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Quinta-feira, 22 de abril de 2021 I Série — Número 57

XIV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2020-2021)

REUNIÃOPLENÁRIADE21DEABRILDE 2021

Presidente: Ex.mo Sr. António Filipe Gaião Rodrigues

Secretários: Ex.mos Srs. Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco

S U M Á R I O

O Presidente (António Filipe) declarou aberta a sessão às

15 horas e 4 minutos. Deu-se conta da entrada na Mesa das Propostas de Lei

n.os 86 e 87/XIV/2.ª, das Apreciações Parlamentares n.os 45 e 46/XIV/2.ª, dos Projetos de Lei n.os 797 a 803/XIV/2.ª e dos Projetos de Resolução n.os 1199 a 1210/XIV/2.ª.

Foi discutida, na generalidade, a Proposta de Lei n.º 82/XIV/2.ª (GOV) — Autoriza o Governo a legislar sobre o regime jurídico do ensino individual e do ensino doméstico. Usaram da palavra, além do Secretário de Estado Adjunto e da Educação (João Costa), os Deputados André Ventura (CH), João Cotrim de Figueiredo (IL), Ana Rita Bessa (CDS-

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PP), Bebiana Cunha (PAN), Cláudia André (PSD), Lúcia Araújo Silva (PS), Alexandra Vieira (BE), Ana Mesquita (PCP) e Carla Sousa (PS).

Em declaração política, o Deputado José Luís Carneiro (PS), a propósito do 48.º aniversário do Partido Socialista, destacou o papel do seu partido na construção da democracia portuguesa, tendo sublinhado a importância do poder local nesse processo, bem como os desafios que os valores democráticos hoje enfrentam. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Deputados Catarina Rocha Ferreira (PSD), André Ventura (CH), Telmo Correia (CDS-PP), Bebiana Cunha (PAN), João Cotrim de Figueiredo (IL), Pedro Filipe Soares (BE) e João Oliveira (PCP).

Em declaração política, o Deputado Bruno Coimbra (PSD) chamou a atenção para o perigo que constituem os solos contaminados e acusou o Governo, em particular o Ministério do Ambiente, de incúria e de inação na resolução do problema. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Deputados José Luís Ferreira (PEV), Bebiana Cunha (PAN), Hugo Pires (PS), Pedro Morais Soares (CDS-PP), Alma Rivera (PCP) e Nelson Peralta (BE).

Em declaração política, o Deputado Moisés Ferreira (BE), após ter saudado os profissionais de saúde, condenou o Governo por não lhes reconhecer a importância que têm revelado, não valorizando as suas carreiras, nomeadamente as dos técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica, e convocou a Assembleia para a resolução destas situações. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Deputados Carla Borges (PSD), Bebiana Cunha (PAN), Alexandra Tavares de Moura (PS), Paula Santos (PCP) e Cecília Meireles (CDS-PP).

Em declaração política, a Deputada Ana Mesquita (PCP) falou acerca da precariedade dos trabalhadores da cultura e das dificuldades que têm no acesso aos apoios anunciados devido à paragem da atividade, tendo anunciado a apresentação de uma iniciativa legislativa visando colmatar essas dificuldades. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Deputados Rosário Gambôa (PS), Ana Rita Bessa (CDS-PP), Beatriz Gomes Dias (BE), Mariana Silva (PEV), Inês de Sousa Real (PAN) e Paulo Rios de Oliveira (PSD).

Em declaração política, a Deputada Cecília Meireles (CDS-PP) criticou as opções de investimento apresentadas pelo Governo no Plano de Recuperação e Resiliência e no

Programa de Estabilidade. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Deputados Inês de Sousa Real (PAN), Bruno Dias (PCP), Carlos Pereira (PS), Afonso Oliveira (PSD) e Isabel Pires (BE).

Em declaração política, a Deputada Inês de Sousa Real (PAN) chamou a atenção para a insuficiência de meios do nosso sistema judicial e defendeu medidas com vista à sua eficácia, em particular no combate à corrupção. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Deputados José Luís Ferreira (PEV), Constança Urbano de Sousa (PS), José Manuel Pureza (BE), Mónica Quintela (PSD) e João Oliveira (PCP).

Em declaração política, o Deputado João Cotrim de Figueiredo (IL) criticou a atuação do Governo durante a pandemia e defendeu que as oportunidades do Plano de Recuperação e Resiliência não podem ser perdidas por dificuldades na sua execução, após o que respondeu a pedidos de esclarecimento dos Deputados Jorge Salgueiro Mendes (PSD) e Hugo Costa (PS).

Foi apreciada a Petição n.º 38/XIV/1.ª (Afonso Maria Ribeiro Rosa Moreira Pires e outros) — Contra as obras para fechar a baixa de Lisboa. Usaram da palavra os Deputados Inês de Sousa Real (PAN), Mariana Silva (PEV), Alexandra Tavares de Moura (PS), Beatriz Gomes Dias (BE), Pedro Morais Soares (CDS-PP), Filipa Roseta (PSD) e Duarte Alves (PCP).

Foi apreciada a Petição n.º 638/XIII/4.ª (SITAVA — Sindicato dos Trabalhadores da Aviação e Aeroportos) — Solicitam que as profissões de operadores de assistência em escala e dos técnicos de tráfego de assistência em escala sejam qualificadas como de desgaste rápido, juntamente com os Projetos de Resolução n.os 867/XIV/2.ª (BE) — Pela regulamentação dos operadores de assistência em escala e dos técnicos de tráfego de assistência em escala e 1076/XIV/2.ª (PCP) — Definição e regulamentação de um regime laboral e de aposentação específico para os operadores de assistência em escala e técnicos de tráfego de assistência em escala. Proferiram intervenções os Deputados Isabel Pires (BE), Bruno Dias (PCP), Inês de Sousa Real (PAN), Maria Germana Rocha (PSD), Pedro Morais Soares (CDS-PP), José Luís Ferreira (PEV) e Fernando José (PS).

O Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 20 minutos.

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O Sr. Presidente (António Filipe): — Boa tarde, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Funcionários, Sr.as e Srs.

Jornalistas, Sr.as e Srs. Agentes da autoridade.

Vamos dar início à nossa reunião plenária.

Eram 15 horas e 4 minutos.

Solicito aos Srs. Agentes da autoridade o favor de abrirem as galerias.

Antes de iniciarmos a ordem do dia, tem a palavra a Sr.ª Secretária Maria da Luz Rosinha para dar conta do

expediente.

A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e

foram admitidas pelo Sr. Presidente, várias iniciativas legislativas.

Em primeiro lugar, refiro as Propostas de Lei n.os 86/XIV/2.ª (GOV), que baixa à 5.ª Comissão, em conexão

com demais comissões, e 87/XIV/2.ª (ALRAM), que baixa à 1.ª Comissão.

Deram ainda entrada na Mesa as Apreciações Parlamentares n.os 45/XIV/2.ª (PSD) e 46/XIV/2.ª (PCP).

Deram também entrada na Mesa os Projetos de Lei n.os 797/XIV/2.ª (CDS-PP) 798/XIV/2.ª (PCP), 799/XIV/2.ª

(PCP), 800/XIV/2.ª (PCP), 801/XIV/2.ª (PAN), que baixa à 11.ª Comissão, 802/XIV/2.ª (PAN), que baixa à 6.ª

Comissão, e 803/XIV/2.ª (PAN), que baixa à 8.ª Comissão.

Refiro, ainda, os Projetos de Resolução n.os 1199/XIV/2.ª (CDS-PP), 1200/XIV/2.ª (BE), 1201/XIV/2.ª (PAN),

1202/XIV/2.ª (PCP), 1203/XIV/2.ª (CDS-PP), 1204/XIV/2.ª (CDS-PP), 1205/XIV/2.ª (CDS-PP), 1206/XIV/2.ª

(PSD), 1207/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Cristina Rodrigues), que baixa à 12.ª Comissão, 1208/XIV/2.ª (CH),

que baixa à 1.ª Comissão, 1209/XIV/2.ª (PCP), que baixa à 1.ª Comissão, e 1210/XIV/2.ª (PAN), que baixa à 9.ª

Comissão.

É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Passamos, agora, ao primeiro ponto da ordem do dia, com o debate,

na generalidade, da Proposta de Lei n.º 82/XIV/2.ª (GOV) — Autoriza o Governo a legislar sobre o regime jurídico

do ensino individual e do ensino doméstico.

Para proceder à apresentação desta proposta de lei, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto e da

Educação, João Costa.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Educação (João Costa): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados:

O Governo traz à Assembleia da República o pedido de autorização para que possamos legislar, estabelecendo

os regimes de ensino individual e doméstico.

Faço um pouco o enquadramento do que nos traz até aqui, numa história que, na verdade, começa em

tempos de má memória, porque a última vez que este regime foi legislado foi em 1949, no decreto, à data, 37

545.

Aí, o regime do ensino individual e doméstico era estabelecido como uma modalidade do ensino particular.

Este decreto foi revogado, em 1980, pelo Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, que estipula apenas que

não abrange o ensino individual e doméstico e, desde então, temos estado num vazio, apesar de o ensino

individual e doméstico existir.

Mas é um vazio em que este regime vai aparecendo em despachos, no regime de matrículas, no regulamento

de provas e exames. Está por todo o lado, exceto na lei. E aquilo que quisemos fazer, com o Decreto-Lei n.º

55/2018, que estabelece o currículo para o ensino básico e secundário, foi, de certa forma, trazer este regime

para a legalidade, definindo também alguns princípios, a que me referirei daqui a pouco, que estão vertidos para

a Portaria n.º 69/2019, que decorre deste decreto-lei. Já voltarei a estes princípios, mas agora queria também

explicar o resto da história.

Esta portaria foi contestada, por várias razões e foi contestada também a sua constitucionalidade. E porquê?

Porque no decreto-lei do currículo o regime de ensino individual e doméstico aparece como uma modalidade,

mas as modalidades da Lei de Bases do Sistema Educativo apenas contêm educação especial, formação,

ensino recorrente, ensino à distância e ensino do português no estrangeiro.

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Portanto, na verdade, ensino individual e doméstico não aparecia aqui e, não aparecendo, importa, então,

trazer este pedido de autorização para legislar à Assembleia da República, para corrigir este erro.

Na regulamentação que se pretende fazer, gostaria de explicitar cinco princípios fundamentais. O primeiro,

que é o princípio basilar em tudo isto, é garantir o direito à educação das crianças, quando as suas famílias

optam por este regime, ou seja, que o ensino individual e doméstico seja uma oferta educativa de pleno direito

e que cumpra o currículo nacional.

Segundo princípio: elevar os requisitos e os critérios para as qualificações dos responsáveis educativos. O

que é que isto significa? Na última regulamentação, em 1949, a escolaridade obrigatória andaria pelo 3.º ano e,

por isso, não se exigia aos responsáveis educativos aquilo que hoje se exige a um qualquer professor que tenha

responsabilidades educativas. Portanto, eleva-se, aqui, a qualificação para o nível de licenciatura e, no caso do

ensino secundário, também para conhecimentos específicos nas áreas disciplinares que estão no ensino

secundário.

Terceiro aspeto: promove-se a explicitação daquilo que se vai fazer quando esta opção é assumida, através

de um protocolo de colaboração em que escola e responsáveis educativos apresentam o projeto educativo,

podem decidir sobre os espaços de que os alunos, que estão no regime individual e doméstico, podem beneficiar

e a que podem aceder. Também se estabelece toda a tramitação deste processo, ou seja, como é que cada um

dos alunos procede à sua matrícula, qual é o professor que acompanha o processo deste aluno ao longo do seu

desenvolvimento curricular, com a apresentação regular de um portefólio para que a escola também tenha

reforço da informação disponível e possa, também, apoiar os responsáveis educativos dos alunos.

Finalmente, quarto ponto: esta é uma regulamentação que também é preventiva, ou seja, o ensino individual

e doméstico cresceu, e cresceu por razões muito diversas, como, por exemplo, pelas opções das famílias em

projetos educativos diferenciados, chamemos-lhe assim. Mas também tivemos recurso ao ensino individual e

doméstico, em particular ao ensino doméstico, para mascarar abandono escolar, tivemos recurso a este regime

para — felizmente ainda que pontualmente — que as evidências de maus-tratos de algumas crianças não

chegassem à escola e não fossem visíveis. Tivemos projetos educativos que não cumpriam o currículo nacional,

que eram desvios, às vezes, associados a algumas iniciativas bizarras, e também um crescendo daquilo que,

se me permitem, vou chamar o falso ensino particular, ou seja, agregações de encarregados de educação que

pagam a alguém que assegura o ensino, mas sem cumprir qualquer norma do que é o ensino particular e

cooperativo.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem de concluir, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Educação: — Concluo, Sr. Presidente.

Por isso, o que temos aqui é uma proposta que respeita as opções das famílias, mas protege também este

direito à educação das crianças.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado André Ventura.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: Apresentou-se-nos

hoje com uma descrição técnica daquele que é, provavelmente, um dos maiores falhanços do Governo, mas,

também, uma das mais intoleráveis intromissões em matéria de ensino.

O Estado intromete-se numa das mais sagradas obrigações familiares, que é o ensino, violando o próprio

artigo da Constituição, onde se estabelece a liberdade de aprender e ensinar.

Mas é curioso que uma proposta de ensino do Governo, que, supostamente, iria salvaguardar a liberdade,

tenha como palavras mais repetidas «monitorização» e «supervisão» — aquilo em que não confiamos nas

famílias para fazer, porque queremos impor o modelo único de ensino aos nossos estudantes.

Queria também preguntar-lhe, Sr. Secretário de Estado: diga lá, quantos estudantes que estavam em ensino

doméstico tiveram insucesso escolar? Quantos, em Portugal?

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É que ninguém sabe quantos são. Mas sabemos uma coisa: são muito menos do que aqueles que estão na

escola pública, neste momento, em Portugal. E era isso que um Secretário de Estado deveria vir aqui dizer, em

vez que vir difamar o ensino doméstico e o ensino particular.

E digo-lhe mais! E vou terminar, Sr. Presidente, que sei que me vai chamar à atenção.

Fala, novamente, na disciplina de Educação para a Cidadania. Porque é que temos de impor, aos nossos

jovens, a ideologia de género, aquilo que estamos, no resto do mundo, a combater, e estamos aqui a destruir,

tornando as crianças em objetos mercantilizados, de supervisão mediática e de supervisão cultural?

Essa é a vossa proposta, terá a nossa oposição e assim continuaremos.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado João

Cotrim de Figueiredo.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As crianças e os jovens

são pessoas individuais, que têm direitos, que têm de ser respeitados, nomeadamente o direito a terem uma

educação de qualidade.

Por isso, são bastante preocupantes as situações em que crianças e jovens, cujas famílias optaram por esse

modelo, veem os seus direitos desrespeitados pelo próprio sistema.

Não podemos aceitar que famílias sejam sinalizadas à Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e

Proteção das Crianças e Jovens apenas por terem optado pelo ensino doméstico.

Não podemos aceitar a discriminação na aplicação de medidas de apoio a crianças e jovens com

necessidades educativas especiais. Não podemos aceitar o não-acesso a apoios sociais para os que estão em

ensino doméstico ou individual.

As propostas de alteração que hoje o Iniciativa Liberal faz ao diploma em discussão têm, exatamente, como

objetivo impedir que a escolha de uma certa modalidade de ensino dê azo à discriminação injustificada, e

assegurar que o regime jurídico do ensino individual e do ensino doméstico seja justo.

Caso este diploma venha a ser aprovado, o Governo deve ouvir as associações das famílias com alunos

nesta situação, corrigindo a lacuna inadmissível de não o ter feito antes. Só assim se poderá melhorar o regime

jurídico aplicável, nomeadamente no que concerne à avaliação destes alunos.

A liberdade de educação das famílias é um direito de todos e assim deve continuar.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa,

do CDS.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados:

Discutimos, hoje, esta proposta de lei do Governo, que visa regular em lei — e, de facto, não em despacho ou

portaria, como era até aqui e como, marginalmente, discutimos na Legislatura anterior — uma opção de

liberdade de educação que tem que ver com o ensino doméstico ou individual.

Do nosso ponto de vista, o problema que se coloca é o de saber qual o ponto de partida desta

regulamentação.

É importante saber se é feita do ponto de partida da confiança nos pais que fazem esta escolha, que é uma

escolha exigente, como bem vimos agora, durante o período de confinamento, se é uma escolha que pretende

dar aos pais, precisamente, a possibilidade de explorar um conjunto de caminhos de aprendizagem diferentes,

que, em muitos casos, até são por via de máximos e não por via de mínimos.

Ou, então, se, para esta regulamentação, se parte de um princípio diametralmente oposto, de desconfiança,

com base na possibilidade — que também, sem ingenuidades, sabemos que tem tradução real — de abandono

das crianças, de maus-tratos ou de outro tipo de situações lesivas dos seus direitos e do seu futuro.

Consoante privilegiamos uma abordagem ou outra, a regulamentação será mais invasiva ou restritiva ou será

potenciadora de formas personalizadas e expansivas dos percursos de aprendizagem das crianças em causa.

Portanto, compreendendo que se trata de um equilíbrio complexo, difícil de pôr num decreto-lei, continuamos

a fazer uma leitura desta proposta que o Governo traz ao Parlamento achando que lhe dá um pendor mais a

partir do ponto da desconfiança do que do ponto da confiança. E porque dizemos isto?

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Por exemplo, nos artigos 9.º e 8.º, que falam sobre matrículas, continua a ser dada carta branca ao diretor

do agrupamento, que quase se comporta como um magistrado, na avaliação da decisão de uma família de poder

ou não ter o seu filho no regime de ensino doméstico, ou, por exemplo, na carga de avaliação, que é prescritiva

e condensada em períodos muito curtos e muito mais exigente do que para quaisquer outros alunos.

E, ao mesmo tempo que tem esta abordagem, a nosso ver, demasiado cautelosa, o Estado escusa-se de

cumprir alguns direitos ditos universais, como seja o acesso aos manuais escolares gratuitos para estes alunos,

que muitas vezes se matriculam em escolas públicas, ou as articulações com o Decreto-Lei n.º 54/2018,

permitindo-lhes o apoio em necessidades específicas, quando é esse o caso.

Portanto, parece-nos que o equilíbrio adequado entre confiar numa opção consciente de liberdade de

educação e a de inibir os casos de uso de decisões dessa opção, não está ainda, nesta proposta, feito de forma

consistente e bem conseguida.

Por isso, achamos que ainda há trabalho a fazer na especialidade, com opções que devem ser ponderadas

e futuramente, se for preciso, com alterações ao decreto-lei.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Dou, agora, a palavra, à Sr.ª Deputada Bebiana Cunha, do PAN.

A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Debatemos hoje uma proposta de

autorização legislativa que visa, da parte do Governo, obter um acordo da Assembleia da República, excluindo-

a do processo. Um tema como o ensino doméstico e o ensino individual precisa de uma discussão participada.

Qual o receio de o fazer? O Governo saberá o motivo.

O PAN trouxe propostas de autorização legislativa e aproveitamos este momento para marcar a nossa

posição.

Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, o direito à educação é um direito fundamental da nossa

Constituição, para o qual são convocadas as famílias, as escolas e o Estado.

Mas a educação só cumpre o seu objetivo quando se estende a toda a comunidade e quando envolve os

parceiros e contextos numa perspetiva de cidades educadoras e de abordagem sistémica das aprendizagens.

São essenciais as redes colaborativas, a integração das escolas na comunidade, a aprendizagem fora das

paredes das salas de aula e a intencionalização de todas as vivências em possibilidades de crescimento e

aprendizagem.

Tudo isto só se consegue com ministérios que escutem as comunidades educativas, com políticas que

coloquem o estudante no centro da educação, com medidas que dignifiquem os profissionais, com investimento

nas estruturas de apoio às famílias, com sinergias e recursos adequados para todos.

As modalidades de ensino individual e de ensino doméstico devem ter por base uma regulamentação que

assegure as necessidades de todas as crianças e jovens. A proposta de lei do Governo, por trás da proposta de

autorização legislativa, exclui uma série de responsáveis educativos perfeitamente capazes e competentes.

Na nossa perspetiva, devem ser asseguradas as competências parentais de comunicação, de relação, de

gestão e de acompanhamento destes processos. O Governo toma por certo que as famílias com menor

educação formal não têm competências educativas nestes processos monitorizados e acompanhados pela

escola. É uma posição que entendemos ser discriminatória em relação a estas famílias e que cria desigualdades

de acesso a estas modalidades, que assentam em habilitações literárias, por oposição a competências pessoais,

interpessoais e parentais.

Por outro lado, se os critérios familiares são essenciais, devem-no ser também os critérios de seleção dos

professores alocados a estas medidas, que terão de estar motivados, capacitados e ser apoiados nesta elevada

responsabilidade.

Também a realização de entrevista com a família não pode estar afastada de um modelo adequado às

crianças e jovens, gerido por alguém com competências nesta matéria.

O Governo exige que as famílias sejam sujeitas a pedido de diferimento, decidido em subjetividade, sem

critérios conhecidos por parte das famílias. Urge conhecê-los e equilibrar as responsabilidades entre famílias e

escolas.

Para concluir, quero ainda dizer que esta lei é um processo que exige um olhar abrangente e não pode excluir

nenhuma das partes envolvidas. As crianças e jovens não são património dos pais, da escola ou do Estado. São

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pessoas com identidade e personalidade próprias, que, pela sua condição de menoridade, têm de ver garantidos

os seus direitos e necessidades, seja em contexto familiar, escolar ou social.

Este é o nosso pressuposto: colocar a criança e o jovem no centro das leis e das decisões. E, portanto,

perguntamos ao Governo se ouviu o Conselho Nacional de Educação, os diretores escolares,…

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem de concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Para concluir, Sr. Presidente, pergunto ao Governo se ouviu os

representantes das famílias. Quem é que ouviu?

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Cláudia André, do PSD.

A Sr.ª Cláudia André (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: O Governo

tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República a Proposta de Lei n.º 82/XIV/2.ª, que autoriza o

Governo a legislar sobre o regime jurídico do ensino individual e do ensino doméstico.

O ensino doméstico, tal como o ensino individual, são modalidades de ensino que podem ser praticadas em

Portugal e em alguns países da Europa. De acordo com os dados disponíveis, serão quase 1000 as crianças

que hoje estão a fazer o seu percurso académico em casa ou fora da escola.

Esta modalidade de ensino individualizado é praticada por famílias portuguesas com residência temporária

noutros países ou em mobilidade, famílias estrangeiras com residência em Portugal ou famílias que

simplesmente desejam assumir maior responsabilidade no processo de ensino-aprendizagem dos seus

educandos.

Portugal é um país especialmente desigual. Também neste tema é manifesta a desigualdade. Para alguns

menores, a opção pelo ensino doméstico ou individual é feita pela sua família e constitui uma vantagem pelo

exercício do direito à liberdade de aprender e ensinar, conforme garante a Constituição. Mas, para outros

menores, esta modalidade poderá ser aproveitada para os expor a contextos de doutrina religiosa radical ou a

circunstâncias que atentem àquilo que constituem os valores da sociedade portuguesa, nomeadamente a

igualdade de direitos entre homens e mulheres e a dignidade humana.

E nestes casos, obviamente, o Estado não pode isentar-se do cumprimento do dever constitucional de zelar

pela proteção das crianças, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra as formas de

abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais

instituições.

É, assim, muito importante salvaguardar o equilíbrio entre a proteção das crianças e jovens e o respeito pela

escolha das famílias que optam por estes regimes excecionais de ensino.

Estas famílias não podem tornar-se, a priori, suspeitas de qualquer ato ilegítimo ou ser alvo de uma espécie

de bullying pela administração educativa ou escolar, nomeadamente com sinalizações às CPCJ (Comissões de

Proteção de Crianças e Jovens), sem fundamento ou com controlos arbitrários, provocando, por vezes,

verdadeiras situações de pressão, que põem em causa o bem-estar da criança, situações de desorganização

emocional e até de ansiedade extrema pelo risco, erradamente anunciado, de perda da guarda parental.

Se está legalmente consagrada a possibilidade de as famílias, por razões de natureza estritamente pessoal

ou mesmo profissional, assumirem uma maior responsabilidade na educação dos seus educandos, optando por

um processo educativo fora do contexto escolar, é fundamental que as instituições responsáveis não esqueçam

que a prática do ensino doméstico é uma opção livre e não deve ser discriminada como uma opção excecional.

Entendemos que a maioria das medidas inscritas no projeto do decreto-lei, anexo a este pedido de

autorização legislativa, visam encontrar esse equilíbrio onde, em nosso entender, é garantido o respeito pelas

opções das famílias, a monitorização do processo de ensino-aprendizagem, mas também a eventual proteção

de alunos que possam estar em risco.

É por esta razão que iremos viabilizar esta proposta.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem, agora, a palavra a Sr.ª Deputada Lúcia Araújo, do PS.

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A Sr.ª Lúcia Araújo Silva (PS): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, que cumprimento, Sr. as e Srs.

Deputados: Na Proposta de Lei n.º 82 da atual Legislatura e Sessão Legislativa, hoje em debate nesta Câmara,

está bem presente o esforço do Governo no reconhecimento do ensino individual e doméstico e,

consequentemente, a pretensão em regulamentar estas modalidades — sendo modalidades diferentes, o ensino

doméstico é lecionado no domicílio a cargo de quem coabita com o aluno, e o ensino individual é ministrado por

um professor habilitado, a um só aluno —, com a salvaguarda da liberdade de aprender e de ensinar e do direito

à educação, de forma a garantir que as crianças e os jovens não são prejudicados na sua aprendizagem.

Também na prossecução do direito à educação, um direito de todos e um dever do Estado e da família, na

qual a sociedade assume um papel preponderante nos contributos ao desenvolvimento da pessoa, na

preparação para o exercício da cidadania e na qualificação profissional, consubstanciada pela Constituição da

República Portuguesa, da lei internacional, da Lei de Bases do Sistema Educativo e de legislação complementar,

o Estado português, à semelhança da maior parte dos Estados europeus, dá o garante ao direito à educação e

ao ensino, permitindo que o processo de ensino-aprendizagem ocorra ao abrigo do ensino individual e

doméstico, decorrendo a necessidade legislativa de que salvaguarde as expetativas, que são legítimas, dos

intervenientes e dos destinatários.

Cabe, assim, ao Estado um conjunto de tarefas, como cooperar com os pais na educação dos seus filhos,

no âmbito do processo de ensino-aprendizagem. E, numa relação de harmonia e complementaridade entre

família e Estado, este tem o dever de garantir que as crianças e os jovens tenham uma educação de qualidade,

prevendo assim o cumprimento pleno do currículo nacional, a participação dos alunos nas atividades de ensino

desenvolvidas na escola, a monitorização do progresso dos alunos, a proteção de alunos que estejam em

situação de risco ou em abandono escolar ou mesmo em situação de insucesso escolar.

E independentemente da oferta e do regime de ensino frequentado, cabe ao Estado garantir que os alunos

alcançam os objetivos do ensino básico e secundário, de acordo com a Lei n.º 46/86, assim como os princípios,

visão, valores e áreas de competência previstas no perfil dos alunos, à saída da escolaridade obrigatória.

De modo a que o Estado possa garantir o direito à educação que permita aos alunos alcançar o sucesso

educativo, institui-se o protocolo de colaboração para organizar o percurso educativo do aluno, os procedimentos

de acompanhamento e monitorização do seu processo educativo, assim como as responsabilidades do

encarregado de educação e da escola de matrícula.

Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados, uma das conquistas da Revolução de

Abril foi a universalização da educação pública em Portugal, a participação das famílias no desenvolvimento

integral das crianças e dos jovens para uma nova cidadania, uma verdadeira e profunda conquista de uma

sociedade desenvolvida.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem, agora, a palavra a Sr.ª Deputada Alexandra Vieira, do Bloco de

Esquerda.

A Sr.ª Alexandra Vieira (BE): — Sr. Presidente, antes de mais, cumprimento-o, e à restante Mesa, às Sr.as

Deputadas e aos Srs. Deputados.

O objetivo assumido pelo Governo na regulamentação do ensino doméstico, em que o processo de

aprendizagem é feito em casa, com a família, ou do ensino individual, em que há um professor particular, é o de

garantir o direito à educação com qualidade, e a sua monitorização, a proteção dos alunos em risco de abandono

ou insucesso.

Estas modalidades de ensino têm de ser reguladas. Não temos dúvidas de que é isto que protege o interesse

e os direitos da criança. Mas é precisamente pela importância e pela delicadeza da matéria que censuramos a

forma como o Governo decidiu legislar sobre ela, trazendo ao Parlamento uma autorização legislativa para um

decreto-lei pré-feito, que não permite o processo de especialidade, em comissão, e dispensa, portanto, os

contributos e o aprofundamento do debate parlamentar.

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A opção parte das famílias, que identificam anacronismos e problemas estruturais no sistema educativo.

Acham que a formatação do sistema de ensino, que ainda se centra mais na classificação e menos no que

devia, que são os alunos, não é compatível com a educação que querem dar aos seus filhos.

Acrescenta-se, ainda, a falta de rejuvenescimento dos docentes, o cansaço e fadiga dos professores, as

turmas enormes, os longos tempos letivos, a compulsão avaliativa formal, de cima para baixo, o desajustamento

dos programas a nível etário e, sobretudo, a falta de tempo para brincar e jogar. A brincadeira e o jogo são

instrumentos de aprendizagem muito poderosos e limitar os tempos livres para a brincadeira e para o jogo coarta

o desenvolvimento da autonomia, da criatividade, da imaginação, da destreza, da agilidade, entre outras

competências.

No rol dos problemas estruturais estão, também, a diminuição das visitas de estudo, a quase ausência da

música, das artes, do exercício físico e da destreza manual e a demasiada preocupação com o Português e a

Matemática. A pressão dos exames e dos rankings, com aulas e explicações a toda a hora, é um problema que

não pode ser ignorado.

Estas são as razões legítimas para escolher o ensino doméstico, desde que estas crianças não percam o

contacto com o sistema de ensino e os recursos disponíveis na escola pública.

No entanto, este modelo de ensino também acarreta riscos: nem todas as famílias têm acesso a um universo

cultural adequado às aprendizagens essenciais e ao perfil do aluno; há o risco de fechamento no universo

ideológico, religioso e moral da família, bem como de menor contacto com outras realidades socioculturais; exige

a total disponibilidade dos pais; pode potenciar o risco de exclusão e de menor sentido de pertença comunitária;

e, segundo os estudos, o ensino doméstico pesa mais sobre as mães do que sobre os pais, perpetuando

estereótipos de género.

Ainda assim, o ensino doméstico e o ensino individualizado podem apresentar vantagens. Há casos de

intervenção da comunidade em ações de voluntariado; há liberdade para visitar e viajar, mas só para as famílias

que o podem fazer; contribui para o povoamento de locais mais desertificados do nosso País, onde escolas

foram fechadas; há mais dinamismo na comunidade que recebe uma família com filhos, mas que não tem escola;

corresponde a modos alternativos de vida quase sempre mais frugais e ecológicos e menos ligados à sociedade

de consumo, com proximidade a atividades económicas tradicionais e fora dos grandes centros populacionais.

Por tudo isto, o Bloco de Esquerda considera que, antes de a Assembleia da República aprovar a proposta

de lei do Governo, é necessário promover a discussão pública parlamentar, a audição de entidades,

nomeadamente associações, e de especialistas, com o debate na especialidade.

Não entendemos a pressa do Governo, em querer pressionar a Assembleia da República para decidir sobre

uma matéria tão relevante, uma lei fundamental e com muitas implicações no percurso educativo e escolar dos

alunos.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem, agora, a palavra a Sr.ª Deputada Ana Mesquita, do PCP.

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado Adjunto e

da Educação: O Governo pretende que a Assembleia da República se pronuncie sobre o pedido de autorização

legislativa que incide na aprovação do regime jurídico aplicável ao ensino individual e ao ensino doméstico, que

abrange alunos da escolaridade obrigatória, proposta que será, então, votada amanhã.

Se me permite, Sr. Secretário de Estado, colocarei algumas questões, porque, de facto, importa esclarecer

aqui alguns aspetos que, creio, são importantes.

Em relação a esta matéria, gostávamos de perceber exatamente qual o calendário que está previsto

desenvolver para a implementação de todo este processo e da medida que está aqui em apreciação. E,

nomeadamente em relação ao conteúdo da legislação, gostávamos de saber com mais detalhe se há alguma

intencionalidade prática de que ela esteja já em plena implementação no arranque do próximo ano letivo.

Na verdade, por aquilo que podemos ver, o decreto-lei autorizado vem transpor de uma forma muito ampla

o teor de uma portaria que já é conhecida e, portanto, há várias questões que não são propriamente novidade.

Mas, uma vez que falamos em termos de calendário, para nós, importava perceber exatamente o ponto de

situação da auscultação de entidades sobre aquilo que está aqui colocado.

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Por isso, sobre os conteúdos a alterar, gostávamos de saber quem é que, nesta altura, já foi auscultado e se

o Governo vai ainda proceder à auscultação de um grupo de entidades mais alargado, nomeadamente tendo

em conta algumas questões que têm vindo à discussão e que parecem estar, de alguma forma, fora das

alterações propostas. E uma dessas questões, sobre a qual pretendíamos mesmo algum detalhe, é a que tem

a ver com o acesso à ação social escolar. Esta é uma das questões que têm sido suscitadas e, nesta matéria,

gostaríamos de entender se o Governo vai ainda mexer no âmbito do decreto-lei e, se sim, como é que vai

mexer, isto é, se pretende ainda alguma alteração ou se, efetivamente, até pode vir alguma evolução dessa

auscultação de entidades que nos parece ser positiva.

Outra matéria que gostávamos de esclarecer — e, há pouco, na intervenção do Sr. Secretário de Estado ela

já foi, de certa maneira, abordada — tem que ver com uma dúvida sobre a alteração ao Decreto-Lei n.º 55/2018,

de 6 de julho, porque no sentido e extensão da autorização legislativa não vem explicitada essa alteração e é

uma matéria sensível, ainda para mais neste contexto, uma vez que estamos a falar de ensino à distância e da

sua consubstanciação numa modalidade especial, regulamentada por portaria do Governo.

O Sr. Secretário de Estado referiu a necessidade de conformação com a lei de bases e, se houvesse ainda

alguma questão a detalhar sobre esta matéria, gostaríamos que nos pudesse ser dado esse esclarecimento.

Para finalizar, gostaríamos de afirmar aquela que é a nossa visão, a qual é conhecida e clara e não constitui

nenhum segredo. O PCP considera que o ensino presencial, na escola, tem uma centralidade no processo de

ensino-aprendizagem que não é substituível por outras modalidades e possibilidades. Como é natural,

entendemos que há condições concretas que podem ditar outras ponderações, a nível do ensino individual e

doméstico, mas temos uma grande preocupação, que é a de que isto nunca signifique que os direitos à educação

com qualidade, a conseguir concluir com sucesso o percurso educativo e à formação da cultura integral dos

alunos possam ser arredados e, de certa maneira, considerados elementos a excluir desta questão.

Afirmamos, por fim, e não é demais relembrar, que, efetivamente, a escola pública, gratuita, de qualidade,

para todos, foi uma das grandes conquistas de Abril e, por muitos problemas que atualmente atravesse, e que,

sim, precisam de ser resolvidos, importa afirmá-la como imprescindível, pelo que essa ligação…

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Concluo mesmo, Sr. Presidente, dizendo que essa ligação à escola pública,

mesmo neste contexto, é para nós muito importante.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Carla Sousa, do PS.

A Sr.ª Carla Sousa (PS): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Educação, Sr.as e Srs.

Deputados: Gostaria de começar por sublinhar o entendimento alargado que existe aqui quanto à necessidade

de regulamentar este ensino individual e doméstico.

Esta proposta permite conceder corpo e legitimidade formal a duas modalidades de ensino que, embora

previstas na moldura legal desde 1949, careciam, de facto, de legislação atualizada, garantindo-se agora as

qualificações de quem acompanha os alunos no seu percurso educativo obrigatório, que vai até ao 12.º ano.

Também por isso, a proposta apresentada pelo Governo é bastante equilibrada, porque salvaguarda a

liberdade dos pais por estas opções, protege a formação dos alunos e permite que eles possam beneficiar de

condições de acesso a espaços escolares, como bibliotecas e demais recursos escolares. E a virtude estará,

seguramente, nesta relação de cooperação entre pais, alunos e comunidades educativas.

Sabemos que existem múltiplas razões que assistem aos pais na escolha por estes métodos de ensino e a

legislação permite-o como desenho de formação educativa.

Mas há uma questão importante que gostaria de deixar aqui clara: o ensino doméstico não pode ser um

sistema para a invisibilidade dos alunos nem um método de escape para a sua escolarização.

A liberdade de ensinar e de aprender e o direito à educação são direitos fundamentais, constitucionalmente

consagrados, essenciais para o desenvolvimento das crianças e jovens como membros de uma sociedade.

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Cabe ao Estado, em complementaridade com as famílias, assegurar que estas opções de ensino não veem

esse direito prejudicado.

A proposta que temos hoje em debate faz isso mesmo: possibilita e regulamenta a realidade do ensino

doméstico e individual, gera segurança na relação formativa, concilia a liberdade de escolha dos pais e evita

situações irregulares na formação dos alunos.

É dos alunos em formação que temos de cuidar e estes não podem funcionar em vazios legislativos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Pergunto se mais algum Sr. Deputado pretende intervir, no âmbito do

tempo de que o seu grupo parlamentar ainda dispõe.

Pausa.

Não havendo inscrições, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Educação, João Costa, para

encerrar o debate.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Educação: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, como o

tempo de que disponho é curto, vou tentar sintetizar, em quatro ou cinco pontos, as várias questões que foram

aqui suscitadas e também tecer alguns comentários.

Em primeiro lugar, sobre o processo de auscultação, houve audições regulares antes da publicação da

portaria, que envolveram não só vários indivíduos que se inscreveram, mas também a AEEP (Associação dos

Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo), a ANPED (Associação Nacional de Pais em Ensino

Doméstico) e a Associação Movimento Educação Livre. E, obviamente, iniciando-se novo processo legislativo,

serão novamente ouvidas, como decorre destes processos.

Posteriormente à publicação da portaria, já houve várias reuniões e pedidos de audiência que foram sempre

atendidos e, aliás, estamos aqui também porque alguns destes interlocutores contestaram a própria portaria.

Portanto, temos aqui a democracia a funcionar.

Quanto ao segundo aspeto, sobre as crianças e as sinalizações às CPCJ, questão que também foi aqui

colocada, sabemos que quanto mais cedo se atuar na prevenção do abandono, e o período de pandemia que

vivemos é disso um exemplo claro, mais eficaz se torna. Ora, se uma criança desaparece do sistema, seja por

que razão for, é preciso haver reporte, sinalização e atuação, nem que seja para se descobrir que não há

qualquer problema e que as coisas estão bem, o que não se pode é fazer de conta que as questões não existem.

Falou-se aqui de acesso a materiais, de acesso a equipamentos e é mesmo isso que está previsto no

protocolo de colaboração, ou seja, que a escola, lá por a criança estar em ensino doméstico ou individual, não

pode ter todos os serviços encerrados para essas crianças.

Queria, ainda, esclarecer, porque esta também foi uma questão colocada, e depois disto concluo, que há

aqui uma grande preocupação com a valorização dos profissionais de educação. Ou seja, quando o diretor do

agrupamento tem uma palavra a dizer, quando temos um professor que acompanha estes processos, não é por

não acreditarmos que a escola seja boa, Sr.ª Deputada Alexandra Vieira, ao contrário do retrato catastrófico que

trouxe das escolas, em particular das escolas públicas portuguesas, mas, sim, porque reconhecemos que uma

das grandes conquistas do nosso sistema educativo foi a valorização…

O Sr. Presidente (António Filipe): —Tem de concluir, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Educação: — Concluo, Sr. Presidente.

Como dizia, reconhecemos que uma das grandes conquistas do nosso sistema educativo foi a valorização

dos profissionais através da qualificação.

Mesmo para concluir, Sr. Presidente, queria referir que, ao contrário do que dizia o Sr. Deputado André

Ventura, não estamos a intrometer-nos nas famílias, como também não entendemos que as famílias se

intrometam na escola. O sistema educativo e a Constituição preveem que a educação é realizada em

colaboração entre escola e família.

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E deixo-o com um pequeno conflito cognitivo, que deverá, certamente, resolver de forma rápida, porque

costuma, rapidamente, dar a volta às coisas: os principais protegidos por esta portaria são os filhos das

comunidades ciganas, em particular as meninas, filhas das comunidades ciganas,…

Aplausos do PS.

… que eram retiradas da escola, ao abrigo do ensino doméstico, para casamentos precoces.

Aplausos do PS.

E por isso, só mesmo para concluir, Sr. Presidente,…

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Secretário de Estado, já ultrapassou largamente o tempo de que

dispunha, pelo que tem mesmo de concluir.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Educação: — … queria dizer que não temos crianças da família

nem do Estado, as crianças são cidadãos de pleno direito.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, concluída que está a discussão deste ponto, a proposta

de lei será votada em momento oportuno.

Passamos à fase das declarações políticas, pelo que, para o efeito, tem, desde já, a palavra o Sr. Deputado

José Luís Carneiro, do Partido Socialista.

O Sr. José Luís Carneiro (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Partido Socialista fez 48 anos

no passado dia 19 de abril. Quero, em nome da bancada do PS, saudar os fundadores que, liderados por Mário

Soares, na clandestinidade e no exílio, deram um contributo inestimável para um País mais livre, mais justo e

mais solidário.

Aplausos do PS.

Após o período revolucionário e não sem graves dificuldades, sob a liderança de Mário Soares e de outros

líderes e partidos políticos, abrir-se-iam as portas a uma transição pacífica para uma democracia pluralista e

europeia, assente no equilíbrio entre a liberdade, a igualdade e a fraternidade que inspirou outros movimentos

democráticos.

A Constituição assim o consagrou em 1976 e, com o I Governo Constitucional, traçaram-se as linhas mestras

que permitiriam a Portugal assumir o seu lugar na vida internacional; subscrever o pedido de adesão à

Comunidade Económica Europeia; manter os seus compromissos com a Aliança Atlântica; garantir uma relação

privilegiada com os países de língua portuguesa e lançar as bases de um projeto de desenvolvimento económico

e social e de democratização do País.

Dia 25 de Abril comemoramos 47 anos de liberdade e de igualdade, em democracia e faz este ano 45 anos

sobre as primeiras eleições democráticas para aquele que é o grande alicerce e fonte de rejuvenescimento da

democracia: o poder local democrático.

Foi e é no poder local que bate o coração da democracia. É lá que, olhos nos olhos, face a face, o poder se

humaniza, com as suas forças e com as suas fraquezas.

É com orgulho que o Grupo Parlamentar do PS viu reconhecidas pela Academia três marcas profundas dos

socialistas no poder local democrático: o contributo para a sua autonomia administrativa e financeira; a criação

de um quadro legislativo favorável ao desenvolvimento regional, à desconcentração e à descentralização e o

envolvimento do poder local nas políticas sociais de habitação, de saúde, de educação e de combate à pobreza.

Abril trouxe a descoberta da vida livre e democrática, que se fez vida refletida e vida vivida; a

autodeterminação individual, a autodeterminação coletiva, o encontro com a magia do poder local e, como disse

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há dias um autarca de 76, a abertura de acessos às freguesias, aos lugares e às habitações, os bens e serviços

essenciais, o abastecimento de água, o saneamento, a eletrificação, a habitação condigna, os cuidados de

saúde pública e o médico de família, a universalização do acesso ao ensino básico, secundário e superior, o

acesso à cultura e ao conhecimento e o aprofundamento do conteúdo democrático com a participação cívica e

política, que enriquece a democracia representativa.

Aplausos do PS.

A interiorização, na nossa cidadania, da necessidade de promovermos uma cultura democrática mais

exigente, assente na transparência e na prestação de contas, é um dever de todos.

Sr.as e Srs. Deputados, o PS está no cerne da nossa vida coletiva, está em todos os progressos que o País

registou, mantém a sua liderança por estar sintonizado com as aspirações populares e por saber dosear

liberdade com respeito pela individualidade, por procurar o interesse coletivo e por ser eficiente a conciliá-lo com

o cuidado pelas aspirações individuais.

Foi a ação conjugada da administração local, regional e nacional que permitiu vencer atrasos de séculos e

que vale a pena lembrar: a taxa de mortalidade infantil que passou de 78%, em 1960, para 2,8% em 2019; a

esperança média de vida, que aumentou para em 16 anos para os homens e em 15 anos para as mulheres; o

alojamento próprio que aumentou de 38,8%, em 1960, para 73%, em 2019; a água canalizada que, em 1970,

estava em 47% das casas para 99%, em 2019, das casas; e a taxa de analfabetismo que passou de 26%, em

1970, para 5,2%, em 2011.

Aplausos do PS.

Refiro ainda o abandono escolar que passou de 44%, em 2001, para os 11%, em 2019; o número de pessoas

inscritas no ensino superior que passou de pouco mais de 83 000, em 1981, para cerca de 400 000, em

2020/2021; a taxa de pobreza que tem vindo a ser reduzida; e também a qualidade da democracia.

Importa assinalar a evolução positiva da satisfação com a democracia entre 2015 e 2018. Num índice que

varia entre 1 e 4, em 2018 atingiu, em Portugal, 2,71, acima da média da União Europeia, com uma média de

2,55.

A confiança no Parlamento nacional aumentou no mesmo período. Atingimos 32,3, quando a média da União

Europeia era de 27,7. A Espanha estava com 8,2.

Falta, naturalmente, avaliar os efeitos desta pandemia nestes indicadores positivos. Muito há que fazer, Sr.as

e Srs. Deputados, com certeza, mas, ter um discurso negacionista sobre estes resultados que mostram que o

País tem feito um caminho extraordinário de desenvolvimento é denegrir o esforço e atentar contra a inteligência

de todos os portugueses.

Sr.as e Srs. Deputados, os valores democráticos estão confrontados com desafios muito exigentes, impostos

por uma suposta cidadania que faz por esquecer o passado «dos filhos dos homens que não foram meninos»,

que quer resultados para ontem, que faz o escrutínio, 24 horas sobre 24 horas, sobre as decisões políticas.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. José Luís Carneiro (PS): — Vou concluir, Sr. Presidente.

Essa pressão, feita nas redes sociais — onde vive gente bem-intencionada — e nas notícias ao segundo,

impede o tempo de maturação e de processamento regular das instituições. Dá a ideia de que o tempo da

Rebelião das Massas atua, agora, nas redes, atua nas perceções, o seu tempo não é o tempo das instituições

democráticas.

Há que promover uma cultura de proximidade, de transparência, de prestação de contas, de envolvimento

dos cidadãos, particularmente dos mais jovens, na vida das instituições.

É imprescindível pugnar por um discurso público sério, rigoroso, alicerçado no conhecimento e na razão, um

discurso que, valorizando a ética das convicções, não deixe de assentar na ética da responsabilidade, porque é

ela também a ética da República, em nome e em defesa dos valores de Abril, Sr.as e Srs. Deputados, para que

os nossos dias continuem «inteiros e limpos», como escreveu Sofia de Mello Breyner.

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Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado José Luís Carneiro, a Mesa regista sete inscrições para

pedidos de esclarecimento.

Como pretende responder?

O Sr. José Luís Carneiro (PS): — Primeiro a três e depois a quatro.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Muito bem, Sr. Deputado.

Para um primeiro pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Catarina Rocha Ferreira, do PSD.

A Sr.ª Catarina Rocha Ferreira (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Luís Carneiro, começo por

felicitar o Partido Socialista pelos 48 anos de vida, um partido essencial na construção e na solidificação da

democracia portuguesa.

É o partido de Mário Soares, Almeida Santos, Jorge Sampaio, Jaime Gama, António Guterres e tantos outros

que fizeram parte da fundação do Portugal democrático e que têm desempenhado um papel importante na

afirmação do Estado de direito, dos direitos fundamentais e dos valores de liberdade e de solidariedade.

Mas não podemos deixar de sublinhar que o Partido Socialista, sendo o partido do Governo, tem uma

responsabilidade acrescida ainda mais neste momento difícil de crise pandémica que atravessamos.

E hoje fica cada vez mais claro que não tem ido ao encontro das ansiedades e das necessidades dos

portugueses. Temos serviços públicos que não funcionam, temos instâncias do Governo que respondem com

atraso às urgências, empresas numa situação de grande aflição e famílias que não veem futuro. E nisto o

Governo tem responsabilidades e o Governo do Partido Socialista tem uma responsabilidade histórica.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Claro!

A Sr.ª Catarina Rocha Ferreira (PSD): — Aliás, já que se fala em história, nas vossas celebrações, no

passado fim de semana, tive oportunidade de ver, com muita atenção, o presidente do Partido Socialista a falar

que a vossa história tem desvios e erros.

Sr. Deputado, comecei, precisamente, por elogiar a vossa história, mas é o presidente do Partido Socialista

que vem referir que ela tem erros e desvios.

Protestos de Deputados do PS.

Por isso, pergunto: Sr. Deputado, a que desvios é que o presidente do Partido Socialista se estava a referir?

Em segundo lugar: como é que tencionam corrigir esses desvios?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado André

Ventura.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Luís Carneiro, saúdo também o Partido

Socialista pelo seu aniversário.

Saudou a Revolução do 25 de Abril, saudou também a nossa Constituição. A Revolução do 25 de Abril não

seria a que eu gostaria que tivesse ocorrido, da forma como ocorreu, mas, em todo o caso, gostava de questioná-

lo sobre isto.

Falou da «magia» de Abril e pergunto-lhe se podemos falar de «magia» de Abril quando, sob o vosso

Governo, Portugal é ultrapassado por países como a Estónia e a Letónia. Que 47 anos de democracia são estes,

que nos permitiram ficar atrás de países que há 15 anos não tinham linha de comboio? Qual é a «magia» de

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Abril quando temos um País assim? Como é que podemos falar de magia ao sermos ultrapassados por países

que há poucos anos estavam de mão no ar a saudar o comité central da União Soviética?

Falou da Constituição e saudou-a calorosamente e aí estamos em desacordo. Pergunto-lhe se a mesma

Constituição não exponenciou também, a par da urbanização, a par do desenvolvimento da mobilidade, a par

do alojamento, a corrupção que hoje temos endémica em Portugal, fruto também dessa «magia» de Abril que

hoje aqui trouxe para saudar.

Por isso, Sr. Deputado, pergunto-lhe se não entende que a Constituição é hoje também um bloqueio e um

travão, como aconteceu no caso do enriquecimento injustificado, ao combate eficaz à corrupção e à

criminalidade económica com o qual temos de lutar em Portugal.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, vou usar os 2 minutos, porque junto o tempo dos dois pedidos

de esclarecimento, uma vez que o Partido Socialista merece que eu faça este pedido em cúmulo.

É possível, não é, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira prosseguir.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Deputado, em 2011, um inquérito disse que metade dos portugueses

entende que o País está pior agora do que antes do 25 de Abril. Metade! É a tal «magia» de Abril que nem os

cidadãos conseguiu convencer.

Este é o drama que vamos celebrar no próximo domingo. O drama de um País que celebra a liberdade, mas

que se vê atolado em corrupção, em dificuldade e em subdesenvolvimento. O drama de um País que não

consegue largar os piores vícios que tinha, que tem e que mantém, mesmo na luta quando celebra a liberdade

e o aniversário de partidos tão importantes como o Partido Socialista.

E, Sr. Deputado, para terminar não podia deixar de lhe dizer o seguinte: criticou o escrutínio político de 24

horas que acontece nas redes sociais. Não devia ser essa a «magia» de Abril? Não devíamos todos poder ter

voz como cidadãos, sem medo de os enfrentar e de nos enfrentarmos em todos os fóruns, em cada fórum do

WhatsApp, do Facebook, do Twitter? Não é isso ser escrutinado? Não é isso ter das democracias mais

avançadas do mundo? Afinal que democracia é que quer, Sr. Deputado?

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. André Ventura (CH): — Vou terminar, Sr. Presidente.

Que democracia é que quer, Sr. Deputado, quando celebra os tanques na rua, na madrugada do dia 25 de

abril, e não celebra os milhões de portugueses que, no Facebook, no Twitter, no WhatsApp e em todas as redes

sociais, enfrentam e escrutinam o Governo, 24 horas por dia?

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem, agora, a palavra, para um pedido de esclarecimento, o Sr.

Deputado Telmo Correia, do CDS-PP.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Luís Carneiro, acho que, nestes

momentos, mais do que colocar-lhe um conjunto de questões mais ou menos difíceis, o nosso papel é um

bocadinho o de felicitá-lo a si e ao Partido Socialista por estes 48 anos de história, reconhecendo que,

obviamente, nem sempre a história do Partido Socialista foi a mesma e que nem sempre a história do Partido

Socialista — mas isso será verdade para qualquer um de nós — foi igualmente notável ou bem-sucedida.

Eu próprio, visto como um opositor de sempre do Partido Socialista, diria que há momentos da sua história

que nos merecem mais enlevo do que outros momentos dessa mesma história. Diria mesmo que, nalguma

medida, o Partido Socialista de Mário Soares, o Partido Socialista que foi sempre um travão aos partidos mais

radicais e às tentações totalitaristas no nosso País é diferente do Partido Socialista que celebrou a gerigonça e

que, na expressão do atual Primeiro-Ministro, fez cair o muro, ou que, na minha expressão, caiu para o outro

lado do muro.

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O Sr. João Oliveira (PCP): — Isso é que é um trauma!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — São coisas diferentes e são, obviamente, momentos diferentes da sua

história.

Mas toda a história tem de ser respeitada, registando que nem sempre o Partido Socialista teve a mesma

postura perante o País e perante a história da democracia portuguesa.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Nem o CDS!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Deputado José Luís Carneiro, quando vamos celebrar o aniversário

de alguém, não vamos lá para dizer mal, nem para pôr defeitos, nem para ser desagradável. Portanto,

procurando celebrar o aniversário do Partido Socialista…

O Sr. João Oliveira (PCP): — Não está a ser grande convidado!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Deputado João Oliveira, quando for o aniversário do Partido

Comunista… Já foi há pouco tempo. Direi qualquer coisa no próximo, mas agora deixe-me falar um bocadinho

do Partido Socialista, até porque a história não é a mesma.

Em relação ao Partido Socialista, não querendo ser desagradável, até registo que lidou bem, neste seu

aniversário, com algum fantasma que pudesse pairar sobre a sua história, sobre os momentos mais negativos

da sua história e sobre um desses momentos em que o Partido Socialista conduziu o País àquilo que sabemos

ter vindo a seguir: uma pré-bancarrota, intervenção da troica e tudo isso. Lidou, de alguma forma, bem. E a

fórmula do Sr. Primeiro-Ministro…

O Sr. Ascenso Simões (PS): — E os submarinos?

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Deputado, está sempre nervoso. Esteja calmo! Depois, põem-se a

criticá-lo porque anda sempre nervoso. Deixe-se lá disso.

Protestos do Deputado do PS Ascenso Simões.

Também o Partido Socialista de António Guterres, que celebrou…

Continuação dos protestos do Deputado do PS Ascenso Simões.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado Ascenso Simões, peço-lhe o favor de não interromper o

Sr. Deputado Telmo Correia, porque ele tem de concluir.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Pois, Sr. Presidente, estou sempre a ser interrompido!

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Vou concluir, Sr. Presidente.

Protestos do Deputado do PS Ascenso Simões.

Sr. Deputado, devemos sempre fazer tudo aquilo que nos possa acalmar. O Sr. Deputado tem de fazer mais

coisas com esse objetivo.

Continuação dos protestos do Deputado do PS Ascenso Simões.

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Sr. Presidente, quando o Sr. Deputado Ascenso Simões terminar, continuarei.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado Ascenso Simões, assim o Sr. Deputado Telmo Correia

não pode concluir e vai eternizar a sua intervenção.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — É verdade, nem me quero zangar com o Sr. Deputado. Só estarei lá,

como autarca de Belém, para defender o Padrão dos Descobrimentos quando for preciso, porque, até lá,

estamos tranquilos.

Protestos do Deputado do PS Ascenso Simões.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, não podem monopolizar a Câmara com o vosso

diálogo.

O Sr. Deputado Telmo Correia tem de concluir a sua intervenção. Peço-lhe que a conclua com brevidade.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Muito obrigado, Sr. Presidente.

Concluo, dizendo que a frase do seu líder, do Primeiro-Ministro, foi uma frase bem achada, a de que o Partido

Socialista é mais do que qualquer uma das suas lideranças e do que qualquer um dos seus momentos.

Não quero, obviamente, dizer ao Partido Socialista que ponha na gaveta alguns dos momentos da sua

história, designadamente os momentos mais infelizes, nem espero que o Partido Socialista ponha, de todo, na

gaveta o socialismo, como teve de fazer noutro momento, ainda que esse fosse o meu desejo, porque acho que

o socialismo, de facto, não nos conduz ao progresso. Quero só deixar-lhe um último repto, Sr. Deputado José

Luís Carneiro, que é o seguinte: acho que o Partido Socialista…

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado, tem mesmo de concluir. Peço desculpa, mas já excedeu

todos os limites possíveis.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Estou mesmo a terminar. Esta é a última frase, Sr. Presidente.

Acho que o Partido Socialista tem estado, por vezes, mal, mas o País precisa muito do Partido Socialista

como grande partido democrático em Portugal. É desse ponto de vista, do ponto de vista do aprofundamento da

democracia, que penso que precisamos de um bom Partido Socialista, como precisamos, obviamente — e

espero estar à altura —, de uma boa oposição.

Muito obrigado, Sr. Presidente. Peço desculpa, mas não terá sido exclusivamente, ou em grande parte, culpa

minha.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Mas o Sr. Deputado conseguiu tirar partido da situação, com a

habilidade parlamentar que lhe reconhecemos.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Aproveitou bem o convite para dançar!

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado José Luís Carneiro, tem a palavra para responder a estes

três pedidos de esclarecimento.

O Sr. José Luís Carneiro (PS): — Sr. Presidente, quero começar por agradecer a oportunidade de poder

responder aos Srs. Deputados André Ventura e Telmo Correia e também à Sr.ª Deputada Catarina Rocha

Ferreira.

Queria dizer que, no essencial, se extraem duas ou três ideias das questões que foram formuladas — e

permitam-me que lhes responda globalmente.

A primeira ideia tem que ver com a importância de termos sublinhado que houve um esforço desenvolvido

pela liderança de Mário Soares — e também por outros líderes e partidos políticos — para que, na transição

democrática e na consolidação da vida democrática do País, fôssemos capazes de convergir num conjunto de

valores constitucionais que estabeleceram um justo equilíbrio entre o valor da liberdade e o valor da igualdade.

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Esse justo equilíbrio fez-se por intermédio de um ajustamento permanente às condições de vida do País, tendo

em conta o instrumento da justiça social e as políticas de correção das desigualdades sociais.

Foi essa a marca que ficou inscrita na Constituição e é essa a marca de que o Partido Socialista, ainda hoje,

se orgulha de ser um dos mais intransigentes defensores.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. José Luís Carneiro (PS): — Quanto às desigualdades que ainda subsistem, pude sinalizar que muito

há que fazer, mas permitam-me que vos transmita que, como Secretário de Estado das Comunidades

Portuguesas, tive a oportunidade de conhecer perto de 60 países, nos quais viajei pelo seu interior, tendo

conhecido regiões e localidades diversas. E permitam-me que afirme, com alguma solenidade, que não há

muitos países no mundo que consigam compatibilizar de forma tão equilibrada estes valores da liberdade

individual, das liberdades cívicas e das liberdades políticas com um desenvolvimento equilibrado e harmonioso,

um desenvolvimento em que se procura, permanentemente, uma maior coesão social e uma maior justiça

territorial.

Essa é uma das marcas que herdámos da transição e da consolidação dos valores democráticos e é uma

das marcas em que Portugal se compara bem com todos os outros países.

Sobre o percurso que fizemos ao longo destes 47 anos de vida democrática, Sr. Deputado André Ventura,

não sei em que país viveu e em que país cresceu. Sei dizer-lhe que andava eu na 4.ª classe quando chegou a

eletricidade à minha casa. E pude viver, com a mesma alegria, os testemunhos que, há dias, foram transmitidos

pelos autarcas de 1976, a alegria de que, dia a dia, ano após ano, com trabalho esforçado de autarcas, que se

dedicaram à vida das populações, pudemos assistir a uma transformação radical das condições de vida das

nossas populações.

Aplausos do PS.

Da minha escola primária, só três conseguiram terminar uma licenciatura… Isso mostra bem as

desigualdades que prevaleciam neste País.

Do meu ponto de vista, o maior crime social que se cometeu no anterior regime foi o de gerações e gerações

que, com 9, 10, 11, 12 anos de idade, iam trabalhar para a indústria, para as terras, sem que algum dia pudessem

almejar ter acesso à escola, à escolarização,…

Aplausos do PS.

… ao ensino superior, para exprimirem e desenvolverem a sua inteligência, a sua sensibilidade, em

condições de igualdade e de fraternidade, como aqui procuramos defender.

Julgo que muitos, neste Parlamento, que conheceram o modo como o País se transformou ao longo destes

47 anos, me acompanham. É por isso que negar o esforço que foi feito por este País significa desrespeitar o

esforço de mulheres e de homens que, da vida local à vida nacional, entregaram as suas vidas na luta, na

clandestinidade e no exílio, por uma sociedade mais decente.

Sabem que a vida do Partido Socialista, como a conhecemos hoje, começou há 48 anos, mas ela vem do

século XIX, de 1875, quando socialistas, comprometidos com uma outra sociedade mais justa, criaram o Partido

Socialista Português, em articulação com o movimento dos trabalhadores, em termos internacionais. Mas foi

com Mário Soares que esse valor, que foi sublinhado pelo Sr. Deputado Telmo Correia, merece ser destacado.

É que as sociedades pulsam entre dois valores fundamentais: pulsam entre o valor da liberdade e o valor da

igualdade. Quem tem melhores condições, físicas, intelectuais e materiais, avança, e há aqueles que, à mingua

delas, ficam para trás.

Por isso, a sociedade pulsa entre estes dois valores: o valor da liberdade e o valor da igualdade.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado, tem de concluir.

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O Sr. José Luís Carneiro (PS): — O Partido Socialista é hoje o que é porque soube, historicamente, nos

momentos mais duros da transição democrática, conciliar estes dois valores — como, aliás, o está a fazer,

também, no combate a esta pandemia —, num equilíbrio entre a autoridade e, simultaneamente, a igualdade, a

justiça e o apoio àqueles que carecem de um Estado atento às necessidades das pessoas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Vamos prosseguir com os pedidos de esclarecimento.

Tem, agora, a palavra, para o efeito, a Sr.ª Deputada Bebiana Cunha, do PAN.

A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, começo por felicitar o Sr. Deputado

José Luís Carneiro e o Partido Socialista pelo seu 48.º aniversário.

Gostaríamos, nesta interpelação, de poder levá-lo, Sr. Deputado, a refletir sobre aquela que tem sido a atitude

do Partido Socialista nesta Legislatura, que, nalguns assuntos, claramente se tem distanciado do legado

histórico que reivindicou da tribuna.

Começava por exemplos concretos: o papel que o Partido Socialista teve na defesa do direito da oposição,

que foi expressa com a aprovação, em tempos, de um novo Estatuto do Direito de Oposição, nos anos do pós-

cavaquismo; a nível da democracia local, em que Almeida Santos teve um importante papel, na defesa de uma

democracia mais inclusiva, com a permissão de candidaturas de grupos de cidadãos eleitores aos grupos

municipais, por via de revisão constitucional; o papel que tem tido o Partido Socialista no escrutínio parlamentar,

lembrando a criação dos debates quinzenais pela mão de António José Seguro. Entendemos que esse foi um

caminho importante para a democracia. O PAN reconhece-o.

Mas, nesta Legislatura, o PS tem aproveitado para aprovar recuos em relação a essas conquistas, como, por

exemplo, o fim dos debates quinzenais, a imposição do que consideramos ser uma «lei da rolha» quanto ao

direito de petição e a aprovação de uma lei eleitoral das autarquias locais que limitava os direitos de candidatura

dos pequenos partidos e dos grupos de cidadãos eleitores, e que hoje, felizmente, parece ter tido uma marcha-

atrás, dando razão àquelas que sempre foram as reivindicações do PAN nesta matéria.

Portanto, Sr. Deputado, gostaria de lhe perguntar se considera que pôr fim aos debates quinzenais,

implementar uma «lei da rolha» no direito de petição e aprovar esta lei eleitoral autárquica que o Partido

Socialista aprovou honram o legado de Mário Soares, de Salgado Zenha, de Almeida Santos, de António José

Seguro, de Guterres, entre outros nomes que o Sr. Deputado, na sua intervenção, referiu.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, também para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado

João Cotrim de Figueiredo.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Luís Carneiro, pelas palavras

que há pouco usou na tribuna, vou ter de atentar contra a inteligência, porque vou ter de contestar a sua

narrativa.

O Sr. Deputado começou por mencionar a efeméride dos 48 anos do PS — muitos parabéns, a propósito. É

um partido importante na democracia portuguesa, chegou à sua meia-idade, mas já exibe alguns sinais de

velhice precoce, nomeadamente, por exemplo, na aversão à mudança que exibe neste Parlamento quase todos

os dias.

Falou nessa efeméride e, depois, justapôs uma série de evoluções que o partido teve nos últimos 47 anos.

Falou da literacia, da saúde e do bem-estar. Até da confiança nas instituições da democracia falou! E lembro-

me de, no parágrafo a seguir, ter falado do PS.

Sr. Deputado, as perguntas que lhe faço são as seguintes: acha que tudo isso se deve ao PS? Acha que é

possível encontrar outro país no mundo que, nos últimos 47 anos, não tenha também melhorado em todas estas

dimensões? Acha que não é fácil encontrar países no mundo que tenham melhorado mais do que Portugal

nestas dimensões? Não acha que Portugal merecia e podia ter feito mais nestes 47 anos?

Sr. Deputado, se as suas respostas a estas perguntas forem «não, não acho possível, acho que Portugal fez

tudo o que podia, acho que os outros não foram melhores do que nós», então, afinal, o atentado à inteligência

nesta Câmara não veio da minha pergunta.

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O Sr. Presidente (António Filipe): — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado

Pedro Filipe Soares, do BE.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado José Luís Carneiro,

queria, em primeiro lugar, saudar a sua intervenção pelo aniversário do Partido Socialista.

Face ao balanço que fez, necessariamente haverá matérias em que concordamos, mas reconhecerá que

haverá também outras em que as nossas divergências são patentes.

Vou apenas, e só, colocar-lhe uma questão, que, sendo de política quotidiana, creio também ser de uma

visão estratégica sobre o Partido Socialista e sobre o horizonte de transformação que prevê para o País.

Alguns membros do Partido Socialista colocaram uma pergunta óbvia no atual quadro político-partidário: se

o Partido Socialista, que governa desde 2015 até 2019 depois de um acordo com os partidos à esquerda, teve,

nesse momento, uma afirmação estratégica firme, orientadora dos seus ideais, ou se, face a esse acordo, se

tratou apenas, e só, de um hiato temporário muito conjuntural em que virou mais à esquerda quando até gostaria

de ter estado um bocadinho mais à direita.

Essa pergunta é fundamental quando analisarmos o concreto das escolhas quotidianas na atualidade, porque

dificilmente o mesmo Partido Socialista e o mesmo Governo, que entre 2015 e 2019 faziam gáudio da

recuperação de rendimentos, do aprofundamento da defesa do Estado social, da valorização de direitos do

trabalho — falaram muito dos direitos do trabalho —, faziam uma guerra ao Parlamento, como aconteceu no

último mês. Isto porque, num momento difícil de uma pandemia que está a afetar o País com uma crise brutal

do ponto de vista económico e social, o Parlamento teve a coragem de fazer o que o Governo não fez, que foi

garantir apoios sociais a quem o Governo os tinha negado, apoios sociais esses que eram fundamentais para

que as pessoas não ficassem para trás, não caíssem na pobreza.

Pergunto, então, qual é o legado, na intervenção que fez e nas respostas que está a dar, que quer aqui

valorizar. Se é esse legado de aprofundamento de direitos, de valorização de rendimentos, ou o legado de um

Governo que, numa pandemia brutal, na maior crise que nós conhecemos desde a Segunda Guerra Mundial,

está no pódio dos que, na Europa, menos apoiam a economia, menos defendem as pessoas, e que está na

liderança dos que atacam o Parlamento. É que o Parlamento defendeu as pessoas e reforçou os apoios sociais.

Creio que esta é a pergunta fundamental para que as pessoas possam perceber qual é o Partido Socialista

que hoje está a comemorar o seu aniversário.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João

Oliveira, do PCP.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Luís Carneiro, queria, em primeiro lugar,

cumprimentá-lo pela sua declaração política e pelo aniversário do seu partido.

O Sr. Deputado concentrou-se mais numa retrospetiva do que foi a história do Partido Socialista. Gostava de

colocar-lhe duas questões, uma sobre vacinas e a outra sobre corrupção, mais para perceber como é que, em

concreto, a partir destes dois exemplos, o Sr. Deputado entende que o PS deve procurar dar corpo, no presente

e com perspetiva de futuro, àquela retrospetiva histórica que fez.

Começo pela questão das vacinas. O problema das vacinas é, neste momento, talvez, um dos problemas

que, de forma mais evidente, revela vários dos problemas que o País atravessa. Temos um País dependente

do estrangeiro, que não consegue produzir vacinas no seu território e precisa de comprar vacinas produzidas

noutros sítios. Temos um País amarrado a decisões tomadas pela União Europeia de contratação de vacinas

apenas a determinado número de farmacêuticas, com o Governo a depositar na União Europeia a capacidade,

a competência e a responsabilidade pela celebração desses contratos de fornecimento das vacinas. Temos,

objetivamente, uma situação em que o País não tem as vacinas de que necessita para vacinar os seus cidadãos

de modo a cumprir as metas do plano de vacinação tal como tinham sido definidas. Temos, inclusivamente, o

Governo a adiar a contratação de profissionais de saúde, nomeadamente enfermeiros, necessários para a

vacinação, ou a procurar que sejam outros, como as autarquias, a fazer essa contratação. Esperemos que esta

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transferência de responsabilidades para as autarquias não aconteça efetivamente, porque isso poderia significar

ficarmos com portugueses a não serem vacinados apenas porque a autarquia do seu concelho não tem

condições para participar nas condições de disputa profissionais para a sua contratação.

Sr. Deputado José Luís Carneiro, parece-nos que a solução é muito óbvia: romper a dependência, criando

condições para que Portugal possa produzir vacinas, fazendo o investimento que é necessário para isso, e

diversificar a aquisição de vacinas, contratando a aquisição de vacinas a quem as produz, independentemente

das limitações que a União Europeia possa estar a colocar, sejam vacinas indianas, russas, chinesas, sejam de

quem for. Há muitas vacinas que a OMS (Organização Mundial da Saúde) reconhece poderem ser utilizadas

neste momento, e essa contratação devia ser feita. Por outro lado, dever-se-á assegurar a capacidade para que

a vacinação em Portugal seja feita abrangendo todos os portugueses.

Gostava de saber qual é a perspetiva que o Sr. Deputado José Luís Carneiro entende que devia ser traduzida

nesta questão concreta em relação a esta matéria.

Para terminar, quero referir a questão relacionada com a corrupção, porque o Sr. Deputado fez referência

aos valores democráticos, e o combate à corrupção é o combate da democracia, porque só na democracia é

que a corrupção é um problema.

Nós ouvimos há pouco o Sr. Deputado da vergonha falar na corrupção, sem que o Sr. Deputado da vergonha

tenha lavado a boca para falar da corrupção quando tratamos de um problema que é, verdadeiramente, um

problema da democracia. Porque, antes do 25 de Abril, a corrupção era política do Estado e a fusão entre o

poder político e os interesses económicos era silenciada…

Aplausos de Deputados do PS.

Mais, aqueles que, antes do 25 de Abril, ousavam denunciar a corrupção eram perseguidos pelo poder

fascista, pelo regime fascista, que perseguia, prendia e torturava todos aqueles que denunciavam e procuravam

dar combate à corrupção.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Concluo, Sr. Presidente.

A corrupção é, de facto, um problema da democracia e é um combate que a democracia tem de travar. Nesse

combate à corrupção insere-se a necessidade de tomada de medidas legislativas, nomeadamente a da

criminalização do enriquecimento injustificado.

Queria, pois, saber se, a partir daquela retrospetiva que o Sr. Deputado fez sobre a história do Partido

Socialista, desta vez o PS vai acompanhar o PCP no combate pela criminalização do enriquecimento

injustificado.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para responder aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr.

Deputado José Luís Carneiro.

O Sr. José Luís Carneiro (PS): — Sr. Presidente, começo por responder a esta última questão, que é

bastante relevante no plano da qualificação da vida democrática, da nossa vida coletiva.

O Partido Socialista — já foi afirmado pela liderança desta bancada parlamentar — não apenas esteve, no

passado, disponível para garantir historicamente a autonomia do Ministério Público e a independência dos

tribunais, assegurando uma separação entre o poder político e o poder judicial, como sempre esteve,

historicamente, ao lado dos que procuraram densificar o quadro legislativo para não só se combater a corrupção

mas para a prevenir, como acompanhou as medidas que estão em curso que visam atualizar esse quadro

normativo, como manifestou abertura para aperfeiçoar o regime que já atribui maiores, mais amplas e mais

complexas responsabilidades às responsabilidades declarativas dos titulares de órgãos políticos ou de altos

cargos públicos, tal como foi hoje afirmado pelo nosso grupo parlamentar.

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Aplausos do PS.

Recordo algo que é importante e que vale a pena sublinhar, dada a desinformação que anda na opinião

pública. A Lei n.º 52/2019 ampliou o leque das responsabilidades declarativas, que vão desde o responsável de

serviço de uma autarquia até ao Presidente da República, como, ao mesmo tempo, estabeleceu uma moldura

penal para responsabilizar aqueles que incorrem em faltas de ocultação de património ou de rendimentos que

devem, naturalmente, ser justificados.

Quanto às questões colocadas pelo Sr. Deputado sobre o modo como olhamos para a União Europeia, de

facto, historicamente, há uma divergência na forma como olhamos para o projeto europeu.

Após a consolidação da transição democrática, num dos primeiros momentos do I Governo Constitucional,

como, aliás, fiz questão de sublinhar, o primeiro passo que se deu, pela mão do antigo parlamentar José

Medeiros Ferreira, foi precisamente o de subscrever a Convenção Europeia dos Direitos Humanos, porque

estávamos atrasados desde 1948 para aderirmos a esse quadro fundamental de defesa dos direitos, liberdades

e garantias.

Logo depois, foi feito o pedido de adesão à Comunidade Económica Europeia. Porquê? Porque o Partido

Socialista de Mário Soares, Medeiros Ferreira, Jaime Gama e outros sempre olhou para a União Europeia como

um espaço de liberdade, de consolidação da liberdade e também de consolidação de um espaço de

solidariedade no pós-guerra, para que a Europa vivesse em paz.

Aplausos do PS.

Nós não somos dependentes da Europa. Nós somos Europa!

Aplausos do PS.

Somos um parceiro em igualdade soberana com todos os outros Estados europeus.

Daí que quaisquer soluções que venham a ser encontradas para a vacinação terão de ser soluções

encontradas no conjunto do espaço e da decisão da União Europeia.

Recordo que se não tivesse sido a União Europeia, que, aliás, geriu melhor esta crise do que geriu a crise

de 2008 e de 2009, teríamos nós conhecido bem maiores dificuldades do que aquelas que conhecemos,

nomeadamente em termos de apoio aos trabalhadores e em termos de apoio à salvaguarda e proteção dos

direitos sociais.

Aplausos do PS.

Sr.ª Deputada Bebiana Cunha, agradecemos as felicitações que dirigiu ao Partido Socialista.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem de abreviar, Sr. Deputado.

O Sr. José Luís Carneiro (PS): — Acredite que é com muita honra e orgulho que o Presidente do Grupo

Parlamentar do PS, eu e todos nós recebemos essas vossas felicitações, porque é uma honra integrar o partido

que esteve na origem e na consolidação de tantos dos direitos, liberdades e garantias deste País.

Sublinho o que disse a Sr.ª Deputada Bebiana Cunha sobre a importância que sempre demos à valorização

dos instrumentos de qualificação da vida democrática. Mas, como foi dito, a qualificação da vida democrática

terá sempre que ver com o modo como nós olhamos para a democracia. Nós acreditamos numa democracia

representativa, numa democracia liberal — por isso é que falei de uma ética de convicções, mas também de

uma ética de responsabilidade —, que deve ser compatibilizada com instrumentos de participação e de

envolvimento dos cidadãos no processo de escolha pública, no processo de decisão política, no processo de

monitorização dos efeitos das políticas e da afetação de recursos públicos, porque os recursos públicos são de

todos nós, são de todos os portugueses.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem de concluir, Sr. Deputado.

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O Sr. José Luís Carneiro (PS): — Concluo, Sr. Presidente, respondendo ao Sr. Deputado João Cotrim de

Figueiredo sobre se poderíamos estar melhor. Com certeza, Sr. Deputado. Eu próprio disse que há muito que

fazer, mas negar o que foi feito ao longo dos 47 anos de democracia do nosso País seria efetivamente

desvalorizar o esforço de tantas e de tantos que, na clandestinidade e em democracia, lutaram, entregaram as

suas vidas para que hoje estejamos nesta democracia parlamentar a defender todos os portugueses.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, vamos passar à declaração política do Grupo

Parlamentar do PSD.

Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Coimbra.

O Sr. Bruno Coimbra (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há um perigo invisível que ameaça

a saúde pública e os recursos naturais em Portugal e sobre o qual a ação governativa tem sido também ela

invisível.

A incúria e a inação do Ministério do Ambiente é grave e reiterada. Por isso, após inúmeras iniciativas e

alertas, o Grupo Parlamentar do PSD traz hoje este assunto ao Plenário.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Muito bem!

O Sr. Bruno Coimbra (PSD): — O solo é um recurso tão fundamental como o ar ou a água, e os solos

contaminados são um grande perigo e um problema real, mas estão escondidos. Só são discutidos na opinião

pública quando surgem casos polémicos e são negligenciados por um Governo que se foca apenas na

propaganda e no show-off mediático.

Um quadro legal confuso e limitativo, acompanhado de instrumentos desconexos e de fiscalização ineficiente,

faz hoje de Portugal um dos países mais desprotegidos da União Europeia no que diz respeito a esta matéria.

Tinha de ser assim? Não, não tinha de ser assim!

A reforma da área de prevenção da contaminação e remediação de solos em Portugal ficou consolidada no

projeto legislativo para os solos já no final de 2015. A relevante legislação, que define os princípios orientadores

e os objetivos, estabelece o novo regime jurídico, clarifica a articulação entre as entidades, operacionaliza o

princípio do poluidor-pagador e cria instrumentos fundamentais aos processos de decisão, como o Atlas da

Qualidade do Solo, que foi apresentado publicamente em setembro de 2015, e a consulta pública, que terminou

em novembro desse mesmo ano.

Entretanto, inexplicavelmente, passaram seis longos anos, com os diplomas pendentes no Ministério do

Ambiente, com óbvio prejuízo para os cidadãos e grande descrédito para as instituições. Apesar de todos os

alertas e da necessidade premente, houve seis longos anos de incompreensível inação.

Sessão legislativa após sessão legislativa, o Governo foi sendo alertado, por diferentes grupos

parlamentares, com questões colocadas em várias audições regimentais. Já neste ano, o Grupo Parlamentar

do PSD questionou por escrito o Sr. Ministro acerca da problemática e deste abandono, obtendo sempre a

mesma resposta, descomprometida e inconsequente: «O Ministério tem intenções de concluir rapidamente o

processo em apreço», dizia o Sr. Chefe de Gabinete do Sr. Ministro.

Esta apatia governativa contrasta com a urgência evidente comprovada por várias notícias de casos

preocupantes existentes de norte a sul do País, onde os solos encerram um legado tóxico de antigas instalações

industriais, atividades petroquímicas, zonas mineiras ou de deposição ilegal de resíduos perigosos. Quase

sempre, quando são identificados, fica o Estado a suportar os encargos com a descontaminação e as

populações a arcar com os riscos para a saúde. Os poluidores não são pagadores. O sistema de

responsabilização não funciona.

Perante a gravidade das situações reportadas e a total inação do Governo, o PSD agiu novamente,

requerendo a audição parlamentar do Inspetor-Geral do Ambiente e apresentando um projeto de resolução,

aprovado com o voto favorável de todos os grupos parlamentares exceto do Partido Socialista, exigindo ao

Governo mais inspeção, melhor fiscalização e a mais do que tardia publicação da legislação PRoSolos.

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Só no último ano, ganharam atualidade vários casos, particularmente na Área Metropolitana de Lisboa. Em

Setúbal, no Vale da Rosa, onde foi detetada a deposição ilegal de resíduos perigosos, o Ministro guarda para si

a informação, mas vai dizendo que, mais uma vez, os custos da remoção poderão ficar total ou parcialmente

para o Fundo Ambiental, ou seja, para os contribuintes pagarem. Na frente ribeirinha de Lisboa, junto a Santos,

os terrenos de instalações portuárias e industriais encerram um legado de solos contaminados, que têm sido

noticiados graças às divergências da avaliação das quantidades existentes.

Perante o silêncio do Governo, vieram a público as contradições entre a CCDR-LVT (Comissão de

Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo) e a Câmara Municipal de Lisboa, que,

alegadamente, terão permitido licenciamentos sem acautelar devidamente a remoção dos solos contaminados.

Também no Parque das Nações há um passivo ambiental que foi apenas parcialmente removido durante as

obras da Expo98.

São vários os casos conhecidos e a comunicação social deu nota que nos terrenos da antiga refinaria da

Petrogal recentes operações urbanísticas foram confrontadas com um cenário de contaminação superior ao

esperado.

Acumulam-se as queixas de cidadãos e as denúncias à IGAMAOT (Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar,

do Ambiente e do Ordenamento do Território), tendo sido noticiados, além dos odores, várias possíveis

inconformidades na remoção e transporte para aterro.

Só as Jornadas Mundiais da Juventude, talvez pelo mediatismo que irão ter, fizeram o Governo dar sinais de

vida: neste mês, o Conselho de Ministros aprovou, não uma solução, não o enquadramento legal, mas um grupo

de projetos que terá de abordar este tema, pois também ali, em terrenos do aterro sanitário de Beirolas e da

antiga Petrogal, há um passivo ambiental relevante.

Todos estes casos de Lisboa são uma sublime sintonia de apatia e irresponsabilidade socialista: um governo

adormecido ao longo de seis anos; um grupo parlamentar que diz compreender a urgência, mas que vota contra

os projetos que instam à resolução dos problemas; uma Câmara Municipal de Lisboa que se comprometeu, há

quatro anos, a fazer um mapa dos solos contaminados da cidade, mas que não fez, e que, tal como o Governo,

prefere a propaganda verde à salvaguarda da saúde dos cidadãos!

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, não podemos aceitar este estado de coisas. Exige-se mais diligência

ao Governo no reforço das ações fiscalizadoras e inspetivas. Exige-se um quadro legal robusto, atual e capaz

de salvaguardar a saúde das populações e proteger os recursos naturais.

Se é natural que este tema não ocupe a opinião pública a maioria do tempo, é inaceitável que não ocupe

tempo nenhum ao Ministro Matos Fernandes, cuja obrigação é proteger as populações e acautelar o futuro.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado Bruno Coimbra, a Mesa regista seis inscrições para

pedidos de esclarecimento. Como pretende responder?

O Sr. Bruno Coimbra (PSD): — Sr. Presidente, responderei três a três.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Portanto, responderá três a três, em duas vezes.

Para formular o primeiro pedido de esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira, de Os

Verdes.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Bruno Coimbra, queria, antes de mais,

saudá-lo por ter trazido a debate o assunto dos solos contaminados, que, infelizmente, é um assunto que

continua a ser notícia pelos piores motivos, mas a que Os Verdes têm dado a maior atenção ao longo do tempo,

através de perguntas escritas dirigidas ao Governo e até trazendo o assunto várias vezes a debate com o

Primeiro-Ministro, como, aliás, deve estar recordado. Mas, apesar da insistência de Os Verdes, o nosso País

continua sem legislação específica para salvaguardar a proteção dos solos, simplesmente porque o projeto

PRoSolos continua sem ser publicado, após sucessivos atrasos ao longo dos últimos anos.

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Estamos a falar de um diploma cuja consulta pública decorreu em 2015 e, seis anos depois, continua a ser

analisado pelo Governo, que, aliás, já apresentou várias datas para a sua publicação, mas até hoje nada.

Sabemos que esta lei não resolverá todos os problemas, designadamente a má classificação e o incorreto

encaminhamento destes resíduos para locais não licenciados, mas supriria uma lacuna no quadro legislativo

nacional, o que evitaria situações como as que se têm verificado no Parque das Nações, em Lisboa, ou até nos

terrenos da Fundação Champalimaud, entre muitos exemplos que aqui poderiam ser referidos.

Não sei se o Sr. Deputado está recordado, mas, há cerca de um ano, Os Verdes colocaram a questão ao

Primeiro Ministro, que informou o Plenário que a lei seria publicada durante o ano de 2020. Sucede que o ano

de 2020 já lá vai e a lei continua por publicar. Ou seja, além de estarmos perante a ausência de legislação, não

se conhecem as razões que estão a impedir ou a atrasar a sua publicação, uma vez que o Governo nunca

esclareceu quais os motivos desse impasse. Aliás, ainda há cerca de um mês, durante o último debate com o

Primeiro-Ministro, Os Verdes insistiram no assunto e a resposta do Sr. Primeiro-Ministro foi que a de que o

assunto estava em processo de consolidação legislativa. Ora, esta resposta não nos parece nem suficiente, nem

satisfatória, e o que queremos perguntar ao Sr. Deputado Bruno Coimbra é se concorda connosco quando

afirmamos que esta resposta do Sr. Primeiro-Ministro sabe a pouco, a muito pouco.

Aplausos da Deputada do PCP Alma Rivera.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada

Bebiana Cunha.

Sr.ª Deputada, faça favor.

A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Bruno Coimbra, antes de mais, saudamos o

PSD por ter trazido este tema a debate, um tema importante quer em matéria de saúde pública, quer de

preservação dos ecossistemas.

Nós adiantaríamos, desde já, uma resposta às preocupações que expôs. De facto, o Governo não legisla

porque continua a secundarizar a importância do ambiente, e naquilo que têm sido, ou que seriam, as boas

práticas em matéria de preservação dos solos nós só vemos retrocessos.

Gostaria de ouvir a sua opinião, nomeadamente sobre a Estratégia Nacional para os Efluentes Agropecuários

e Agroindustriais 2030. Em Portugal, não há um tratamento adequado dos efluentes das suiniculturas, há

descargas constantes nos meios hídricos e nos solos e, de facto, vemos uma total impunidade. Por exemplo, só

na região de Leiria ou de Alcobaça, os efluentes das suiniculturas enchem o equivalente a cerca de 320 piscinas

olímpicas e de Famalicão chegam-nos casos de pessoas que se sentem a asfixiar, que não conseguem ter

qualidade de vida.

Este é um atentado ambiental que se repete há décadas no nosso País e que, de facto, necessita de uma

abordagem firme por parte do Governo. Não há consequências para os produtores pecuários que incumprem e,

portanto, a última estratégia que o Governo apresentou tem como primeiro pilar dar cumprimento à legislação

nacional. Isto, Sr. Deputado, daria para rir se não fosse tão grave.

Portanto, gostaríamos de perceber se o PSD apoia o Governo nesta estratégia nacional para os efluentes

agropecuários e agroindustriais, ou se contaremos com o PSD para que os produtores pecuários cumpram a

legislação, para que haja meios de fiscalização e reais consequências, evidentemente, como a coragem de

encerrar temporariamente atividades pecuárias que incumprem e causam danos gravíssimos aos solos e aos

meios hídricos e, consequentemente, à saúde de todos nós.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado

Hugo Pires.

O Sr. Hugo Pires (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Bruno Coimbra, quero, em primeiro lugar, felicitá-lo

pelo seu aniversário e dizer-lhe que hoje foi o dia certeiro para o PSD vir aqui falar de ambiente, porque hoje a

Presidência portuguesa do Conselho da União Europeia anunciou, pela manhã, que fez um acordo histórico

com o Parlamento Europeu relativamente à lei de bases do clima europeia, que pretende reduzir as emissões

de carbono.

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Aplausos do PS.

Portanto, agradeço a oportunidade que o Sr. Deputado Bruno Coimbra e o PSD deram de enaltecer aqui,

mais uma vez, o papel do Governo português no combate às alterações climáticas e à neutralidade carbónica.

O Governo do Partido Socialista é o Governo que, na história da democracia, mais tem combatido as

alterações climáticas. Fomos, aliás, o primeiro país a assumir o compromisso para a neutralidade carbónica em

2050; somos o país, segundo um relatório da Comissão Europeia, que tem melhores condições para cumprir as

metas intercalares para a descarbonização da sociedade; e somos um dos países que mais tem descarbonizado,

por exemplo, o sistema eletroprodutor. Hoje, 60% da energia consumida em Portugal provém de energias

renováveis, um resultado histórico, e somos o quinto país da União Europeia a conseguir alcançar essas metas.

Aplausos do PS.

Portanto, o PS agradece ao PSD, uma vez mais, o facto de ter trazido esta matéria ambiental hoje a debate.

Descarbonizar, descarbonizar e também apostar no desenvolvimento sustentável e, sobretudo, numa política

de resíduos e de prevenção de contaminação de solos é também um dos grandes objetivos do Partido Socialista.

Mas gostaria de lembrar-lhe, por exemplo, que, hoje, mais de 75 milhões de pessoas usam os transportes

públicos. Tratou-se de uma das iniciativas mais reformistas que o Governo do Partido Socialista levou avante,

relativa aos passes sociais, que ajudou a descarbonizar os transportes e a reduzir drasticamente as emissões

de carbono.

Relembro-lhe que o seu partido votou contra uma iniciativa estruturante para a redução das emissões de

carbono.

Aplausos do PS.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Bem lembrado!

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, por favor, Sr. Deputado.

O Sr. Hugo Pires (PS): — Relativamente ao PRoSolos e a esta lei de prevenção da contaminação de solos,

sim, é verdade que ela está atrasada; e, sim, é verdade que a respetiva proposta de lei já está pronta e entrará

em breve no processo legislativo; e, sim, é verdade que, entretanto, já fizemos uma série de coisas, como o

novo regulamento geral de gestão de resíduos, o UNILEX, etc., etc.

Para terminar, coloco-lhe uma pergunta: o PSD está a favor do princípio do poluidor-pagador, em que as

empresas que poluem têm de pagar, ou está, como sempre esteve, com a atitude de sempre de que as empresas

internalizam os lucros e externalizam os problemas ambientais e é o Estado que tem de pagar?

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado, tem mesmo de terminar. Já excedeu largamente o seu

tempo.

O Sr. Hugo Pires (PS): — Hoje, o PSD está disponível para mudar o paradigma e acompanhar a proposta

do Governo, em que quem polui tem de pagar?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado Bruno Coimbra, antes que possa retribuir as felicitações

que lhe foram dirigidas pelo Sr. Deputado Hugo Pires, saiba que, por curiosa coincidência, o Sr. Deputado Hugo

Pires também é hoje aniversariante. Recebam ambos os nossos parabéns.

Aplausos de Deputados do PSD e do PS.

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Sr. Deputado Bruno Coimbra, tem a palavra para responder aos pedidos de esclarecimento.

O Sr. Bruno Coimbra (PSD): — Muito obrigado, Sr. Presidente.

Fica, então, a nota a «parabenizar» o Sr. Deputado Hugo Pires, mas lamento que a única que lhe posso

endereçar hoje seja relativamente ao seu aniversário. De facto, chega a ser um bocadinho confrangedor ver

como não fala do assunto do PRoSolos. Fala do clima, fala do ambiente, anda às voltas. Mas, se não sabe o

que o Partido Socialista tem a dizer, eu posso lembrá-lo.

Há 15 dias, foi discutido, na Comissão de Ambiente, precisamente o projeto de resolução que, depois, o

Partido Socialista veio a votar contra. Relativamente ao que eu disse da tribuna, o Sr. Deputado do Partido

Socialista que interveio nessa discussão disse o seguinte — e passo a citar: «O Partido Socialista concorda

perfeitamente com a reivindicação trazida pelo PSD». Segunda citação: «O PRoSolos é essencial». Terceira

citação: «Reconhece-se que seis anos não é, de maneira nenhuma, compreensível».

Portanto, não vale a pena andarmos às voltas para chegar a uma conclusão unânime: a de que o Sr. Ministro

do Ambiente enterrou o PRoSolos algures e que está completamente despreocupado, com uma postura

altamente irresponsável, e nada mais pode ser dito sobre isto. É absolutamente essencial que isto se faça

doravante e imediatamente.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Bruno Coimbra (PSD): — A verdade é que o Partido Socialista dá vários sinais muito preocupantes.

Respondendo também ao Sr. Deputado José Luís Ferreira e à Sr.ª Deputada Bebiana Cunha, a quem

agradeço as perguntas colocadas, gostava de dizer que há sinais assustadores da parte do Partido Socialista.

Por exemplo, falou-se aqui do regulamento geral de gestão de resíduos, mas a verdade é que o novo

regulamento geral de gestão de resíduos que o Partido Socialista e o Governo apresentam permite, para

deposição de inertes em pedreiras e areeiros, níveis de contaminação que remontam à década de 90. São níveis

muito superiores à média europeia, e não há preocupação do Partido Socialista com esta matéria.

Respondendo ao Sr. Deputado José Luís Ferreira, quanto à palavra do Sr. Primeiro-Ministro, tal como a do

Sr. Secretário de Estado ou a do Sr. Ministro, antes, em resposta aos Verdes — que, realmente, têm tido essa

preocupação —, ao PCP, ao Bloco, ao CDS, infelizmente, a palavra dada não vale nada.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Morais

Soares, do CDS-PP.

O Sr. Pedro Morais Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, saúdo o Sr. Deputado Bruno

Coimbra e o PSD por terem trazido hoje a debate o tema do ambiente e, no caso concreto, da contaminação

dos solos.

Sr. Deputado, falamos de solos e de terra, e amanhã celebraremos o Dia Mundial da Terra, um marco

importante que, a cada ano, nos traz a todos mais responsabilidade. Traz-nos mais responsabilidade no que

toca ao uso eficiente de recursos e à sua proteção; à redução da pegada carbónica; à proteção das florestas e

do arvoredo urbano; à aplicação de medidas reais, concretas e rigorosas no que toca à redução do uso de

plástico descartável; aos incentivos à reciclagem dirigidos aos municípios e às freguesias; à proteção dos nossos

solos, tema que nos traz hoje; a mais apoios aos modelos de negócio assentes na economia circular.

Sobre o PRoSolos, Sr. Deputado, este projeto legislativo está, de facto, enterrado há seis anos. O Governo

não lhe dá seguimento, provocando uma grave lacuna legislativa na área ambiental, sem precedentes, mas

existem cada vez mais casos graves de contaminação dos solos, como todos temos visto todos os dias.

Poderíamos falar da Expo ou ainda de outras localidades, com graves consequências para a saúde pública, que

afetam gravemente as populações e o ambiente.

Portanto, não se percebe o abandono do Governo relativamente a esta matéria, legislação tão importante

para o País e para o ambiente.

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Sr. Presidente, em 2023, Lisboa vai receber as Jornadas Mundiais da Juventude em terrenos altamente

contaminados. Milhares de jovens vão estar concentrados num local com terrenos contaminados, com graves

riscos para a saúde pública. É mau para o nosso País, é mau para a reputação do nosso País.

Sr. Deputado Bruno Coimbra, concordamos, na íntegra, com as críticas que faz ao Governo e ao Ministro do

Ambiente, pelo que o questiono sobre se considera que há um discurso da Presidência portuguesa do Conselho

da União Europeia em matéria ambiental e um outro na prática, ou seja, um discurso e uma ação diferentes no

nosso País.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Alma Rivera, do PCP, também para

pedir esclarecimentos.

A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Bruno Coimbra, antes de mais,

queria saudar o tema que nos traz, o qual também temos acompanhado com intensidade. Os solos são um

recurso fundamental, como já foi dito, pois mexem com tudo, com a fertilidade das terras, com a biodiversidade,

com a qualidade da água. São um importante sumidouro de carbono, mas exigem atenção porque podem

deteriorar-se irreversivelmente. Aliás, são comuns os fenómenos de contaminação em cadeia que têm início no

solo e que, depois, passam para os lençóis freáticos, através de deposição de terras não tratadas,

contaminando-se assim animais, culturas e alimentos.

Portanto, esta não é uma questão menor, e é evidente a necessidade de salvaguardar este recurso e de criar

um regime jurídico exigente do ponto de vista ambiental, mas que dê também segurança aos diferentes agentes,

baseando-se na avaliação da qualidade dos solos, na remediação das contaminações e na clarificação das

responsabilidades pela contaminação e, naturalmente, pela respetiva remediação.

Esta legislação, de que tanto precisamos, é, definitivamente, a do PRoSolos, que tem impactos na vida diária

de milhares de pessoas, seja porque define quem é responsável pela descontaminação quando há uma

transmissão de propriedade, seja porque clarifica a classificação de resíduos e, portanto, assegura uma correta

classificação para encaminhamento no caso de aterro, por exemplo. Foi por isso que, em 2015, esta proposta

foi concebida.

O PCP olhou para a realidade nacional e percebeu que existia uma matéria onde era possível ir avançando,

mais precisamente a do Atlas da Qualidade do Solo, que é um processo muito demorado. Existem já

levantamentos preliminares, existe informação, mas é preciso cruzá-la e atualizá-la. Por isso, o PCP gostaria de

anunciar que irá apresentar um projeto de lei com medidas imediatas que definem esse processo de

levantamento, de centralização, de atualização dos dados que temos, permitindo estabelecer, desde já,

prioridades de intervenção.

Queria, por isso, deixar-lhe as seguintes questões: o PSD está disponível para acompanhar uma proposta

deste tipo, como a que o PCP apresentou? Considera que há condições na Assembleia da República para irmos

adiantando serviço sem se esperar pelo Governo nesta matéria?

Aplausos do PCP e do PEV.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para pedir esclarecimentos, tem ainda a palavra o Sr. Deputado Nelson

Peralta, do Bloco de Esquerda.

O Sr. Nelson Peralta (BE): — Sr. Presidente, não pude deixar de reparar que o Sr. Deputado do Partido

Socialista Hugo Pires acusa o Sr. Deputado Bruno Coimbra, do PSD, de, no dia em que a Lei Europeia do Clima

foi fechada, sob a Presidência portuguesa do Conselho Europeu, não dizer nada sobre o assunto. É verdade,

mas olhamos para a intervenção do PS sobre isto e também não diz absolutamente nada sobre o conteúdo.

Portanto, vamos ver qual é o conteúdo dessa Lei Europeia do Clima que o Governo português liderou. Houve

uma lei que saiu do Parlamento Europeu com uma meta de redução de emissões de 60%, para 2030. E o que

fez o Governo português, à frente do Conselho? Fez com que essa meta de 60% passasse, primeiro, para 55%

e, como introduz também os mecanismos de compensação, já vamos em 52,8%. Ou seja, a ação do Governo

português na liderança do Conselho da Europa foi a de garantir que temos a pior lei do clima possível para a

União Europeia e que não há qualquer solução.

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Risos do Deputado do PSD Adão Silva.

Ainda bem que o Sr. Deputado Adão Silva se ri…

O Sr. Adão Silva (PSD): — Não sabia, não sabia!

O Sr. Nelson Peralta (BE): — Não sabia, mas ainda bem que o PSD se ri e que goza com o PS, porque há

um problema. É que, aquando da votação no Parlamento Europeu, foi o PS que votou a favor desta meta de

55%, que, afinal, são 52,8%.

Ainda bem que o Sr. Deputado Adão Silva acha que essa meta é muito má e que o Governo português fez

muito mal, porque era essa a posição que o PSD e o CDS tinham no Parlamento Europeu, sendo que o Governo

se encarregou de rasgar a posição do Partido Socialista no Parlamento Europeu, que era a dos 60%, e fez com

que a posição maioritária passasse a ser a antes derrotada, do PSD e do CDS. Foi esta a proposta e a ação do

Partido Socialista na Lei Europeia do Clima.

Sobre a lei dos solos, está em falta desde 2015. Já há muito tempo que é devida. Temos problemas muito

graves no País, nomeadamente no Parque das Nações ou no Vale da Rosa, em Setúbal, e urge que essa lei

seja publicada. Urge também que não seja só publicada para o futuro, mas que garanta o presente e o passado,

porque o problema — e o PSD aí não toca — é que os solos estão contaminados por um modelo de negócio e

por um modelo de economia onde empresas altamente lucrativas exploram o seu negócio, poluem os solos,

poluem os rios, poluem a atmosfera, geram a crise climática e nunca têm qualquer responsabilidade sobre isso.

Elas têm os seus lucros intocáveis, têm a sua atividade intocável e, depois, quando chegar a hora de alguém ter

de pagar a fatura, terá de ser o Estado a remover, no caso, os resíduos perigosos.

Portanto, a pergunta que faço ao Sr. Deputado Bruno Coimbra é esta: não acha que a lei dos solos e a

organização da economia devem obrigar as empresas a não poluir? Não é uma questão de pagar e remediar, é

uma questão de a sua atividade não poder ser lesiva para a integridade física das pessoas, para a integridade

do planeta e para a sustentabilidade.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado Bruno Coimbra, tem a palavra para responder.

O Sr. Bruno Coimbra (PSD): — Sr. Presidente, começo por agradecer as perguntas que me foram dirigidas

e, em jeito de encerramento deste tema, queria dar nota de que há um enorme consenso em torno desta matéria.

Só o Partido Socialista parece viver no país das maravilhas, em que isto não é uma realidade.

Todos os grupos parlamentares e todos os Deputados não inscritos sublinham a importância de avançarmos

com esta matéria e de pararmos de fingir que há datas possíveis e imagináveis, ano após ano, para a publicação

da legislação PRoSolos. Isto é por demais evidente e, hoje, fica claro para todos que o Partido Socialista e o Sr.

Ministro Matos Fernandes têm de ir desenterrar a legislação PRoSolos algures para a publicarem.

Sei que é fácil ao Sr. Ministro Matos Fernandes enterrá-la, porque o Ministério está em Lisboa e o Sr.

Presidente da Câmara, o Sr. Medina, também não está preocupado com a matéria, tanto que prometeu um tal

mapa dos sítios contaminados e, passados quatro anos, nada fez. Há esta dessintonia óbvia que os Srs.

Deputados assinalam, uma dessintonia discursiva, não só com o que diz o Portugal da Presidência da União

Europeia, o Governo ou as câmaras. Não, o que existe é que o Governo diz uma coisa e depois faz outra, e isso

tem de acabar, Sr. Presidente.

Agradeço muito ao Partido Socialista que possa levar o recado desta Assembleia ao Sr. Ministro, porque a

verdade é que Portugal não pode esperar mais.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para proferir a declaração política do Bloco de Esquerda, tem a palavra

o Sr. Deputado Moisés Ferreira.

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O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Nunca é demais lembrar que os

profissionais de saúde são imprescindíveis ao nosso País. Se alguém não o soubesse ou tivesse dúvidas, creio

que um ano e alguns meses de pandemia já dissiparam essas dúvidas por completo.

É aos profissionais de saúde que devemos o funcionamento do Serviço Nacional de Saúde (SNS), é a eles

que devemos o facto de o SNS nos proteger e de nos dar segurança quando vivemos a maior ameaça de saúde

pública do último século e é a eles que devemos o reconhecimento por, todos os dias, com ou sem pandemia,

arriscarem a sua saúde para proteger a nossa.

A questão que se coloca é esta: se tanto lhes devemos, por que razão o Governo lhes dá tão pouco em

troca? Repare-se, o subsídio de risco, que foi desenhado pelo Governo no Orçamento do Estado para 2021, é

mais ou menos virtual e não chega a quase ninguém. Ou seja, nesse Orçamento priorizou-se a tentativa de

poupar alguns euros em vez de se fazer o reconhecimento dos profissionais de saúde.

O Governo fecha os olhos, por exemplo, à precarização, aos falsos recibos verdes, aos baixos salários de

serviços concessionados, como por exemplo no hospital de Viana do Castelo, onde vários profissionais, técnicos

superiores de diagnóstico e terapêutica, estão sem serem integrados no Serviço Nacional de Saúde. Há

centenas e centenas de trabalhadores precários, contratados durante alguns meses, que estão a ser

despedidos, outros correm o risco de ser despedidos e o Governo lava daí as suas mãos.

Depois, há a questão das carreiras. Na verdade, as carreiras profissionais do Serviço Nacional de Saúde são

a pedra de toque e o ponto fundamental se queremos valorizar os profissionais. Nos últimos anos, o Governo

do Partido Socialista tem promovido inúmeras injustiças no que toca às carreiras dos profissionais de saúde do

Serviço Nacional de Saúde. As suas ações têm, aliás, até afrontado a negociação com os representantes dos

trabalhadores, tem criado iniquidades em carreiras que são impostas unilateralmente. Algumas carreiras que o

Governo do PS publicou fazem regredir trabalhadores, apagam anos de serviço, retêm os trabalhadores na base

da carreira, apesar de terem 10, 15, 20 anos de serviço.

Um exemplo é a carreira de técnico superior de diagnóstico e terapêutica. O Governo demorou dois anos a

publicar matérias fundamentais para a carreira destes profissionais, como, por exemplo, as regras de transição

e a tabela salarial, e publicou essas matérias de forma unilateral, sem acordo dos trabalhadores. Colocou,

também, mais de 95% dos trabalhadores na base da nova carreira, fazendo com que regredissem e

«descongelassem» numa anterior carreira, que até já tinha sido extinta, ou seja, na prática, fez com que

extinguissem o seu tempo de serviço e os pontos que deveriam levar para a progressão na nova carreira. A

pergunta que colocamos é a seguinte: isto é forma de tratar aqueles e aquelas que estão na linha da frente? É

assim que tenta valorizar-se e construir um Serviço Nacional de Saúde? Não, esta não é forma de tratar os

trabalhadores do Serviço Nacional de Saúde!

Perante esta injustiça, o Bloco de Esquerda tem vindo a propor, ao longo dos últimos anos, que a Assembleia

da República reponha as condições de carreira e de trabalho. Perante a forma como o Governo se recusa,

realmente, a reconhecer os profissionais de saúde como peça fundamental do SNS, o Bloco tem vindo a propor

que a Assembleia da República faça esse reconhecimento que o Governo não faz, aliás, tal como já fez no

passado em relação a outras carreiras. Repito: tal como a Assembleia da República já fez, no passado, em

relação a outras carreiras.

Esse processo relativo à carreira de técnico superior de diagnóstico e terapêutica está perto de ser concluído

na Assembleia da República e com bons resultados. Ainda bem! Estamos de acordo com a conclusão que vai

ser feita: onde o Governo impôs regressão na carreira, o que estamos a fazer é garantir uma transição mais

justa; onde o Governo impôs um descongelamento numa carreira extinta, o que estamos a fazer é recuperar e

contar todos os anos de serviço desses profissionais; onde o Governo impôs uma tabela salarial com

progressões mínimas, o que agora estamos a fazer é uma efetiva valorização desses trabalhadores. O processo

está perto de estar concluído e, como disse, com bons resultados. Só se lamenta que o Partido Socialista se

tenha mantido obstinadamente contra qualquer melhoria da carreira dos TSDT (técnicos superiores de

diagnóstico e terapêutica), contra qualquer valorização, qualquer reconhecimento, qualquer melhoria, mesmo

mínima. Foi uma tentativa de força de bloqueio em todo este processo.

Sr.as e Srs. Deputados, termino tal como comecei. Os nossos profissionais de saúde e o nosso Serviço

Nacional de Saúde merecem muito mais do que o que o Governo tem estado a fazer por eles. Os TSDT merecem

muito mais do que a carreira que o Governo tentou impor unilateralmente. Digo muito sinceramente que, depois

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da guerra que o PS e que o Governo tentaram abrir para impedir o aumento de apoio social a quem mais precisa,

em plena crise social, o que se espera é não termos de assistir a que o mesmo Governo e o mesmo PS inventem

uma nova dramatização para tentar impedir o investimento nos profissionais de saúde, no exato momento em

que eles demonstram ser mais importantes para o País.

Numa crise pandémica, social e económica, contam com o Bloco para as soluções, mas não contam para

dramatizações.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado Moisés Ferreira, tem cinco pedidos de esclarecimento.

Como pretende responder?

O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Sr. Presidente, vou responder aos dois primeiros pedidos de esclarecimento

e, depois, respondo aos outros três.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Muito bem, Sr. Deputado.

Tem a palavra, para um pedido de esclarecimento, a Sr.ª Deputada Carla Borges, do PSD.

A Sr.ª Carla Borges (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, os meus cumprimentos a todos.

O Bloco de Esquerda, na sua declaração política, fala-nos das carreiras dos profissionais de saúde,

nomeadamente a dos técnicos superiores de diagnóstico. Desde já, em nome do Grupo Parlamentar do PSD,

deixo um reconhecimento por todo o trabalho que estes profissionais de saúde têm feito neste tempo de

pandemia tão difícil para todos.

Em julho de 2020, na discussão na generalidade das diversas iniciativas, nomeadamente da iniciativa

legislativa de cidadãos, que, agora, foi referida, o PSD disse que a questão tinha sido trazida à Assembleia da

República com a apresentação de várias iniciativas e que, nestes termos, deveríamos pronunciar-nos sobre

elas. Disse ainda que os trabalhadores poderiam contar com o nosso empenho na defesa da resolução dos seus

problemas, com sentido de responsabilidade e de justiça, e que iríamos acompanhar, por isso, com interesse e

preocupação, as várias situações de injustiça e de falta de equidade que nos eram reportadas, no que se refere

à necessidade de alterar e corrigir alguns aspetos do atual pacote legislativo. Dissemos, também, que a

introdução de possíveis correções deveria ser ponderada, numa plataforma de equilíbrio entre a correção do

pacote legislativo e o seu correspondente valor financeiro, tornando-a sustentável, social e financeiramente,

devendo para tal — dissemo-lo e sublinhámo-lo bem — ser feito em breve.

Foi neste contexto que, após ouvirmos várias entidades — a DGAEP (Direção-Geral da Administração e do

Emprego Público), a ACSS (Administração Central do Sistema de Saúde), a CGTP (Confederação Geral dos

Trabalhadores Portugueses), a UGT (União Geral de Trabalhadores), os sindicatos, as associações, o grupo de

cidadãos que apresentou a iniciativa —, o Grupo Parlamentar do PSD, por entender existir uma profunda

injustiça na forma como a carreira de técnico superior de diagnóstico e terapêutica e a sua transição foram

legisladas, devendo por isso ser corrigidas, apresentou uma proposta de alteração à iniciativa de cidadãos.

Propôs, então, a correção de alguns aspetos desta carreira, de modo a minimizar os efeitos nefastos criados.

Dou apenas dois exemplos: a injustiça criada quando empurra para a base da carreira profissionais com 15

ou 20 anos, ficando estes a ganhar tanto como os profissionais que acabam de ingressar; e também a injustiça

criada por um Governo do PS para cerca de 10 000 profissionais, como os técnicos superiores de diagnóstico e

terapêutica — meus senhores, são 18 profissões! —, quando define uma carreira com níveis remuneratórios

inferiores aos da carreira geral de técnicos superiores.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr.ª Deputada, queira concluir por favor.

A Sr.ª Carla Borges (PSD): — Caras Sr.as e Srs. Deputados, esta foi a motivação do PSD: corrigir a injustiça

criada pelo Governo do PS, assumindo o nosso papel como partido responsável que somos, no desempenho

da função que nos foi confiada para o exercício do mandato.

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Por isso, Sr. Deputado Moisés Ferreira, deixo-lhe a seguinte pergunta: entende que a proposta do PSD

corrige as injustiças criadas, partindo eu do princípio que sim, visto que a aprovaram na maioria?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Bebiana Cunha.

A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Sr. Presidente, aproveito para saudar o Bloco de Esquerda pelo tema que

traz a debate e gostaria de dizer ao Sr. Deputado Moisés Ferreira que é por de mais evidente a falta de estratégia

em relação às políticas de saúde, nomeadamente no que diz respeito à valorização dos profissionais de saúde,

que requer, também, uma visão política de médio e longo prazo.

Infelizmente, tal não se tem verificado no nosso País e entendemos que é necessário que o Governo assuma

outros compromissos, seja na perspetiva da revisão das tabelas salariais, seja na perspetiva do

rejuvenescimento de profissionais, como é o caso dos médicos, seja, evidentemente, na correção de injustiças

criadas com algumas carreiras que, claramente, necessitam de ser revistas.

Sr. Deputado, gostaria de perguntar-lhe algo a partir de dois exemplos muito concretos sobre os quais o PAN

já se pronunciou, junto do Ministério da Saúde. No que diz respeito ao pagamento do subsídio de risco da

COVID-19, sabemos que está a ser cometida uma série de injustiças pelo País. Por exemplo, nos centros de

recolha, há enfermeiros que estão a recebê-lo, porque fazem o processo de recolha, mas os que fazem a

recolha, por sua vez, não o recebem. Outro exemplo muito concreto tem a ver com as administrações

hospitalares que decidiram dividir esse valor pelo número de profissionais. Já manifestámos junto do Ministério

da Saúde a necessária reposição de justiça no pagamento deste subsídio de risco extraordinário, pois o que é

devido aos profissionais de saúde deve ser-lhes entregue. Gostaríamos de saber se o Bloco de Esquerda nos

acompanha nestas reivindicações.

Trago-lhe ainda um outro exemplo também muito concreto. Em outubro de 2020, o Governo anunciava, no

caso dos profissionais de enfermagem, a transformação de mais de 900 contratos de trabalho precários em

contratos com outra estabilidade, em contratos justos. Ainda ontem ouvimos, relativamente ao Centro Hospitalar

do Tâmega e Sousa, que está em risco o posto de trabalho de 60 enfermeiros. Imagine-se, no contexto em que

vivemos, dispensar enfermeiros que dão resposta a necessidades estruturais do hospital que já existiam! Já

manifestámos a nossa posição junto do Ministério da Saúde no sentido de perceber se, efetivamente, vai intervir

para garantir estes profissionais.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr.ª Deputada, tem de concluir.

A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Sr. Presidente, irei concluir.

Gostaríamos de saber se o Bloco de Esquerda nos acompanhará nestas reivindicações.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado Moisés Ferreira, tem a palavra para responder a estes

dois pedidos de esclarecimento.

O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, gostava de agradecer as intervenções

e as interpelações feitas pela Sr.ª Deputada Carla Borges e pela Sr.ª Deputada Bebiana Cunha. Irei responder

pela ordem em que as intervenções foram feitas.

Sabemos que a carreira de técnico superior de diagnóstico e terapêutica foi feita em 2017, mas que, depois,

ficaram para regulamentação e aprovação posteriores uma série de matérias da maior importância, como, por

exemplo, as regras de transição, a tabela salarial, etc., que já só foram publicadas em 2019. Sabemos que,

nestes últimos dois anos, têm existido várias petições, várias greves, uma iniciativa legislativa de cidadãos com

dezenas de milhares de assinaturas, exatamente para poder ser aceite e debatida na Assembleia da República,

o que mostra um mal-estar junto destes profissionais e a forma injusta com que foram tratados pelo Governo,

numa negociação que terminou de forma unilateral e com uma carreira na qual os profissionais não se reveem

e os prejudica.

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Efetivamente, termos a esmagadora maioria dos profissionais colocada na categoria-base é promover uma

regressão de carreira e não uma promoção de carreira. Termos um apagão do tempo de serviço e dizermos que

alguém com 20 anos de serviço vai para a base de carreira, apagando-se completamente todo o serviço feito

para trás e todos os anos que estiveram no Serviço Nacional de Saúde, é obviamente gozar com quem trabalha.

Foi isto que o Governo fez nos últimos anos!

Por isso, parece-nos — e disse-o na tribuna — que o processo que está prestes a terminar na Assembleia

da República vai trazer bons resultados e é positivo. Por essa razão, em especialidade, acompanhamos várias

propostas, podendo estas ser do Partido Comunista Português, do PSD, nossas, etc. É fundamental garantir

transições mais justas, uma tabela salarial em conformidade com o trabalho e com a qualificação destes

trabalhadores e, também, garantir que não há apagões do tempo de serviço e dos pontos nem

descongelamentos numa carreira que até já tinha sido extinta. Portanto, há descongelamentos na atual carreira

exatamente para garantir progressão e valorização remuneratória nessa mesma carreira. Consideramos que o

processo pode trazer bons resultados e sublinhamos que não é a primeira vez que a Assembleia da República

trata de questões de carreira, porque o Governo também recusou tratar dessas questões.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — É verdade!

O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Quanto à pergunta da Deputada Bebiana Cunha sobre o subsídio de risco e

agradecendo novamente as questões, quero dizer que estamos completamente de acordo. O que foi desenhado

pelo Governo, e redesenhado, aliás, numa portaria posterior ao Orçamento do Estado, que ainda estrangula

mais o acesso ao subsídio de risco, na verdade, é uma forma de quase ninguém aceder ao subsídio de risco e

parece-nos que isso não é justo.

Por isso, temos até proposto, noutros projetos, por exemplo, que os profissionais de saúde tenham um

estatuto de risco e penosidade que é inerente ao exercício da sua profissão na área da saúde e que pode ter,

obviamente, majorações remuneratórias, etc.

Para terminar, Sr. Presidente, sobre a conversão de contratos de enfermeiros, parece-nos efetivamente

vergonhoso que, ainda em plena pandemia, se esteja a considerar que profissionais de saúde são descartáveis

e que, portanto, se contratem durante três, quatro ou cinco meses e que, depois, se mandem ir à sua vida. Tudo

como dantes. É vergonhoso!

Por isso é que também já propusemos um projeto de lei, que, infelizmente não foi aprovado, mas voltaremos

a insistir nessa proposta para a conversão destes contratos precários no Serviço Nacional de Saúde em

contratos por tempo indeterminado.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Vamos prosseguir com os pedidos de esclarecimento.

Tem a palavra, para formular as suas perguntas, a Sr.ª Deputada Alexandra Tavares de Moura, do PS.

A Sr.ª Alexandra Tavares de Moura (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, uma primeira palavra,

naturalmente, para agradecer ao Sr. Deputado Moisés Ferreira, do Bloco de Esquerda, que trouxe hoje esta

matéria a debate, a carreira e a recente aprovação das alterações à carreira dos técnicos superiores de

diagnóstico.

Começaria por dizer o seguinte: primeiro, a alteração à carreira dos técnicos superiores de diagnóstico e

terapêutica, assim como de outras, foi responsabilidade do Governo do Partido Socialista; segundo, o PS é

sensível — e demonstrou-o de forma clara — à iniciativa apresentada pelos cidadãos, mas essa razão não pode

ser suficiente para quebrar a regra de que estas matérias se tratam em sede de concertação social, num diálogo

que se quer permanente, ativo e vivo com os sindicatos.

Aliás, o PSD sempre o afirmou ao longo de todas as audições.

Vozes do PS: — É verdade! Agora já não se lembram!

A Sr.ª Alexandra Tavares de Moura (PS): — Foi o PSD que fez um «flic-flac» e que, apesar de ter dito,

durante as audições, que tal era matéria da concertação social e que era matéria da responsabilidade do

Governo, afinal, aprovou essas alterações.

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A Sr.ª Carla Borges (PSD): — Não, não! Basta ler as intervenções!

A Sr.ª Alexandra Tavares de Moura (PS): — Fez assim, ou julga que fez, um brilharete junto dos técnicos

superiores de diagnóstico. Porém, esqueceu-se, Sr.ª Deputada, durante todo este tempo e no mandato anterior,

de estar ao lado da Administração Pública e até ao lado do anterior Governo para aprovar as alterações que

eram necessárias e as reversões que foram consumadas. Como? Na valorização das carreiras, na revisão das

carreiras não revistas, na promoção da revisão da tabela única remuneratória e na promoção da revisão do

SIADAP (Sistema Integrado de Avaliação de Desempenho da Administração Pública). Foi isso que o PS fez, no

seu programa eleitoral e, também, no seu programa de Governo.

Ao PSD, e porque a memória, Sr.ª Deputada, não pode ser curta, diria que, no seu programa eleitoral, não

encontrei nenhuma palavra sobre estas matérias e, por isso, este «flic-flac» só se compreende para justificar a

ausência de matéria, a ausência de pensamento estratégico sobre a questão da Administração Pública.

Para nós, o resultado é claro: é o resultado da democracia a funcionar, mas cá estaremos todos para assumir

as nossas responsabilidades.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para um pedido de esclarecimento, a Sr.ª Deputada

Paula Santos, do PCP.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, cumprimento o Sr. Deputado Moisés Ferreira

pelo tema que traz a debate, os trabalhadores da saúde.

Os trabalhadores do Serviço Nacional de Saúde são, de facto, de grande importância para garantir a

qualidade e a capacidade de resposta do Serviço Nacional de Saúde, para assegurar a prestação de cuidados

aos utentes, e há, de facto, problemas graves que os afetam, problemas no que diz respeito aos seus direitos,

às suas carreiras, às suas condições de trabalho.

Indo às carreiras, este é, de facto, um problema de fundo que existe relativamente a estes trabalhadores,

que se sentem profundamente desvalorizados no plano dos seus direitos e das suas carreiras e a quem os

governos do PSD-CDS e do Partido Socialista não deram a resposta adequada para valorizar as carreiras. Há

que valorizar as carreiras para reconhecer estes valores — é assim que, efetivamente, se reconhecem —, para

que os trabalhadores da saúde queiram fixar-se no Serviço Nacional de Saúde e desenvolver aí o seu

desempenho profissional.

Discutimos hoje, em particular, a carreira dos técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica. Podíamos

fazer referência a muitas outras carreiras que foram revistas e que foram impostas aos trabalhadores contra a

sua vontade, numa atitude de pôr fim aos processos de negociação coletiva de forma unilateral, e a discussão

desta carreira chega à Assembleia da República exatamente por esse motivo — foi através de uma iniciativa

legislativa de cidadãos.

Naturalmente, privilegiamos o processo em sede de negociação coletiva, não de concertação social, pois

isso é outra matéria, mas, de facto, perante um conjunto de injustiças, os trabalhadores trouxeram aqui este

processo.

Não é a primeira vez que a Assembleia da República intervém em matéria de carreiras e podíamos trazer

aqui um conjunto de outros exemplos: a carreira docente, a carreira docente universitária, a carreira dos

magistrados judiciais e a carreira dos magistrados do Ministério Público. Portanto, são vários os exemplos em

que, de facto, houve intervenção da Assembleia da República e houve alterações relativamente a essas

matérias.

Consideramos que foi dado um passo, mas consideramos que há um conjunto de problemas em que se

poderia ter ido mais longe e há um conjunto de problemas que precisam de continuar a ser revistos.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Vou terminar, Sr. Presidente.

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A matéria de carreiras é uma delas, quer em relação a estes trabalhadores, quer em relação aos enfermeiros

e aos médicos. Por exemplo, a criação da carreira dos técnicos e auxiliares de saúde é outra questão que, de

facto, é relevante.

Sr. Presidente, para terminar, gostaria de dizer, muito brevemente, que o PCP tem apresentado propostas

concretas relativamente a estas matérias e a um conjunto de outras, como o combate à precariedade e a garantia

do subsídio de risco para todos os trabalhadores da área da saúde. Aliás, ainda no final de março apresentámos

propostas concretas relativamente a esta matéria.

A questão que lhe deixava, Sr. Deputado, era se, de facto, o Bloco de Esquerda acompanha este conjunto

de propostas que o PCP tem vindo a apresentar, sempre com o objetivo de valorizar os trabalhadores da saúde

e de valorizar o Serviço Nacional de Saúde.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para um pedido de esclarecimento, a Sr.ª Deputada

Cecília Meireles, do CDS-PP.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, queria começar por

cumprimentar o Sr. Deputado Moisés Ferreira, que trouxe aqui o tema dos profissionais de saúde, e gostava de

lhe dizer que, certamente, reconhecemos que aos profissionais de saúde, nesta época de pandemia — e

também antes dela, mas nesta época de pandemia —, muito lhes foi exigido. Não foram os únicos profissionais

que se mantiveram a trabalhar, mas foram eles que estiveram na linha da frente, a lidar com o que a pandemia

tinha de mais difícil e com os maiores riscos.

Dentro do sentido de responsabilidade que sempre temos quando tratamos de recursos públicos, porque os

recursos do Estado são os recursos que o Estado tira aos cidadãos, fomos favoráveis a que houvesse uma

recompensa a estes profissionais pelos riscos que sofreram. Da mesma maneira, em relação aos técnicos de

diagnóstico e em relação às várias injustiças de que se queixaram, com responsabilidade, fomos também

favoráveis a que pudesse ser reposta alguma justiça.

Isto dito, Sr. Deputado, há uma coisa que também gostava de referir. Falou-nos, e com todo o direito, dos

profissionais de saúde, mas eu gostava de falar não apenas dos profissionais de saúde mas dos utentes da

saúde, os doentes. É que temos, hoje, muito mais doentes à espera do que tínhamos no passado, num

movimento que tem sido de crescimento exponencial.

Portanto, gostava de perguntar-lhe se, entre ter um doente à espera ou admiti-lo no privado, não será melhor

que esse doente seja tratado no privado. Sei que a resposta será não, porque sei que, para si, ter esse doente

à espera é melhor, e, portanto, compreenda que os nossos critérios de justiça serão muito diferentes.

Também gostava de dizer, em relação a carreiras — pois esta não é a primeira vez que falamos em carreiras

—, que percebo e tentaremos sempre repor, quando possível, a justiça em várias carreiras. Mas não nos

enganemos, Sr.as e Srs. Deputados: a proliferação de carreiras na Administração Pública conduz sempre a

injustiças relativas.

Portanto, aquilo que devemos fazer é caminhar para uma análise conjunta de todas as carreiras e para uma

avaliação que seja material, e não apenas burocrática, de todas as carreiras da Administração Pública. Só isso

é que conduz à justiça.

Protestos do Deputado do PS Luís Moreira Testa.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado Moisés Ferreira, tem a palavra para responder.

O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Gostaria de cumprimentar e de

agradecer as questões colocadas pelas Sr.as Deputadas Alexandra Tavares de Moura, Paula Santos e Cecília

Meireles.

Sr.ª Deputada Alexandra Tavares Moura, o Partido Socialista, na discussão na especialidade da carreira de

técnico superior de diagnóstico e terapêutica, na verdade, não reconheceu nenhuma injustiça nem nenhuma

necessidade de melhoria da carreira porque votou contra tudo. Uma coisa pode ser dizer umas palavras, mas,

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depois, no que toca a votar e à ação concreta, votou contra tudo e, portanto, não reconheceu nenhum tipo de

necessidade de melhoria.

Já hoje, durante o dia, li algumas coisas, que também agora ouvi à Sr.ª Deputada, sobre esta ideia da linha

vermelha, sobre a ideia da negociação coletiva, sobre a ideia de a Assembleia da República não ter

competências para alterar carreiras da função pública. Mas, Sr.ª Deputada, foi o Grupo Parlamentar do Partido

Socialista que, por exemplo, em novembro de 2020 — não passou assim muito tempo — apresentou uma

proposta aqui, na Assembleia da República, para, em sede de especialidade do Orçamento do Estado para

2021, alterar a carreira de enfermagem. E, recuando dois ou três anos, foi o Grupo Parlamentar do Partido

Socialista que apresentou uma proposta aqui, na Assembleia da República, em novembro 2017, para alterar a

carreira de técnico de emergência pré-hospitalar.

Portanto, em 2017 e em 2020, o Partido Socialista considerou, e bem, que a Assembleia da República tinha

competências para alterar carreiras, a carreira de enfermagem e a carreira de técnico de emergência pré-

hospitalar. E, se não me engano, o Bloco Esquerda até acompanhou as duas propostas.

Ora, o que a Assembleia da República está a fazer agora é alterar uma outra carreira, a de técnico superior

de diagnóstico e terapêutica. A Sr.ª Deputada pode não gostar do resultado, mas, como disse, é a democracia

a funcionar. E a verdade é que o Partido Socialista já aqui apresentou propostas para a Assembleia da República

alterar carreiras, e até carreiras na área da saúde, carreiras especiais na área da saúde.

O Sr. Jorge Costa (BE): — Muito bem!

O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Sobre o que disse a Sr.ª Deputada Paula Santos, estamos completamente

de acordo: as carreiras profissionais são centrais se queremos construir um melhor Serviço Nacional de Saúde,

se queremos fixar profissionais no Serviço Nacional de Saúde, se queremos ter mais profissionais no Serviço

Nacional de Saúde.

Ignorar isso é ignorar como se constrói o Serviço Nacional de Saúde. Achar que as carreiras podem ser

substituídas por um subsídio que não chega a ninguém, por um prémio que não chega a ninguém ou por uma

«final da Champions» — que também, enfim, não deu para ninguém assistir, já agora —, é não querer construir

o Serviço Nacional de Saúde.

As carreiras são centrais e, portanto, sim, da parte do Bloco de Esquerda acompanharemos sempre todas

as medidas e apresentaremos propostas para que as carreiras sejam melhoradas.

Para terminar, Sr. Presidente, a Sr.ª Deputada Cecília Meireles falou dos utentes da saúde. Os utentes não

são dissociáveis dos profissionais de saúde. É preciso ter profissionais de saúde para ter capacidade de resposta

aos utentes do Serviço Nacional de Saúde; é preciso ter carreiras para fixar profissionais, para não ter listas de

espera no Serviço Nacional de Saúde. Por isso, quando defendemos carreiras para melhorar as condições de

trabalho dos profissionais de saúde estamos a defender, na prática, a redução dessas listas de espera dos

utentes do Serviço Nacional de Saúde.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Vamos agora passar à declaração política do Grupo Parlamentar do

PCP.

Tem a palavra, para o efeito, a Sr.ª Deputada Ana Mesquita.

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PCP saúda todos os trabalhadores

da cultura que, com a sua luta persistente, têm trazido a lume as inúmeras dificuldades de quem trabalha nesta

área e que há décadas vive numa situação de enorme precariedade e instabilidade.

Trabalhadores que não cumprem uma visão instrumental de nos animar a vida com a sua arte, pelo contrário,

têm de ser vistos e considerados como trabalhadores de corpo inteiro, com direito ao trabalho com direitos, a

uma carreira contributiva digna, ao acesso às prestações sociais, a estabilidade no emprego.

Trabalhadores que, com o pleno desempenho da sua atividade artística, técnico-artística ou cultural,

concretizam o direito constitucional de todos à cultura.

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Quem labora na cultura e nas artes não pode ficar sem respostas na medida da dimensão necessária durante

este período duro em que o trabalho neste setor está longe de ter sido retomado na sua totalidade e em que se

estima que terá danos ainda muito fortes pelo menos até ao verão do ano que vem.

Certo é que a cultura não aguenta este abre e fecha, confina e limita horários. É preciso reafirmar que a

cultura é, de facto, segura e que a atividade cultural tem de ser retomada de forma mais ampla, com todas as

condições de segurança sanitária, num contexto em que a vacinação, o rastreio, a testagem e os apoios sociais

são elementos centrais da resposta que é preciso concretizar.

Só que, em relação aos apoios à cultura, muito há a dizer. Além de muitos não serem mais do que anúncios

reanunciados sucessivamente, parecendo ser mais mas sendo exatamente o mesmo, há problemas concretos

que têm de ser resolvidos.

Neste momento, centenas de pessoas têm ficado de fora dos apoios sociais da cultura, no valor de um IAS

(indexante dos apoios sociais), atribuído aos trabalhadores desta área sujeitos a recibo verde.

No passado dia 16 de abril, vários candidatos ao apoio extraordinário receberam a resposta aos seus pedidos

por correio eletrónico. À semelhança do PEES (Programa de Estabilização Económica e Social), muitos foram

os pedidos invalidados sem qualquer justificação aceitável, havendo várias pessoas que continuam sequer sem

resposta.

Recorde-se que no dia 14 de janeiro foram anunciados os novos apoios para área da cultura. Entre 18 de

fevereiro e 18 de março ocorreram as candidaturas ao apoio extraordinário. No dia 26 de março, alguns

requerentes começam a receber a resposta de que o seu pedido não era considerado válido. Finalmente, no dia

1 de abril, começam a ser pagos os apoios aprovados.

Nessa altura, vários requerentes do apoio que não receberam o seu pagamento nem mensagem a esclarecer

qual a sua situação, contactaram o GEPAC (Gabinete de Estratégia, Planeamento e Avaliação Culturais). Muitos

requerentes assim ficaram, até que, no dia 16 de abril, o GEPAC enviou respostas aos pedidos de apoio. A

maioria dos requerentes foi informada de que os seus pedidos de apoio, nomeadamente os que não foram

aceites, não o foram, ou tinham passado para «o estado não validado», uma vez que, «à data do pedido, não

se encontrava inscrito nas finanças exclusivamente como trabalhador independente, com um dos CAE (Código

de Atividade Económica) ou CIRS (códigos de IRS) principais da cultura», ou porque «até à data de 01/01/2020

não se encontra inscrito nas finanças com um dos CAE ou CIRS principais referidos acima», ou porque «não

tem atividade aberta ou reiniciada em data inferior a 01/01/2021».

Só que, Sr.as e Srs. Deputados, a esmagadora maioria dos requerentes que viu o apoio recusado diz cumprir

os requisitos em causa. Como a resposta não indica exatamente o motivo da recusa, são os trabalhadores que

têm de se deitar a adivinhar o porquê. Será uma recusa tendo por base o facto de muitos trabalhadores da área

da cultura serem simultaneamente membros de órgãos estatutários, ainda que não remunerados? Será que tem

a ver com a data de reinício da atividade? Será que tem a ver com alguma questão relacionada com o CAE ou

o CIRS em concreto? Mas qual?

A verdade, Sr.as e Srs. Deputados, é que não se compreende a falta de transparência e de informação nas

respostas dadas a quem já se encontra muitas vezes numa situação-limite. A verdade é que o alargamento de

critérios anunciado pelo Governo em alteração à portaria não responde ainda a muitos trabalhadores e não

permite o acesso de muitos outros que nem sequer se candidataram por saberem que o crivo seria, mais uma

vez, demasiado fino para deixar passar a sua candidatura.

Como tal, o PCP anuncia que, na sequência do Projeto de Lei n.º 669/XIV/2.ª, que dava resposta a muitos

dos problemas que a aplicação prática do regulamento de concessão dos apoios sociais da cultura veio a

levantar — iniciativa esta rejeitada com o voto contra do PS e as abstenções do PSD, do CDS-PP e do IL —,

vai dar entrada de uma nova iniciativa, propondo, entre outras medidas: o alargamento temporal da abertura de

atividade nas finanças para efeitos de concessão do apoio social da cultura a todos os trabalhadores que, desde

janeiro de 2019 até ao presente, tenham tido, em algum momento, atividade aberta como trabalhadores

independentes; a inclusão de critérios complementares para incluir trabalhadores da área da cultura que têm

ficado excluídos; uma nova fase de candidatura para abranger os profissionais antes considerados não elegíveis

e que, por isso, não se candidataram; a concessão do apoio respeitante a todos os meses que os profissionais

receberiam se tivessem sido devidamente incluídos na correção de critérios; o estabelecimento do valor mínimo

do apoio social extraordinário da cultura por trabalhador, num valor não inferior ao que resulta do AERT (Apoio

Extraordinário ao Rendimento dos Trabalhadores); a periodicidade mensal do apoio enquanto se mantiverem

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em vigor as medidas que condicionem fortemente ou impeçam totalmente o regresso à atividade; e a garantia

efetiva de acumulabilidade do apoio com outros apoios e prestações sociais.

Sr.as e Srs. Deputados, a pergunta que resta é como votarão, desta vez, os partidos que chumbaram a última

iniciativa do PCP e se vão continuar ou não a deixar muitos dos trabalhadores da cultura para trás. O PCP cá

continuará a defender, de maneira coerente e consequente, os direitos de todos os trabalhadores das artes e

da cultura.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Inscreveram-se seis Srs. Deputados para pedir esclarecimentos, aos

quais a Sr.ª Deputada responderá, segundo informou à Mesa, em conjunto, primeiro, a um grupo de três e,

depois, a um outro grupo de três Srs. Deputados.

Para o efeito, tem a palavra, em primeiro lugar, a Sr.ª Deputada Rosário Gambôa, do PS.

A Sr.ª Rosário Gambôa (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Mesquita, quero salientar a importância

de a Sr.ª Deputada trazer sempre as questões da cultura a debate.

De facto, como a Sr.ª Deputada acabou de referir, trata-se de um setor que foi altamente fragilizado pelas

consequências do impacto da pandemia, um setor que viu a sua atividade completamente quebrada de uma

forma abrupta.

Trata-se também de um setor vasto, que se descobre de si mesmo como um setor díspar, múltiplo, com uma

atividade necessariamente muito complexa, estruturada em torno de diversas dimensões distintas, e uma

atividade que se exerce em modalidades muito específicas e muito divergentes, a saber, os contratos por conta

de outrem, os contratos de trabalho de curta duração, os contratos de atividade descontínua, e, enfim, tantas

outras modalidades que caracterizam a forma de exercer a atividade deste setor.

É indiscutivelmente um setor fundamental, que aporta ao País um incomensurável valor imaterial e tem um

valor económico relevante, movimentando mais de 137 000 pessoas.

É um setor que precisa de apoio pelo impacto que sofreu. É um setor que apela a uma exigência de ação,

mas também de realismo, pois esta ação tem de ser ponderada e com equidade, face às características gerais

que a pandemia trouxe a todos os trabalhadores.

Recordo aqui que este setor foi o único que recebeu apoios diretos do Governo, o único com linhas de apoio

dirigidas especificamente às pessoas do setor. E há políticas ativas que estão a ser implementadas no momento

e que a Sr.ª Deputada acabou de referir — como o apoio social extraordinário de um IAS, que foi estendido para

três meses —, cuja implementação o PS tem acompanhado e acompanhará, procurando, de forma crítica, que

o seu cumprimento seja devidamente assegurado.

Importa também lembrar que houve e há outros apoios, como aqueles que estão lançados no Orçamento do

Estado, a saber, o Programa Garantir Cultura, e ainda um conjunto de medidas transversais que têm apoiado

este e outros setores.

Mas gostava de referir que a sustentabilidade do setor exige medidas estruturantes, como, por exemplo, a

operacionalização da Lei n.º 74/2020, de 19 de novembro, relativa à transposição da diretiva que diz respeito ao

setor social.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Rosário Gambôa (PS): — E é neste contexto de medidas estruturantes, onde se destaca o estatuto

dos profissionais da cultura, que gostaria de perguntar ao PCP se está disponível para nos acompanhar na sua

regulamentação, que tem de ser abrangente mas também tem de acolher especificidades, uma regulamentação

necessariamente difícil e ponderada.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem de concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Rosário Gambôa (PS): — Concluo já, Sr. Presidente.

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Quero dizer ao PCP que, certamente, iremos divergir em muitas matérias, mas essa é uma das virtudes da

democracia: a divergência, mas também a convergência.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem, agora, a palavra, para pedir esclarecimentos, a Sr.ª Deputada Ana

Rita Bessa.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Mesquita, saúdo o PCP por ter

trazido este tema a debate.

Como a Sr.ª Deputada referiu, têm sido muitos os anúncios sobre vários tipos de apoios, e com várias

designações, para o setor da cultura, que, todos estamos de acordo, tem sido um dos mais prejudicados, a par

do turismo, com os sucessivos encerramentos.

Em 3 de fevereiro, quando foi decretado este último confinamento geral, foi comunicado, com grande pompa,

um pacote de anúncios por parte da Sr.ª Ministra da Cultura, ao lado do Sr. Ministro da Economia, sinalizando

que se trata de uma indústria criativa, económica, cultural e merecedora de todo o apoio.

A verdade é que, entretanto, vários meses depois, já estamos novamente em fase de reabertura e uma parte

substancial destes apoios ainda não chegou, ou, se chegou, a verdade é que, quem o deveria ter recebido, não

o sente, e o Parlamento tem muito poucos instrumentos para conseguir compreender e captar aquilo que

realmente está a chegar. De facto, a opacidade é muita e permite todo o tipo de construção de narrativas acerca

da grandiosidade dos apoios que está a ser dado a este setor.

Veja-se, por exemplo, o apoio extraordinário no valor de um IAS, que, depois, foi repetido. Já se sabia, à

partida, que a maior parte dos CAE não eram compatíveis, por razões que nem têm a ver com outra coisa senão

com a própria atividade dos profissionais da cultura, que não é compatível com estes apoios. Veja-se, só a título

de exemplo, o caso dos profissionais do circo, em que foram muitos os que, por questões burocráticas, acabaram

por não conseguir ter direito a um apoio que foi pensado para eles.

O Programa Garantir Cultura, também anunciado com grande pompa em 3 de fevereiro e que, supostamente,

iria ter aviso de abertura até ao final do mês, teve, então, dois meses depois, o aviso de abertura, sendo possíveis

as candidaturas, só que, entretanto, parte deste setor já está novamente em atividade. Aliás, para alguns, abriu-

se a atividade esta semana, mas, por exemplo, a tauromaquia ficou de fora.

E, em cima de toda esta opacidade, o que é que sobra? Sobram duas coisas: a primeira é a promessa do

estatuto de profissional da cultura, que, segundo ouvimos na semana passada, vai ao encontro de tudo menos

daquilo que os profissionais do setor pedem, pelo que o que todos eles nos disseram foi que «isto vai ser letra

morta, é preciso gastar mais tempo a trabalhar neste estatuto»; a segunda é a promessa de um capítulo no PRR

(Plano de Recuperação e Resiliência) dedicado à cultura, com uma data de milhões — e de milhões estamos

bastante habituados a ouvir falar —, mas ainda não sabemos em que é que se concretiza.

Portanto, o que lhe pergunto, Sr.ª Deputada Ana Mesquita, é o seguinte: qual é a confiança que, neste

momento, tem na mudança estrutural tão necessária e que venha a dar aos profissionais da cultura, por um

lado, estabilidade e, por outro, capacidade de desenvolver as suas atividades, fazendo honra àquilo que todos

dizemos, e o Governo também, ou seja, que esta é uma indústria produtiva, multiplicadora, criativa e capaz de

produzir riqueza para o País?

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Beatriz

Gomes Dias.

A Sr.ª Beatriz Gomes Dias (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Mesquita, gostaria de concordar com

a introdução que fez, ao dizer que a situação das pessoas que trabalham na cultura é dramática. Sabemos que

estas pessoas estão há mais de um ano sem conseguir trabalhar e sem rendimentos. Os apoios são

insuficientes, não chegam a todos e, neste momento, a maior parte das pessoas, com a vida suspensa, encontra-

se numa situação em que não sabe como vai conseguir pagar as contas e está a recorrer a cabazes solidários

para sobreviver.

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Portanto, esta é a situação em que muitas pessoas se encontram, estes têm sido os relatos que chegam às

nossas caixas de correio e que ouvimos nas diferentes audições que temos feito.

O Governo apresentou os apoios extraordinários para a cultura, como já foi dito, no dia 14 de janeiro e só no

final de março foram conhecidos os resultados. Ora, esses resultados foram francamente dececionantes.

Embora a Ministra tenha anunciado um apoio universal não concursal a fundo perdido para todas as pessoas

que trabalham na cultura, centenas de pessoas continuam de fora e sem poder aceder aos apoios.

Esta é a realidade do Ministério da Cultura. Esta é a realidade que as pessoas vivem quotidianamente. Há

uma descoincidência enorme entre o que são os anúncios da Ministra da Cultura, a leitura que é feita sobre os

apoios e a realidade concreta da vida das pessoas — os apoios não têm chegado.

Estas situações têm sido denunciadas, principalmente as situações de indeferimento e de pedidos

invalidados de pessoas que reuniam as condições para poder aceder ao apoio ou que, pelo menos, pensavam

que reuniam as condições para poder pedir o apoio.

Qual é a resposta que têm recebido? Que o seu pedido tinha passado para o estado não validado, uma vez

que, à data do pedido, não se encontra inscrito nas finanças exclusivamente como trabalhador independente,

com um dos seguintes CAE como atividade principal: 90 010, 90 020, 90 030, 59 110, 59 120. Os Deputados a

as Deputadas também terão recebido e-mails com esta informação. E os códigos de IRS também têm servido

para excluir as pessoas. Portanto, não tendo como código de IRS principal os números 1314, 2010, 2011, 2019,

2012, 2013, 2014 e outros, também têm sido excluídos.

Estas queixas têm-nos sido enviadas por pessoas que cumprem todos estes critérios que apareciam no

regulamento e também têm…

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem de concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Beatriz Gomes Dias (BE): — Vou concluir, Sr. Presidente.

Estas queixas têm-nos sido enviadas por pessoas que têm o CAE e o CIRS adequados.

Parece evidente, e gostava de saber se concorda comigo ou não, que o Ministério da Cultura tem feito tudo

o que está ao seu alcance para poder excluir do apoio precisamente as pessoas que mais dele precisam e não

tem sabido responder ao momento dramático que os trabalhadores e as trabalhadoras estão a viver.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr.ª Deputada Ana Mesquita, tem a palavra, para responder.

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Sr. Presidente, quero agradecer às Sr.as Deputadas Rosário Gambôa, Ana

Rita Bessa e Beatriz Gomes Dias pelas questões que colocaram.

Sr.ª Deputada Rosário Gambôa, há muito tempo que o PCP alerta para a necessidade de se entender a

diversidade do trabalho nas artes e na cultura e temos proposto, até, soluções.

O Governo não tem ouvido aquilo que andamos a dizer há muito tempo. Esse é que é o problema. É que, de

facto, já há longo tempo que o mapeamento devia estar feito, para identificar a variedade e a diversidade de um

setor que é tão diverso.

Mas também há uma outra questão. A Sr.ª Deputada vem falar de soluções, mas esta, deste apoio

extraordinário, já não está a dar a resposta necessária. Vem falar do Garantir Cultura. O Garantir Cultura, já

sabemos, à partida, que está enfermo de muitos problemas comuns que impedem o acesso de muitos

trabalhadores a este apoio. Portanto, corrigindo este, também há de ser preciso corrigir o próximo procedimento

e, no caso do Garantir Cultura, quer ao nível dos trabalhadores independentes, quer ao nível das empresas,

porque há também ali aspetos que têm de ser alterados.

Quanto ao estatuto dos profissionais da cultura, Sr.ª Deputada, uma coisa é certa: não vai poder contar com

o PCP para validar qualquer ferramenta que se arvore numa ferramenta de naturalização e eternização da

precariedade, tornando o recibo verde uma forma regular de contratação.

A partir daqui, se o espírito for outro, naturalmente que o PCP estará sempre do lado das propostas justas,

para defender os direitos dos trabalhadores das artes e da cultura.

Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa, o CDS não se pode colocar fora do combate à precariedade e depois dizer

que é muito solidário com os trabalhadores. O que é facto é que, quando o PCP apresenta as propostas aqui,

proporcionando um voto para que os problemas da precariedade sejam resolvidos e também haja a correção de

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aspetos relativos ao acesso a estes apoios, como o apoio extraordinário à cultura, como aconteceu com o Projeto

de Lei n.º 669/XIV/2.ª, do PCP, que resolvia estas questões práticas e não outras, o CDS absteve-se.

Protestos da Deputada do CDS-PP Ana Rita Bessa.

Portanto, ajudou foi a manter as injustiças que estamos hoje, aqui, a debater novamente e que, de facto,

podiam já ter sido resolvidas.

Sr.ª Deputada Beatriz Gomes Dias, de facto, o Governo não está a dar a resposta na medida, dimensão e

forma mais correta, mais justa, e nem sequer a mais necessária para as questões deste momento.

Reafirmamos que, efetivamente, o que tem de acontecer é um apoio que seja universal, não concursal, a

fundo perdido, acumulável com outras prestações sociais e que responda às necessidades dos trabalhadores

das artes e da cultura. E é por isso que, hoje, demos entrada já de uma iniciativa que vai nesse sentido.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Vamos prosseguir com os pedidos de esclarecimento.

Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, a Sr.ª Deputada Mariana Silva, do PEV.

A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, antes de mais, queria congratular a

Sr.ª Deputada Ana Mesquita por trazer à Assembleia da República um tema tão importante e que, infelizmente,

continua atual, com as dificuldades que os trabalhadores da cultura estão a passar.

O setor da cultura tem sido massacrado ao longo dos anos, por via de um subfinanciamento crónico. Por

esse facto, em momentos de crise, este setor, já fragilizado pela negligência com que cada um dos governos

tem olhado para ele, sofre consequências bastante profundas. E isto é algo que não podemos esquecer nem

varrer para debaixo do tapete.

Com a pandemia que vivemos, o Governo tem apenas uma opção, a de realizar um investimento público

condicente com as reais necessidades dos trabalhadores da cultura.

Não podemos continuar a dizer a trabalhadores, agentes, mulheres e homens da cultura, que aguardem ou

que sobrevivam à custa dos apoios de familiares, dos amigos ou das instituições de caridade.

O presente é incerto, os problemas atingem muitos setores e, em particular, o da cultura, um pouco por todo

o mundo. Mas Os Verdes consideram que este não é um setor qualquer. A cultura é mais do que um direito, é

uma necessidade das pessoas. Uma necessidade dos que a fazem, dos que a produzem e a vivem, mas,

também, uma necessidade crescente dos que dela usufruem.

A questão que lhe coloco é, exatamente, relativa aos apoios imediatos, uma vez que vemos a Sr.ª Ministra a

desdobrar-se em anúncios.

Ainda hoje a Sr.ª Deputada do PS também falou dos diferentes planos e apoios. Mas a Sr.ª Deputada afirmou

que o Governo não está a ser capaz de dar as respostas céleres para fazer chegar aos trabalhadores do setor,

que estão desesperados, os apoios de emergência anunciados, para a sua sobrevivência.

Não lhe parece que o Governo tem de responder já a todos os que perderam todas as fontes de rendimento

e não andar à procura de programas e planos para o fazer?

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para formular pedidos de esclarecimento, a Sr.ª

Deputada Inês Sousa Real.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, antes de mais, não podemos

deixar de, evidentemente, saudar o PCP, nomeadamente a Sr.ª Deputada Ana Mesquita, pelo facto de nos ter

trazido a debate um tema tão importante.

Os apoios ao setor da cultura e a necessidade de termos medidas mais estruturais no combate à

precariedade deste setor é absolutamente incontornável.

Aliás, aproveito também a oportunidade para saudar os muitos profissionais que, nos últimos tempos, se têm

manifestado e que, inclusivamente hoje, também estiveram à porta desta Assembleia, trazendo mais uma vez

as suas preocupações.

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Este é um setor que tem sido muito afetado e que saiu bastante fragilizado desta crise. E diga-se também

que todas as respostas que, de alguma forma, têm sido trazidas aqui pelas diferentes forças políticas, onde se

inclui o PAN, infelizmente, não têm sido aprovadas.

Há uma, porém, que não posso deixar de destacar, que, no Orçamento do Estado, o PAN conseguiu aprovar,

com o voto de apoio do PCP, que é uma proposta que pretende assegurar o mapeamento da precariedade do

setor da cultura, para que assim se possam tomar, então, as medidas que garantam a estabilidade e os direitos

destes profissionais, algo que não se vai conseguir, bem sabemos, só com o estatuto do intermitente.

Mas ainda há poucas semanas aprovámos uma proposta do PAN, também com o voto favorável do PCP,

que previa várias medidas de proteção. Em concreto refiro a necessidade de o Governo rever a Portaria n.º 37-

A/2021, de 15 de fevereiro, por forma a assegurar que o apoio extraordinário ao setor abrangia todos os

profissionais e não apenas alguns, devido ao Código de Atividade Económica, algo que o Governo bem tardou

mas que acabou por cumprir.

Acompanhamos plenamente a preocupação com o problema que referiu, Sr.ª Deputada, do apoio aos

profissionais e da delonga que tem existido, mas há aqui um outro aspeto que neste desconfinamento se tem

verificado e que tarda em ser cumprido, que se prende com o apoio em matéria de saúde pública,

nomeadamente na testagem e vacinação dos profissionais da cultura.

Parece-nos que é absolutamente imprescindível que o apoio à testagem seja garantido aos profissionais da

cultura. Queremos saber se o PCP acompanha a proposta que o PAN tem feito, para que esta seja devidamente

executada pelo Governo. Queremos saber se nos acompanham neste desiderato.

Há uma questão que não podemos aqui deixar de referir e que se prende com o que o CDS mencionou.

A Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa, infelizmente, veio trazer a este debate uma preocupação e veio carpir as

mágoas do lóbi tauromáquico, lamentando e lastimando que não tenham sido incluídos nos apoios à cultura.

Da parte do PAN, apenas temos a lastimar que o Governo tenha incluído o setor nos parcos 42 milhões de

euros que foram atribuídos à cultura. Mal seria se os profissionais da tauromaquia fossem incluídos em mais um

pacote de apoios quando os verdadeiros profissionais e artistas culturais têm passado por tantas necessidades,

sendo incompreensível que o CDS não tome o comboio para o século XXI e se continue a posicionar ao lado

de atividades manifestamente anacrónicas. Mal seria se o Estado…

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Estou mesmo a concluir, Sr. Presidente.

Mal seria se o Estado andasse a financiar a tortura animal.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Paulo Rios

de Oliveira, do PSD.

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Ana Mesquita,

saúdo o Grupo Parlamentar do PCP e a Sr.ª Deputada por trazerem este tema a debate, dizendo, contudo, que

o setor da cultura tem sido resiliente e corajoso e o PSD não desiste do setor da cultura, mas já quase desistiu

da Ministra.

Se analisarmos o comportamento do Ministério da Cultura ao longo deste último ano, a verdade é que

recordamos várias coisas, todas relevantes.

A primeira foi que a Sr.ª Ministra disse que os apoios eram transversais e mandou o setor da cultura para o

Ministério da Economia e da Transição Digital. Recordam-se? Foi ou não foi assim?

Depois, criou um apoio extraordinário de 1 700 000 € para os profissionais, de urgência. Para o setor da

comunicação social foram 15 milhões. Mesmo assim, demorou um ano; mesmo assim, muitos ficaram para trás.

A Sr.ª Deputada recorda-se do que aconteceu com aquele documento indigente que foi a transposição da

diretiva do audiovisual, que tentámos muito melhorar e, mesmo assim, não fomos longe?

A Sr.ª Deputada recorda-se da luta que foi para o PSD, que andou a reclamar 2% do PRR para a cultura,

semanas e semanas?

Vozes do PSD: — Muito bem!

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O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Trouxemos cá 40 entidades e, finalmente, o Sr. Primeiro-Ministro

deixou-se de brincadeiras e cartas abertas e lá fez consignar no PRR aquilo que era a justa reclamação do setor.

A verdade é que o Governo, que começa a ficar mestre em publicidade enganosa, até veio anunciar um

fundo que era universal, não concursal, o tal em que «não fica ninguém para trás». E é extraordinário, porque

eles continuam a ficar para trás!

Continuamos a receber manifestações, continuamos a receber e-mails e continuamos a saber que o setor

não está a ser protegido.

Mais: a isto temos de juntar a política de gosto da Ministra, em que só é cultura aquilo que ela acha que deve

ser. Circo não é lá muito cultura, tauromaquia também não é, nem que esteja na Constituição, e, portanto, a

cultura é aquilo que ela acha que é cultura, senão não abre! Dito de outra forma, o Campo Pequeno pode abrir

para um espetáculo de música, para touradas é que não. Gostava de perceber que método é este de

desconfinamento.

Protestos da Deputada do PAN Inês Sousa Real e contraprotestos da Deputada do CDS-PP Cecília Meireles.

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Aqui chegado, Sr.ª Deputada, tenho uma pergunta. A Sr.ª Deputada

fez um conjunto de reclamações relevantes relativamente àquilo que espera do Governo. A nossa pergunta é

simples: a Sr.ª Deputada acredita que esta Ministra e este Governo são capazes de operar essa mudança, com

o passado que trazem e com uma Ministra que herda o seu próprio Ministério?!

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — É neste Governo que vai votar o próximo Orçamento?

O PCP tem de ser coerente em relação a isto, como quer ser coerente em relação a tudo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr.ª Deputada Ana Mesquita, tem a palavra, para responder.

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Sr. Presidente, queria agradecer as questões da Sr.ª Deputada Mariana

Silva, da Sr.ª Deputada Inês Sousa Real,…

Protestos da Deputada do CDS-PP Cecília Meireles e contraprotestos da Deputada do PAN Inês de Sousa

Real.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr.ª Deputada, queira prosseguir, por favor.

Já percebi que os Srs. Deputados hoje estão apostados em fazer serão.

Sr.ª Deputada Ana Mesquita, tem a palavra.

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, sei que está a chover lá fora e que o dia está

desagradável, mas também gostava de chegar a casa um dia destes.

Risos.

Estava a agradecer os pedidos de esclarecimento das Sr.as Deputadas Mariana Silva e Inês Sousa Real e

do Sr. Deputado Paulo Rios de Oliveira.

Queria dizer que, de facto, a cultura tem um problema a montante, que é o subfinanciamento crónico e a

instabilidade de décadas.

De facto, aquilo que queremos agora para a cultura não é uma ação de caridade, é a dignidade e o respeito

a que a cultura tem direito, enquanto pilar da democracia que é e que tem de ser salvaguardado.

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Portanto, sim, o Governo tem de responder já — e isto serve também já para o Sr. Deputado Paulo Rios de

Oliveira —, tem ferramentas para isso, e vai até ter mais uma, com mais esta iniciativa que o PCP vai apresentar.

Portanto, oportunidades não faltam para corrigir a mão, tem é de fazê-lo.

Sr. Deputado Paulo Rios de Oliveira, essa postura de «com o meu vestido preto nunca me comprometo» ou

«com o meu fato preto nunca me comprometo», ou seja lá o que for, é muito gira mas não resolve problemas.

É que, na verdade, de cada vez que o PCP propõe uma medida, no Orçamento do Estado, para dar resposta

às necessidades da cultura e das artes, como é que vota o PSD? Chumba!

Quando o PCP traz aqui iniciativas para corrigir esta questão, deste concurso que estamos hoje a debater

— não é outro! —, como é que vota o PSD? Não, não vota ao lado do PCP, claro que não vota! Prefere abster-

se e viabilizar a rejeição que o PS vem trazer.

A questão é essa. Não se pode colocar de fora do combate à precariedade, não se pode colocar de fora das

medidas que resolvem os problemas dos trabalhadores das artes e da cultura e depois vir para aqui chorar

lágrimas de crocodilo. Não pode!

Vozes do PCP: — Exatamente!

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Isso é que é incoerência.

Sr.ª Deputada Inês Sousa Real, estamos de acordo, o mapeamento é uma questão fundamental. Temos

insistido muitíssimo nela porque nos ajuda a caracterizar a realidade de um setor que tem muitos fatores que

têm de ser tidos em conta para a resolução do problema.

E dizemos outra coisa em relação àquilo que referiu, sobre as medidas sanitárias. Há muito temos colocado

que testagem, rastreio, vacinação e apoios sociais têm de ser as medidas e as dimensões da resposta que o

Governo tem de dar a esta situação, e naturalmente que a cultura também não pode ficar de fora. Como todos,

tem direito a essa segurança sanitária.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Vamos, agora, passar à declaração política do CDS-PP.

Tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Meireles.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo entregou, no fim da

semana passada, o Programa de Estabilidade 2021-2025 e, praticamente na mesma altura, enviou o seu Plano

de Recuperação e Resiliência para Bruxelas. São os dois documentos-chave que poderiam mudar o nosso

futuro. Nas versões que hoje conhecemos, são os documentos da oportunidade verdadeiramente perdida. São

o programa da máquina do Estado como grande motor da economia e o plano da desconfiança, face à iniciativa

privada.

Vamos começar pelo ponto de partida.

O nosso ponto de partida, Sr.as e Srs. Deputados, é grave. A economia portuguesa conheceu a maior

recessão, desde que há registos, no ano passado, em 2020. Para este ano, o Programa de Estabilidade traz

uma revisão, em baixa, das previsões de crescimento económico.

É verdade que a causa é a pandemia, evidentemente, e que a situação é comum a muitos países, mas o

facto de as causas não serem da nossa responsabilidade não nos desresponsabiliza em relação às soluções e,

em relação elas, convém começar também por fazer um balanço da resposta portuguesa à pandemia.

O Programa de Estabilidade prevê que as principais medidas de combate à COVID-19 custem, em 2021,

cerca de 5100 milhões de euros; em 2020, o efeito orçamental direto das principais medidas foi de cerca de

4500 milhões de euros. Ou seja, os dois anos somados, teremos entre 9600 a 9700 milhões de euros de medidas

de resposta à pandemia.

Se pararmos para pensar que o Banco de Portugal estima que, só em pagamentos suspensos de moratórias

das famílias e das empresas, teremos, até ao fim da pandemia, 11 mil — repito, 11 mil! — milhões de euros e

que as linhas de crédito novas, relacionadas com a pandemia, estarão entre 8000 e 9000 milhões de euros, é

fácil chegar a uma conclusão: o grosso dos problemas causados pela pandemia está por resolver, dois terços

das contas estão por pagar e foram empurradas para a frente.

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Que nem o Programa de Estabilidade nem o PRR tenham a honestidade política ou, sobretudo, a justiça

social de reconhecer que este problema existe e que é sobretudo um problema dos trabalhadores por conta

própria, dos pequenos negócios, daqueles que foram obrigados a encerrar ou impedidos de trabalhar e que

tiveram de recorrer a tudo para sobreviver, que isto não seja reconhecido como um problema, é chocante. Não

pode haver dois países, em que um deles fica sempre esquecido.

Mas a falha destes planos não é só não apresentarem solução para o problema principal, é muito mais, é o

reconhecimento do investimento público, ou melhor, do gasto público como a solução para tudo.

O Programa de Estabilidade prevê que apenas 30% do PRR seja para apoios diretos às empresas, já para

o investimento público prevê mais de 60%, num total de mais 10 mil milhões de euros.

Sr.as e Srs. Deputados, é bom lembrar que o setor público, que leva a fatia de leão deste PRR, apenas é

responsável por pouco mais de 10% do investimento total, feito em Portugal. O grosso do investimento é feito

pelas empresas e pelas famílias, que são esquecidas neste plano. São também as empresas privadas, que

criam mais de 80% do emprego, e são também elas que geram cerca de 85% do valor acrescentado bruto da

nossa economia. A iniciativa privada é o motor da economia e é o motor da criação de emprego.

O que o Governo apresenta como proposta é a sua absoluta menorização ao atribuir-lhes, em todo o PRR,

menos do que só as empresas pagam de IRC (imposto sobre os rendimentos das pessoas coletivas), mesmo

num ano de grande crise como foi o ano passado. É uma visão estatizante e clientelar que vai comprometer o

futuro de Portugal não por um ano, não por cinco, mas por décadas e pelas décadas seguintes.

Também é bom salientar que muito do que é classificado como investimento público não o é; é, sobretudo,

gasto direto na máquina da Administração Pública. Por exemplo, para digitalizar a máquina da Administração

Pública, o Governo diz que vai precisar de 1810 milhões de euros; para fazer exatamente o mesmo em todas

— e repito, em todas! — as empresas de Portugal, o Governo acha que chegam muito bem 650 milhões euros,

um terço do que gasta na sua própria máquina! E não se incomoda, sequer, mesmo depois deste investimento,

em estabelecer metas de qualidade, de exigência ou ganhos de eficiência nestes serviços públicos.

Aquilo que sabemos é que, ao longo dos últimos três anos, a massa salarial do Estado cresceu, a uma taxa

média de crescimento anual, 3,5%. De 2021 a 2025, está previsto mais um aumento significativo de 3119

milhões de euros, mais do que o total que vai ser gasto com o pilar da transição digital no País inteiro ou com o

pilar da transição digital climática no País inteiro. Portanto, a digitalização da máquina do Estado vai exigir,

simultaneamente, muito mais recursos humanos, sem que haja qualquer avaliação de qualidade, de

sustentabilidade ou de racionalidade desta opção.

Em conclusão, o Programa de Estabilidade e o PRR não são planos ao serviço do País, são os planos que

querem subjugar Portugal ao serviço da máquina do Estado.

Terminava com uma última nota, que é uma correção: o Programa de Estabilidade refere-se, e cito, «à

trajetória de recuperação de recuperação do investimento público, iniciada pelo Governo em 2016.»

Nós já estamos habituados à propaganda, mas é vergonhoso — repito, é absolutamente vergonhoso! — que

um documento público e formal não tenha qualquer pudor em dizer uma coisa que é objetivamente falsa! Falsa!

Não há nenhuma — zero! — recuperação do investimento público em 2016, o que houve nesse ano foi uma

contração fortíssima do investimento público.

Ao menos nos planos mais formais nos PowerPoint já estou habituada a ver muita coisa que é mentira —

haja algum pudor com as mentiras descaradas.

O Sr. Presidente (António Filipe): — A Mesa regista quatro inscrições para pedidos de esclarecimento, a

que, entretanto, a Sr.ª Deputada informou que vai responder em conjuntos de dois.

Então, para o efeito, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, antes de mais, começo por

congratular o CDS por ter trazido este tema e apesar, da questão em que focou a sua intervenção, Sr.ª Deputada

Cecília Meireles, há aqui uma dimensão que não podemos deixar também de reforçar.

Evidentemente, nas opções estratégicas que são feitas neste plano — e apesar de concordarmos com a

bondade que possa existir em algumas medidas do mesmo —, há uma dimensão, nomeadamente a climática,

que tem ficado essencialmente para trás ou em relação à qual, até mesmo em alguns dos eixos deste programa,

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acaba por existir uma incoerência entre os princípios proclamatórios e, depois, o investimento. E a economia

não é, evidentemente, exceção.

Basta pensarmos, por exemplo, no eixo da economia do mar e na transição, do ponto de vista económico,

para modelos mais sustentáveis, para vermos que há, claramente, uma dimensão que acaba por não dar

resposta àquele que é o desafio dos nossos tempos.

Nesse sentido, Sr.ª Deputada, é importante, para nós, percebermos que a narrativa, a par das medidas

concretas, está plenamente alinhada e gostaríamos de perceber se o CDS concorda com uma das medidas que

o PAN tem.

Para além de a economia ter de ser incentivada com medidas de apoio nas diferentes vertentes,

nomeadamente na agricultura, na energia, designadamente no combate à pobreza energética ou até mesmo ao

nível dos incentivos às empresas nesta dimensão, num aspeto mais profundo, o PAN tem defendido que é

necessário a criação de um atlas climático para podermos, de alguma forma, ter uma leitura do País e mitigar

com isso as assimetrias regionais que ainda persistem. Sabemos que Portugal não é Lisboa, não é o Porto, não

é também algumas distritais que temos, mas há, de facto, todo um país esquecido.

Gostaríamos de saber se o CDS acompanha a preocupação do PAN, para que possamos também reforçar

este PRR naquilo que vai ser depois a sua versão final, entregue em Bruxelas, e ter, de facto, uma leitura, um

mapa, um atlas, que nos permita, de alguma forma, fazer essa leitura. Portanto, queremos saber se

acompanham o PAN nesta preocupação.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr.ª Deputada Cecília Meireles, afinal são cinco inscrições para pedidos

de esclarecimento.

Srs. Deputados, o Regimento determina que as inscrições para pedir esclarecimentos devem ser feitos

durante a intervenção do orador. O que temos visto é que a maioria das inscrições estão a ser feitas depois da

intervenção do orador. Se a Mesa fosse rigorosa, cortaria mais de metade dos pedidos de esclarecimento que

temos tido. Portanto, faço o apelo para que se inscrevam em tempo.

Sendo assim, a Sr.ª Deputada Cecília Meireles pretende responder, primeiro, a um conjunto de três e depois

a dois pedidos de esclarecimento.

Tem a palavra, agora, o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Cecília Meireles, há uma

questão importante em debate na declaração política do CDS, que tem que ver com o Plano de Recuperação e

Resiliência e, basicamente, com a aplicação dos recursos a que Portugal tem acesso, no sentido de dar resposta

aos problemas do País e, em particular, aos problemas especialmente gravosos que se fazem sentir na

decorrência desta crise e desta epidemia da COVID-19.

Agora, o CDS e todos reconhecerão, certamente, que o PCP, ao longo dos anos e das décadas, tem

pugnado, nesta Assembleia e por todo o País, por uma política de investimento público de qualidade, de

investimento público que seja, de facto, um fator de modernização das infraestruturas com repercussão, depois,

nas cadeias de valor da economia nacional e, muitas vezes, não é propriamente a isso que temos assistido. A

própria Sr.ª Deputada deu o exemplo em torno do conceito da digitalização, que eu diria, passe a expressão,

que é uma espécie de um chapéu com umas abas muito largas, que cobre muita coisa e faz muita sombra, às

vezes.

Ainda nos lembramos do famoso plano tecnológico e dos investimentos de transformação profunda que, na

verdade, significaram comprar hardware e software. Nós precisamos de uma outra política de investimento

público e precisamos de um investimento público substancial. E é aqui, agora, que estamos no ponto de

divergência política e de confronto. O CDS considera que 60% dos fundos disponíveis para investimento público

é um escândalo, uma exorbitância e nós consideramos que é pouco.

O problema, sabemos muito bem qual é — e não é o CDS, hoje, que começa com essa conversa, que já

vem de trás —: os grandes grupos económicos querem dinheiro! Querem dinheiro! E querem dinheiro para quê?

Para depois distribuir dividendos, «chapa ganha, chapa gasta», continuam a viver acima das nossas

possibilidades: 100% dos lucros da Brisa — Autoestradas de Portugal, vão para dividendos…

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado, queira concluir.

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O Sr. Bruno Dias (PCP): — Vou terminar, Sr. Presidente.

Assim como 129% dos lucros da Altri vão para dividendos e 156% dos lucros da NOS vão para dividendos.

Ó Sr.ª Deputada, termino com esta pergunta muito objetiva: o CDS considera que é para este tipo de

enriquecimento, que diria ilícito, que devemos afetar os recursos nacionais, que tanta falta fazem para a

modernização e para a resposta aos problemas, especialmente das PME (pequenas e médias empresas)? Ou

é para esse grande capital que aparece aqui a pedir dinheiro?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Pereira, do PS.

O Sr. Carlos Pereira (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Cecília Meireles, quero, em primeiro lugar,

agradecer-lhe por trazer um tema tão relevante para o País como o Plano de Recuperação e Resiliência.

Queria começar por fazer um comentário prévio para dizer que o que a Sr.ª Deputada veio fazer aqui foi,

basicamente, uma tentativa de uma proclamação ideológica entre investimento privado e investimento público.

Mas não sei se a Sr.ª Deputada percebeu que ao tentar passar essa tese, entrou numa enorme contradição.

Aliás, fez uma exposição que é, ela toda, uma enorme contradição.

Mas explico porquê. Talvez a Sr.ª Deputada não se tenha apercebido, mas vou explicar, aliás, sublinho que

essa explicação vem no fim da sua intervenção, quando fala no investimento público, porque a Sr.ª Deputada

sabe que foi na anterior Legislatura, do PS — do qual a Sr.ª Deputada diz que não gosta das empresas nem do

investimento privado —, que o investimento privado bateu recordes, que ultrapassou a média da União Europeia

e que, como a Sr.ª Deputada sabe, puxou pelo produto interno bruto (PIB) do País.

Portanto, à proclamação que veio fazer de que o PS é contra o investimento privado, a Sr.ª Deputada deu a

resposta. Não é verdade, no passado, o que aconteceu foi, precisamente, o investimento privado a puxar pelo

PIB e a poder garantir os resultados que tivemos.

Mas, Sr.ª Deputada, o que faltou na sua intervenção foi verdadeiramente a essência. O que é que o CDS

quer do PRR? O que é que o CDS quer, verdadeiramente, do PRR?

Mais: qual é, então, para o CDS a proporção adequada entre investimento privado e investimento público?

Diga, Sr.ª Deputada!

Será que a Sr.ª Deputada sabe que o investimento privado ou os apoios dos fundos europeus ao investimento

privado, melhor dizendo, ocuparam sempre, em todos os quadros comunitários, e com todos os Governos, não

é com o Governo do Partido Socialista, menos de 30% daquilo que tem sido disponibilizado? Não sei se a Sr.ª

Deputada sabe que, deste quadro que está em vigor, ainda faltam gastar 3000 milhões de euros de apoio ao

investimento privado, das empresas, para o qual a Sr.ª Deputada diz ser preciso mais.

Ora, a pergunta a que a Sr.ª Deputada, e todos aqueles que dizem que há uma desproporção enorme entre

investimento privado e investimento público, tem de responder é se acha que, faltando ainda gastar — permita-

me usar esta expressão — 3000 milhões de euros do PT 2020 (Portugal 2020), estando disponíveis 6000

milhões de euros no PRR para o investimento privado e estando disponíveis mais 14 000 milhões de euros,

usando a expressão dos 35% do total do PT 2030, o que significa 25 000 milhões de euros, o setor privado

conseguirá executar, no pouco tempo que temos, 25 000 milhões de euros, tendo em conta todas as restrições

que tem, incluindo a circunstância de ter de cofinanciar esse mesmo investimento.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Pereira (PS): — Termino, Sr. Presidente.

Não é tarefa pouca, Sr.ª Deputada! A Sr.ª Deputada sabe que as empresas estão descapitalizadas e é preciso

um esforço enorme, que, aliás, as empresas têm feito.

Aquilo que a Sr.ª Deputada veio fazer foi apenas uma proclamação ideológica, sem nenhuma solução e

cometendo um erro grave, com uma contradição enorme, que foi dizer que o Governo do Partido Socialista não

tem apoiado o investimento privado. Nada mais errado e os factos demonstram isso mesmo!

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O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr.ª Deputada Cecília Meireles, tem a palavra, para responder.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, começava por cumprimentar os Srs. Deputados.

Começo pelo Partido Socialista, para dizer que agradeço muito a aula que o Sr. Deputado Carlos Pereira me

deu, embora tenha percebido, pelas suas palavras, que tem dúvidas sobre a capacidade da aluna. Esse tipo de

comentários é sempre uma elegância que fica bem aos professores, como é o caso do Sr. Deputado, mas

tentarei responder de forma diferente daquela com que se me dirigiu.

O Sr. Carlos Pereira (PS): — A Sr.ª Deputada é mais elegante do que eu!

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — E mais bonita!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Ó Sr. Deputado, se me deixar, explicarei.

O Sr. Deputado não percebeu qual era a solução, o que é que eu defendo. Eu defendo que o grosso deste

plano devia ir, de facto, para o apoio às empresas e à iniciativa privada.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Nós percebemos! O que o CDS quer, sei eu!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — É tão cru e tão simples como isto! Também achei que tinha ficado

subentendido, e já explicarei, mas parece-me uma evidência.

Diz o Sr. Deputado: «Ah, mas as empresas não têm dinheiro para investir, não conseguem cofinanciar,

porque estão descapitalizadas». Pois estão, Sr. Deputado, estão muito descapitalizadas e por isso é que é

preciso um plano a sério de capitalização das empresas, que, aliás, está previsto neste PRR como um vetor,

mas um vetor muito curto, que tem de ser reforçado, e muito. Foi exatamente isto que presumi que se deduziria

das minhas palavras.

Depois, gostava também de lhe explicar que o que puxou pelo investimento privado das empresas não foi o

Governo do Partido Socialista, foi o crescimento económico e a volta económica que houve em Portugal e que

começou em 2013, 2014.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Foi o anticiclone dos Açores!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — A partir daí, os valores, quer do crescimento, quer do investimento,

aumentaram e é normal que assim tenha acontecido. Porquê? Porque estávamos a sair de uma recessão e

entrámos em período de crescimento económico.

Sei que isso, depois, não entra bem nesta dialética que encontramos aqui, em que se quer que os ciclos

económicos batam exatamente certo com os dias em que os Governos entram e saem, mas, enfim, a economia

lá tem estas ideias, que não têm de funcionar a par dos desmandos do Partido Socialista.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — É o canhão da Nazaré!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Registo, contudo, que o Sr. Deputado não foi capaz de defender a

enorme falsidade, para a qual chamei a atenção, do investimento privado.

Em relação ao PCP e ao Sr. Deputado Bruno Dias, gostava de dizer o seguinte: deixei aqui claro o que

queria, que era bastante mais dinheiro para apoio às empresas e à iniciativa privada, e o Sr. Deputado diz, e

cito, «o que a senhora quer são grandes grupos económicos que querem dinheiro para distribuir dividendos».

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Não está mal resumido!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Portanto, para o Sr. Deputado, as empresas que criam 85% dos postos

de trabalho, para os trabalhadores que o senhor diz defender, são grandes grupos económicos que querem mas

é dividendos.

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O Sr. Bruno Dias (PCP): — Mas quais empresas?

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — É engraçado! Não me parece que faça algum sentido viabilizar todo o

tecido económico do País inteiro, porque são as grandes empresas que querem é distribuir dividendos… Se

calhar, querem criar postos de trabalho!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Essa já não pega!

O Sr. Jorge Costa (BE): — Ninguém matou tantas PME como vocês!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — É normal que o Sr. Deputado concorde com isto. Pois claro! Isto, até

ideologicamente, não podia estar mais de acordo consigo.

Mas, Sr. Deputado, conheço muitos trabalhadores que viveram em países que foram governados como o Sr.

Deputado acha que os países devem ser governados e vi-os a fugirem…

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — É verdade!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — … para países que são governados como eu acho que os países

devem ser governados. Já o contrário não aconteceu! Por alguma razão, há de ser! Por alguma razão, há de

ser! E olhe que não foi, com certeza, com megaprojetos a aumentar a máquina do Estado.

Por último, a Sr.ª Deputada Inês Sousa Real tem razão na questão para a qual chama a atenção. De facto,

este plano tenta responder, mas ainda é muito parco, às assimetrias regionais e a um país que fica muitas vezes

esquecido para além das boas intenções.

Protestos de Deputados do PS.

E, portanto, desse ponto de vista, suspeito que teremos um encontro de opiniões, não exatamente em tudo,

designadamente no que toca à agricultura e ao que deva ou não ser apoiado, porque a minha visão sempre foi

a de que o setor agrícola não pode ser nem é inimigo do ambiente.

Mas creio que encontraremos muitas formas e muitas maneiras de chegar a pontos em comum.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Vamos, então, prosseguir com os pedidos de esclarecimento, para o

que tem a palavra o Sr. Deputado Afonso Oliveira, do PSD.

O Sr. Afonso Oliveira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Cecília Meireles, acho que posso, desde já,

agradecer-lhe o facto de trazer a debate estes temas, que são centrais, que são fundamentais, e já se percebeu,

pelo ambiente do debate, que fazem todo o sentido e são oportunos no momento que vivemos.

É verdade que os fundos europeus, ao longo dos últimos 35 anos, contribuíram para o nosso

desenvolvimento — estamos de acordo em relação a isto, julgo que esta questão nem suscita dúvidas —,

ajudaram a criar infraestruturas fundamentais e são também um exemplo da solidariedade europeia com as

regiões mais desfavorecidas, regiões de coesão, e penso que Portugal deve estar satisfeito, digamos, pelo facto

de existirem.

Mas também é verdade que, em muitas circunstâncias, e sabemos que isso aconteceu em Portugal, os

investimentos nem sempre foram um fator de desenvolvimento, foram muito maus investimentos. Houve, em

Portugal, péssimos investimentos, não produtivos, que criaram fatores de pobreza e despesa adicional que não

fazem qualquer sentido.

O Partido Socialista, ao longo dos últimos 25 anos, leva já 18 anos de governo, em Portugal. Em 25 anos,

tem 18 anos de governo, em Portugal.

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — É verdade!

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O Sr. Afonso Oliveira (PSD): — E este facto, quando falamos de fundos europeus, da gestão de fundos

europeus, e de um Governo do Partido Socialista, deve deixar-nos, a todos, profundamente preocupados.

Para o PSD, e temo-lo dito, o País sabe disto, é um motivo de forte preocupação ter o PS, hoje, no Governo,

com a quantidade de fundos que temos para gerir no futuro próximo, e já percebemos que, nos próximos cinco

anos, particularmente com o PRR, que vem com 16 000 milhões de euros, é muito dinheiro. E estamos

preocupados, porque, na verdade, as suas políticas públicas são responsáveis pelo caminho que fazemos, mas

também pelo caminho que não fazemos. São sempre decisões públicas, são políticas que são assumidas e, ao

tomarmos posições, há sempre oportunidades que não se seguem, há outras que se assumem e, portanto, há

riscos que se correm.

No PRR, são mais 16 000 milhões de euros de fundos europeus que estão em causa e que são uma

excelente oportunidade para potenciar o investimento nas empresas, na economia, na indústria, o investimento

com capacidade de gerar riqueza, o investimento em setores exportadores, o investimento público — claro que

sim, também, não tem de ser essencialmente público, mas também — em setores e serviços que melhorem a

qualidade de vida das pessoas. É isto que se pretende com este PRR e era assim que deveria ser. Mas a

verdade é que não é assim que está a ser, não é esse o objetivo, o PRR não aponta nesse sentido, o PRR tem

previsto um fortíssimo investimento público, como já percebemos aqui, no debate, e a Sr.ª Deputada Cecília

Meireles, e muito bem, suscitou esse problema, o que é um erro. E é um erro, neste sentido: hoje, todos

sabemos, são as empresas que criam emprego, são as empresas que criam dinâmica económica, que criam

crescimento económico e, por isso, era para aí que deveria haver um forte investimento do PRR, mas não é

esse o caminho.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Afonso Oliveira (PSD): — Concluo, Sr. Presidente.

Sr.ª Deputada Cecília Meireles, coloco-lhe três questões, de forma muito rápida.

Corremos ou não o sério risco de perdermos uma oportunidade decisiva de apoiar as empresas e a

economia? Já ouvi a sua opinião, mas gostava que reforçasse a posição do CDS, no sentido de saber se é

assim que pensa.

Corremos ou não o sério risco de sairmos deste período de cinco anos, e os próximos cinco anos são de

forte investimento, sem darmos o salto de desenvolvimento e crescimento que se pretende? São questões a

que me parece valer a pena responder.

Como é que, perante o estado atual da nossa economia, o Governo não percebe que escolher políticas

públicas, onde não inclui as empresas, como fator essencial de investimento e de apoio,…

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem mesmo de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Afonso Oliveira (PSD): — … não deveria ser, digamos, o tema central deste PRR?!

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem, agora, a palavra, para pedir esclarecimentos, a Sr.ª Deputada

Isabel Pires, do Bloco de Esquerda.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Sr. Presidente, cumprimento a Sr.ª Deputada Cecília Meireles e o CDS, por este

tema, mas, na verdade, depois da sua intervenção, percebemos que foi uma intervenção menos de preocupação

com o PRR e mais de ataque à ideia de investimento público e da necessidade de investimento público. Mas

está tudo bem, é uma questão de separar águas, por parte daqueles que, de facto, consideram que o

investimento público não serve a ninguém e não serve para nada e dos acham que os dinheiros públicos devem

ser investidos no privado.

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Quem disse que é dinheiro público?!

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Ficou aqui bastante claro qual é a posição.

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Em relação ao PRR, concretamente, podemos até dizer que aquilo que foi anunciado, durante vários meses,

pelo Governo, nomeadamente pelo Primeiro-Ministro, e o resultado que saiu da discussão do próprio PRR não

é a mesma coisa. Não é, de facto, a mesma coisa aquilo que foi sendo anunciado, durante vários meses, e

aquilo que foi efetivamente apresentado. Mas uma coisa muito diferente é vir aqui fazer um debate no sentido

de que o investimento público não é a melhor saída para momentos de crise, até porque, no caso português, se

tem verificado que é o investimento em serviços públicos e o investimento público que ajuda a alavancar a

própria economia.

Portanto, a crítica que a Sr.ª Deputada faz à percentagem e à quantidade que está programada, no PRR,

para o investimento público só tem lógica para aqueles que defendem mais o setor privado e os seus lucros. E,

Sr.ª Deputada, podemos falar da questão das empresas e do tecido económico português, que sabemos que é

muito bem formado, na sua grande maioria, por micro e pequenas empresas, mas basta-nos ver a prática e a

história, nomeadamente dos fundos europeus, para percebermos quem é que consegue sempre chegar a esses

fundos europeus.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — São as PME!…

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Portanto, temos de ser sérios, quando fazemos este debate e falamos do apoio

às empresas, e perceber qual é a realidade. E a realidade dos últimos anos não tem sido a de as microempresas

serem as mais favorecidas com os vários fundos comunitários e, nomeadamente, com o PRR.

Existem aqui vários temas que o CDS não consegue clarificar. A única coisa que fica muito clara neste

debate, até pela intervenção do próprio PSD, é que consideram o investimento público um erro.

O Sr. Afonso Oliveira (PSD): — Não! Não disse isso!

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Muito bem, Srs. Deputados! Se consideram o investimento público um erro, é

uma posição que a direita vai ter de assumir muito claramente, mas, de facto, aqui, temos um separar de águas.

Sr.ª Deputada, se o PRR existe também para responder às grandes matérias, como, por exemplo, a transição

ambiental, onde a ferrovia se assume como prioritária, e aqui o investimento público é central, só pode haver

investimento público, então, é nestas matérias que temos de nos focar.

Aplausos do Deputado do BE João Vasconcelos.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr.ª Deputada Cecília Meireles, tem a palavra, para responder.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, queria, em primeiro lugar, cumprimentar o Sr. Deputado

Afonso Oliveira e a Sr.ª Deputada Isabel Pires e dizer que tentarei dar uma resposta comum que, creio,

esclarecerá as dúvidas de ambos.

Em primeiro lugar, deixei bem claro que investimento público e gasto público, do meu ponto de vista, são

coisas diferentes.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Por acaso, não! Não foi isso que afirmou!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Nem todo o gasto público é investimento público. São coisas diferentes!

E, sim, Portugal precisa de investimento público, porque partidos como, por exemplo, o PCP e o Bloco de

Esquerda apoiaram um Governo que deu a maior machadada que o investimento público viu, nas últimas

décadas, em Portugal, embora, agora, disfarcem! Acham todos que o investimento público é muito importante,

mas, quando chegou a hora de votarem, peço muita desculpa, não foi isso que fizeram.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Que grande confusão!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Diferente disso é o gasto direto na máquina do Estado. Veremos o que

o futuro nos traz, mas espero que daqui a um, dois ou três anos não estejam aqui a dar-me razão e a dizer que,

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afinal, de facto, muito disto foi gasto público direto na máquina do Estado, disfarçado de investimento público,

porque é isso que acho que vai acontecer.

Em segundo lugar, Sr.as e Srs. Deputados, 80% a 85% do emprego em Portugal é criado por empresas

privadas. Vir agora dizer que elas não podem receber fundos, porque são todas grandes empresas e os fundos

não chegam às PME…

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — E não chegam!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Bem, se não chegam, vamos fazê-los chegar! Não podemos é dizer:

«Ah, não, não, isto são tudo grandes empresas, que querem mas é o lucro e, portanto, se 85% dos

trabalhadores, em Portugal, estão lá, bom, eles que se arranjem, porque aquilo que a gente quer é o investimento

nos nossos serviços públicos». Isto, com toda a franqueza, não tem pés nem cabeça!

Em terceiro lugar, para onde é que pode ir o investimento, do ponto de vista da iniciativa privada?

Como é evidente, o pilar da inovação pode, e deve, do meu ponto de vista, ser reforçado: a aposta na

exportação, na indústria, nos bens transacionáveis, no turismo, que é completamente esquecido. Tudo isso pode

e deve ser reforçado.

Aliás, também na agricultura, a inovação tem um papel importante, e seria bom que o PRR não o esquecesse.

Em segundo lugar, sobre onde pode e deve mais ser reforçado, Srs. Deputados, fui clara a elencar o que me

parece ser o problema. O problema é que o grosso da resposta portuguesa à pandemia não está ainda dado.

Foi dado em forma de moratórias e crédito, o que significa que, nas famílias e nas empresas, daqui a algum

tempo, quando o resto da Europa estiver a sair dela, vai surgir uma crise, porque isto não foi um padrão na

maioria dos países europeus.

Portanto, se quisermos que as nossas empresas vão lá para fora e estejam a competir sem pedras ao

pescoço com as outras empresas, que não as têm, temos de encontrar forma de capitalizá-las. E aquilo que

está previsto não é, nem de longe, nem de perto, o necessário.

Mais preciso do que isto imagino que encontrem em muitos PowerPoints, mas, com franqueza, parece-me

que fui bastante evidente, do ponto de vista do que me parece que devem ser as apostas e do que me parece

que está errado e do ponto de vista do que se está a apostar.

Depois, dizem-me «é ideológico.» Todos nós aqui somos ideológicos. Chama-se a isso escolha, liberdade e

democracia. Se fôssemos todos técnicos e todos iguais, as pessoas não podiam escolher. Tinham de escolher

todas o serviço público, mesmo que isso não criasse nenhum posto de trabalho.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Estava a ir tão bem!

O Sr. Presidente (António Filipe): — Segue-se, agora, a declaração política do PAN.

Para o efeito, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Nas últimas semanas, à boleia

do caso José Sócrates e Ricardo Salgado, a justiça portuguesa tem sido muito falada pelas piores razões e o

nosso País tem estado mergulhado numa discussão sobre a sua eficácia.

No entanto, o País quer saber o que é que a Assembleia da República pretende fazer quanto a este problema

e, ressalvadas algumas exceções, tal ação não se coaduna com a mera proclamação de um conjunto de

intenções que não nos leva a lugar algum.

Não podemos perder de vista que estamos perante um problema estrutural assente na insuficiência de meios

do nosso sistema judicial, que tem comprometido a sua eficácia, em particular no combate à corrupção e,

também, na necessária adequação do quadro jurídico-penal existente.

Comecemos pelo Tribunal Constitucional, um tribunal que, para além de uma falta brutal de recursos

humanos, nem sequer tem cobertura de internet em todas as zonas das suas instalações.

Mas falamos apenas, Sr.as e Srs. Deputados, de um órgão de soberania e de garantia da própria ordem

jurídico-constitucional. Nada mais, nada menos.

Vejamos, por exemplo, o problema da falta de meios, que está mais do que identificado, pelo menos desde

2018, no pacto de justiça. Mas o Governo e este Parlamento não o querem cumprir e, ano após ano, Orçamento

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do Estado após Orçamento do Estado, vão deixando este pacto e as suas medidas fundamentais bem fechados

na gaveta.

A criminalidade económico-financeira e os crimes de corrupção são cada vez mais complexos, conforme nos

mostram, por exemplo, o caso Luanda Leaks ou o caso BES (Banco Espírito Santo). Este tipo de criminalidade

não se resolve com a lógica do «orgulhosamente sós». A cooperação judiciária internacional é, e tem sido,

absolutamente fundamental. Mas, para esta ser possível, é preciso que existam equipas com competências para

o efeito, que incluam, por exemplo, profissionais com competências de tradução. Como podemos cooperar se

não conseguimos sequer comunicar devidamente com a contraparte ou sequer ter acesso à documentação

fornecida?

Pois bem, o PAN não sabe, mas é o único partido que não o entende, uma vez que, em novembro, este

Parlamento rejeitou, com votos contra do PS e abstenções do PSD, do Bloco de Esquerda, do PCP, do CDS,

do Chega e do Iniciativa Liberal, uma proposta do PAN que visava colmatar esta falha.

Portanto, se, nesta matéria, há três anos que o pacto de justiça está na gaveta, é porque este Parlamento

assim o quer.

O pacto de justiça diz-nos, também, que o nosso País precisa de definir um enquadramento legal que permita

assegurar uma articulação da prestação de perícias por entidades públicas como o DCIAP (Departamento

Central de Investigação e Ação Penal), de novo uma chave para o combate à criminalidade económico-financeira

e aos crimes de corrupção, que está, precisamente, na cooperação do DCIAP com entidades públicas. É isso

que esta proposta do pacto de justiça nos diz.

Ora, Sr.as e Srs. Deputados, como pode, então, o DCIAP cooperar com entidades públicas se não existe um

regime jurídico que suprima, por exemplo, um conjunto de indefinições que continuam a existir quanto à ligação

funcional, à cadeia hierárquica e à responsabilidade dos intervenientes?

Pois bem, o PAN também não sabe como, mas é um dos poucos partidos que não o entende, uma vez que,

em novembro, este Parlamento rejeitou, com os votos contra do PS e, mais uma vez, as abstenções do PSD,

do Bloco de Esquerda, do CDS e do Chega, uma proposta do PAN que visava colmatar esta falha.

Portanto, Sr.as e Srs. Deputados, mais uma vez, pasmem: se, nesta matéria, há três anos que o pacto de

justiça continua na gaveta, é porque este Parlamento, mais uma vez, assim o quer.

Mas não ficamos por aqui: o pacto de justiça diz-nos, ainda, que o Departamento Central de Investigação e

Ação Penal e os Departamentos de Investigação e Ação Penal Regionais deverão ter equipas multidisciplinares

periciais e que todas as comarcas do País devem ter gabinetes de assessoria técnica no âmbito das áreas da

corrupção, da fraude e da criminalidade económico-financeira. Os atores do sistema judicial têm sido claros

sobre a necessidade desta assessoria técnica multidisciplinar para combater a criminalidade complexa.

Ora, como pode, por exemplo, um juiz de uma comarca compreender e analisar complexos documentos de

natureza financeira, sem ter sequer uma assessoria adequada?

Sr.as e Srs. Deputados, o PAN também não sabe, mas é, pelos vistos, dos poucos partidos que não o entende,

uma vez que, em novembro do ano passado, este Parlamento rejeitou, pasme-se, mais uma vez com os votos

contra do Partido Socialista e a abstenção do PSD, uma proposta do PAN que visava colmatar esta falha.

Portanto, aqui chegados, mais uma vez não fugindo à regra, se, nesta matéria, há três anos que o pacto de

justiça continua na gaveta, é precisamente porque este Parlamento o continua a querer.

As soluções existem, Sr.as e Srs. Deputados. O que não existe, como resulta muito claro, é vontade política

para mudar a ordem as coisas.

Não podemos — que fique claro — fechar os olhos a um problema sistémico, volto a repetir, do nosso País,

um problema estrutural que esvazia um dos pilares absolutamente fundamentais do nosso Estado de direito

democrático, que é a justiça.

No último Orçamento do Estado, foram várias as propostas que o PAN apresentou e chegamos, por isso, a

este debate cientes do trabalho que temos feito no sentido de combater a criminalidade e para reforçar os meios,

seja a nível dos magistrados, seja a nível do Ministério Público.

Não virámos a cara ao risco de corrupção associado à nova «bazuca europeia» e à gestão dos dinheiros

públicos em tempos de COVID-19, pelo que conseguimos incluir, no Orçamento do Estado, novos mecanismos

de transparência, que nos permitem perceber para onde estão a ser canalizados os dinheiros públicos e os

fundos europeus, através de um portal da transparência, de um relatório de transparência sobre os negócios do

hidrogénio verde, ou até da publicação da lista de financiamentos de fundações com dinheiros públicos.

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Para o PAN, conforme temos demonstrado pela nossa ação, uma melhor democracia e gestão dos dinheiros

públicos só é possível e fazível através de um sistema de justiça eficaz e com a existência de mecanismos de

prevenção da corrupção, com mais transparência e mais escrutínio da sociedade civil.

Mas, Sr.as e Srs. Deputados, não podemos continuar a virar as costas a uma lacuna gigante que existe a

nível do regime jurídico do exercício de funções por titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, como é

a questão, precisamente, do enriquecimento injustificado ou ilícito, tão badalada a propósito do caso de

Sócrates.

É por isso que o PAN assume, hoje, o compromisso de apresentar uma iniciativa legislativa que vá,

precisamente, ao encontro não só da regulamentação desta matéria, mas também, evidentemente, das

promessas de vantagens patrimoniais futuras.

Para concluir, não posso deixar de lançar este repto: as pessoas lá fora querem saber o que este Parlamento

vai fazer não apenas para combater a corrupção, mas também para resolver os problemas sistémicos que

continuam a persistir relativamente à justiça.

Sr.as e Srs. Deputados, resta saber se nos vão acompanhar neste combate.

Entretanto, assumiu a presidência o Presidente, Eduardo Ferro Rodrigues.

O Sr. Presidente: — Inscreveram-se cinco Deputados para formularem pedidos de esclarecimento à Sr.ª

Deputada Inês de Sousa Real, que informou a Mesa que pretende responder, primeiro, a três e, depois, aos

restantes dois.

Para começar a série dos três primeiros pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís

Ferreira.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, começo por saudar a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real

por ter trazido a debate o assunto da justiça, que é sempre um assunto atual, porque a justiça é, de facto, um

pilar central da nossa democracia. É por isso que se exige que os governos trabalhem no sentido de construir

um sistema de justiça mais célere, mais eficiente e, sobretudo, mais acessível aos cidadãos, porque se a justiça

não for acessível aos cidadãos não há justiça para todos e, não havendo justiça para todos, não há justiça. Por

outro lado, uma justiça demorada também não é justiça.

Mas, quando falamos de justiça, temos de falar, também, das pessoas que lhe dão suporte, desde logo os

oficiais de justiça, que continuam sem ver o processo relativo ao seu estatuto devidamente concluído, com os

prazos todos ultrapassados.

A nosso ver, aquilo que se impõe é trabalhar no sentido de reconquistar ou fortalecer a confiança dos

portugueses na justiça, mas isso só é possível se se trabalhar em dois planos: em primeiro lugar, dotando os

tribunais, bem como os órgãos de investigação criminal, dos meios necessários para dar resposta às exigências

de tão nobre função. Falamos não só dos meios humanos, mas também dos meios técnicos, sobretudo num

tempo em que constatamos uma grande sofisticação dos instrumentos utilizados para a prática de crimes como

a corrupção ou o branqueamento de capitais.

Em segundo lugar, no plano legislativo, a começar pela tipificação do crime de enriquecimento ilícito ou

injustificado, matéria sobre a qual, aliás, Os Verdes pretendem apresentar uma iniciativa legislativa, é bom não

perdermos também de vista a necessidade de colocar um fim aos instrumentos que potenciam a corrupção e

que só servem para dificultar ou mesmo impossibilitar a investigação criminal. Referimo-nos, por um lado, aos

paraísos fiscais, mas também aos vistos gold.

Por falar em vistos gold, Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, tendo o PAN apresentado, na anterior

Legislatura, um projeto de lei para instituir os vistos green, que se somariam aos vistos gold, portanto com a

mesma filosofia e com os mesmos riscos no que diz respeito ao branqueamento de capitais, à corrupção ou a

outros crimes, aquilo que lhe pergunto, Sr.ª Deputada, é se o PAN pretende reapresentar a proposta para instituir

os vistos green e, se assim for, de que forma é que essa proposta se enquadra no combate à corrupção,

sobretudo a nível da sua prevenção e na afirmação da justiça.

Aplausos do PCP.

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O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, a Sr.ª Deputada Constança Urbano de

Sousa, do Grupo Parlamentar do PS.

A Sr.ª Constança Urbano de Sousa (PS): — Sr. Presidente, também cumprimento a Sr.ª Deputada Inês de

Sousa Real por ter trazido este tema a esta Assembleia.

Sr.ª Deputada, a corrupção é, de facto, um crime intolerável numa sociedade democrática, e todos, sem

exceção, consideramos isso. No entanto, a sua mensagem foi tipicamente populista no sentido de «o PAN é o

bom, é o único que se interessa pelo combate à corrupção e todos os outros são uns bandidos!»

Esse é um discurso populista que estou habituada a ouvir noutras paragens e confesso que, da parte do

PAN, não estava muito à espera. Mas, enfim, deve ser o contágio.

Em primeiro lugar, isso não é verdade, e a Sr.ª Deputada sabe, tão bem ou muito melhor do que eu, que

muito neste País já foi feito no combate à corrupção, não só em termos de dotar o DCIAP de instrumentos e de

gabinetes de assessoria técnica.

Aliás, a Sr.ª Deputada também fez um retrato muito miserabilista dos nossos juízes, como pessoas

absolutamente incapazes para a cooperação judiciária em matéria internacional, coisa que não é verdade.

Poderia estar a fazer uma lista exaustiva de medidas que este Parlamento adotou, existindo muitas que,

naturalmente, ainda precisam de ser adotadas. Por exemplo, a estratégia de combate à corrupção tenta ir a

montante deste problema, ir às suas raízes, reforçando a vertente da prevenção e da deteção de

comportamentos corruptivos.

Por acaso, gostaria de saber a opinião do PAN relativamente, por exemplo, à introdução dos planos de

cumprimento normativo, que são absolutamente essenciais, não só no setor público, mas também no setor

privado, para detetar e prevenir a corrupção. Qual é a posição do PAN, por exemplo, relativamente a uma das

propostas previstas, que é a da possibilidade de uma pena acessória de proibição de funções, que pode ir até

10 anos?

O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr.ª Deputada, por favor.

A Sr.ª Constança Urbano de Sousa (PS): — Concluo, Sr. Presidente, referindo que acompanhamos,

naturalmente, a questão do enriquecimento ilícito e que iremos apresentar uma proposta nesse sentido.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Pureza, do

Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, cumprimento-a pelo

tema da declaração política do PAN e queria fazer duas breves reflexões a propósito do que nos disse.

Em primeiro lugar, creio que fez bem — permita-me esta opinião — em adotar um registo de análise da

questão da justiça sem focar exclusivamente a chamada «justiça espetacular», a justiça altamente mediatizada,

porque, na verdade, os problemas que assolam a justiça são problemas do dia a dia e que ocupam 99% dos

trabalhos dos tribunais, dos funcionários, dos juízes, dos magistrados do Ministério Público.

Desse ponto de vista, Sr.ª Deputada, não há dúvida nenhuma de que fazemos bem se não falarmos da crise

da justiça exclusivamente para falar de casos de grande mediatização, mas analisando, precisamente, o

quotidiano do funcionamento do sistema judicial e avaliando as suas fragilidades imensas.

Temos um conjunto de preocupações grandes, que têm a ver não apenas com questões de natureza

processual, mas com a própria condição de funcionamento do sistema judicial. Portanto, a primeira reflexão tem

justamente que ver com isso, com essa necessidade de olharmos para a justiça de rotina, se quisermos dizer

assim.

Uma segunda nota, Sr.ª Deputada, é para focar aquilo que me parece ser absolutamente patente. Tanto

quanto conhecemos, a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção, que tem um interface enorme com o setor

da justiça, não contempla um instrumento imprescindível para uma estratégia contra a corrupção que se leve a

sério. Uma estratégia contra a corrupção que se leve a sério tem de ter no seu centro o «ir no rasto do dinheiro».

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Alguns chamarão a isto populismo. Eu chamarei a isto determinação, contando que seja feito dentro dos trâmites

constitucionais, isto é, preservando, como deve ser, o princípio da presunção da inocência.

O Bloco de Esquerda deu hoje entrada de um projeto de lei justamente neste sentido.

O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Concluo, Sr. Presidente.

Gostaria de perceber qual é a orientação que o PAN tem para esta matéria.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do PAN.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, agradeço desde já as questões que me colocaram,

começando por responder à questão final.

O PAN não só acompanha como também dará entrada de uma iniciativa nesse sentido, porque

acompanhamos a leitura que faz, Sr. Deputado José Manuel Pureza. De facto, a Estratégia Nacional de Combate

à Corrupção deixa incompreensivelmente de fora a questão do enriquecimento ilícito. É certo que temos de

estudar qual a acomodação jurídica que deve condicionar esta atividade e este comportamento, nomeadamente

a não declaração de património ou de rendimentos, por exemplo, como a associação sindical dos magistrados

já veio defender, a par de mecanismos para rastrear e acompanhar a forma de obtenção daqueles rendimentos,

designadamente a não declaração de rendimentos expectáveis ou futuros, até porque a medida que foi tomada

a nível do IRS quanto à taxa adicional para os titulares de cargos públicos e altos cargos políticos não é suficiente

para dar resposta a esta problemática. Portanto, em relação a isso, Sr. Deputado, estamos plenamente

alinhados com o problema que urge resolver a nível do nosso direito.

Sr.ª Deputada Constança Urbano de Sousa, há um problema estrutural da justiça. Compreendo que, aos

seus olhos, possa parecer um discurso populista, mas esta é a questão que, lá fora, as pessoas querem ver

resolvida. Existe um problema estrutural ao nível da reforma do nosso sistema de justiça que urge corrigir. E a

Sr.ª Deputada talvez não tenha dado conta, mas, nas audições sucessivas que têm sido feitas à Sr.ª Ministra da

Justiça, a pergunta continua por responder. Quando perguntamos pelo pacto para a justiça e pelo facto de o

mesmo não estar a ser executado, a Sr.ª Ministra releva sempre a importância de darmos formas e ferramentas

para o trabalho dos magistrados.

E não estamos a desvalorizar a competência técnica dos Srs. Magistrados, seja do ponto de vista judicial ou

do próprio Ministério Público, estamos a falar de algo que consta do pacto para a justiça, que devia ter sido

efetivado e que os próprios autores judiciais reclamam e pedem, Sr.ª Deputada.

Não podemos esquecer-nos de que a corrupção e a ausência de mecanismos mais eficazes no combate ao

branqueamento de capitais têm um custo para o País: custa 18 000 milhões de euros ao País. Portanto, este é

um tema demasiado sério para não ser debatido, quer o chame de populista ou não. Não nos furtaremos a esse

debate, Sr.ª Deputada, e cá estamos para o fazer.

Em relação à pergunta que o Sr. Deputado do PEV colocou, não posso deixar de reforçar o que tem sido

uma preocupação clara do PAN no combate à questão dos vistos gold, não só em relação à apreciação

parlamentar que foi apresentada pelo Bloco de Esquerda, mas porque o PAN já apresentou também uma

proposta precisamente para pôr fim a esse regime, que achamos não só manifestamente desequilibrado e injusto

face ao acesso ao território nacional português, como temos em conta os riscos que existem, por via deste

regime, de corrupção e de branqueamento de capitais que conhecemos e que são manifestamente nefastos.

Sobre a questão dos vistos green, trata-se de uma proposta que o PAN apresentou na passada Legislatura

e que não tem intenção de retomar no presente mandato.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mónica Quintela, do Grupo

Parlamentar do PSD.

A Sr.ª Mónica Quintela (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, cumprimento a Sr.ª Deputada Inês

Sousa Real, agradecendo-lhe ter trazido a debate este tema, que me é particularmente caro, apesar das cautelas

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que se impõem e que temos de ter quando discutimos temas tão importantes a quente e a reboque de casos

mediáticos como os que todos nós conhecemos.

Precisamos de uma justiça célere, confiável, acessível e próxima dos cidadãos. Precisamos de uma reforma

estrutural da justiça. Precisamos da reforma que nunca tivemos.

Recordo que a justiça transitou do Estado Novo para a democracia sem qualquer alteração de fundo. A única

e mais marcante diferença foi a da autonomização das carreiras da magistratura do Ministério Público — que, à

data, não era magistratura — para a magistratura judicial. Mesmo assim, os juízes que julgaram e condenaram

nos tribunais plenários do Estado Novo, nos tribunais da PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado),

passaram incólumes para os tribunais atuais e continuaram a julgar sem qualquer juízo de censura ou ético.

Precisamos de reformar a jurisdição comum e, sobretudo, a falecida, morta, matada, «morrida» jurisdição

administrativa e fiscal.

O combate à corrupção é fundamental e constitui um pilar que escora uma sociedade sã e justa. O PSD tem

estado sempre à frente na apresentação de propostas construtivas que estribem a necessária reforma da justiça,

que inclui o combate à criminalidade económico-financeira, mas que vai muito para além dela.

Pergunto-lhe, Sr.ª Deputada: considera que é necessário fazer uma reforma estrutural da justiça e não só

com aquelas medidas que elencou ou basta-se com ajustes pontuais ad hoc ou avulsos, a reboque de casos

concretos e do mediatismo do momento?

Pergunto-lhe também o seguinte: a Sr.ª Deputada falou do pacto para a justiça. Sabemos que o pacto para

a justiça recolheu contributos dos vários atores e das entidades que operam no sistema judicial. Considera que

as propostas vertidas no pacto para a justiça fazem, enformam e servem todas elas para fazer a reforma da

justiça que se impõe e de que precisamos? Com que medidas é que o PAN concorda e quais as que não

subscreve?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira, do Grupo

Parlamentar do PCP.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, quero saudá-la pela sua

declaração política e pelo tema que trouxe a discussão.

Antes de entrar mais em pormenor sobre o tema que aqui nos trouxe, queria deixar duas notas introdutórias

muito breves. Primeiro, para saudá-la pela sua franqueza de reconhecer que o PAN não tem soluções para uma

boa parte dos problemas graves que o sistema de justiça atravessa, porque julgo que é dessa franqueza que

devemos partir para enfrentar os problemas sérios.

Perante as dificuldades que a Sr.ª Deputada identificou, também queria deixar-lhe outra mensagem: não

desista! Não desista, porque não é caso para isso nem é assim que a gente chega a algum sítio. Desde 2007

que o PCP anda a lutar pela criminalização do enriquecimento injustificado. Ainda não conseguimos, mas não

é por isso que desistimos. Ainda na semana passada apresentámos novamente um projeto para que a discussão

se inicie.

É preciso que não se desista deste combate, porque as questões do acesso à justiça e as questões da

realização da justiça são determinantes para qualquer sociedade, sendo determinantes, sobretudo, para quem

precisa de se fazer valer da justiça para garantir o respeito pelo exercício dos seus direitos.

Essa foi uma dimensão que esteve relativamente distante da sua intervenção, mas era sobre ela que gostaria

de colocar algumas questões. Isto, porque a justiça não é só para o combate ao crime e à criminalidade

económica e financeira em particular. Sobre essa matéria já tivemos oportunidade de fazer várias discussões,

quer a propósito do enriquecimento injustificado, quer a propósito das matérias relacionadas com os offshore,

bem como sobre matérias que têm que ver com a necessidade de aperfeiçoamento dos mecanismos jurídicos

e legais e ainda com os meios de que o sistema de justiça dispõe para combater a criminalidade, e não encontrei

assim tanta discrepância no posicionamento que o PAN e o PCP assumiram nas iniciativas de cada um.

Ainda assim, Sr.ª Deputada, queria colocar-lhe algumas questões em relação a dimensões da justiça que a

Sr.ª Deputada não abordou.

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Quanto à justiça laboral, Sr.ª Deputada, o PAN está ou não de acordo com a crítica que o PCP faz no sentido

de que é necessário assegurar aos trabalhadores meios mais eficazes, mais céleres e mais objetivos de

assegurar o respeito pelos seus direitos e pela garantia da sua defesa no acesso à justiça?

O Sr. Presidente: — Tem de terminar, Sr. Deputado. Já ultrapassou o tempo de que dispunha.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Vou terminar, Sr. Presidente.

Em matéria de arbitragem fiscal, o PAN está ou não está de acordo que o regime da arbitragem fiscal é um

regime de fuga à justiça, sobretudo de privilégios e de benefícios para os grandes devedores?

Para concluir, Sr. Presidente, em matérias relacionadas com a família e menores, há necessidade de

aprofundamento, de aperfeiçoamento do regime de acompanhamento de processos de promoção e proteção de

menores e da autonomização de crianças e jovens em risco. Sobre estas dimensões da justiça também gostava

de saber a opinião do PAN, agradecendo ao Sr. Presidente a sua tolerância.

Aplausos do PCP e do PEV.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do Grupo

Parlamentar do PAN.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, desde já, muito agradeço as questões que me foram

colocadas.

Sr.ª Deputada Mónica Quintela, é evidente que a reforma da justiça não se esgota apenas nos

megaprocessos que têm vindo a público, mas é uma dimensão importante da credibilidade e da eficácia da

justiça, porque tem um impacto na vida de todas as pessoas.

A Sr.ª Deputada referiu a dimensão do quotidiano da justiça. Mas não nos podemos esquecer que quando

temos um megaprocesso, como é a Operação Marquês, que levou mais de sete anos a ter uma acusação isso

é sintomático de que algo vai muito mal na justiça em Portugal.

Portanto, é evidente que tem de haver uma reforma. E não estamos a falar de decidir a quente ou de legislar

a quente porque, sendo precisos sete anos para haver uma acusação, já vai tarde o papel desta Assembleia

para revisitar, por exemplo, os prazos de prescrição, para revisitar o enriquecimento ilícito,…

A Sr.ª Mónica Quintela (PSD): — Os prazos de inquérito!

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Portanto, é evidente, Sr.ª Deputada, que há muito mais a fazer de forma

estrutural para que possamos, de alguma forma, contribuir para termos uma justiça mais célere, mais eficaz e

mais adaptada à complexidade de novos fenómenos de criminalidade. A justiça também deve ser algo em

constante adaptação e alteração e não algo estanque, não revisitável.

Para além destes megaprocessos, a Sr.ª Deputada colocou a questão relativa ao pacto para a justiça. Em

regra, concordamos com a generalidade do pacto para justiça, mas há matérias a que, evidentemente, o pacto

para a justiça não dá resposta.

Quando falamos no acesso ao direito e à justiça, o PAN já debateu e defendeu várias vezes que é

fundamental revisitar a tabela de honorários, sobretudo para aqueles que, de forma mais vulnerável, precisam

de aceder à justiça. Falo do próprio pagamento de honorários dos advogados, porque sabemos que em

processos mais complexos não faz qualquer sentido o atual regime em vigor. Portanto, o pacto para a justiça

não esgota todas as questões.

Isto entronca na questão colocada pelo Deputado do PCP. Dizer que o PAN não tem soluções, Sr. Deputado

João Oliveira, não corresponde ao que referi.

O PAN não sabe é como é que os nossos operadores judiciais têm trabalhado até aqui com os poucos meios

que têm ao dispor. Não sabe também como é que, estando o pacto para a justiça na gaveta, continua a haver

um esforço hercúleo diário de muitos dos nossos operadores, de muitos dos nossos investigadores, que

continuam, apesar de tudo, a fazer o seu trabalho e a tentar manter o pilar da justiça em funcionamento, um

pilar essencial para o nosso Estado de direito.

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Só que, lá está, o princípio da separação de poderes deve operar. Mas para que ele possa operar é

fundamental que não seja o poder político a negar os meios de que o operador judicial carece para poder efetivar

este mesmo pilar.

Em relação à questão concreta de que falou relativa à justiça laboral, o PAN está ao lado da ideia de pugnar

por uma justiça laboral mais eficaz. Dou-lhe um exemplo muito concreto: o facto de um trabalhador que queira

impugnar o despedimento não receber a sua indemnização não faz qualquer tipo de sentido, tendo em conta

até a morosidade, depois, dos próprios processos. Isto porque, como bem sabemos, não faz qualquer sentido

que uma pessoa fique numa situação de desemprego e não tenha sequer ao seu alcance a possibilidade de

fruir pelo menos de parte da indemnização para que possa, depois, enfrentar o processo judicial que tem pela

frente para impugnar o despedimento.

Este é, infelizmente, um entre muitos outros exemplos em que é absolutamente fundamental revisitar o

regime jurídico laboral, nomeadamente naquilo que é o direito de impugnação dos despedimentos.

Só para concluir, porque já ultrapassei o tempo de que dispunha, colocam-se muitos problemas não apenas

a nível da arbitragem fiscal, mas também da própria arbitragem, sobretudo quando é o Estado que está envolvido

na própria arbitragem.

O Sr. Presidente: — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo,

do Iniciativa Liberal.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Nunca houve um ano como

o de 2020. Nunca morreram tantos portugueses num só ano. Foram mais de 123 000 pessoas que nos deixaram

em 2020, 12 000 pessoas acima da média dos últimos cinco anos, e destas a COVID só explica um pouco mais

de metade.

Nunca os portugueses empobreceram tanto num só ano. O produto interno bruto caiu 7,6% em 2020. É uma

queda de cerca de 15 800 milhões de euros num só ano, um valor idêntico ao de cinco anos da «bazuca».

Nunca houve tanto sofrimento humano num só ano. Em relação a isto não há tantos números, é certo, mas

não é por isso que é menor o medo, a ansiedade, a depressão ou outras perturbações da saúde mental que se

abateram sobre milhares de portugueses.

Mas se 2020 foi mau, 2021 arrancou pior. Houve mais óbitos por COVID nos primeiros 110 dias deste ano

do que em todo o ano de 2020. As estimativas de quebra homóloga do PIB no primeiro trimestre rondam os 6%.

Os problemas de saúde mental, de atraso de aprendizagem dos mais jovens e de desesperança quanto ao

futuro crescem e acumulam-se.

Mas não é tudo. Ainda não são visíveis os profundos danos que a pandemia e a gestão desastrada deste

Governo provocaram no tecido económico e social do País. O fim das moratórias de crédito e dos apoios

extraordinários porão a nu a verdadeira dimensão da tarefa de recuperação que Portugal tem pela frente.

Um pouco por todo o lado encontramos legítimos motivos de preocupação quanto ao futuro. É agora, na hora

de começar a recuperação, que precisamos de esperança, uma esperança baseada numa visão de sociedade

e de economia diferentes daquela que temos tido há décadas e que é responsável pela nossa estagnação.

Deste Governo do PS, manietado na teia dos seus próprios interesses e estruturalmente avesso a qualquer

mudança que faça perigar a sua hegemonia, já ninguém espera nada, muito menos motivos de esperança. Mas

o Iniciativa Liberal quer dizer com clareza aos portugueses, aqui e agora, que há motivos de esperança.

Ultrapassada que seja a fase pior da pandemia, há motivos para acreditar num futuro melhor.

Esse futuro melhor para as atuais e para as futuras gerações está ao nosso alcance se soubermos aproveitar

as oportunidades que este momento também contém e se estivermos dispostos a abraçar a mudança que os

novos tempos exigem.

As oportunidades estão aí, mesmo se escondidas pela preocupação com a pandemia e pela devastação da

crise, e não as podemos desperdiçar. Alguém sábio disse um dia que as oportunidades nunca se perdem: se

não formos nós, alguém as aproveitará.

Desta vez, podemos ser nós a aproveitar a oportunidade, talvez única e irrepetível, de ultrapassar muitas das

barreiras e desvantagens estruturais que há décadas nos limitam como país.

A digitalização e a reconfiguração das cadeias logísticas podem representar o fim da desvantagem de sermos

periféricos em termos geográficos.

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O aumento da componente intelectual e intangível nas cadeias de valor pode representar o fim da

desvantagem de sermos pobres em recursos naturais.

A capacidade que tivermos de reter e atrair talento pode representar o fim da desvantagem de termos tido

historicamente, e cada vez menos agora, deficiências nas qualificações. E a capacidade que tivermos de atrair

investimento, nacional e estrangeiro, pode representar o fim da desvantagem de termos, há demasiado tempo,

empresas descapitalizadas e, como tal, incapazes de aproveitar esta oportunidade única de que estamos aqui

a falar.

Neste mundo novo que a pandemia veio revelar, Portugal pode e deve ter mais ambição, pode ganhar escala

em vários domínios e, com isso, criar oportunidades para que os jovens possam subir na vida a trabalhar em

Portugal.

Acreditamos que tudo isto é possível. Infelizmente, é claro que não será possível com um governo do PS,

porque se fosse o Plano de Recuperação e Resiliência não tinha sido desenhado como foi. Tal como está,

percebe-se que a recuperação é para o Estado e a resiliência é aquilo de os cidadãos e as empresas privadas

bem vão precisar. Bem vão precisar porque são o parente pobre do plano.

O Governo percebeu o erro do plano inicial e bem tenta agora fazer malabarismo com as contas e apresentar

5000 milhões de euros, quase o dobro da versão anterior e ainda assim menos de um terço do total, dirigidos

aos privados. Mas quando se vê o detalhe e se exclui aquilo que será investido para cumprir regras que não

havia, aquilo que não terá impacto na produtividade e aquilo que só terá impacto daqui a duas ou três gerações,

só sobram duas parcelas que revelam o PS em todo o seu esplendor estatista.

Primeiro, sobram as medidas para reduzir uma série de custos de contexto na justiça, na segurança social e

na relação entre cidadãos e o Estado, todas elas importantes, mas em que o PS se esquece de mexer no custo

de contexto maior e mais importante de todos: os impostos. O Estado mexe em tudo menos naquilo que lhe toca

no bolso.

Segundo, sobram as medidas de capitalização das empresas, fundamentais para que estas possam

aproveitar as oportunidades. Ficam entregues a quem? Ao já famoso Banco de Fomento, o tal que deveria estar

a funcionar há mais de um ano e cuja competência para estimular, analisar, selecionar e acompanhar projetos

de investimento que se pretendem inovadores é, basicamente, nula.

Terceiro, ainda estamos para ver se o Portal da Transparência, aprovado aqui na Assembleia da República

por proposta nossa, vai ter as características que dissemos que eram essenciais para evitar o compadrio e a

incompetência. Se assim não for, estaremos daqui a uns anos a lamentar mais uma montanha de dívida pública

acumulada para investir em projetos sem retorno, como já avisou o próprio Prof. Costa e Silva. Se assim não

for, vamos, na prática, perder esta oportunidade.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, Portugal pode, de facto, aspirar a um futuro melhor, desde que, como já

disse, saibamos aproveitar a oportunidade única que este momento representa e saibamos abraçar a mudança

que os novos tempos exigem. E essa mudança pode começar por fazer de Portugal um país mais liberal.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, a Mesa regista duas inscrições para pedidos

de esclarecimento, do PSD e do PS. Como pretende responder?

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, responderei em conjunto.

O Sr. Presidente: — Muito bem. Dou então a palavra ao Sr. Deputado Jorge Mendes, do Grupo Parlamentar

do PSD, para formular o primeiro pedido de esclarecimento.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Salgueiro Mendes (PSD): — Saúdo o Sr. Presidente, caras e caros Deputados, saúdo o

Iniciativa Liberal, na pessoa do Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, pelo tema a debate, o PRR, assunto

da máxima importância, da maior oportunidade e de grande preocupação para o PSD e para os portugueses.

O PRR — Plano de Recuperação e Resiliência, versão de 2 de fevereiro de 2021, referia: «Perante os graves

impactos da pandemia nas economias europeias foi criado um instrumento comunitário estratégico de mitigação

do impacto económico e social da crise». Logo, digo eu, o PRR continua a ser, no papel, um programa de

resposta à crise, tal como na versão 1, de outubro de 2020, e na versão 3, de abril de 2021.

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Mas, assim sendo, onde está a execução? Então, vejamos os discursos: era no verão de 2020; era para ser

no início de 2021; agora fala-se no verão de 2021. A questão que devemos colocar é se será ainda em 2021

que vamos ter execução do PRR.

Mas, Sr.as e Srs. Deputados, o turismo e atividades conexas — a restauração, a hotelaria e o comércio —,

setores muito penalizados pela atual crise económica e social, deveriam estar em destaque nas preocupações

do PRR. Mas não, elas estão remetidas, sobretudo, para a transição digital e ecológica, e muito pouco para um

setor que representava 12% do PIB e 10% do emprego, determinante para a recuperação económica e social

de Portugal, num país em que os apoios do Estado ficam e têm ficado aquém da prática europeia, num país que

necessita, e muito, mais do que outros, de fundos europeus.

Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, quero colocar-lhe duas questões, neste momento: comunga ou não

desta visão? Comunga de que a resposta e os apoios do PRR aos problemas do turismo, da hotelaria da

restauração e do comércio estão muito aquém das necessidades destes e do País, em especial nas zonas de

fronteira? Quase que poderia antecipar a sua resposta, dada a sua relevante experiência no Turismo de

Portugal, mas aguardo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Hugo Costa,

do Grupo Parlamentar do PS.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Hugo Costa (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, cumprimento o Sr. Deputado João Cotrim

de Figueiredo pela escolha do tema e quero dizer que concordamos que é necessário ter esperança, só não

concordamos com a esperança de um futuro liberal, porque ele, certamente, não será um bom futuro para

ninguém.

Já que o Partido Social Democrata aqui veio falar do atraso, sendo uma matéria europeia e atendendo a que

a Presidente da Comissão Europeia e a maioria dos governos europeus são da família política do PSD,

apelamos a que o PSD, também junto da sua família política, apele a que os governos andem depressa, até

porque o Governo português é dos governos que mais tem o trabalho feito em relação ao Plano de Recuperação

e Resiliência. Por isso, certamente que na família política do PSD existe muita responsabilidade para que o PRR

esteja atrasado.

Em relação aos temas que aqui colocamos também é importante perceber que o PRR nunca poderá ser visto

sozinho. Temos de olhar para o PRR em complemento com o plano do novo Quadro Comunitário de Apoio — e

estamos a falar de 33,6 mil milhões de euros, um valor substancialmente superior ao do Plano de Recuperação

e Resiliência, que é de 13,9 mil milhões de euros —, mas também em conjunto com os 11,2 mil milhões de

euros que ainda faltam executar do Portugal 2020. Portugal estava muito atrasado em várias matérias e a área

das empresas, de que aqui tanto falam, é logo o ponto em que está mais atrasado. Mas também temos de

considerar os 2000 milhões de euros do REACT, que é realmente o que tem permitido responder às empresas,

é o que financia o famoso Programa APOIAR, e estamos a falar de mais de 900 milhões de euros a fundo

perdido para as empresas.

Em relação às empresas, Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, 4,9 mil milhões de euros é o valor alocado.

Este é um valor substancialmente assim tão baixo, comparado com outros quadros comunitários de apoio? Faça

a comparação com outros quadros comunitários de apoio. E de que é que o Sr. Deputado discorda? Discorda

da transição digital? Discorda da resiliência? Discorda da coesão territorial?

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado, por favor.

O Sr. Hugo Costa (PS): — Ou discorda, também, do investimento no Serviço Nacional de Saúde? Bem sei

que prefere a saúde privada, mas será que é disso que discorda, Sr. Deputado?

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: — Para responder aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado João

Cotrim de Figueiredo, do Iniciativa Liberal.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, muito agradeço as perguntas dos Srs. Deputados

Jorge Mendes e Hugo Costa.

O Sr. Deputado Jorge Mendes traz aqui uma questão muito interessante sobre o setor turístico e, antes disso,

falou das dificuldades que há em prever o real calendário de execução do PRR, já várias vezes adiado, algumas

por culpa de Bruxelas, outras por culpa do Governo português. Mas atrevo-me a dizer, Sr. Deputado, que mais

do que o calendário de execução, em concreto, preocupa-me que, no dia em que arrancar, a estrutura prevista

para acompanhar este PRR seja manifestamente insuficiente. Ainda por cima, como diz o Sr. Deputado Hugo

Costa, e muito bem, não é só o PRR que está em questão. Os outros quadros comunitários de apoio — o que

há de vir e o que está a acabar — e o REACT, todos juntos, obrigam a uma capacidade de processamento,

análise e seleção de mais do triplo do que os quadros comunitários anteriores a que estamos habituados. Não

está previsto qualquer reforço do mecanismo de análise e seleção dos projetos e, no entanto, estamos à espera

que eles corram melhor do que o que tem sido uma história, diga-se, não muito feliz, de aplicação de fundos

estruturais no passado.

Concretamente em relação ao setor do turismo, um setor que tanto me diz, como referiu, pergunta-me se os

apoios são suficientes. Não, não são. Porquê? E respondendo também em parte ao que me perguntou o Sr.

Deputado Hugo Costa, não é que eu esteja em desacordo com a transição energética ou digital, o que acho é

que isto não pode ser imposto de cima para baixo, porque países como Portugal e setores como o do turismo

foi na base que se fizeram e não por determinação do governo ou por um plano centralizado. Isto não é um

soviet — ainda! — e se depender de nós não o será tão cedo.

Portanto, o turismo foi fundamental para a recuperação da economia portuguesa e continuará a sê-lo se lhe

derem a importância que merece, e essa não pode ser dirigida de cima para baixo. Digo apenas que no caso

concreto do turismo vai ser preciso muito mais do que dinheiro, vai ser precisa uma visão inteligente de como

recuperar o turismo. Noutro dia perguntei aqui ao Sr. Ministro da Economia qual era a integração dos planos de

recuperação do turismo com os planos de vacinação e ele disse-me: «Não tenho nada que ver com isso!»,

quando toda a gente sabe que o principal critério para viajar para qualquer país durante este verão vai ser a

existência de uma taxa elevada ou baixa de vacinação. É este tipo de visão e de visão horizontal dos problemas

que tem faltado.

Finalmente, não resisto, Sr. Presidente, a dizer o seguinte: o Sr. Deputado Hugo Costa diz que o futuro liberal

seria péssimo. Sr. Deputado, confio mais em si do que isso. Reconheço-lhe capacidades para saber que o seu

mérito, numa sociedade verdadeiramente liberal, o levaria muito mais longe e a situações muito mais

interessantes do que à bancada parlamentar do PS.

Risos do PSD.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, vamos passar ao ponto seguinte, a apreciação da Petição n.º

38/XIV/1.ª (Afonso Maria Ribeiro Rosa Moreira Pires e outros) — Contra as obras para fechar a baixa de Lisboa.

Este parece-me ser um assunto mais do âmbito de uma assembleia municipal do que da Assembleia da

República, mas, de qualquer forma, havendo inscrições, estas serão aceites.

Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do PAN, tem a palavra para intervir.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, tendo sido admitida a petição não nos faria qualquer

sentido não saudarmos os peticionários, bem como, evidentemente, não nos manifestarmos em relação ao

conjunto de preocupações que trouxeram à Assembleia da República.

Desde logo, a petição é pertinente na dimensão do Município de Lisboa e, evidentemente, também poderia

ser discutida na Assembleia Municipal de Lisboa, mas não podemos deixar de referir que é importante

pensarmos não apenas nas condições de mobilidade a nível intermunicipal mas também nacional. Portanto, a

Assembleia da República também tem um papel relativamente aos incentivos, aos apoios e às próprias

competências que, depois, delega nas autarquias, acautelando de alguma forma as preocupações dos cidadãos.

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Neste sentido, esta opção de fecho da Baixa lisboeta, que foi bastante polémica e que, evidentemente,

também está datada nesta petição, não deixa de ser uma preocupação pertinente. É inegável a necessidade de

reduzir o tráfego automóvel dentro da própria cidade de Lisboa, seja pelo combate às alterações climáticas, seja

pela melhoria da qualidade do ar, que, bem sabemos, custa ao País, anualmente, cerca de 7000 mortes

prematuras e cerca de 1000 milhões de euros ao Serviço Nacional de Saúde de forma mais direta. Assim,

achamos que o executivo municipal deveria ter feito um melhor planeamento da necessária articulação da cidade

com os diferentes planos, incluindo os planos da mobilidade suave ou pedonal, evidentemente sem prejudicar

quer os moradores, quer os próprios comerciantes, que é algo que não tem vindo a acontecer.

As obras públicas, em particular as que servem as cidades, devem ser claramente articuladas, até porque,

havendo dinheiro, é importante que este seja gasto naquilo que faz, efetivamente, falta às populações e que não

seja desperdiçado em obras megalómanas ou utópicas que só servem os próprios autarcas e não servem os

seus munícipes.

No demais, quero saudar e acompanhar, evidentemente, a ação dos peticionários, agradecendo por trazerem

à Assembleia da República uma preocupação que, sendo da cidade de Lisboa, não deixa de ser também uma

preocupação da qual todos e todas nós não devemos estar alheados, enquanto membros eleitos.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, por Os Verdes, a Sr.ª Deputada Mariana Silva.

A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Antes de mais, Os Verdes querem

cumprimentar os mais de 4000 peticionários que assinaram a petição Contra as obras para fechar a Baixa de

Lisboa, que é hoje objeto de discussão. Apesar de esta questão ser da responsabilidade municipal, ela remete-

nos para algumas considerações sobre o desenvolvimento das cidades, uma ideia que, muitas vezes, vem

acoplada a supostos argumentos de sustentabilidade e de proteção ambiental.

Há alterações significativas no dia a dia de uma grande cidade que devem ser estudadas e pensadas em

conjunto com a população. As grandes cidades estão sobrecarregadas pelos veículos individuais, que as

percorrem todos os dias, conduzidos por pessoas que precisam de ir trabalhar, de levar os filhos à escola, de

prestar apoio a familiares, de aceder aos serviços públicos, em suma, por pessoas que precisam de se deslocar.

Só uma oferta alargada de transportes públicos que respondam às necessidades de quem vive ou trabalha

nos centros das cidades ou de quem a esta acede regularmente poderá dar as respostas às questões da

mobilidade. Esta opção tem de ser acompanhada por preços acessíveis, matéria relativamente à qual demos

passos numa boa direção com o PART (Programa de Apoio à Redução Tarifária nos Transportes Públicos), que,

pelo imediato aumento da procura, fez cair facilmente por terra o argumento de que as pessoas preferem o carro

individual aos transportes públicos.

O problema é que a decisão de tantos de optar pelo transporte público não foi acompanhada pelo reforço de

carruagens de metro, de comboio, de barcos e até de autocarros. E, afinal, a opção não é das pessoas, é do

poder político que não quer apostar numa rede eficiente e a preços justos como medida essencial de mobilidade

e como medida de proteção ambiental e de mitigação das alterações climáticas.

É também indispensável que a oferta de serviços públicos essenciais não seja absolutamente concentrada,

com o encerramento de escolas, de unidades de saúde, de serviços da Administração Pública, de postos de

correio, de balcões bancários, de estruturas de cultura e lazer, nas periferias e no mundo rural, o que obriga as

pessoas a deslocarem-se para os centros. As cidades deverão ser espaços vivos, habitados, com condições

para poder circular a pé, de bicicleta, com carrinhos de bebé, com condições que permitam a quem tenha

mobilidade reduzida poder deslocar-se sem constrangimentos na cidade onde vive ou escolheu viver.

Sr.as e Srs. Deputados, desconfiamos de cidades que expulsam quem não tem dinheiro para pagar rendas

exorbitantes, quem não pode comprar carros recentes, mesmo sabendo que o número de viaturas novas tem

vindo a aumentar consideravelmente, e que expulsam quem não tem resposta de transporte público. É preciso

derrubar barreiras arquitetónicas para que o direito à mobilidade possa ser uma realidade. É preciso garantir a

mitigação das alterações climáticas, a procura de uma cidade sem poluição sonora, sem poluição do ar, cujo

excesso agrava os problemas de saúde e os problemas ambientais, sem poluição visual, feita em conjunto com

as respostas das populações, para que a cidade seja de todos e não apenas dos que lá podem viver.

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O Sr. Presidente: — Tem a palavra, pelo Grupo Parlamentar do PS, a Sr.ª Deputada Alexandra Tavares de

Moura.

A Sr.ª Alexandra Tavares de Moura (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Cumprimento e

agradeço, naturalmente, aos subscritores da petição que hoje analisamos e discutimos e que nos convoca para

uma reflexão muito mais profunda sobre o que queremos do futuro das nossas cidades.

Esta petição parece levantar uma discussão simples, que é se a rua A ou B se fecha ou não, se a rua A ou

B se torna ou não pedonável, mas a essência da discussão não é, efetivamente, esta. Hoje, discute-se como

queremos as cidades do futuro, como queremos que o nosso País construa o futuro dos nossos filhos e dos

nossos netos. Sabemos que, em todo o mundo, em cada 10 pessoas, 9 respiram ar poluído; sabemos que 7

milhões de pessoas morrem prematuramente, todos os anos, como consequência da poluição atmosférica;

sabemos que a poluição do ar causa cerca de 24% das mortes por doenças cardiovasculares e 29% dos cancros

do pulmão. Estima-se que, em Portugal, cerca de 6000 pessoas morram por causa dos efeitos das partículas

finas e do dióxido de azoto.

Estes são os dados e é por isso que temos de repensar a estratégia de desenvolvimento das nossas cidades,

dos espaços onde vivemos, dos espaços onde trabalhamos, onde crescemos e onde brincamos. E como pode

promover-se essa mudança? A cidade de Lisboa fez uma opção: escolheu reduzir as emissões numa das zonas

nobres da cidade, estabeleceu como objetivo reduzir 60% das emissões de dióxido de carbono até 2030 e na

neutralidade carbónica até 2050. A escolha da área não é, obviamente, casual. Fizeram-no porque esta área

tem uma boa cobertura de transporte públicos: duas linhas de comboio, duas linhas de metro, duas estações

fluviais, quinze carreiras da Carris, 10 praças de táxi e mais de 5000 lugares em parques de estacionamento.

O Sr. João Paulo Pedrosa (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Alexandra Tavares de Moura (PS): — Lisboa, assim, consegue cerzir a sua obrigação de construir

um espaço mais sustentável, ambientalmente mais seguro e mais saudável, com a obrigação de detenção

pública do transporte público, promovendo o seu uso e garantindo também a sua sustentabilidade financeira.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Neste mês em que celebramos Abril, celebramos também a força do

poder local. Essa celebração lembra-nos, a todos, que a nossa Constituição, a Constituição da República

Portuguesa, consagra as autarquias como órgãos representativos que visam a prossecução dos interesses

próprios das respetivas populações, dispondo de poder regulamentar próprio. Para o Grupo Parlamentar do PS,

o poder local é proximidade, reabilitação, valorização do espaço público como espaço de todos e como espaço

para todos e é nesse respeito constitucional que analisamos esta petição.

Sr. Presidente, termino dizendo que este plano obedeceu aos procedimentos previstos da consulta pública,

como, aliás, foi referido pelo peticionário aquando da sua audição junto da Assembleia da República. Esta

certeza dá-nos a garantia de que o caminho, que naturalmente será afinado pela autarquia, é o caminho da

mudança com o respeito pelos valores da democracia participativa, dando assim oportunidade a todos de

participarem, de sugerirem alterações, criando uma cidade ambientalmente mais saudável para quem a habita

e para quem a visita.

Todos sabemos como é importante manter regalias no direito à habitação e, claro, no direito ao negócio, mas

estamos certos de que os direitos consagrados na Constituição da República Portuguesa serão respeitados e

não serão esquecidos pelo município de Lisboa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, pelo Bloco de Esquerda, a Sr.ª Deputada Beatriz Gomes Dias.

A Sr.ª Beatriz Gomes Dias (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Bloco

de Esquerda cumprimenta os peticionários que trouxeram a debate esta questão pertinente, porque tem que ver

com a organização das nossas cidades, em particular da cidade de Lisboa, e a mobilidade.

É importante dizer, como foi referido aquando da audição dos peticionários, que a matéria em causa está

apenas dependente da decisão municipal, não tendo a Assembleia da República competência na matéria em

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discussão. Importa também assinalar que o projeto que deu origem a esta petição acabou por ser colocado em

suspenso, não se conhecendo, até à data, previsão de quando irá avançar concretamente. No entanto, a petição

traz a debate questões importantes para o espaço público e para a mobilidade.

Lisboa é uma das cidades europeias mais poluídas. Todos os dias entram em Lisboa 380 000 carros que

libertam para o ambiente toneladas e toneladas de dióxido de carbono que contribuem para o aquecimento

global. Promover a neutralidade carbónica é uma urgência. Não podemos esperar mais!

Isto requer uma redução drástica do número de carros que entram na cidade. São necessárias medidas de

restrição à circulação automóvel, as pessoas devem poder deixar os carros em casa. Devemos avançar

rapidamente com a criação de quarteirões de emissão zero, podendo começar-se pelas zonas residenciais

consolidadas e que têm mais impacto na poluição, como o eixo da avenida da Liberdade. Mas concordamos

com os peticionários em que este objetivo não será alcançado sem uma maior e melhor oferta de transportes

públicos.

É essencial promover a confiança das pessoas nos transportes públicos coletivos e, para tal, é fundamental

a oferta de um serviço de qualidade, previsível, fiável e tendencialmente gratuito — podemos começar pelas

pessoas desempregadas —, que permita a quem vem de fora da cidade fazer as suas deslocações e a quem

vive na cidade deslocar-se sabendo que, em qualquer zona da cidade, há oferta de transporte público e que

essa informação é de confiança. Este aspeto também permite diminuir as desigualdades de oferta de transporte

nas zonas mais pobres. Nada disto pode ser feito sem um investimento público muito robusto e uma alteração

do paradigma do ordenamento do território nas cidades, por forma a torná-las mais amigas das pessoas e dos

transportes públicos.

A cidade deve ser pensada numa lógica de proximidade, em que as deslocações necessárias se encontram

acessíveis a alguns minutos de distância. Mais habitação acessível na cidade é também uma via para a redução

das deslocações entre a casa e o trabalho, que, hoje, são responsáveis pela brutal entrada de veículos de

transporte individual na cidade.

As áreas que deixam de ter circulação automóvel devem dar lugar a espaços públicos, a zonas verdes e a

zonas de comércio local. Esta medida protege a saúde pública, o ambiente e devolve o espaço público às

pessoas e a atividades sociais.

O Bloco de Esquerda, tanto no Parlamento, como na cidade de Lisboa, está empenhado em acompanhar

estes processos e em aprofundar a reflexão sobre os mesmos, para que existam soluções de longo prazo que

reduzam a poluição resultante da entrada de carros na cidade.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, pelo Grupo Parlamentar do CDS-PP, o Sr. Deputado Pedro Morais

Soares. Aproveito para o cumprimentar, pois ainda não tinha presidido a nenhuma sessão com a sua

intervenção.

O Sr. Pedro Morais Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, muito obrigado.

Começo por cumprimentar os 4746 peticionários desta iniciativa, em especial a pessoa do primeiro subscritor,

Afonso Maria Pires. Trata-se de uma petição contra as obras para fechar a Baixa de Lisboa.

Sr. Presidente, as obras para fechar ao trânsito a Baixa de Lisboa surgem numa pura propaganda socialista

que o Sr. Presidente da Câmara de Lisboa apresentou à comunicação social e apenas à comunicação social.

Vejamos, então. Em 31 de janeiro de 2020 foi anunciado que o projeto ZER ABC (Zona de Emissões

Reduzidas da Avenida Baixa-Chiado) previa um conjunto de intervenções relevantes no espaço público, que se

traduziam em alterações à circulação automóvel e pedonal, ao estacionamento e ao transporte público, nas

zonas da avenida da Liberdade, da Baixa-Chiado, da avenida Almirante Reis e zonas adjacentes. À data,

segundo o veiculado, previa-se a execução faseada do projeto e, em maio, iniciar-se-ia uma campanha de

informação e sensibilização em relação às novas regras de circulação e estacionamento, bem como o processo

de registo e de atribuição de dísticos aos residentes e de autorizações.

Em junho, as novas regras entrariam em vigor de forma pedagógica e, em julho, iniciar-se-ia a fiscalização

efetiva por parte da Polícia Municipal e da Polícia de Segurança Pública.

Mais tarde, em 3 de junho 2020, em plena pandemia, o Sr. Presidente Fernando Medina disse à comunicação

social que os projetos Lisboa Ciclável e A Rua é Sua, que incluem várias medidas que já faziam parte do projeto

ZER ABC não seriam cancelados, mas, sim, recalendarizados devido à pandemia COVID-19.

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Sr. Presidente, Srs. Deputados, os referidos projetos não chegaram a ser apresentados, formalmente, em

reunião de câmara, em sede de Assembleia Municipal, assim como não foi votada, nem apresentada qualquer

proposta a este respeito, demonstrando um total desrespeito para com os órgãos democrática e legitimamente

eleitos. Em nome da propaganda e da necessidade de mostrar trabalho, anunciou-se a proposta como se a

mesma estivesse definida, decidida, quando, na realidade, nem apresentada e, muito menos, discutida foi e nem

os residentes e os comerciantes foram ouvidos.

O CDS, Sr. Presidente, é favorável ao desenvolvimento das cidades inclusivas, aos diversos meios de

mobilidade, às cidades amigas do ambiente, à redução da pegada carbónica, mas, na Baixa de Lisboa, o

planeamento e a estratégia de mobilidade, como já aconteceu noutras zonas da cidade, não têm, de facto, sido

sucedidos de quaisquer alternativas razoáveis que permitam a escolha ou o incentivo de meios de mobilidade

coletivos e individuais que sejam mais amigos do ambiente.

Os transportes públicos em Lisboa, infelizmente, não funcionam, os atrasos são constantes.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Morais Soares (CDS-PP): — Termino já, Sr. Presidente.

Neste caso, em concreto, não existe, ainda, uma proposta efetiva que tenha assentado em estudos técnicos

ou ambientais que suportem essas opções, muito menos em audições ou pareceres sobre o modelo para esta

zona da cidade.

O Sr. Presidente: — Tem mesmo de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Morais Soares (CDS-PP): — Termino já, Sr. Presidente, dizendo que é um modelo que

condiciona as famílias que ali residem, que condiciona o pequeno comércio, ainda presente nesta zona histórica

da cidade, e procura fazer desta zona de Lisboa uma cidade só para alguns.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, isto não é a Assembleia Municipal de Lisboa, é a Assembleia da

República. Por muito que custe, porque há eleições autárquicas daqui a uns meses, peço às comissões que se

encarregam das petições para serem muito vigilantes em relação a isto, porque não faz sentido a Assembleia

da República estar a discutir o que se passa na rua A ou na avenida B, desta ou daquela cidade.

Lisboa não tem um estatuto diferente do resto das cidades do País.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Apoiado!

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Filipa Roseta.

A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Saúdo, acima de tudo, os peticionários

que estão aqui, hoje, com a petição contra as obras para fechar a Baixa de Lisboa.

É um facto que essa é uma responsabilidade da autarquia, mas, acima de tudo, agradecemos muito a vossa

luta e o vosso empenho em estar aqui hoje porque trazem aqui um problema muito interessante e que tem de

entrar na cabeça de todos.

Como é que se consegue pegar num princípio bom, que é acabar com a poluição, e executá-lo tão mal?

Como é que isso se faz?!

Isso tem de entrar na cabeça e é útil para todos, não só para Fernando Medina: as cidades do século XXI,

as cidades mais verdes, mais digitais, só se fazem com as pessoas, não se fazem contra as pessoas! Esse é o

princípio básico que o PSD tem defendido e que vai continuar a defender.

O que é que isso significa — não é só conversa, tenho seguido este caso, como sabem —, repito, o que é

que isso significa? O projeto é feito e é apresentado às pessoas e chamam-lhe participação pública, mas isso

não é participação pública! Participação pública é quando se constrói o programa, imersão total, desde o primeiro

minuto, com as pessoas, com os comerciantes, com os moradores, com as pessoas que trabalham. Antes de

fazer o projeto, antes de ir para o estirador, fala-se com as pessoas e constrói-se, com as pessoas, o programa

da cidade. É assim que se faz cidade, é assim que se faz espaço público.

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O que se fez aqui foi importar modelos de outros sítios e aplicá-los sem saber quem é que lá estava. É como

se eu comprasse um fato à distância, na Ásia, e achasse que ia servir à pessoa que lá mora. Obviamente, isso

não funciona, não serve. Temos de ouvir, ouvir, ouvir comerciantes, moradores e as pessoas que trabalham na

Baixa.

Ainda por cima, estamos a falar aqui da Baixa, da nossa Baixa Pombalina! A Baixa Pombalina que foi primeira

cidade verde, o primeiro jardim público, o primeiro plano de pormenor pensado, um património inacreditável, um

rasgo de modernidade em que conseguimos estar à frente de todos os outros.

Se, realmente, querem preservar a Baixa, porque é que deixaram cair a candidatura da Baixa a património

mundial da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura)? Porque é que

deixaram cair essa candidatura? Era uma candidatura inovadora e entendia a Baixa como um património vivo,

como foi desenhada e pensada, ou seja, como um património vivo onde as pessoas vivem, têm os seus

comércios, as suas casas e vão trabalhar.

Como é que isso se faz? Tem de ser com as pessoas, concordamos com isso, tem de se perceber as

necessidades, mas o que se passa na Almirante Reis é incompreensível! Portanto, volto a dizer que tudo isso

tem de ser feito com as pessoas que vão contribuir, vão ajudar-nos realmente a dignificar a Baixa Pombalina, a

Avenida da Liberdade e, também, a continuarmos com o pensamento pioneiro de Gonçalo Ribeiro Telles, de

quem assumimos, verdadeiramente, a herança. E chamo-o a esta discussão porque desenhou o Plano Verde

de Lisboa, imaginando-a como uma cidade verde num todo — já em 1967 estava a escrever sobre os problemas

da cidade verde—, e, obviamente, também porque foi fundador, com Francisco Sá Carneiro, da Aliança

Democrática, e foi ministro de Francisco Balsemão.

Vozes do PSD: — Bem lembrado!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Cá está a ligação à Assembleia da República.

A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — Assumimos o seu discurso na sua inteira integridade, pela simples razão de

que era isto que ele dizia: o ambiente, a cultura, a relação das pessoas com a cidade faz-se com elas e não

contra elas. É assim que se faz!

E é assim que Carlos Moedas tem falado todos os dias…

Protestos de Deputados do PS e do PCP.

… e é assim que ele vai continuar a falar até ao dia em que Lisboa tenha efetivamente novos tempos, nova

oportunidade e volte a ser colocada no patamar em que esteve.

O Sr. Jorge Costa (BE): — Gato escondido com rabo de fora!

A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — Uma coisa interessante, Srs. Deputados: Ursula von der Leyen apela-nos a

pensar numa nova Bauhaus europeia, numa cidade onde a cultura, ciência, progresso e economia estão juntos,

em nome de um mundo mais verde, mais sustentável.

O que eu gostava era que nós, todos juntos, disséssemos a Ursula von der Leyen que a Baixa Pombalina foi

a primeira Bauhaus europeia, séculos antes da que foi inventada no princípio do século XX e exterminada pelo

nacional-socialismo de Adolf Hitler.

A Baixa Pombalina foi a primeira Bauhaus europeia e nós vamos continuar a lutar para que ela exista e seja

salva em toda a sua dignidade e modernidade como primeira cidade verde de Portugal e como uma cidade

desenhada com as pessoas e não contra elas!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Duarte Alves, do PCP.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Ai do Moedas que não cumpra com o discurso!

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Risos.

O Sr. Presidente: — Peço que deem ocasião ao orador para orar.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Orador! Não vereador!

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por saudar os peticionários,

que tivemos oportunidade de ouvir na tramitação desta petição e que se manifestam contra a implementação,

por parte da Câmara Municipal de Lisboa — como foi aqui dito é um assunto eminentemente municipal —, de

zonas de emissão reduzida, com a intenção de proibir o trânsito automóvel em algumas zonas da cidade.

Entretanto, a autarquia já anunciou o adiamento dessa intenção, tendo em conta as consequências da

pandemia, o que significa que a discussão sobre esta medida prossegue, mas sendo uma questão que diz

respeito ao poder local é aí que o PCP tem afirmado a sua posição.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Muito bem!

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Entendemos que iniciativas como a implementação de zonas de trânsito

proibido ou restrito não podem ser assumidas sem considerar o seu enquadramento na política de mobilidade

das cidades, as garantias de acessibilidades para residentes e comércio, nem devem ser vistas como panaceias

milagrosas para os problemas da qualidade do ar. Importa ainda dizer que a cidade deve ser olhada como um

todo e não apenas restringindo as questões da qualidade do ar ao centro da cidade.

Há aspetos mencionados no texto da petição que remetem para questões mais gerais e que são abordáveis

no âmbito da Assembleia da República. Desde logo, cito os peticionários quando dizem que «a rede de

transportes públicos é miserável, pouco abrangente, repleta de atrasos e constantemente com falhas em

inúmeros pontos da cidade».

Essa é, de facto, a realidade e o problema é quando se pretende impor medidas proibitivas sem o

correspondente investimento no alargamento e melhoria do transporte público, como forma de reduzir o número

de carros na cidade.

Tendo em conta os resultados positivos de medidas como a implementação dos passes sociais a preços

reduzidos ou o PART, medida pela qual o PCP lutou durante anos, muitas vezes sozinho, e que foi a medida

que mais contribuiu para reduzir o número de carros nas cidades, é preciso ir mais longe.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Por isso, o PCP apresentou no Orçamento do Estado para 2021 uma proposta

para alargar a gratuidade do transporte público coletivo, começando pelas crianças e jovens até aos 18 anos, e

a redução de 50% do preço para maiores de 65, fixando como objetivo a gratuidade dos transportes coletivos,

uma medida que contribuiria, mais do qualquer outra, em Lisboa e em todo o País, para a redução das emissões

e da poluição do ar.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Esta proposta, a única apresentada nesse sentido, foi rejeitada com os votos

contra do PS e do Iniciativa Liberal e a abstenção do PSD e do CDS-PP.

Aquilo que podemos dizer aos peticionários é que continuaremos a intervir, na Assembleia da República e

também nas autarquias, por políticas de transporte que incentivem a utilização do transporte público, medidas

com resultados muito mais abrangentes do que as lógicas proibitivas desacompanhadas de soluções para os

problemas suscitados pelos residentes e comerciantes a que esta petição deu expressão.

Aplausos do PCP.

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O Sr. Presidente: — Vamos entrar no quarto ponto da nossa ordem de trabalho, com a apreciação da Petição

n.º 638/XIII/4.ª (SITAVA — Sindicato dos Trabalhadores da Aviação e Aeroportos) — Solicitam que as profissões

de operadores de assistência em escala e dos técnicos de tráfego de assistência em escala sejam qualificadas

como de desgaste rápido, juntamente com os Projetos de Resolução n.os 867/XIV/2.ª (BE) — Pela

regulamentação dos operadores de assistência em escala e dos técnicos de tráfego de assistência em escala e

1076/XIV/2.ª (PCP) — Definição e regulamentação de um regime laboral e de aposentação específico para os

operadores de assistência em escala e técnicos de tráfego de assistência em escala.

Para a apresentação destes projetos, terão a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Pires, do BE, e, depois, o Sr.

Deputado Bruno Dias, do PCP.

Faça o favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, em nome do Grupo

Parlamentar do Bloco de Esquerda queremos cumprimentar o SITAVA (Sindicato dos Trabalhadores da Aviação

e Aeroportos), o primeiro peticionário e o sindicato do setor de aviação e aeroportos, impulsionador desta petição

tão importante.

Apesar de falarmos de um setor que, atualmente, está muito afetado pela crise provocada pela pandemia, a

petição traz aqui alertas que vêm de muito antes e que merecem o nosso acompanhamento.

Nesta petição solicita-se ao Parlamento que as profissões de operador de assistência em escala e de técnico

de tráfego de assistência em escala sejam consideradas profissões de desgaste rápido, sendo invocadas três

razões essenciais: a pressão e o stress, o desgaste emocional e/ou físico e as condições de trabalho.

É referida a necessidade de níveis de concentração extremos, considerando o rigoroso cumprimento de um

conjunto de tarefas sem as quais um aeroporto não pode funcionar normalmente. Além do mais, falamos de

profissões às quais está associado o desgaste do trabalho por turnos, uma vez que esses trabalhadores podem

iniciar a prestação do trabalho a partir das três da manhã, tendo semanas em que concluem essa prestação

depois da meia-noite, em turnos com uma amplitude que pode chegar às 24 horas, sete dias por semana e 365

dias por ano, com um nível de exposição ao ruído e à poluição muito acima da média.

A acrescer a isto, a atividade profissional é desempenhada no exterior e está sujeita, por isso, a um conjunto

de adversidades climatéricas pouco comuns na generalidade das profissões. Aqui, o trabalho por turnos,

associado a profissões de uma exigência física e mental bastante elevada, já provou ser pernicioso para a saúde

dos trabalhadores. Aliás, esta Assembleia da República tem-se debruçado sobre esta mesma discussão e têm

surgido propostas para ajudar a colmatar as necessidades de quem trabalha com este regime, sendo que o

regime de profissão de desgaste rápido é uma das formas de proteger os trabalhadores.

O Bloco de Esquerda entende, e tem entendido, que é necessário garantir que os trabalhadores desenvolvam

a sua atividade em condições de saúde e segurança no trabalho e que exista uma regulamentação laboral da

atividade que o garanta. Esta regulação passa por um reforço da contratação coletiva, passa por acautelar uma

legislação do trabalho mais protetora dos trabalhadores, nomeadamente daqueles que trabalham por turnos,

por escalas, ou com horários noturnos e em profissões desgastantes.

É isso que temos proposto ao longo dos anos no Parlamento, em sucessivas iniciativas, com vista à alteração

do Código do Trabalho e da legislação da segurança social.

Sem prejuízo dessa alteração estrutural que temos vindo a propor, e pela qual continuamos a bater-nos,

entendemos que o Governo deve começar já a atuar no sentido de proteger os trabalhadores do desgaste

causado por esta profissão em concreto.

É de assinalar que continuamos sem notícias sobre o tal grupo de trabalho que o Governo criou e que iria

estudar a matéria das profissões de desgaste rápido. Estamos à espera de notícias há alguns anos e dizemos

novamente: não é aceitável continuar a fazer esperar indefinidamente esta e outras profissões por um estudo e

uma regulamentação que nunca chegam, porque estão sempre à espera de mais um grupo de trabalho, de mais

uma discussão.

É preciso agir, para evitar o risco de as consequências de longo prazo, essas, sim, já amplamente estudadas,

do trabalho por turnos e do desgaste das profissões, deixarem milhares e milhares de trabalhadores em

condições nada dignas. É esse o objetivo do projeto de resolução do Bloco de Esquerda que acompanha esta

petição e que esperamos possa ser aprovado.

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O Sr. Presidente: — Para apresentar o Projeto de Resolução n.º 1076/XIV/2.ª (PCP), tem a palavra o Sr.

Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Pela parte do PCP, a nossa primeira

palavra é de calorosa e solidária saudação a todos os trabalhadores do handling ou assistência em escala nos

aeroportos nacionais.

Saudamos a luta incansável dos trabalhadores do handling em defesa dos postos de trabalho, do próprio

futuro da sua empresa e do serviço, em defesa dos direitos e das condições de trabalho nas várias empresas

do setor.

E saudamos naturalmente o SITAVA — Sindicato dos Trabalhadores da Aviação e Aeroportos, que, há anos,

vem intervindo sobre os problemas dos trabalhadores deste setor e que, neste caso, traz à Assembleia da

República os problemas e as condições de trabalho, nomeadamente dos operadores de assistência em escala

(OAE) e dos técnicos de tráfego de assistência em escala (TTAE).

Foi assim que foi apresentada, por iniciativa do SITAVA, a petição agora em debate, com 5400 assinaturas,

e que motivou este agendamento juntamente com o Projeto de Resolução n.º 1076/XIV/2.ª, que o PCP, agora,

apresenta.

Ao longo dos anos, tem sido reconhecidamente verificada uma situação de cada vez maior desgaste e de

cada vez maiores dificuldades dos trabalhadores deste setor. E, entretanto, com o surgimento da crise

pandémica e das suas consequências no plano económico, os trabalhadores do setor têm vindo a ser

confrontados com o inaceitável ataque aos direitos.

Ora, no âmbito do trabalho que a Assembleia desenvolveu sobre esta petição do SITAVA, foram recebidos

documentos de empresas do setor, em que são as próprias empresas — e falamos, nomeadamente, do caso

da Groundforce e da Portway — a afirmar e a transmitir à Assembleia da República que, e passo a citar o

pronunciamento da Groundforce em relação aos OAE e TTAE, «além do esforço físico na execução das suas

tarefas diárias, estão sujeitos a uma forte pressão que dá origem a elevados picos de ansiedade e stress,

desgaste emocional e físico, bem como o despoletar de estados de sensação generalizada de fadiga e

persistente debilidade, que se agrava com o decorrer do tempo, contribuindo para o aparecimento de doenças

profissionais e a consequente degradação da qualidade de vida e saúde psíquica e mental».

Já da parte da Portway, o testemunho que é dado à Assembleia passa pelo seguinte: «De referir que o

aparecimento das companhias aéreas low cost veio potenciar o aparecimento de lesões musculoesqueléticas,

a que acresce uma grande probabilidade de ocorrência de acidentes de trabalho e de doenças profissionais.

Diga-se que o facto de as rotações serem muito curtas — entre 30 a 45 minutos —, associado ao stress próprio

da rapidez imposta pelas low cost, a que acresce o ambiente térmico — calor extremo na placa — e o descanso

deficiente provocam estados de fadiga com desgaste extremo, podendo ser a causa de diversos acidentes».

Srs. Deputados, é caso para dizer que a fadiga mata, mas a exploração também. E é, muitas vezes, na sobre-

exploração e nas inaceitáveis condições de trabalho que são impostas a estes trabalhadores, que as próprias

empresas vêm testemunhar, que está a origem, tantas e tantas vezes, dos problemas aqui apontados.

O PCP, ao longo dos anos, tem vindo a acompanhar a luta dos trabalhadores do handling, desde logo, no

que diz respeito ao processo de privatização, precarização, degradação das condições de trabalho no setor, que

se acentuaram com o recurso a empresas de trabalho temporário e outsourcing e com a celebração de vínculos

precários para necessidades permanentes, traduzindo-se numa degradação das condições de trabalho destes

profissionais, o que não pode ser desligado da evolução do setor quer na TAP (Transportes Aéreos

Portugueses), quer na ANA (Aeroportos e Navegação Aérea), quer na Groundforce, quer na Portway.

O que o PCP propõe a esta Assembleia é que sejam tomadas medidas para a definição e regulamentação

de um regime laboral e de aposentação específico para os operadores de assistência em escala e os técnicos

de tráfego de assistência em escala, considerando o especial risco e penosidade em que executam o trabalho

a que estão adstritos, em articulação com as organizações representativas dos trabalhadores, sem prejuízo de

disposições mais favoráveis previstas em instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: É inaceitável o processo tão moroso e a dificuldade que se está a verificar

em haver uma resposta por parte do Governo e das autoridades do Estado a este problema mais amplo e

transversal da questão do desgaste rápido.

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Mas é também politicamente significativo e verdadeiramente lamentável que o Governo nem sequer se tenha

dignado responder às diligências da Assembleia da República relativamente à petição agora em discussão. Não

podemos deixar de notar também sinais preocupantes relativamente à resposta que o Governo tem de dar, tarda

em dar e que deve dar o mais rapidamente possível.

Aplausos do PCP e do PEV.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do PAN.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por saudar os

peticionários, endereçando-lhes os nossos cumprimentos pelo facto de se terem mobilizado para assegurar o

reforço da proteção social dos trabalhadores operacionais de assistência em escala, por via do seu

reconhecimento enquanto profissão de desgaste rápido. Aproveitamos também para mostrar a nossa

solidariedade para com a situação difícil em que a atual crise sanitária colocou estes trabalhadores.

Já aqui foi referido o processo relativo aos trabalhadores quer da TAP quer da Groundforce, processo esse

que tem merecido a atenção desta Assembleia e, por essa razão, quero deixar aqui uma palavra a todas e a

todos os trabalhadores.

Em relação à matéria de fundo desta petição, não podemos deixar de referir que os trabalhadores

operacionais da assistência em escala são profissionais sujeitos a condições de trabalho muito penosas que,

entre outras coisas, incluem uma anormal exposição ao ruído, horários que começam muitas vezes de

madrugada, turnos que chegam a ter a duração de 24 horas seguidas, ritmos de trabalho necessariamente

rápidos, tempos curtos de rotação no chão e o transporte de cerca de 15 toneladas de carga por dia. Estão

igualmente sujeitos a mudanças climatéricas bruscas, já que veem, muitas vezes, o seu turno começar na

primavera e acabar, noutro lado do mundo, no outono, tudo no mesmo dia e tendo, em simultâneo, de assistir

mais de 600 passageiros.

Tudo isto tem consequências na vida e na saúde destas pessoas. A conciliação da vida profissional com a

vida familiar torna-se uma miragem e pode mesmo dizer-se que a vida familiar se torna para estes profissionais

uma prioridade eternamente adiada. Ao nível da saúde, estes profissionais têm inúmeros problemas que vão

desde problemas auditivos a problemas na zona lombar ou a problemas de saúde mental.

É, pois, mais do que justo que venha a ser qualificada esta profissão como sendo de desgaste rápido. Aliás,

esta não é uma discussão nova na Assembleia da República. Votaremos, por isso, a favor dos dois projetos de

resolução em discussão, não deixando, no entanto, de apelar a que, ao contrário do que aconteceu em

momentos anteriores, se façam avanços nesta matéria.

O PAN lembra, por isso, nesta ocasião, que há outras profissões que merecem ser igualmente qualificadas

como sendo de desgaste rápido, debate que inclusivamente também já aconteceu nesta Assembleia. É o caso

dos enfermeiros, dos médicos, dos professores, dos carteiros, dos profissionais das forças e serviços de

segurança ou dos trabalhadores de call center, sendo imperioso que exista uma visão e um consenso mais

alargados e que se revisite as profissões consideradas como de desgaste rápido.

Nenhum destes profissionais pode ser prejudicado em relação aos demais, sob pena de se criarem novas

desigualdades. Por isso mesmo, em duas ocasiões, o PAN já propôs que fosse constituído, neste ano, um grupo

de trabalho que identificasse todas as profissões de desgaste rápido e lhes concedesse os inerentes direitos

desse mesmo reconhecimento, de modo a que os trabalhadores operacionais da assistência em escala e outros

profissionais vissem, finalmente, valorizado e reconhecido o seu esforço.

O Sr. Presidente: — Queira terminar, Sr.ª Deputada,

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Termino já, Sr. Presidente.

Se tal não aconteceu, foi porque esta proposta foi chumbada, por duas vezes, com o voto contra do PS e as

abstenções do PSD, do PCP e do PEV, com o BE e o IL a votarem a favor, num caso, e, noutro, a absterem-se.

Mas o PAN continuará a defender esta luta.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Germana Rocha, do PSD.

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A Sr.ª Maria Germana Rocha (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo, naturalmente, por

saudar, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, os mais de 5000 subscritores da petição em apreço, que

solicitam que as profissões de operadores de assistência em escala e dos técnicos de tráfego de assistência

em escala sejam consideradas como de desgaste rápido, cumprindo aqui enaltecer esta forma de participação

cívica que contribui, sem dúvida alguma, para o aprofundamento da nossa democracia.

Nesse sentido, os peticionários identificam um conjunto de fatores e condições de trabalho que consideram

determinantes para a atribuição desta qualificação ao desenvolvimento das suas profissões.

Esta matéria tem sido alvo de recorrentes discussões neste Parlamento, no que diz respeito a diversos

profissionais que têm vindo requerer este estatuto. Por isso mesmo, já era mais que tempo de o Governo, de

uma vez por todas, passar das promessas aos atos,…

O Sr. Adão Silva (PSD): — Muito bem!

A Sr.ª Maria Germana Rocha (PSD): — … pois de boas intenções está o inferno cheio,…

O Sr. Adão Silva (PSD): — É verdade!

A Sr.ª Maria Germana Rocha (PSD): — … concretizando a definição de regras claras e objetivas que

possam determinar, de forma justa e rigorosa, quais as profissões que se enquadram neste regime.

O PSD entende que esta é uma matéria sensível que carece ser devidamente analisada e estudada com

critérios justos e equitativos, aplicáveis às diferentes profissões, e que não pode ser tratada com meras medidas

avulsas e pontuais, podendo, com isso, estar a criar situações de injustiça e desigualdade para os respetivos

trabalhadores.

A pandemia que vivemos veio evidenciar múltiplas fragilidades, incluindo as existentes nas condições de

trabalho em que são desenvolvidas diversas profissões.

Mas, apesar disso, a Sr.ª Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, quanto à pretensão destes

trabalhadores, mais uma vez, não responde, desrespeitando o Parlamento, mas, sobretudo, estes

trabalhadores.

A Sr.ª Clara Marques Mendes (PSD): — Isso mesmo!

A Sr.ª Maria Germana Rocha (PSD): — Impõe-se, por isso, que o Governo dê uma resposta rápida e eficaz

não somente a esta situação, mas a todas as outras já apresentadas, analisando as condições em que cada

uma é desenvolvida mediante uma análise rigorosa e nunca de forma arbitrária, determinando, assim, se devem

ou não estas profissões ser classificadas como de desgaste rápido.

A este propósito, os partidos da esquerda rejeitaram, há cerca de um ano, a criação de um grupo de trabalho

para este efeito, alegando o Partido Socialista que o Governo já estaria a tratar do enquadramento necessário

para esta matéria, mas o que é certo é que, até agora, nada resolveu, como, aliás, há muito nos habituou, não

só nesta como noutras matérias.

Sr.as e Srs. Deputados: É preciso encarar cada profissão como ela é, com as suas caraterísticas,

especificidades e dificuldades próprias, tratar de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente,

estabelecendo regras e critérios objetivos, para que todas as situações sejam enquadradas de forma correta e

justa para os trabalhadores em causa, sendo para isso necessário que cada um dos intervenientes assuma as

suas responsabilidades.

Todas as profissões merecem o nosso respeito e devem ser tratadas tendo em conta as suas especificidades

e abrangências e naturais consequências no que diz respeito aos respetivos deveres, mas também aos seus

direitos ao nível da atribuição da idade e condições da respetiva reforma que é o que está aqui em causa.

Mas obviamente que de nada servirá essa atribuição, se os serviços do Estado, competentes para o efeito,

continuarem, de forma inaceitável, a atrasar o processamento dessas reformas e pensões e a não tratar os

trabalhadores com a transparência, a seriedade e o respeito que merecem, cumprindo com os prazos

estipulados pela legislação aplicável, por forma a não prejudicar os cidadãos nos seus mais elementares direitos.

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Portanto, cumpre ao Governo deixar de empurrar com a barriga e decidir, mas decidir de acordo com o

interesse dos trabalhadores e dos portugueses, como lhe compete.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Morais Soares, do Grupo

Parlamentar do CDS-PP.

O Sr. Pedro Morais Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quero, em primeiro lugar,

saudar os 5400 subscritores da petição e, de um modo particular, o primeiro subscritor, o SITAVA.

Infelizmente, Sr. Presidente, temos a arrastar-se, neste Parlamento, uma situação lamentável em relação ao

tratamento de questões como aquela que nos trazem, que tem que ver com o desgaste rápido e as condições

especiais que se devem aplicar a determinadas profissões, fruto dessa característica do desgaste rápido das

mesmas.

Este é, indiscutivelmente, o caso dos operadores de assistência em escala e dos técnicos de tráfego de

assistência em escala e, em especial, da questão dos turnos, que promove, de facto, um desgaste superior.

Por isso, entendemos que, sem se desbloquear esta situação, é impossível resolver-se os problemas de

cada uma destas profissões. Porquê? Porque não é possível, Sr. Presidente, manter a coerência tratando cada

um destes casos de forma avulsa.

Se tratarmos cada um destes casos num processo legislativo autónomo, mais cedo ou mais tarde, Sr.

Presidente, estaremos a dar a umas profissões aquilo que não estamos a dar a outras. Ao contrário, e muito

pior, estaremos a tirar a umas profissões aquilo que estamos a dar a outras, havendo, nesses casos, uma

injustiça relativa.

Sr. Presidente, qual é a única maneira, no entender do CDS, de tratar esta matéria? É, de facto, termos um

chapéu, uma legislação geral, uma tabela que indique como é que se deve avaliar cada uma das profissões,

para que tenham acesso a condições especiais, que podem ser de antecipação da idade da reforma, de

majoração da mesma, de dias de descanso; pode ser de uma série de condições que tenham a ver com a

especificidade de cada uma das profissões.

Por isso é que, no CDS, não nos limitamos a dizer isto só para ser simpáticos com os peticionários que nos

trazem estas questões.

O CDS apresentou um projeto ao Governo, Sr. Presidente, porque é através do Governo e da informação

que só o Ministério do Trabalho tem sobre cada uma destas profissões que se deve iniciar um processo

legislativo sobre esta questão.

É muito difícil para o Parlamento ter a iniciativa não tendo essa informação por parte do Ministério do

Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, que, pura e simplesmente, continua a não responder.

Portanto, neste momento, em defesa destes trabalhadores, é caso de exigir, mais uma vez, ao PS que

cumpra aquilo que disse porque, se não o fizer, está, mais uma vez, a deixar estes trabalhadores para trás.

Há cerca de um ano, o Partido Socialista disse que não acompanhava a iniciativa do CDS, que propunha a

criação de um grupo de trabalho para a regulamentação das profissões de desgaste rápido, não por discordar

da proposta, não por não a achar meritória, mas por considerar que, em maio de 2020 — em maio de 2020! —

o Governo já tinha em curso um processo idêntico àquele que o CDS propunha, pelo que seria uma absoluta

redundância.

É lamentável, Sr. Presidente, que, passado um ano, esteja tudo na mesma. E não venham dizer que agora

a culpa é da pandemia, da COVID-19, que não serve para tudo, Srs. Deputados.

É inaceitável que os deixem para trás, mas pior ainda que os deixem para trás desta forma perversa,

chumbando iniciativas…

O Sr. Presidente: — Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Morais Soares (CDS-PP): — Termino já, Sr. Presidente.

É inaceitável que os deixem para trás desta forma perversa, chumbando iniciativas de outros partidos, que

tentam resolver o problema, dizendo que estão a fazer alguma coisa nesse sentido e não fazendo rigorosamente

nada.

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O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado José Luís Ferreira, de Os Verdes.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As minhas primeiras palavras são

para, em nome do Grupo Parlamentar de Os Verdes, saudar os milhares de cidadãos que subscreveram a

petição que agora estamos a discutir, bem como o Sindicato dos Trabalhadores da Aviação e Aeroportos, o

SITAVA, que a promoveu e dinamizou.

Através desta petição, solicitam os peticionantes que as profissões de operadores de assistência em escala

e dos técnicos de tráfego de assistência em escala sejam qualificadas como de desgaste rápido.

E, para o efeito, no texto que dá corpo à petição, justificam esta sua reivindicação, cujos fundamentos

assentam basicamente em três dimensões: a pressão e o stress que o exercício das suas funções provoca, o

desgaste emocional e físico que essas funções exigem e as próprias condições de trabalho.

De facto, como salientam os peticionantes, estes trabalhadores, na execução do seu trabalho diário,

encontram-se sujeitos ao rigoroso cumprimento de um conjunto de tarefas que se relacionam com os tempos

de serviço contratados entre as empresas prestadoras de serviço e as companhias aéreas, cujos tempos de

rotação no chão são cada vez mais curtos, o que, de resto, é reconhecido pelas próprias empresas do setor.

Com efeito, como se pode constatar nos pareceres que emitiram, no âmbito da análise desta petição — o

que, aliás, já aqui foi referido hoje —, tanto a Groundforce como a Portway deixaram muito claro que estes

trabalhadores, além do esforço físico na execução das suas tarefas diárias, estão sujeitos a uma forte pressão,

que dá origem a elevados picos de ansiedade e stress, desgaste emocional e físico, bem como ao espoletar de

estados de sensação generalizada de fadiga e persistente debilidade, que se vai agravando com o tempo,

potenciando o aparecimento de doenças profissionais e a consequente degradação da qualidade de vida e

saúde psíquica.

Dizem ainda que o aparecimento das companhias aéreas low-cost veio potenciar o aparecimento de lesões

músculo-esqueléticas, a que acresce uma grande probabilidade de ocorrência de acidentes de trabalho e de

doenças profissionais.

Relativamente às condições de trabalho, importa sublinhar que tanto os operadores de assistência em escala

como os técnicos de tráfego de assistência em escala, na maioria dos casos, desempenham a sua atividade

laboral no exterior, sujeitos, portanto, a um conjunto de adversidades climatéricas pouco comuns na

generalidade das profissões.

E enfrentam, muitas vezes, mudanças bruscas das condições climatéricas, isto além do peso das bagagens,

carga e correio que os operadores de assistência em escala têm de suportar durante o seu dia de trabalho, com

reflexos visíveis ao nível da coluna.

Não é, por isso, de estranhar que uma percentagem significativa destes profissionais padeça de problemas

físicos, nomeadamente na zona lombar.

Por tudo isto, Os Verdes acompanham integralmente as preocupações e também os propósitos dos

peticionantes e vão, nesses termos, votar a favor das duas iniciativas legislativas que acompanham esta petição.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Fernando José, do Grupo

Parlamentar do PS.

O Sr. Fernando José (PS): — Sr. Presidente e Srs. Deputados: Começo por saudar os peticionários e as

iniciativas do Partido Comunista Português e do Bloco de Esquerda sobre as profissões de operadores de

assistência em escala, os chamados OAE, e dos técnicos de tráfego de assistência em escala, os TTAE.

Não posso deixar também de saudar o SITAVA, que dinamizou esta petição e que, ao longo dos anos, tem

evidenciado, com o trabalho resiliente e empenhado dos seus dirigentes e delegados sindicais, um papel

fundamental na defesa dos trabalhadores do handling em Portugal, sempre na procura de soluções para os

problemas, sempre na busca de consensos que reflitam medidas que dignifiquem o trabalho destes profissionais

e com um relevante papel, refira-se, na promoção da contratação coletiva no setor.

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Os objetivos do SITAVA e de outros sindicatos representativos dos trabalhadores do handling em Portugal

convergem com os compromissos e na ação do Partido Socialista e dos partidos à sua esquerda na necessidade

de, juntos, continuarmos a fazer ainda mais e melhor pelas condições de vida destes profissionais, de combater

a precariedade no setor do handling e densificar a agenda pelo trabalho digno.

Esta petição, contudo, encerra duas dimensões que urge serem analisadas e encaradas com pragmatismo

e assertividade.

A primeira concerne, desde logo, à penosidade do trabalho e, obviamente, às condições do trabalho. A

pressão e o stress, mas também o desgaste emocional e físico provocado pelo desempenho da atividade na

placa com condições climatéricas adversas, mas não só, a organização do trabalho e o descanso, a

precariedade e a cada vez mais rápida rotação das escalas das companhias aéreas são temas que devem ser

aprofundados na contratação coletiva e em trabalho conjunto com o Governo, os operadores, os trabalhadores,

a ANA — Aeroportos de Portugal, a ANAC (Autoridade Nacional da Aviação Civil), a ACT (Autoridade para as

Condições do Trabalho) e a DGERT (Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho). Trata-se, aliás,

de um trabalho já desenvolvido no passado, com bons resultados, e que encontrou respostas para algumas

questões que se arrastavam no tempo sem solução, questões que não são novas, questões que já existiam —

pasme-se! — no tempo do Governo PSD/CDS,…

Vozes do PS: — Bem lembrado!

O Sr. Fernando José (PS): — … que nem nesse tempo conseguiram resolver e para as quais agora, na

oposição, conseguem encontrar soluções milagrosas.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Fernando José (PS): — Uma plataforma de diálogo é necessária. Porventura, cabe reabrir esse

processo e manter em atividade, de forma regular, esse grupo de trabalho, como meio de resolver alguns

problemas que continuam em diferendo e que em nada contribuíram para a melhoria das condições de trabalho

dos profissionais do setor e, assim, minimizar a penosidade do trabalho, um trabalho de extrema importância

para a economia do nosso País.

Mas, numa outra dimensão, cabe reiterar que o Partido Socialista compreende as pretensões e preocupações

destes profissionais, que ambicionam que a sua profissão seja qualificada como de desgaste rápido, como

compreende as pretensões e preocupações de muitos outros profissionais, como enfermeiros, tripulantes de

cabine, carteiros, operadores de call center, enfermeiros, etc….

Contudo, consideramos ser necessário estabelecer um conjunto de regras-padrão que permita definir, de

forma justa e equitativa, as profissões de desgaste rápido, bem como a promoção de medidas efetivas e eficazes

de mitigação da penosidade, com incidência sobre as questões de saúde e segurança no trabalho,…

O Sr. João Oliveira (PCP): — É sempre a mesma conversa!

O Sr. Fernando José (PS): — … permitindo, assim, reduzir as condições laborais penosas e os seus

impactos negativos na saúde destes profissionais.

O Sr. João Oliveira (PCP): — É sempre a mesma conversa!

O Sr. Fernando José (PS): — Sr. Deputado, percebo que esteja nervoso. A conversa não é sempre a

mesma, a conversa é no sentido de resolver cada vez mais os problemas dos trabalhadores. E isso, Sr.

Deputado, não é uma bandeira do Partido Comunista. Essa é uma bandeira que une o PS e os partidos à sua

esquerda…

Protestos de Deputados do PSD.

É uma bandeira que não é levantada apenas no protesto pelo protesto, mas sim na resolução dos problemas

dos trabalhadores.

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Aplausos do PS.

Protestos do Deputado do PCP João Oliveira.

Estamos, pois, cientes de que o Governo está a acompanhar e a dinamizar o desenvolvimento deste

normativo enquadrador das profissões de desgaste rápido, motivo pelo qual — e termino, Sr. Presidente —

consideramos que não deve haver a qualificação de profissões de desgaste rápido de forma avulsa.

Tem de existir um enquadramento legal, uniforme e com padrões que balizem quais são essas profissões.

E, por isso, o PS considera que, por agora, não é oportuno acompanhar as iniciativas do Bloco de Esquerda e

do Partido Comunista Português.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para encerrar o debate, pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda,

a Sr.ª Deputada Isabel Pires.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Sr. Presidente e Srs. Deputados: Este debate sobre as profissões de desgaste

rápido, mas, em particular, sobre aquela que está neste momento em avaliação não deixa de ser, no mínimo,

caricato.

Ou seja, sempre que temos um debate sobre profissões de desgaste rápido, todos os grupos parlamentares

reconhecem as dificuldades da profissão, admitem que existem problemas que precisam de ser resolvidos, mas,

no final, vamos a ver e não há nada de concreto que saia. E neste debate saiu exatamente outra vez o mesmo.

Ou seja, há o adiar de uma decisão: não pode ser agora, tem de ser amanhã; não pode ser desta forma, tem de

ser de outra forma; há um grupo de trabalho que ninguém sabe o que é que anda a fazer — deve ter tanto

trabalho que também vai pedir para que lhe reconheçam o estatuto de desgaste rápido. Ninguém sabe o que é

que este grupo de trabalho, que supostamente está há mais de um ano a trabalhar, tem feito.

E, no meio disto, estão trabalhadores e profissões, há anos, à espera para terem este regime. O que estes

trabalhadores destas profissões não têm são anos de espera. E aí é que está o problema desta questão.

Pergunto ao Sr. Deputado do PS, que diz estar muito preocupado e alinhado com a sua esquerda nesta

matéria, onde é que estava o PS quando foram apresentados projetos de lei sobre o trabalho por turnos. Onde

é que estava o PS quando foram apresentados projetos de lei para retirar as alterações gravosas que foram

feitas ao Código do Trabalho? Não estava, Sr. Deputado!

Portanto, é preciso olharmos para a prática e perceber se há um problema que está identificado e se existem

soluções para esse problema. Então, o PS vai ter de começar a votar de acordo com aquilo que diz e não de

acordo com aquilo que não diz.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, vai ter de concluir.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Portanto, é isso que é devido — para terminar, Sr. Presidente —, neste momento,

aos trabalhadores. Não é dizer que estamos muito preocupados, é agir sobre essa preocupação.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, chegámos, assim, ao final dos debates que constavam da ordem do

dia de hoje.

Amanhã, temos sessão plenária às 15 horas, como uma ordem do dia que tem, como primeiro ponto, o

debate conjunto dos Projetos de Lei n.os 706/XIV/2.ª (PS) — Delimita as circunstâncias em que deve ser

removido ou impossibilitado o acesso em ambiente digital a conteúdos protegidos, bem como os procedimentos

e meios para alcançar tal resultado e 787/XIV/2.ª (PCP) — Regime Jurídico da Partilha de Dados Informáticos.

Do segundo ponto consta o debate dos Projetos de Lei n.os 678/XIV/2.ª (PSD) — Aprova o quadro legal

complementar de prevenção e combate à atividade financeira não autorizada e defesa dos consumidores e

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781/XIV/2.ª (PS) — Aprova um regime de prevenção da atividade financeira não autorizada com vista à tutela

dos direitos dos consumidores.

O terceiro ponto consiste na discussão conjunta dos Projetos de Lei n.os 657/XIV/2.ª (PCP) — Vinculação

extraordinária de todos os docentes com cinco ou mais anos de serviço até 2022, 658/XIV/2.ª (PCP) — Procede

à oitava alteração ao Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho, que estabelece o regime de recrutamento e

mobilidade do pessoal docente dos ensinos básico e secundário, 659/XIV/2.ª (PCP) — Contabilização do tempo

de trabalho, para efeitos de Segurança Social, dos docentes contratados a termo com horário incompleto,

660/XIV/2.ª (PCP) — Abertura de concurso para a vinculação extraordinária do pessoal docente das

componentes técnico-artísticas especializadas para o exercício de funções nas áreas das artes visuais e dos

audiovisuais, nos estabelecimentos públicos de ensino; dos Projetos de Resolução n.os 868/XIV/2.ª (BE) —

Redução das desigualdades que afetam os docentes contratados com horários incompletos, 1138/XIV/2.ª (PAN)

— Recomenda ao Governo a realização de um concurso justo que valorize a carreira docente e respeite as

necessidades das escolas e 1140/XIV/2.ª (PEV) — Criação de regras justas para os concursos docentes, que

deem resposta às necessidades das escolas; da Petição n.º 123/XIV/1.ª (Ricardo André de Castro Pereira e

outros) — Alteração dos intervalos a concurso dos docentes, nomeadamente o ponto 8 do artigo 9.º do Decreto-

Lei n.º 132/2012, de 27 de junho; dos Projetos de Lei n.os 682/XIV/2.ª (BE) — Programa extraordinário de

vinculação dos docentes com cinco ou mais anos de serviço, 761/XIV/2.ª (BE) — Determina a revisão do regime

de recrutamento e mobilidade do pessoal docente dos ensinos básico e secundário e 762/XIV/2.ª (BE) —

Programa de vinculação dos docentes de técnicas especiais do ensino artístico especializado nas áreas das

artes visuais e dos audiovisuais; e do Projeto de Resolução n.º 895/XIV/2.ª (PSD) — Tempo de trabalho

declarado à Segurança Social dos docentes contratados a exercer funções a tempo parcial.

Do quarto ponto da ordem de trabalhos consta o debate conjunto da Petição n.º 27/XIV/1.ª (Luís Miguel de

Melo Torres Marques e outros) — Juntos pelo alojamento local e dos Projetos de Lei n.os 785/XIV/2.ª (IL) —

Altera o regime de autorização de exploração dos estabelecimentos de alojamento local (5.ª alteração ao

Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29 de agosto), 786/XIV/2.ª (IL) — Diminui o coeficiente do alojamento local (Altera

o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares) e 788/XIV/2.ª (CDS-PP) — Elimina o

aumento de impostos no alojamento local.

Por fim, no quinto e último ponto, terão lugar as votações regimentais.

Srs. Deputados, na Conferência de Líderes de hoje tínhamos colocado a hipótese de uma votação regimental

que exige voto eletrónico poder ser feita às 17 horas. Acontece que estive a ver os tempos que estão previstos

e a diferença entre fazer a votação às 17 horas, com toda a confusão que tal implica, de entradas e saídas, e

fazê-la no princípio das votações regimentais é muito pequena, porque as votações regimentais serão entre as

17 horas e as 17 horas e 15 minutos, ou 17 horas e 30 minutos.

Portanto, se todos estivessem de acordo, passávamos a votação desse diploma para o início das votações

e não criávamos esse bruaá excessivo às 17 horas de amanhã com a interrupção dos trabalhos.

A todos desejo um resto de boa tarde e uma boa noite.

Até amanhã, às 15 horas.

Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 20 minutos.

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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