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27 DE MAIO DE 2021

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O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Havia um inspetor do trabalho que nos dizia, precisamente: «Deem-nos instrumentos para conseguirmos responsabilizar toda esta cadeia.»

A responsabilização direta de toda a cadeia é o que permite combater uma impunidade que tem prevalecido,

mesmo quando há autos, como expliquei. Porquê?! Porque, muitas vezes, depois de o inspetor tomar conta do

ocorrido, os processos acabam por ser arquivados, as empresas desaparecem e o resto da cadeia não é

responsabilizada. É com esta impunidade que é preciso acabar.

É preciso, Sr.ª Deputada, acabar de fingir que não sabemos que os verdadeiros beneficiários destes abusos,

desta escravatura, desta exploração, são os donos das explorações, são os donos das empresas, são

precisamente aqueles que lavam as mãos, que não se responsabilizam, que fingem que não sabiam e que

continuam a passar impunes em todo este processo.

Portanto, pergunto ao PSD se também vai continuar a olhar para o lado ou se vai mudar de posição e

defender a responsabilização direta de toda esta cadeia, porque não nos basta ter grandes declarações de

intenção e de indignação se nós, o Parlamento, não fizermos a nossa parte.

O Bloco de Esquerda traz uma proposta concreta que nos responsabiliza e permite ter mais condições para

combater este fenómeno. Uma lei não resolve tudo, porque isto tem várias dimensões, mas façamos, pelo

menos, aquilo que nos compete.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para a apresentação do Projeto de Lei n.º 847/XIV/2.ª (PCP), tem a palavra a Sr.ª Deputada Diana Ferreira.

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos, hoje, uma realidade económica e social cujo agravamento vai bem além do contexto do surto epidémico, que tem servido de pretexto para as

práticas mais abusivas, arbitrárias e ilegais por parte de entidades patronais.

Há uma consideração generalizada de que tudo se vende e tudo se compra, incluindo a dignidade humana.

Há uma realidade brutal de exploração e de atropelo de direitos laborais, que atinge centenas de milhares de

trabalhadores e, de forma particular, os trabalhadores imigrantes. O caso de Odemira, que, aliás, o PCP vem

denunciando desde 2012 — estavam, então, o PSD e o CDS no Governo —, é apenas a ponta do iceberg.

A situação atinge um grande número de trabalhadores, da agricultura à logística, da pesca à indústria, entre

muitos outros setores. Em todo o País é possível identificar situações inaceitáveis e atentatórias de direitos

fundamentais.

Retornam e intensificam-se velhas formas de exploração e de situações de pobreza, com contornos

alarmantes. Temos realidades tremendamente violentas no mundo do trabalho, com a imposição de extenuantes

ritmos de trabalho, a manutenção de baixos salários, salários abaixo do limiar da pobreza, discriminações

salariais, precariedade e a procura de instrumentos para a legitimação da precariedade e a violação sistemática

de direitos laborais. Temos, sim, uma realidade de trabalho não declarado e ilegal, com a exploração do trabalho

imigrante e com situações de autêntica escravatura, em geral, associada ao tráfico de mão de obra, uma

realidade difícil de avaliar na sua verdadeira dimensão, mas que não pode servir de desculpa para a ausência

de intervenção. Estamos perante uma violação dos direitos humanos e da dignidade de cada um destes homens

e mulheres trabalhadores.

Em Portugal, é significativa a dimensão de trabalhadores em situações de trabalho ilegal ou não declarado

e de um recurso continuado ao trabalho temporário para funções e tarefas permanentes. Muitas destas

empresas utilizam estas pessoas como mão de obra gratuita em períodos de época alta, substituindo

necessidades efetivas de trabalhadores, obrigando-os à realização de horários de 50, 60 ou mais horas

semanais.

Ao mesmo tempo, a realidade nacional caracteriza-se por uma reduzida eficácia da ACT, agravada não só

pela falta de meios humanos e técnicos — os reforços anunciados não conseguem ultrapassar essa carência

—, mas também pela ausência de uma justiça célere, com elevadas e injustificadas custas judiciais e entraves

no acesso ao apoio judiciário pela generalidade dos trabalhadores, o que impede, em muitos casos, o próprio

acesso à justiça e aos tribunais.

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