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Quinta-feira, 15 de abril de 2021 I Série — Número 55

XIV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2020-2021)

REUNIÃOPLENÁRIADE14DEABRILDE 2021

Presidente: Ex.mo Sr. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues

Secretários: Ex.mos Srs. Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha Nelson Ricardo Esteves Peralta

S U M Á R I O

O Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 6

minutos. Deu-se conta da entrada na Mesa das Propostas de Lei

n.os 83 a 85/XIV/2.ª, dos Projetos de Lei n.os 782 a 795/XIV/2.ª e dos Projetos de Resolução n.os 1186 e 1188 a 1196/XIV/2.ª.

Foi apreciado o Relatório sobre a Aplicação da

Declaração do Estado de Emergência no período de 2 a 16 de março de 2021. Usaram da palavra, além dos Ministros da Administração Interna (Eduardo Cabrita) e da Saúde (Marta Temido), os Deputados André Ventura (CH), Mariana Silva (PEV), Inês de Sousa Real (PAN), Ana Rita Bessa (CDS-PP), António Filipe (PCP), Moisés Ferreira (BE), Eduardo Teixeira

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(PSD) e Miguel Matos (PS). Procedeu-se a um debate sobre o pedido de autorização,

solicitado pelo Presidente da República, de renovação do estado de emergência. Proferiram intervenções os Deputados Susana Amador (PS), Luís Leite Ramos (PSD), Pedro Filipe Soares (BE), João Oliveira (PCP), João Pinho de Almeida (CDS-PP), Inês de Sousa Real (PAN), Mariana Silva (PEV), André Ventura (CH), João Cotrim de Figueiredo (IL), Joacine Katar Moreira (N insc.) e Cristina Rodrigues (N insc.) e o Ministro da Administração Interna. No final, a Câmara concedeu autorização para a renovação solicitada.

Foi discutida, na generalidade, a Proposta de Lei n.º 79/XIV/2.ª (GOV) — Prorroga a isenção de imposto sobre o valor acrescentado para as transmissões e aquisições intracomunitárias de bens necessários para combater os efeitos da pandemia da doença COVID-19, tendo proferido intervenções, além do Secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Fiscais (António Mendonça Mendes), os Srs. Deputados Lina Lopes (PSD), Moisés Ferreira (BE), André Silva (PAN), Cecília Meireles (CDS-PP), Duarte Alves (PCP) e Vera Braz (PS).

Procedeu-se à reapreciação do Decreto da Assembleia da República n.º 95/XIV — Aprova medidas especiais de contratação pública e altera o Código dos Contratos Públicos, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, o Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado em anexo à Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro, e o Decreto-Lei n.º 200/2008, de 9 de outubro. Usaram da

palavra, além do Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros (André Moz Caldas), os Deputados Carlos Pereira (PS), João Cotrim de Figueiredo (IL), André Silva (PAN), Jorge Salgueiro Mendes (PSD), Isabel Pires (BE), Bruno Dias (PCP) e João Pinho de Almeida (CDS-PP).

Foi apreciada a Petição n.º 7/XIV/1.ª (Julieta Areal e Silva Calvet da Costa e outros) — Armadilhas NÃO: proibir fabrico, posse e venda de armadilhas para aves, juntamente com, na generalidade, os Projetos de Lei n.os 625/XIV/2.ª (PAN) — Promove a interdição do fabrico, posse, utilização e venda de artefactos tendentes a capturar aves silvestres não sujeitas a exploração cinegética e 651/XIV/2.ª (PEV) — Determina a proibição do fabrico, venda, compra, utilização e importação de armadilhas e outros artefactos utilizados para captura ilegal de aves silvestres e com os Projetos de Resolução n.os 863/XIV/2.ª (BE) — Recomenda ao Governo a implementação de medidas que visam a proteção das aves silvestres não cinegéticas e 994/XIV/2.ª (PSD) — Proteção das aves silvestres não cinegéticas pelo reforço das medidas de monitorização, sensibilização e fiscalização. Intervieram os Deputados André Silva (PAN), Mariana Silva (PEV), Maria Manuel Rola (BE), João Gomes Marques (PSD), Cecília Meireles (CDS-PP), João Dias (PCP) e José Manuel Carpinteira (PS).

Deu-se conta dos Deputados que estiveram presentes, por videoconferência, na reunião plenária.

O Presidente (José Manuel Pureza) encerrou a sessão eram 18 horas e 40 minutos.

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O Sr. Presidente: — Boa tarde, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Funcionários, Sr.as e Srs. Jornalistas.

Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 6 minutos.

Antes de darmos início à ordem do dia, solicito à Sr.ª Secretária Maria da Luz Rosinha o favor de anunciar

um conjunto de iniciativas que deram entrada na Mesa e foram admitidas.

A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Muito obrigada, Sr. Presidente. Muito boa tarde a todas e a

todos.

Passo a anunciar que deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as Propostas de Lei n.os 83/XIV/2.ª (GOV),

84/XIV/2.ª (GOV) e 85/XIV/2.ª (GOV).

Deram também entrada na Mesa, e foram admitidos, os Projetos de Lei n.os 782/XIV/2.ª (PSD), 783/XIV/2.ª

(BE), 784/XIV/2.ª (BE), 785/XIV/2.ª (IL), 786/XIV/2.ª (IL), 787/XIV/2.ª (PCP), 788/XIV/2.ª (CDS-PP), 789/XIV/2.ª

(PSD), 790/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Cristina Rodrigues), 791/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Cristina

Rodrigues), 792/XIV/2.ª (PCP), 793/XIV/2.ª (PCP), 794/XIV/2.ª (BE) e 795/XIV/2.ª (Deputada não inscrita

Joacine Katar Moreira).

Deram ainda entrada na Mesa, e foram admitidos, os Projetos de Resolução n.os 1186/XIV/2.ª (CDS-PP),

1188/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira), 1189/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Cristina

Rodrigues), 1190/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Cristina Rodrigues), 1191/XIV/2.ª (PCP), 1192/XIV/2.ª (PAN),

1193/XIV/2.ª (IL), 1194/XIV/2.ª (CDS-PP), 1195/XIV/2.ª (PSD) e 1196/XIV/2.ª (PSD).

Terminei, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr.ª Secretária Maria da Luz Rosinha.

Vamos, então, dar início à ordem do dia, cujo primeiro ponto consiste na apreciação do Relatório sobre a

Aplicação da Declaração do Estado de Emergência no período de 2 a 16 de março de 2021.

Entretanto, comunico às Sr.as e Srs. Deputados que já temos quórum para proceder a todas e quaisquer

votações.

Tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita.

O Sr. Ministro da Administração Interna (Eduardo Cabrita): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este

Relatório sobre a Aplicação da Declaração do Estado de Emergência entre 2 e 16 de março é mais um exercício

de transparência e de sujeição ao escrutínio democrático do Governo por parte da Assembleia da República,

que autorizou e determinou a aplicação do regime do estado de emergência desde novembro e,

designadamente, neste período.

É, aliás, o 12.º relatório discutido em Plenário e, desde março do ano passado, o 19.º relatório que o Governo

apresenta à Assembleia da República, com imensa documentação não apenas das áreas governativas mas de

estruturas da área da segurança interna e da saúde, que têm intervenção na coordenação da aplicação do

estado de emergência.

Este é um período que prova que a Assembleia da República, o Presidente da República e o Governo

estiveram certos na aplicação deste tipo de medidas e na forma como as executaram, porque durante esta

quinzena verificaram-se dois resultados que criaram resiliência para prosseguir este caminho: tivemos uma

redução para cerca de metade do número de casos, para cerca de um terço do número de óbitos, para menos

de metade do número de internados e para menos de metade do número de internados em unidades de

cuidados intensivos, relativamente ao início de março; e tivemos uma redução de 65 000 para 35 000 do número

de casos ativos em apenas duas semanas.

Foi, aliás, a verificação deste resultado que nos permitiu, no debate que então fizemos sobre a fase seguinte

da aplicação do estado de emergência, discutir como iniciar um plano de reabertura da sociedade portuguesa.

Foi ao abrigo das lições e dos resultados animadores deste período que foi possível ao Governo — e estamos

a falar do período de 2 a 16 de março — aprovar um plano de reabertura global da sociedade portuguesa,

conhecido de todos, que tem vindo a ser aplicado desde 15 de março, numa lógica quinzenal, e que vai até 3

de maio.

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Também foi durante este período que a vacinação entrou numa fase massiva, designadamente em relação

aos idosos acima dos 80 anos, e que foram definidas as condições para a reabertura das escolas.

Dar espaço para que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) responda também a outras patologias e dar

confiança aos agentes económicos para a retoma — é este o caminho que nos provou, durante esta quinzena,

que os portugueses contribuíram ativamente para este resultado e que os órgãos de soberania estiveram certos

nas decisões tomadas. É este caminho que nos ilumina, com sentido de estoicismo e de coesão nacional, e que

nos faz querer continuar para consolidar estes resultados e não deitar nada a perder.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Ventura.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o Sr. Ministro apresenta-se hoje nesta

Câmara dizendo que este relatório é um exercício de transparência, ou um exercício de fantasia, se quisermos

pegar nas suas palavras: «Os resultados deste período mostram que o Governo estava certo». Além disso, o

Sr. Ministro apresenta-nos os números sobre a redução de internados e do índice de transmissibilidade, etc.

O que este relatório não apresenta é o número de falências que se verificaram neste mesmo País e neste

mesmo período; o número de desempregados, que aumentou em quase um quarto; o número de pessoas que

tiveram de procurar rendimentos no rendimento social de inserção e no rendimento de desemprego. É isso que

este relatório não apresenta e que deveria apresentar.

Mais, o Sr. Ministro da Administração Interna apresenta-se nesta Câmara dizendo que foi nesta altura que o

Governo conseguiu, finalmente, apresentar o seu plano de reabertura da sociedade, quando todos sabemos

que o Presidente da República teve de exigir três vezes ao Governo um plano de desconfinamento, sem que

nenhuma margem houvesse por parte do Governo socialista; quando todos sabemos que o que estava previsto

para março era ter quase metade da população vacinada e o que temos está muito aquém disso que tinha sido

definido por António Costa; quando todos sabemos que uma das vacinas, a da AstraZeneca, tinha sido já

apontada, em vários relatórios internacionais, como causadora de problemas à população civil e, sobretudo, à

mais idosa, e que o Governo, sem fazer absolutamente nada, deixou que se provocassem danos, alguns deles

irreversíveis, à saúde pública.

Este é o resultado do vosso estado de emergência, é o resultado do vosso exercício de transparência e é o

resultado do vosso exercício de comando de um país que, em emergência, precisava de outro Governo e de

outro Ministro ao comando.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Mariana Silva, de Os Verdes.

A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Manda a

lei que o Governo traga à Assembleia da República o Relatório sobre a Aplicação da Declaração do Estado de

Emergência.

A dúvida que nos assalta, ao ler mais esta versão, é se o Governo tem verdadeira consciência do turbilhão

em que se transformou a vida dos portugueses ou se, pelo contrário, funciona apenas na «estabilidade do quadro

normativo de combate à pandemia», de que nos fala o Relatório que hoje temos em debate. E passamos a

referir três exemplos.

Continuamos a não ter, nestes relatórios, qualquer referência ao apoio para a saúde mental, quer seja no

ponto referente à saúde, quer seja no ponto referente à educação, onde seria de esperar que este relatório fosse

mais específico.

Podemos ler o seguinte no relatório: «Prosseguiram as emissões televisivas do #EstudoEmCasa, quer dos

conteúdos do ensino básico, quer do ensino secundário». Relembro que estamos na «estabilidade do quadro

normativo».

É até referido que teve lugar um webinar, a 11 de março, que abordou o tema «Saúde mental e qualidade de

vida em ambiente de ensino digital». Mais uma panaceia bastante estável. Mas, face às evidências de fadiga

pandémica, face aos problemas com centenas de milhares de jovens que estão e estiveram confinados durante

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meses, não nos diz se foi reforçado o número de psicólogos nas escolas, se foi necessário fazer uma intervenção

mais direta, se existem programas de prevenção da saúde mental de crianças e jovens.

No que diz respeito aos transportes públicos, a estabilidade do quadro normativo leva o Governo a afirmar

que «a oferta de transporte público continua a dar resposta adequada às necessidades de mobilidade das

pessoas». Ora, este é um tema que Os Verdes fazem questão que seja analisado, porque não basta atirar com

os números de Lisboa e Porto — e mesmo esses não encaixam com as carruagens apinhadas em hora de

ponta, pois existem muitas localidades em que a única garantia de transporte público é a escola em regime

presencial. E, mais uma vez, temos uma «pescadinha de rabo na boca»: se não há oferta, não haverá procura

e, se assim for, o argumento da falta de procura estará sempre atual.

Terceiro exemplo: os números da violência doméstica também deveriam constar deste relatório, pois a

obrigatoriedade de permanência em casa, durante mais horas, de vítimas e agressores, num momento de

saturação, quando é mais difícil pedir ajuda e sair dessa espiral de medo, trouxe problemas que claramente

saem da estabilidade normativa. E ainda é mais difícil para os mais idosos que sofrem de violência doméstica

em silêncio, presos nas suas próprias casas, porque são uma população mais vulnerável à doença.

O problema, Sr. Ministro, é que são apenas três exemplos dos muitos que poderíamos dar. Estabilidade

normativa significa instabilidade na vida de muitos portugueses.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do PAN.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo aqui

presentes: O período a que reporta este relatório aponta para uma tendência decrescente de novos casos, à

exceção da Região Autónoma da Madeira, apesar de sabermos hoje que está já a haver uma inversão desta

tendência, de acordo com a recente reunião do Infarmed (Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de

Saúde).

Na quinzena em questão, o R(t) médio era bastante abaixo dos valores atuais, na ordem do 1,05%.

Analisados os casos de infeção notificados nesse período, volta a verificar-se que a maioria era do sexo feminino

e com menos de 50 anos. Esta tem sido uma constante nos últimos relatórios, para a qual já alertámos no

sentido de serem identificadas as possíveis causas e, consequentemente, pensadas medidas de ação mais

eficazes a adotar.

E, falando no caso do género feminino, também não podemos deixar de sublinhar que este relatório se cruza

com o relatório apresentado ainda há poucas horas pelo UNFPA (Fundo das Nações Unidas para a População)

relativamente à violência contra mulheres, pois a violência doméstica, como acabou de referir a Sr.ª Deputada,

é, sem dúvida, um flagelo que, mais uma vez, não é referido nas linhas do relatório. Era fundamental

percebermos em que medida é que esta crise — da COVID-19 e socioeconómica — está a afetar esta dimensão.

Relativamente aos dados que constam do relatório e às faixas etárias que são atingidas, não podemos deixar

de destacar que, hoje, os casos de infeção na faixa etária dos 0 aos 9 anos atingem já um total de cerca de 45

000, um valor muito superior ao que tem sido registado nestas idades, o que, em nosso entender, também é

bastante preocupante, aliás, mais preocupante ainda num período em que se preparou o regresso às creches e

às atividades presenciais da educação pré-escolar e do 1.º ciclo do ensino básico.

Apesar dos alertas para a importância da testagem, continuou a verificar-se uma total incapacidade de

testagem prévia, nomeadamente dos profissionais de educação, testagem, essa, que veio somente a ter lugar

já no decurso das atividades letivas, e não previamente. Aliás, a atividade do Sistema Nacional de Intervenção

Precoce na Infância continuou a ser desenvolvida, mas veio espelhar mais uma vez as fragilidades de

funcionamento do sistema naquilo que respeita, por exemplo, aos recursos humanos suficientes para dar

resposta útil e atempada a todas as crianças.

Os dados de que dispomos, a este tempo, desta crise sanitária, tornam também bem visíveis as dificuldades

de resposta no acolhimento de crianças e jovens.

Além dos parcos recursos humanos, os profissionais desta área têm-se debatido com baixos salários, um

elevado desgaste emocional e uma grande rotatividade. Mas nem os jovens, nem os profissionais receberam

qualquer tipo de apoio, incluindo a nível de saúde mental. Sabemos que, para dar resposta a estas preocupantes

lacunas, foram contratados alguns recursos humanos. Contudo, estes recursos assentam, sobretudo, não na

contratação de profissionais, mas, mais uma vez, no voluntariado, o que não se coaduna, de todo, nem com as

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necessidades específicas e especializadas deste tipo de respostas à população, nem com aquele que deve ser,

no nosso entender, o investimento mais profundo a realizar nesta área.

Ora, Sr.as e Srs. Deputados, neste contexto absolutamente inédito no nosso tempo, que nos obrigou a dois

confinamentos e à adoção de um conjunto de medidas altamente restritivas dos direitos, liberdades e garantias,

não nos esqueçamos de que a saúde pública nunca mais poderá ser entendida como uma questão apenas

intranacional ou como uma questão menor e que é fundamental que, neste desconfinamento, saibamos dar

respostas mais eficazes e robustecidas, para não cometermos os erros do passado e não voltarmos à estaca

zero, de onde começámos.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa, do Grupo

Parlamentar do CDS-PP.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados:

Discutimos hoje o relatório de há um mês, de 2 a 16 de março, como disse o Sr. Ministro da Administração

Interna, na abertura do debate, na altura em que o País ainda estava em confinamento, e os números que nele

vêm refletidos permitiram, precisamente, apresentar, no dia 11 de março, o plano de desconfinamento a conta-

gotas, como assim foi chamado.

Já tínhamos dito antes, mas aplica-se, por maioria de razão, ao período em análise, que esse seria o

momento certo para fazer a preparação do desconfinamento. E, se olharmos para algumas das variáveis, elas

deixam-nos matéria de preocupação com o que vemos no presente, desde logo, quanto à capacidade de

testagem.

Entre 2 e 14 de março, diz o relatório que se realizaram, em média, cerca de 23 000 testes por dia. A testagem

vinha a decrescer desde o final de janeiro e, claro, o facto de estarmos em confinamento explica parte dessa

redução. O problema é que hoje, já quase um mês depois do desconfinamento, e com uma norma da DGS

(Direção-Geral da Saúde) mais abrangente, do ponto de vista da testagem, continuamos sensivelmente com o

mesmo número de testes PCR (polymerase chain reaction), ou seja, 23 000 testes diários. Este parece-nos um

dado preocupante.

Claro que, agora, temos os testes em massa, os testes de antigénio, que têm picos pontuais de 30 000 testes

por dia, mas também sabemos que é uma testagem artificial, embora necessária, no sentido em que não cumpre

um critério clínico, é um varrimento.

E temos, também, os testes de autoaplicação, matéria que já foi objeto de grande discussão entre mim e a

Sr.ª Ministra da Saúde, em Comissão de Saúde, que foram aprovados exatamente neste período, no dia 10 de

março. Sabemos que já foram distribuídos, para venda, 100 000 destes testes e que houve 114 reportes

positivos, mas isto diz-nos muito pouco. Não sabemos qualificar essa informação, porque não sabemos

exatamente quantos foram vendidos, quantos foram aplicados e onde está a plataforma prometida, que estaria

no site da DGS, para fazer exatamente essa verificação.

Temos, agora, como também já aqui foi dito — e surgiu ontem na reunião do Infarmed como um facto —, um

crescimento do número de casos de contágio nas faixas etárias entre os 0 e os 9 anos, mas, nas escolas,

continuamos a testar só os adultos e, para a semana, testaremos os alunos do secundário, mas os testes de

antigénio em varrimento, segundo a norma da DGS, não cobrem os alunos da mesma forma.

Se temos, em desconfinamento, os mesmos testes PCR que tínhamos em confinamento, pergunto se não

fará sentido rever a estratégia de testes, como forma de um desconfinamento seguro.

Uma última palavra para os apoios à economia, em particular no setor da cultura.

Entre 2 e 14 de março tinha passado mais ou menos um mês do anúncio, pela Sr.ª Ministra da Cultura e pelo

Sr. Ministro da Economia, do programa de apoios Garantir Cultura. A verdade é que foi preciso esperar mais um

mês, depois do fim deste relatório, para que o acesso ao Garantir Cultura fosse aberto.

Quando avaliamos estados de emergência, também verificamos que a emergência, levada à letra, neste tipo

de apoios deixa muito a desejar.

O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra, pelo Grupo Parlamentar do PCP, o Sr. Deputado António Filipe.

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O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Sendo este, como

dizia, há pouco, o Sr. Ministro da Administração Interna, o 19.º período de estado de emergência que é objeto

de relatório e, obviamente, de apreciação de relatório, difícil se torna encontrar propriamente grandes novidades

para trazer ao debate, a não ser procurar fazer um ponto da situação quanto ao período a que se reporta o

relatório e, de certa forma, ao período que estamos a atravessar.

Discutiremos a seguir, a propósito da renovação da autorização do estado de emergência, o que se espera

para o futuro próximo. Agora, fazemos o balanço daquilo que atravessámos. E importa, a este respeito, referir

que, obviamente, estamos hoje numa fase muito menos aflitiva do que aquela que vivemos há pouco tempo, em

que atingimos um número elevado de vítimas mortais e de infetados, com uma pressão sem precedentes sobre

o Serviço Nacional de Saúde.

Felizmente, essa situação está hoje ultrapassada e estamos agora num momento em que, efetuada uma

grande recuperação relativamente à situação pior por que passámos, vivemos um período de alguma

estabilização, mas também difícil, em que, apesar de tudo, se continuam a registar, diariamente, vítimas mortais

e algumas centenas de casos, com dificuldade em passar para uma fase de maior recuperação e que permita

uma maior confiança no futuro próximo.

Importa referir que aquilo que é fundamental, no momento presente, é intensificar um grande esforço de

testagem, consolidar a capacidade do Serviço Nacional de Saúde para conciliar as exigências que decorrem da

resposta à epidemia com a recuperação das demais valências e não regatear os apoios a quem deles precisa.

As consequências sobre a economia portuguesa, sobre as economias familiares de centenas de milhares de

pessoas, neste País, foram e estão a ser dramáticas, pelo que não se compreendem as reticências do Governo

em apoiar aqueles que mais carecem de apoio, sobretudo quando isto ocorre numa sociedade portuguesa

extraordinariamente fragilizada, ainda assente, sobretudo, em baixos salários, como um relatório ainda muito

recente veio demonstrar à saciedade.

Mas há um ponto que temos de referir, que é o seguinte: estamos neste momento a assistir, com alguma

incredulidade, a uma guerra entre as gigantes farmacêuticas relativamente à credibilidade das vacinas. Este é

um problema gravíssimo, no que diz respeito à confiança das pessoas numa questão essencial, que é a

vacinação, aliás, essencialíssima para conseguir superar esta pandemia.

A situação a que estamos a assistir, em que as gigantes farmacêuticas se digladiam, usando os seus lobbies

na comunicação social para denegrir as vacinas da concorrência, está a causar prejuízos, porventura,

irreparáveis na credibilidade da vacinação a uma escala planetária.

A União Europeia (UE) está a revelar-se um fracasso enorme na sua estratégia de aquisição de vacinas e

Portugal, ao deixar-se ficar inteiramente nas mãos da União Europeia, está a deixar-se arrastar…

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço-lhe para concluir.

O Sr. António Filipe (PCP): — Vou terminar, Sr. Presidente.

Como dizia, Portugal, ao deixar-se ficar inteiramente nas mãos da União Europeia, está a deixar-se arrastar,

e isto tem consequências gravíssimas para as quais ainda não vimos a necessária resposta da parte do poder

político.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Moisés Ferreira, do Grupo Parlamentar do Bloco de

Esquerda.

O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Nas últimas

semanas e no período a que este relatório faz referência, o Governo continuou a «marcar passo» no que toca à

pandemia e às medidas fundamentais de combate à pandemia. Dou três exemplos.

Todos sabemos que, por cada dia que passa, a pobreza e a desigualdade aprofundam-se neste País, mas

o Governo decidiu abrir uma guerra pública — veja-se! — para impedir o aumento de apoios sociais a quem

está a perder tudo com a pandemia. «Marcar passo» no combate à pandemia é exatamente isto! Mas isto não

se fica apenas por essa recusa do Governo e do Partido Socialista em aumentar os apoios sociais, enfim, depois

de já não ter executado o Orçamento em 2020, depois de ter apresentado um mau Orçamento para 2021, que

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toda a gente sabia que não iria responder às necessidades do País em plena crise social, económica e sanitária,

isto não se fica apenas pelo combate à pobreza e à desigualdade, verifica-se, por exemplo, nos testes.

Portugal posiciona-se, neste momento, como um dos países da União Europeia que menos testa a

população, mas, se calhar, para compensar, é um dos países em que o Governo mais anuncia que vai testar a

população de forma massificada. Veja-se: soubemos recentemente de alguns aumentos de incidência em alguns

concelhos e ouvimos o Primeiro-Ministro anunciar que, face a esse aumento de incidência, se calhar, ligado a

atividades como a construção civil, a agricultura, etc., o Governo iria proceder a uma testagem massificada. O

problema é que, no início de fevereiro, a Sr.ª Ministra da Saúde já tinha anunciado que se iria proceder a essa

testagem massificada, nomeadamente em atividades económicas que nunca tinham parado, designadamente

essas duas, a agricultura e a construção civil. Ora, pelos vistos, o anúncio não se concretizou e, portanto, foi

necessário o novo anúncio. Vamos lá ver se, a partir de agora, se concretiza.

Mas também no que toca às vacinas se tem mostrado e sentido muito a política de «marcar passo» do

Governo em relação à pandemia.

Nós temos defendido que é preciso aumentar a produção e a distribuição de vacinas. O Governo não tem

defendido o mesmo. Por exemplo, na última reunião da Organização Mundial do Comércio alinhou com os

países que recusaram o levantamento das patentes, dizendo que levantar as patentes não resolve o assunto,

porque não há capacidade de produção mundial. Não é verdade! Não é verdade! Houve um bloco de 110 países

na Organização Mundial do Comércio que disse que é preciso levantar as patentes, para partilhar a tecnologia,

para termos acesso à tecnologia, e há países que podem aumentar a produção, que podem produzir e que,

neste momento, não conseguem, porque, efetivamente, existem patentes a barrar a partilha de informação por

um bem que deve ser um bem comum. Portugal alinhou com a estratégia de manter as patentes, de manter o

secretismo sobre a tecnologia e, por isso, de estrangular a produção de vacinas.

O Sr. Presidente: — Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Termino, com uma pergunta, Sr. Presidente, se me permite, em 5 segundos.

O Sr. Presidente: — Tem de ser muito rápido, Sr. Deputado.

O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Serei muito rápido, Sr. Presidente.

Uma fonte do Governo italiano disse hoje existir um acordo entre vários países da União Europeia para deixar

de utilizar a vacina da AstraZeneca.

Portugal está, neste momento, na Presidência da União Europeia e, portanto, acho que era importante que

a Sr.ª Ministra da Saúde, aqui, no Plenário, dissesse se há esse acordo e se Portugal vai deixar de usar esta e

outras vacinas.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, pelo Grupo Parlamentar do PSD, o Sr. Deputado Eduardo Teixeira.

O Sr. Eduardo Teixeira (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Discute-

se hoje, nesta Câmara, o Relatório sobre a aplicação do estado de emergência na primeira quinzena de março,

um documento sempre importante, porque contém informação muito relevante sobre as medidas de combate à

pandemia de COVID-19, mas também um relatório bem esclarecedor, porque a todos permite comparar a

propaganda do Governo com a trágica realidade das políticas socialistas.

A testagem é, infelizmente, um claro exemplo dessa diferença entre o anunciado e o concretizado.

Com efeito, em fevereiro passado, a Sr.ª Ministra da Saúde garantia que o Governo iria avançar com testes

em massa no combate a esta pandemia. Mas o que o relatório que hoje apreciamos revela é que, na primeira

quinzena de março, de facto, a média diária de testes foi de apenas 23 000, um número não só irrisório, como

muito aquém da testagem mínima necessária para se conter a transmissão da COVID-19.

A este respeito, consideramos, aliás, grave que o atual processo de desconfinamento, iniciado no passado

mês, não tenha sido alicerçado num programa de testagem generalizado, em particular no meio escolar — nos

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professores e no pessoal não docente —, mas também em todos os trabalhadores que atendem o público em

serviços essenciais, como nos transportes, nas repartições públicas, na construção civil, nos supermercados e

em muitos outros que, para o bem comum, têm de desempenhar o seu trabalho presencial, imprescindível para

que Portugal não paralise totalmente.

A testagem continua a ser crítica, para mais num contexto em que a campanha de vacinação da população

não está ainda a processar-se com a rapidez desejável e em que o País ainda está longe de atingir a tão

necessária imunidade de grupo.

Passados quatro meses do início da vacinação, só apenas 6% da nossa população está imunizada. Pouco,

muito pouco, para a proteção coletiva necessária.

Qualquer processo de desconfinamento deve ser acompanhado de um reforço efetivo da testagem e da

vacinação, mas também de um maior controlo do índice de transmissibilidade do vírus, não só internamente

como em termos de vigilância das nossas fronteiras, terrestres e marítimas, e nos aeroportos, pelo risco de

importação de novos casos das variantes mais perigosas da doença.

Para o PSD, o grave problema de saúde pública que enfrentamos não pode fazer esquecer a brutal crise

económica em que a pandemia nos fez mergulhar. Importa, por isso, que o Governo reforce também,

obrigatoriamente, os apoios sociais e a proteção das nossas empresas, as quais são verdadeiramente

fundamentais para a recuperação de que o nosso País tanto necessita.

Para o PSD, governar é servir Portugal e não navegar em «águas safas e com ventos de feição», como

referiu o nosso Primeiro-Ministro das «vacas voadoras».

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Matos.

O Sr. Miguel Matos (PS): — Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr.as e Srs. Deputados: Há 13 meses, a pandemia

obrigou-nos a confinar. Já perdemos 16 923 vidas e já tivemos 828 000 casos, o que significa que, praticamente,

um em cada 10 portugueses já teve COVID.

Como em todas as pandemias, esta teve vagas que nos permitiram desconfinar para, depois, nos obrigar a

confinar de novo. Não podemos permitir que este desconfinamento seja uma prequela a uma nova vaga, a um

novo confinamento.

Esta é uma responsabilidade de todos nós. E bem sabemos que é uma responsabilidade pesada, porque

chegámos a este mês de abril cansados. Todos queremos trocar as reuniões via Zoom por um copo numa

esplanada ou trocar o sofá por um passeio, enfim, todos queremos voltar a abraçar os nossos pais e avós.

Se nestes dias começámos a desconfinar foi graças ao empenho de todos para cumprirmos as regras

sanitárias e combatermos o vírus.

Aplausos do PS.

É hora, pois, de voltarmos a agradecer a todos os portugueses, aos profissionais de saúde, aos profissionais

dos serviços essenciais. Mas a experiência já nos ensinou que há ainda muita estrada para andar e a gente vai

mesmo continuar. E se a descoberta da vacina nos dá esperança de que a estrada pode ser mais curta, não

podemos, agora, deitar a perder o nosso esforço, pondo marcha-atrás. Não podemos dar razão a quem confunde

liberdade com libertinagem. Devemos gozar a liberdade, sabendo que, a cada pessoa que convidamos para

uma esplanada, abrimos uma rede de contágio cada vez maior, que, em última instância, pode chegar àqueles

que mais amamos e a quem ainda não foi vacinado.

Por isso, as pessoas precisam da nossa responsabilidade e da nossa proteção. E não é só às pessoas que

devemos pedir responsabilidade; nesta Casa, também temos de honrar a expressão «responsáveis políticos».

Isso implica reconhecer, Srs. Deputados, que o confinamento funciona, que o estado de emergência salva vidas,

que a vacina é segura, que a demora é em toda a Europa — e cabe-nos dizê-lo para que não somemos à

tragédia da pandemia a desgraça da ignorância ou da desinformação.

Mais, implica assumirmos responsabilidade sobre os 63 000 jovens que perderam o seu emprego; sobre os

estudantes que precisam de recuperar aprendizagens; sobre as empresas que se encontram descapitalizadas,

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depois de um esforço hercúleo para segurarem a economia e o emprego; sobre os mais desprotegidos, que

importa, como, aliás, temos feito, continuar a apoiar; sobre toda a saúde, e sim, Sr.ª Deputada Mariana Silva,

sobre a saúde mental, cujas verbas foram reforçadas neste Orçamento do Estado.

Esta é uma responsabilidade sem prazo de validade e que deve continuar após o início do desconfinamento

e até recuperarmos os rendimentos e os empregos.

Esta é uma responsabilidade solidária e que não esquece a grande lição desta pandemia: ao contrário do

que dizia Margaret Thatcher, vivemos, sim, em sociedade, os nossos atos refletem-se nos outros, os problemas

dos outros são os nossos problemas, e, por isso, as soluções para esta pandemia e para todos os problemas

precisam de ser mesmo soluções de todos e para todos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para encerrar este ponto, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Saúde, Marta Temido, que

aproveito para cumprimentar.

A Sr.ª Ministra da Saúde (Marta Temido): — Muito obrigada, Sr. Presidente.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O primeiro aspeto que quero destacar é que foi o esforço brutal,

realizado por todos os portugueses, que permitiu que, neste período de estado de emergência, cujo relatório

hoje aqui apresentamos, se abrisse a perspetiva de se iniciar uma estratégia de desconfinamento.

Em relação ao período que hoje analisamos, vale a pena sublinhar que foi possível que o número acumulado

de casos confirmados da doença decrescesse; foi possível que o risco de transmissão da infeção se situasse,

no final do período, em 0,86; foi possível que o número de internamentos e casos recuperados tivesse uma

diminuição expressiva e que o número de recuperados aumentasse em 5%; e foi possível, também, que as

novas variantes confirmadas fossem sustidas e que a taxa de positividade regredisse para valores na ordem

dos 2,6%.

Mas, mais importante do que isso, foi o facto de, através destes resultados, que se devem a um esforço,

repito, de todas e todos os portugueses, ter sido possível abrir as portas a uma estratégia de desconfinamento

progressivo, que assentou na manutenção de um conjunto de medidas de saúde pública, e estamos hoje cientes

de que não poderemos abandoná-las, mas que é complementado por um conjunto expressivo de outros meios,

desde logo o recurso aos testes para deteção da SARS-CoV-2.

Não é verdade que Portugal esteja nos últimos lugares em relação ao número de testes/100 000 habitantes.

Não é verdade! Não é verdade!

Aplausos do PS.

Não é verdade! Os gráficos mostram-no bem.

A oradora exibiu um gráfico.

Como é que podemos pedir aos outros que confiem em nós se dizemos mentiras?! Não é verdade!

Aplausos do PS.

O Sr. André Ventura (CH): — Essa tem graça!

A Sr.ª Ministra da Saúde: — Portugal decresceu no número de testes de diagnóstico para SARS-CoV-2,

porque, tendencialmente, o número de testes acompanha a infeção.

Temos procurado inverter essa tendência com uma estratégia de rastreio e, para quem está distraído,

realizámos testes a todos os professores que têm regressado ao ensino.

E, Sr.as e Srs. Deputados, peço a vossa atenção, porque, penso, têm andado distraídos e, aliás, alguns até

perguntaram o que temos feito relativamente aos testes em comunidade escolar.

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Fizemos mais: de acordo com uma diretiva da Direção-Geral da Saúde, alargámos os testes aos alunos e,

quando é identificado um caso suspeito, esses testes são feitos não só à comunidade escolar mas também aos

discentes.

Aplausos do PS.

Alargámos, inclusivamente, a proteção social a estas pessoas, indiretamente, na medida em que, ao serem

sujeitas a isolamento profilático, estão também protegidas. Não é isto proteção social? Não é isto que reclamam?

Não é isso que se pede? Penso que sim!

Aplausos do PS.

Esta é, Sr.as e Srs. Deputados, a melhor forma de proteger a economia. É garantir que as pessoas continuam

saudáveis e que podem regressar às suas vidas, porque, penso, é isso que todos querem.

Também sabemos que, hoje, beneficiamos no mercado de novas tipologias de testes e, por isso, abrimos o

mercado aos autotestes, mas abrimos, sobretudo, a nossa capacidade de vacinar em massa e de continuar a

aplicar uma ampla campanha de vacinação — bem mais de 2 milhões de pessoas já levaram a primeira

inoculação —, que temos de conseguir desenvolver e implementar sem que soframos, naturalmente, o impacto

de decisões que são técnicas e que são tomadas por agências europeias, nas quais confiamos e que

respeitamos.

Portanto, Sr.as e Srs. Deputados, o que quero sublinhar, hoje, é que é a ciência que continua a governar a

forma como lutamos contra esta pandemia e acreditamos que o falar verdade faz parte da ciência mais

elementar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos entrar no segundo ponto da nossa ordem do dia, que consiste

no debate sobre o pedido de autorização de renovação do estado de emergência.

Para abrir o debate, tem a palavra a Sr.ª Deputada Susana Amador, do Grupo Parlamentar do PS.

A Sr.ª Susana Amador (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Todos

desejamos que esta seja a última renovação do estado de emergência, para que possamos recuperar a plenitude

do exercício dos nossos direitos e liberdades. Que Abril possa ter, efetivamente, aroma de Abril! Todos

aspiramos a um «Abril de sim», a um «Abril inteiro», a um «Abril em festa»!

Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde declarou que a crise da COVID-19 é uma

pandemia. Treze meses depois, continuamos a lutar para vencer esse vírus e todas as suas múltiplas sequelas

físicas, psicológicas e sociais.

A crise pandémica trouxe consigo um tsunami de sofrimento, atingiu em particular os mais vulneráveis em

todas as geografias e aprofundou as desigualdades estruturais, tal como alerta o Global Risks Report 2020, do

Fórum Económico Mundial.

Assistimos a violações aos direitos humanos e a ameaças às liberdades e garantias na sequência do

crescendo de derivas populistas e autoritárias em diversas regiões. Os migrantes e refugiados têm sido, em

particular, as vítimas preferenciais dessas narrativas.

As pessoas e os seus direitos têm de constituir a prioridade absoluta neste tempo de pandemia, como disse

o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, não podendo ninguém ser deixado para trás.

É com esse imperativo em mente, Sr.as e Srs. Deputados, que, em Portugal, se tem vindo a reforçar o Estado

social. Sublinhe-se que nesta severa crise no nosso País este tem sido central na salvaguarda da coesão social,

tendo o SNS, a escola pública e a segurança social sido o cais de confiança e esperança de milhões de

portugueses. Nunca desistimos dos portugueses!

Desde que Portugal foi atingido pela COVID-19, em março do ano passado, o Governo já despendeu 3,4 mil

milhões de euros em apoios sociais, incluindo isenções e dispensas contributivas.

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Num esforço hercúleo de mobilização, a segurança social apoiou mais de 2,1 milhões de cidadãos e 172 000

empresas.

Aplausos do PS.

O layoff simplificado chegou a cerca de 1 milhão de trabalhadores. Nunca desistimos dos trabalhadores!

A verdade é que, tal como evidencia o estudo ontem divulgado da Comissão Europeia, sem apoios sociais

aos cidadãos e às empresas, o desemprego teria sido 20 vezes pior em Portugal. Em vez de mais 11 000

desempregados, Portugal estaria a braços com mais 250 000 pessoas sem trabalho. Não é o caso. Não

desistimos de Portugal e dos portugueses!

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Tal como se previa, o plano de vacinação e toda a logística nacional

montada, com importante suporte autárquico, tem desempenhado um papel central na preservação de vidas

humanas, tem sido determinante na redução da mortalidade e dos internamentos por COVID-19, na redução

dos surtos, sobretudo nas populações mais vulneráveis, e na minimização do impacto da COVID-19 no sistema

de saúde e na sociedade.

Neste período que atravessamos, a situação epidemiológica tem evoluído favoravelmente e atingimos, a

nível de internamentos e ocupação de camas de cuidados intensivos, uma descida continuada, que retirou a

elevada e dramática pressão sobre o SNS e os seus resilientes profissionais, que nunca é demais saudar.

Igualmente relevante é o número de recuperados — quase 790 000 recuperaram da doença, fruto do nosso

SNS, que todos os dias salva vidas — e a redução expressiva do número de óbitos por COVID-19, que

desejamos reduzir a zero, porque, neste domínio, já chega de «Abril que dói» em Portugal e no mundo, onde já

se perderam quase 3 milhões de vidas.

Contudo, a evolução do R(t) e da taxa de incidência revelam, de acordo com o relatório semanal do Instituto

Doutor Ricardo Jorge, uma tendência crescente de novos casos, situação que carece de redobrada atenção

para efeitos da 3.ª fase do plano de desconfinamento, que foi ontem analisada na reunião do Infarmed.

Não obstante termos agora aliados preciosos e determinantes para o controlo da doença, como o avanço do

plano de vacinação — há mais de 2 milhões de vacinas administradas e 90% dos idosos com mais de 80 anos

inoculados com a primeira dose, além de uma testagem em grande volume a atingir mais de 9,3 milhões de

testes e uma melhor monitorização —, mantêm-se razões fundadas para que se renove a declaração do estado

de emergência, numa lógica calibrada de precaução com sucessivo aliviar das restrições, um estado de

emergência que continue sempre a salvar vidas também.

A estratégia de desconfinamento que foi aprovada no Conselho de Ministros é gradual, progressiva e de

ritmo lento e têm de se ir adequando as medidas proporcionalmente às situações epidemiológicas, impondo-se

sempre, como disse o Sr. Presidente da República, «acautelar os passos a dar no futuro próximo».

Urge, assim, Sr.as e Srs. Deputados, uma procura ativa das fontes de transmissão. Por isso, há que continuar

a rastrear e a vacinar em massa, de forma fluida, sendo muito importante a meta, anunciada pela task force, de

termos toda a população com mais de 60 anos vacinada no início de junho, mas exige-se, em paralelo, uma

cultura persistente de prevenção, que começa em cada um de nós.

Para terminar, destacamos ainda, ao longo de todo este período, o envolvimento do Parlamento, dos partidos

e seus líderes, o escrutínio permanente de medidas e a constante fiscalização parlamentar, porque a democracia

tem estado sempre viva, atenta e robusta, porque aqui, nesta Câmara, é sempre «Abril por fora e Abril por

dentro».

Temos de vencer este vírus em conjunto, advogando uma campanha global de vacinação, reforçando os

instrumentos europeus em matéria de política de saúde, potenciando um mecanismo europeu de resposta à

saúde e implementando o Plano de Resiliência com sucesso, para sairmos fortalecidos desta crise pandémica,

com uma sociedade mais verde, mais justa e mais digital.

Só assim poderemos ver «Abril de Abril vestido (Abril tão verde)», «Abril de ser», «Abril de sim».

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra o Sr. Deputado Luís Leite Ramos, do Grupo Parlamentar do PSD,

para uma intervenção.

O Sr. Luís Leite Ramos (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados:

Debatemos e votamos hoje, neste Parlamento, mais uma renovação do estado de emergência, a 15.ª.

Não há, seguramente, ninguém que esteja satisfeito com o objeto deste debate e com as limitações a que o

mesmo pode conduzir, mas temos de continuar resilientes, como estão a ser os portugueses. E, hoje, a minha

primeira palavra é para eles.

Sem desmérito para quem está na linha da frente, e que legitimamente tem sido sempre aqui recordado, hoje

quero agradecer aos portugueses que corajosamente têm conseguido gerir o seu dia a dia, ajustar as suas

rotinas, organizar-se entre os seus diferentes papéis, com dificuldade, mas sem esmorecer.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Muito bem!

O Sr. Luís Leite Ramos (PSD): — Quero agradecer aos portugueses que respeitam as normas e que

continuam a permitir que a sua liberdade seja condicionada por um bem maior e de todos; aos portugueses que

sacrificam, tantas vezes, o seu bem-estar e o tempo com as suas famílias para ajudar os outros; aos portugueses

que não desistem de lutar, mesmo quando os números são negros, as notícias são más e, no horizonte, paira

uma enorme nuvem de incerteza.

A todos os portugueses temos de dizer: «Obrigado!»

E a eles devemos explicações e garantias; a eles devemos o nosso melhor desempenho, a nossa maior

capacidade para tomar as decisões certas, para fazer as escolhas ajustadas, sem ponderações de mais nenhum

tipo nem objetivos paralelos que não sejam a superação desta pandemia e a recuperação económica, social e,

sobretudo, anímica da nossa sociedade.

Não podemos responder ao esforço com falta de clareza, com avanços e recuos, com impreparação e

amadorismos. Temos de responder com responsabilidade e confiança, certos de que o caminho que tomamos

é o que melhor serve Portugal e os portugueses.

É por isso que o PSD tem votado favoravelmente as propostas do Sr. Presidente da República para a

instituição do estado de emergência e sempre deu espaço ao Governo para governar.

Responsavelmente, sabemos que nada de bom viria para Portugal se, a uma crise de saúde pública com

gravíssimas consequências sociais e económicas, se juntasse uma crise política. Poderia ser o mais útil para o

partido, mas nunca foi opção. Para nós, os portugueses estiveram e estão sempre primeiro lugar.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Muito bem!

O Sr. Luís Leite Ramos (PSD): — Assim, a estabilidade política é o que melhor poderá servir-lhes neste

momento. Apostámos, por isso, nessa estabilidade pela promessa de um Governo responsável e ativo, solidário

e presente, assertivo e coerente.

Mas, infelizmente, não é a isso que temos assistido. A degradação dos serviços públicos tem sido flagrante

no último ano. Existe uma pandemia, é um facto, mas tudo o resto não parou — ou não devia ter parado, como

não parou nos outros países.

Como se explica que Portugal não tenha tomado uma só medida de fundo para compensar o impacto do

encerramento das escolas nas aprendizagens dos alunos, quando 86% dos países da OCDE (Organização para

a Cooperação e Desenvolvimento Económico) o fizeram?

Tivemos dois confinamentos gerais. Se, no primeiro encerramento das escolas, esta omissão poderia ter sido

tolerável, num segundo confinamento, esta atitude é negligência pura.

Como se explica que os alunos do secundário que querem fazer exames de melhoria de nota estejam, pelo

segundo ano consecutivo, impedidos de o fazer?

A Sr.ª Lina Lopes (PSD): — Muito bem!

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O Sr. Luís Leite Ramos (PSD): — No primeiro ano, poderiam ter alegado problemas de logística. Agora, só

se pode alegar preguiça, desleixo e impreparação.

Aplausos do PSD.

Que geração seria esta se dependesse apenas do que o Governo faz por ela? Uma geração insuficiente.

Uma geração que não cumpre os mínimos. Uma geração perdida, que jamais estaria em condições de competir

ao nível das restantes comunidades educativas internacionais.

Felizmente, não é isso que temos. Ao contrário de quem gere a tutela, temos uma geração enérgica, segura,

com garra e vontade de se superar, a si e às circunstâncias. Temos uma geração apoiada por uma comunidade

de excelência, a quem fazemos uma vénia e que merece muito mais do que o poucochinho que lhe calhou e as

migalhas que lhe são dadas, mas que, com tão pouco, fez tanto.

Aplausos do PSD.

Os pais, os alunos e os professores são quem deu verdadeiras lições de aprendizagem a este Governo. À

sua maneira, foram gerindo, caso a caso, a melhor forma de responder às dificuldades.

Neste navio sem capitão, todo o futuro de uma geração está nas mãos da boa vontade dos marinheiros, do

seu brio profissional, do seu empenho, porque, mesmo sem as condições que lhes prometeram, usando os seus

meios próprios e sacrificando a sua vida pessoal, os professores deram o seu melhor para gerir a distância e a

mentira. Foram enganados, como fomos todos nós, que acreditámos em promessas vãs, números ocos e datas

que foram sempre sendo adiadas: na contratação de assistentes operacionais, na compra e distribuição de

computadores, etc., etc., etc.

Hoje, devemos a muitos professores e pais os sacrifícios que fizeram para que os alunos não estagnassem.

Será muito injusto que o Estado não lhes reconheça esse mérito e não se responsabilize pelas suas falhas

monumentais na educação.

Corre, neste setor, uma pandemia paralela, um vírus de ineficácia, insuficiência e degradação, que, se não

for rapidamente isolado — porque identificado já está —, poderá correr o risco de se propagar. E esse, sim,

pode levar décadas a erradicar, como as décadas de construção que já destruiu.

Para concluir, Sr. Presidente, esperemos que este estado de emergência seja um estado de transparência e

de respeito, porque os portugueses merecem do Governo essa atitude. Já deram tudo o que tinham, já

confiaram, já cederam, já permitiram que lhes fosse limitada toda a liberdade; agora, querem ajuda para se

reerguer e seguir em frente, com confiança, com rumo e sem recuos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, do Grupo Parlamentar do Bloco de

Esquerda, para uma intervenção.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O

País está em processo de desconfinamento e a pergunta que se faz, neste momento, à Assembleia da República

é no sentido de saber se este processo de desconfinamento precisa ou não de um novo estado de emergência.

Sabemos a opinião do Sr. Presidente da República: entregou um decreto igual, ipsis verbis, ao anterior,

pedindo a declaração do estado de emergência. Olhando para o País e para o plano que o Governo apresentou,

percebemos que este estado de emergência, se for implementado, de facto, será o último necessário dentro do

quadro que levou à criação e à implementação do atual plano de desconfinamento.

Por isso, da parte do Bloco de Esquerda, nunca negámos, no passado, e não negamos, agora, a necessidade

do estado de emergência, mas cremos que é justo e devido dizer que este é o último de que, nesta fase, o País

precisa.

Sabemos que o horizonte tem algumas nuvens, às quais não podemos deixar de prestar atenção. O número

de novos casos continua a teimar em não descer, mas é um facto que os serviços de saúde, as unidades de

cuidados intensivos e os internamentos estão hoje muito melhor do que estavam há algum tempo.

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Se o Governo escolheu ter um mapa com o R(t) e a incidência por 100 000 habitantes como variáveis

principais para avaliar a evolução do desconfinamento, creio que aquilo que, desde o início, se disse ao País,

no sentido de ser necessário achatar uma curva para que o SNS não falhasse, é a única bitola perante a qual

devemos ter uma resposta.

Ora, essa bitola diz que, felizmente, o País está hoje numa situação que permite desconfinar e, se assim é,

este estado de emergência deve ser o último, pois não o devemos banalizar. A banalização do estado de

emergência é algo que uma democracia não pode aceitar e creio que esse é o repto que, hoje, o Parlamento

também deve deixar, quer ao Sr. Presidente da República, quer ao Governo.

Mas, tendo viabilizado os anteriores estados de emergência, o Bloco de Esquerda fê-lo sempre com um

sentido crítico, porque dizia que o País não poderia ficar para trás perante aquilo que o Governo estava a

executar — e tantas vezes o Governo não soube estar à altura das necessidades do País.

Ainda hoje, a Sr.ª Ministra não escondeu os números que são incontornáveis: o País testa menos do que

deveria testar. Se, hoje, há novas variantes que nos ameaçam o futuro, elas poderiam estar mais contidas, caso

o plano de testagem fosse mais massivo do que aquilo que está a ser implementado.

Sabemos das dificuldades da vacinação e como tantas dessas dificuldades têm sido criadas também por

escolhas políticas, que continuam a deixar aos gigantes das multinacionais farmacêuticas todo o lucro e todo o

poder sobre as patentes.

Quando Portugal está à frente do Conselho da União Europeia, quando Portugal tem uma voz que, no espaço

europeu, pode e deve ser escutada, Portugal falha ao não dizer que as pessoas valem mais do que patentes e

que a vida humana vale muito mais do que o lucro destas multinacionais.

É, por isso, necessário ter uma liderança política dentro do nosso País e à escala europeia, e é isso que era

exigido ao Governo e que o Governo não tem conseguido fazer.

Olhando para outra matéria fundamental, a de não deixar ninguém para trás num período em que a crise

económica e social se vai adensando, percebemos que o Governo não tem feito tudo o que poderia ter feito.

Em vez de centrar a sua atenção na resposta às pessoas, o Governo decidiu fazer uma guerra com o

Parlamento por causa dos apoios sociais, apesar de percebermos que essa guerra era absolutamente

dispensável, um jogo político de que o País não necessitava.

Aliás, o próprio Governo reconheceu isso quando, ainda há dias, enviou para promulgação decretos que

realçam e reforçam aquilo que a própria Assembleia da República acabou por promulgar e que o Governo disse

que não tinha dinheiro para pagar, tendo, por isso, enviado para o Tribunal Constitucional.

Trata-se de jogo político absolutamente desnecessário, num momento em que o País atravessa enormes

dificuldades e em que se há algo que é preciso são os apoios sociais para que a pobreza não aumente e as

desigualdades não atinjam novos máximos.

Desse ponto vista, esteve bem o Parlamento. Olhe o Governo para o Parlamento e aprenda como deve

apoiar quem está a passar tão mal, neste momento de crise.

Termino como comecei: se este estado de emergência é necessário, ele é o último que deve acontecer neste

período. Quanto ao futuro, veremos como é que ele decorre.

Se a situação assim o indicar, poderemos discutir novamente mais estados de emergência, caso o País deles

necessite. Mas, no momento em que estamos a desconfinar, no momento em que os serviços de saúde estão

numa situação francamente melhor do que aquela em que estavam no passado, este pode e deve ser o último

estado de emergência deste período.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, tem a palavra o Sr.

Deputado João Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Srs. Membros do Governo, vacinação, rastreio, testagem e apoios sociais são

os elementos centrais da resposta que é preciso concretizar para ultrapassar o problema sanitário que

continuamos a enfrentar e os graves problemas económicos e sociais que decorrem do confinamento. Essa tem

sido a alternativa que o PCP tem defendido, e continuamos a bater-nos para que ela se concretize.

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As vacinas são a grande solução para o problema da epidemia no presente e a prazo, um bem público de

interesse universal que tem de ser posto à disposição da humanidade para debelar o problema de saúde pública

que fustiga os povos de todo o mundo.

Apesar disso, assistimos, ontem, a mais um episódio na guerra comercial entre multinacionais farmacêuticas,

que continuam a digladiar-se no negócio multimilionário da venda de vacinas, secundarizando a vida e a saúde

das pessoas. A atuação das multinacionais nessa disputa, recorrendo a tudo para ver quem vende mais e quem

consegue impedir os outros de vender, é uma atuação verdadeiramente criminosa.

A atuação política da União Europeia, que tenta amarrar os países e os povos aos interesses dessas

multinacionais, é uma atuação de cumplicidade e conivência com esse negócio sujo.

A atuação do Governo, que deixa o País inteiro à mercê dessa guerra comercial, é uma atuação errada e

irresponsável.

O PCP trouxe a este Parlamento a solução que é preciso pôr em prática e que assenta em três eixos

essenciais: diversificar a aquisição das vacinas, criar capacidade de produção de vacinas em Portugal e

suspender as patentes como forma de assegurar a vacinação dos portugueses.

O PS, o PSD, o CDS, o PAN, o Chega e o Iniciativa Liberal recusaram a proposta do PCP, mas a realidade

torna cada vez mais óbvia a necessidade dessas medidas.

É preciso diversificar a aquisição e o uso de vacinas, assegurando condições de segurança e eficácia e a

confiança das populações. Enquanto Portugal fica a marcar passo, agarrado a absurdas acusações de traição

à União Europeia, países como a Alemanha tratam de adquirir vacinas noutras paragens para garantir a

aceleração do processo de vacinação. Os países que não têm capacidade de produção de vacinas estão a tratar

de fazer os investimentos necessários para esse objetivo.

Que mais é preciso para que o Governo perceba a urgência de mudar de opções e pôr em prática as medidas

que defendam o País e os portugueses?

Que mais é preciso para que o Governo assuma que só com essa capacidade de produção é possível

defender a vida e a saúde dos portugueses, suspendendo as patentes e produzindo vacinas, se essa for a forma

de garantir a vacinação, face à gula das multinacionais farmacêuticas?

O mesmo acontece com as medidas de reforço da capacidade de rastreio e de testagem, medidas

absolutamente essenciais para que se faça o desconfinamento e se evitem novos confinamentos.

Por fim, em relação ao problema dos apoios sociais, registamos que foram ontem publicados diplomas do

Governo que reforçam a aplicação de apoios previstos no Orçamento do Estado para 2021. Registamos que

isso foi feito por decisão do próprio Governo, sem necessidade de qualquer orçamento retificativo ou

suplementar. Registamos que o Governo procedeu a esse reforço, confirmando aquilo que o PCP tem dito desde

dezembro passado: que o Governo tem, no Orçamento, a base de que necessita para dar resposta aos

problemas do País; é preciso é que dê essa resposta.

É preciso, agora, que essa resposta e esse reforço de apoios cheguem aos trabalhadores da cultura, aos

MPME (micro, pequenos e médios empresários), aos sócios-gerentes e aos trabalhadores independentes, que

continuam sem resposta.

É preciso que essa resposta chegue, também, para apoiar os quase 9000 trabalhadores envolvidos em

despedimentos coletivos no último ano e para impedir os despedimentos que ameaçam os trabalhadores de

empresas como a Eurest, a Altice, a TAP, a Portway, o Montepio, o Novo Banco ou a Crisof.

É por essa resposta que clamam os trabalhadores e o povo, e é a esses anseios que o Governo deve

corresponder, porque o futuro do País, a recuperação económica e o desenvolvimento nacional dependem da

defesa dos direitos dos trabalhadores, da soberania e produção nacionais, das MPME (micro, pequenas e

médias empresas), dos setores produtivos, do reforço dos serviços públicos, do SNS, da escola pública e do

controlo público dos setores estratégicos.

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Fala-se publicamente da banalização do

estado de emergência e da necessidade de se encontrar uma solução legal mais ligeira que simplifique a adoção

de medidas restritivas, uma espécie de regime legal de «pronto-a-confinar». Essa é a conceção perigosa de

quem quer aproveitar a epidemia como pretexto para que medidas restritivas como aquelas que têm sido

tomadas possam ou devam mesmo ser normalizadas. O PCP recusa tais ideias e conceções.

Os direitos, liberdades e garantias são matérias de primordial importância e inscrição constitucional, matérias

para cuja defesa foi criado o regime do estado de exceção. A declaração do estado de emergência não deve

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ser encarada como o chapéu para a restrição de direitos, mas sim como a forma de garantir o seu respeito e

exercício em condições socialmente complexas, como podem ser as de uma epidemia.

É certo que o tempo tem vindo a comprovar que as sucessivas declarações do estado de emergência

correspondiam, afinal, à visão distorcida da restrição sem limites de direitos constitucionalmente consagrados.

O problema não está, por isso, apenas, na banalização do estado de emergência; está também, e sobretudo,

na banalização das medidas restritivas daqueles direitos e liberdades.

A sucessão de declarações do estado de emergência, a repetição indefinida de medidas restritivas e o

avolumar dos problemas económicos e sociais que daí resultaram são a confirmação do erro dessa receita como

forma de resposta ao problema sanitário.

É preciso que a alternativa a essas medidas restritivas seja encarada como a prioridade para a resposta ao

problema sanitário, assim como aspeto indispensável de cumprimento da democracia e do respeito pela

Constituição.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — É a vez do Sr. Deputado João Almeida, do Grupo Parlamentar do CDS-PP, a quem dou

a palavra, para uma intervenção.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, Sr.

Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos a décima quinta

renovação do estado de emergência, e andamos nisto há um ano. Só isso dá sinal não só da gravidade do

momento que vivemos e das consequências dramáticas que tem tido esta pandemia, como também de um

Estado de direito que não conseguiu adaptar-se a esta situação, pois, ao fim de um ano, continua a considerar

que é a emergência que resolve aquilo que, infelizmente, já se tornou estrutural e que são as suas medidas que

permitem dar resposta a algo que precisa, já há bastante tempo, de uma resposta muito mais consistente.

Esta é a emergência de um Governo que, pela voz do seu Primeiro-Ministro, no dia em que fala sobre a

renovação do estado de emergência, invariavelmente diz que as regras têm de ser cumpridas de forma severa

e que não pode haver facilitismo, mas é o mesmo que, muitas vezes, uma semana depois, dá os maiores

exemplos de facilitismo e de incapacidade de conseguir lidar com o próprio estado de emergência que achou

pertinente.

Ou seja, o Governo nunca conseguiu transmitir ao País uma consistência nas suas opções, na necessidade

de executá-las e na verdadeira avaliação do cumprimento, ou não, dos objetivos que traçou. Anda sempre a

navegar à vista, sempre a procurar, no otimismo que permita um bom enquadramento eleitoralista, a solução

para aquilo que não se resolve com eleitoralismo, nem se resolve com otimismo, mas com coragem e

determinação. E coragem e determinação é tudo o que tem faltado a este Governo para lidar com esta situação!

É por isso que declarar-se mais um estado de emergência é renovar mais do mesmo. É continuar a não

haver essa resposta estrutural para o problema e perceber-se, cada vez mais, que banalizar a exceção faz com

que as pessoas, naturalmente, não tenham o mesmo nível de atenção e de capacidade de cumprimento que

tiveram no passado.

Sabemos que, neste momento, o estado de emergência é pouco mais do que o papel em que é publicado,

porque, infelizmente, o País reage, como é natural que reaja a tantas renovações, com a indiferença que este

Governo lhe merece. E isso é mau. É mau para um Estado de direito que o Governo seja visto com indiferença

e que as medidas que determina sejam cada vez mais incompreendidas.

Já ninguém sabe o que pode estar aberto. Já ninguém sabe a que horas abre e a que horas fecha. Já

ninguém sabe o que pode fazer. Já ninguém sabe se pode sair de um concelho e entrar no outro. Já ninguém

sabe o que deve e pode fazer da sua vida.

Mas, nesses casos, estamos a falar só de hábitos. Há problemas mais graves. Há muitos portugueses que

não sabem o que fazer com a sua situação profissional. Há muitos portugueses que não sabem o que fazer com

a situação das suas pequenas empresas e dos seus pequenos negócios e que ouvem aquilo que toda a gente

diz: «Isto abriu, mas, se calhar, lá para maio fecha outra vez».

Triste o Governo que permite que se crie, na sociedade, esta ideia de que tudo o que é regra hoje pode

deixar de ser regra amanhã e de que tudo o que é objetivo hoje pode ser adiado daqui a umas semanas. É o

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comportamento errático de quem não tem estratégia, de quem não consegue inspirar confiança e de quem não

tem coragem.

É por isso que é preciso dizer, neste momento, que, se estamos a desconfinar, não é para voltarmos atrás.

Isso não tem que ver com ser negacionista, mas com ser ambicioso na implementação de um plano. Se o plano

é para desconfinar, o Governo tem de estar à altura de, em cada momento, tomar as decisões que permitam

que não se volte para trás, que permitam que quem reabriu o seu negócio o mantenha aberto, que quem voltou

a trabalhar possa continuar a trabalhar, que quem recebe apoios os receba efetivamente.

Por isso é que há quatro coisas que não podem falhar a partir daqui.

Em primeiro lugar, não pode falhar a testagem, que tem falhado e muito! Não se compreende, por exemplo,

que se reabram as escolas sem um verdadeiro plano de testagem para professores, funcionários, alunos e toda

a comunidade escolar. Não aconteceu assim para o ensino básico, não vai acontecer assim para o ensino

secundário e não vai acontecer assim para o ensino superior.

Não se percebe que, perante alterações no fornecimento de vacinas, não haja alterações substanciais

também no plano de vacinação que se adaptem a essa realidade, permitindo manter os objetivos.

Não se percebe que, havendo apoios sociais aprovados, seja o Governo a recorrer ao Tribunal

Constitucional, não contra este Parlamento, mas contra todos aqueles que podem beneficiar desses apoios, em

clara negação não só do espírito democrático, mas também do espírito solidário para com essas pessoas, que

merecem receber esses apoios, aprovados pela esmagadora maioria dos representantes dos cidadãos no

Parlamento.

Era preciso, também, que o Governo, que agora vai enviar para Bruxelas o PRR (Plano de Recuperação e

Resiliência), percebesse, efetivamente, que desafios o País enfrenta. O desafio não é o de mais obra e de mais

investimento público; o desafio é o de apostar nas pessoas, na sua requalificação, para poderem, efetivamente,

enfrentar os novos desafios pós-pandemia, e o de apoiar as empresas, para que, no mínimo, não percam

competitividade e, de preferência, a ganhem.

O País precisa de um Governo que saiba responder ao momento e que saiba perspetivar o futuro. Até agora,

a única coisa que o Governo sabe fazer é promover renovações do estado de emergência, não tendo sequer a

noção de que a emergência é a sua própria situação.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, pelo Grupo Parlamentar do PAN, a Sr.ª Deputada

Inês de Sousa Real.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Somos hoje chamados,

novamente, a pronunciar-nos sobre a renovação do estado de emergência, numa altura em que temos a noção

de que a situação epidemiológica continua a espelhar um aumento de casos, estando já previsto, na próxima

semana, o início da terceira fase do plano de reabertura gradual do Governo.

Hoje, ouvimos falar muito no desgaste que existe em torno do estado de emergência, mas, Sr.as e Srs.

Deputados, a saúde e a vida das pessoas não podem estar acima dos limites constitucionais. Isso, sim, não

pode ser banalizado.

Se queremos com isto dizer que, efetivamente, tem de haver limites e temos de projetar um futuro em que

não tenhamos de recorrer reiteradamente a esta figura, é evidente que sim, mas as mais de 16 000 mortes por

COVID-19 que, a este tempo, temos já assinaladas nos relatórios não devem levar a que se banalize o valor da

vida humana.

Para além da emergência sanitária, não nos podemos esquecer de que vivemos uma crise, uma emergência

social e económica sem precedentes, uma crise que não conhece leis-travão ou limites constitucionais, sobre a

qual tem de haver apoios e diálogo, incluindo da parte do Governo para com a Assembleia da República.

Esta é, sem dúvida, uma situação que todos deve preocupar e que exige muita cautela quanto aos passos

que vamos dar num futuro próximo, para que, por um lado, o plano de desconfinamento seja cumprido de acordo

com os critérios e as medidas sanitárias previamente definidos e, por outro lado, que seja cumprido com

responsabilidade, para que a economia possa voltar a funcionar, para que as famílias sejam apoiadas, sem que,

com isso, tenhamos de voltar à casa de partida.

O crescente aumento que se vislumbra, já num futuro próximo, da presença de pessoas na rua e de contactos

interpessoais, por força do tão desejado regresso gradual à normalidade, deve forçosamente ser acompanhado,

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bem sabemos, de uma estratégia mais integrada e estruturada, de uma maior capacidade de rastreio e de um

reforço do plano de vacinação, a par do necessário desfasamento dos horários, especialmente de entrada e

saída das pessoas nas escolas, ou a articulação com o regime de teletrabalho e o trabalho presencial em

contraciclo com o que algumas vozes têm vindo a dizer, até precipitadamente a defender, pelo menos até termos

alguns números e evidências científicas que nos deem outro tipo de segurança para este retorno a uma suposta

normalidade.

Nesta nova fase de desconfinamento, em que estamos perante o regresso às aulas presenciais no ensino

secundário e superior, é fundamental que haja mais monitorização, como também medidas mais eficazes da

parte do Governo quanto à avaliação da situação em contexto escolar e de apoio aos jovens estudantes ao nível

escolar, medidas que passem, para além do desfasamento de horários por turmas, pela dimensão social e da

saúde mental.

Aqui chegados, não podemos deixar de referir que o Ministério da Educação tem esquecido completamente

os nossos jovens. Aliás, as associações têm assinalado precisamente os problemas de isolamento, de saúde

mental e a ausência de apoios ao nível social e alimentar, que não têm chegado, a par do acompanhamento

escolar que, claramente, carecem de um Governo mais atento ao futuro e ao presente dos nossos jovens. Isto,

a par da testagem regular dos agentes educativos, que já aqui hoje foi falada, e da aplicação do plano de

vacinação.

Por outro lado, no horizonte, vislumbra-se também a reabertura de outros serviços, como restaurantes e

cafés, a reabertura de lojas e centros comerciais, o regresso do público aos cinemas, teatros, auditórios e salas

de espetáculos, pelo que é fundamental que a testagem massiva previamente à reabertura destas atividades

esteja em marcha e seja eficazmente efetuada.

Temos igualmente de continuar a monitorizar e a controlar as novas variantes do vírus, em particular à

entrada e saída do nosso País, assegurando o papel crucial dos especialistas em saúde pública e garantindo

os meios necessários para atuar.

Sr.as e Srs. Deputados, a par da reabertura destes diferentes setores, é essencial evitar o caos social.

Estamos perante uma hecatombe, estamos perante o agravamento dos avanços no combate à pobreza, à

desigualdade de género, às múltiplas formas de discriminação e de erradicação do racismo, xenofobia e

transfobia, entre tantos outros exemplos.

Para isso, temos de ter medidas de apoio social que sejam aplicadas às famílias e às empresas, ao invés de

mais investimento em obras megalómanas, que não servem o País, não servem os desafios do nosso tempo,

inclusive a nível social, económico e ambiental.

É fundamental que se ajudem as empresas e demais entidades da economia a ultrapassar os efeitos

negativos desta crise sanitária e que se desenvolvam soluções de combate à crise, porque as pessoas, as

famílias e as empresas precisam de saber com o que contam agora, no presente, e também no futuro.

Cabe, sem dúvida, não apenas ao Parlamento, mas também ao Governo, garantir a existência de uma

resposta robusta à crise socioeconómica que vivemos, garantindo que as pessoas, em particular as mais

vulneráveis, não são deixadas para trás.

Isto não se coaduna com um Governo que fecha os olhos, que não dialoga com o Parlamento e que trava os

apoios sociais. Travar os apoios sociais não é travar a vontade maioritária do Parlamento, é travar as

necessidades emergentes dos nossos concidadãos.

O PAN não deixará de votar a favor da renovação do estado de emergência, convergindo, porém, com o Sr.

Presidente da República no desejo de que este seja o último e lembrando que o cumprimento responsável das

restrições de hoje são o garante da liberdade de amanhã.

Mas a responsabilidade não pode ser transferida unicamente para a esfera individual. Da parte do Governo,

da parte do Parlamento, cabe-nos a todos não faltar à chamada, contribuindo com políticas públicas eficazes de

combate à crise e, bem assim, com respostas a nível socioeconómico.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Silva, de Os Verdes.

A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O ritual

mantém-se! A discussão da renovação da declaração do estado de emergência volta à Assembleia da

República, declaração ferida de credibilidade e utilidade, porque, como aqui dissemos tantas vezes, não fez falta

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para as adaptações do nosso dia a dia que fomos obrigados a fazer ao longo do último ano. Não foi preciso para

que as pessoas se organizassem e respeitassem as filas para fazer compras. Não fez falta para garantir que as

iniciativas mais variadas, feitas ao ar livre, decorressem em segurança. Não fez falta para garantir que as mesas

das esplanadas comportem apenas quatro pessoas enquanto fazem uma refeição ou socializam em segurança.

Por isso, a grande dúvida que se coloca é porque é que se insiste no estado de emergência quando é

evidente que não tem qualquer influência no processo de desconfinamento por fases, que está a decorrer

positivamente; porque se insiste em declarar o estado de emergência, quando o que é preciso é colocar em

prática planos de segurança, dotando os espaços dos investimentos e dos meios para que seja possível

trabalhar, estudar, viver a cultura e o desporto e socializar em segurança.

Os Verdes não ignoram que é necessário proceder a um desconfinamento com confiança, porque a fase

seguinte será sempre mais exigente, com mais jovens nos transportes públicos, mais pessoas nas ruas, mais

liberdade de movimentos e que, com isso, os contactos irão aumentar e, consequentemente, os números de

infetados também aumentarão.

Em dezembro de 2020, dizíamos: «A promessa da vacina para o início de 2021 pode dar-nos a confiança de

estar perante o princípio de uma solução para este pesadelo. Mas sabemos que as medidas que introduzimos

nas nossas rotinas ainda serão necessárias por muito mais tempo, exigindo-se do Governo uma campanha de

sensibilização e esclarecimento, no sentido de ficar claro que, apesar da vinda da vacina, continuaremos

comprometidos com a aplicação das medidas de proteção, porque a vinda da vacina não resolverá, só por si,

da noite para o dia, os problemas da pandemia.

O caminho que devemos percorrer é o de reforçar os serviços públicos, de melhorar a comunicação, de

explicar as medidas de segurança sanitária que devemos seguir para a proteção de todos.

Não é o estado de emergência que irá travar a propagação do vírus. Se pensarmos, por exemplo, que os

meses de inverno poderão ser os mais difíceis, devido às gripes e às constipações, teremos e terão de ser

adotadas medidas mais reforçadas de segurança sanitária, pelo menos até março.

Temos ainda de fortalecer serviços, perceber onde a propagação tem mais incidência, procurar responder

às necessidades e devolver a mínima normalidade aos dias dos portugueses».

O Sr. João Oliveira (PCP): — Muito bem!

A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Cá estamos nós, a 14 de abril, a

afirmar o mesmo que afirmávamos há quatro meses. É preciso devolver a normalidade à vida das pessoas, sem

esquecermos que a COVID-19 continua entre nós.

Porém, temos já a experiência de um ano, nas mais diversas áreas que é possível. É possível continuarmos

as nossas rotinas com segurança, adotando medidas e comportamentos que nos protejam.

Para isso, é necessário fazer investimentos, é necessário dar mais apoios e é necessário que o Governo

utilize os meios que tem à sua disposição, designadamente no âmbito do Orçamento do Estado, para garantir

este percurso essencial.

É, assim, urgente que se concretizem as promessas de testar em massa, de rastrear e criar condições para

isolar os casos positivos.

É urgente vacinar, cumprir com o plano de vacinação, fazendo-o sair da velocidade de caracol em que se

encontra, e isso só será possível se se adquirirem mais vacinas.

É urgente dotar todos os espaços de planos de segurança, para que as pessoas possam voltar às suas

rotinas sem que os números de infetados subam abruptamente e sobrecarreguem o Serviço Nacional de Saúde.

Sabemos, e sempre soubemos, que as escolas são espaços seguros e que podem até servir de barómetro.

Ou seja, se as escolas são espaços seguros, com regras apertadas, com higienização, com a aplicação de

regras nos comportamentos, podemos concluir que nos espaços de trabalho, nos centros de saúde, nos museus,

nos teatros, nos cinemas, nos transportes públicos, será também possível aplicar regras e planos de segurança

que sejam eficazes.

Isso tem de ser feito ao mesmo tempo que se olha para a degradação da situação económica e social.

O País não precisa de mais um período de estado de emergência. Mas é imprescindível, é indispensável

colocar todas as estruturas do Estado em alerta para fazer face a despedimentos, ao aumento das famílias com

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carências alimentares e de outro tipo, para assegurar que não há despejos face às dificuldades em cumprir com

as obrigações.

É, portanto, imprescindível que o Governo esteja atento para dar resposta aos problemas sociais,

económicos e de saúde mental.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Ventura, do Chega.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Este estado de

emergência tornou-se num estado de emergência de propaganda. Aquilo que tínhamos dito, ou seja, que

vacinaríamos os nossos idosos até ao fim de março, mostrou-se uma das maiores falsidades que podíamos

dizer à nossa população.

Veja-se o exemplo da União Europeia, que prometeu vacinar 80% dos idosos até 30 de março e que vacinou

36%. Repito: 36%! Trata-se de números de vergonha da maior parte de governos socialistas ou de direita na

Europa que não devem ser ignorados!

Mas nem aqui conseguimos fazer jus às palavras de António Costa no sentido de que não deixaríamos

ninguém para trás, bem como a birra tremenda que fez para não apoiar aqueles que pagaram impostos com

recibos verdes. Os trabalhadores independentes foram olhados de lado, tratados como bandidos, como se nada

tivessem contribuído nos últimos anos! Foi esse o sentido de não deixar ninguém para trás. Foi esse o sentido

que demos àqueles que trabalharam, pagaram impostos e descontaram durante os últimos anos.

No meio disto, conseguimos fazer melhor: pedimos à polícia que continuasse a trabalhar, mas nem metade

dos seus elementos foram testados! E este Sr. Ministro que hoje aqui está consegue vir a esta Casa dizer que

os polícias estão a ser bem tratados! Pedimos aos tribunais que reabrissem, mas não vacinámos os oficiais de

justiça, como se fossem pessoas menores ou empregados de um deus menor! Pedimos às escolas que

reabrissem, mas não conseguimos testar professores nem alunos!

Vergonha — é aquilo que podemos dizer deste estado de emergência!

Mesmo quando estávamos a lutar pelo País em que acreditamos, percebemos a tragédia que se abateu

sobre nós, com um Governo que não consegue apoiar quem precisa e que deixa para trás aqueles que andaram,

nos últimos anos, a pagar este mesmo Estado.

Mesmo com o risco de que me seja levantada a imunidade parlamentar, vou dizer isto: enquanto o País

estava em estado de emergência, um juiz, num tribunal de instrução criminal, gozava com Portugal e com os

portugueses e passava com um manto muito branco alguém que saía a rir-se do tribunal com milhões nos bolsos

e nada para os portugueses. Enquanto o País confinava e se amedrontava, um juiz gozava com aqueles que,

nos últimos anos, tentaram fazer deste um País melhor.

A Europa olhava-nos incrédula, o mundo olhava-nos sem perceber como é que alguém com tantos milhões

no bolso tinha afinal saído de um tribunal como se nada fosse. O País, em confinamento, olhava incrédulo para

uma decisão de um tribunal que não é Deus nem a Bíblia; deve ser escrutinado, deve ser criticado e devemos

poder apontar-lhe o dedo.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de concluir.

O Sr. André Ventura (CH): — Vou terminar, Sr. Presidente.

Eu disse, um dia, que José Sócrates não se poderia rir na Ericeira. Agora não é ele que se está a rir, somos

todos nós que estamos a fazer figura de parvos, enquanto outros se riem à saída dos tribunais.

Essa é que é a emergência de Portugal, e era essa que deveríamos ter resolvido!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, pelo Iniciativa Liberal, tem a palavra o Sr. Deputado João Cotrim

de Figueiredo.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados:

Portugal está dormente. A banalização deste ritual quinzenal de renovação do estado de emergência é apenas

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um exemplo disso. Um pouco por todo o lado, nota-se ansiedade, descrença e falta de energia, a energia que

tanta falta nos vai fazer nesta hora de recuperar.

As famílias vivem angustiadas pelo confinamento e pelo medo, o medo do vírus, mas também o medo de

perder o emprego, o medo do dia em que acabarem as moratórias e o medo de verem os seus filhos perderem

anos de educação cruciais para o seu futuro.

Os mais jovens continuam sem poder brincar, socializar ou fazer desporto e interrogam-se se o futuro que

os espera merece o esforço que a recuperação das aprendizagens irá exigir.

As empresas, por seu turno, sobrevivem num estado vegetativo, sem horizontes de investimento nem de

retoma, a tentar navegar o labirinto dos apoios que não chegam, enquanto as contas do fisco continuam a

chegar.

Portugal está dormente e o Governo do PS embala o berço, preocupado com o poder que tem nas CCDR

(comissões de coordenação e desenvolvimento regional), com o poder que tem nas autarquias, com o poder

onde quer que possa ser exercido. O PS apenas quer exercer esse poder para o perpetuar, para satisfazer

clientelas e interesses, em vez de o fazer para que Portugal possa acordar deste torpor e sair da crise mais forte

e mais próspero.

Neste contexto, a gestão da pandemia continua desarticulada, desarticulada em si mesma, já que continua

a não haver ligação entre planos de desconfinamento, vacinação e testagem, e desarticulada também com as

necessidades da sociedade e da economia.

Neste sentido, o PRR, que será entregue em Bruxelas neste mês, corre o risco de ser uma oportunidade

perdida que futuras gerações não perdoarão. O Governo tem de assumir, de uma vez por todas, que este

processo de desconfinamento, de retorno gradual à normalidade, é o primeiro passo de um processo de

recuperação social e económica. E, nesse processo, os fundos que estarão disponíveis nos próximos anos são

mesmo uma oportunidade para Portugal poder mudar a estrutura da sua economia e do seu modelo de

desenvolvimento social e económico, mas para isso é fundamental que toda a sociedade, em especial a iniciativa

privada, seja mobilizada para entender a oportunidade que o PRR encerra.

Insistir na prioridade ao investimento público sem análises de custo-benefício, como o próprio mentor do PRR

já reconheceu, será um erro histórico. Portugal está dormente. Está na altura de Portugal acordar e voltar a

viver, mas não o fará em estado de emergência.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada não inscrita Joacine Katar

Moreira.

A Sr.ª Joacine Katar Moreira (N insc.) — A pobreza não é uma situação. A pobreza, em Portugal, é um ciclo

vicioso, exatamente porque constitui uma herança que passa de geração em geração e que tem sido difícil de

ultrapassar pela maioria da população. Falamos de salários baixos, de desconforto energético, de exclusão

social e habitacional, da dificuldade de acesso à habitação, de um emprego dignificante.

A pobreza é uma ação, ela não é só uma consequência. Aliás, ela é uma consequência de uma ação, porque

existe uma ação de empobrecimento da população quando, como apontou o último estudo, tanto os reformados

como os trabalhadores ou os desempregados se encontram, todos eles, em situações graves de vulnerabilidade

social.

Enquanto a OCDE recomenda o reforço dos apoios sociais na luta contra a COVID-19, eu recomendo que

façamos da luta contra a pobreza a prioridade número um na luta contra a COVID-19 e os seus efeitos, efeitos

esses que, obviamente, serão muito mais impactantes nos mais vulneráveis e nos mais necessitados.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada não inscrita Cristina Rodrigues.

A Sr.ª Cristina Rodrigues (N insc.): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados:

Os números relativos ao índice de transmissibilidade não são tão animadores quanto gostaríamos, mas, ainda

assim, temos o menor número de internados dos últimos sete meses, pelo que o plano de desconfinamento se

deve manter com prudência.

Desde logo, o teletrabalho deve continuar a ser promovido, desde que estejam garantidas as condições para

o seu exercício. Por exemplo, apesar da obrigatoriedade do teletrabalho, a ACT (Autoridade para as Condições

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do Trabalho) continua sem orientações sobre como devem ser calculados os custos que o empregador deve

suportar relativamente a despesas de telefone e de internet do trabalhador.

Para além disso, os portugueses têm de manter os cuidados, nomeadamente o uso da máscara e o

distanciamento social, mas o Governo também tem de fazer a sua parte, assegurando o compromisso de fazer

testagem massiva e cumprindo o plano de vacinação.

Desde fevereiro que o Governo refere a importância de testar em larga escala, mas só a 18 de março foi

criada uma task force com o objetivo de elaborar um plano de operacionalização da estratégia de testagem em

Portugal. No entanto, aparentemente, não existe data definida para apresentar esse plano. Acontece que,

enquanto o plano sai e não sai, a vida continua e o País não pode parar.

No que diz respeito ao plano de vacinação, é necessário assegurar o seu cumprimento, especialmente tendo

em conta os contratempos que se têm verificado com as várias vacinas. A administração da vacina AstraZeneca

tem sido envolta em controvérsia e, já agora, há notícias de que também a vacina da Johnson & Johnson poderá

estar a apresentar efeitos secundários graves. A task force já referiu que estas questões não vão atrasar o plano

de vacinação, mas há um efeito inegável, que é o da desconfiança por parte da população sobre a eficácia ou

os efeitos secundários das vacinas.

Por fim, a declaração do estado de emergência deve ter um caráter excecional, dadas as implicações

inevitáveis ao nível da restrição de direitos, liberdades e garantias. Devemos, por isso, evitar o seu

prolongamento por muito mais tempo e assegurar que enquanto se mantiver não se verificam abusos.

Hoje, voltarei a votar a favor da declaração do estado de emergência, esperando que esta seja a última vez

que o tenha de fazer.

O Sr. Presidente: — Para encerrar o debate, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna, Eduardo

Cabrita.

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O tema deste debate

é o 15.º período de declaração do estado de emergência proposto à Assembleia da República pelo Sr.

Presidente da República. Temos vivido em estado de emergência desde o meio do passado mês de novembro

e com um conjunto de medidas mais exigentes, restritivas dos direitos fundamentais, desde meados de janeiro.

E o que ouvi hoje ser manifestado por várias bancadas, por aqueles que, aliás, têm contribuído para o largo

consenso nacional em torno da adoção do estado de emergência, foi o desejo genuíno de que esta possa ser a

última declaração do estado de emergência.

No quadro de uma pandemia global de dimensões únicas, temos de compreender a dimensão do fenómeno

em que Portugal se integra. Houve, até hoje, 138 milhões de pessoas infetadas em todo o mundo e atingimos,

nesta semana, duas marcas tragicamente simbólicas: 3 milhões de mortos a nível mundial e ultrapassámos as

100 000 mortes na Europa.

É neste quadro que, em Portugal, fruto das medidas que discutimos há pouco, adotadas no período mais

crítico da resposta a esta pandemia, em janeiro e fevereiro, estamos a traçar o caminho que nos permite a

esperança de consolidar um resultado que está nas mãos de todos nós, que depende de todos os cidadãos,

para o qual este consenso entre órgãos de soberania — Presidência da República, Parlamento e Governo — é

fundamental para dar confiança aos portugueses nos passos que faltam dar neste caminho.

Aplausos do PS.

É por isso que, quando olhamos para o caminho percorrido, temos de destacar uma generalizada adesão da

população, que se traduz, em Portugal, na dimensão quase anedótica de movimentos negacionistas ou na forma

como as forças de segurança têm tido uma intervenção firme na fiscalização, mas, fundamentalmente, marcada

por uma dimensão de sensibilização na sua ação. É também por isso que, ao contrário do que acontece em

outros países europeus, ao contrário do que, todas as noites, os portugueses veem nos telejornais, em Portugal,

a aplicação de medidas restritivas das liberdades se traduziu num quadro de profunda estabilidade social.

Traduziu-se, aliás, numa redução dos indicadores, quer de criminalidade violenta, quer de criminalidade geral,

tal como demonstra o Relatório Anual de Segurança Interna, recentemente apresentado, ao apontar os mais

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baixos índices de ocorrência de fenómenos criminais desde 1989, isto é, desde que, há 32 anos, este modo de

registo foi instituído.

Por isso, é também tão importante verificar o caminho que tem sido percorrido, um caminho marcado pelo

alargamento da testagem. Não é verdade que estejamos nos últimos lugares de testagem. Portugal tem mais

de 9,5 milhões de testes feitos. Só para citarmos países próximos, sem darmos exemplos exóticos, testamos

mais do que Espanha, testamos mais do que a Alemanha, testamos do que a Holanda, testamos mais do que a

Suíça.

Aplausos do PS.

Por isso, a reabertura das escolas foi também acompanhada de um processo de testagem massiva de

professores e demais integrantes da comunidade educativa. Ainda na semana passada, foram realizados 110

000 testes em contexto escolar, tendo-se registado 125 casos de COVID-19, isto é, houve cerca de 0,1% de

deteção de novos casos.

É neste contexto que, desde que começámos a desconfinar, os resultados têm consolidado uma redução do

número de internamentos e de internados em unidades de cuidados intensivos. São cerca de metade do que

eram quando, a 15 de março, começámos a desconfinar, numa redução de número de casos ativos,

independentemente da atenção que teremos de tomar, quer à evolução do fator de transmissibilidade, do

chamado «R», quer relativamente a fenómenos locais de crescimento de casos de incidência da doença, que

se manifestam em algumas regiões do País.

Quando começámos a desconfinar, tínhamos cerca de quatro dezenas de municípios com números acima

de 120 casos por 100 000 habitantes. Estamos hoje com 22 e não deveríamos ter nenhum, mas este é o quadro

de uma evolução que, globalmente, é um sinal de esperança.

O que marcou esta última quinzena foi o facto de, pela primeira vez desde que a pandemia começou — e,

sobretudo, de uma forma muito clara, desde que, em janeiro, foi necessário adotar medidas mais significativas

—, haver semanas inteiras sem uma única morte nos lares ou nas estruturas residenciais para idosos. Isso

deve-se ao que foi feito relativamente aos lares.

Aplausos do PS.

Isso deve-se a termos mais de 90% das pessoas com mais de 80 anos já vacinadas. Portanto, são os mais

frágeis que, felizmente, têm hoje uma incidência menor da doença. É também, sobretudo, este segmento que

regista um conjunto alongado de dias sem que tenhamos de lamentar a perda de qualquer vida.

Também por isso é tão importante prosseguir com a vacinação noutros setores. Como Ministro da

Administração Interna, não estou apenas centrado na COVID ou nos níveis de prevenção da criminalidade.

Também estamos atentos à prevenção do risco de incêndio rural e, por isso, nesta semana, todos os bombeiros

estarão vacinados, com prioridade, no quadro da resiliência de Estado, tal como os elementos das forças de

segurança estão já maioritariamente vacinados. É por isso que esta medida é tão decisiva, no momento em que

pretendemos prolongar, por mais 15 dias, o estado de emergência.

Aplausos do PS.

Mais uma vez, quero registar que mais de 80% dos Deputados, nesta Câmara, irão viabilizar a adoção desta

proposta do Sr. Presidente da República e que o Governo não deixará, amanhã, com base em toda a informação

científica disponibilizada na reunião de ontem realizada no Infarmed e em toda a informação disponível até ao

último momento, de adotar o justo equilíbrio entre a vontade e a necessidade de desconfinamento e a absoluta

determinação na adoção de medidas restritivas ou de eventual suspensão deste nível de desconfinamento, onde

tal seja necessário. Por isso, ouvi, com satisfação, o PSD dizer que a estabilidade política é importante. Sim, é

essa a determinação que nos leva a estar com os portugueses ao longo deste ano, o ano mais difícil da nossa

vida coletiva e, certamente, o ano mais difícil de todos aqueles que assumiram alguma vez responsabilidades

políticas.

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Aplausos do PS.

Por isso, para o Governo português, o Plano de Recuperação e Resiliência e o novo quadro financeiro

plurianual são instrumentos conjugados nesta estratégia de acorrer à emergência e, sobretudo, com atenção ao

combate à pandemia, de preparar a recuperação da economia e o reforço da coesão territorial, de preparar um

tempo em que, no imediato, mas também no período que marcará a próxima década, o desenvolvimento seja

pautado pela coesão territorial e a convergência seja pautada pela solidariedade. O caminho do que fazemos

hoje é um passo mais. São 15 dias decisivos que estão na mão de todos os portugueses, com o respeito pelas

regras, na mobilização coletiva para uma progressiva libertação e para uma recuperação da plena liberdade, da

plena normalidade, do universo de um tempo de esperança para as nossas vidas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Chegámos, assim, ao fim deste debate sobre o pedido de autorização de renovação do

estado de emergência.

Encontram-se registados 219 Sr.as e Srs. Deputados, pelo que, de seguida, vamos votar este pedido de

autorização de renovação do estado de emergência.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do CDS-PP, do PAN e da Deputada

não inscrita Cristina Rodrigues, votos contra do PCP, do PEV, do CH, do IL e da Deputada não inscrita Joacine

Katar Moreira e a abstenção do BE.

Do terceiro ponto da nossa ordem de trabalhos, para o qual não foram atribuídos tempos, consta a Proposta

de Lei n.º 77/XIV/2.ª (GOV) — Determina a cessação de vigência de decretos-leis publicados entre os anos de

1986 e 1991.

Vamos, pois, passar ao ponto seguinte, do qual consta a discussão, na generalidade, da Proposta de Lei n.º

79/XIV/2.ª (GOV) — Prorroga a isenção de imposto sobre o valor acrescentado para as transmissões e

aquisições intracomunitárias de bens necessários para combater os efeitos da pandemia da doença COVID-19.

Para apresentar esta proposta de lei, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos

Fiscais, António Mendonça Mendes.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Fiscais (António Mendonça Mendes): — Sr.

Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A presente proposta de lei vem na decorrência da aprovação que fizemos

da Lei n.º 13/2020, que, de acordo com a autorização da Comissão Europeia, permite que, na importação relativa

a bens necessários para combater os efeitos do surto da COVID-19, as instituições públicas, as instituições sem

fins lucrativos e as instituições científicas e de ensino superior possam gozar da isenção do IVA (imposto sobre

o valor acrescentado).

Quando fizemos a transposição desta decisão da Comissão Europeia para o direito interno, além das

importações, optámos por estender para as aquisições intracomunitárias e, também, para as transmissões

internas, mantendo, então, um quadro de plena concorrência. Essa isenção foi, entretanto, prorrogada pela

Comissão Europeia até ao dia 31 de abril deste ano e, terminando essa isenção nesse dia, a Comissão Europeia

já iniciou o procedimento de prorrogação até ao dia 31 de dezembro de 2021, sendo a nossa expetativa a de

que a aprovação final desta mesma prorrogação seja feita nos próximos dias.

O Governo apresenta já a proposta de lei por forma a garantir a confiança, a estabilidade e a segurança

jurídica aos operadores económicos, no sentido de que se mantenha essa isenção do IVA tanto nas importações,

como, repito, nas aquisições intracomunitárias e, também, nas transmissões internas dos bens necessários ao

combate à COVID-19 adquiridos quer por instituições públicas, quer por instituições de ensino superior,

instituições científicas e instituições sem fins lucrativos.

Fico, assim, à disposição das Sr.as e dos Srs. Deputados para qualquer esclarecimento.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Lina Lopes, do Grupo Parlamentar

do PSD.

A Sr.ª Lina Lopes (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado Adjunto e dos

Assuntos Fiscais: A 30 de abril do ano passado, discutimos, nesta sede, a Lei n.º 13/2020, que contemplava

duas vertentes. A primeira destas vertentes é referente ao artigo 2.º, ou seja, à isenção do IVA nas transmissões

e aquisições intracomunitárias de bens necessários para o combate à COVID-19, destinados à distribuição

gratuita a pessoas infetadas por COVID-19, ou expostas a esse risco, ou que participem na luta contra a COVID-

19, ao tratamento das pessoas afetadas por COVID-19 ou na sua prevenção, que sejam adquiridos pelo Estado,

pelas regiões autónomas, pelas autarquias locais, bem como por qualquer dos seus serviços, estabelecimentos

e organismos, estabelecimentos de saúde, determinadas entidades com fins caritativos ou filantrópicos,

determinadas instituições científicas e de ensino superior. A segunda vertente diz respeito ao artigo 3.º, que se

refere à taxa reduzida do IVA aplicável às máscaras de proteção respiratória e ao gel desinfetante cutâneo.

Como sabemos, e o Sr. Secretário de Estado voltou a referi-lo, estas medidas — quer a isenção do IVA nas

transmissões e aquisições intracomunitárias, quer a taxa reduzida do IVA nas transmissões de máscaras e gel

— vigoram apenas até 30 de abril, isto é, até ao final deste mês. A proposta de lei aqui em discussão, a Proposta

de Lei n.º 79/XIV/2.ª (GOV), propõe a prorrogação de ambas até ao final de 2021, isto é, até 31 de dezembro

de 2021.

Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado, a prorrogação da isenção do IVA nas transmissões e

aquisições intracomunitárias fica dependente do novo alargamento do período de aplicação da Decisão (UE)

2020/491, de 3 de abril de 2020, a que alude o Governo. Desta forma, pergunto ao Governo se o novo

alargamento do período de aplicação desta decisão agora em apreço se encontra devidamente autorizado. Faço

esta pergunta porque, aparentemente, não se encontra publicado no jornal oficial da União Europeia. Então,

caso não tenha sido aprovado, como se propõe o Governo fazê-lo?

Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado, o Grupo Parlamentar do PSD irá acompanhar esta proposta

de lei e a prorrogação que propõe até ao dia 31 de dezembro deste ano. No entanto, não podemos deixar de

lamentar que o Governo não tenha acompanhado também esta Câmara aquando da aprovação dos apoios

sociais extraordinários, que tiveram o apoio de todos os grupos parlamentares à exceção do Grupo Parlamentar

do Partido Socialista — volto a repetir, à exceção do Grupo Parlamentar do Partido Socialista!

Na altura, o Grupo Parlamentar do PSD, nomeadamente o seu líder, Deputado Adão Silva, chamou a atenção

para o seguinte: «O País vive uma hora extrema, de grande delicadeza, e é necessário encontrar soluções boas

e integradoras para as famílias, empresários e trabalhadores».

Sr.as e Srs. Deputados, há dois dias, no dia 12 de abril, segunda-feira, fomos confrontados com um estudo,

realizado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, intitulado A Pobreza em Portugal: Trajetos e

Quotidianos, que descreve um País adiado e empobrecido. Um quinto da população portuguesa é pobre, um

em cada três pobres tem emprego estável, isto é, tem emprego, mas é pobre; ou seja, temos empregos com

salários de pobreza. Por outro lado, diz que quase 50% dos desempregados estão em situação de pobreza e

que a taxa de pobreza infantil é persistentemente mais elevada do que a própria taxa global, sendo os agregados

onde existem aqueles em que a taxa de pobreza é mais elevada. Portanto, não só a geração atual sofre com a

pobreza, como a mesma está já a marcar a existência das próximas gerações.

Sr.as e Srs. Deputados, a crise social provocada pela COVID-19 e o elevado grau de incerteza e de

desorientação que resultou da intensidade e da duração da pandemia tiveram como consequência o aumento

da pobreza e do risco de ingresso ou de reingresso nessa situação dos mais vulneráveis e desprotegidos.

Esta Câmara tinha razão aquando da aprovação dos apoios sociais extraordinários. Os dados da pobreza

falam por si!

Aplausos do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência o Vice-Presidente José Manuel Pureza.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, muito boa tarde.

Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Moisés Ferreira, do Bloco de Esquerda.

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O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A proposta

que o Governo traz à Assembleia da República é, como já foi explicado pelo Sr. Secretário de Estado, a

prorrogação de algo que, na verdade, discutimos há poucas semanas.

Efetivamente, olhando para a evolução da pandemia, parece-nos que vamos ter ainda largos meses de

pandemia pela frente. Por esta razão, todas as medidas que possam, de alguma forma, agilizar e facilitar a

compra, a aquisição ou a transmissão de equipamentos de proteção individual e de equipamentos para se fazer

o diagnóstico serão acompanhadas por nós, tal como já acompanhámos, no passado, propostas semelhantes.

Contudo, tanto a União Europeia como o Governo português não poderão ignorar uma questão que nos

parece evidente, que é o facto de, neste momento, o grande problema ser o acesso à vacina. Não será,

obviamente, com uma isenção do IVA que o acesso à vacina se vai resolver, porque o problema não está tanto

na tributação da vacina, mas na produção da vacina. Esse é que é o grande problema neste momento, pelo que,

apesar de acompanharmos estas medidas, é claro que elas não o resolverão.

Era importante que a União Europeia e o próprio Governo português tomassem, pelo menos, uma posição

mais clara na autêntica guerra comercial a que estamos a assistir na indústria farmacêutica, que tenta anular

outros concorrentes e que, de alguma forma, cria um monopólio na produção de vacinas, resistindo ao

levantamento das patentes, à partilha da informação e da tecnologia para estrangular a produção e manter os

preços elevados e a mais-valia das farmacêuticas. Esse é, realmente, o problema neste momento.

Em relação a isso, a União Europeia e o próprio Governo português tiveram um comportamento lamentável

na reunião da Organização Mundial do Comércio ao não estarem ao lado dos vários países que defendiam o

levantamento das patentes. Portanto, o Governo, sem tomar uma posição mais corajosa e, enfim, por mais

isenções de IVA que possa trazer à Assembleia da República no que toca a equipamentos de proteção

individual, a testes de diagnóstico, etc., o problema não será resolvido.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado André

Silva, do PAN.

O Sr. André Silva (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A proposta

de lei que aqui discutimos é de elementar bom senso e acreditamos que, genericamente, é acompanhada por

todos. Trata-se de prorrogar até 31 de dezembro duas importantes medidas, a saber: a isenção de IVA nas

transmissões e aquisições intracomunitárias de bens necessários ao combate da pandemia e a aplicação de

taxa reduzida às máscaras e ao gel desinfetante. Esta é uma medida justa e necessária no atual contexto, em

que, apesar da vacinação, sabemos que as máscaras e o gel continuarão a fazer parte do nosso dia a dia.

Mas nesta ocasião não podemos deixar de lembrar que, se Portugal é o terceiro país da zona euro que

menos gasta no combate à crise sanitária, isso também se deve à visão adotada pelo Governo e pelo PS quanto

ao IVA dos equipamentos de proteção individual.

Vejamos: no ano passado, por exemplo, Itália, Finlândia, Bélgica ou Países Baixos abdicaram de receita

fiscal e isentaram as máscaras de IVA. Portugal preferiu abdicar apenas de parte dessa receita fiscal, mas

continua a cobrar 6% de IVA, mesmo num cenário em que as famílias vivem grandes dificuldades e em que o

valor que poupavam no IVA poderia ser canalizado para, por exemplo, despesas de alimentação. Ou seja, para

o Governo e o Partido Socialista, a receita fiscal e a poupança estão acima das necessidades das famílias.

Mas continuemos. Esta proposta de lei prorroga até ao fim de 2021 a aplicação de IVA de 6% para máscaras

e gel desinfetante e, há umas semanas, aprovámos aqui a isenção de IVA para as zaragatoas. O que pergunto,

Sr.as e Srs. Deputados, é se acham mesmo que são apenas estes os equipamentos necessários ao combate à

crise sanitária. Será que, por exemplo, as luvas de uso único não são necessárias para a proteção individual

das pessoas? As viseiras não são necessárias? E as batas cirúrgicas, as toucas ou as proteções de calçado

não deveriam ser sujeitas, tal como acontece com as máscaras, a uma taxa reduzida de IVA?

A resposta para o cidadão comum é relativamente óbvia: devia porque, sejam mais ou menos utilizados,

estes elementos são essenciais ao combate à crise sanitária e, por isso, devem ser taxados como tal. O carácter

essencial destes produtos foi inclusivamente reconhecido pela Comissão Europeia, na passada segunda-feira,

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com uma proposta onde incluiu os produtos que acabei de referir no âmbito proposta de isenção de IVA dos

bens e serviços que a Comissão Europeia e os órgãos e agências da UE disponibilizam aos Estados-Membros

e aos cidadãos em tempos de crise. Ou seja, se Portugal tem dúvidas de que, por exemplo, umas luvas de uso

único sejam essenciais para combater a crise sanitária, a Comissão Europeia não tem e deixou-o claro esta

semana. Contrariamente à opinião da Comissão Europeia, para Portugal existem equipamentos de proteção

individual de primeira e de segunda.

Mas sabem o mais curioso de tudo isto? É que, neste caso, a culpa não é só do Governo e do Partido

Socialista, uma vez que a 30 de abril de 2020 o PAN propôs, aqui, que todos estes bens essenciais ao combate

à crise sanitária tivessem IVA de 6% e essa proposta foi chumbada com os votos contra de Partido Socialista,

PCP, CDS-PP, PEV e Chega. Portanto, neste caso, se o Governo e o PS não abdicam da receita fiscal é porque

esta grande coligação negativa o permitiu.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada

Cecília Meireles, do CDS-PP.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Esta

proposta de lei que aqui, hoje, discutimos tem, na sua essência, exatamente a mesma análise, por parte do

CDS, que já teve a iniciativa que lhe deu origem e que discutimos aqui em abril de 2020.

O que ela vem fazer é consagrar um regime especial de IVA para alguns dos equipamentos que estão

relacionados com a COVID-19 e, naturalmente, o que nos parece é que, enquanto houver pandemia, faz sentido

que se mantenha este regime excecional. Portanto, nada a objetar desse ponto de vista à prorrogação da sua

vigência até 31 de dezembro de 2021.

Gostava, no entanto, de deixar uma sugestão e um alerta que tem a ver com o seguinte: esta legislação não

é a única relacionada com a COVID-19. Há muita legislação relacionada com a pandemia e começamos a ver

uma grande disparidade no que toca às datas e, sobretudo, às datas previsíveis da vigência dessa legislação.

Senão, vejamos: creio que no mês passado, o Governo já aprovou um decreto-lei que torna obrigatório o

teletrabalho e, também, o desfasamento de horários, de uma maneira que me parece manifestamente abusiva,

até 31 de dezembro de 2021. A pergunta que me fica, Sr. Secretário de Estado, é porque é que, por exemplo, a

legislação respeitante a moratórias bancárias não termina então, também, a 31 de dezembro de 2021 e porque

é que há moratórias a terminarem antes. Não podemos ter umas regras para umas coisas e outras regras para

outras.

Aproveitando a presença do Sr. Secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Fiscais — pois creio bem que

os processos de execução fiscal, que estiveram suspensos até ao fim do mês passado, agora, já não o estão

— gostava de perguntar-lhe porque é que não aplicou à matéria que tutela, designadamente aos processos de

execução fiscal, a mesma lógica que vem aqui propor que seja aplicada, e bem, às máscaras e a outro material

de combate à pandemia.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Duarte

Alves, do PCP.

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Mais uma vez

discutimos o prolongamento da isenção de IVA relativamente à importação de dispositivos necessários ao

combate à COVID-19.

Tal como tem sido a nossa postura ao longo da crise sanitária que enfrentamos, aprovaremos todas as

medidas que permitem remover entraves à importação de bens necessários ao combate à COVID-19.

Mas se é verdade que a fiscalidade não deve ser um entrave à grande missão que o País enfrenta, que é

avançar rapidamente com o processo de vacinação, também é verdade que há outros obstáculos que deviam

ser também superados. E, desde a última vez que discutimos este tema, em fevereiro passado, o Governo

insiste em não remover esses obstáculos.

Falamos dos obstáculos que resultam da ganância e das falhas de compromisso das grandes farmacêuticas.

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Falamos dos obstáculos que resultam da autolimitação, por parte do Governo, aos contratos feitos pela União

Europeia com farmacêuticas que não têm capacidade de produção suficiente e não aceitam subcontratar a

produção de vacinas nem partilhar ou suspender as patentes.

Mesmo quando países como a Alemanha, que, aliás, fazem parte do diretório de potências que manda na

União Europeia, já recorrem a vacinas fora dos contratos da União Europeia, Portugal continua amarrado a esta

estratégia desastrosa de Bruxelas na matéria das vacinas.

O Sr. Bruno Dias (PCP) — Exatamente!

O Sr. Duarte Alves (PCP): — É preciso garantir a diversificação da aquisição das vacinas para que os

objetivos de vacinação sejam concretizados.

Mais uma vez, é preciso que, além destes obstáculos fiscais que agora são removidos, também esses outros

obstáculos sejam ultrapassados, para uma rápida vacinação de todos os portugueses e o combate à COVID-

19, a fim de que se retome a normalidade na vida.

Sr. Secretário de Estado, aquilo que o Governo faz com esta medida é aplicar a isenção de IVA a estes

produtos antes de sair uma diretiva europeia. E faz muito bem porque, se isso é, de facto, necessário, deve

fazê-lo sem estar dependente da União Europeia.

Relativamente às moratórias e à proposta do PCP que foi aqui apresentada e aprovada pela Assembleia da

República, aquilo que tem sido colocado como grande entrave é a ideia de que não há autorização por parte da

Autoridade Bancária Europeia. Aquilo que gostaria de perguntar ao Governo é que diligências é que tomou para

garantir que também são removidos os obstáculos à aplicação desta medida, que é o prolongamento das

moratórias, uma medida urgente perante o momento que vivemos atualmente.

Naturalmente, não resolve tudo — o que resolverá tudo será conseguirmos a normalidade da vida para que

as pessoas possam pagar as suas prestações e será também com a vacinação que isso poderá avançar —,

mas a medida relativa às moratórias precisa de ter uma rápida resolução e gostaríamos de saber se o Governo,

nessa matéria, está a tomar diligências no sentido de garantir que esta medida, quando for aprovada na sua

versão final, possa não ter nenhum obstáculo da parte da Comissão Europeia.

Aplausos do PCP e do PEV.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada

Vera Braz, do Partido Socialista.

A Sr.ª Vera Braz (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: Há mais de um ano que

fazem parte do nosso vocabulário termos como respiradores, ventiladores, monitores, máscaras ou gel

desinfetante, entre outros, dispositivos médicos ou materiais de proteção que se tornaram indispensáveis na

luta contra a COVID-19, seja na sua prevenção, seja no tratamento de pessoas afetadas por este surto.

Foram estas as nossas primeiras armas de combate a esta pandemia. Desde logo, numa concertação de

esforços entre os diversos Estados-Membros da União Europeia, foram determinadas ações conjuntas que

potenciassem os benefícios decorrentes de instrumentos excecionais disponíveis para ajudar as vítimas e com

enquadramento no atual contexto de pandemia. Naturalmente, foram adotadas medidas fiscais, nomeadamente

a aplicação de franquia aduaneira e isenção total de IVA nas importações de bens como os que referi

inicialmente.

Em Portugal, o Governo, consciente da importância do tratamento fiscal diferenciado para o combate à

pandemia, estendeu, e bem, essa isenção de IVA, não esquecendo as nossas empresas e a exigência de manter

a livre concorrência num mercado aberto.

Seguiram-se outras isenções, como a isenção do IVA para as transmissões de dispositivos médicos para

diagnóstico in vitro da COVID-19, de vacinas e prestações de serviços relacionadas com estes, e nunca é demais

relembrar, porque já foi aqui hoje referida e colocada em causa a nossa capacidade de testagem, que estamos

perto de alcançar os 10 milhões de testes realizados e que, quanto ao plano de vacinação, se é certo que

gostaríamos de ter um maior número de vacinas já administradas, também nunca é demais ressalvar o trabalho

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inglório dos nossos profissionais de saúde, que têm, de uma forma eficiente, dado uma resposta exemplar,

estando já administrados 2,2 milhões de vacinas.

É na prossecução deste caminho de apoio, mas também de responsabilidade e exigência de não desperdiçar

nenhuma medida que auxilie no combate à COVID-19, que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista estará ao

lado do Governo na extensão deste prazo até 31 dezembro de 2021 e concedendo a possibilidade de um novo

prolongamento, por decreto-lei, da isenção de IVA para as aquisições e transmissões intracomunitárias destes

bens que continuam a ser imprescindíveis para travar esta luta, salvar vidas e recuperar a economia.

E porque foi aqui referida a questão dos apoios sociais, gostava também de apenas relembrar que, com as

medidas excecionais para apoiar e travar a quebra de rendimento dos trabalhadores, das famílias e das

empresas, já foram alcançados 2,4 milhões de pessoas, quase 200 mil empresas, num valor de 2500 milhões

de euros, incluindo em deduções contributivas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A Mesa não regista inscrições de nenhum grupo parlamentar

para mais intervenções.

Dando o vosso silêncio como aquiescência de que assim é, avançamos para o encerramento deste debate

com a intervenção do Governo, tendo a palavra, para o efeito, o Sr. Secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos

Fiscais, António Mendonça Mendes.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e dos AssuntosFiscais: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados:

Agradeço as questões que colocaram, particularmente as da Sr.ª Deputada Lina Lopes, relativamente à questão

de Portugal estar a legislar antes ainda de estar publicada a decisão da Comissão.

Sim, estamos a fazê-lo, Sr.ª Deputada. E estamos a fazê-lo por dois motivos: em primeiro lugar, para

assegurar a continuidade da medida, que acabava a isenção no dia 31 de março — julgo que a Sr.ª Deputada

não se oporá, seguramente, a essa decisão de estabilidade — e, por outro lado, porque a própria União Europeia

convidou Portugal a aderir a essa mesma prorrogação e Portugal já o comunicou. Por isso, estamos apenas à

espera de que seja publicado e, como o Sr. Deputado Duarte Alves colocou, e bem, estamos,

independentemente dessa decisão, já a tomá-la.

Sr.ª Deputada, a decisão da Comissão Europeia é sobre as importações. A nossa interpretação é a de que

só há livre concorrência no mercado único se essa decisão, relativamente às importações, for estendida, como

fizemos desde o início, às aquisições intracomunitárias e às aquisições internas.

Por isso, Sr.ª Deputada, nestes debates, que são debates simples, de prorrogação de uma medida, julgo que

não vale a pena estarmos a tentar distanciar-nos uns dos outros. Estamos todos a favor da medida.

A Sr.ª Lina Lopes (PSD): — Só quero saber se estão ou não. Só fiz uma pergunta!

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e dos AssuntosFiscais: — Por isso, não é por termos mais tempo

para a oratória que aproveitamos para zurzir uns nos outros, porque o que é importante, do meu ponto de vista,

é estarmos concentrados na resolução das questões colocadas.

Por exemplo, os Srs. Deputados estavam a falar de moratórias e lembrei-me do despacho, que assinei antes

mesmo de vir para cá, relativamente às moratórias nos contratos de locação financeira, em que se colocava a

questão de saber, quando as locações financeiras são superiores a 12 meses e não há prestações mensais, se

seria devida, depois, a cobrança de IVA às empresas e às famílias. Evidentemente que se aprovarmos uma

moratória de 12 meses, não podemos, naturalmente, fazer tábua rasa dessa moratória e aplicar o IVA.

Assim sendo, acho que estamos todos muito empenhados na resposta que tem de ser dada e aquilo que

retiro deste debate é a unanimidade, que me parece existir, na extensão, autorizada pela União Europeia, da

isenção de IVA relativamente a estes produtos até 31 de dezembro de 2021.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Concluída a discussão, na generalidade, da Proposta de Lei n.º

79/XIV/2.ª (GOV), passamos à reapreciação do Decreto da Assembleia da República n.º 95/XIV — Aprova

medidas especiais de contratação pública e altera o Código dos Contratos Públicos, aprovado em anexo ao

Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, o Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado em

anexo à Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro, e o Decreto-Lei n.º 200/2008, de 9 de outubro.

Para iniciar o debate, tem a palavra, em nome do Governo, o Sr. Secretário de Estado da Presidência do

Conselho de Ministros.

O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros (André Moz Caldas): — Sr.

Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A reapreciação do Decreto n.º 95/XIV exige que recordemos os objetivos da

Proposta de Lei n.º 41/XIV/1.ª (GOV), que esteve na sua origem, e o caminho que tal proposta percorreu até

aqui.

Ora, a Administração Pública não pode, com qualidade, eficácia e eficiência, exercer os seus fins de garante

do interesse público e de satisfação das necessidades públicas e coletivas se não for dotada de adequadas

ferramentas, designadamente jurídicas.

Pretendia-se, então, no respeito pelo princípio da boa administração, a promoção da atividade administrativa

contratual sem desperdício de tempo, de meios humanos e de recursos financeiros.

As alterações propostas dividiam-se, no essencial, em dois planos, unidos por um propósito de modernização

e simplificação da atividade administrativa e de promoção da publicidade e escrutínio de todos os procedimentos.

De um lado, estabelecia-se um regime especial de contratação pública, endereçado a alguns objetivos de

políticas públicas que necessitam de uma resposta mais célere e ágil, e, de outro lado, concretizava-se uma

alteração ao Código dos Contratos Públicos, que, para além de promover uma série de acertos a lacunas e

insuficiências que a experiência tornou visíveis, assentava a sua maior relevância na adoção de medidas de

simplificação e de flexibilização do regime da contratação pública.

O regime especial concretizava como objetivos centrais da atividade administrativa contratual a execução de

projetos cofinanciados por fundos europeus, de projetos integrados no âmbito do Programa de Estabilização

Económica e Social, de promoção da habitação pública ou de custos controlados, de intervenção em imóveis

cuja titularidade e gestão tivesse sido transferida para os municípios no âmbito do processo de descentralização

de competências e de iniciativas no âmbito das tecnologias de informação e conhecimento.

Estabelecia ainda medidas quanto aos contratos celebrados no âmbito do Sistema de Gestão Integrada de

Fogos Rurais, no que concerne à gestão de combustíveis, e no âmbito da aquisição de bens agroalimentares

provenientes de produção em modo biológico, fornecidos por defensores do Estatuto da Agricultura Familiar ou

do estatuto de Jovem Empresário Rural.

No que concerne à alteração ao Código dos Contratos Públicos, era, desde logo, destacada a introdução,

pela primeira vez, entre os princípios gerais da contratação pública, da referência ao dever de as entidades

adjudicantes assegurarem que os operadores com que se relacionam garantem o respeito pelas normas

aplicáveis em matéria de prevenção e combate à corrupção. Esta norma era, aliás, concretizada mediante o

estabelecimento da obrigação de alguns adjudicatários apresentarem um plano de prevenção da corrupção e

de infrações conexas, enquanto documento de habilitação, bem como pela proibição nas consultas prévias ou

na sucessão de consultas prévias do convite a entidades especialmente relacionadas quer por partilharem

representantes legais ou sócios quer por se encontrarem coligadas por qualquer tipo de relação.

Valorizava-se ainda os critérios social, ambiental e cultural, no encalço de relevar positivamente o contributo

das propostas para os objetivos de valorização da economia circular e de combate às alterações climáticas,

designadamente pela valorização das cadeias curtas e das compras públicas de proximidade, entre outros

aspetos de inovação, promoção da qualificação e dinamização cultural.

Em suma, alinhava-se o regime das compras públicas às principais prioridades políticas do País e da Europa,

colocando-o ao serviço da satisfação das necessidades públicas mais urgentes e promovendo os principais

referenciais e boas práticas em matéria de contratação pública.

No momento da sua apresentação neste Parlamento, o Governo colocou-se à disposição da Assembleia

para contribuir para um aprofundado debate que contribuísse para a construção de um consenso alargado. Esse

debate, fortemente participado, deu origem ao texto de substituição que esta Assembleia aprovou e que hoje

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reapreciamos com alterações, fruto da mensagem que Sua Excelência o Presidente da República endereçou a

esta Assembleia aquando da devolução do Decreto.

O Governo continua disponível para esse debate. O alargado consenso entre órgãos de soberania, que

sempre se procurou, visa reforçar a qualidade dos mecanismos subjacentes a esta intervenção legislativa, quer

os de simplificação quer os de fiscalização e transparência.

As instituições, órgãos de soberania ou Administração devem fazer todos os esforços para que os contratos

sejam transparentes, afastando suspeições quanto aos investimentos de que o País precisa, precisamente

porque o País deles precisa e não pode ver-se prejudicado nem por burocracias injustificadas, nem pela

corrupção, nem pela perceção da corrupção. A perceção da corrupção, se superior aos índices verificados de

corrupção, é um mal em si mesmo, que deteriora a confiança nas instituições, a reputação do País e a qualidade

da própria democracia.

As melhorias introduzidas no decreto, na versão que hoje aqui discutimos, respondem a todas as justas

inquietações do Chefe do Estado e permitem credibilizar o regime especial contido na iniciativa legislativa. Com

um nível de exigência acrescida aqui presente, quer em sede de fiscalização do Tribunal de Contas, quer em

sede de acompanhamento pela comissão criada para o efeito, quer ainda em sede contraordenacional, o País

fica seguro de que são muitos os olhos postos sobre estes processos e muitos os crivos pelos quais eles têm

de passar. Isto é central para a qualidade da nossa democracia e para o desenvolvimento do nosso País.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos

Pereira, do Grupo Parlamentar do Partido Socialista.

O Sr. Carlos Pereira (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Apesar da tremenda resistência e

resiliência do País à crise provocada pela pandemia, estou certo ser consensual que Portugal deve acelerar e

aprofundar todos os processos que ajudem a recuperação, de modo a minimizar os óbvios prejuízos sociais e

económicos.

Há largos meses, a dúvida mais inquietante era saber se seria possível mobilizar os meios financeiros

suficientes para o combate a uma crise única e que atingiu de rompante as famílias e as empresas portuguesas.

Vale a pena sublinhar que essa legítima inquietação está, em grande parte, ultrapassada. Os meios estão

disponíveis e, apesar do prolongamento da pandemia e da incerteza que a norteia, há sólidas razões para

mantermos a esperança na existência de um financiamento adequado para as necessárias políticas anticíclicas

e para o investimento público adequado para a recuperação do País.

Habituámo-nos a debater, ao longo dos últimos anos, as dificuldades de execução do investimento público,

designadamente aquele financiado por fundos europeus, mas não apenas estes. E sabemos que, perante a

dimensão dos meios disponíveis — seja no quadro do Plano de Recuperação e Resiliência, seja no próximo

quadro financeiro plurianual — e o período curto que está acordado para a sua execução, as dificuldades

poderão agravar-se, com consequências incalculáveis para o processo de recuperação do País.

Foi neste contexto que o Governo propôs alterações ao Código dos Contratos Públicos e criou um regime

especial, não numa profunda alteração da contratação, mas introduzindo mecanismos pontuais e com tempo

determinado, para evitar que a recuperação económica e social seja comprometida, levando talvez até à perda

de meios financeiros.

Paralelamente, e tendo consciência da necessidade de aprofundar o escrutínio e a transparência, como já

referiu aqui o Sr. Secretário de Estado, além do combate à corrupção, foram introduzidas novas exigências para

assegurar esses compromissos.

Foi neste contexto que o diploma foi aprovado no Parlamento e que mereceu o veto e a mensagem do Sr.

Presidente da República e a maior atenção do Grupo Parlamentar do PS.

Sr. Presidente, na sequência da análise que efetuámos, considerámos que devíamos acompanhar as

preocupações do Chefe do Estado, até porque elas correspondem às preocupações do Grupo Parlamentar do

Partido Socialista, designadamente em matérias relacionadas com o controlo e acompanhamento efetivo por

parte do Tribunal de Contas de todos os contratos celebrados e respetivas consequências, mas também no

aprofundamento das incompatibilidades dos membros da comissão independente e a sua nomeação.

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Termino referindo que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista tem consciência de que não chegam as

alterações legislativas e que a qualidade das instituições, dos recursos disponíveis, além do modelo de

governança, são decisivos, mas, como referi no início, é muito importante fazermos tudo o que está ao nosso

alcance, de modo a agilizar e a remover os obstáculos, para que a recuperação possa contar com todos os

meios disponíveis, mas também com o rigor e a transparência que os portugueses anseiam.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para o seu minuto de intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado

João Cotrim de Figueiredo, do IL.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados:

Mais uma vez, somos chamados a discutir este decreto, objeto de veto pelo Presidente da República, ecoando

esse veto a opinião que todos os partidos, menos o PS e o PSD, têm vindo a transmitir, desde o início, isto é, a

de que os procedimentos previstos não asseguram garantias suficientes de legalidade.

Estes problemas partem de uma visão que o Partido Socialista e o seu Governo insistem em imprimir nas

suas propostas: para o PS, ou há simplificação ou há transparência, como se fossem duas coisas incompatíveis

num mesmo procedimento.

O Iniciativa Liberal discorda desta visão, até porque, em muitos países, muitos deles liberais, a simplificação

e transparência nos procedimentos coexistem com sucesso. Infelizmente, percebe-se bem porque é que o

Partido Socialista pensa o contrário.

É que os relatórios elaborados pelo Tribunal de Contas sobre este regime excecional de contratos públicos,

adotado a pretexto da pandemia, têm arrasado as entidades públicas. No último relatório, o Tribunal de Contas

escrevia mesmo que foram detetadas, e cito, «adjudicações/contratos publicitados no Portal BASE que não

foram enviados ao Tribunal de Contas e vice-versa». Metade das recomendações do Tribunal podiam, na

realidade, ser apenas um simples «recomenda-se ao Governo que cumpra a lei». Ter um tribunal a ter de dizer,

repetidamente, ao Governo para cumprir a lei é sinal do estado a que as coisas chegaram.

Ao dizer que o PS não acredita que possa haver um sistema que seja, ao mesmo tempo, simples e

transparente, estamos, no fundo, a dizer que o Partido Socialista conhece demasiado bem o Partido Socialista.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Silva,

do PAN.

O Sr. André Silva (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A posição

do PAN neste debate é a mesma de sempre. Para nós, especialmente num contexto de crise como o que

vivemos, uma revisão das regras de contratação pública não pode servir para não incrementar requisitos

ambientais, para fazer greenwashing ou para aumentar os riscos de corrupção num domínio onde tais riscos já

são desmesurados. Estes defeitos não foram criticados pelo Presidente da República e o PS e o PSD aproveitam

e deixam tudo como está para ver se passa despercebido.

Desde logo, mantêm-se os regimes de exceção, em que se isentam de concurso público obras até 750 000

euros. Mantém-se o aligeiramento da fiscalização do Tribunal de Contas. Damos, assim, passos largos à

redução da concorrência, com prováveis encargos para o Estado, e à redução da transparência, potenciando o

aumento de casos de corrupção. Houve pessoas que, inclusive, falaram deste regime como um «convite a

roubar», mas o bloco central não quis saber, e continua a não querer saber.

Vimos também reduzida a proteção dada às entidades públicas adjudicantes — ao Estado, entenda-se —,

por via das novas regras que eliminam a exigência de caução em contratos, até aqui obrigatórias. Mas o bloco

central não quis saber, e continua a não querer saber.

Mas, então, do que quiseram PS e PSD saber? De mera cosmética. Insiste-se numa comissão independente,

cuja utilidade não é percetível, que não se percebe como se vai articular com outras estruturas existentes. Esta

comissão, proposta pelo PS, dará um chorudo salário aos seus membros, que são equiparados a dirigentes de

primeiro grau, metade dos quais muito provavelmente boys ou amigos do bloco central, sem lhes exigir

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exclusividade, sem lhes impor regras rígidas de incompatibilidades e impedimentos e sem garantir exigência na

prevenção de conflitos de interesses. São estas as grandes medidas de combate à corrupção de PS e PSD?

Muito embora se preveja uma solução para o caso de haver uma ilegalidade pós-início da execução do

contrato e de se prever um regime contraordenacional para os infratores, o PS, apoiado pelo PSD, insiste num

caminho de desvalorização do Tribunal de Contas e da sua fiscalização. Nos termos em que a proposta está, e

sabendo bem o bloco central da ausência de recursos humanos e meios técnicos do Tribunal de Contas,

nomeadamente de sistemas de gestão da informação adequados e modernos, vai levar a que esta fiscalização

seja ineficaz e que as penalizações supostamente muito rígidas nunca saiam do papel.

Finalmente, temos a pressa na entrada em vigor do diploma, que o Partido Socialista quer que seja para

daqui a 16 dias, o que impedirá o Tribunal de Contas de se preparar e adaptar minimamente para este novo

enquadramento. Sr.as e Srs. Deputados do PS e do PSD, qual é a pressa? Qual é a pressa para que esta lei

entre em vigor tão depressa, se é sabido, inclusivamente, que o PRR nem sequer está aprovado em Portugal e

que a apreciação em curso pelo Tribunal Constitucional alemão até pode atrasar o processo?

Por tudo isto, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, o PAN votará contra este acordo do bloco

central.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado

Jorge Salgueiro Mendes, do PSD.

O Sr. Jorge Salgueiro Mendes (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados:

Na discussão da proposta do Orçamento para 2020 o Governo sinalizou as dificuldades do processo de

contratação pública como um dos obstáculos para a execução do investimento público, muito abaixo do previsto.

Pela voz de vários ministros, mas também do Sr. Primeiro-Ministro, clamou-se pela alteração do

enquadramento legal da contratação pública.

Esta pretensão do Governo foi, de certo modo, respaldada pela experiência da aplicação da última revisão

do código da contratação pública, com a existência de lacunas e insuficiências que urgia resolver. A saber: a

necessidade de minimizar o número de concursos desertos; a necessidade de reduzir a litigância pré-contratual

e a necessidade de moderar as discrepâncias entre tribunais administrativos e fiscais e/ou entre juízes e/ou

entre acórdãos de primeira instância e de recurso.

Em março de 2020, Portugal sofreu os primeiros impactos da COVID-19, que obrigaram a decretar o estado

de emergência, hoje mesmo renovado, com efeitos na atividade económica e na vida dos portugueses.

A contração da atividade económica resultante do impacto da COVID-19 impôs, e impõe, a adoção de

medidas de dinamização da economia portuguesa, assumindo o investimento público um papel estratégico no

seu relançamento, em alinhamento com as opções da União Europeia, em especial do seu Plano de

Recuperação e Resiliência.

A conjugação da necessidade de resolver problemas da contratação pública com a rápida execução do nosso

PRR levou o Governo a apresentar a Proposta de Lei n.º 41/XIV/1.ª, em junho 2020, visando simplificar e

flexibilizar os procedimentos de formação dos contratos públicos, com vista ao aumento de eficiência da despesa

pública.

O PSD, relativamente à proposta do Governo, manifestou, de forma clara e inequívoca, perspetivas

diferentes. Nomeadamente, defendia que o regime a aprovar deveria ser somente de exceção e transitório;

defendia que as alterações definitivas a inscrever no código ficariam para momento posterior, após decorrer a

respetiva avaliação e balanço; e defendia que deveria ser constituída uma comissão independente de

acompanhamento e avaliação do regime especial e transitório.

Em outubro de 2020, após discussão e votação, em sede de especialidade, das propostas apresentadas

pelas diferentes forças políticas, com profundas implicações na proposta do Governo, a Assembleia da

República aprovou a Proposta de Lei n.º 41/XIV/1.ª, em votação final global, doravante designada Decreto n.º

95/XIV.

Em consequência, e perante o veto de Sua Excelência o Sr. Presidente da República, o PSD reafirma o que

sempre defendeu: está disponível para colaborar com as restantes forças políticas e com o Governo para

introduzir alterações de simplificação na contratação pública, mas com reforço da transparência e da

fiscalização.

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Aliás, esta é, na sua essência, também, a avaliação do Sr. Presidente da República ao Decreto n.º 95/XIV.

E é bom que se leia o decreto e, sobretudo, o veto do Sr. Presidente da República, quando o Sr. Presidente

da República diz que o regime proposto visa simplificar e agilizar procedimentos, tendo como objetivo central

facilitar a contratação financiada por fundos europeus, e que é compreensível e desejável a necessidade de

simplificação e aperfeiçoamento de procedimentos num contexto excecional e nos prazos muito limitados

previstos.

Mas também diz o Sr. Presidente da República que a simplificação e aperfeiçoamento supõem, como

contrapartida, uma preocupação atenta com o controlo, mesmo a posteriori, pelo Tribunal de Contas, e seus

efeitos.

A Assembleia da República, em consequência do veto presidencial, debate e votará as propostas de

alteração que, estamos convictos, clarificarão e permitirão ultrapassar as dúvidas existentes. A saber: os efeitos

do controlo a posteriori pelo Tribunal de Contas para adjudicante e adjudicatário — estão propostos no artigo

17.º —, um claro reforço do papel do Tribunal de Contas, que passará a ter acesso a todos os ajustes diretos

simplificados entretanto realizados.

Se o Tribunal de Contas tem ou não recursos humanos, técnicos ou financeiros para o fazer, terá de ser o

Governo a dar esse apoio ao Tribunal de Contas. Mas, pelo menos, da parte dos políticos desta Casa, isto está

comprometido.

Em relação à definição, em sede do atual decreto, da composição e estatuto dos membros da comissão

independente, da sua missão e competências — artigos 18.º e 19.º —, é com remuneração zero, pro bono; não

estão equiparados, para efeitos remuneratórios, às categorias que o Sr. Deputado do PAN acabou de referir,

com um evidente reforço do papel da Assembleia da República neste domínio da autonomia dos membros da

comissão e da própria comissão.

O PSD, nesta matéria, colaborou com o Governo com lealdade e empenho, permitindo transformar uma

proposta do verão de 2020, ferida de morte, dadas as críticas contundentes, numa lei credível e ajustada aos

problemas que urge resolver, dadas as circunstâncias do momento e em nome do interesse nacional.

Mas, Sr.as e Srs. Deputados, agora está na hora de o Governo mostrar trabalho, resolver as trapalhadas do

PRR, um plano que não agrada nem convence.

O Governo tem ao seu dispor, com a aprovação do Decreto n.º 95/XIV, todos os instrumentos para uma boa

execução do PRR. Acabaram-se as desculpas!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada

Isabel Pires, do Bloco de Esquerda.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas:

O debate sobre o Código dos Contratos Públicos, no ano de 2020, foi muito extenso e levantou — e para o Bloco

de Esquerda continua a levantar — questões muito sérias.

Aquando da apresentação da proposta de lei do Governo, no ano passado, dissemos, e reiteramos, que há

necessidade de aceder rapidamente a fundos comunitários, como forma de impulsionar investimentos relevantes

na resposta à crise, com certeza, mas esse caminho deve ser feito mantendo a necessária transparência e

capacidade de escrutínio destas decisões.

E lembramos os alertas e propostas que foram chegando à Assembleia da República, das Ordens dos

Arquitetos e dos Engenheiros, da Autoridade da Concorrência, da Procuradoria-Geral da República, do Tribunal

de Contas, entre muitos outros. Havia problemas de aprofundamento da opacidade de processos que se querem

transparentes e alertas vários sobre o aumento potencial de casos de corrupção ou similares.

Da parte do Bloco de Esquerda não descuramos a importância do Código dos Contratos Públicos e a sua

complexidade e, por isso mesmo, uma alteração com um propósito muito específico a este documento, que,

aliás, o Governo admitiu, a determinada altura, ser temporário, com a criação de um regime especial, não nos

parece ser a forma correta de ter estes debates.

O trabalho de especialidade foi longo, também. Quase todos os partidos da Assembleia da República

colocaram em cima da mesa as suas propostas, onde nos incluímos também, e optámos, da parte do Bloco de

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Esquerda, por uma lógica de reverter as alterações do Governo que prejudicavam gravemente matérias de

transparência, de rigor, porque entendemos que, no momento de grande exigência como é aquele que vivemos,

não é compreensível que se aligeirem procedimentos de controlo.

Praticamente todas as propostas de alteração do Bloco de Esquerda foram recusadas, com exceção da

inclusão de critérios de promoção do cumprimento do Código do Trabalho e convenções coletivas de trabalho

nos contratos feitos, que sempre foi uma batalha de muitos anos.

Mas, sem prejuízo de alterações muito pontuais no processo de especialidade, o documento final continuava,

do nosso ponto de vista, a manter erros graves e daí o nosso voto contra. Aliás, é de ressalvar que o documento

acabou por ser aprovado apenas com o voto a favor do Partido Socialista.

Em dezembro de 2020, o veto do Presidente da República chegou e foi importante para alertar para a

necessidade de não descurar os mecanismos de controlo e para a necessidade de clarificação da comissão

independente de acompanhamento.

No entanto, este veto não foi tão longe quanto poderia e quanto deveria, já que deixa, no geral, toda a lógica

das alterações intacta e não toca nas alterações que impuseram mudanças na contratação, valores e retirada

do escrutínio.

Agora, o PS apresenta propostas de alteração que pretendem responder a este veto.

Excluindo algumas propostas de pormenor e de redação, continua a preocupar-nos o que concerne ao

Tribunal de Contas: contratos abaixo de um determinado valor serão remetidos para o Tribunal de Contas mas

sem que este tenha de avaliar previamente por obrigatoriedade, por obrigação. Ao mesmo tempo, os contratos

podem efetivar-se, mesmo que irregularidades ou ilegalidades sejam detetadas durante ou após este mesmo

processo.

Portanto, na prática, remete tudo para fiscalizações sucessivas, dificultando, de facto, aquela que deveria ser

a fiscalização preventiva. E, no geral, parece tudo muito confuso para um resultado que pode muito bem sair

completamente gorado.

Além disso, preocupam-nos também as reservas que o próprio Tribunal de Contas veio tornar públicas sobre

a proliferação de institutos e mecanismos de controlo, na medida em que esta proliferação pode, na prática,

significar confusão e não verificação de possíveis situações irregulares. Portanto, parece-nos que deve ser um

alerta a ter em conta e obviamente que é necessário também o reforço do próprio Tribunal de Contas.

Sr. Presidente, por tudo isto, e por considerarmos que continuam a não estar garantidos os mecanismos de

controlo de fiscalização e de rigor, continuaremos a não acompanhar, genericamente, estas propostas, porque

continuamos a achar que o equilíbrio — e aqui equilíbrio é a palavra-chave — entre a eficácia dos investimentos

públicos e a salvaguarda dos dinheiros públicos, não sendo fácil, não pode ser descartado de maneira nenhuma.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado

Bruno Dias, do PCP.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta

de alteração ao Código dos Contratos Públicos que foi apresentada pelo Governo na Assembleia da República

em junho do ano passado, substituída pelo Governo em julho do ano passado e negociada entre PS e PSD em

outubro do ano passado, com a aprovação daí resultante, foi vetada pelo Presidente da República em dezembro,

tendo sido apresentada aqui a mensagem dessa devolução sem promulgação no momento próprio.

Analisámos, naturalmente, com atenção essa mensagem do Presidente da República e a primeira referência

que queremos sublinhar nesta intervenção é que as razões de fundo que levaram, e que levam, à discordância

do PCP face a este diploma e a este processo legislativo vão muito para além das duas questões apontadas

nos fundamentos do veto presidencial.

As razões da nossa discordância e do nosso voto contra foram razões substanciais, que se mantêm neste

quadro, face ao texto em apreciação.

Estamos a falar, concretamente, de opções como as medidas especiais de contratação pública dirigidas a

áreas de especial prioridade política — que, aliás, o Sr. Secretário de Estado já referiu na sua intervenção —,

discriminando regimes e agravando injustiças, ou da eliminação do atual artigo 27.º-A do Código dos Contratos

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Públicos, relativo ao procedimento de consulta prévia, ou das alterações que são operadas aos atuais artigos

43.º e 88.º no que concerne, respetivamente, ao caderno de encargos do procedimento de formação de contratos

de empreitada e à redução do valor contratual para exigência de caução, ou da alteração ao Código de Processo

nos Tribunais Administrativos, que, em decisões sobre o levantamento dos efeitos suspensivos de uma

impugnação, substitui o critério atual do interesse público por uma amálgama de todos os interesses públicos e

privados em presença.

Estas matérias, Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, mantêm-se inalteradas no texto

em apreciação, na medida em que quer o veto do Presidente da República, quer as alterações propostas pelo

Grupo Parlamentar do PS se dirigem a outras questões que não a estas.

Reafirmamos aqui o alerta que o PCP colocou no debate de julho de 2020: a consagração de procedimentos

especiais para contratos relacionados com financiamentos comunitários é suscetível de criar uma dupla

discriminação entre entidades que, tendo-se candidatado, obtêm financiamento e outras que, não tendo acesso

a eles, não só não conseguem obter financiamento como ficam sujeitas a um processo menos ágil.

As alterações apresentadas agora pelo Grupo Parlamentar do PS não respondem às questões de fundo,

trazem, em alguns aspetos específicos, algumas alterações pontuais — e a nossa votação será decorrente

dessa apreciação, onde tal se verifique —, mas não podemos deixar de sublinhar que se mantêm,

substancialmente, as razões para a discordância do PCP nas opções políticas que este diploma traduz na

alteração ao Código dos Contratos Públicos e, bem assim, ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos,

tal como resultam da Proposta de Lei n.º 41/XIV/1.ª.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A próxima intervenção será do Sr. Deputado João Almeida, do

CDS-PP. Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs.

Deputados: O código da contratação pública e todo o enquadramento jurídico da contratação pública são

essenciais num Estado de direito e numa economia de mercado para avaliarmos a transparência, o rigor, a

concorrência e o combate aos riscos de corrupção que existem, ou não, nesse Estado, com essa legislação.

Portanto, sabemos que se o regime for mais simples, obviamente, os riscos são menores, se o regime for

mais complexo, aumentam os riscos de não se conseguir cumprir qualquer um destes objetivos, de os processos

serem menos transparentes, serem menos rigorosos, respeitarem menos as regras da concorrência e

aumentarem os riscos de corrupção.

O mesmo se diga sobre a estabilidade ou instabilidade das normas. Se tivermos um regime estável,

naturalmente, é mais fácil que consigamos atingir esses objetivos.

Portanto, segundo este critério, temos o primeiro problema com esta alteração legislativa. É nada mais, nada

menos do que a 17.ª versão do código da contratação pública em 13 anos, ou seja, a média de alterações ao

código da contratação pública é superior a uma alteração por ano, o que é, de todo, indesejável para um regime

jurídico deste género.

Mas todo o mal fosse esse. Sabemos, desde o início, o que é que o Tribunal de Contas, entidade fundamental

no regime jurídico da contratação pública, dizia sobre as alterações que se pretendia introduzir nesta matéria. E

aí deve dizer-se que, felizmente, o diploma que saiu da Assembleia da República, ainda assim, era muito mais

moderado do que aquilo que o Governo e o Partido Socialista queriam que fosse. Portanto, apesar de tudo,

houve um travão ao facilitismo que o Partido Socialista e o Governo queriam introduzir.

Do nosso ponto de vista, esse travão não foi suficiente, e lembro as críticas do Tribunal de Contas. O Tribunal

de Contas disse que a proposta do Governo introduzia alterações que eram, e passo a citar, «suscetíveis de

contribuir para o crescimento de práticas ilícitas de conluio, cartelização e até mesmo de corrupção na

contratação pública» e que «a atividade da contratação pública é um campo fértil e de risco acrescido para esse

tipo de atuação ilícita». Perante estes alertas do Tribunal de Contas, nós vemos que aquilo que se tem no

diploma final não acautela, de maneira suficiente, estas preocupações.

O CDS apresentou propostas na especialidade. Na altura, entendíamos que essas propostas eram

importantes para concretizar aquilo que o Tribunal de Contas tinha alertado como riscos, para concretizar o

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evitar desses riscos. No limiar dos valores inscritos no código da contratação pública houve, de facto, algumas

reduções, algumas delas substanciais — também para se ver o absurdo das alterações que aqui se propunham

e dos valores elevadíssimos que vinham na proposta inicial —, mas houve outras questões importantes que não

foram alteradas.

Por exemplo, quanto a um concurso público em que todas as propostas sejam excluídas, diz-se: se todas

são excluídas por interesse público — por interesse público, e já lá vamos, também —, por alguma razão, deve,

na mesma, aproveitar-se esse processo.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado João Almeida, pedia-lhe que concluísse.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Vou terminar, Sr. Presidente.

E o que se propunha? Que se fosse 20% superior ao valor mais alto podia-se adjudicar na mesma, sem

sequer ter de se invocar o critério de serviço público. Isso ficou. Nós dizíamos, no máximo, 5%, porque permitir

que um quinto do valor seja aumentado…

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Muito obrigado, Sr. Deputado. Tem de concluir.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — … é um dos exemplos de que este facilitismo não vai, de

maneira nenhuma, no sentido que devia ir e, portanto, o CDS continua a opor-se a este regime jurídico e a esta

alteração.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado

Carlos Pereira, dado que o Grupo Parlamentar do PS ainda dispõe de 2 minutos e 2 segundos.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Pereira (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ouvi com atenção todas as intervenções e

gostaria de comentar algumas que foram feitas.

Em primeiro lugar, queria dizer ao Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo que o veto do Presidente da

República não refere nada daquilo que o Sr. Deputado disse. Penso que não leu a mensagem do Sr. Presidente

da República, pois não refere absolutamente nada daquilo que o Sr. Deputado disse.

Por outro lado, quero também dizer-lhe o seguinte: o esforço que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista

tem feito ao longo deste debate — debate longo, como, aliás, todos os partidos aqui sublinharam — é

precisamente para conciliar uma contratação que tem de ser ágil, com transparência e escrutínio. Esse tem sido

um esforço e esse esforço está plasmado nas diferentes propostas. Está plasmado na proposta inicial e está

plasmado agora, outra vez, na tentativa — que esperamos que seja aprovada — de acomodar aquilo que são

as preocupações do Sr. Presidente da República.

A mesma coisa diria ao Sr. Deputado André Silva, que veio aqui referir que há uma desvalorização do Tribunal

de Contas.

Também não sei o que o Sr. Deputado entende por desvalorização, pelo Tribunal de Contas, das propostas

que foram apresentadas pelo Partido Socialista. Muito pelo contrário, há uma valorização do Tribunal de Contas

e um esforço para que acompanhe estas matérias.

Além disso, também não se compreende a oposição às questões da comissão independente, porque não

consigo entender como é que o Sr. Deputado André Silva quer um reforço da fiscalização sem que haja uma

comissão independente, ainda por cima nomeada pela Assembleia da República. Enfim, há uma grande

confusão na cabeça do Sr. Deputado André Silva e, aparentemente, também na cabeça do Sr. Deputado João

Cotrim de Figueiredo sobre aquilo que está em causa.

Quanto ao Sr. Deputado Bruno Dias, na verdade, estas propostas não respondem às preocupações do PCP,

é verdade, respondem às preocupações do Sr. Presidente da República.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — É isso! É isso!

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O Sr. Carlos Pereira (PS): — Aliás, as preocupações do PCP vão muito mais além daquelas que aqui estão.

É de essência, ou seja, não está de acordo com esta questão do regime especial. Portanto, não estamos nesse

debate, estamos noutro debate, e julgo que o Sr. Deputado Bruno Dias compreende isso mesmo.

Relativamente ao que referiu o Sr. Deputado Jorge Mendes, desde a primeira hora que fizemos um esforço

e dissemos, na Assembleia da República, que estávamos disponíveis para o debate, para o debate e para

acomodar todas as propostas e posições de todos os partidos, porque considerávamos que era fundamental um

largo consenso da Assembleia da República para que este diploma resolvesse um problema que está

identificado, que são…

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, queira concluir.

O Sr. Carlos Pereira (PS): — Termino já, Sr. Presidente.

… os obstáculos que a contratação pública tem para a execução do investimento público. Isso parece-me

evidente e consensual, julgo eu, nesta Assembleia, e fizemos isso.

Quero terminar dizendo que na proposta inicial foram acomodadas propostas de todos os partidos,

precisamente no sentido de garantir esse consenso.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Muito obrigado, Sr. Deputado. Tem mesmo de concluir.

O Sr. Carlos Pereira (PS): — Infelizmente, os partidos não tiveram a mesma leitura e não contribuíram para

que houvesse uma contratação pública que viesse a responder aos grandes desafios que o País tem na questão

da recuperação de Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — O Sr. Deputado André Silva pretende intervir para que efeito?

O Sr. André Silva (PAN): — Sobre a condução dos trabalhos, Sr. Presidente. Queria pedir a distribuição de

documentos.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Faça favor de intervir, Sr. Deputado.

O Sr. André Silva (PAN): — Muito obrigado, Sr. Presidente.

O Sr. Deputado do Partido Social Democrata e o Sr. Deputado do Partido Socialista vieram aqui desmentir

aquilo que eu disse na tribuna e queria que fosse distribuído o n.º 6 do artigo 18.º da proposta de alteração do

Partido Socialista, que entrou…

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Muito bem. O Sr. Deputado fará chegar à Mesa…

O Sr. André Silva (PAN): — … e que diz o seguinte: «Os membros da comissão independente são

equiparados a dirigente superior de 1.º grau para efeitos remuneratórios».

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado André Silva, muito obrigado. Fará o favor de fazer

chegar à Mesa essa disposição legal, que é do domínio público, mas, mesmo assim, a Mesa, com toda a

colaboração com os trabalhos parlamentares, fá-la-á distribuir e certamente os Srs. Deputados saberão ler essa

disposição.

Também para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Carlos Pereira, do PS, com um

grande espírito de abertura democrática, respondeu às críticas do PCP, dizendo que não estão nesse debate.

O Sr. Carlos Pereira (PS): — Agora não!

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O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Deputado, não estão nesse debate mas deviam estar. Não estão nesse

debate mas continua por responder — e o Governo, seguramente, poderá responder agora — uma pergunta

muito simples: por que motivo é que essa tal menos complexidade, mais simplicidade, sem retirar o escrutínio,

só faz falta para projetos com financiamento comunitário? Só faz falta para projetos no âmbito da mal chamada

descentralização, da desresponsabilização do Estado para as autarquias? Só faz falta para determinadas áreas

prioritárias, assim consideradas pelo Governo PS, e para o resto da vida do País já não faz falta nenhuma?!

Essas questões são, de facto, substanciais e o Sr. Deputado do PS e os outros Deputados do PSD

consideraram que não estão nesse debate. Mas é um debate que continua a ser necessário, é, inclusive, um

debate que continua a fazer falta, sobre a troca do interesse público como critério por um critério mais indefinido

da ponderação de todos os créditos públicos e privados em presença.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado Bruno Dias, tem de concluir.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Termino, Sr. Presidente.

É por isso que eu digo que quem não está neste debate devia estar. É pena!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Ainda em nome do Governo, tem a palavra o Sr. Secretário de

Estado da Presidência do Conselho de Ministros André Caldas.

O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs.

Deputados: Não julgava usar da palavra, mas não resisto a responder à interpelação direta que o Sr. Deputado

Bruno Dias me faz, até pelo respeito que o Sr. Deputado me merece.

Sr. Deputado, é evidente que adapta a sua leitura da proposta à construção da narrativa que convém à

retórica parlamentar, porque aquilo que o Governo aqui apresentou foi, por um lado, um conjunto de prioridades

que tem um regime, mas não deixou de apresentar as outras exposições simplificadoras que passam a integrar

o código, e que merecem uma discordância circunstancial também do Partido Social Democrata e de outros

partidos, que respondem àquilo que deve ser a regra geral da contratação pública em matérias que, porventura,

não sejam prioritárias. E não foi o Governo, foi esta Assembleia que acompanhou essa proposta, que veio a ser

aprovada por esta Assembleia.

Esta é a explicação: há prioridades que devem ter um regime, há outras matérias de contratação que devem

ter outro regime, como regra.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Terminamos, assim, este ponto da nossa ordem de trabalhos.

Apresentamos cumprimentos ao Sr. Secretário de Estado André Caldas e passamos ao último ponto da nossa

agenda de hoje, que consiste na apreciação da Petição n.º 7/XIV/1.ª (Julieta Areal e Silva Calvet da Costa e

outros) — Armadilhas NÃO: proibir fabrico, posse e venda de armadilhas para aves, em conjunto com os Projetos

de Lei n.os 625/XIV/2.ª (PAN) — Promove a interdição do fabrico, posse, utilização e venda de artefactos

tendentes a capturar aves silvestres não sujeitas a exploração cinegética e 651/XIV/2.ª (PEV) — Determina a

proibição do fabrico, venda, compra, utilização e importação de armadilhas e outros artefactos utilizados para

captura ilegal de aves silvestres, na generalidade, e com os Projetos de Resolução n.os 863/XIV/2.ª (BE) —

Recomenda ao Governo a implementação de medidas que visam a proteção das aves silvestres não cinegéticas

e 994/XIV/2.ª (PSD) — Proteção das aves silvestres não cinegéticas pelo reforço das medidas de monitorização,

sensibilização e fiscalização.

Para dar início a este debate, tem a palavra o Sr. Deputado André Silva, do PAN.

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O Sr. André Silva (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A petição intitulada «Armadilhas NÃO:

proibir fabrico, posse e venda de armadilhas para aves» alerta-nos para o problema da captura ilegal de aves,

iniciativa que o PAN saúda.

Em Portugal, a captura de aves silvestres não cinegéticas para consumo ou para cativeiro é uma prática

ilegal, mas que continua bastante ativa. Num recente estudo, elaborado pela SPEA (Sociedade Portuguesa para

o Estudo das Aves), estimou-se que cerca de 40 000 aves são mortas para serem utilizadas na gastronomia e

que 10 000 são capturadas para cativeiro.

Esta atividade é difícil de detetar e de investigar, uma vez que os meios utilizados para a sua captura não

são proibidos, encontrando-se à venda em lojas da especialidade e na internet. As principais armadilhas

utilizadas são as redes, que também são utilizadas na anilhagem, como método de investigação para a

monitorização das espécies e habitats; as costelas ou loisas, que consistem numa armadilha de arame onde se

coloca um isco, provocando a morte imediata das aves; o visgo, uma matéria pegajosa que prende a ave ao

equipamento e gaiolas, onde são utilizadas outras aves como chamariz.

De acordo com o estudo da SPEA, os pintassilgos, tentilhões, pintarroxo, o pisco-de-peito-ruivo e a

toutinegra-de-barrete-preto são as espécies mais capturadas, sendo que a maioria é utilizada na gastronomia,

como «passarinhos fritos», apesar de ser ilegal o abate ou cativeiro de aves silvestres.

Estas espécies não são sujeitas a exploração cinegética, encontram-se protegidas pela Diretiva Aves,

estando prevista a proibição da captura de espécimes vivos ou mortos, assim como de ninhos e ovos.

A captura destas espécies tem grande impacto nos ecossistemas, uma vez que, sendo maioritariamente

insectívoras, contribuem para a redução de pragas e a sua ausência poderá levar a uma intensificação na

utilização de fitofarmacêuticos nas culturas agrícolas, resultando no aumento da contaminação dos solos e dos

recursos hídricos.

É ainda de referir que a captura ilegal destas espécies compromete a sobrevivência de outras espécies que

se alimentam destas, nomeadamente aves de rapina. A Convenção das Espécies Migratórias da Fauna

Selvagem (CMS) e a Convenção de Bern concluíram que esta prática ainda é comum nos países mediterrânicos

e que países como Portugal não se encontram a tomar as devidas ações para a conservação das espécies.

A caça é uma das atividades responsáveis pela perda de biodiversidade, facto reconhecido pelo Governo,

que, através da sua Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e Biodiversidade 2030, aprovada pela

Resolução do Conselho de Ministros n.º 55/2018, de 7 de maio, refere, de forma clara, não só a necessidade de

travar a perda da biodiversidade no País como a necessidade de desenvolver esforços e priorizar meios técnicos

e humanos para a preservação das espécies e dos seus habitats.

O que hoje debatemos não é um problema referente à atividade cinegética regulamentada mas uma prática

de caça ilegal de aves que tem de ser combatida.

Por isso, torna-se imprescindível que seja proibido o fabrico, posse e venda de artefactos que sirvam

unicamente para a captura de aves silvestres não sujeitas a exploração cinegética, em lojas físicas e na internet,

assegurando assim o compromisso e o esforço nacional para a conservação da natureza, a sustentabilidade

ambiental e o direito à vida e à integridade física destes animais.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Silva, do Partido

Ecologista «Os Verdes».

A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projeto de lei que Os Verdes

apresentam determina a proibição do fabrico, venda, compra, utilização e importação de armadilhas e outros

artefactos utilizados para a captura ilegal de aves silvestres.

Na Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e Biodiversidade 2030, aprovada pela Resolução do

Conselho de Ministros n.º 55/2018, de 7 de maio, é clara a necessidade de travar a perda de biodiversidade no

País e de desenvolver esforços e priorizar meios técnicos e humanos para a preservação das espécies e seus

habitats.

Apesar dos muitos alertas, estudos, legislação em vigor e da consciência global de que este planeta é só

um, que todos os seres vivos estão interligados e que o equilíbrio ecológico é fundamental à sobrevivência da

própria espécie humana e da sua qualidade de vida, a perda de biodiversidade, ao nível global e em Portugal,

acontece a um ritmo preocupante.

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Mesmo com todos estes alertas e evidências científicas e com todas as campanhas nacionais e

internacionais que têm sido realizadas, sobre a necessidade de proteção dos habitats e respetivos

ecossistemas, continuamos a testemunhar ações, atentados e violações sistemáticas das leis, que têm

contribuído também para o declínio da biodiversidade, de que a avifauna não é exceção.

Vários fatores concorrem para esta perda de biodiversidade, como sejam a destruição de habitats, a alteração

do uso dos solos, a utilização abusiva de fitossanitários, a redução da disponibilidade de alimentos, a expansão

da área de distribuição de espécies exóticas, que competem com as nativas, e a caça furtiva, entre muitos

outros. E, dentro da caça furtiva e ilegal, sublinhe-se a utilização de artefactos e técnicas, que são muitas vezes

utilizados e que constituem uma ameaça para as espécies cinegéticas e para muitas outras espécies de aves,

cuja caça é proibida. Falamos da utilização de armadilhas de mola, vulgarmente designadas por costelos,

esparrelas ou ratoeiras, cola destinada à captura viva de aves, armadilhas de mola de maior porte, redes

verticais para captura de aves, entre muitos outros. Apesar de ser proibida a utilização destes artefactos na caça

ou captura ilegal de espécies animais, não é proibida a sua venda, fabrico, compra, comercialização ou

importação, o que, aliado à dificuldade em fazer uma vigilância permanente e abrangente e à crónica falta de

meios materiais e humanos para essa função, permite que se continuem a testemunhar atos de caça e captura

furtiva de animais por estas vias, dos quais as aves são o principal grupo visado.

De acordo com a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, em Portugal, é estimada a captura ilegal

de 32 000 a 130 000 aves selvagens todos os anos, o que coloca em causa a conservação destas espécies,

com impactos difíceis de avaliar.

Refira-se que muitas das espécies mais atingidas são aves que se alimentam de insetos e que o seu

desaparecimento pode contribuir para o aumento de pragas agrícolas.

O que hoje aqui propomos, saudando os mais de 4000 cidadãos que apoiaram a petição «Armadilhas NÃO:

proibir fabrico, posse e venda de armadilhas para aves», a qual é acompanhada pelas diversas iniciativas, é a

elaboração de legislação que possa contribuir para pôr fim à prática da captura ilegal de aves silvestres e que

contribua para a salvaguarda das espécies.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem, agora, a palavra a Sr.ª Deputada Maria Manuel Rola, do

Bloco de Esquerda.

A Sr.ª Maria Manuel Rola (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quero também começar por

felicitar os peticionários, os mais de 4000 peticionários, que trazem aqui, esta tarde, novamente, esta questão.

A captura, o abate ou a detenção de aves silvestres não cinegéticas são práticas ilegais em Portugal. Essa

proibição não tem impedido o extermínio e aprisionamento de dezenas de milhares de aves todos os anos. É a

Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves que estima o abate de, pelo menos, 40 000 aves silvestres e a

captura de outras 10 000 em gaiolas.

A lei prevê a aplicação de coimas para os casos de captura, abate ou detenção em cativeiro, mas raramente

são aplicadas. As aves continuam a ser capturadas e abatidas para venda e consumo ou para serem ilegalmente

comercializadas, principalmente online, em grupos de Facebook.

O estudo da SPEA, de 2014, constata, ainda, que as espécies mais capturadas e comercializadas são o

pintassilgo, o tentilhão, o pintarroxo, o lugre e o chamariz, e rondam cerca de 8000 aves. Já para consumo,

falamos, anualmente, entre 8500 e 21 000 toutinegras-de-barrete-preto e entre 7500 e 19 000 piscos-de-peito-

ruivo. Nas aves de rapina, destacam-se as capturas de, pelo menos, 164 águias-de-asas-redondas, 118

peneireiros-vulgares, 44 milhafres-pretos e 17 águias-calçadas.

Estas estimativas, Meus Senhores, são conservadoras e representam os crimes contra a vida selvagem que

urge erradicar.

Nas plataformas online, entre janeiro de 2015 e março de 2016, a SPEA contabilizou 4331 aves selvagens à

venda: pequenos verdilhões, pintassilgos, corvos e gralhas, mas também águias, falcões e mochos, animais

que apenas podem ser comercializados por criadores certificados pelo Instituto da Conservação da Natureza e

das Florestas (ICNF).

Esta é, Meus Senhores e Minhas Senhoras, a imagem da proteção totalmente ineficaz das aves silvestres

não cinegéticas e que decorre da facilidade de acesso a meios e formas utilizados exclusivamente para a captura

ou o abate destas aves.

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É legal possuir, utilizar e vender as armadilhas de mola e visgo (um tipo de cola artesanal que prende as

aves pelas penas) e a apanha da formiga-de-asa é também uma prática utilizada como isco para as aves.

São ainda permitidos o uso e a comercialização de redes verticais, vulgarmente designadas por redes

invisíveis, destinadas à captura de pequenas aves. Ao contrário do que, por vezes, é propalado, estas redes

não são propícias para a agricultura, pois a sua malhagem é tão fina que as torna inadequadas para a proteção

de culturas agrícolas contra fenómenos climatéricos e animais predadores.

A fiscalização da captura, abate ou cativeiro ilegal de aves silvestres é incipiente no território nacional,

impedindo a proteção eficaz destes animais. É necessário reforçar o corpo de trabalhadores e os meios das

entidades competentes, é também necessário promover campanhas alargadas de sensibilização da população,

mas é essencial que aqueles materiais não possam, de facto, ser adquiridos nem estar à venda, já que emitem

um sinal erróneo e permitem que se comercialize algo que não pode ser utilizado.

Num contexto de perda acelerada de biodiversidade no País, causada pela crise ecológica e climática, são

necessárias ações concretas e informação fidedigna para a proteção das aves silvestres.

Sr.as e Srs. Deputados: Relembro que já discutimos esta matéria em 10 de dezembro de 2020, a propósito

de dois projetos que propunham precisamente o que o projeto de resolução do Bloco de Esquerda vem agora

reafirmar e que esta petição vem exigir.

Sabemos que não podemos reapresentar esse projeto de lei, mas também sabemos que a posição do PSD,

por exemplo, já se alterou. Bem valorizamos que passe do voto contra para a apresentação de um projeto de

resolução de algo que já poderia estar em apreciação, na especialidade, ou publicado, se tivessem aprovado o

projeto do Bloco de Esquerda.

É importante que se consiga agora um avanço concreto. Não foi ainda o fim do mundo, é apenas um pouco

tarde. Esperamos não ir tarde nas tantas outras medidas que tantas vezes rejeitam e que poderiam, de facto,

proteger a biodiversidade e os ecossistemas rurais. Da nossa parte, não desistimos de as apresentar, pela

proteção das aves, animais e ecossistemas.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João

Marques, do PSD.

O Sr. João Gomes Marques (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo a minha intervenção

por cumprimentar e agradecer aos peticionários a apresentação da Petição n.º 7/XIV/1.ª, intitulada «Armadilhas

NÃO: proibir fabrico, posse e venda de armadilhas para aves», com 4327 assinaturas, e alertando para as

vulnerabilidades existentes na regulação e fiscalização deste problema.

De facto, as populações de aves silvestres enfrentam várias ameaças, além da perda de habitats, em

resultado das transformações do uso do solo, mas uma ameaça mais direta prende-se com o abate e a captura

destas aves. Apesar de ser proibida por lei há muito tempo, continua a praticar-se por todo o País, contribuindo

para o declínio da população de diversas espécies.

A Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, a SPEA, estima que, anualmente, sejam mortas mais de

40 000 destas aves e aprisionadas mais de 10 000.

Ora, num contexto em que a proteção da biodiversidade é assumida como uma preocupação de todos nós,

torna-se necessário desenvolver um combate mais eficaz a este problema. É que, apesar da proibição do abate,

da captura e do aprisionamento destas aves, os infratores conseguem, invariavelmente, escapar às autoridades

fiscalizadoras, em pleno ato, condição para poderem ser punidos por esta prática ilegal.

Nestas atividades ilegais são utilizados artefactos como: armadilhas de mola, vulgarmente designadas por

costelos ou esparrelas; cola, vulgarmente designada por visgo; armadilhas de maior porte, utilizadas para

captura de aves de rapina; redes verticais, comummente chamadas de redes invisíveis; ou formigas de asa, que

são utilizadas como isco.

Desta forma, todos os dias, centenas de aves, como pintassilgos, tentilhões, pintarroxos e outros, acabam

aprisionadas em gaiolas ou no prato, em restaurantes ou cafés.

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Como as práticas são pouco seletivas, apanham-se aves sem valor ou interesse comercial e/ou

gastronómico, acabando por ser abandonadas na natureza com ferimentos graves ou mesmo mortas. Este

problema afeta aves de pequeno porte, mas também aves de rapina com diversos estatutos de proteção.

De salientar que estas práticas nada têm a ver com a proteção das culturas agrícolas, por eventuais danos

causados por estas aves. Neste âmbito, existe legislação, como o Decreto-Lei n.º 140/99, que define regimes

de exceção, em que, mediante licenciamento pelo ICNF, podem ser permitidos atos que visem essa proteção,

nomeadamente quando se verificam excessos de população e desde que não existam outras alternativas.

Esta possibilidade de salvaguarda e conciliação da atividade agrícola com a proteção das espécies silvestres

nada tem que ver com a utilização dos referidos utensílios, pois estes não têm uma finalidade objetiva de

dissuasão nem de proteção das culturas agrícolas. As redes de proteção das culturas agrícolas, permitidas nos

casos referidos, são completamente diferentes das redes invisíveis, pois protegem sem pôr em causa a

integridade física das aves. E estas redes invisíveis, quando utilizadas para fins científicos, como a anilhagem

de aves, feita para diversos estudos, ou as armadilhas de maior porte, quando utilizadas na atividade cinegética,

estão devidamente enquadradas pelo Decreto-Lei n.º 140/99, já referido, e pela própria lei da caça, como

importantes para a regulação da população de predadores, sendo procedimentos necessários para o equilíbrio

dos ecossistemas, mesmo relativamente a espécies não cinegéticas.

Os dados de captura ilegal apresentados pela SPEA são de 2014, estando certamente desatualizados.

A revisão do Livro Vermelho das Aves de Portugal, financiada pelo PO SEUR (Programa Operacional de

Sustentabilidade e Eficiência no Uso dos Recursos), poderá em breve ajudar a compreender melhor as pressões

e ameaças sobre as populações de aves selvagens, sendo necessário o reforço da monitorização específica

deste problema, para se poderem identificar novas soluções de combate a este fenómeno ilegal.

Por outro lado, torna-se necessário reforçar as medidas de sensibilização das populações para a

necessidade de proteção destas espécies e, neste aspeto, pouco ou nada tem sido feito pelo Governo.

Banir práticas ilegais é fundamental para criar valor com base nos ecossistemas e a própria atividade

cinegética beneficia de habitats onde a diversidade biológica é superior.

Por isso, o PSD entende que o Governo deve desenvolver um plano de monitorização dirigido ao problema

da captura ilegal de aves silvestres e não cinegéticas, visando a adoção de novas medidas mais eficazes no

combate a estas atitudes.

Deverá, também, criar uma campanha de comunicação e sensibilização ambiental focada neste problema,

desde logo, a partir das comunidades escolares, e disponibilizar informação sobre as proibições existentes,

contactos para denúncias e outros elementos que possam contribuir para reverter esta situação.

Deverá, ainda, intensificar a fiscalização e aplicação de penalidades sobre o uso destas armadilhas,

apresentando resultados visíveis e públicos que possam ser dissuasores destas atividades ilícitas.

Por fim, o PSD acompanha as preocupações dos peticionários relativamente à captura de aves silvestres

não cinegéticas e admite um maior controlo da utilização dos artefactos usados na sua captura para fins

comerciais ou gastronómicos, salvaguardando-se sempre os referidos aspetos científicos e de produção agrícola

e cinegética.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Cecília

Meireles, do CDS-PP.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Queria começar por saudar os

peticionários, que são aproximadamente 4300, da petição intitulada «Armadilhas NÃO: proibir fabrico, posse e

venda de armadilhas para aves».

Os peticionários vêm chamar a atenção para o problema da captura de aves, muitas vezes envolvendo a sua

morte, que leva a que várias populações de aves silvestres não cinegéticas vejam a sua existência ameaçada.

Ou seja, para além da perda do seu habitat natural, que é já um problema com que estas espécies se debatem,

também a captura ilegal — porque é ilegal capturá-las — ameaça a sua existência. Ora, esta é a primeira coisa

a salientar: estamos a falar de uma atividade que já é ilegal, hoje em dia.

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Qual é a solução que os peticionários vêm propor e que, aliás, é subscrita pelos vários projetos? Atendendo

a que a atividade é proibida, mas, na prática, não há qualquer fiscalização dessa proibição, aquilo que vêm

propor é que seja proibida a detenção da forma como a atividade desta captura é feita, ou seja, das armadilhas

e do visgo — que é, digamos assim, a cola natural espalhada para tentar prender as aves.

Ora, do ponto de vista da ideia, ela parece-me ter algum sentido e não vejo problema nenhum em proibir-se

a posse de determinados artefactos que só servem para uma atividade que é proibida, ou seja, que a sua posse

seja também proibida. Do ponto de vista de princípio, não vejo problema.

Qual é o único problema que estes projetos não salvaguardam, mas que acho que é possível ser

salvaguardado, em sede de especialidade? É que há a possibilidade de alguns destes artefactos, sejam as

armadilhas, seja a própria cola, serem utilizados para outras atividades que não as proibidas, ou seja, para

outras espécies diferentes destas. Deste ponto de vista, até quando elas são utilizadas, sobretudo, por exemplo,

na proteção da agricultura, não vejo que a mera posse destes artefactos possa ser proibida.

Se houver disponibilidade para, em sede de especialidade, resolver este problema, criar uma maneira de

excecionar aquilo que já é permitido na lei e não transformar atividades permitidas na lei em atividades proibidas

devido à proibição da detenção das armadilhas, teremos abertura para isso. Se não for possível, pois, então, aí,

será mais difícil.

A este propósito, por exemplo, todos os projetos são muito genéricos, pois proíbem também aquilo a que

chamam «armadilhas generalistas», ou seja, armadilhas que, muitas vezes, são utilizadas para a captura de

espécies que nem sequer têm nada que ver com aves. Portanto, desde que esta questão seja salvaguardada e

haja estes cuidados, não teremos problema nenhum relativamente a estes projetos.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem agora a palavra o Sr. Deputado João Dias, do PCP, para

uma intervenção.

O Sr. João Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, gostaria de cumprimentar os

peticionários que trouxeram a esta Casa uma petição que procura proibir o fabrico, a produção, a posse e a

venda de armadilhas para aves, a qual é acompanhada, por arrastamento, de dois projetos de lei e dois projetos

de resolução.

O PCP, relativamente a esta matéria da preservação da biodiversidade, acompanha as preocupações que,

no fundo, são trazidas pelas quatro iniciativas. Ou seja, tem-se verificado a necessidade de travar a perda de

biodiversidade e de implementar medidas que visem principalmente desenvolver todos os esforços para

compatibilizar e preservar as espécies e os seus habitats e, em concreto, as aves, de que estamos a falar hoje.

Contudo, tem havido — ainda hoje, neste debate — dados e números muito discrepantes, que vão das 10

000 às 130 000 aves capturadas, o que significa uma inconsistência dos dados. Ora, aquilo que, desde logo,

nos apraz perguntar é por que razão a identificação deste tão grande número de capturas não é acompanhada

do mesmo número de autos e coimas, isto é, porque é que a fiscalização não acontece, nomeadamente no que

tem que ver com a responsabilidade e o papel dos guardas da natureza.

Naturalmente, este será um problema a resolver, reforçando os meios e as condições para se fiscalizar, mas

importa também avaliar os fatores que podem contribuir decisivamente para a perda de biodiversidade. Aliás,

muito simplistas seríamos nós se considerássemos que poderíamos resolver o problema da perda de

biodiversidade relacionada com as aves apenas com a proibição daquilo que já é proibido. Ou seja, essa

proibição já existe e, por outro lado, quer-se também proibir o que não existe, porque, em Portugal, não se

produz este tipo de instrumentos e aparelhos, que são essencialmente importados.

Um dos problemas e fatores tem que ver com o incremento da monocultura superintensiva. Se há algo com

efeito danoso para a biodiversidade, tem sido a monocultura intensiva e superintensiva, que levou à redução

das áreas de produção de cereais e oleaginosas, que servem de alimento para estas aves, e principalmente de

insetos, que são também alimento para aqueles animais.

Um dos problemas mais identificados como responsável pela grande mortalidade de aves é a colheita noturna

de azeitona. Esta é uma área na qual também temos responsabilidade e temos de intervir para reduzir o seu

efeito sobre a biodiversidade.

Existe também a necessidade de valorizar a pequena agricultura, a agricultura familiar, aquela que promove

efetivamente a diversidade cultural, o alimento e a biodiversidade, com as aves no seu meio e no seu habitat.

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Não podemos esquecer ainda um problema que cada vez aumenta mais, não só no mundo rural mas também

nas zonas urbanas, e que tem que ver com as espécies de forte caráter invasor. É só ir a qualquer jardim público

para assistirmos à presença de animais exóticos invasores, em relação aos quais é preciso tomar medidas.

Estes animais devem ser capturados com armadilhas que permitam a captura em vivo, pelo que não podemos

proibir a existência e a utilização destas armadilhas, que são fundamentais e necessárias.

Estes animais entram em competição com as espécies autóctones pelo alimento e pelas zonas de nidificação

e transportam também doenças para aquelas espécies, sendo por isso importante que não se elimine, por esta

via, a possibilidade de se proceder à captura e ao controlo destas espécies, pois só com o recurso a estes

instrumentos é possível controlar estas populações.

Para terminar, Sr. Presidente, diria que o problema relativamente às armadilhas é uma questão não de

proibição, mas de regulação, que é o caminho para que nenhum dos projetos — muito menos os projetos de lei

— aponta, pelo que o PCP não poderá acompanhar estes projetos de lei.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, em nome do Partido Socialista, tem a

palavra o Sr. Deputado José Manuel Carpinteira.

O Sr. José Manuel Carpinteira (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A petição «Armadilhas NÃO»,

com mais de 4300 assinaturas, que apresenta Julieta Calvet da Costa como primeira subscritora, visa proibir o

fabrico, a posse e a venda de armadilhas destinadas à captura de aves selvagens.

Em concreto, os peticionários recomendam a proibição do fabrico, da posse e da venda de armadilhas de

mola destinadas à captura de aves de pequeno porte, vulgarmente designadas «costelos» ou «esparrelas»; da

cola vulgarmente designada «visgo»; e das redes verticais de captura de aves, designadas «redes invisíveis»,

exceto quando devidamente autorizadas, nomeadamente para fins científicos.

Referem os peticionários que, apesar de a captura de aves selvagens não cinegéticas estar proibida por lei

há mais de 20 anos, a captura e o abate intencional de aves mantêm-se em números elevados, o que, em

grande parte, se deve à total disponibilidade destas armadilhas.

A Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves também tem alertado para a captura ilegal de dezenas de

milhares de aves por ano, o que coloca em causa a conservação destas espécies, com impactos difíceis de

avaliar.

Sr.as e Srs. Deputados, na Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e Biodiversidade 2030, aprovada

pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 55/2018, é clara a necessidade de travar a perda de biodiversidade

no País e de desenvolver esforços, com meios técnicos e humanos, para a preservação das espécies e seus

habitats.

Sendo a proteção da biodiversidade uma preocupação da nossa sociedade, é importante desenvolver um

combate mais eficaz a este problema, que tem várias dimensões.

Uma ameaça direta prende-se com a captura destas aves, que, apesar de ser proibida desde 1999, continua

a ser praticada de forma ilegal por todo o País, contribuindo para o declínio da população de diversas espécies

que se alimentam de insetos, sendo que o seu desaparecimento pode contribuir para o aumento das pragas

agrícolas.

No que concerne às legítimas preocupações relativamente à proteção de culturas agrícolas face a danos

causados por aves selvagens, a legislação em vigor define um regime excecional, em que, mediante licença do

Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, podem ser permitidos atos como a captura e o abate de

aves, desde que não exista alternativa satisfatória.

Esta salvaguarda legal de harmonização da atividade agrícola com a proteção das aves selvagens é muito

relevante e deve ser sempre assegurada, mas é muitas vezes contornada com as armadilhas de captura, que

não têm como finalidade objetiva criar uma barreira de proteção das culturas agrícolas, mas consistem numa

forma de caça ilegal.

Acabar com as práticas de caça ilegal é uma forma de valorização do território, fundamental para criar valor

com base nos ecossistemas. Tendo em consideração que, em Portugal, passam os maiores contingentes de

aves de migração, é fundamental possibilitar um combate mais efetivo à captura ilegal de aves.

Importa, por isso, intensificar a fiscalização por parte das entidades competentes sobre a posse e o uso de

armadilhas de captura de aves selvagens não cinegéticas. É fundamental que o Instituto da Conservação da

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Natureza e das Florestas e o Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente, da GNR (Guarda Nacional

Republicana), possam desenvolver esforços mais articulados e dirigidos a este problema.

Sr.as e Srs. Deputados, os projetos que hoje debatemos merecem-nos uma apreciação favorável nos seus

princípios subjacentes, mas consideramos que a publicação de mais diplomas contribuiria para a multiplicação

de peças legislativas. Para a resolução desta questão muito específica, parece-nos mais adequada uma

integração desta proibição através de uma alteração dos diplomas existentes sobre esta matéria.

Neste contexto, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista concorda com as recomendações de reforço das

campanhas de comunicação e sensibilização ambiental e elaboração de um plano de monitorização das aves

silvestres e, mais ainda, que se considere a possibilidade de avaliar a proibição do fabrico e da posse de

artefactos que sirvam unicamente para a captura de aves silvestres não sujeitas a exploração cinegética.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma curta intervenção, dispondo ainda de 11 segundos,

tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Manuel Rola.

A Sr.ª Maria Manuel Rola (BE): — Sr. Presidente, sim, será uma intervenção muito curta, só para fazer notar

que tivemos uma alteração de posições de valor, desde 10 de dezembro.

Há menos de seis meses, PS e PSD votaram contra um projeto de lei do Bloco de Esquerda, apesar de,

agora, até parecerem ter alguma abertura relativamente ao valor das reivindicações dos peticionários.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Muito obrigado, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Maria Manuel Rola (BE): — Para terminar, nestes últimos segundos, gostaria de dizer que, na França,

o método de captura com visgo foi proibido agora, em março. Como tal, parece-nos essencial que a gente

avance também neste sentido, sendo de assinalar a diferença entre as iniciativas baixarem à Comissão de

Ambiente ou à Comissão de Agricultura.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção também curta, embora um bocadinho mais

longa do que esta última, tem a palavra o Sr. Deputado André Silva, do PAN.

O Sr. André Silva (PAN): — Sr. Presidente, acho que ninguém compreenderia e as pessoas ficariam

chocadas se, hoje, neste Parlamento, alguém viesse defender que fosse proibido utilizar materiais produzidos à

base de amianto, mas que pudéssemos continuar a produzi-los e a importá-los.

O problema é a regulamentação, o problema é a fiscalização! Em relação a produzir amianto, estaria tudo

bem, importar amianto não teria problema nenhum, mas utilizar amianto é que seria proibido!… Portanto, o que

é que teríamos de fazer? Teríamos de fiscalizar!

Em relação à posição do PCP, já sabemos e já estamos habituados, mas fico chocado com a posição do

Partido Socialista, que não acompanha os partidos progressistas, como o Bloco de Esquerda, o PSD e o CDS,

nesta matéria.

Risos do PS, do BE e do PCP.

O que está em causa, Srs. Deputados do Partido Socialista — é incrível ouvi-los falar sobre isto! —, é a

proibição de artefactos cujo único objetivo e finalidade é a captura de animais não cinegéticos.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, peço que faça o favor de concluir.

O Sr. André Silva (PAN): — Isto nada tem que ver, como disse a Sr.ª Deputada do CDS, insuspeita nesta

matéria, com atividade cinegética ou agrícola.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, faça o favor de concluir.

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O Sr. André Silva (PAN): — E, sim, Sr.ª Deputada do CDS e Srs. Deputados do Partido Socialista, estamos

disponíveis para, em sede de especialidade, salvaguardar as devidas exceções que sejam evidentemente

necessárias.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Muito obrigado, Sr. Deputado.

O Sr. André Silva (PAN): — Portanto, é incompreensível que o Partido Socialista não acompanhe estas

iniciativas!

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Com esta intervenção do Sr. Deputado André Silva, damos por

concluído este último ponto da nossa ordem de trabalhos.

Antes de vos informar sobre a agenda da nossa sessão de amanhã, tem a palavra o Sr. Secretário da Mesa

Diogo Leão.

O Sr. Secretário (Diogo Leão): — Muito obrigado, Sr. Presidente.

Atendendo à relação dos Srs. Deputados e Sr.as Deputadas presentes por videoconferência, atesta-se que a

Sr.ª Deputada Sara Madruga da Costa, eleita pelo círculo eleitoral da Madeira, esteve presente através deste

meio.

É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Muito obrigado, Sr. Secretário.

Informo, então, que amanhã inauguraremos a prática das duas sessões plenárias por semana. Portanto,

haverá sessão plenária amanhã, às 15 horas, com quatro pontos na ordem do dia, além das votações

regimentais.

O primeiro ponto consiste na discussão de um conjunto de iniciativas: Projetos de Lei n.os 250/XIV/1.ª (BE)

— Consagra os crimes de violação, de coação sexual e de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência como

crimes públicos (quadragésima sétima alteração ao Código Penal), 720/XIV/2.ª (BE) — Medidas de proteção

das vítimas de violência doméstica no âmbito dos direitos laborais, da segurança social e da habitação (nona

alteração ao regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas

vítimas, aprovado pela Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, e segunda alteração ao regime de concessão de

indemnização às vítimas de crimes violentos e de violência doméstica, aprovado pela Lei n.º 104/2009, de 14

de setembro) e 701/XIV/2.ª (IL) — Consagra os crimes de violação, de coação sexual e de abuso sexual de

pessoa incapaz de resistência como crimes públicos, que serão discutidos na generalidade; Projetos de

Resolução n.os 951/XIV/2.ª (PEV) — Medidas para prevenir e combater o crime de violência doméstica e

1058/XIV/2.ª (PAN) — Recomenda ao Governo que cumpra a Resolução da Assembleia da República n.º

62/2019 e assegure a adoção de um código de conduta adaptado à Convenção de Istambul, visando uma

adequada cobertura noticiosa de casos de violência doméstica e impedir um expectável efeito de contágio;

Petição n.º 8/XIV/1.ª (Coletivo Mulheres de Braga) — Parem de nos matar; e, também na generalidade, Projetos

de Lei n.os 648/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Cristina Rodrigues) — Altera o Código Penal, incluindo a violência

económica ou patrimonial no crime de violência doméstica, em respeito pela Convenção de Istambul, 702/XIV/2.ª

(Deputada não inscrita Cristina Rodrigues) — Altera o Código Penal, atribuindo a natureza de crime público aos

crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, 768/XIV/2.ª (CDS-PP) — Consagra a natureza de crimes

públicos dos crimes de ameaça e de coação, adequando-os ao crime de violência doméstica (quinquagésima

terceira alteração ao Código Penal), 771/XIV/2.ª (PAN) — Consagra a natureza pública dos crimes de violação,

de coação sexual, de fraude sexual, de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência e de procriação artificial

não consentida e alarga os prazos de prescrição de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de

menores e do crime de mutilação genital feminina, procedendo à alteração do Código Penal e do Código de

Processo Penal, e 772/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira) — Procede a uma alteração do

Código Penal, atribuindo a natureza de crime público aos crimes de coação sexual, violação e abuso sexual de

pessoa incapaz de resistência, garantindo a conformidade deste diploma com a Convenção do Conselho da

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Europa para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e a Violência Doméstica (Convenção de

Istambul).

O segundo ponto consiste no debate dos Projetos de Resolução n.os 831/XIV/2.ª (CDS-PP) — Recomenda

ao Governo o aumento da comparticipação de tratamento em doente oncológico, e 935/XIV/2.ª (CDS-PP) —

Abordagem estratégica e medidas urgentes no combate ao cancro.

O terceiro ponto consiste no debate, na generalidade, dos Projetos de Lei n.os 752/XIV/2.ª (PAN) — Altera o

Decreto-Lei n.º 22-D/2021, de 22 de março, possibilitando a realização de exame de melhoria de nota interna

no ensino secundário, 747/XIV/2.ª (PS) — Prorroga medidas excecionais e temporárias para salvaguarda dos

direitos dos estudantes do ensino superior, 726/XIV/2.ª (PCP) — Medidas de apoio aos estudantes do ensino

superior público, 760/XIV/2.ª (PSD) — Altera o Decreto-Lei n.º 22-D/2021, de 22 de março, permitindo aos alunos

a realização de exame de melhoria de nota interna no ensino secundário, 769/XIV/2.ª (CDS-PP) — Altera o

Decreto-Lei n.º 10-B/2021, de 4 fevereiro, na sua redação atual, de modo a permitir aos alunos a realização de

exames nacionais para efeito de melhoria da classificação final, e 774/XIV/2.ª (CH) — Altera o Decreto-Lei n.º

22-D/2021, de 22 de março, eliminando-se a não realização das provas finais do ensino básico do 9.º ano de

escolaridade e dos exames finais nacionais, quando realizados por alunos internos, para efeitos de aprovação

de disciplinas e conclusão do ensino secundário e eliminando a dispensa da realização de provas finais de ciclo,

nos casos em que a respetiva realização se encontre prevista apenas para efeitos de prosseguimento de estudo.

Finalmente, o quarto ponto consiste no debate, na generalidade, dos Projetos de Lei n.os 700/XIV/2.ª (PEV)

— Procede à expansão do prazo para a limpeza das redes de gestão de combustíveis nos espaços florestais e

impede que as coimas previstas no Decreto-Lei n.º 124/2006, de 28 de junho, sejam duplicadas, 773/XIV/2.ª

(PCP) — Define um regime temporário de contingência para as redes de faixas secundárias de gestão de

combustível, e 775/XIV/2.ª (BE) — Capacitação de autarquias e revisão de critérios para a gestão de

combustível.

Depois, seguir-se-ão as votações regimentais.

A todas e a todos agradeço a vossa colaboração nesta sessão e desejo-vos a continuação de uma boa tarde.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 40 minutos.

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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