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12 DE MARÇO DE 2021

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Vamos entrar no segundo ponto da ordem do dia, uma vez que o primeiro tem a ver com as votações em

curso.

Este segundo ponto da ordem do dia consiste no debate sobre o pedido de autorização, solicitado pelo Sr.

Presidente da República, de renovação do estado de emergência por 15 dias, de 17 a 31 de março de 2021,

permitindo adotar as medidas necessárias à contenção da propagação da doença COVID-19.

Entretanto, evidentemente que as galerias podem ser abertas, embora só aos poucos que têm a possibilidade

de aí entrar.

Para iniciar o debate, tem a palavra, pelo PS, a Sr.ª Deputada Cláudia Santos.

Sr.ª Deputada, faça favor.

A Sr.ª Cláudia Santos (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Na próxima

quinta-feira terá passado um ano desde que aprovámos, a 18 de março de 2020, o primeiro estado de

emergência. Recordo-me bem da sensação de incredulidade e angústia, nessa tarde que agora parece distante.

O estado de emergência era uma figura que se estudava nos manuais de Direito Constitucional mas que, numa

democracia consolidada e, aparentemente, tão distante de qualquer cenário de guerra, parecia arrumada numa

prateleira da História.

Passaram 12 meses e foram aprovados 12 estados de emergência, entre declarações e renovações, e há

quem ache que se banalizou a figura. Entre aqueles que assim pensam talvez possamos distinguir duas

perspetivas diversas, ambas suportadas por argumentos poderosos mas não totalmente convincentes.

Num primeiro grupo estão aqueles que acham que houve uma restrição excessiva de direitos fundamentais

e que não se deveriam ter encurtado tanto certas liberdades. Mas não sabemos quantas mais vidas se teriam

perdido se nos tivéssemos mantido mais livres e, como não o sabemos com certeza, o que prevaleceu foi a

prudência. Esse argumento, o da prudência, não é despiciendo quando estão na balança as vidas de outros.

Cada vida tem um peso insuportável quando cai.

Outra opinião é a daqueles que entendem que se deveriam restringir os mesmos direitos fundamentais mas

com um diverso enquadramento jurídico. Uma espécie de lei-chapéu, adiantou-se, que permitisse maior

flexibilidade na resposta com menos invocação do estado de emergência.

Mas será que é isso que nos deve preocupar, a banalização do estado de emergência? Não creio. O que

nos deve preocupar é a banalização da restrição de direitos fundamentais, de um maior facilitismo associado a

essa restrição. É possível que uma lei que enquadre a restrição limitada de certos direitos seja útil sob o enfoque

da eficiência na resposta a pandemias, mas se o Estado nos quiser impor um recolher obrigatório, na sua

formulação clássica ou em declinações mais suaves, num contexto de calamidade pública, então que o faça

através de um procedimento carregado de simbolismo, que exija a intervenção do Presidente da República, do

Parlamento e do Governo. O que não podemos banalizar é a suspensão de direitos fundamentais, como, aliás,

não permite, e bem, o artigo 19.º da nossa Constituição.

Há um ano descobrimos o medo. E o medo associado às epidemias é terreno fértil para a demagogia e os

totalitarismos. Ele facilita a proibição da entrada de estrangeiros, de imigrantes; promove a estigmatização do

doente como alguém que foi infetado por culpa sua. Ao longo dos séculos, as epidemias foram sendo

interpretadas como um castigo purificador de sociedades corrompidas. Por isso sabemos hoje que precisamos

de evitar a derradeira tragédia, a da nossa transmutação coletiva em gente munida de paus ou forquilhas, como

aquela gente que apedrejou as ambulâncias em que 28 pessoas doentes com COVID-19 chegaram a La Línea

de La Concepción para serem realojados numa residência oferecida pelo Governo da Andaluzia. Aqui tão perto

e, todavia, tão longe de qualquer sentido de humanidade.

Estamos muito cientes de tudo o que se perde quando se restringe a liberdade. Sabemos dos abraços que

não foram dados; sabemos das crianças que deixaram de brincar no recreio da escola e de aprender numa sala

de paredes brancas que é igual para todos; sabemos do dinheiro a escassear e da angústia das contas por

pagar; sabemos dos nossos mais velhos que ficaram mais sozinhos; sabemos do desalento das nossas praças

vazias de passos e de risos. Mas também estamos muito cientes do esforço e da coragem dos nossos

profissionais de saúde, da criatividade e do empenho dos nossos professores, da resiliência e bravura de quem

nos garante que tenhamos comida nos supermercados, segurança, água e eletricidade, encomendas que nos

chegam a casa, ruas limpas, transportes e serviços essenciais.

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