I SÉRIE — NÚMERO 41
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eterno e que aconteçam situações como a que aconteceu no Tribunal da Relação do Porto, com uma Sr.ª
Magistrada a declarar que tinha assinado de cruz, que também é uma coisa inimaginável, mas pode acontecer.
Portanto, Sr. Presidente, não podemos acompanhar uma operação legislativa, cuja necessidade não está
demonstrada e que podia ter impacto burocrático no funcionamento dos tribunais.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado José Manuel Pureza.
O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A exigência de transparência no
funcionamento do sistema judicial é, evidentemente, uma exigência de primeira importância, tendo em vista a
sua credibilização aos olhos de todos. E bem nos recordamos de situações relativamente recentes em que se
verificou um alarme e uma reprovação social de larga dimensão, justificada justamente por práticas de afetação
de processos a juízes em concreto ou a coletivos em concreto, que suscitaram, e continuam a suscitar,
evidentemente, as maiores dúvidas e reservas, como tem de ser num Estado de direito.
Lembramo-nos, aliás, a este respeito, que, na audição que foi efetuada nesta Assembleia da República ao
Sr. Presidente do Conselho Superior da Magistratura, o Sr. Desembargador, na altura, disse…
O Sr. José Magalhães (PS): — Conselheiro!
O Sr. José Manuel Pureza (BE): — O Sr. Conselheiro, peço desculpa, tem toda a razão!
Como dizia, o Sr. Conselheiro que preside ao Conselho Superior da Magistratura, na altura, disse-nos que
não se tratava de um caso único, este, do Tribunal da Relação de Lisboa, pelo contrário, havia um conjunto de
exceções à distribuição aleatória e cega, que são exceções inúmeras, imensas. E disse-o, aliás, com toda a
franqueza, não escondeu essa realidade, mostrando como o campo da distribuição automática, na verdade, é
muito mais limitado do que aquilo que, efetivamente, consta, digamos assim, ou que se pode ler a partir da
regulamentação aplicável.
Portanto, reforçar o princípio da aleatoriedade na distribuição de processos é, a nosso ver, uma boa prática
e contribui para uma justiça melhor, do ponto de vista da sua avaliação pelos cidadãos, o que é muito importante.
Os projetos de lei em apreciação vão, genericamente, nesse sentido e, por isso, não nos merecem reservas
de princípio em relação àquilo que consideramos essencial.
Agora, também é verdade que vários pareceres, e não apenas o do Conselho Superior da Magistratura, mas
também, por exemplo, o do Conselho dos Oficiais de Justiça, indicam, justamente, que há várias cautelas a ter
em conta. Primeiro, o respeito pelo princípio constitucional do juiz natural; segundo, o respeito de regras de bom
senso que têm a ver com atribuições que é necessário fazer, em função do volume processual afeto a um
determinado juiz e, portanto, do equilíbrio do número de processos distribuídos aos vários juízes, a diferenciação
em função da complexidade, etc.
Estamos, pois, aqui perante uma situação de equilíbrio muito fino, muito difícil. Por um lado, não podemos
deixar que estes parâmetros de bom senso, digamos assim, sejam um alibi para criar opacidade no sistema e
justificar aquilo que não é justificável e, ao mesmo tempo, temos de impedir que a preocupação com a
transparência se constitua em fator de alheamento àquilo que são princípios constitucionais e regras de bom
senso. E, no meio disto, há, apesar de tudo, uma verdade muito clara, que é a de que tem de ser assegurada,
de forma inequívoca, a aleatoriedade da distribuição dos processos no poder judicial, seja a um juiz ou a um
coletivo, em particular. Portanto, é preciso garantir isto e, depois, na especialidade, é necessário que criemos
as afinações necessárias para se chegar a esse equilíbrio, que, volto a dizer, é muito difícil, mas cá estaremos
para esse efeito, se assim for julgado mais conveniente.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado António Filipe,
do PCP.