão feita nestes últimos anos sob a alçada do Dr. Neeleman, e

temos acompanhado bastante neste Parlamento o que foi feito. Mas não deixa de ser estranho como é que o

PSD e o CDS continuam a defender o modelo privado que tínhamos antes da nacionalização. Não faz

qualquer sentido.

Protestos do Deputado do CDS-PP João Gonçalves Pereira.

Sr. Deputado, a pergunta que fica, porque o CDS ainda não conseguiu responder a esta pergunta, é a

seguinte: qual é a importância da TAP para o CDS, afinal? Serve apenas para fazer negócios com o privado

ou serve, efetivamente, para responder à economia portuguesa e aos trabalhadores portugueses? É que,

durante todo este debate, não fica claro qual é a posição do CDS. A não ser que pretenda continuar com uma

TAP privada e que, portanto, não pode responder ao desígnio que a TAP tem.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado João Gonçalves Pereira, do CDS-PP.

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Sr. Presidente, agradeço as questões colocadas pelo PCP e pelo Bloco de Esquerda.

Quero desde já fazer um esclarecimento sobre algo que o Sr. Ministro tem dito e que não corresponde à

verdade. É que, um pouco por esse mundo fora, as companhias aéreas são privadas, os capitais e os

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acionistas são privados e os apoios que receberam e que estão a receber dos Governos não alteram a

estrutura acionista, não alteram a gestão.

Protestos do Deputado do PCP Bruno Dias.

E se há sítio no mundo onde houve uma alteração da gestão privada em função da pandemia, o único caso

é o português. É mais uma exceção.

Perguntam os Srs. Deputados do PCP e do Bloco de Esquerda porque é que o CDS traz isto a debate.

Oiça, por uma razão simples.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Não. Eu não!

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Não, não. Perguntou, perguntou!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Eu?

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — E eu explico-lhe. É pela preocupação que o CDS tem sobre esta matéria que isto implica discussão.

Já percebi que o PCP e o Bloco de Esquerda não querem fazer essa discussão, mas a isso já vamos

estando habituados.

Protestos do Deputado do PCP Bruno Dias e da Deputada do BE Isabel Pires.

Depois, há uma outra situação. O Sr. Deputado veio falar de privatização. Quem é que assinou o

Memorando de Entendimento? Onde é que estava no Memorando de Entendimento da questão da TAP? O

que é que dizia lá? Qual é que era o compromisso?

Protestos do Deputado do PCP Bruno Dias.

Ó Srs. Deputados, já fizemos essa discussão!

No entanto, notei que os senhores traziam de casa ou do gabinete umas notazinhas já preparadas sobre a

TAP. Portanto, como traziam as notas, não ouviram a intervenção — porque não ouviram — e não

perceberam aquilo que foi dito!

Protestos dos Deputados do PCP e do BE.

Mas repito, que é para ver se os senhores entendem porque eu gostava de ouvir um comentário.

A Sr.ª Deputada vem aqui dizer «o senhor defende os privados, defende a gestão privada». Defendo!

Reconheço que há problemas. Ninguém esconde isso.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Ah!…

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — O CDS traz aqui uma declaração política e demonstra por a mais b que o Sr. Neeleman não tinha direito a 55 milhões de euros. O PCP e o Bloco de Esquerda não dizem

nada! É como o Governo. O Governo, quando está nas comissões parlamentares, invoca o povo. Depois, nas

negociações com o Sr. Neeleman, é: «toma lá um cheque de 55 milhões de euros»! É tão simples quanto isto.

É só esta a diferença.

Portanto, já percebi que, da parte do PCP e do Bloco de Esquerda…

Protestos do Deputado do PCP Bruno Dias.

Agora está incomodado, Sr. Deputado.

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Como estava a dizer, da parte do PCP e do Bloco de Esquerda, há um total conforto com a posição do

Governo, que foi a de entregar ao Sr. Neeleman 55 milhões de euros e desresponsabilizá-lo naquilo que era a

sua posição enquanto acionista da própria TAP.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — É tal a desonestidade!

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Seriedade no debate precisa-se!

O Sr. Presidente (António Filipe): — Vamos passar à declaração política do PAN. Para o efeito, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No passado dia 10 de dezembro, celebrou-se o Dia Internacional dos Direitos Humanos, instituído pelas Nações Unidas. Em 2020,

esta data evocativa teve como lema «Recuperar Melhor — defender os Direitos Humanos», numa alusão ao

período absolutamente excecional que vivemos e que afeta especialmente aqueles que são mais vulneráveis,

com menos recursos e com maior dificuldade de acesso a serviços básicos de saúde, emprego, educação,

justiça ou alimentação.

Quando falamos de violação de direitos humanos, imaginamos normalmente uma realidade muito distante

da do nosso País. Pensamos em países que historicamente sempre se pautaram por um total desrespeito pela

vida humana. Pensamos, por exemplo, na China e nos seus constantes atentados aos direitos humanos,

nomeadamente às minorias religiosas. Ou na Eritreia, conhecida como a «Coreia do Norte africana», onde

nunca houve eleições e onde as mulheres são ainda tratadas como empregadas e escravas sexuais dos

comandantes dos exércitos. Ou na existência de leis discriminatórias, homofóbicas e transfóbicas, aprovadas

sob a cobertura da pandemia do novo coronavírus, em que são apenas o mais recente ataque às pessoas

LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgénero e Intersexo) pelas autoridades húngaras. Ironicamente, tanto

um país como o outro fazem parte da composição atual do Conselho de Direitos Humanos das Nações

Unidas.

Mas infelizmente, aos dias de hoje, esta não é apenas uma realidade além-fronteiras. Também em Portugal

continuamos a assistir a episódios de violações gritantes dos direitos humanos.

Após 46 anos da instauração do regime democrático, temos ainda muito a fazer nesta matéria e, se, por

um lado, a pandemia veio evidenciar ainda mais aquelas que são as injustiças e desigualdades e sociais que

persistem no nosso País, por outro, episódios recentes demonstram quanto temos de permanecer vigilantes

na defesa intransigente dos direitos humanos, perante a ameaça da violência, do ódio, do racismo, da

xenofobia e da intolerância.

Talvez há algum tempo antes algumas pessoas pudessem considerar impensável que, no nosso País, três

inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) pudessem matar um cidadão ucraniano à chegada

ao aeroporto de Lisboa, num contexto absolutamente grotesco que nos deve envergonhar a todos e a todas.

Mas aconteceu. E não só aconteceu como, perante um crime de tamanha gravidade, a reação do Governo foi

demasiado lenta e ligeira, ainda para mais perante um caso ocorrido sob a tutela do próprio Estado. E, mais,

ignorando até, ao longo de todos estes meses, os sinais e alertas feitos nos últimos anos e que foram

recordados ao longo deste tempo em relação a esta instituição, uma instituição — sejamos também honestos

— composta por boas e por más pessoas, como episódios recentes nos vieram demonstrar.

Mas este foi, de facto, o pior exemplo possível que poderíamos ter dado aos portugueses na educação e

na sensibilização para o combate aos preconceitos, o combate ao racismo e à discriminação, que ainda

persistem na nossa sociedade e que não podem ser tolerados nem abordados com este desprezo e falta de

sensibilidade.

Situações destas exigem reações firmes e imediatas que não deixem dúvidas absolutamente nenhumas de

que em Portugal não há lugar à tortura nem lugar à perseguição dos mais vulneráveis. Mas não foi isso que

aconteceu.

Mais: os atropelos aos direitos humanos no nosso País não se esgotam, infelizmente, neste caso

absolutamente grotesco e que temos de garantir que jamais voltará a acontecer. Continuamos, por exemplo, a

ser confrontados, no nosso País, com o terrível flagelo da violência doméstica e de violência de género ou do

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abuso infantil, que continua a matar dezenas de mulheres, homens e crianças todos os anos e que este ano

tirou também, recentemente, a vida a um agente de segurança pública.

Só em 2020, a violência doméstica já matou mais de 31 pessoas, a maioria delas mulheres, para além de

termos assistido a um crescimento das participações às autoridades dos casos e das denúncias em contexto

de privacidade.

Assim como não nos podemos também esquecer dos casos de mutilação genital feminina —

evidentemente, um caso, se calhar, com menor expressão no nosso País, mas de uma violência grotesca —,

em que os direitos das crianças e destas mulheres em relação ao seu próprio corpo, à sua saúde, à sua

identidade são completamente violentados e ainda hoje aceites em muitas comunidades e que também

ocorrem no nosso País e não apenas em lugares distantes, o que levou, por exemplo, o PAN a apresentar

uma iniciativa que visa contribuir precisamente para a sua erradicação.

Falar de violação de direitos humanos é também falar de caminhos populistas antidemocráticos que estão

em crescimento, é falar da discriminação de etnias, é falar da xenofobia, do racismo, da homofobia, da

transfobia e do caminho do ódio. Mas também é falar do caminho do silêncio, do caminho que ignora o que

está a acontecer diante dos nossos olhos e nenhum destes caminhos é, nem pode ser, o da nossa

democracia.

É fundamental a este tempo, mais do que nunca, que se promova uma verdadeira justiça social e igualdade

de direitos. É fundamental que, na recuperação desta crise que atravessamos, a defesa intransigente dos

direitos humanos seja um pilar incontornável do nosso País e que não se permita que esta crise aumente

ainda mais o fosso das desigualdades, que não só persiste como corremos o risco de se agravar.

E aqui chegados, Sr.as e Srs. Deputados, os direitos humanos são, desde logo, não ter receio de questionar

e mudar as instituições quando falham, de assumirmos as nossas próprias responsabilidades, sejam elas

institucionais ou políticas, garantindo meios, recursos e, acima de tudo, formação para que possam funcionar e

salvaguardar os direitos humanos.

O respeito pelos direitos humanos também é, mais do que nunca, combater a pobreza e garantir que todas

e todos tenham acesso à justiça, aos serviços de saúde, à educação e a salários condignos e assegurar uma

vida digna para todas as pessoas, priorizando o investimento em projetos que promovam a verdadeira

sustentabilidade social, económica e laboral.

Numa sociedade onde dependemos todos uns dos outros para garantir a nossa sobrevivência, a violação

dos direitos humanos é um crime que não podemos, jamais, tolerar.

Sr.as e Srs. Deputados, para concluir, direi que o caminho que ainda temos para fazer não se constrói —

não tenhamos ilusões — com botões de pânico, ou «enfiando a cabeça na areia» ou, menos ainda, com o

empurrar de responsabilidades, dos discursos e palavras de circunstância. Precisamos, sim, de justiça, de

políticas e de ações concretas que garantam que ninguém é, de facto, deixado para trás, seja na recuperação

da crise sanitária,…

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem de concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Vou já concluir, Sr. Presidente. … com vista a honrarmos o caminho que Portugal tem aqui feito em matéria da proteção dos mais

vulneráveis.

O Sr. Presidente (António Filipe): — A Mesa regista cinco inscrições para pedidos de esclarecimento. Entretanto, a Sr.ª Deputada informou que pretende responder primeiro a um grupo de três Srs. Deputados

e depois aos dois restantes.

Sendo assim, para o primeiro pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Peixoto, do

PSD.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, felicito-a pelo tema que aqui traz, de uma relevância extrema para um Estado de direito, para uma democracia

e para o nosso País.

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Contudo, este tema, como bem frisou, transporta-nos para uma evidência que a todos nós choca e que tem

sido discutida até à exaustão em todos os lados. Essa evidência foi a morte dramática de um cidadão no

aeroporto de Lisboa. Esta foi a primeira nota que a Sr.ª Deputada quis — e bem! — aqui trazer.

A segunda nota, que eu acrescento a essa, tem a ver com o desnorte total do Governo no tratamento

dessa questão. A consequência imediata desta morte e da forma como o Governo a tratou foi a seguinte —

não sei se a Sr.ª Deputada me acompanha: em primeiro lugar, o Diretor Nacional da Polícia de Segurança

Pública (PSP) veio dizer que tem trabalhado intensamente com o MAI (Ministro da Administração Interna) na

fusão entre o SEF e a PSP. Só hoje é que o MAI disse qualquer coisa sobre isto, mas ontem não desmentiu,

ou seja, consentiu. O Primeiro-Ministro diz que não há fusão nenhuma.

Conclusão: o que é que nós temos? O Primeiro-Ministro a tirar o tapete ao Ministro da Administração

Interna, desautorizando-o, e o Ministro da Administração Interna a tirar o tapete ao Diretor Nacional da Polícia.

Em suma, isto está irrespirável — irrespirável! E, portanto, é pena! É pena, Sr.ª Deputada e Srs.

Deputados, porque o que está em causa é a dignidade e o prestígio de Portugal, é o respeito pela democracia

e pelo Estado de direito e é, essencialmente, o respeito pelos imigrantes.

Aquilo que é trágico, aquilo que é, de facto, vergonhoso — é uma palavra hoje muito banalizada — é que o

Primeiro-Ministro, que é o grande responsável por isto tudo, ainda não disse aquilo que tem de dizer, e por

isso somos todos convocados para o interpelar nesse sentido. O Primeiro-Ministro tem de dizer aqui se quer

ficar do lado de um amigo, que é aquilo que tem demonstrado, ou se quer ficar ao lado do País.

Sr.ª Deputada, acompanha ou não o PSD nesta interpelação que tem de fazer ao Sr. Primeiro-Ministro, no

sentido de decidir se está a tomar aqui uma opção pessoal ou se está a tomar uma posição institucional a

favor do País?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida, do CDS.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, o tema que trouxe é relevante e devo dizer que ia bem a sua intervenção. Acontece que, a partir

de certa altura, numa ânsia de falar de tudo e em todos os sentidos — e estamos a falar, em concreto, da

questão da morte do cidadão ucraniano à guarda do Estado português —, não se percebeu bem qual era o

sentido em que o PAN se posicionava, porque ao mesmo tempo que criticava o Governo pela forma como

conduziu o processo, fazia críticas a um serviço de segurança, exatamente na mesma onda de desgaste com

que o Governo se posicionou.

Sr.ª Deputada, valorizar comportamentos negativos para que eles não voltem a existir não é generalizá-los.

A generalização que a Sr.ª Deputada aqui hoje fez não é rigorosa, é demagógica e é contraproducente,

porque não é dizer que aquilo que aconteceu com o cidadão ucraniano é o que acontece todos os dias no SEF

que vamos promover uma cultura de respeito pelos direitos humanos e uma cultura de rejeição absoluta

daquilo que aconteceu naquele caso específico.

É por isso que, da parte do CDS, achamos que é importante separar três situações: a primeira é a total

responsabilidade no apuramento daquilo que aconteceu e a total responsabilidade na atribuição de

consequências a quem praticou atos totalmente inaceitáveis; a segunda é o respeito por um serviço de

segurança do País, que todos os dias presta serviços de enorme relevância e que não merece a generalização

que a Sr.ª Deputada aqui fez, nem o descuido que o Governo tem tido para com esse serviço de segurança; e

a terceira é um empenho de todos nós para que este respeito pelos direitos humanos seja, desde logo,

praticado por quem serve o Estado português, termos essa responsabilidade aqui, no Parlamento, de não

fazer essa confusão.

A pergunta que lhe deixo é muito simples: a Sr.ª Deputada acha que as nossas forças e serviços de

segurança estão do lado da proteção dos direitos humanos ou são adversários da proteção dos direitos

humanos? É importante que esclareça, porque na intervenção que fez não se percebeu.

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O Sr. Presidente (António Filipe): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Bacelar de Vasconcelos, do PS.

O Sr. Bacelar de Vasconcelos (PS): — Sr. Presidente, queria começar por manifestar à Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real a profunda empatia com o teor da sua intervenção.

A questão dos direitos humanos não é uma questão tópica, pontual, não é uma questão dos últimos dias,

dos últimos meses, dos últimos anos. É uma questão permanente, é uma preocupação permanente, é parte

essencial da construção do Estado de direito, da democracia constitucional, da qual nós somos aqui

representantes.

Aplausos do PS.

Por isso, ouvi com muito apreço a sua intervenção, apreço devidamente partilhado pelo meu partido, pelo

meu grupo parlamentar, que nesta matéria, felizmente, tem um notável currículo de defesa e de empenho

sério e construtivo pelos direitos humanos.

Evidentemente, o caso do imigrante assassinado em instalações do Estado no aeroporto de Lisboa é uma

questão de extraordinária gravidade e, ao contrário do que alguns possam pensar e dizer aqui, isto releva de

insuficiências e de deficiências de cultura política e de cultura democrática que têm de ser devidamente

consideradas no tratamento pontual do caso em curso.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Muito bem!

O Sr. Bacelar de Vasconcelos (PS): — Isto significa que é preciso levar até ao fim o apuramento de todas as responsabilidades.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Muito bem!

O Sr. Bacelar de Vasconcelos (PS): — É fácil encontrar bodes expiatórios, mas não é com o sacrifício deles que conseguiremos compreender como é possível ter acontecido este crime nefando e, ao nível do SEF,

do Governo, da Presidência da República e deste Parlamento, tomar as medidas indispensáveis para tornar

cada vez mais difícil que voltem a ocorrer situações como esta.

A Sr.ª Deputada afirmou que o Governo foi lento. Evidentemente, essa lentidão perturba-nos a todos, mas

a minha pergunta é apenas esta: não será preferível avançarmos com passos seguros para resolver as coisas

a sério, em vez de explorar a espuma dos dias com mais um fait-divers que vai ser esquecido na próxima

oportunidade?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para responder, a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, desde já, agradeço todas as questões que nos foram colocadas e começo por responder ao Sr. Deputado Carlos Peixoto, do Grupo Parlamentar do PSD.

Há uma pergunta à qual, evidentemente, não posso deixar de responder, que é a seguinte: de que lado

está o PAN nesta questão? Tanto da nossa última intervenção como das nossas sucessivas intervenções a

respeito deste caso, acho que fica bem claro que o PAN está do lado dos direitos humanos. Acreditamos e

apelamos ao Governo, ao Sr. Primeiro-Ministro, que também esteja do lado dos direitos humanos, porque não

estamos a falar de amiguismo, mas, sim, de uma responsabilidade política que também tem de ser retirada

neste caso. E já tivemos oportunidade de o referir, inclusivamente ontem, na audição do Sr. Ministro da

Administração Interna, porque achamos que o mesmo não tem condições para continuar no cargo. Isso é bom

que fique claro.

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Há também um caminho a fazer, já o defendemos, que é o da reestruturação da própria instituição, e isto

leva-nos à questão colocada pelo Sr. Deputado João Almeida, do CDS. Provavelmente, o Sr. Deputado não

terá prestado atenção àquilo que referi há pouco,…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Eu prestei!

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — … nem ao que referi ainda ontem, na audição do Sr. Ministro da Administração Interna, quando tivemos o cuidado de salvaguardar que, evidentemente, há bons funcionários

nesta instituição que também estão a ver manchada a sua reputação.

Aquilo que o Sr. Deputado ignora e em relação às quais nós não podemos fechar os olhos são as

sucessivas queixas que têm ocorrido relativamente a esta instituição. Porque, se este episódio é grotesco e

um caso isolado — não temos, felizmente, outros casos que tenham atingido esta dimensão —, não podemos

ignorar, por exemplo, que em 2018 houve 74 menores que foram retidos neste aeroporto. Podemos dizer

«retidos», mas, na verdade, estamos a falar de detenções e estamos também a falar, Sr. Deputado, de uma

preocupação já expressa pela própria Provedora de Justiça, que se refere ao CIT (Centro de Instalação

Temporária), por exemplo, como «no man’s land».

Sr. Deputado, se isto não o preocupa e se não acha que estamos aqui a falar de um problema sistémico e

não apenas de um caso pontual, a nós preocupa-nos, evidentemente.

Em relação às forças de segurança do nosso País, apesar de todos os defeitos e daquele que possa ser o

caminho a fazer para combater o abuso de poder e a violência policial, acreditamos — e temos exemplos

disso, como foi o caso do agente que tive o cuidado de referir — nas pessoas que estão a honrar a sua missão

e que, com elevado serviço público, têm defendido e honrado a missão das forças de segurança pública.

Não podemos confundir e ter receio de chamar as coisas pelo nome quando temos um problema

absolutamente sistémico no nosso País, Sr. Deputado. Em relação a isso, não há que fazer confusões.

Em relação à intervenção do Sr. Deputado Pedro Bacelar de Vasconcelos, a qual agradecemos, não posso

deixar de lhe retribuir uma questão. Se é importante avançarmos de forma consolidada na reestruturação que

tem de se fazer, há uma ausência de informação que não podemos deixar de criticar e uma ausência de

capacidade de responsabilidade política que também tem estado latente na intervenção ao longo destes nove

meses. Isto, Sr. Deputado, não é compaginável com a gravidade deste episódio nem o é com declarações

absolutamente infelizes que ouvimos mais recentemente.

Se todos podemos falhar, como bem saberemos, há um comportamento reiterado que não é tolerável e

exigia-se mais de um Governo que queremos comprometido com os direitos humanos.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Vamos continuar com os pedidos de esclarecimentos. Tem a palavra a Sr.ª Deputada Alma Rivera, do PCP.

A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, há, de facto, um caminho longo a percorrer e ele passa pela contribuição que se pode dar, a partir dos órgãos de soberania, para o cumprimento

dos direitos humanos. Passa, nomeadamente, pelo respeito na relação com outros povos, pela forma como se

tratam os outros povos, pela resolução pacífica de conflitos e pelo respeito da soberania de cada um. E é,

também, falando de direitos humanos, uma forma de julgar como tratamos aqueles que procuram o nosso

País para trabalhar e para ter uma vida melhor. Esse também é um elemento que temos de ter em conta.

Temos um outro contributo para dar, que está na origem de muitas destas contradições e dos problemas

que temos vivido, que é o do combate às desigualdades. Na origem de problemas como o da violência

doméstica, que a Sr.ª Deputada referiu — e bem! —, estão desigualdades profundas que atingem as mulheres

de forma mais intensa, como sejam a precariedade, os baixos salários, o desemprego, que se agravaram com

a COVID. Portanto, há um contributo a dar e é o do respeito pela Constituição.

A Constituição da República Portuguesa, quando cumprida, contém todos e cada um dos direitos humanos

de que aqui falamos.

O que não se pode mesmo admitir são preocupações tardias relativamente à situação horrível que

aconteceu e este debate não pode servir para outra coisa que não seja para percebermos o que se passa,

corrigir e tomar as medidas necessárias para que uma coisa destas nunca mais volte a acontecer.

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Aplausos do PCP e do PEV.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Pureza, do Bloco de Esquerda.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, em nome do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, quero cumprimentá-la pela declaração política

que fez, oportuna e importante, bem como colocar-lhe um conjunto de reflexões a que, depois, a Sr.ª

Deputada dará eco como entender.

Seria terrível se a comemoração que fizemos no dia 10 de dezembro fosse a comemoração de um

discurso, a comemoração de palavras. As palavras são importantes, bem o sabemos, mas, na verdade, ou

comemoramos práticas ou, então, comemoramos vazios. Creio que, a esse respeito, é muito importante

perceber que a distância que vai do discurso às práticas é, muitas vezes, fatal.

Fazemos, com referência ao nosso País, um discurso de autoelogio. Temos algumas razões para isso, mas

também temos muitas razões para fazermos uma autocrítica muito forte sobre a realidade dos direitos no

nosso País. Quando olhamos a realidade do nosso País a partir das vítimas de violação e de discriminação

dos direitos humanos, o discurso que temos de fazer é outro, completamente diferente.

Aquilo que aconteceu no aeroporto de Lisboa — a Sr.ª Deputada, certamente, concordará — não foi um

incidente nem um acidente. Foi uma consequência, como dizia há pouco o Sr. Deputado Pedro Bacelar de

Vasconcelos, de uma cultura política e de uma cultura em geral que pré-criminaliza os imigrantes, olha para

eles com suspeita, faz deles pretensos bandidos e, depois, tem consequências drásticas em comportamentos

absolutamente grotescos como aquele que aconteceu no aeroporto de Lisboa.

Ihor Homeniuk, digamos o seu nome. Ihor Homeniuk é o nome do reverso dos direitos humanos em

Portugal e isso tem de ser salientado aqui mesmo, no Parlamento, em homenagem à democracia, a um

Estado e a um povo que querem, efetivamente, ser defensores dos direitos humanos.

Finalmente, a segunda reflexão, Sr.ª Deputada, é a de que «direitos humanos» tem de ser a expressão-

chave em muitos domínios. Direitos humanos no trabalho, por exemplo, com direito a uma justa remuneração

e à proteção social; direitos humanos das mulheres, com a defesa da sua autonomia, com a defesa da sua

não discriminação; direitos humanos no fim da vida, com o respeito escrupuloso pela escolha de cada um no

fim da sua vida. Isso é o universo dos direitos humanos e é isso que me faz colocar-lhe esta questão, para

terminar: a Sr.ª Deputada concorda, ou não, que os direitos humanos não são conquistas adquiridas, são

conquistas diárias para as quais temos de dar o nosso melhor e mobilizar toda a gente à nossa volta?

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, agradeço à Sr.ª Deputada e ao Sr. Deputado pelas questões que nos colocaram.

Começaria por responder às questões da Sr.ª Deputada Alma Rivera, do PCP, relativamente à violência

doméstica e de género, que ainda persiste no nosso País. De facto, é um flagelo demasiado grave e uma

batalha que continuamos a perder, apesar de todo o trabalho que até aqui tem sido feito. A crise sanitária,

como bem nos têm alertado as organizações não governamentais, não pode permitir que fique para trás o

trabalho que tem sido desenvolvido e, menos ainda, que não se criem soluções para que as vítimas possam

ser apoiadas e empoderadas, apesar do difícil contexto em que vivemos.

Neste tempo de desânimo e de escuridão a que, de alguma forma, temos vindo a assistir, como foi com o

caso da morte deste cidadão estrangeiro, ucraniano, o episódio recente da morte do agente da PSP traz-nos

uma luz, um sinal de que temos pessoas que honram a sua missão e que não devemos cair no risco de fazer

generalizações.

Mas isto, e passando para a resposta à questão do Sr. Deputado José Manuel Pureza, que muito

agradeço, não deve levar-nos a ter a ingenuidade de acreditar que não há, de facto, um problema sistémico e

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estrutural e uma cultura errada que tem de ser combatida, nomeadamente num aspeto essencial que focou e

que é o da forma como olhamos para os cidadãos estrangeiros que entram no nosso País.

Só quem nunca esteve num centro de atendimento a cidadãos estrangeiros, por exemplo, para ver a

burocracia e a hostilidade ou a frieza verbal com que são tratados é que não conhece a realidade de quem

chega às nossas fronteiras, quer sejam maiores ou menores de idade. Se isto não nos choca e não nos

constrange a todos, dificilmente poderemos passar das palavras à ação, como o Sr. Deputado bem referiu.

Assim, não poderia deixar de acompanhar na totalidade aquilo que o Sr. Deputado referiu, porque há uma

multiplicidade de dimensões dos direitos humanos que está por concretizar no nosso País. Não estamos, com

isto, a ser pessimistas ou a fazer tábua rasa de tudo o que foi feito em matéria de conquistas dos direitos

humanos, seja no abuso infantil, na violência doméstica ou neste caso grotesco do cidadão ucraniano Ihor.

Efetivamente, há um trabalho que tem sido feito, mas ignorar ou fechar os olhos… A delonga que levou este

processo é uma mancha e põe em causa aquilo que era imaculado no nosso País, a ideia de que os direitos

humanos estavam consagrados e concretizados.

Por isso, é fundamental que exista uma reestruturação mais profunda e que haja uma avaliação, o que é

algo que ainda não ocorreu, do ponto de vista das instituições. Devemos, também, olhar para esta situação

como uma oportunidade de melhoria e de avaliação para reestruturar o caminho que tem de ser feito,

independentemente da questão da fusão, que foi posta em cima da mesa, mas que deve acontecer de forma

estruturada e não arrastada para este processo.

Há uma avaliação, que é a do Portugal que nós queremos. E o Portugal que nós queremos não se resolve

com botões de pânico, resolve-se com meios e investimento, seja nas diferentes forças policiais, seja nas

organizações não governamentais, que são parceiras inestimáveis, seja no nosso dever de proteger, acima de

tudo, as pessoas que são vítimas de violência, qualquer que seja o seu contexto.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para proferir a próxima declaração política, tem a palavra, pelo PEV, o Sr. Deputado José Luís Ferreira.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A crescente e acelerada reconversão de culturas agrícolas em modo tradicional para plantações intensivas e superintensivas de olival e

de amendoal que se está a verificar, sobretudo no Alentejo, não está apenas a transformar a paisagem

tradicional da região, está também a consumar um dos maiores crimes ambientais do nosso País.

Na verdade, com esta reconversão, começam a ser visíveis impactes ambientais — que eram, aliás,

previsíveis — quando se avança para um sistema de culturas em regime intensivo ou superintensivo desta

dimensão sem se ter acutelado um conjunto de elementos relacionados com o impacto no território, no

ambiente e nas pessoas.

Estamos a falar de culturas que podem abarcar cerca de 2000 árvores por hectare, portanto, com

distanciamentos muito curtos entre elas. Falamos de culturas muito exigentes no que diz respeito ao consumo

de água e, numa altura em que o País necessita da implementação de medidas concretas que gerem eficácia

no âmbito da vertente da mitigação das alterações climáticas, mas também da adaptação à mudança do clima,

não se compreende como se caminha para um modelo de agricultura que assenta exatamente no oposto ao

que se exige ao nível do uso da água.

Para além disso, estamos a erradicar a cultura tradicional, a fazer com que ela nem sequer seja

economicamente viável, para dar lugar às culturas intensivas de regadio, que são altamente dependentes de

água. Falamos de 200 000 ha de culturas intensivas, de onde se destaca o olival intensivo e superintensivo,

com impactos muito sérios e a todos os níveis, que não se limitam apenas aos blocos de rega instalados no

âmbito do Alqueva, mas que se alargam aos perímetros confinantes e a outras explorações onde essas

culturas avançam de forma descontrolada.

As preocupações são muitas e vêm de todos os lados, até porque as populações estão a ser confrontadas

com a implementação destas culturas e com a aplicação constante de pesticidas junto às suas povoações. E,

à medida que estas culturas avançam, os impactos vão sendo cada vez mais visíveis. Numa região com

alguns dos melhores solos do Alentejo e onde o risco de desertificação está mais que identificado, estas

culturas intensivas estão a potenciar seriamente a erosão dos solos.

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Por outro lado, a utilização de grandes quantidades de produtos fitofarmacêuticos e fertilizantes, por vezes

efetuada até de forma desregrada, está a provocar efeitos a vários níveis, nomeadamente na saúde das

populações, até porque existem culturas intensivas junto dos aglomerados populacionais, ficando as pessoas

expostas a sérios riscos, decorrentes sobretudo da aplicação de agroquímicos. Tem efeitos também ao nível

da qualidade da água, com os fertilizantes e os pesticidas a poluírem as águas superficiais e subterrâneas,

com reflexos nos ecossistemas mas também na saúde humana, até porque é sabido que há pessoas que

utilizam a água de captações junto a zonas de aplicação para consumo próprio; e também ao nível da riqueza

biológica da região e da sua biodiversidade, sobretudo no que diz respeito à flora, que fica assim ameaçada,

principalmente na sequência da aplicação de herbicidas em locais que funcionavam como refúgios de

biodiversidade.

Com a multiplicação destas culturas intensivas, as linhas de água, com todos os valores ecológicos que

lhes estão associados, estão a ser reduzidas a meras valas de drenagem, corrigidas e adulteradas, destruindo

impiedosamente as galerias ribeirinhas e a vegetação marginal. Mas o problema agrava-se se tivermos em

conta o uso abusivo de herbicidas que a cultura intensiva exige, seja em quantidade, seja em locais que

deveriam funcionar como refúgio de biodiversidade.

Além de tudo isto, é ainda necessário ter presente o facto de parte desse trabalho ser realizado de forma

precária, sem direitos e sem condições de dignidade, e também a destruição e a perturbação de vários locais

com interesses culturais associados à história da região e até à da nossa civilização. De facto, a

implementação destes projetos arrasa tudo à passagem das suas máquinas, destruindo para sempre sítios

pré-históricos, neolíticos, calcolíticos, romanos e de outros períodos, que são de todos nós, assim como

documentos e testemunhos, e impedindo gerações de conhecerem a sua história e de compreenderem como

aqui chegámos.

Não pode valer tudo. A rentabilidade económica não pode ser feita a qualquer custo ou a qualquer preço. É

preciso olhar também para os impactos ao nível da conservação do solo, ao nível da qualidade da água

superficial e subterrânea, ao nível da saúde humana, ao nível da perda de biodiversidade, ao nível do

património arqueológico e histórico, mas também ao nível da perda de uma certa identidade regional.

Estamos, portanto, diante de um problema grave, que a todos deve preocupar e que exige respostas

urgentes, motivo pelo qual Os Verdes trazem o assunto de novo a debate. E digo «de novo» porque Os

Verdes trouxeram já a debate algumas iniciativas legislativas com vista a contribuir para travar a expansão

destas culturas e minimizar os efeitos das existentes, mas que, infelizmente, não mereceram o acolhimento

desta Assembleia, nomeadamente quanto à necessidade de garantir um distanciamento das culturas

intensivas já existentes relativamente às zonas populacionais, impedir que sejam atribuídas medidas

agroambientais ou ajudas ou subsídios ao investimento em culturas intensivas e superintensivas ou ainda

proibir a colheita mecanizada noturna da azeitona.

Todas estas iniciativas foram apresentadas com o objetivo de contribuir para travar estas culturas e

promover uma agricultura sustentável, que respeite o ambiente, a biodiversidade, o património, a saúde

pública e a qualidade de vida das populações, e também para, nesta matéria, fortalecer o combate às

alterações climáticas.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado, a Mesa regista as inscrições de cinco Srs. Deputados para pedirem esclarecimentos. Como pretende responder?

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, responderei, primeiro, a um grupo de três pedidos de esclarecimento e, depois, aos outros dois.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem, então, a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Ricardo Vicente, do BE.

O Sr. Ricardo Vicente (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas, a ocupação abusiva do território pelo olival e pelo amendoal intensivos é a demonstração de como a política agrícola e de

ordenamento do território estão desadequadas. Trata-se de um processo antidemocrático que entrega o

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território e os recursos naturais à voracidade dos interesses económicos e financeiros, destruindo património

histórico, arqueológico, paisagístico e natural e comprometendo o bem-estar das gerações atuais e futuras.

Quando as projeções climáticas apontam para cenários desastrosos em Portugal, com grande escassez de

água, riscos extremos de empobrecimento de solos e perda de potencial produtivo, riscos elevados de perda

de biodiversidade, continua a despejar-se dinheiro público sobre modelos de produção danosos, que

comprometem a coesão do território e são desadequados aos novos cenários climáticos, com sobre-

exploração de recursos hídricos de forma concentrada, com privilégio de umas regiões e desertificação de

todas as outras, com privilégio dos grandes negócios, falência da pequena agricultura e destruição de

variedades tradicionais.

Quem vive nestes territórios viu a sua paisagem transformada e localidades inteiras circundadas por

monoculturas intensivas de olival e amendoal com quilómetros de extensão, sem distanciamento mínimo das

habitações, sem zonas-tampão para proteger linhas de água, com práticas culturais abusivas, de que são

exemplo as pulverizações de alto volume junto às habitações, colocando a saúde pública em risco, mas

também as colheitas mecanizadas noturnas, que matam anualmente milhares de aves no País.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!

O Sr. Ricardo Vicente (BE): — O Bloco de Esquerda apresentou um projeto de lei para regulamentar esta atividade, para travar este abuso, mas o Partido Socialista juntou-se à direita para chumbar a proposta.

Atualmente, prepara-se a transposição do próximo quadro comunitário e a pergunta que se coloca a todos

os grupos parlamentares é se estão disponíveis para regulamentar a instalação de culturas agrícolas e iniciar

um processo de transição ecológica que conduza à aplicação dos apoios públicos e fortaleça a soberania

alimentar a longo prazo.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Emília Cerqueira, do PSD, para pedir esclarecimentos.

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Luís Ferreira, a minha intervenção era para o PEV, mas aplica-se igualmente ao Bloco de Esquerda, que conseguiu ser ainda mais radical do que

o próprio PEV, o que é uma coisa absolutamente impressionante.

Numa discussão que vamos tendo vezes sem conta, partimos sempre de uma premissa de preconceito

contra o Alqueva. Este é um ataque ao regadio do Alqueva, à produção sustentável e à agricultura rentável.

Este é o grande ataque que temos.

Na verdade, o olival, tal como o amendoal e a vinha são culturas de regadio e que estão pensadas para o

aproveitamento das potencialidades do Alqueva, que, aliás, foi construído como uma obra estruturante para

todo o Alentejo precisamente para ser aproveitado e para a riqueza daqueles territórios também ser

aproveitada.

Aliás, mais uma vez, repito, nas discussões que se vão sucedendo sobre esta mesma matéria, a única

explicação que temos é que, de facto, o PEV e também o Bloco, pelos vistos, pretendem voltar à velha

reforma agrária e à miséria que grassava pelas terras alentejanas, e que é de muito má memória para o

Alentejo e os alentejanos.

Protestos do Deputado do PEV José Luís Ferreira.

Nas visitas que vou fazendo ao Alentejo, não vejo nenhum levantamento das populações contra a

rentabilidade e a melhoria da sua situação financeira e económica.

O Sr. João Dias (PCP): — Anda distraída, muito distraída!

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A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Portanto, a verdade é que temos sempre um ataque preconceituoso contra tudo o que é agricultura de produção. Isto porque, se ouvirmos os especialistas, Sr.as e Srs. Deputados,

a realidade que temos é que, cada vez mais, se produz mais com menos. O uso dos fitofármacos e dos

fertilizantes é cada vez mais racional.

Sabemos que é da realidade de há uns anos que falam ainda hoje, porque, pelos vistos, não evoluíram

para os tempos atuais, mas temos agora uma poupança e uma eficiência no aproveitamento da água e dos

fitofármacos. Essa é que é a realidade, não é aquela que aqui nos pintam, vezes e vezes sem conta. Na

verdade, o que vos interessa é a pobreza, é a desertificação dos solos, que já existia antes.

Quero perguntar-vos, Srs. Deputados, se acham que é com as hortas urbanas, de que tanto falam nas

vossas cadeias curtas, que se alimenta o Alentejo…

O Sr. João Dias (PCP): — Não é só o Alentejo, é o País!

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — … e se faz face à melhoria de vida e também à própria preservação da biodiversidade. Qual é a vossa solução para o melhoramento das condições de vida daquelas populações e,

simultaneamente, para a preservação da biodiversidade? Pensem, porque a questão é a de termos boas

práticas e rentabilidade.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem de concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Esta é nossa posição. Qual é a vossa, efetivamente?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra o Sr. Deputado André Silva, do PAN, para pedir esclarecimentos.

O Sr. André Silva (PAN): — Sr. Presidente, começo por congratular o Partido Ecologista «Os Verdes» por ter trazido este tema importante a debate.

Nas últimas décadas, assistimos a uma crescente reconversão do olival tradicional em plantações

intensivas e superintensivas. Estes olivais têm significativos impactos nos ecossistemas, seja pelo uso

irresponsável da água, seja pelo uso de agrotóxicos, que contaminam recursos hídricos e solos, seja,

inclusivamente, pela apanha noturna da azeitona, que devasta milhares de aves em cada campanha. Estas

culturas têm também uma baixa resiliência a infestações e uma menor capacidade de adaptação às alterações

climáticas.

Sabemos que o azeite chega ao mercado diferenciado no rótulo pelo tipo de processamento — virgem ou

refinado — e proveniência da azeitona — nacional, internacional ou de região cuja denominação se encontra

protegida, conhecida por DOP (denominação de origem protegida). Contudo, não há qualquer referência ao

tipo de sistema agrícola, ou seja, se as árvores estão plantadas em modo tradicional, intensivo ou

superintensivo. Portanto, este direito de acesso à informação está a ser vedado.

Devido aos impactos ambientais, do nosso ponto de vista, é fundamental diferenciar, junto do consumidor,

o tipo de sistema de cultivo de onde o azeite provém, permitindo o direito à informação e a possibilidade de

uma escolha consciente e responsável, aliás, consoante a lei prevê. Já fizemos várias propostas para que o

azeite seja rotulado em função do tipo de cultura, que, até agora, têm sido rejeitadas pelo Parlamento, pelos

partidos que acabam por ser os porta-vozes da CAP (Confederação dos Agricultores de Portugal) nesta

Câmara.

O que pergunto ao PEV é se concorda com o PAN quanto à necessidade de os consumidores serem

informados dos produtos que estão a adquirir no que diz respeito ao sistema de produção do azeite que

compram, ou seja, se é proveniente de olival tradicional, intensivo ou superintensivo.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira para responder.

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O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, antes de mais, queria agradecer ao Sr. Deputado Ricardo Vicente, do Bloco de Esquerda, à Sr.ª Deputada Emília Cerqueira, do PSD, e ao Sr. Deputado André

Silva, do PAN, as perguntas que me colocaram.

Começo por responder ao Sr. Deputado Ricardo Vicente dizendo que concordamos com a intervenção que

fez. De facto, o resultado a que estamos a assistir, por todo o Alentejo, mostra que a política agrícola e a

política de ordenamento do território estão desajustadas, mas, na nossa perspetiva, mostra ainda que os

interesses económicos continuam a sobrepor-se aos interesses coletivos, ao interesse público, e também à

defesa dos recursos naturais.

Sr.ª Deputada Emília Cerqueira, não sei se a pergunta era para mim ou se era para o Sr. Deputado Ricardo

Vicente, do Bloco de Esquerda, mas, como fui eu quem fez a declaração política, presumo que seja para mim.

Sr.ª Deputada, não é só o Alqueva que está em causa. Parece-me que a Sr.ª Deputada conhece mal o

Alentejo, porque, senão, não diria isso.

O Sr. João Dias (PCP): — Não conhece!

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — De outro modo, perguntava-lhe o que é que o Alqueva tem a ver com o distrito de Portalegre, por exemplo, que também é Alentejo.

Risos do Deputado do BE Ricardo Vicente.

O Sr. João Dias (PCP): — Exatamente!

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Como deve saber — deve ter aprendido isso na escola —, o Alentejo tem três distritos: Portalegre, Beja e Évora.

Ó Sr.ª Deputada, miséria era aquilo que os portugueses viviam, se calhar, na geração dos nossos pais,

quando foram obrigados a emigrar. Portanto, a Sr.ª Deputada fala dessa miséria, mas eu falo da miséria em

que vive a maior parte das pessoas que estão a trabalhar nesses olivais.

O Sr. João Dias (PCP): — Exatamente!

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Com isso é que o PSD também se devia preocupar, ou seja, com as condições de dignidade com que essa gente trabalha nas culturas intensivas.

O Sr. João Dias (PCP): — Muito bem!

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr.ª Deputada, não queremos hortas urbanas no Alentejo, queremos é preservar a cultura tradicional. Isto porque o que está a acontecer é que estas culturas intensivas estão a

deixar de fora qualquer possibilidade de concorrência da cultura do olival tradicional face à produção intensiva

e superintensiva a que estamos a assistir.

É isso que queremos: preservar o consumo da água, preservar a biodiversidade e preservar os solos. Não

queremos falar de hortas urbanas, porque isso é praticamente brincar com um assunto tão sério como este.

Sr. Deputado André Silva, de facto, consideramos que o consumidor, nesta matéria, tem uma palavra a

dizer e pode até condicionar o mercado. Por isso é que Os Verdes apresentaram já uma iniciativa legislativa

para criar um selo para identificar as embalagens que contêm azeite com proveniência no olival intensivo.

Consideramos que o consumidor deve ter acesso à informação sobre aquilo que consome, pois só dessa

forma pode fazer opções mais conscientes e mais informadas.

Apresentámos essa iniciativa legislativa, exatamente para dar a oportunidade ao consumidor de saber o

que vai consumir, permitindo-lhe, portanto, escolhas mais conscientes e mais informadas.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Vamos prosseguir com os pedidos de esclarecimento. Tem a palavra o Sr. Deputado Norberto Patinho, do PS.

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O Sr. Norberto Patinho (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Luís Ferreira, tem-se criado, em torno das culturas de regadio e, em particular, do olival, um alarmismo incompreensível, injustificado e não

comprovado, que coloca em causa o contributo que esta nova realidade tem dado à dinamização da

agricultura, ao desenvolvimento do Alentejo e, também, no combate às alterações climáticas.

É verdade, Sr. Deputado, que, nos últimos vinte anos, assistimos, no Alentejo, a uma verdadeira revolução

na agricultura. De País importador, Portugal passou a estar entre os maiores produtores de azeite do mundo e

as exportações têm crescido de forma muito marcada, contribuindo muito significativamente para o saldo da

balança do complexo agroalimentar nacional.

A qualidade do azeite, contrariamente àquilo que propalaram, um produto reconhecidamente bom para a

saúde e verificado em rigoroso controlo de despistagem de resíduos tóxicos, é de excelência e mais de 95%

da produção é de qualidade virgem e extra virgem.

Contrariamente ao que têm propalado e ao que pretendem fazer crer, está comprovado que o olival está

entre as culturas menos exigentes em termos de água.

A oliveira é um importante sumidouro de dióxido de carbono e o seu sequestro aumenta consideravelmente

nos olivais de maior densidade, atingindo, nos olivais instalados na área do regadio de Alqueva, valores

equivalentes à emissão de carbono da população de Évora e de Beja.

Contrariamente àquilo que é referido, o olival é das culturas menos exigentes na aplicação de fitofármacos

e os que são utilizados, cumprindo a apertada regulamentação europeia, têm baixa perigosidade.

Sr. Deputado, a diabolização dos olivais e das culturas de regadio que o Alqueva veio permitir ao Alentejo

não contribui em nada para o desenvolvimento do nosso território. Repito, não contribui em nada para esse

desenvolvimento. No Alentejo, onde lutámos durante décadas por Alqueva, pelo regadio e pelo

desenvolvimento, não compreendemos este ataque contra o olival e o desenvolvimento agrícola do Alentejo.

Será que há alguma coisa contra o desenvolvimento do Alentejo? Será que o PEV entende que este rigor

contra o cultivo intensivo deve ser seguido noutras zonas do País, como, por exemplo, em culturas intensivas

como as da pera rocha, das maçãs da Beira Alta, dos cerejais da Cova da Beira, dos laranjais do Algarve, das

vinhas do Douro e do Dão?

O PEV tem alguma proposta alternativa para rentabilizar e pôr ao serviço do Alentejo a barragem do

Alqueva e os blocos de rega que foram planeados para essa região?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado João Dias, do PCP.

O Sr. João Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado José Luís Ferreira, quero felicitá-lo pela declaração política que proferiu. É um assunto bastante pertinente, que o PCP, aliás, como Os Verdes,

também tem tido a preocupação de trazer a esta Casa. O PCP também reconhece a pertinência deste tema.

O Sr. Deputado iniciou a sua declaração por algo que é sintomático — e quem não o reconhecer está a

querer camuflar a realidade —, que é a alteração profunda da paisagem. Sempre que há alteração da

paisagem e sempre que ela é profunda, negar que isso tem efeitos no ambiente, no ecossistema, na

biodiversidade, na saúde da população e na sua qualidade de vida é estar a esconder e a camuflar as

evidências.

Existem alterações profundas na paisagem. É verdade e é evidente. Conheço bem a realidade de que

estou a falar e ela é indesmentível. Aliás, a realidade desmente a mentira que querem trazer!

Protestos do Deputado do PS Norberto Patinho.

Sr. Deputado José Luís Ferreira, permita-me que me dirija aos Deputados do PS e do PSD, porque são os

defensores-mores do olival superintensivo.

Protestos do Deputado do PS Norberto Patinho.

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Ao contrário do que os governantes do PS, do PSD e do CDS têm defendido, ao contrário daquilo que os

Deputados do PS aqui vêm dizer, o que este modelo agrícola vem evidenciar é que não resolve os problemas

profundos e de fundo do Alentejo, nomeadamente no que tem a ver com o despovoamento, que continua a

agravar-se, com o desemprego, com os baixos salários e com a exploração de mão-de-obra barata, que todos

conhecemos e que é evidente.

Além disso, o Sr. Deputado Norberto Patinho foi chorar lágrimas de crocodilo numa anta destruída. Isto

porque estas explorações arrasam tudo só por mais um metro quadrado de terra para plantar mais uma

oliveira em regime intensivo.

Protestos do Deputado do PS Norberto Patinho.

Não podemos esconder a realidade e a verdade é que ainda há mais: produzem um subproduto, que é o

bagaço de azeitona, que tem consequências para o ambiente. Isto é tudo inegável, Srs. Deputados. Por isso,

são necessárias medidas urgentes.

Aquilo que temos a perguntar é que medidas urgentes é necessário tomar, para já, para a contenção deste

avanço e para minimizar os efeitos dos impactos quer ambientais, quer para a saúde da população.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado José Luís Ferreira, tem a palavra, para responder aos pedidos de esclarecimento.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, começo por agradecer ao Sr. Deputado Norberto Patinho, do Partido Socialista, e ao Sr. Deputado João Dias, do PCP, as perguntas que me dirigiram.

Sr. Deputado Norberto Patinho, o desenvolvimento do Alentejo e o combate às alterações climáticas não

têm nada a ver com o olival superintensivo. Bem pelo contrário.

Aliás, quando fala de desenvolvimento do Alentejo, não sei se está a falar de despovoamento, se está a

falar de desemprego, se está a falar de direitos de trabalho, como aqueles a que estamos a assistir.

O Sr. Deputado até diz uma coisa que vai ficar nos anais da história: «O olival intensivo é menos exigente

em termos de água». Sr. Deputado, vou fazer-lhe uma proposta: quando estiver com os empresários,

pergunte-lhes, por favor, porque é que eles regam mesmo quando chove!

O Sr. João Dias (PCP): — Exatamente!

Protestos do Deputado do PS Norberto Patinho.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Então, se não precisa de água, porque é que, mesmo chovendo, a oliveira precisa de ser regada?! Pode fazer-lhes essa pergunta, que eles, se calhar, vão responder-lhe.

O Sr. João Dias (PCP): — É verdade! É verdade!

Protestos do Deputado do PS Norberto Patinho.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Deputado Norberto Patinho, se quiser continuar, posso partilhar o microfone consigo. Até estamos sentados perto um do outro!

Sr. Deputado, não há aqui ataques ao olival intensivo. O que se quer é que ele seja controlado com regras.

Sr. Deputado, acha, ou não, que seria razoável estabelecer uma distância mínima entre uma cultura

intensiva ou superintensiva de olival ou de amendoal e as habitações? É ou não é justo?!

O Sr. João Dias (PCP): — Bem lembrado!

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Então, porque é que o Partido Socialista vota contra?

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Sr. Deputado, é, ou não, justo que acabem definitivamente com os apoios da PAC (política agrícola

comum), tanto do primeiro pilar como do segundo, que, como sabe…

O Sr. Norberto Patinho (PS): — Não é justo!

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Não é justo?! Mas esses pilares são exatamente para o oposto, Sr. Deputado! Esses pilares, o primeiro e o segundo da PAC, como deve saber — e, se não sabe, fica a saber

hoje —, destinam-se a agriculturas sustentáveis que poupem água e que poupem recursos naturais. Isso é

exatamente o oposto daquilo que se está a verificar!

Se é assim, porque é que essas culturas hão de continuar a receber apoio da PAC?

Sr. Deputado João Dias, as medidas urgentes que se impõe tomar, basicamente, assentam nas propostas

de Os Verdes para esta matéria: por um lado, o distanciamento entre as culturas intensivas, incluindo aquelas

já existentes, e as zonas populacionais, com 300 m, dando um período para que aquelas que já estão

instaladas se possam adaptar à lei; por outro lado, acabar com estes incentivos ou apoios da PAC, tanto do

primeiro pilar como do segundo, porque, como sabemos, esses apoios visam exatamente o oposto do olival

intensivo e superintensivo; por fim, dar a possibilidade ao consumidor, quando está a adquirir o azeite, de

saber que azeite está a comprar, se é proveniente do olival intensivo ou azeite tradicional.

A grande questão sobre esta matéria é que, daqui por uns anos, deixamos de ter cultura tradicional. O Sr.

Deputado Norberto Patinho, com a apologia que faz ao cultivo superintensivo, depois, vai ficar sem azeite

tradicional.

O Sr. Norberto Patinho (PS): — E o vinho?! E a pera rocha?!

O Sr. Presidente (António Filipe): — Vamos passar, agora, à declaração política por parte do Partido Socialista. O Sr. Deputado Miguel Matos, o qual felicito pela sua recente eleição como Secretário-Geral da

Juventude Socialista, vai fazer a declaração política pelo PS.

Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Miguel Matos (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há precisamente um ano, era entregue, nesta Assembleia, o Orçamento do Estado para 2020. Mal sabíamos nós que estávamos prestes a

entrar numa pandemia que nos iria reorganizar as vidas.

O ano que passou foi de exceção, mas é em momentos excecionais como estes que colocamos em

perspetiva o que damos por garantido e que devemos reforçar a nossa ambição.

Hoje, já não damos por garantidos os abraços aos nossos avós, a proximidade com colegas de trabalho ou

os convívios com amigos. Hoje em dia, reforçamos a nossa ambição de um SNS (Serviço Nacional de Saúde)

fortalecido e de um Estado social que não condena à crise os mesmos de sempre. Reforçamos a ambição de

uma recuperação rápida, mas transformativa. Hoje, como em tantas outras crises, pomos em perspetiva o

emprego, a habitação, a educação e as nossas vidas e vemos desconfiança no futuro.

Está na hora de retomar essa confiança.

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Está na hora, está!

O Sr. Miguel Matos (PS): — Está na hora de acreditar que o próximo ano será o início de uma recuperação, de uma recuperação dos afetos e da nossa economia.

Sr. Presidente, o carácter de uma nação mede-se nos tempos de adversidade. Este ano, mostrámos a

coragem de um povo que se adaptou e de empresas que se reinventaram para proteger a saúde de todos.

Conhecemos um Estado que soube responder e que se soube preparar. Construímos solidariedade pública e

privada para ajudar os muitos que dela precisam. Ultrapassámos a primeira vaga e vamos ultrapassar a

segunda, ainda que com um custo demasiado alto em perda de vidas. Fizemo-lo sempre com um irrenunciável

compromisso com a liberdade, contrariando lógicas alarmistas e securitárias, com estados de emergência

proporcionais, pedagógicos e assentes na ciência.

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Entretanto, num processo que habitualmente dura anos, a ciência descobriu uma vacina, aliás, várias.

Ultrapassando impasses e preconceitos, foi possível unir a Europa à volta da sua aquisição e do financiamento

inédito da recuperação.

Entramos, agora, numa nova fase dessa cooperação. Até ao final do ano, antecipa-se a aprovação da

primeira vacina, a que se seguirão outras mais, vacinas seguras e eficazes, gratuitas e acessíveis, distribuídas

por toda a Europa, ao mesmo tempo, de forma proporcional.

O SNS tem vindo a preparar-se para administrar estas vacinas, com um plano sólido e justo e com

prioridades estabelecidas. Este será, necessariamente, um processo gradual, mas permitirá progressivamente

começar a respirar outra vez, embora, por algum tempo, ainda com máscara, ainda a aplicar medidas de

contenção e de prevenção da pandemia. Este é um virar de página que exige de todos nós responsabilidade e

paciência.

Enquanto formos virando a página da pandemia, vamos ter de continuar a escrever novos capítulos no

apoio à economia. Temo-lo feito paulatinamente, evoluindo da mesma forma que as dificuldades que se têm

feito sentir, num enorme esforço que, até agora, se traduz em 29 mil milhões de euros. Mas, além de

responder às feridas do imediato, temos de construir o futuro da nossa economia e do nosso País.

Portugal foi mesmo o primeiro País a apresentar à Comissão Europeia o seu Plano de Recuperação e

Resiliência, um plano que está a ser negociado, sem perder tempo, para que possa vir a ser aprovado até ao

final de janeiro. Este é um plano de investimento público e privado, não para regressar ao passado, mas para

vencer o futuro. Trata-se de uma oportunidade para superarmos os obstáculos que bloqueiam o

desenvolvimento do nosso País há demasiado tempo, a oportunidade de escolher novos caminhos para o

nosso País, mais verdes, mais inovadores e de maior justiça social. São caminhos que garantirão um futuro

melhor para o nosso País e, em particular, para os mais jovens, para a minha geração.

Que caminhos traçamos para o nosso País? Uma indústria que se posicione e que cresça na

reconfiguração mundial das cadeias de valor. Uma economia do conhecimento, onde empresas e ciência

sejam parceiras, que crie emprego, trabalho digno e melhores salários.

Para isso, vamos precisar de superar o nosso défice secular, o das qualificações, de capitalizar as nossas

empresas e de reforçar as nossas ligações não só transfronteiriças, mas também, e sobretudo, no interior.

Precisamos, ainda, de realizar a visão do saudoso João Vasconcelos de um Portugal digital, onde as

empresas sejam apoiadas na sua transição, onde a Administração Pública use tecnologia para facilitar a vida

dos cidadãos e onde a escola pública digital esteja mesmo ao alcance de todos.

Queremos ser um País que lidere a transição verde, que a torne justa e que faça dela crescimento,

valorizando a floresta, protegendo os recursos hídricos, descarbonizando os transportes públicos, ganhando

eficiência energética e conquistando mercado na economia circular.

Finalmente, é hora de reconhecer que as desigualdades são não só injustas, como um empecilho ao

crescimento, que a austeridade acentua as desigualdades e desfavorece o crescimento. Precisamos de

eliminar a pobreza e de reforçar respostas sociais. A habitação tem de ser um direito e não matéria de

especulação. Além destes tempos de pandemia, vamos precisar de capacitar o Serviço Nacional de Saúde.

Sr. Presidente, esta não é a altura de fazer apenas o mínimo necessário. É altura de sermos ambiciosos,

num tempo de responsabilidade. Só poderemos dar esperança ao País, aos jovens, aos desempregados, às

empresas se mostrarmos essa ambição, se dermos corpo a uma visão do que queremos para o nosso País,

que sirva de farol às nossas políticas e decisões.

A minha geração já viu uma crise económica antes, que lhe adiou os sonhos, em que lhe foi sugerido

emigrar. Foi uma crise que, para muitos, impossibilitou frequentar ou concluir estudos superiores, que votou ao

desemprego e à precariedade o início dos nossos percursos profissionais. Desta vez, está nas nossas mãos

fazer diferente. Temos a obrigação de fazer mais e melhor.

O ano de 2021 será o nosso tempo de agir. Não nos iludamos de que tudo se transformará após as 12

badaladas da meia-noite, após a primeira vacina ser administrada ou após o plano de recuperação ser

aprovado. Mas a recuperação, essa sim, virá, passo a passo, num passo certo e confiante, num caminho de

esperança e de liberdade, que construa, agora e para o futuro, a melhoria das nossas condições de vida.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado Miguel Matos, tem quatro pedidos de esclarecimento. Dir-me-á como pretende responder.

O Sr. Miguel Matos (PS): — Sr. Presidente, vou responder aos pedidos de esclarecimento em conjunto.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Muito bem, Sr. Deputado. Para um primeiro pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Alexandre Poço, do PSD.

O Sr. Alexandre Poço (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Miguel Costa Matos, permita-me, no início desta intervenção, que o saúde democraticamente pela recente eleição para a liderança

da Juventude Socialista. Faço-o, também, enquanto homólogo e presidente de uma organização política de

juventude, reconhecendo na Juventude Socialista um papel histórico na afirmação de políticas de juventude e

de um País para as novas gerações, que contou sempre, ao longo da sua história, com figuras destacadas,

entre os quais distintos colegas da nossa Casa, como Sérgio Sousa Pinto ou Jamila Madeira, que, estou certo,

orgulham a Juventude Socialista no seu todo.

Sr. Deputado, permita-me esta saudação, embora não partilhe do seu otimismo, nem partilhe do otimismo

com que refere a situação das novas gerações. As novas gerações estão, hoje, numa situação bastante

complicada e um rolo compressor está, novamente, sobre as suas vidas: um em cada quatro jovens está sem

emprego; um em cada cinco jovens está às portas da pobreza; os jovens portugueses são os que, entre os

jovens europeus, mais tarde saem de casa de seus pais; comparando com outros países, Portugal sai-se

muito mal com a criação de emprego, com os salários que os jovens conseguem e na satisfação dos seus

sonhos e aspirações na vontade de se autonomizar. Portugal precisa de uma juventude emancipada e

autonomizada.

Não partilho do seu otimismo, porque, se fizermos uma análise mais longa, reparamos que, em quase 25

anos, o nosso País teve cerca de 18 anos de governo socialista.

O Sr. Afonso Oliveira (PSD): — É verdade!

O Sr. Alexandre Poço (PSD): — E, nestes 25 anos, a posição relativa, mas também absoluta, dos jovens portugueses em nada melhorou.

Portanto, Sr. Deputado, acredito que, com a continuação das políticas socialistas e do modelo socialista de

desenvolvimento, os jovens portugueses ficarão mais pobres e não menos ricos, os jovens portugueses

ficarão mais longe dos jovens europeus e não convergirão com a Europa, como é um desígnio nacional, para

todos, no nosso País.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias, do PCP, para um pedido de esclarecimentos.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Miguel Costa Matos, antes de mais, permita-me também associar-me às palavras que já aqui foram proferidas e cumprimentá-lo

pela sua recente eleição para Secretário-Geral da Juventude Socialista, bem como pela realização do

congresso, nos últimos dias.

Sr. Deputado Miguel Costa Matos, transmitiu uma mensagem de otimismo, num tom que procurou ser

positivo, através dos votos para 2021 que, ao fim e ao cabo, partilhou na sua intervenção.

Gostaria de deixar apenas uma observação: muito do que está aqui em causa, relativamente ao que o

nosso País e o povo português precisam de ter em 2021, tem de ir muito além de uma questão de fé.

Essencialmente, trata-se de uma questão de opções políticas, porque as opções políticas que temos em cima

da mesa determinarão muito do que irá acontecer nas questões que abordou na sua intervenção, como o

problema da pandemia COVID-19 e o seu combate, as medidas de proteção da população, dos trabalhadores,

das jovens gerações até aos mais velhos.

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A propósito do combate à pandemia, é preciso chamar a atenção para o facto de as medidas de reforço ao

SNS não serem substituíveis por «balas de prata» ou por receitas milagrosas. Os médicos, os profissionais de

saúde e da ciência em geral têm sublinhado que a vacina não é cura e é muito importante avançar nas

medidas de reforço do Serviço Nacional de Saúde, dignificar, valorizar e criar condições de trabalho para os

profissionais de saúde do nosso País, no âmbito do SNS. Mas também é preciso criar condições para avançar,

de facto, para uma vida melhor e para a proteção dos direitos e das condições de vida dos portugueses, em

geral, e das jovens gerações, em particular.

Não posso deixar de colocar-lhe a questão da lei laboral. Qual é a posição, afinal, que vamos encontrar, da

vossa parte, no que diz respeito à revogação das normas gravosas no Código do Trabalho, nomeadamente a

questão do período experimental? Vamos ou não dar conta desse problema que hoje está a afetar ainda mais

os jovens trabalhadores?

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado, queira concluir.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Vou concluir, Sr. Presidente. Quero levantar, também, a questão concreta da experiência verificada e que a vida nos está a demonstrar:

afinal, não estávamos todos no mesmo barco. É preciso garantir, efetivamente, condições de vida e respeito

pelos direitos dos trabalhadores e das populações do nosso País.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra o Sr. Deputado André Silva, do PAN.

O Sr. André Silva (PAN): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Matos, o ano de 2021 vai ser um ano de desafios e um ano em que se começará a dar os primeiros passos no sentido da recuperação económica,

como disse, e da utilização da chamada «bazuca europeia».

O PAN sempre disse que a recuperação não poderia ficar assente no modelo económico do extrativismo e

do produtivismo, que teria de assentar no combate e na adaptação às alterações climáticas e numa transição

para uma economia de neutralidade carbónica, respeitando, ainda, outros princípios basilares como a

preservação dos ecossistemas da biodiversidade.

Da parte do Partido Socialista, ouvimos a concordância genérica com estes princípios, mas, no que toca à

ação prática e visível, no momento das votações, logo vemos que são meras palavras. Quando o PAN aqui

propõe uma avaliação ambiental estratégica do aeroporto do Montijo, o PS é o único a votar contra ela.

Quando o PAN aqui propõe que se travem as borlas fiscais e os subsídios perversos às grandes poluidoras e

eletroprodutoras, o Partido Socialista vota contra. E podia dar mais exemplos.

Mas há duas questões que nos preocupam e que deveriam, do nosso ponto de vista, preocupar o Partido

Socialista, porque é o partido que suporta o Governo. A primeira prende-se com a necessidade de o

investimento que vai ser feito ter de ter em conta um novo contexto resultante das alterações climáticas no

nosso território. Tal só é possível por via de um mapa de risco das alterações climáticas, como o PAN propõe,

na sua lei do clima.

A segunda preocupação prende-se com o excesso de dependência do setor do turismo. O PAN tem

defendido a realização de um estudo de carga turística do nosso País, algo que não foi feito. Pergunto-lhe se o

Partido Socialista não considera que deveria fazer-se este estudo sobre a capacidade de carga turística do

País, de várias regiões e cidades que foram mais pressionadas, no preciso momento em que o turismo está

em abrandamento, ao invés de esperarmos que se volte ao antigamente, com as graves consequências

sociais e ambientais que conhecemos do turismo intensivo e massificado.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado João Gonçalves Pereira, do CDS-PP.

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Sr. Presidente, quero começar por felicitar o Sr. Deputado Miguel Matos pela sua eleição enquanto Secretário-Geral da Juventude Socialista.

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Devo dizer que, ouvindo a sua intervenção, esta deve ter sido parecida com o discurso do Sr. Deputado no

encerramento do seu congresso, enquanto Secretário-Geral da Juventude Socialista. Deve ter sido parecida!

No entanto, quero felicitá-lo também porque fizeram, tanto quanto sei, um congresso on-line e este é um

bom sinal dos tempos — o CDS também fez o seu conselho nacional on-line — e de que estamos todos a

adaptar-nos a uma nova realidade.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Os trabalhadores do lixo também vão trabalhar on-line!

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Mas se eu não soubesse que o Sr. Deputado era socialista, se não mo tivessem dito, bastava tê-lo ouvido para perceber que, seguramente, era um Deputado do Partido

Socialista, porque faz um discurso muito otimista, muito positivo — isso também é próprio de uma determinada

idade —, mas que é pouco em relação às reservas que levam a que esse otimismo não possa, de alguma

forma, concretizar-se.

Sr. Deputado, diz que, e nós até o acompanhamos, a vacina pode trazer uma nova esperança. Através de

um requerimento que o CDS apresentou, ainda hoje tivemos cá o Dr. Francisco Ramos, que veio falar do

plano de vacinação. Desse plano de vacinação, o que foi dito no Parlamento? Foi dito que estão a pensar, a

refletir, a meditar, a ponderar, a desenhar, mas, em relação a fazer e a executar, ouvimos pouco ou nada.

Protestos da Deputada do PS Hortense Martins.

Portanto, Sr. Deputado, como é evidente, o seu discurso e a intervenção, no Parlamento, de Francisco

Ramos colocam-nos algumas dúvidas.

Sr. Deputado, acompanhamos o que diz sobre a transição digital, a transição verde, o combate à pobreza e

isso tudo, mas estava a ouvi-lo e lembrei-me de alguns sonhos socialistas que ouvimos, durante anos: o TGV

(Train à Grande Vitesse), os novos aeroportos, o cheque-bebé… Quem é que não se lembra do cheque de

200 € que José Sócrates queria dar a cada criança que nascia?

O problema é que há uma diferença entre o que é a realidade e o que é o sonho.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado, tem de terminar a sua intervenção.

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Sr. Presidente, estou mesmo a terminar. Sr. Deputado, já que falou nas novas gerações e no próximo ano — e bem —, gostaria de ter ouvido falar

sobre, e é esta a pergunta que lhe coloco, a dívida que se deixa para as próximas gerações. Esta é uma

preocupação, pois são estas dívidas, muitas vezes, que comprometem os nossos sonhos.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Matos, para responder.

O Sr. Miguel Matos (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, primeiro, quero agradecer não só os cumprimentos do Sr. Presidente, como dos vários grupos parlamentares em relação ao congresso. Falo não

só da minha eleição, como Secretário-Geral, mas também da eleição de uma colega, Joana Sá Pereira, como

Presidente da Comissão Nacional da Juventude Socialista, que também cumprimento por essas novas

funções.

Vou começar pela intervenção do Sr. Deputado Alexandre Poço, do Partido Social Democrata, que, desde

já, cumprimento. Naturalmente, as preocupações do Partido Social Democrata, em relação ao desemprego

jovem, ao direito à habitação por parte das novas gerações, à nossa capacidade de conseguirmos ter trabalho

digno e de convergir com a União Europeia, são também preocupações do Partido Socialista.

É curioso que o Sr. Deputado aparenta demonstrar não só uma falta de memória de curto prazo,

esquecendo a última resposta à crise e de como esta penalizou muitíssimo o desemprego jovem e o direito à

habitação, como também tem uma memória muito seletiva em relação à história mais antiga, escolhendo

esconder 10 anos de cavaquismo, que prejudicaram — e muito! — os jovens.

Protestos do Deputado do PSD Duarte Marques.

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Aliás, Pedro Passos Coelho, como líder da JSD (Juventude Social Democrata), soube — e bem — criticá-

los, naquela altura, porque, na verdade, quanto a esses 25 anos, os 10 anos anteriores foram todos da vossa

responsabilidade. Sempre que os direitos dos jovens recuaram, em Portugal, a responsabilidade foi do Partido

Social Democrata.

Mas vamos falar do desemprego jovem. Esta é questão que precisamos de procurar combater, precisamos

de criar oportunidades, num momento em que escasseia a procura por trabalho na nossa economia. Uma das

ferramentas que tem vindo a ser utilizada, ao longo dos anos, são os estágios do IEFP (Instituto do Emprego e

Formação Profissional). Esta tem sido uma ferramenta que, paulatinamente, tem vindo a ser melhorada e mais

direcionada para os jovens.

Protestos do Deputado do PSD Duarte Marques.

Evitámos algo que aconteceu no último período de governação do PSD, isto é, que esses estágios fossem

utilizados para meter lá jovens, para depois lhes dar um pontapé de lá para fora, para entrarem outros e o

desemprego jovem continuar sempre na mesma. Evitámos que esses estágios fossem utilizados para

perpetuar uma lógica de precariedade e, hoje em dia, não só temos mais estágios, não só temos melhores

bolsas para os jovens que acedem aos estágios,…

O Sr. Afonso Oliveira (PSD): — É uma maravilha!

O Sr. Miguel Matos (PS): — … não só temos bolsas que diferenciam o grau de qualificação dos jovens, porque estudar deve ser premiado, como, além disso, temos um Prémio ao Emprego que favorece as

empresas que mantêm os jovens a trabalhar lá, no final dos seus estágios. Isto é algo que o Orçamento do

Estado para 2021 vem reforçar.

Os estágios são apenas uma das medidas, entre outras, que têm vindo a ser criadas, desde o Programa de

Apoio ao Empreendedorismo, ao Impulso Jovem, à Garantia Jovem.

Protestos do Deputado do PSD Duarte Marques.

São várias as medidas que têm vindo a ser criadas, para combater o desemprego jovem, a que acresce a

necessidade de resposta nos estágios da Administração Pública.

Mas, falemos do direito à habitação, de como, no passado, em tempos de crise, o programa Porta 65

Jovem foi cortado, e de como ele tem vindo a ser reforçado nos últimos anos. Falemos de como

estabelecemos a absoluta importância de construir habitação pública; …

Protestos do Deputado do PSD Cristóvão Norte.

…e de como, certamente, não favoreceu o direito à habitação dos jovens que o PSD e o CDS tivessem

aprovado um novo regime de arrendamento urbano que veio aumentar brutalmente as rendas em todo o

território nacional.

Mas falemos ainda de convergência económica. Sim, porque um jovem português não deve nada a um

jovem sueco ou luxemburguês e devemos ser pagos pelo valor do nosso talento e não por vivermos aqui ou

noutro país.

Aplausos do PS.

Protestos do Deputado do PSD Cristóvão Norte.

Se olharmos para esses 25 anos de que o Sr. Deputado falou, perguntemos quais foram, desses 25 anos,

aqueles em que Portugal convergiu com a União Europeia, em que os salários e os rendimentos disponíveis

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aumentaram. Eu digo-lhe, Sr. Deputado, eu digo-lhe: 2016, 2017, 2018 e 2019. Foram os anos de governação

do Partido Socialista!

Protestos do Deputado do PSD Cristóvão Norte.

Foram os anos de governação de António Costa!

Quero cumprimentar também o Sr. Deputado do PCP, Bruno Dias, pela sua intervenção. De facto, temos

uma grande necessidade de reforçar o Serviço Nacional de Saúde.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado, tem de abreviar.

O Sr. Miguel Matos (PS): — Com certeza, Sr. Presidente. Mas foram quatro pedidos de esclarecimento e duas vezes quatro são oito minutos.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado, regimentalmente seriam três minutos, mas estou a dar alguma tolerância, porque se o Sr. Deputado tivesse optado por responder aos pedidos de esclarecimento um

a um teria muito mais tempo.

Mas queira concluir, abreviando.

O Sr. Miguel Matos (PS): — Muito obrigado, Sr. Presidente. Foi a minha interpretação errada.

Muito brevemente então, Sr. Deputado do PCP, o reforço do Serviço Nacional de Saúde, face ao

Orçamento do Estado de 2020, foi de 1200 milhões de euros. Toda a descida que houve no período da troica,

entretanto, compensámos durante o período até 2019 e, neste último ano, compensámos em mais 50% o que

a direita cortou, na última vez.

Sr. Deputado do PAN, naturalmente teremos, em breve, um debate sobre a lei de bases do clima, sobre

como reforçar a exigência no combate às alterações climáticas.

Para terminar, Sr. Deputado do CDS, que também cumprimento, não lhe admito que utilize a minha idade,

ou a de qualquer Deputado, para desvalorizar as nossas intervenções aqui, ou que utilize a idade de qualquer

pessoa para desvalorizar as intervenções de um jovem, em qualquer lugar.

Aplausos do PS.

E peço à Mesa que lhe faça essa nota de que aí faltou ao decoro parlamentar.

Naturalmente que, em relação à preparação da administração da vacina, temos um longo caminho a fazer,

mas a verdade é que essa preparação está a ser feita, e a vacina estará pronta a ser administrada assim que

estiver disponível.

Portanto, quando estabelecemos assim as bases da recuperação económica, do fim da pandemia, estamos

a estabelecer as bases para que a dívida venha a diminuir.

De facto, a última vez que a dívida veio a diminuir, no nosso País, foi mesmo na governação do Partido

Socialista e é assim que asseguramos a sustentabilidade da dívida pública.

Sr. Presidente, muito obrigado pela tolerância.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Vamos passar, agora, à declaração política do PSD. Tem a palavra, para o efeito, o Sr. Deputado Cristóvão Norte.

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os portugueses estão a ser confrontados com o pesadelo TAP: 3,7 mil milhões de euros que voam dos seus bolsos, ao longo dos

próximos quatro anos; o maior despedimento coletivo público de que há memória; e a dúvida sobre se a

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operação de reestruturação é remédio para pôr cobro a prejuízos crónicos e antídoto que garanta que nunca

mais se exija aos contribuintes tamanho esforço.

Este é o preço da pandemia, mas não apenas da pandemia. É o preço da paralisação da aviação, mas não

só. É o custo de uma gestão política caótica, uma galeria de horrores que retrata o Estado como

grosseiramente inepto para gerir a empresa. E é também o custo dos últimos cinco anos, em que o Governo,

de todas as formas, transformou a TAP num terreno de batalha campal, com prejuízos para a empresa e para

as condições de vingar num mercado vorazmente competitivo.

É o custo de um Governo que reverteu a privatização e trouxe para os contribuintes os riscos, que reduziu

as obrigações de interesse estratégico e fiscalização da ação do privado a pó, deixou o privado a seu bel-

prazer, incentivando-o a correr riscos desmesurados, e ainda lhe ofereceu, de permeio, cláusulas leoninas, no

valor de muitos milhões de euros, que lhe permitiram sair da TAP com um paraquedas dourado, saltando do

avião, ao mesmo tempo que os contribuintes e os trabalhadores continuam lá dentro, reféns, enquanto o avião

se despenha.

Foi esta encenação aberrante, em que o Governo fingiu que controlava a TAP por exclusiva conveniência

partidária, uma operação de cosmética que empurrou a TAP para uma situação insustentável e faz subir a

conta que nos apresentam agora. Só isso explica que venham dizer, agora, que a TAP foi mal gerida ao longo

dos últimos quatro anos e que, ainda que o Estado detivesse a maioria do capital social, nada tivessem feito

ao longo desse tempo.

Nada fizeram, porque, deliberada e conscientemente, se colocaram na posição de nada poder fazer; nada

fizeram porque, para o Governo, para o PS, mais vale parecer do que ser, e bastava-lhes parecer que

mandavam, num triste exercício que mina a confiança dos portugueses e desprestigia o exercício de cargos

políticos. E ainda se atreveram, após tudo isto, a ostentar a saída do sócio privado, já agora, e com todos os

defeitos — e não são poucos! —, o único que sabia alguma coisa de aviação, com um estrondoso «o povo

paga, o povo manda»,…

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Tenha vergonha!

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — … em mais uma bacoca manifestação populista, acompanhada do competente cheque de 55 milhões de euros, num momento em que ninguém recebe um tostão para sair de

uma empresa de aviação. É obra!

«O povo paga, o povo manda»! Pois paga, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, paga 3,7 mil milhões de

euros, sem qualquer garantia de que se altere o paradigma de funcionamento da empresa, a sua cultura e as

condições políticas e económicas que a podem libertar de sucessivos desastres.

Paga 3,7 mil milhões de euros sem cuidar de avaliar alternativas e limitando-se a assinalar que a empresa

é estratégica.

Paga 3,7 mil milhões de euros sem que a Assembleia da República, os representantes desse povo que

paga e manda, conheça sequer o plano que vai ser objeto de negociação em Bruxelas.

Paga 3,7 mil milhões de euros sem garantias, para aqueles que pagam e mandam, de que, daqui por

quatro anos, a empresa não vai à falência, porque o Estado já não vai poder colocar mais dinheiro, devido às

regras europeias, e tudo isto foi, afinal, em vão.

Paga 3,7 mil milhões de euros sem que se apresentem ou conheçam medidas que conduzam à eficiência,

que acabem com as indemnizações por atrasos, que eliminem custos com fretamento de aviões, resumindo

todas e quaisquer responsabilidades aos trabalhadores, que demonizam na praça pública, que ignoram na

solução e a quem, a seguir, exigem paz social, para que seja possível cumprir objetivos.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, são estes portugueses que pagam e mandam, segundo o Governo,

que viram o Governo abdicar de defender a TAP junto da Comissão Europeia, cedendo, sem resistência — ao

contrário de todas as outras companhias —, a que a empresa ficasse à margem das regras da COVID-19.

Os portugueses estão como aqueles passageiros da célebre comédia, em que um piloto com medo de voar

e um problema de alcoolismo assume os comandos de um avião desgovernado. Só que, neste caso, quando

se dirige aos passageiros, diz, a pensar que é para seu conforto: «Daqui fala ‘El Comandante’».

O Sr. Carlos Silva (PSD): — Muito bem!

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Protestos do Deputado do PCP Bruno Dias.

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Este é o manual de como não se está à altura de gerir um processo desta natureza.

E, com este cadastro, com o historial clamoroso de erros cometidos pelo Governo, é difícil que alguém

acredite que o Governo vai conseguir recuperar a empresa. É imperioso que se assegure que este não vai ser

mais um elefante branco.

Este é o dinheiro dos portugueses, que nenhuma palavra tiveram a dizer sobre o tema.

Que estes recursos públicos, estes 3,7 mil milhões de euros — quase tanto como as outras 400 000

empresas portuguesas vão receber a fundo perdido, no decurso da pandemia, em 2020 e 2021! —, apenas

sejam entregues se houver garantias irrefutáveis de que o processo de reestruturação é bem-sucedido. Que a

TAP fique com uma gestão sólida e saudável, que tenha adequada cobertura geográfica para o Porto e para

Faro ou que essas regiões, caso não venham a ser servidas, tenham meios para atrair rotas doutras

companhias, para que seja, como todos seguramente desejamos, uma força motriz da economia e não um

dispendioso sorvedouro de dinheiros públicos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — A Mesa regista a inscrição de seis Srs. Deputados para formularem pedidos de esclarecimento.

Como pretende responder, Sr. Deputado?

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Sr. Presidente, responderei a três e depois a mais três.

O Sr. Presidente: — Assim sendo, tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, do Iniciativa Liberal.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Cristóvão Norte, obrigado por trazer aqui este tema e pela forma como o trouxe, correndo o risco de enfurecer a bancada

do PS, porque, mais uma vez, traz a TAP aqui a debate, como se este assunto não merecesse ser debatido as

vezes todas que forem necessárias.

Vou começar o meu pedido de esclarecimentos por fazer uma coisa que acho que, em política, nunca se

deve fazer, que é uma profecia. A minha profecia é que, daqui a menos de dois anos, havemos de estar, neste

Hemiciclo, a voltar a debater uma nova injeção de dinheiro público na TAP, com os mesmos argumentos que

até aqui justificaram as decisões que têm sido tomadas: a importância estratégica da companhia para a

economia, para a coesão territorial e para a proteção do emprego e que levou a que, em pouco mais de seis

meses, a fatura tenha passado de 350 milhões para 500 milhões, para 1200 milhões, para 1700 milhões, para

3000 milhões e, agora, para 3700 milhões de euros! Ficará por aqui?!

Bem, acreditaria que pudesse ficar por aqui se tivéssemos a mínima esperança de ter uma estratégia bem

desenhada e bem executada.

Mas, bem desenhada?! Quando é óbvio que não há uma estratégia de saída, é óbvio que não há uma

estratégia de alianças, é óbvio que não há, sequer, uma estratégia negocial com Bruxelas, sobre este plano?!

E bem executada?! Quando nem sequer a equipa de gestão está escolhida? E, um dia que venha a estar

escolhida, só há duas coisas que são certas: não participou no desenho do plano de reestruturação que vai ter

de implementar e vai ganhar menos 30% do que a atual equipa de gestão, o que, na minha modesta opinião,

limita um bocadinho o campo de recrutamento.

E bem executada?! Quando o grande estratega e gestor da TAP é o Ministro Pedro Nuno Santos, cuja

primeira grande análise profunda do que se tem passado na TAP é a de que a empresa cresceu depressa

demais, sem sequer perceber que foi isso que permitiu que o hub de Lisboa tivesse a importância estratégica

e o valor que hoje tem.

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Perante esta desorientação estratégica e perante estas capacidades do que muito bem designou como «El

Comandante», está ou não está de acordo comigo, Sr. Deputado Cristóvão Norte, de que a minha profecia,

infelizmente, tem muito mais risco de se vir a comprovar do que o contrário?

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, a Sr.ª Deputada Inês Sousa Real, do PAN.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Cristóvão Norte, começo, obviamente, por saudar o PSD por trazer este tema às declarações políticas de hoje.

No entanto, há aqui um conjunto de preocupações que nos parece relevante frisar novamente. É o caso,

desde logo, da importância estratégica que a TAP tem, indiscutivelmente, para o País e do impacto

socioeconómico, nomeadamente, o efeito devastador que os despedimentos poderão ter, não só a nível dos

empregos diretos, mas também dos empregos indiretos que esta empresa gera para o País.

Tendo em conta, precisamente, esta relevância, do ponto de vista da importância estratégica que a TAP

assume — também ao nível da coesão territorial —, aquilo que, para nós, seria fundamental perceber a este

tempo é se, de facto, o PSD partilha da opinião de que seria relevante que tivesse vindo a esta Assembleia a

discussão do plano de reestruturação.

Já ouvimos, em alguns momentos, nos meios de comunicação, a posição de alguma forma dissonante,

relativamente a este tema, mas parece-nos — e não pondo aqui em causa as matérias e as competências do

Governo neste domínio — que este é um tema bastante importante, tendo em conta que estamos a falar de

um impacto financeiro demasiado relevante para o País e tendo em conta, também, o histórico das várias

injeções que têm sido feitas na empresa e a própria gestão privada, que não tem sido melhor —

contrariamente ao que possam, muitas vezes, fazer crer — do que a gestão pública.

Tivemos ontem, inclusivamente, oportunidade de referir ao Sr. Ministro das Infraestruturas e Habitação, que

nos parece, de facto, relevante esta discussão na Assembleia, tendo em conta todo este impacto que a TAP

tem para o País.

Assim, gostaria de perguntar se os senhores não concordam que passar pela Assembleia da República

seria um momento de aprofundarmos a informação absolutamente necessária e a visão que temos de ter para

a TAP: uma TAP que seja alinhada não só com o equilíbrio orçamental, que se impõe, que se exige, com as

contrapartidas do ponto de vista ambiental e com as contrapartidas sociais e laborais, já que, até agora, não

temos um conhecimento aprofundado das mesmas.

Portanto, questões de ideologia à parte, Sr. Deputado, porque muitas vezes podemos ter divergências em

relação ao modelo que queremos adotar para esta empresa, parece-nos que o debate aprofundado neste

Hemiciclo nunca fez mal a ninguém e menos ainda quando estamos a falar de um tema desta relevância.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias, do PCP.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Cristóvão Norte, afirmou, na sua intervenção, que o Sr. David Neeleman era, na TAP, o único que percebia de aviões — ainda tive de perguntar se era

mesmo isso que eu tinha ouvido… E, ainda há pouco, dizia o CDS que a privatização da TAP tinha trazido

uma gestão profissional para a companhia. Srs. Deputados, isso seria para rir se não fosse tão grave e se não

fosse tão insultuoso, nomeadamente para aquilo que é o trabalho que, ao longo de décadas, se fez na TAP e

«dando cartas» a nível internacional. É que esses senhores a quem VV. Ex.as entregaram a TAP, na

privatização, são profissionais, sim senhor, mas não é a gerir, é a fazer outra coisa. O que o Sr. David

Neeleman estava a fazer na TAP é o que fez toda a vida nos Estados Unidos da América e não só: estava a

mobilizar recursos da própria TAP, a impor opções de gestão ruinosas para a TAP, mas muito vantajosas para

a Azul Linhas Aéreas e instrumentais para vender a TAP outra vez, logo a seguir.

O processo que a TAP estava a atravessar não era de crescimento, era de engorda. E quem estava a

«afiar a faca», sabemo-lo muito bem, eram essas companhias estrangeiras que ainda não desistiram de tomar

conta deste mercado.

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Os Srs. Deputados consideram que a TAP, companhia aérea de bandeira, com 75 anos de história, pode

desaparecer assim?! E depois é o mercado que vai substituir a TAP? É o mercado?! É outra companhia

estrangeira qualquer? Sabemos bem as responsabilidades que o PSD, o CDS e o PS tiveram na destruição de

empresas estratégicas para o nosso desenvolvimento e a nossa soberania. O mercado não substituiu a

SOREFAME, não substituiu a Cimpor, não substituiu a marinha mercante. E em todos esses processos de

desmantelamento o ataque aos direitos dos trabalhadores foi sempre uma marca constante, assim como a

submissão às políticas da União Europeia, apoiando a concentração do poder económico e a dominação pelas

grandes potências.

O PSD concorda com a operação de dumping social e o ataque aos direitos, certamente. O PSD concorda

que a União Europeia imponha as suas políticas de submissão económica e de soberania.

A pergunta que subsiste, Sr. Deputado, é como é que defende, junto da população da Madeira e dos

Açores, junto das populações do Porto e do Algarve, junto das pequenas e médias empresas que trabalham

para a TAP, todas essas exigências que afirma em relação à TAP, quando, no fundo, aquilo que está, desde o

início, na estratégia do PSD é deixar cair a TAP e submeter ao poderio das grandes potências o interesse

nacional e um fator estratégico para o nosso desenvolvimento.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Cristóvão Norte.

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Cotrim de Figueiredo, agradeço as suas observações, que, do meu ponto de vista, são muito certeiras, e permitir-me-ia começar por olhar para a

profecia que apresentou à Câmara. Infelizmente, Sr. Deputado, esse é um risco que a TAP corre e essa é a

razão pela qual o Partido Social Democrata quer que o processo seja escrupulosamente escrutinado. É que

todos sabemos que, historicamente, a TAP dá e acumula prejuízos. E todos nós sabemos também que as

regras europeias impedem que, a partir do momento em que se coloque lá dinheiro, o Estado possa colocar lá

dinheiro novamente.

Portanto, se nós estamos a colocar lá 3,7 mil milhões de euros e não mudamos a cultura política,

económica e social da empresa, não a reestruturamos de modo a que ela seja competitiva num mercado que

é, ele próprio, muito exigente, então, o que estamos a fazer é a destruir aquilo que os senhores anotam como

capital estratégico da empresa.

Portanto, é quase extraordinário que, durante estes anos, não tenha havido uma palavra nesse sentido.

Falou-se aqui dos acionistas da empresa. Com certeza que os acionistas tomaram decisões que foram más

decisões, não tenho quaisquer dúvidas a esse respeito. Mas também devo dizer uma coisa: se esses

acionistas tomaram más decisões, então o que fez o Estado português? O Estado português tinha feito uma

privatização e, a seguir, renegociou as cláusulas dessa privatização, quando o parceiro privado podia sair ou a

custo zero ou por 10 milhões de euros e, a seguir, pôs lá uma cláusula de 225 milhões de euros para o Estado

sair, que resultou no pagamento de 55 milhões de euros, quando, neste momento, ninguém na aviação recebe

dinheiro! Onde é que está a resposta para isso? Onde é que está a moral para isso? Como é que podemos

pedir aos portugueses que cumpram as regras, que consigam salvaguardar o emprego, quando nós estamos a

dar um «paraquedas dourado» a quem os senhores dizem que não merecia?!

Como é possível que o Bloco de Esquerda, o Partido Comunista e o Partido Socialista tenham todos dito

que era um grande dia, uma nova era para Portugal e para a companhia aérea quando se começou a reverter

essa privatização e que agora, estejamos aqui, neste lodaçal, que tem uma fatura muito maior do que aquela

que devia ter, em razão daquilo que os senhores fizeram?!

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, estamos inteiramente de acordo consigo: então, numa semana, o Sr. Ministro das Infraestruturas queria trazer aqui ao Parlamento o plano de

reestruturação para votação e, na semana seguinte, nem sequer conseguimos que o Governo nos dê a

conhecer o plano? É extraordinário! O povo paga, o povo manda, mas os representantes do povo — do tal que

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paga e manda — nem sequer podem conhecer os detalhes e aquilo que vai ser objeto de negociação em

Bruxelas. É à boa maneira do Partido Socialista!

Sr. Deputado Bruno Dias, como é que se defende a TAP? Olhe, defende-se da seguinte maneira: tornando-

a numa empresa que não dê prejuízo todos os anos, ao ponto de ser inútil para os contribuintes e de estes a

encararem como um fardo e um sorvedouro de dinheiros públicos. É assim que se defende a TAP, Sr.

Deputado. E isso impõe um plano que seja sério, credível e que tenha a capacidade de resgatar a TAP desta

situação que enfrenta.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Vamos prosseguir com os pedidos de esclarecimento. Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Carlos Pereira, do PS.

O Sr. Carlos Pereira (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Cristóvão Norte, antes de mais, obrigado por trazer a debate um tema tão relevante e que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista tem muito gosto em

discutir.

Gostaria de começar por dizer o seguinte: tantas palavras escritas num papel e lidas durante longos

minutos, tanto «esbracejamento» sobre o tema e estamos exatamente na mesma como estávamos ontem,

como estávamos há uma semana, como estávamos há nove semanas, como estávamos há nove meses!

Sejamos francos, Sr. Deputado Cristóvão Norte: os senhores não têm a mínima ideia sobre um plano

alternativo para a TAP e limitaram-se, ao longo de todo este tempo, a discutir o plano do Partido Socialista. É

isso que os senhores fazem, é isso que toda a direita faz.

Mas, mais importante, é o seguinte: ou os senhores têm medo de tentar dizer aos portugueses o que

querem — isto é, se querem fechar a TAP definitivamente e colocar em causa aquilo que é absolutamente

relevante, como seja a continuidade territorial, ou as nossas comunidades, ou o contributo para a economia, o

que tem sido amplamente divulgado, mas que os senhores desvalorizam sistematicamente — ou, afinal, do

que os senhores têm medo é que o plano do Partido Socialista, o plano do Governo acabe por dar certo,

acabe por resultar e ser isso que o País, a TAP tem de fazer. Sr. Deputado, parece-me que é mais disto que

os senhores estão com medo.

Aplausos do PS.

Mas, mais uma coisa — é importante que isto fique claro: o Sr. Deputado, bem como o Sr. Deputado João

Gonçalves Pereira, falou do Sr. Neeleman. Sr. Deputado, quem colocou o Sr. Neeleman na companhia foram

os senhores! Foi o PSD e o CDS!

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — E quem é que deu agora o cheque?

O Sr. Carlos Pereira (PS): — Mas o Sr. Deputado também falou, bem como o Sr. Deputado João Gonçalves Pereira, de uns tais 50 milhões de euros que tiveram de ser pagos. Sr. Deputado, vamos ser claros:

é verdade que o Partido Socialista e o Governo conseguiram transformar uma fatura que era de 300 milhões

de euros em apenas 50 milhões de euros, porque os senhores meteram na companhia um senhor que tinha

225 milhões de euros de suprimentos e mais 90 milhões de euros de obrigações. É verdade, não precisam de

agradecer. Mas nós não nos vamos esquecer da responsabilidade que os senhores tiveram ao terem feito

uma privatização da companhia de forma absolutamente mal feita, a mata-cavalos, como já referi, e na

vigésima quinta hora. Ninguém se pode esquecer disso! O Partido Socialista não se vai esquecer!

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Pereira (PS): — Vou concluir, Sr. Presidente.

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Portanto, Sr. Deputado, tem mais uma oportunidade, a enésima oportunidade, de dizer exatamente o que o

PSD quer. E não transforme o debate numa loja dos trezentos, como fez Rui Rio, quando falou em 300 €. Não,

diga o que quer para a TAP, diga o que os portugueses devem esperar do PSD para a TAP.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Gonçalves Pereira, do CDS-PP:

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Sr. Presidente, começo por cumprimentar o Sr. Deputado Cristóvão Norte pela sua declaração política e quero dizer-lhe que acompanho, se não na totalidade, quase na

totalidade, a intervenção que fez.

Não resisto, porém, a comentar a intervenção do Sr. Deputado Carlos Pereira. O Sr. Deputado Carlos

Pereira é uma espécie de case-study socialista. O Sr. Deputado parece que não ouviu o debate que aqui

houve há pouco, nem o seu colega Hugo Costa, que começou por dizer que achava estranho o CDS ter aqui

trazido o tema da TAP. É que, em coerência, o senhor devia dizer o mesmo ao PSD. Mas, não, o senhor diz

exatamente o contrário. O que o senhor diz é que é muito importante trazer este tema aqui a debate.

E, depois, há outra coisa: o Sr. Deputado devia ser mais prudente. O seu Ministro, mesmo com todos os

propósitos que lhe conhecemos, é mais prudente. E o que é que o Ministro diz? Diz: «eu entrego um plano em

Bruxelas e vamos ver o que Bruxelas nos diz em relação a esse plano.» Ora, para o Sr. Deputado qualquer

plano serve, tudo serve. Realmente, o Sr. Deputado é um case-study! Mas não vou perder mais tempo com

isso.

Quero, sim, colocar duas questões ao Sr. Deputado Cristóvão Norte. A primeira delas tem a ver com o tal

«paraquedas dourado» do Sr. David Neeleman, ou seja, um paraquedas grande, pesado, com muito dinheiro,

com 58 milhões de euros. Então, pergunto: Sr. Deputado, esse negócio, esse contrato, esse acordo, esse

entendimento deve ser fiscalizado, ou não, pelo Tribunal de Contas? Esta é a primeira questão que lhe coloco.

Depois, quero dizer-lhe o seguinte: há pouco, na minha declaração política, falei no tal seletismo socialista.

Ou seja, quando temos um governante, um ministro, que, nas comissões parlamentares, fala na representação

do povo português, as bancadas mais à esquerda, todas contentes, aplaudem, mas, depois, no momento em

que esse mesmo Governo, esse mesmo ministro assina um cheque de 55 milhões de euros, a esquerda finge,

«assobia para o lado» e não diz nada. Ainda não ouvimos uma palavra relativamente a isso.

Em segundo lugar, quero perguntar-lhe se não acha que, das bancadas mais à esquerda — e sobre o

Deputado Carlos Pereira, sinceramente, não espero grande resposta —, da parte do PCP e do BE, sobre a

questão dos 55 milhões de euros do Sr. Neeleman, há um silêncio total. Gostaria de saber que opinião tem o

Sr. Deputado sobre essa mesma matéria.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Pires, do BE.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Cristóvão Norte, o PSD e o CDS trouxeram a debate, com algumas alterações, não só o mesmo tema como a mesma declaração política, o que até poderia

ser irónico, porque estamos novamente perante a PàF (Portugal à Frente), e isto leva-nos novamente ao

processo de privatização da TAP e aos erros que foram cometidos com o processo de privatização da TAP e,

portanto, à má memória que deixa esse processo.

Srs. Deputados, se não fosse tão mau aquilo que aconteceu, ainda poderiam tentar fugir a esse debate.

Mas o facto é que a gestão privada, a forma como foi feita e a forma como o PSD e o CDS, durante estes

últimos debates sobre a TAP, têm tentado branquear aquilo que foi a ação do acionista privado, o Sr. David

Neeleman, que prejudicou gravemente a empresa, é absolutamente inacreditável, pelo que, se calhar,

deveriam voltar a rever o contrato de privatização que o Governo PSD/CDS assinou e as consequências que

daí advieram.

Quero ainda sublinhar uma outra questão importante, porque, aparentemente, não só vêm aqui fazer um

revival da PàF como, ao mesmo tempo, têm amnésia seletiva relativamente ao processo levado a cabo em

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2016, em que o Governo do Partido Socialista decidiu entrar para obter uma maioria do capital da empresa. E,

se bem se recordam — e poderão ir verificar, porque claramente esqueceram-se —, as críticas que existiram

por parte do Bloco de Esquerda tiveram exatamente a ver com o facto de o Estado estar a entrar no capital da

empresa, mas não assumir uma gestão da mesma. Isso, sim, teria sido absolutamente essencial. Portanto, se

os Srs. Deputados não se recordam, poderão fazê-lo.

A terminar, quero dizer que a direita tem, de uma vez por todas, que se clarificar relativamente a este

debate. O Iniciativa Liberal parece que está mais preocupado com o salário do gestor do que com outra coisa

qualquer, o que, portanto, se não fosse tão mau, daria para um sketch de humor.

Mas o PSD tem também de dizer ao que vem neste debate. Durante estes últimos meses ainda não

conseguimos perceber. Considera que a empresa é estratégica para o País ou não? Que é importante para a

economia portuguesa ou não? Que é necessário salvaguardar os postos de trabalho ou não? Que é

necessário salvaguardar aquilo que dá do ponto de vista de exportações e os milhares de empresas que

vendem diretamente à TAP, nomeadamente pequenos e microempresários?

Sobre isso a direita não tem uma única palavra a dizer. E mais: aquilo que a direita tem feito neste debate

— vou mesmo terminar, Sr. Presidente —, é utilizar os trabalhadores como forma de arremesso político, sem

depois ter uma única palavra para falar relativamente ao que está no plano de reestruturação, ao que se sabe

de despedimentos, de cortes salariais e de suspensão de acordos de empresa. Repito: sobre isso a direita não

tem uma única palavra a dizer. E sabem porquê, Srs. Deputados? É porque está muito confortável com os

despedimentos que poderão existir daqui para a frente — isso fica claro neste debate.

Aplausos do BE.

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Isso não é verdade!

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado Cristóvão Norte, tem a palavra para responder.

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Pereira, o Sr. Deputado fez alusão ao facto de, durante a minha intervenção, eu ter esbracejado, e tem razão. Sabe porque é que eu esbracejo?

Porque estou indignado com esta situação.

Aplausos do PSD.

Estou indignado com o facto de os portugueses terem de pagar 3,7 mil milhões de euros! E espanta-me

que a bancada do Partido Socialista se dedique a tratar de um plano que não conhece e não se sinta

diminuída pelo facto de o Governo rejeitar apresentar o plano à Assembleia da República em todos os seus

detalhes para que o Parlamento o possa escrutinar.

O PS parece um ser acéfalo. Aceita o plano sem o conhecer e diz que é bom para os portugueses sem que

aqueles que são mandatados para conhecerem o plano e para o avaliarem o possam conhecer. É

inacreditável o desplante do Partido Socialista nesta matéria!

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Sr. Deputado, queria dizer-lhe o seguinte: o senhor diz que estamos como há nove semanas, ou há 9 meses… Não, Sr. Deputado, não estamos; em relação há nove meses, já lá

metemos 1200 milhões de euros, e vamos continuar a meter.

O Sr. Ministro, que é do seu partido, disse aqui, primeiro, que os despedimentos não eram inevitáveis e

depois disse que 1200 milhões de euros haviam de chegar. E nós perguntámos: «Chega, Sr. Ministro? Ou isto

vai ser um sorvedouro de dinheiro público?». E o Sr. Ministro disse: «Não, em princípio é assim!». E a

bancada do Partido Socialista aplaudiu de pé, exortando as palavras do Sr. Ministro, como se aquilo fosse um

reconhecimento da confiança inusitada que sempre lhe dedicam sem qualquer escrutínio e sem qualquer

avaliação.

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Sr. Deputado, em relação à continuidade territorial, quero dizer-lhe o seguinte: na privatização que foi feita

havia um acordo de parceria estratégico que estabelecia um conjunto de obrigações ao privado. Sabe quem é

que retirou muitas dessas obrigações ao privado que lá estavam expressas, desde equilíbrios financeiros a

outras? Foi encenação, foi o embuste grotesco do Partido Socialista quando quis reclamar, proclamando a

sete ventos que a empresa é pública e que o povo é que manda. Foi isso que os senhores fizeram e é disso

que os senhores deviam ter vergonha.

O Sr. Duarte Marques (PSD): — Muito bem!

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Sr. Deputado João Gonçalves Pereira, num negócio desta natureza, em que ninguém percebe em que medida é que o Estado veio a ser prejudicado, porque havia uma cláusula que

estabelecia que o privado podia sair por 10 milhões de euros, como é que se entregam 55 milhões?

O Tribunal de Contas, como qualquer outra entidade, tem de olhar para os termos deste negócio, porque

os portugueses, numa altura destas, não admitem uma barbaridade como esta sem que haja fundamento

jurídico suficiente para a sustentar. Nisso estamos completamente de acordo. Mas, mais numa vez,

encontramos um silêncio ensurdecedor da parte da bancada do Partido Socialista e, como me perguntou, e

bem, também das bancadas do Bloco de Esquerda e do PCP. Mas isso são as alianças aparentes que, muitas

vezes, não se descortinam neste Plenário, mas que têm determinado a política do País.

A Sr.ª Deputada Isabel Pires perguntou-me: «Bom, é muito importante o debate, mas e o PSD…?» Quero

recordar à Sr.ª Deputada o seguinte: o PSD, fez vários estudos para preparar essa privatização e assinalou

que entendia que a empresa era uma empresa estratégica, seguramente, mas nunca disse que era estratégica

a todo e qualquer custo. É isso que nós não aceitamos!

Aplausos do PSD.

O que é que significa a empresa ser estratégica que não uma proclamação vazia de conteúdo e que

empurra os portugueses para a suportarem independentemente da eficiência, independentemente da

qualidade de serviço, independentemente dos custos e independentemente dos proveitos que tenha para o

País?

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado, tem de abreviar.

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Portanto, para terminar…

Protestos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, deixem o Sr. Deputado terminar. Sr. Deputado Cristóvão Norte, queira concluir.

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — A terminar, direi apenas que creio ser importante para a Câmara ponderar essa circunstância aquando da privatização. Se a empresa não fosse privatizada, não tinha capital para

adquirir novos aviões e tinha ido para um processo de reestruturação quando o País estava à beira da

bancarrota e não se conseguia financiar. Aquela foi a melhor decisão e o que se passou nos últimos cinco

anos foi o pior que se fez à TAP, aos trabalhadores da TAP e ao País.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Passamos à declaração política do Bloco de Esquerda. Para o efeito, tem a palavra a Sr.ª Deputada Beatriz Gomes Dias.

A Sr.ª Beatriz Gomes Dias (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há nove meses, o cidadão ucraniano Ihor Homenyuk foi torturado e assassinado às mãos do Estado português. Este crime hediondo

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aconteceu nas instalações do espaço equiparado a centro de instalação temporária do aeroporto de Lisboa e

três inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras foram acusados do crime pelo Ministério Público.

As condições em que este homicídio ocorreu devem alarmar-nos, não apenas pela violência extrema do

ato e pela tentativa de ocultação do mesmo, mas também por ter sido praticado enquanto o Ihor se encontrava

injustamente detido e por ter contado com a conivência ou, pelo menos, a negligência da hierarquia.

Os centros de instalação temporária e espaços equiparados são locais de detenção onde se encontram

pessoas que não cometeram qualquer crime, sendo detidas tão-somente pela sua condição de migrante

indocumentada cuja entrada no País foi recusada.

A maioria das pessoas sente que é tratada como criminosa. São privadas da sua liberdade e do contacto

com familiares e amigos e não têm apoio jurídico adequado, nem dispõem de um tradutor ou intérprete.

São alvo de abuso de todo o tipo de arbitrariedades sob a forma de negação de direitos, humilhações,

intimidações e agressões.

Estas situações são há muito denunciadas pelas organizações de defesa dos direitos dos migrantes e

refugiados e pela Provedora de Justiça. Nos últimos tempos, têm também vindo a público diversas denúncias

de pessoas que ficaram detidas no espaço do aeroporto de Lisboa, que mostram que este não é um caso

isolado, apenas teve, infelizmente, consequências mais trágicas.

Estas pessoas migrantes e os seus representantes legais relatam que as agressões aos detidos são

comuns. A sala onde Ihor Homenyuk foi espancado até à morte era conhecida como um espaço onde as

pessoas detidas eram humilhadas e agredidas. Esta era, infelizmente, uma morte anunciada.

O Bloco de Esquerda pediu, de imediato, uma audição com caráter de urgência ao Ministro da

Administração Interna, de modo a apurar as responsabilidades políticas de quem tem a tutela do SEF.

O Ministro, tanto na audição a 8 de abril, como ontem, assumiu o compromisso da realização de uma

investigação célere, o apuramento de todas as responsabilidades, a assunção de consequências sem olhar a

quem e de mudanças na estrutura do SEF.

Mas as poucas medidas entretanto tomadas ficam muito aquém do necessário. Houve uma requalificação

das instalações do espaço equiparado a centro de instalação temporária do aeroporto de Lisboa, mas esta não

foi mais do que uma operação de cosmética que não alterou em nada a estrutura.

As pessoas que não são autorizadas a permanecer em Portugal continuam a ser presas, e isso é

inaceitável num Estado de Direito democrático.

Só a forte pressão pública e mediática terminou com o silêncio do Estado. A diretora nacional do SEF

abandonou, a seu pedido, o cargo e o Estado, depois de ter ignorado e negligenciado a família de Ihor, decidiu

finalmente pagar-lhe uma indemnização.

O Governo tratou este assassinato como se fosse um mero acidente de percurso, uma mancha excecional

numa instituição policial de outra forma exemplar.

Mas o que este crime hediondo e vergonhoso nos revela é a falência de um modelo caduco e desumano de

lidar com a imigração. Um modelo que trata, à partida, as pessoas migrantes com desconfiança e suspeição,

como uma ameaça à segurança.

As pessoas migrantes e requerentes de asilo que procuram Portugal em busca de uma melhor vida, como

tantas portuguesas e tantos portugueses fizeram no passado e continuam a fazer no presente, não podem ser

tratadas como suspeitas ou criminosas até prova em contrário.

Têm de ver respeitados os seus direitos e ser tratadas com todo o respeito e humanidade que lhes são

devidos. O Estado de Direito não se suspende quando se cruza a fronteira de entrada em Portugal.

Precisamos de uma política de acolhimento que assente numa abordagem humanista, que respeite os

direitos humanos e que valorize a diversidade e o contributo que dão a Portugal.

É necessário que o acolhimento de pessoas migrantes e requerentes de asilo caiba a um organismo

vocacionado para o efeito, com funcionárias e funcionários com uma formação rigorosa, que assegure o

mesmo respeito pelos direitos humanos que é garantido às cidadãs e aos cidadãos nacionais. Um organismo

administrativo que acolhe e não uma polícia que reprime.

É necessário garantir em todas as etapas do processo de admissão de entrada o acesso a apoio jurídico

especializado, a intérpretes e mediadores, ao apoio de organizações não governamentais que atuem nesta

área e a apoio consular.

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É preciso abandonar, de uma vez por todas, o modelo que assenta na detenção de pessoas migrantes,

incluindo menores.

É urgente acabar com estas prisões e implementar modelos alternativos à detenção, que respeitem a

liberdade, a autonomia e os direitos das pessoas migrantes. As soluções alternativas existem, já foram

testadas noutros países e devem também ser implementadas em Portugal.

É necessário também acabar com a securitização da relação do Estado com as pessoas migrantes que

vivem no nosso País e que continuam a ter de lidar com uma polícia para tratar de meros assuntos

administrativos, como a obtenção de autorização de residência.

É o Ministro Eduardo Cabrita a pessoa certa para implementar as mudanças profundas que são

necessárias e urgentes? A resposta é «não».

Pela sua conduta neste caso e pela sua manifesta indisponibilidade para questionar o modelo atual de

relacionamento do Estado com as pessoas migrantes e refugiadas, o ainda Ministro já demonstrou que não

tem condições políticas para permanecer no cargo.

As pessoas migrantes e refugiadas merecem mais respeito e humanismo, merecem melhor do que

remendos num sistema que já provou ter falido há muito tempo.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, a Mesa regista quatro inscrições para pedidos de esclarecimento, tendo a Sr.ª Deputada Beatriz Gomes Dias informado a Mesa que pretende responder dois a

dois.

Em primeiro lugar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Beatriz Gomes Dias, começo por saudá-la por ter trazido a debate este tema, um episódio que muito nos confronta, a todas e a todos, e que

traduz o que de mais grotesco pode existir na nossa sociedade.

Com efeito, este parece ser, aparentemente, um caso isolado. É evidente que, felizmente, no nosso País

não temos episódios que assumam esta gravidade, no entanto, do ponto de vista sistémico, ele revela uma

cultura institucional que é, de facto, questionável. E não querendo, com isto, criar uma generalização que

possa de alguma forma pôr em causa o trabalho sério que muitos dos profissionais que integram esta

estrutura fazem, nomeadamente ao nível das missões humanitárias, no acolhimento de estrangeiros, e que o

fazem de forma séria e digna, há, no entanto, uma componente e uma dimensão deste crime que muito nos

preocupa e que não pode ser ignorada, nomeadamente pelo Governo e pelos responsáveis políticos da tutela.

Posto isto, parece-nos que há, por um lado, uma ausência de respostas atempadas, que não ocorreram,

mas também uma ausência de visão e de reestruturação que já deveria estar a ser partilhada com a

Assembleia da República e que não está a ocorrer.

Por isso, desde logo, Sr.ª Deputada, gostaria de lhe perguntar se nos acompanha na preocupação quanto à

reestruturação, porque se há aspetos da dimensão da segurança das nossas fronteiras que competem,

efetivamente, às soluções dos órgãos de segurança policial, há outros aspetos, nomeadamente de cariz

humanitário ou até mesmo de cariz social ou laboral e administrativo, que não faz qualquer sentido estarem

nas mãos de uma entidade com elevação a órgão de polícia criminal.

Portanto, acompanhamos aquilo que referiu. Não podemos continuar a tratar os cidadãos estrangeiros

como se de criminosos se tratassem e parece-nos que esta mudança do ponto de vista da cultura institucional,

mas também das políticas públicas no nosso País, tem, evidentemente, de ser feita.

O modelo atual está, de facto, caducado, como referiu, e gostaríamos de saber se, no caminho desta

reestruturação, concorda que tem de haver uma avaliação interna prévia e também uma auscultação do

próprio setor, dos profissionais que integram esta estrutura, para que possa haver a identificação de

oportunidades de melhoria do trabalho, mas também o fim do modelo que inclui a segurança privada neste

contexto, que é algo que não tem sido falado, para que seja chamado o quê a quem de direito: à polícia o que

é de polícia, aos órgãos administrativos o que é dos órgãos administrativos e à missão humanitária aquilo que

é de todos nós, nomeadamente o acolhimento de refugiados.

Queria perguntar-lhe se concorda com esta visão e com este caminho.

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O Sr. Presidente (António Filipe): — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alma Rivera, do PCP.

A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Beatriz Gomes Dias, não há palavras para o que aconteceu a Ihor Homenyuk sob custódia do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. Isso é de uma

gravidade absoluta, é hediondo, não há palavras para descrever e, por isso, como temos dito — dissemos a

30 de março, voltámos a dizer a 8 de abril e temos insistido em dizer —, é preciso que exista um apuramento

total de todas as responsabilidades, sejam elas criminais ou do foro disciplinar, de todos os intervenientes que

contribuíram para este assassinato ou que, de alguma forma, com ele pactuaram.

É preciso também tirar ilações a nível da direção. A Diretora do SEF demitiu-se na sequência de uma

entrevista, mas o que nos parece mais grave é que não se tenha demitido na sequência de um homicídio.

Essa é a questão de fundo e é isso que nos preocupa.

Claro que achamos que a responsabilidade do Estado português para com a família, nomeadamente com

indemnização, e todo o apoio que deve ser prestado tem de o ser com a maior brevidade, se é que ainda

vamos a tempo de fazer boa figura. Mas o que é preciso é que estas coisas não aconteçam, e isso passa por

se tomarem medidas, não de superfície, mas de reestruturação do SEF, que justifica que se aprofunde a

separação das funções policiais das administrativas e que se garanta a intervenção de entidades externas que

possam ir fiscalizando e orientando a atuação do SEF, como o Conselho Português para os Refugiados e a

Ordem dos Advogados. De facto, o que esta situação vergonhosa nos revela é que, de cada vez que nos

chega um imigrante, de cada vez que alguém nos pede asilo, de cada vez que alguém tenta aceder ao nosso

País, não podemos tratar essa situação como um caso de polícia. Isso não é aceitável e tem de ser

ultrapassado. Não é aceitável que alguém que procure o nosso País, que venha procurar emprego, como

aconteceu a Ihor, esteja uma noite com algemas e ligaduras a prendê-lo de mãos e pés, já para não falar do

resto.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Beatriz Gomes Dias.

A Sr.ª Beatriz Gomes Dias (BE): — Sr. Presidente, queria agradecer as perguntas colocadas pelas Sr.as Deputadas Inês de Sousa Real e Alma Rivera, que são perguntas muito relevantes.

Vou começar por responder às perguntas que a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real me fez relativamente ao

facto de, ao tratarmos o que aconteceu, que expõe toda a violência e barbaridade que aconteceram no SEF,

estarmos a colocar toda uma força, toda uma estrutura em causa. A questão é que esta foi a face mais visível

da violência, da impunidade e da discricionariedade que acontecem nos centros de instalação temporária ou

nos espaços equiparados a centros de instalação temporária. É essa violência que é preciso combater, e é

preciso fazê-lo de forma sistemática.

Temos de pensar num modelo que olhe para a realidade da vulnerabilidade das pessoas requerentes de

asilo, das pessoas migrantes, e que atenda a essa vulnerabilidade. Por isso, os profissionais que trabalham no

SEF devem ter uma formação contínua sobre questões de migração, devem ser especialistas em migração e

devem saber como responder à vulnerabilidade de pessoas que muitas vezes não dominam a língua

portuguesa, que muitas vezes vêm de contextos de guerra ou de lugares onde são perseguidas e, por isso,

essas pessoas têm especificidades no seu tratamento. Portanto, não pode haver formações temporárias, que

decorram num curto espaço de tempo e que depois não tenham continuidade. É esse o relato do que tem

acontecido.

Se fizermos uma reestruturação do modo de acolhimento das pessoas migrantes nos ECID (Ensino

Continuado Internacional à Distância), os trabalhadores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras também irão

beneficiar dessa remodelação, porque é toda uma outra visão sobre um Serviço de Estrangeiros e Fronteiras

do qual as pessoas migrantes têm uma visão bastante negativa. Ou seja, parece-nos que vivemos em dois

países diferentes: um país onde as pessoas migrantes não têm direitos nenhuns, são tratadas com descaso e

de uma forma subalterna, e outro país onde esta realidade não acontece. É preciso juntar estes dois países,

fazer coincidir estas duas realidades para que todas as pessoas possam ser respeitadas e também para que

os trabalhadores do SEF possam ver o seu trabalho reconhecido e não serem associados a estas mensagens

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negativas e a esta forma assustada de olhar para o SEF, porque muitas pessoas migrantes não têm recursos,

alternativas ou instrumentos para poderem responder à violência a que estão sujeitos, e há muitas denúncias

nesse sentido.

Outro aspeto importante é que foi necessário que o Governo fizesse um acordo com a Ordem dos

Advogados. Esse acordo está previsto na lei de estrangeiros desde 2007. Foram necessários 13 anos — 13

anos! — para fazer esse acordo e ele só aconteceu depois de alguém ter morrido, não aconteceu antes.

Portanto, há aqui responsabilidades políticas graves.

Há relatórios internacionais que denunciavam as condições em que as pessoas eram instaladas nos

centros de instalação e que faziam também recomendações para a melhoria das condições, sendo uma delas

no sentido de que fosse dado apoio jurídico logo nos primeiros momentos, logo na primeira entrevista, que é o

momento em que os problemas acontecem.

Esse apoio jurídico não acontecia ou, quando acontecia, não era exercido de forma continuada. Os

advogados deparavam-se com obstáculos para chegarem até aos seus representados e, quando conseguiam

chegar, muitas vezes a entrevista já tinha decorrido, toda a arbitrariedade e discricionariedade já tinham

acontecido, já não havia muito a fazer e as pessoas já tinham ficado detidas.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem de concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Beatriz Gomes Dias (BE): — É esta forma opaca de agir, esta forma sem hierarquia, discricionária, em que cada um decide o que faz, que precisa de ser combatida. É isso também que desprestigia uma

instituição, e nenhuma instituição quer ser representada como caótica, desorganizada e violenta.

Sr. Presidente, peço desculpa por ter demorado.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Entretanto, a Sr.ª Deputada Mariana Silva também se tinha inscrito para pedir esclarecimentos, mas a Mesa não tinha registado. No entanto, reitero o apelo para que os Srs.

Deputados se inscrevam em tempo útil.

Tem a palavra, para formular pedidos de esclarecimento, o Sr. Deputado Bacelar de Vasconcelos, do PS.

O Sr. Bacelar de Vasconcelos (PS): — Sr. Presidente, em primeiro lugar, queria agradecer a intervenção da Sr.ª Deputada Beatriz Gomes Dias e dizer-lhe que, tanto eu como o meu grupo parlamentar, partilhamos

não só a sua consternação, mas também a sua impaciência. Passou muito tempo, quase dez meses, e o que

se foi averiguando em inúmeras iniciativas de instauração de processos disciplinares, de desencadeamento de

processos-crime, veio demonstrar a existência, como a Sr.ª Deputada referiu, de uma cultura verdadeiramente

institucional, que passa, inclusivamente, por setores menos esperados, por uma tentativa de ocultação, que

arrastou e atrasou o esclarecimento dos factos, e, saudavelmente, a opinião pública contribuiu para que o

crime e uma vergonha desta natureza não possam passar em claro.

Estão em curso, ainda, muitas averiguações. Está em curso aquilo que há muito é desejável, mas que não

foi feito até agora: uma reestruturação profunda do que é enquadramento legal deficiente, perverso, na

receção dos imigrantes. É a reestruturação do SEF, é a integração do primeiro interface com aqueles que

pretendem atravessar a fronteira e chegar até nós, do primeiro interface não de natureza policial, mas de

natureza humanitária, administrativa, de que precisamos para não alimentar a continuidade desta cultura,

destes procedimentos, destas infâmias.

Sr.ª Deputada, deixo-lhe apenas uma questão. Dizia o Sr. De Lampedusa, num belíssimo filme de Visconti

— que eu tive oportunidade de invocar há dias, aquando da entrega do Prémio Norte-Sul do Conselho da

Europa a uma ativista feminista da Tunísia e ao Presidente da Câmara de Palermo, siciliano —, que «é preciso

que algo mude para que tudo fique na mesma». Nada de mais expedito do que fazer rolar umas cabeças para

que nada se altere, para que as responsabilidades não sejam apuradas, para que se não vá, como exigia há

pouco a Sr.ª Deputada, ao fundo das coisas, ao fundo das responsabilidades. E estamos juntos nessa luta.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente (António Filipe): — Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Marques, do PSD.

O Sr. Duarte Marques (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o que aconteceu no aeroporto de Lisboa é uma vergonha. Eu diria que dizer isso une desde o Chega ao Bloco de Esquerda. Toda a gente já

reconheceu isso, toda a gente reconhece isso e quem não o reconhecer não está a ser sério. Mas o que nos

divide e o que nos pode dividir é a avaliação…

Protestos do BE.

Os senhores não se incomodem por, em certas coisas, pensarmos da mesma forma, porque é bom que em

direitos humanos pensemos da mesma forma! Quem acha que é dono da moral ou dos direitos humanos não

é um verdadeiro humanista.

Protestos do BE.

Mas o que me preocupa também e que nos deve preocupar ainda mais é como é que vamos sair desta,

porque o que estranho é que o Partido Socialista, que tomou as posições que tomou nos últimos dias, consiga

ouvir a intervenção da Sr.ª Deputada Beatriz Gomes Dias, que muito respeito, e consiga concordar com a

visão que tem para o SEF: para o PS, que está no Governo há cinco anos, afinal a lei da emigração — foi o

PS que a mudou — já é uma vergonha, já não é inclusiva. O Governo sempre esqueceu o centro de instalação

temporário, para o qual o PSD anda há três anos a chamar a atenção, pois face ao número de imigrantes e de

turistas merecia melhores condições. Como é que se pode falar desta forma sobre o passado recente quando

o Governo deixa 23 milhões de euros de fundos comunitários por usar, para melhorar as condições dos

imigrantes que chegam? E agora quer restruturar o SEF?! Agora, ao fim de cinco anos, é que se lembraram,

após o quinto diretor do SEF, que afinal é o SEF que está mal?!

Meus senhores e minhas senhoras, o que aconteceu é uma vergonha! Eu espero que os indivíduos que

pecaram sejam punidos!

Vamos melhorar o SEF, não vamos extinguir o SEF. É que há muita gente que era isso que desejava.

Vamos reestruturar este serviço de segurança. Vamos discutir com seriedade. Não vamos cometer o erro

de querer chamar a todos os inspetores do SEF criminosos, como se fará em relação àqueles que são

culpados. Vamos proteger um serviço de segurança que é importante, que deve ser mais humanista, talvez,

que deve ter ainda mais formação, com certeza! Vamos dar-lhe condições. Vamos deixar que o serviço de

segurança tenha os inspetores de que precisa para fazer o seu trabalho, as instalações de que necessita para

dar condições às pessoas que nos procuram e que não nos embarace.

É que muitos dos que agora estão preocupados, sobretudo o Partido Socialista e o Governo, fizeram

orelhas moucas ao relatório da Sr.ª Provedora de Justiça, que já é o terceiro ano que fala do mesmo!

Minhas senhoras e meus senhores, Sr.ª Deputada Beatriz Gomes Dias, teremos visões diferentes, mas que

têm o mesmo objetivo. Acredito é que não há condições para se fazer uma reforma, qualquer que ela seja,

com um Ministro que é a chacota generalizada do País. E se o Primeiro-Ministro concorda com isto e acha que

tem a força suficiente para o fazer é porque se revê naquilo que é Eduardo Cabrita. E Eduardo Cabrita é, cada

vez mais, o espelho de um Governo em desgraça!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Silva.

A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr. Presidente, saúdo a Sr.ª Deputada Beatriz Gomes Dias pela oportunidade e atualidade do assunto que trouxe para debate.

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O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras tem por missão assegurar o controlo das pessoas nas fronteiras,

dos estrangeiros em território nacional, fazer a prevenção e o combate à criminalidade relacionada com a

imigração ilegal e tráfico de seres humanos, gerir os documentos de viagem e de identificação de estrangeiros

e proceder à instrução dos processos de pedido de asilo, na salvaguarda da segurança interna e dos direitos e

liberdades individuais no contexto global da realidade migratória.

Ora, o que aconteceu no dia 12 de março com o cidadão ucraniano Ihor contradiz tudo o que se estipula

como missão do SEF, dado que, em vez de proteger um cidadão, inspetores deste serviço, de acordo com o

que já se apurou, serão responsáveis pela sua morte.

Esta atitude desumana com um ser humano, sujeito a diversos atos de violência atroz, que lhe provocaram

a morte por asfixia mecânica, é algo que só poderemos classificar como um crime hediondo que nos choca e

envergonha a todos enquanto portugueses.

Perante este cenário, temos de exigir consequências quer judiciais, quer políticas.

Para Os Verdes, é urgente proceder-se a uma reflexão séria sobre o SEF, os seus meios, os seus métodos

e os esquemas para a sua fiscalização, reflexão que, integrada numa abordagem mais vasta sobre toda a

segurança interna e não apenas de reação a estes acontecimentos em concreto, pode obrigar a uma profunda

reformulação ou reestruturação do SEF.

O que verdadeiramente está em causa é a garantia de que o Estado tem de assegurar o cumprimento dos

direitos humanos em locais públicos e o dever de garantir e assegurar os princípios do Estado de direito

democrático. Não concorda Sr.ª Deputada?

Mais importante do que a mudança de rostos será a concretização de uma verdadeira política de

imigração, em que se assegure a proteção internacional a todos quantos dela necessitam, em particular no

que respeita aos mais vulneráveis, no respeito da dignidade humana e no cumprimento dos direitos humanos.

E isso só é possível se capacitarmos os serviços de meios humanos, técnicos e materiais adequados ao

exercício das funções pretendidas, com orientações precisas e claras sobre a missão a cumprir.

Aplausos da Deputada do PCP Alma Rivera.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Beatriz Gomes Dias.

A Sr.ª Beatriz Gomes Dias (BE): — Sr. Presidente, agradeço as perguntas dos Deputados Bacelar de Vasconcelos, Duarte Marques e Mariana Silva.

Gostaria de começar por responder à pergunta «como é que nós saímos daqui?». Nós saímos desta

situação quando reconhecermos — e tem de ser um reconhecimento nacional — que a questão central deste

problema é a forma como as pessoas migrantes são tratadas em Portugal.

O primeiro contacto das pessoas migrantes em Portugal é feito através do Serviço de Estrangeiros e

Fronteiras. E toda esta cultura, todo este imaginário que desvaloriza as pessoas, que as subalterniza, que as

coloca no lugar de cidadão de segunda categoria e no lugar de criminoso é que permitiu que este bárbaro

crime tivesse acontecido.

Nós só vamos conseguir sair deste lugar quando aceitarmos que o que temos de transformar é o modelo,

que o que temos de transformar é a forma como acolhemos as pessoas migrantes em Portugal. Se

mantivermos modelos assentes em detenção, vamos continuar a perpetuar o mesmo sistema, que vai, a longo

prazo, potenciar uma nova morte.

É isso que precisamos de fazer. Precisamos de entender que o sistema que temos faz com que pessoas

migrantes, para fazerem os seus documentos de identificação, tenham de ir a uma esquadra de polícia — era

a mesma coisa se eu tivesse de ir a uma esquadra da polícia para fazer o meu cartão de cidadã. É isso que

acontece: têm de ir ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, mesmo que seja aos seus serviços

administrativos, têm de ir a uma esquadra de polícia fazer os seus documentos.

Nós não podemos achar que migrante é igual a criminoso, que migrante é igual a perigoso, que migrante é

igual a alguém que deve ser vigiado, que tem de ser controlado. Não podemos continuar a pensar assim. Não

podemos continuar a ter este referencial e não podemos continuar a ter este modelo.

O Sr. Duarte Marques (PSD): — Claro, como é evidente!

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A Sr.ª Beatriz Gomes Dias (BE): — É isso que me preocupa, porque passaram-se nove meses e não houve qualquer reflexão profunda sobre o modelo. Repito, o problema é o modelo. Foi este modelo que

provocou a morte do Ihor. Não foram só os inspetores do SEF que o mataram, foi um modelo que não foi

vigiado, um modelo que foi colocado e que foi deixado à solta.

É isso que é preciso corrigir. E nós só vamos sair desta situação quando olharmos e reconhecermos esta

realidade e reconhecermos o modo como os preconceitos e a discriminação infetam a nossa sociedade e

condicionam a forma como as pessoas estrangeiras são tratadas.

Existem outros modelos. Outros países europeus têm outras formas de acolher pessoas migrantes. Têm

sistemas abertos e outros modelos que podemos estudar e transportar para Portugal.

É muito importante que este processo seja feito com uma discussão alargada na sociedade portuguesa e

com aqueles que têm o pensamento estruturado em migração, pessoas que são especialistas em migração,

em leis de migração e que conhecem bem o direito migratório; pessoas que são economistas, que sabem o

contributo que as pessoas migrantes dão ao País; pessoas das organizações não governamentais, que

conhecem todas as violações de direitos humanos que aconteceram com as pessoas com que trabalham.

Portanto, temos de criar estas condições e este grupo para que estes encobrimentos, a tortura, não possam

voltar a acontecer.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Beatriz Gomes Dias (BE): — Concluo, Sr. Presidente, dizendo que, se aquele que tutela o SEF, até este momento, não fez a transformação que era necessário fazer, então não tem condições políticas para ser

responsável por esta transformação.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Segue-se a declaração política do PCP. Para o efeito, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Mesquita.

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A existência de um serviço público de cultura devidamente estruturado em todo o território é imprescindível à democracia, é um direito de todos e

é um fator de progresso que tem de ser valorizado.

O Estado, enquanto garante da livre criação artística e da fruição cultural, tem de assegurar uma forte

componente de financiamento público e de garantir a independência e a autonomia da criação dos interesses

privados ou das lógicas estritas de mercado. Tem, além disso, de encarar a cultura como trabalho, e o trabalho

tem de ser com direitos.

Todos os que hoje trabalham e vivem das artes e da cultura atravessam um momento de autêntico desafio

à própria sobrevivência. O desespero grassa entre muitos dos que já se encontram a resistir aos adiamentos,

cancelamentos e perda de trabalho, na dependência da solidariedade alheia. São forçados a vender, ao

desbarato, os seus materiais de trabalho para poderem alimentar as bocas que têm em casa. Com a

pandemia, demonstrou-se que a manta, que há muitos anos já era demasiado curta, está também

esfarrapada.

O prejuízo não é só dos criadores, das estruturas, dos trabalhadores da cultura, em geral, do tecido

artístico e cultural, é do País, é de cada um de nós. O valor social da arte e da cultura não pode continuar a

ser desprezado se queremos ser mais do que uma área mal ocupada.

Por isso, além de medidas urgentes, é preciso transformar radicalmente todo o fermento que possibilitou a

situação calamitosa atualmente vivida nas artes e na cultura, acorrer aos trabalhadores que ficaram sem

rendimentos e que ainda não conseguem aceder aos apoios previstos através da segurança social ou do

próprio Ministério da Cultura e combater a paragem das atividades artísticas, assegurando os meios

financeiros para que elas se possam até multiplicar e ocorrer com toda a segurança sanitária exigível e

adequada ao momento que atravessamos, conforme o PCP propôs para 2021 e tal como foi aprovado em

Orçamento do Estado.

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O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): —É preciso aumentar os apoios à criação artística, garantindo que o reforço orçamental consagrado por propostas do PCP chegue ao terreno o mais rápido possível.

Além disso, a transformação que se exige é drástica para que as artes e a cultura se libertem da pressão

operada pelos grandes interesses privados, que encontram na livre produção e fruição cultural e artística um

obstáculo ao seu projeto de domínio económico e de hegemonia ideológica, pressões que muitas vezes

encontram respaldo em sucessivos governos, que têm convivido mal, muito mal, com a ideia de um tecido

cultural vivo, crítico, interventivo, livre e popular.

O PCP defende que é urgente olhar para as artes e para a cultura de um modo radicalmente diferente,

como um efetivo serviço público, em que a luta fratricida pelo acesso a financiamento dito competitivo ou

concursal deixa de fazer qualquer sentido.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Basta de ouvir todos os anos dizer que «esta» companhia de teatro, «aquele» artista plástico ou «aquela» produtora ou «aquele» realizador de cinema são excluídos do

financiamento público.

Faz tanto sentido como dizer que, neste ano, umas escolas têm financiamento e outras não, que uns

centros de saúde vão ter apoio ou, até sendo elegíveis para esse apoio, não o vão ter, porque, a continuar

tudo tal e qual como está, os problemas não vão resolver-se, vão agravar-se.

Por isso, o PCP defende que é preciso alterar todo o sistema de financiamento público à criação artística,

seja na DGArtes (Direção-Geral das Artes) ou no ICA (Instituto do Cinema e Audiovisual). Sim, é preciso mais

orçamento, mas é também preciso um plano e a coragem de confrontar os gigantescos interesses de

mercado, como é o caso das plataformas de streaming e a necessidade de defesa do cinema português com a

transformação e a valorização do Instituto do Cinema e Audiovisual, enquanto organismo de serviço público.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Muito bem!

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — É também preciso tomar medidas urgentes na área do património cultural. É preciso que as muito limitadas e insuficientes medidas orçamentais nesta área se concretizem o mais

rapidamente possível, como a reativação do Plano Nacional de Trabalhos Arqueológicos e as intervenções de

salvaguarda e valorização do património cultural, apesar de o PCP ter proposto que elas fossem muito mais

longe e num sentido muito mais justo.

Aliás, a destruição sistemática de património arqueológico no Alentejo que se vem registando por força,

sobretudo, do agronegócio revelou, com toda a clareza, que o que é preciso é o reforço dos meios do Estado

para a salvaguarda do património cultural e não o abandono quando estorva ou a alienação e concessão ao

desbarato, para gáudio e lucro dos grandes interesses privados, quando dá jeito.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — É urgente a contratação de mais trabalhadores sem vínculos precários e a existência de mais meios técnicos e materiais para a Direcção-Geral do Património Cultural e estruturas

dependentes, como as direções regionais de cultura, que leve a uma estabilização ao longo do tempo, que

permita que todas as funções e missões a que o Estado está acometido possam ser devidamente cumpridas,

questão que, muito justamente, deve ser também considerada para os museus, palácios e monumentos

nacionais.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, só com medidas de fundo em todas as áreas das artes e da cultura

será possível acabar de vez com a enorme precariedade que afeta os seus trabalhadores: dos roadies aos

arqueólogos, dos atores aos guardas e vigilantes dos museus, dos técnicos de luz e som aos bailarinos, dos

músicos aos técnicos de museografia e de serviço educativo, e por aí fora, em cada uma das profissões.

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Todos e cada um destes trabalhadores merece ver a sua situação dignificada e os seus direitos laborais e

sociais integralmente cumpridos.

É este o caminho de defesa do serviço público de artes e cultura, e da cultura enquanto pilar da

democracia, que o PCP vai continuar a trilhar. Este é o tempo da reivindicação e da proposta, mas é também o

tempo da luta pela concretização dos direitos. Cá estaremos para a fazer.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Inscreveram-se quatro Srs. Deputados para pedirem esclarecimentos à Sr.ª Deputada Ana Mesquita, que informou a Mesa que vai responder em conjuntos de dois.

Portanto, para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alexandra Vieira, do BE.

A Sr.ª Alexandra Vieira (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, saúdo o PCP pela iniciativa de trazer aqui a debate a questão da cultura.

Ora, os trabalhadores da cultura de todas as áreas, desde a música, à dança, ao teatro, ao cinema, aos

técnicos de som, de luz, de palco, aos roadies, aos guarda-salas, aos técnicos de serviço educativo, entre

muitas outras atividades e profissões das quais a cultura depende, estão sem trabalhar desde março. É

necessário definir uma resposta urgente, abrangente, ao setor, que passa por assumir os custos destas

estruturas que estão sem trabalhar desde essa altura.

Convém lembrar que os trabalhadores da cultura foram dos primeiros a suspender a sua atividade e

também foram eles que fizeram companhia, de modo gratuito, pela internet aos milhões de portugueses

durante o confinamento. Isto não é também serviço público?

Não podemos virar-lhes as costas. O País não pode virar-lhes as costas. O Governo tem de assumir

responsabilidades neste setor, do qual tiram sustento milhares e milhares de famílias, numa base de trabalho

quase sempre precária.

É, pois, preciso fazer muito mais do pouco que foi feito. O Estado e o Governo têm responsabilidades nesta

matéria. As respostas dadas no âmbito da economia, para além de serem muito reduzidas, não se aplicam

minimamente ao setor cultural.

Por outro lado, como foi já possível constatar, os financiamentos à criação artística não são, propriamente,

apoios à cultura. Situam-se genericamente nos grandes centros urbanos, penalizando o restante território.

Por último e aproveitando o facto de estarmos a braços com uma crise pandémica e com as atenções

concentradas na vida das pessoas e na crise social e económica, os interesses especulativos e predadores

fazem terraplanagens como se não houvesse amanhã no Alentejo, arrasando tudo o que é vestígio

arqueológico de todas as épocas. Não há, pois, só por esse lado, a necessidade de aprofundar a legislação —

pergunto eu à Sr.ª Deputada — como também de dotar as estruturas de mais meios técnicos, financeiros e,

sobretudo, humanos para evitar estas destruições irreversíveis de património não classificado e

desconhecido?

Acresce a esta situação os cortes, de há muito tempo a esta parte, no número de pessoas que trabalham

nos museus, monumentos, sítios, bibliotecas, arquivos, laboratórios, que são, também elas, estruturas a

precisar de obras de renovação, e é também necessária a renovação dos seus trabalhadores, sob pena de se

perder para sempre conhecimento adquirido em anos e décadas de prática.

Por último, pergunto se a Sr.ª Deputada entende que a cultura merece, pois, em toda a sua abrangência e

multiplicidade, uma outra política, que, para já, responda à necessidade imediata de sobrevivência, uma outra

política que dê resposta estrutural ao setor, autonomizando-o, apoiando a criação artística, seja ela qual for,

com dignidade e contribuindo para a coesão do País como um todo.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para os próximos pedidos de esclarecimento, tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Silva, do PEV.

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A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Ana Mesquita, congratulo-a por trazer à Assembleia da República um tema tão importante e atual como o das dificuldades

que os trabalhadores da cultura estão a passar.

O setor da cultura tem sido massacrado ao longo dos anos, por via de um subfinanciamento crónico. Por

esse facto, em momentos de crise, este setor, já fragilizado pela negligência com que cada um dos governos

tem olhado para ele, sofre consequências bastante profundas.

Com a pandemia que vivemos, o Governo tem duas opções: deixar definhar o setor ou salvar a cultura em

Portugal.

Para a segunda opção, é necessária a realização de um investimento público condicente com as reais

necessidades.

Enquanto a Sr.ª Ministra da Cultura estiver a fazer anúncios ao fim de tarde de mais uma ou outra medida,

os trabalhadores, os agentes, os homens e mulheres da cultura continuarão, hoje, sem saber o que fazer à

sua vida.

A incerteza é muita. Sabemos que os problemas atingem muitos setores e atinge este setor em muitos

países, como ainda ontem vimos pelas grandes manifestações de trabalhadores da cultura em Paris, mas este

não é um setor qualquer.

Temos dito que a cultura é mais que um direito, é uma necessidade das pessoas, dos que a fazem, a

produzem e a vivem, mas também, crescentemente, dos que dela usufruem.

O drama que está a ser vivido pelos trabalhadores da cultura deve ainda ser visto a partir de duas

dimensões. Por isso, coloco-lhe duas questões, Sr.ª Deputada.

A primeira, relativa aos apoios imediatos a estes trabalhadores, questionando se não lhe parece que o

Governo tem de encontrar mecanismos mais céleres para fazer chegar aos trabalhadores do setor, que estão

desesperados, apoios de emergência para a sua sobrevivência.

A segunda questão é relativa à prioridade que se dá a este setor, questionando qual o caminho que é

necessário fazer para garantir o objetivo de mais financiamento nos subsídios do Orçamento do Estado.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para responder a estes dois pedidos de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Mesquita.

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Sr. Presidente, começo por agradecer as questões colocadas pela Sr.ª Deputada Alexandra Vieira, do Bloco de Esquerda, e pela Sr.ª Deputada Mariana Silva, de Os Verdes. Creio

que vão muito no sentido daquilo que foi a nossa declaração política de hoje, ou seja, uma grande

preocupação perante aquilo que é uma situação dramática que os trabalhadores da cultura estão a viver, com

as paragens da atividade, os cancelamentos, os adiamentos, que são, de facto, um problema que tem um

reflexo muito imediato, que é a perda de rendimentos.

Há uma questão muito concreta. Muitos destes trabalhadores, apesar de pedirem apoios, quer seja à

segurança social, quer seja por via das linhas estabelecidas pelo Ministério da Cultura, muitas vezes, porque

não têm a situação regularizada a nível contributivo ou a nível das finanças, não conseguem aceder a estes

apoios, ficando de fora. Por outro lado, o apoio do Ministério da Cultura foi de natureza concursal, e, portanto,

deixou mais gente de fora, não tendo sido possível a estas pessoas garantirem a sua subsistência.

Nós, PCP, fizemos várias propostas para que estas situações fossem corrigidas. Inicialmente, quando

começaram as medidas da pandemia, propusemos a criação de um fundo de emergência para acudir a estas

situações, mas também durante o Orçamento do Estado apresentámos propostas concretas para que

houvesse uma resposta aos casos dramáticos que se estão, neste momento, a viver.

Em relação àquilo que determina tudo isto — é verdade, Sr.ª Deputada Mariana Silva —, falamos de um

subfinanciamento crónico da cultura, que é um direito e mesmo um pilar da democracia e não pode continuar a

ser subfinanciada. A par daquilo que foi dito em relação ao socorro, às situações de emergência, que agora se

regista, é preciso uma intervenção de fundo — lá está! —, o tal caminho alternativo, uma outra política que

valorize a cultura e as artes, que priorize, em termos de financiamento, alcançar, no concreto, a meta de 1%

do Orçamento do Estado, conforme há muito tempo temos vindo a reivindicar.

Mas além disso, além das propostas orçamentais, há uma questão prática e direta que pode ter uma

resposta óbvia por parte do Governo, que é a intervenção naquilo que são os problemas de fundo. E nos

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problemas de fundo temos uma série de questões, que vão desde a falta de trabalhadores — e o PCP até

propôs a contratação de 250 trabalhadores para a Direção-Geral do Património Cultural, proposta que,

infelizmente, foi rejeitada — até outras questões que têm a ver com a planificação da intervenção do Estado

para garantir a existência de um verdadeiro serviço de cultura. Isso exige conhecimento, mapeamento do

terreno, propostas, reflexão, debate com toda a gente que está envolvida e a elaboração de um plano que

responda a esta necessidade de estruturar o serviço público de cultura no nosso País.

Aplausos do PCP.

Entretanto, assumiu a presidência o Presidente, Eduardo Ferro Rodrigues.

O Sr. Presidente: — Boa tarde a todos. Restam, ainda, dois pedidos de esclarecimento à Sr.ª Deputada Ana Mesquita.

Para o efeito, tem a palavra a Sr.ª Deputada Rosário Gambôa, do PS.

A Sr.ª Rosário Gambôa (PS): — Muito obrigada, Sr. Presidente. Cumprimento os Srs. Deputados e cumprimento especialmente a Sr.ª Deputada Ana Mesquita.

Sr.ª Deputada, queria dizer-lhe que, de facto, as preocupações que elencou são também as nossas. Não

há ninguém, nesta Assembleia, que possa ficar indiferente à situação de emergência em que vivem os

trabalhadores da cultura ou, melhor, em que vive a cultura, porque de quanto vivem os seus trabalhadores é

cultura e somos todos nós que somos afetados — como disse e muito bem, o que subscrevo — num direito de

cidadania, num direito que nos fica diminuído.

A Sr.ª Deputada elencou — e eu também estou de acordo consigo — que, se calhar, o principal problema é

este subfinanciamento crónico, um défice enorme que trespassa o setor, e sem fundos é muitas vezes difícil,

como diz o povo, «fazer omeletes sem ovos», como, por exemplo, contratar 200 trabalhadores ou qualificar

devidamente alguns serviços. Estou completamente de acordo. Assim como estou completamente de acordo

quando diz que são precisas medidas estruturantes. E estruturantes de forma que possam ser um pano de

fundo sólido para a cultura.

Porém, aquilo com que não estou de acordo com a Sr.ª Deputada é que, apesar de tudo, e mesmo nesta

situação difícil de contingência, há um caminho que tem vindo a ser percorrido. É um caminho difícil, ou seja,

nem sempre é fácil, nem sempre tem todas as condições que seriam desejáveis, mas tem sido feito um

caminho.

Entre outras coisas, a Sr.ª Deputada falou, por exemplo, no modelo. No que diz respeito aos modelos

concursais, importa dizer que durante este ano o Governo reuniu com várias entidades e será agora publicado,

para discussão pública, o modelo de revisão da DGArtes. E isto é feito porquê? Porque se reconhece que este

modelo tem deficiências e precisa de ser melhorado.

É este trabalho que todos somos convocados a fazer, para a melhoria e o aperfeiçoamento daquilo que é

importante para o País e que é nossa ambição, no conjunto, congregarmos da melhor maneira possível.

No que diz respeito ao financiamento, aí a situação também é diversa. É preciso reconhecer que, mesmo

no tempo da pandemia, muitas medidas foram tomadas. Nunca deixaram de existir medidas e nos primeiros

meses chegavam a sair com uma fluência quinzenal.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe o favor de concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Rosário Gambôa (PS): — Vou terminar, Sr. Presidente. Refiro-me não só a um reforço que existiu, por exemplo, ao nível do Orçamento Suplementar, onde foram

introduzidos 70 milhões.

Agora, Sr.ª Deputada, é preciso também não deixar de recordar que há um caminho: desde 2015 até hoje,

o Orçamento para as artes, em particular, e para a criação artística subiu 95%.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr.ª Deputada. Tem mesmo de terminar.

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A Sr.ª Rosário Gambôa (PS): — Faz falta e é pouco? É pouco! Mas nesse caminho, que estamos empenhados em continuar, estamos convictos de que o PCP será um aliado, como foi agora, quando reforçou

o Orçamento do Estado com uma proposta sua, que acompanhamos e que muito saudamos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para o último pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Rios de Oliveira, do Grupo Parlamentar do PSD.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Ana Mesquita, sempre que alguém trouxer a debate, no Parlamento, a cultura, o Grupo Parlamentar do PSD

aplaude e acompanha. Desde logo, porque também nós, no momento certo, e lá atrás, pedimos um debate de

urgência sobre a matéria.

De facto, a cultura, neste ambiente em que estamos, sendo um setor altamente frágil, muito mais informal,

muito mais intermitente — às vezes até tido como sendo composto por uma «gente» um bocado estranha que

serve uma «gente» também ela estranha —, a cultura, em Portugal, que tinha um conjunto de fragilidades

enorme, foi atropelada pela pandemia, e, sendo atropelada pela pandemia, a expressão «ninguém fica para

trás» foi substituída pela expressão «todos ficam para trás». Quando procuraram respostas no local próprio,

que era o Ministério da Cultura, tiveram zero, como nós sabemos — zero! E dada a falta de respostas, pelos

piores motivos, hoje o setor da cultura está muito mais unido, mas unido na desgraça, repito, unido na

desgraça!

Hoje em dia, quando falamos de cultura, já só dizemos o que é: ida ao Ministério da Economia, ida ao

Ministério da Coesão — «façam qualquer coisa, mas não vão ao Ministério da Cultura,…

A Sr.ª Catarina Rocha Ferreira (PSD): — Muito bem!

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — … que não há lá nada de resposta para os vossos problemas».

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Sr.ª Deputada, se calhar, partilhamos o diagnóstico, mas não partilhamos as soluções. A verdade é que hoje, em Portugal, não existe capacidade do Ministério da Cultura

para responder às questões específicas da cultura. E aquilo que se pergunta é: será possível, ao menos — ao

menos! —, já não assegurar o direito à diferença, que era devido à cultura, mas, repito, ao menos o direito à

igualdade? É possível criar condições para que possam aceder aos apoios transversais, contemplando as

especificidades da cultura? Porque, senão, vão continuar a ficar para trás, e, portanto, quando as soluções

deixam alguns para trás, não são as soluções que nos interessam.

O Sr. João Moura (PSD): — Muito bem!

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Especialmente constrange-nos que haja alguns que não percebam que a cultura é muito mais do que gastar dinheiro. A cultura é emprego, é investimento, é internacionalização,

são empresas, são pessoas que têm de ser protegidas. O dinheiro da cultura não é gasto, o dinheiro da cultura

é investimento.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço-lhe para concluir.

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, termino com uma pergunta, muito serena e muito direta.

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A Sr.ª Deputada Ana Mesquita está confiante e convicta de que aquilo que disse ali da tribuna é passível de

ser realizado por este Governo? Por esta Ministra? Por este Primeiro-Ministro? É com este Governo que vai

fazer essa mudança?!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Mesquita, do PCP.

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Sr. Presidente, começo por cumprimentar a Sr.ª Deputada Rosário Gambôa e o Sr. Deputado Paulo Rios de Oliveira, agradecendo as questões que me fizeram.

A questão que aqui se coloca, Sr.ª Deputada Rosário Gambôa, em relação ao caminho que tem vindo a ser

percorrido, é a de que é um caminho que não chega e que muitas vezes vai, até, no sentido errado. É para

essa questão que temos aqui alertado. Em relação ao modelo de apoio às artes, em particular, é um caminho

que está a léguas daquele que o PCP defende.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — A Sr.ª Deputada referiu, inclusivamente, que este modelo tem insuficiências, mas é pior do que isso. Este modelo de apoio às artes deveria estar no caixote do lixo, porque

não tem remendo possível. O que é preciso é considerar uma alteração radical do modelo de apoio às artes,

aliás, de toda a criação artística, porque também na produção cinematográfica há questões que têm de ser

profundamente alteradas.

Além disso, referiu há pouco os 70 milhões do Orçamento Suplementar e eu perguntava, Sr.ª Deputada,

embora saiba que não me pode responder, para onde foram eles, concretamente, a quem chegaram, no

terreno, porque há muita gente que continua a dizer que não viu um único tostão destas verbas que vieram do

Orçamento Suplementar.

O Sr. Deputado Paulo Rios de Oliveira diz que a cultura é frágil, formal e intermitente. Mas isso não é por

acaso, Sr. Deputado, é fruto das opções políticas de sucessivos governos, inclusivamente de Governos do

PSD e do CDS, que hoje cá não apareceu,…

Protestos do Deputado do PSD Paulo Rios de Oliveira.

… e que fragilizaram, destruíram e comprometeram o tecido cultural e artístico do nosso País. Portanto, as

coisas não caem do céu aos trambolhões e há que assumir as responsabilidades do PSD na situação a que

chegámos hoje.

É evidente que é preciso acorrer — e nós dissemos isso, com toda a certeza — e garantir que os

trabalhadores da cultura têm agora uma solução. Mas então, Sr. Deputado, é também pelos posicionamentos

em concreto que se veem as coisas, porque no Orçamento do Estado, em relação à cultura, tivemos cerca de

duas dezenas de propostas que poderiam ter sido todas aprovadas se, por exemplo, tivessem contado com os

votos favoráveis do PSD e do CDS. Mas não contaram! Espante-se...

Protestos do PSD.

Preferiram ser a muleta, muitas vezes, das opções do PS,…

Protestos do PSD.

… não viabilizando as propostas do PCP para melhorar o Orçamento do Estado e garantindo que tudo

ficava na mesma. Poderia ter sido diferente, Sr. Deputado.

Já agora, o Sr. Deputado perguntou ao PCP se achava que era possível que as medidas que

considerámos na nossa intervenção pudessem ser realizadas por este Governo. Eu digo-lhe como é que elas

podem ser concretizadas, Sr. Deputado: é pela força da luta dos trabalhadores da cultura, das estruturas, dos

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criadores, de todos aqueles que vivem das artes e da cultura, com a proposta do PCP na Assembleia da

República que isso será possível.

Sr. Deputado, quando, no concreto, o PCP trouxer as propostas para serem aqui votadas, veremos como

vão votar o PSD, o CDS e a direita em geral em relação a estas matérias. E este desafio coloca-se também ao

Partido Socialista, porque nós vamos trazer as propostas para resolver os problemas. Os trabalhadores da

cultura podem contar com o PCP para que eles sejam efetivamente resolvidos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Chegámos, assim, ao final das declarações políticas e entramos no segundo ponto da agenda, com a apreciação da Petição n.º 82/XIV/1.ª (FENPROF) — Reabertura de estabelecimentos de

educação e ensino deverá ser precedida da realização de testes, juntamente com o Projeto de Resolução n.º

652/XIV/2.ª (BE) — Pela disponibilização de testes COVID-19 gratuitos a professores, trabalhadores não-

docentes e alunos.

Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Joana Mortágua.

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria cumprimentar a FENPROF (Federação Nacional dos Professores) e os peticionários que nos trazem uma preocupação transversal à

comunidade escolar em tempos de pandemia. Por um lado, o entendimento da necessidade da realização de

testes, o que, no caso da petição, se aplicava antes do regresso às aulas, mas que se mantém, por outras

iniciativas do Parlamento, como uma questão pertinente.

Pedem-nos os peticionários, em segundo lugar, a garantia de ensino à distância para os alunos que testam

positivo ou que, por serem de risco, estão em casa e não podem estar presencialmente na escola; e, em

terceiro lugar, medidas sanitárias de prevenção.

Estas três questões não esgotam os problemas nem os desafios da escola em tempos de pandemia, mas

são importantes e é importante que o Parlamento as discuta. Algumas delas são, ainda, questões sem

resposta definitiva, tal como acontece com os testes. Temos ainda muito a aprender e a saber sobre a eficácia

de testes em massa. Veja-se o que aconteceu agora na Eslováquia, onde os testes em massa não impediram

o confinamento generalizado.

Se é verdade que os testes são importantes para evitar surtos, também é verdade que o que eles fazem é

uma fotografia de um conjunto de pessoas num determinado momento, podendo, por isso, causar uma falsa

sensação de segurança perante um risco que não é estático, mas antes dinâmico. Portanto, sobre a questão

dos testes, propomos que haja a possibilidade de se realizarem por amostragem, nas comunidades escolares,

nas escolas públicas, nos agrupamentos de escola; que a forma como isso é feito e determinado siga

orientações sanitárias de especialistas, para que não seja uma lógica arbitrária e haja um quadro e uma

orientação definidos por quem percebe, estuda e sabe do combate sanitário à pandemia, por especialistas de

saúde; e, em terceiro lugar, que se conheça o estado epidemiológico das escolas.

Achamos que estas matérias são consensuais. É necessário que o Parlamento, a comunidade e a

sociedade tenham informações sobre a escola e a educação em tempos de pandemia. É preciso que haja

estatísticas, mas elas não existem. Não existem estatísticas e não existem balanços, nem pedagógicos nem

sanitários, das escolas em tempo de pandemia.

Depois, também é preciso que os alunos que estão em casa tenham a possibilidade de acompanhar as

aulas e de não perder o pé ao que se passa na escola, e isso não está a ser feito. Temos recebido muitos

contactos de pais, mães, encarregados de educação a dizer que ficar 15 dias úteis em casa significa que os

seus filhos perdem 24% do primeiro período, porque, no tempo em que estão em casa, a escola não os

consegue acompanhar pessoal, direta e pedagogicamente. E porquê? Essencialmente, porque não há

professores.

Aqui, entramos numa outra matéria, que tem a ver com as fragilidades do sistema. Os testes são

importantes, a uniformidade de procedimentos em caso de surtos é importante, mas tudo isso é o fim de linha.

Antes desse fim de linha havia coisas que era possível fazer no campo da prevenção. A diminuição do número

de alunos por turma, por exemplo, teria sido possível em muitas escolas. O Bloco de Esquerda propôs, mas

não foi aceite. Era possível ter-se contratado mais funcionários, no verão, para fazer a desinfeção e a

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higienização das escolas, em vez daquilo que aconteceu, com o Governo a ir atrás do prejuízo, contratando

funcionários à medida que era possível e necessário reagir às queixas das escolas e aos alertas dos Srs.

Diretores das escolas e dos sindicatos de que não havia funcionários suficientes para garantir a segurança

sanitária. Em terceiro lugar, mais professores, mais horários incompletos, mais capacidade de atrair

professores para o sistema, num ano que sabemos ser delicado e num sistema que sabemos já ter poucos

professores para aquilo que seria necessário.

Nada disto foi feito. O Bloco de Esquerda traz aqui uma parte deste debate, aquela que nos é levantada por

esta petição, que tem a ver com a possibilidade de testagem e de informação sanitária sobre a pandemia, os

surtos e os casos que acontecem nas comunidades escolares. Porém, isto não esgota a questão, o problema

dos desafios da educação em tempos de pandemia e é esse o debate que queremos continuar a fazer.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção pelo Grupo Parlamentar do PAN, a Sr.ª Deputada Bebiana Cunha.

A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Agradecemos, desde já, à FENPROF e aos peticionários o mote para esta discussão, no fundo, sobre a segurança, a confiança e a

saúde de todas as comunidades educativas, tendo em conta o contexto sanitário em que vivemos.

Aproveitamos para congratular o papel das escolas e dos seus agentes educativos, que, apesar da falta de

orientações atempadas, desde logo encetaram todos os esforços na redução de riscos e na mitigação de

situações de contágio.

A este propósito, gostava de lembrar que, desde março, o PAN tem proposto medidas de prevenção e

acompanhamento dos contextos educativos, de forma a garantir aquilo que todos queremos, a saúde. Desde

logo, acompanhámos as preocupações das creches e do ensino pré-escolar aquando da sua reabertura,

colocando uma série de questões ao Governo que visavam garantir as condições de segurança e a testagem

destes profissionais.

Acompanhámos as preocupações das famílias e dos professores que, no regresso ao ensino presencial, se

sentiram, de alguma forma, ansiosos relativamente aos riscos que poderiam estar a correr ou aos riscos em

que podiam colocar outros.

Alertámos para a necessidade de reduzir o número de alunos por turma, compensando, na medida do

possível, a falta de condições para o cumprimento do distanciamento físico necessário, mas que, no caso das

escolas, sabemos que não teve a mesma exigência por parte da DGS (Direção-Geral da Saúde).

Demos também nota da nossa preocupação com os professores que integravam grupos de risco. Sabemos

bem que é uma classe com um elevado índice de envelhecimento, que necessita de um programa específico

de rejuvenescimento e que, devido a algumas situações de saúde, integra grupos de risco. Neste sentido,

apresentámos propostas para a proteção destes profissionais, porque, sendo de risco mas não estando

doentes, não faz qualquer sentido estarem sujeitos a baixas médicas, podendo, inclusivamente, garantir o

apoio a estudantes que se encontram em aulas à distância ou a outros colegas da escola. Isto seria

certamente possível, não só se houvesse vontade política, mas também se estivesse em marcha o chamado

plano para a transição digital das escolas, que, afinal de contas, ainda não transitou.

Acompanhamos, portanto, as propostas e as preocupações da FENPROF — as quais são legítimas, no

nosso entendimento — no que diz respeito à promoção de uma escola segura. Apesar de o ano letivo já se ter

iniciado e de esta petição visar precisamente esse início, entendemos que há muito que ainda pode ser feito e

resolvido. Resta-nos aplaudir o esforço das comunidades educativas para garantir a proteção de todos.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra para uma intervenção a Sr.ª Deputada Carla Madureira, do Grupo Parlamentar do PSD.

A Sr.ª Carla Madureira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo pediu ao País que o arranque do ano letivo e o retomar do ensino presencial fossem acolhidos com responsabilidade e serenidade

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por parte das famílias e dos profissionais da educação. O PSD concordou, e continua a concordar, com este

desígnio, mas não podemos concordar com a opacidade típica de países da bem velhinha Cortina de Ferro.

Não embarcamos na maré dos negacionistas, laxistas ou egoístas para lidar com a extrema dificuldade na

gestão da situação pandémica em contexto escolar, mas consideramos que é fundamental assegurar as

condições de serenidade para os professores trabalharem e os alunos aprenderem.

A petição que hoje estamos a apreciar postula que a reabertura das escolas deveria ser precedida pela

realização de testes. Deu entrada nesta Casa no passado mês de maio e foi subscrita por cerca de 4500

cidadãos, que aproveito para saudar. Todos sabemos que as aulas recomeçaram e as escolas reabriram sem

a realização prévia de testes. Para análise desta petição, como sucede com muitas outras, foram enviados

pedidos de informação a várias entidades e todas responderam. Todas, menos o Ministério da Educação.

Em junho, o PSD questionou o Ministro da Educação no sentido de saber se o Governo planeava fazer

algum rastreio aos profissionais de educação. Claro que, sem surpresa, não houve resposta.

A opacidade da informação é tanta que até os relatórios de situação da DGS deixaram de conter

informação desagregada por concelho relativamente aos casos confirmados de COVID. A este propósito, em

novembro, o PSD questionou o Ministério da Saúde, mas, claro, sem surpresa, não houve resposta.

O Governo, ao tratar os cidadãos e as instituições escolares com desconfiança, provoca tensão,

ansiedade, receios e desconfiança nas comunidades educativas. As escolas começam a acusar os efeitos de

quase nove meses de gestão sob a ameaça diária do novo coronavírus. Em vários agrupamentos escolares

circula mais gente que em muitas terras do País, agrupamentos com mais de 2000 alunos, aos quais é preciso

juntar funcionários, professores, encarregados de educação e uma pandemia.

Pelo contrário, em França, semanalmente é publicitado no site oficial do Ministério da Educação o ponto de

situação quanto ao número de escolas fechadas, turmas confinadas, número de casos confirmados de alunos

e de profissionais de educação, assim como as regiões onde ocorrem.

Mas não precisamos de sair de Portugal para encontrarmos uma boa prática nesta matéria. Olhemos para

o Governo Regional da Madeira, que, através da Direção Regional da Saúde, atualiza diariamente a

informação sobre a situação epidemiológica da COVID-19, com os casos confirmados em contexto escolar por

escalão etário e área de influência das escolas.

A Sr.ª Catarina Rocha Ferreira (PSD): — Muito bem!

A Sr.ª Carla Madureira (PSD): — O Ministério da Educação criou uma plataforma para os diretores reportarem casos de infeção ou de quarentena. A «plataforma para a monitorização da situação

epidemiológica em ambiente escolar» pretende «simplificar o processo de monitorização», como se isso fosse

possível na sanha burocrática do Ministério da Educação, que adora plataformas informáticas para se

encharcar com dados.

Neste momento, existem 42 plataformas — 42! —, que, bem espremidas, não produzem informação

pertinente, tantas vezes duplicada, para depois ser devolvida às escolas e às suas comunidades educativas.

E, neste caso, não se cuida de dar confiança a quem suporta o sistema educativo e àqueles que são a razão

da sua existência.

Não é possível avaliar a situação atual das escolas, perceber a sua evolução e compará-la com os

indicadores nacionais dos contágios, medir a eficácia dos protocolos sanitários em vigor nas escolas e, por

fim, proceder aos ajustes necessários, sejam eles sanitários ou educativos.

A Sr.ª Cláudia André (PSD): — Muito bem!

A Sr.ª Carla Madureira (PSD): — Além disso — claro! —, não se podem escrutinar as opções tomadas. Como este Governo faz propaganda com tudo e nada informa sobre a COVID na escola, podemos deduzir

que a omissão de informação significa que: o preconizado na Estratégia Nacional de Testes para SARS-CoV-2

não chegou às escolas; os computadores, os tais que iriam ser entregues nas mãos dos alunos no primeiro dia

de aulas, não chegaram às escolas; os alunos de risco, na maior parte das situações, não dispõem das

condições suficientes para acompanhar as aulas; e os professores com doenças de risco estão impedidos de

trabalhar em segurança, constituindo uma enorme perda de recursos.

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O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, tem de concluir.

A Sr.ª Carla Madureira (PSD): — Vou terminar, Sr. Presidente, citando Camões: «Casos, opiniões, natura e uso / fazem que nos pareça desta vida / que não há nela mais que o que parece.»

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do CDS-PP, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por saudar os peticionários, embora não estejam presentes, e dizer que, apesar de a petição ter sido entregue referindo-se

ao início do ano letivo, precedendo a abertura das escolas, o que pedem, na sua essência, faz sentido e

mantém-se.

O próprio Governo concorda, como tive ocasião de lembrar na semana passada, uma vez que, em outubro,

anunciou a Estratégia Nacional de Testes para SARS-CoV-2, que referia que, em situação de surto, por

exemplo, em estabelecimentos de ensino, deviam ser utilizados preferencialmente testes rápidos de antigénio,

realizados pelas equipas de saúde pública indicadas para a intervenção rápida, em articulação com os

parceiros municipais. Este plano, como disse, foi apresentado em outubro e, até hoje, nem as escolas, nem os

professores, nem os alunos viram qualquer concretização.

Na semana passada, quando apresentei um projeto de resolução para este mesmo fim, o PS votou contra.

Certamente não estará contra o seu próprio Governo, presumo que esteja apenas contra o CDS, mesmo

quando propomos aquilo que a DGS se comprometeu a fazer. Na verdade, o que realmente importa é que as

comunidades educativas se sintam e estejam seguras e que, portanto, no segundo período, o Governo

melhore claramente o desempenho que teve no primeiro período.

Enquanto isto não se fizer, estaremos a enviar intermitente e recorrentemente professores e alunos para

casa, enquanto perdem aulas, e a impor aos pais custos e alterações sistemáticas na sua vida. Basta,

portanto, o Governo cumprir aquilo com que se comprometeu, bastaria ter sido aprovado o projeto de

resolução do CDS, mas, não sendo o caso, acompanharemos este projeto de resolução do Bloco de

Esquerda.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do PS, tem a palavra a Sr.ª Deputada Joaquina Matos.

A Sr.ª Maria Joaquina Matos (PS): — Boa tarde, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados. Em relação à Petição n.º 82/XIV/1.ª (FENPROF) — Reabertura de estabelecimentos de educação e ensino

deverá ser precedida da realização de testes e ao projeto de resolução do Bloco de Esquerda no mesmo

sentido, da realização de testes em toda a comunidade escolar, devo dizer que a definição dos critérios e das

prioridades de testagem, bem como de eventuais medidas subsequentes em contexto escolar, compete às

autoridades de saúde.

É de notar que o ano escolar tem decorrido dentro da normalidade, no respeito pelas orientações da

Direção-Geral da Saúde. Desde o primeiro momento que os estabelecimentos de educação e ensino

responderam à COVID-19, criando, em março, planos de contingência, que têm vindo a atualizar à luz da

evidência da epidemia.

Relativamente ao ano escolar 2020/2021, a área governativa da educação procurou, a cada momento e

atempadamente, criar instrumentos de apoio às escolas, tendo produzido e publicado, em articulação com a

DGS, um conjunto de orientações, condições de funcionamento, regras de distanciamento físico, de higiene,

de etiqueta respiratória, que foi enviado às escolas no dia 3 de julho.

Complementarmente a estas orientações, a DGS produziu um referencial com informação que permite aos

vários intervenientes dos estabelecimentos escolares saber como lidar e quem contactar perante um caso de

COVID-19 ou de suspeita do mesmo, em ambiente escolar, que foi divulgado a 4 de setembro.

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Foram ainda produzidas orientações conjuntas com a DGS para a prática da educação física e do desporto

escolar, tendo sido igualmente adaptado o regulamento para o ano letivo 2020/2021. Apostando na prevenção,

produziram-se vídeos de sensibilização para crianças e alunos, da educação pré-escolar ao ensino

secundário, e, em setembro, foi lançada a campanha mediática #EscolaEmSegurança, em parceria com a

área governativa da saúde, com o intuito de sensibilizar toda a comunidade educativa para a importância do

cumprimento das regras de prevenção da COVID-19.

Relativamente a medidas de proteção individual, e à semelhança do que aconteceu no ano letivo passado,

reforçou-se o orçamento das escolas para a aquisição de máscaras para pessoal docente e não docente e

alunos a partir do 2.º ciclo do ensino básico e de outros equipamentos de proteção individual para os primeiro

e segundo períodos nas escolas.

A pensar nos mais vulneráveis, garantiu-se, através de um despacho publicado em setembro, a

possibilidade de aplicar medidas de apoio educativo aos alunos que, de acordo com as orientações da

autoridade de saúde, devam ser considerados doentes de risco e se encontrem impossibilitados de assistir às

atividades letivas e formativas presenciais, em contexto de grupo ou de turma. Estão previstas condições

especiais de avaliação e frequência escolar e de apoio educativo, em contexto escolar ou no domicílio,

presencial ou à distância, garantindo assim que não perdem o contacto com a turma de origem.

Tendo em conta as exigências acrescidas decorrentes das orientações de higiene e de segurança, e num

âmbito de prevenção e combate ao novo coronavírus, foi ainda adotado um conjunto de medidas de reforço de

pessoal não docente nos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas para o ano escolar em curso, de

modo a garantir que as atividades letivas, não letivas e formativas presenciais decorrem com a maior

normalidade possível.

Por fim, foi publicada a resolução do Conselho de Ministros, de 20 de julho, que estabelece medidas

excecionais e temporárias para a organização do ano letivo 2020/2021, no âmbito da pandemia da COVID-19,

privilegiando o regime presencial mas prevendo a possibilidade de as escolas transitarem para o regime misto

ou não presencial, com a devida declaração da autoridade de saúde e mediante a aceitação da DGEstE

(Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares), para fazerem face à eventual necessidade de garantir

resposta a alunos em caso de agravamento da situação da epidemia.

A resolução do Conselho de Ministros supramencionada determina ainda, por exemplo, o reforço e o

alargamento do apoio do professor-tutor, bem como o reforço do crédito horário, que se traduziram no

aumento do número de docentes na escola pública, fundamental também para a execução do plano de

recuperação e consolidação das aprendizagens.

Estamos a chegar ao fim do primeiro período escolar e confirmamos que as medidas de prevenção

implementadas nas escolas no âmbito do combate à propagação do vírus têm tido resultados positivos, dentro

deste contexto absolutamente extraordinário, difícil e desafiante que o País atravessa. Quando, em janeiro, as

escolas retomarem as suas atividades, teremos certamente a vacina, que nos reforçará no combate à

pandemia e nos dará confiança no futuro e mais estabilidade na vida das escolas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Silva, de Os Verdes, para uma intervenção.

A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em relação a esta petição, dirigimos as nossas primeiras palavras à FENPROF, que a promoveu, e aos peticionários que a subscreveram,

pronunciando-se sobre a reabertura de estabelecimentos de educação no presente ano letivo e a necessidade

de este ser acompanhado da realização de testes que fossem capazes de despistar casos positivos de

COVID-19 e, desta forma, travar possíveis surtos, não deixando de sinalizar que, mesmo já se tendo iniciado o

ano letivo há três meses, esta matéria não perde a atualidade e deve ser debatida com profundidade.

Nos tempos difíceis e complexos que vivemos, a confiança é uma questão fundamental para podermos

prosseguir a vida com o máximo de normalidade. Como sabemos, a comunidade escolar é mais vasta do que

as paredes das escolas e nós não apenas queremos que o ensino seja presencial como reconhecemos essa

necessidade e os perigos que decorrem de um modelo que afaste os alunos da escola. Só na escola é

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possível acompanhar as aprendizagens, identificar as dificuldades, intervir para responder às necessidades.

Isto só é possível na escola.

Para além disso, e talvez mais que isso, a escola é partilha e socialização. Nesta partilha, é necessário que

se garanta o essencial para que as rotinas do dia a dia se façam em segurança, que se garanta o investimento

necessário para a segurança sanitária dos alunos, dos professores, dos trabalhadores não docentes, que se

garanta o investimento para a contratação dos assistentes operacionais, tão necessários para assegurar o

cuidado para a higienização frequente e fazer o acompanhamento dos alunos.

No entanto, não podemos deixar de concordar que a incerteza dos dias, as notícias que vão chegando

sobre o número de infetados e as condições únicas em que trabalham deixam os professores inseguros e

ansiosos. Muitos destes profissionais estão perto dos 60 anos e são doentes de risco, sendo normal que o

medo e a ansiedade se instalem. As salas cheias de alunos, onde não se podem abrir janelas para arejar

porque estamos no inverno, trazem insegurança a estes profissionais, que trabalham diariamente junto dos

alunos sem ser possível manter o afastamento físico exigido.

Esta petição levanta a importante questão de se assegurarem investimentos para a segurança sanitária de

professores, trabalhadores não docentes e estudantes, matéria sobre a qual debatemos bastante no

Orçamento do Estado para 2021 e que agora tem de ser concretizada.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Aos professores, como a todos os outros trabalhadores em funções

públicas, não basta agradecer e congratular. É preciso valorizar e responder às suas angústias e aos seus

problemas.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Mesquita, do Grupo Parlamentar do PCP, para uma intervenção.

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PCP quer saudar a FENPROF pela dinamização desta petição, que coloca preocupações legítimas sobre a necessidade de segurança

sanitária nas escolas e de salvaguarda da comunidade escolar na sua globalidade, seja de trabalhadores, seja

de alunos e das suas famílias.

Retomamos, em parte, um tema recentemente tratado no Plenário da Assembleia da República, mas a

verdade é que este é um tema que mantém toda a atualidade.

As condições sanitárias, para o PCP, devem ser asseguradas pelo Governo, tendo em conta as

orientações das autoridades de saúde, cabendo ao Governo concretizar aquilo que se impõe em matéria de

segurança sanitária. Devem ser, portanto, disponibilizados pelo Governo todos os meios para que essa

segurança sanitária seja efetivada.

Como é claro, nunca bastaria apenas a testagem. Seria preciso haver medidas muito mais alargadas,

tendo em conta, inclusivamente, o rumo de subfinanciamento com o qual a educação ainda é caracterizada e

o nível dos problemas que impedem que haja outras soluções e outras formas de assegurar, nomeadamente,

a segurança sanitária nas escolas.

Esta questão, por exemplo, da falta de trabalhadores nas escolas, que já na semana passada tivemos a

oportunidade de referir, é absolutamente dramática. Estando aprovada uma norma, em Orçamento do Estado,

por proposta do PCP, para que haja a contratação de 5000 auxiliares e administrativos, impera agora que ela

seja concretizada o mais rapidamente possível, para que estes trabalhadores cheguem às escolas também o

mais rapidamente possível, para que possam contribuir para as medidas importantes a nível da higienização e

do arejamento dos espaços e para que se possa garantir que, em todo o lado, estejam os funcionários

necessários para abrir todos os serviços necessários, porque, em muitas escolas, sabemos que há serviços

que não estão a funcionar.

Além disso, é necessário que existam todos os equipamentos de proteção individual em número suficiente

e que estes sejam adequados ao exercício das funções em particular.

A diminuição do número de alunos por turma, conforme o PCP propôs, era um caminho que já poderia ter

sido tomado e que contribuiria para a questão do distanciamento físico. Agora, seria uma ferramenta mais do

que útil para fazer face ao que está a acontecer. Infelizmente, não foi este o caminho seguido no presente ano

letivo, de um maior alargamento da nossa proposta em relação a esta diminuição do número de alunos por

turma.

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São também necessários mais professores nas escolas, com um incentivo à fixação dos docentes. Foi uma

proposta que fizemos, que poderia estar a ser aplicada e que também contribuiria para debelar uma série de

problemas que estão já identificados, nomeadamente tendo em conta as necessidades de acompanhamento

aos alunos que não podem estar nas escolas.

Com tudo isto, não pode ficar esquecido que há uma ferramenta fundamental a que o Governo já deveria

ter recorrido há tanto tempo e que contribuiria para que muitos problemas fossem resolvidos, que é o diálogo,

que continua a faltar, inclusivamente em matéria da negociação obrigatória sobre saúde, higiene e segurança

no trabalho, que envolveria a tomada de medidas particulares relativamente a esta situação do combate à

pandemia nas escolas, envolvendo todos os trabalhadores nas decisões a tomar.

É, de facto, com a educação e a ciência que melhor podemos combater qualquer doença e também esta

epidemia, tendo o Estado de assumir as suas responsabilidades coletivas na gestão desta situação, sem gerar

alarmismos e sem instabilidades que, de forma mais aberta ou mais encapotada, como alguns pretendem,

contribuam para atacar a escola pública.

Defendemos que o Governo tem a obrigação de garantir todos os meios e todas as condições para o

ensino presencial.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Vou mesmo concluir, Sr. Presidente. Portanto, o Governo tem de tomar todas as medidas para tranquilizar a comunidade escolar e garantir a

segurança sanitária.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Vamos entrar no último ponto da nossa agenda, do qual consta a discussão da Petição n.º 619/XIII/4.ª (SINDEL — Sindicato Nacional da Indústria e da Energia) — Solicitam o

reconhecimento da profissão dos trabalhadores da manutenção e montagem de aerogeradores como de

desgaste rápido, juntamente com os Projetos de Resolução n.os 658/XIV/2.ª (BE) — Pela regulamentação da

atividade de trabalhador da manutenção e montagem de aerogeradores, com vista à redução do desgaste

resultante do exercício da atividade, à garantia das condições de segurança e saúde no trabalho e à

adequação do acesso à reforma, e 718/XIV/2.ª (PCP) — Recomenda ao Governo que tome medidas para a

definição e regulamentação de um regime laboral e de aposentação específico para os trabalhadores da

manutenção e montagem de aerogeradores.

Tem a palavra, para uma intervenção, pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, o Sr. Deputado José

Soeiro.

Pausa.

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: — Pede a palavra para que efeito?

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, se me permite, em relação ao ponto anterior, penso que, na grelha de tempos inicial, estavam os 4 minutos, que não incluíam o tempo extra. Mas pode ter sido uma

interpretação errada.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, quando cheguei à Mesa, verifiquei que tinham ali não 4 minutos, mas 1 minuto. Eram 5 minutos, no total. Foi por isso que segui com os trabalhos.

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — É irrelevante neste momento, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr.ª Deputada.

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Vamos, então, entrar no último ponto.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Soeiro, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, para uma

intervenção.

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A manutenção e a montagem dos aerogeradores, que estão envolvidos na produção de energia a partir da geração eólica, inclui trabalhos

em altura; inclui subida e descida várias vezes ao dia de escadas com 70 ou 80 metros; inclui trabalhar sob

condições meteorológicas adversas; inclui trabalho em locais de difícil acesso, em lugares exíguos; inclui

trabalho que exige um esforço físico e posições ergonómicas responsáveis por lesões do ponto de vista

musculoesquelético.

É para esta realidade que nos vem alertar a petição que discutimos, a qual saudamos e, naturalmente, os

seus peticionários, e são estas condições desgastantes que caracterizam o trabalho neste setor.

Estas condições, de resto, não são caso único. O Bloco de Esquerda tem vindo a alertar sucessivamente

para o crescimento do número de profissões e de grupos de trabalhadores que, por várias razões, têm lançado

alertas para as suas condições de trabalho. Não é por acaso que cada vez mais há profissões de diferentes

setores de atividade que se dirigem a este Parlamento, nomeadamente através de petições, para que seja

reconhecido o desgaste rápido da sua profissão.

Entendemos que é necessário garantir que os trabalhadores desenvolvam a sua atividade, seja ela qual for

— e neste caso também, naturalmente —, em condições de saúde e de segurança e que exista uma

regulamentação da atividade profissional que garanta precisamente essas condições.

Isto faz-se de várias formas: através do reforço da contratação coletiva; através de uma legislação laboral

que seja protetora dos trabalhadores e de alterações ao Código do Trabalho, sobre as quais temos insistido;

reduzindo o horário de trabalho para diminuir o desgaste do próprio exercício profissional; alterando as regras

do acesso à reforma.

Continuamos com regras de acesso à reforma que implicam que todos os anos aumente a idade de

reforma e se mantenham as reformas antecipadas com um corte significativo por via da aplicação do fator de

sustentabilidade. Por isso, o Bloco de Esquerda, acompanhando as preocupações dos peticionários e das

peticionárias que nos trazem esta discussão, propõe que o Parlamento recomende ao Governo que se

empenhe na regulamentação da profissão de trabalhador de manutenção e montagem de aerogeradores, de

forma a impor condições mais protetoras e mais limitativas relativamente ao desgaste provocado pelo

exercício desta atividade, e que preveja também condições de acesso à reforma adequadas ao desgaste que

esta profissão provoca.

É essa a proposta que fazemos e é dessa forma que acompanhamos o desafio lançado pelos peticionários.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para apresentar o projeto de resolução do PCP e participar no debate, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Alves.

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaríamos naturalmente de saudar o SINDEL e todos os peticionários que se associaram a esta iniciativa.

Nos últimos anos, temos assistido, em Portugal, a um grande crescimento da produção de energia eólica,

um crescimento que significa um aumento do número de trabalhadores em diversas funções associados a esta

tecnologia da energia eólica.

Em particular, os trabalhadores da manutenção e montagem de aerogeradores estão sujeitos a um tipo de

trabalho com especial penosidade, além dos riscos a nível da segurança e da saúde, conforme é salientado

pelos peticionários.

A realização de trabalho em altura, sujeito a condições meteorológicas adversas — que se tornam ainda

mais adversas em altitude —, a necessidade de uma constante subida e descida de escadas com mais de 80

metros de altura e em espaços muito confinados, como são os aerogeradores, e a prestação de trabalho em

posições não ergonómicas por parte destes trabalhadores são alguns dos elementos que justificam o

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reconhecimento das necessárias condições específicas de regime laboral e também de aposentação para

estes trabalhadores.

Foi nesse sentido que o PCP entregou, na sequência desta petição, um projeto de resolução para que esta

Assembleia recomende ao Governo a definição e regulamentação de um regime específico para os

trabalhadores da manutenção e montagem de aerogeradores, considerando o seu especial risco e

penosidade.

Propomos, ainda, que a regulamentação desse regime seja articulada com as organizações

representativas dos trabalhadores e que não prejudique, naturalmente, em momento algum, quaisquer

disposições mais favoráveis previstas em instrumentos de regulação coletiva de trabalho.

Com esta proposta, pretendemos que estas condições específicas sejam reconhecidas, indo ao encontro

da reivindicação desta petição.

Num setor como o da energia, que multiplica os seus lucros milionários, os trabalhadores não podem ficar

para o fim, no que diz respeito à salvaguarda da sua segurança, da sua saúde e dos seus direitos laborais.

O PCP continuará a intervir nesse sentido, dando expressão a reivindicações justas como aquela que hoje

discutimos, sem deixar de referir a necessidade de uma valorização geral dos salários, das condições e dos

direitos de todos os trabalhadores, que é indispensável para o progresso e para o desenvolvimento soberano

do País.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — É a vez do Grupo Parlamentar do PAN. Tem a palavra, para fazer uma intervenção, a Sr.ª Deputada Bebiana Cunha.

A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Iniciaria esta intervenção dirigindo cumprimentos ao Sindicato Nacional da Indústria e da Energia, que, no exercício de participação cívica,

desafiou a Assembleia da República com esta petição em defesa dos direitos dos trabalhadores da

manutenção e montagem de aerogeradores.

Registamos a justeza das suas reivindicações de qualificação desta profissão como de desgaste rápido. As

condições penosas em que esta atividade se desenvolve justificam-no, uma vez que estamos a falar de uma

profissão exercida em condições difíceis, com esforço físico acrescido e lesões de vários tipos que daí

decorrem.

Por isso mesmo, não será, obviamente, pelo voto do PAN que a qualificação desta profissão enquanto

profissão de desgaste rápido não virá a acontecer. Votaremos favoravelmente as duas iniciativas trazidas a

debate.

No entanto, não podemos deixar de aproveitar esta oportunidade para lembrar que também há outras

reivindicações de outros trabalhadores que são igualmente justas e que têm sido trazidas a esta mesma Casa

para discussão. Estas petições têm-se sucedido uma atrás da outra e a verdade é que continuam sem

resposta por parte do Governo.

É fundamental encontrar uma solução que, não sendo uma manta de retalhos, evite tratamentos desiguais,

algo que, até ao momento, de facto, não tem sucedido.

Para o PAN, uma das soluções viáveis passa por o Governo criar um grupo de trabalho que proceda à

alteração do enquadramento legal das profissões de desgaste rápido, definindo os critérios para a atribuição

desta qualificação, podendo, então, identificar todas as profissões passíveis de serem classificadas.

Essa proposta do PAN estará em discussão e em votação na próxima terça-feira, cabendo, obviamente,

aos restantes partidos decidir se querem resolver este problema de uma forma justa e transversal, incluindo

todas as profissões que têm vindo a fazer este justo apelo, ou se querem continuar a arranjar subterfúgios

para adiar a resolução deste problema que afeta milhares de trabalhadores.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado José Luís Ferreira, de Os Verdes.

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O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As primeiras palavras são para, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os Verdes», saudar os milhares de cidadãos que

subscreveram esta petição e que fizeram uso deste importante instrumento da nossa democracia. Através

desta, estes cidadãos dirigem-se à Assembleia da República para que a profissão dos trabalhadores de

manutenção e montagem de aerogeradores seja reconhecida como uma profissão de desgaste rápido. Os

Verdes estendem, naturalmente, também, esta saudação ao Sindicato Nacional da Indústria e da Energia, que

a promoveu e dinamizou.

Como primeira nota, queria dizer que Os Verdes consideram que os peticionantes têm toda a razão nos

propósitos e nos motivos que os levaram a apresentar esta petição. De facto, como é referido no texto que dá

corpo à petição, a indústria da energia eólica, para além de representar o setor que mais crescimento teve no

ramo da energia, envolve também, por esse facto, um elevado número de trabalhadores. Muitos desses

trabalhadores, sobretudo os trabalhadores da montagem e da manutenção de aerogeradores, no desempenho

das suas próprias funções e responsabilidades, enfrentam um trabalho com especial penosidade, mas

também com riscos em termos de segurança e de saúde.

Por isso, os peticionantes referem, aliás, sem exagero, que «os trabalhos de manutenção e montagem de

aerogeradores incluem diversos desafios ao nível da segurança e também da saúde». De facto, não é só o

trabalho em altura, com a subida e a descida de escadas verticais, com 70 ou 80 m de altura, várias vezes por

dia, estes trabalhadores lidam ainda com energia elétrica e mecânica, ainda por cima em espaços confinados,

em condições meteorológicas por vezes adversas e em pontos de aperto de difícil acesso. Para além disso, o

trabalho é desenvolvido em locais que têm como denominador comum o facto de serem de difícil acesso e em

espaços exíguos, o que obriga a um esforço físico acrescido e a posições ergonómicas que provocam lesões

músculo-esqueléticas, em virtude, sobretudo, dos movimentos ou das posturas forçadas que este trabalho

exige.

Portanto, perante este quadro, tendo presente a forma e até as circunstâncias em que este trabalho é

exercido, Os Verdes acompanham integralmente as preocupações e os objetivos dos peticionários,

considerando que estes trabalhadores devem ter o devido reconhecimento — sem prejuízo de outros

trabalhadores que estejam também nas mesmas circunstâncias — que passa, sobretudo, pela revisão da

regulamentação da profissão de trabalhador de manutenção e montagem de aerogeradores. Desta

regulamentação, na perspetiva de Os Verdes, deve constar, nomeadamente, a garantia de mais e melhores

condições a nível de saúde e segurança desses trabalhadores, a promoção da redução do desgaste e também

o estabelecimento de condições específicas no que diz respeito ao acesso à respetiva reforma.

Portanto, com esse propósito, Os Verdes vão acompanhar as iniciativas legislativas que tanto o BE como o

PCP nos trouxeram para debate, juntamente com esta petição.

O Sr. Presidente: — É a vez do Grupo Parlamentar do CDS. Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Almeida.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Queria, em primeiro lugar, em nome do Grupo Parlamentar do CDS, cumprimentar os peticionários e, desde logo, o Sindicato

Nacional da Indústria e da Energia.

Esta petição, como já foi dito, tem por objeto algo que temos discutido sucessivamente neste Parlamento,

não só nesta Legislatura, como até em legislaturas anteriores, e que deve ter uma consideração individual,

mas, para que esta consideração individual seja possível, é preciso ter um enquadramento geral, que não

existe. O que acontece neste caso? Estamos perante mais uma profissão — os profissionais da manutenção e

instalação de aerogeradores — que, pelas características do trabalho que desempenham, naturalmente têm,

do ponto de vista físico, um desgaste assinalável. A qualificação deste desgaste assinalável é algo que tem de

obedecer a regras, a tabelas, a consequências que sejam iguais para todas estas profissões. Não podemos

estabelecer regimes de profissões de desgaste rápido uns a seguir aos outros, porque será impossível que

não estabeleçamos injustiças relativas entre essas profissões.

Por isso, o CDS, já nesta Legislatura, apresentou um projeto de lei para que se criasse um grupo de

trabalho no sentido de terminar um processo legislativo. Tal deve-se a uma razão muito simples: é impossível,

do nosso ponto de vista, ser a Assembleia da República, pelas características técnicas que uma lei como esta

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tem de ter, a conseguir construir a solução legislativa. É fundamental ter, não só da parte do Governo, como

também da parte dos parceiros sociais e, desde logo, dos representantes dos trabalhadores, uma colaboração

técnica que só é possível, em termos suficientes, no Governo. O que aconteceu? Na altura, no passado dia 14

de maio — já passou mais de meio ano sobre essa data —, o Partido Socialista rejeitou a iniciativa legislativa

do CDS e disse que não valia a pena aprová-la, porque o Governo já estava a fazer tudo aquilo que o CDS

propunha.

Portanto, de duas, uma: ou o Governo é muito lento a fazer o que é a sua obrigação e não está a dar

respostas a estes trabalhadores ou, então, o que o Partido Socialista aqui nos disse não correspondia à

verdade. Espero que seja a primeira hipótese, mas, por isso mesmo, pedia ao Partido Socialista, que ainda vai

usar da palavra neste debate, que nos diga, afinal de contas, quando é que esse trabalho que estava a ser

feito a nível do Governo vai produzir resultados.

Desta vez, estamos a falar dos profissionais de instalação e manutenção de aerogeradores, mas já falámos

de carteiros, de profissionais de cabine de companhias aéreas, de uma série de profissões que continuam à

espera de que esse compromisso do Governo seja cumprido.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra, pelo Grupo Parlamentar do PS, o Sr. Deputado Nuno Sá.

O Sr. Nuno Sá (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começamos por saudar o SINDEL pelo seu empenho para melhorar as condições de trabalho e para defender os direitos dos trabalhadores do seu setor.

Queremos, também, cumprimentar e agradecer a todas e a todos os signatários da petição.

As pretensões e a tomada de posição dos 4075 subscritores da petição pública, com o objetivo do

reconhecimento da profissão dos trabalhadores da manutenção e montagem de aerogeradores como

profissão de desgaste rápido, merecem-nos toda a consideração e atenção.

Sobre os projetos de resolução do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista Português, diga-se que têm

pertinência pela importância da matéria e pela necessidade de regulamentação das profissões de desgaste

rápido, não obstante o facto de essa regulamentação exigir uma reflexão aprofundada, fundamentada e plural

de modo a criar um quadro legal que sirva não só uma profissão específica, mas todas as profissões que

reúnam condições de desgaste rápido. O desafio assume uma perspetiva de enquadramento global e não de

resposta pontual.

Percebemos perfeitamente as razões expostas pelos trabalhadores da manutenção e montagem de

aerogeradores, que querem o reconhecimento do desgaste rápido para que tenham os seus direitos

assegurados, designadamente nas condições de segurança e saúde no trabalho e no acesso à reforma.

Entendemos os argumentos dos trabalhadores dos aerogeradores, mas também de muitos outros profissionais

que nos têm levado, aqui mesmo, na Assembleia da República, a debater a sua qualificação como sendo de

desgaste rápido. Neste âmbito, ainda há bem pouco tempo, debatemos as pretensões dos carteiros ou dos

tripulantes de cabina e, já para a semana, debateremos, em Plenário, mais um conjunto de profissões que se

assumem de desgaste rápido.

Aliás, a propósito desta matéria e deste debate, permitam-me salientar três aspetos que também

concorrem para as condições de trabalho. Primeiro, o papel central e decisivo da Autoridade para as

Condições do Trabalho para garantir a efetividade das condições de segurança e saúde aos trabalhadores,

desde logo no que toca à prevenção e à reparação das doenças profissionais e dos acidentes de trabalho e,

daí, o facto de o governo ter reforçado a inspeção do trabalho com mais inspetores e mais recursos. Segundo,

a relevância do reforço e a dinamização da contratação coletiva, que permitem encontrar as melhores

soluções para salvaguarda laboral das especificidades de cada profissão e, daí, a medida do Governo, por

exemplo, de suspensão da caducidade dos contratos coletivos por dois anos. Terceiro, a aposta na

concertação social e no envolvimento dos parceiros sociais, que também deve ser feita nesta questão da

definição dos critérios e da qualificação de determinadas profissões como sendo de desgaste rápido, pelo que

o diálogo social a decorrer acerca do Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho em Portugal será, também, um

espaço de reflexão sobre esta temática. Também é justo dizer que o reconhecimento e os direitos dos

trabalhadores de profissões de desgaste rápido são uma preocupação do Governo e que já mereceram

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respostas concretas e, daí, o facto de o Governo ter eliminado a aplicação do fator de sustentabilidade para as

pensões das profissões de desgaste rápido, acabando com o corte nessas pensões.

Assim, o PS valoriza todas as profissões. No Parlamento e no Governo, desenvolvemos uma agenda de

trabalho digna e é neste caminho que, apesar do que já foi feito, se torna necessário estabelecer um conjunto

de regras-padrão que permitam definir, de forma justa e equitativa, as profissões de desgaste rápido, bem

como a promoção de medidas efetivas e eficazes de mitigação da penosidade, com incidência sobre as

questões de saúde e segurança no trabalho, permitindo reduzir as condições laborais penosas e os seus

impactos negativos na saúde destes profissionais.

Atente-se na premência de uma ponderação de respostas muito bem fundamentadas para as profissões de

desgaste rápido, porque também se irá contender com um regime específico de acesso à reforma, no caso

dos trabalhadores dos aerogeradores, com a redução da idade de reforma para os 60 anos. Essa

convergência e a homogeneização dos regimes de proteção social, no sentido de lhes dar maior

transparência, de eliminar discrepâncias e de garantir o princípio da igualdade, terão de ser conjugadas com a

existência excecional de um regime específico para as profissões de desgaste rápido.

Estamos cientes de que o Governo está a acompanhar e a dinamizar o desenvolvimento deste normativo

enquadrador das profissões de desgaste rápido. Por conseguinte, consideramos que, até à definição das

novas regras, não deve ocorrer a qualificação de profissões de desgaste rápido de forma avulsa e desgarrada

de um enquadramento normativo próprio e que apenas resulte de uma decisão casual numa matéria tão

sensível.

Para terminar, consideramos, naturalmente, que os diversos contributos que nos têm feito chegar e que os

debates que aqui temos protagonizado sobre as profissões de desgaste rápido são muito importantes, não só

para a tomada de consciência das múltiplas realidades, mas também são um acervo de conhecimento e de

propostas que o Governo e todos nós aqui, no Parlamento, vamos considerar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Olga Silvestre, do Grupo Parlamentar do PSD.

A Sr.ª Olga Silvestre (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Saudamos os peticionários, entre os quais o primeiro subscritor, o SINDEL, Sindicato Nacional da Indústria e da Energia, que, no exercício do

seu direito de cidadania, vem solicitar o reconhecimento da profissão dos trabalhadores de montagem e

manutenção de aerogeradores como sendo de desgaste rápido.

Reconhecemos a importância que a indústria deste setor possui, quer pelo que representa na proteção do

ambiente, quer pelo elevado número de trabalhadores que emprega, quer, ainda, pelo seu exponencial

crescimento. Damos o exemplo, no âmbito da energia dos oceanos, da particularidade do exercício de funções

por estes trabalhadores.

O PSD é sensível aos enormes desafios e às dificuldades que estes trabalhadores enfrentam, mas o PSD

não esquece todas as outras profissões que se subsumem nos requisitos das profissões de desgaste rápido,

nem de todos aqueles que, nesta Assembleia da República, já reclamaram por esse desígnio. As tarefas que

estes trabalhadores têm de executar obrigam a um esforço físico acrescido, em posições nada ergonómicas,

em condições adversas que provocam ou podem provocar lesões.

Por sua vez, o Bloco de Esquerda e o PCP, à boleia desta petição, apresentam dois projetos de resolução,

aqui também em discussão, através dos quais pretendem alterações avulsas e específicas para esta

profissão. Legislar só para alguns contempla desigualdades e injustiças e o PSD não pactua com a criação

dessas desigualdades e injustiças.

A Sr.ª Catarina Rocha Ferreira (PSD): — Muito bem!

A Sr.ª Olga Silvestre (PSD): — Sr.as e Srs. Deputados, a necessidade de qualificar uma profissão como sendo de desgaste rápido é uma situação recorrente em todas as legislaturas e esta não é exceção. De facto,

têm existido várias iniciativas que pretendem qualificar um conjunto de profissões como sendo de desgaste

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rápido. Contudo, o PSD reitera o que tem vindo a defender sobre esta matéria: valorizamos todas as

profissões, reconhecemos o maior desgaste associado a algumas, bem como a legitimidade de reconhecer as

que são de desgaste rápido. Consideramos que devem ser estabelecidos padrões para as profissões de

desgaste rápido, garantindo, assim, a justiça e a equidade na qualificação e no tratamento das mesmas.

Deste modo, há que fazer um estudo aprofundado, cuidado e sério sobre esta matéria. Aliás, o CDS

apresentou o Projeto de Lei n.º 234/XIV/1.ª, que o PSD acompanhou e no qual votou favoravelmente, que

pretendia a criação de um grupo de trabalho para fazer um estudo destas profissões.

Sr.as e Srs. Deputados, o PS, para justificar o seu voto contrário, anunciou que o Governo tem a decorrer

um processo legislativo interno com o intuito de produzir um diploma de forma a regular as profissões de

desgaste rápido, acrescentando que o Governo já tinha em curso um processo idêntico ao proposto pelo CDS

e que o projeto de lei seria uma redundância. Ora, onde está esse grupo de trabalho? Quem o compõe? O que

fez até agora?

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Sr.ª Olga Silvestre (PSD): — Foi mais uma redundância de anúncios inócuos que, uma vez mais, demonstram o quê? A inércia do Governo, Srs. Deputados.

A Sr.ª Catarina Rocha Ferreira (PSD): — Muito bem!

A Sr.ª Olga Silvestre (PSD): — Algo a que já nos habituaram. Aliás, ainda no âmbito da recente discussão do Orçamento do Estado, o Governo socialista nada disse ou

acrescentou a esta discussão.

Sr.as e Srs. Deputados, esta matéria não se resolve com remendos à legislação, que só servem para

resolver os problemas de alguns, deixando os outros desprotegidos.

O PSD defende que as alterações ao Código do Trabalho devem ser feitas através de negociação coletiva

e em sede de concertação social. Essa é a marca de água do PSD e da qual não se desvia.

Reiteramos a nossa preocupação, a nossa sensibilidade para com os milhares de trabalhadores que, no

seu dia a dia, trabalham sob stress e sob condições adversas, que colocam em causa a sua segurança e

saúde. E aqui, sem sombra de dúvida, destacamos todos, mas em especial, neste tempo, os profissionais de

saúde.

Este deve ser um debate alargado a todas as profissões com estas vicissitudes. Reiterámos a necessidade

de estudar e aprofundar o universo das profissões de desgaste rápido, mas este Parlamento, com o voto

contra do Partido Socialista, chumbou-a.

O Grupo Parlamentar do PSD está atento e pugnará pelo estudo aprofundado das profissões de desgaste

rápido, de modo a que todos os trabalhadores sejam tratados de igual modo, com a equidade e a justiça que

lhes é devida e que merecem.

Sr.as e Srs. Deputados, acreditamos que «mudam-se os tempos, mudam-se as vontades (…), todo o

mundo é composto de mudança», como disse o nosso poeta maior.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Chegámos, assim, ao fim deste ponto da ordem do dia. Antes de anunciar a agenda para amanhã, o Sr. Secretário Nelson Peralta tem uma comunicação a fazer.

O Sr. Secretário (Nelson Peralta): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, anuncio ao Plenário que estiveram presentes nesta sessão plenária, por videoconferência, pelo círculo eleitoral da Região Autónoma da Madeira,

a Sr.ª Deputada Marta Freitas, do Grupo Parlamentar do PS, e a Sr.ª Deputada Sara Madruga da Costa e o Sr.

Deputado Sérgio Marques, do PSD.

Estiveram, ainda, presentes, por videoconferência, por outros assuntos, a Sr.ª Deputada Sofia Araújo e o

Sr. Deputado Jorge Gomes, do PS, os Srs. Deputados Hugo Martins de Carvalho e Hugo Carneiro, do PSD, e

o Sr. Deputado Telmo Correia, do CDS-PP.

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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, convém que todos os grupos parlamentares alertem os Deputados para o facto de a sessão de amanhã começar às 14 horas, que é uma hora um pouco especial para começar

uma sessão plenária.

Da agenda desta sessão plenária constará, como primeiro ponto, a apresentação e discussão do Relatório

sobre a Aplicação da Declaração do Estado de Emergência, no período de 24 de novembro a 8 de dezembro

de 2020, seguindo-se, num segundo ponto, o debate sobre o pedido de autorização, solicitado pelo Presidente

da República, de renovação do estado de emergência e respetiva votação.

De um terceiro ponto consta a discussão do Projeto de Resolução n.º 770/XIV/2.ª (PS) — Recomenda a

adoção de medidas para travar o aumento das desigualdades estruturais de género desencadeadas pelos

impactos socioeconómicos da COVID-19.

No quarto ponto, será apreciado o Decreto-Lei n.º 92/2020, de 23 de outubro, que altera o regime geral da

gestão de resíduos [Apreciações Parlamentares n.os 32/XIV/2.ª (PSD), 34/XIV/2.ª (PCP) e 35/XIV/2.ª (BE)].

Segue-se, ainda, no quinto ponto da agenda, a discussão, na generalidade, do Projeto de Lei n.º

478/XIV/1.ª (BE) — Repõe o regime de remuneração das centrais de produção de energia eólica (Revoga o

Decreto-Lei n.º 35/2013, de 28 de fevereiro).

Por fim, e sem tempos atribuídos para discussão, temos ainda o último ponto, relativo ao Projeto de Lei n.º

594/XIV/2.ª (PS) — Alarga até 30 de junho de 2021 o prazo para a realização por meios de comunicação à

distância das reuniões dos órgãos das autarquias locais e das entidades intermunicipais, procedendo à sétima

alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, que aprova medidas excecionais e temporárias de resposta à

situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARSCoV-2 e da doença COVID-19.

E por aqui nos ficamos. Muito boa tarde a todos e até amanhã.

Está encerrada a sessão.

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

Eram 19 horas e 22 minutos.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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