O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

11 DE JUNHO DE 2021

17

é a saúde pública, então, não pode ser melhor a clandestinidade, onde proliferam produtos adulterados e onde

o consumo de uma droga pode ser —e muitas vezes é — a porta de entrada para outras drogas mais nocivas

para a saúde humana, mas também porque, 20 anos depois, podemos ter mais convicções sobre o risco que

estes consumos representam para a sociedade e sobre o impacto da legalização do consumo não medicinal na

nossa saúde.

Segundo o SICAD, 10% da população portuguesa já terá consumido canábis pelo menos uma vez na sua

vida e 4,5% consome pelo menos uma vez por ano. Segundo o mesmo SICAD, na última década, só se registou

uma morte associada ao consumo de canábis e 63 associadas ao consumo de canábis cruzado com outras

substâncias. Por sua vez, só no ano de 2018 morreram 2493 pessoas com a causa atribuída ao álcool.

Não queremos com isto dizer que o consumo de canábis não apresenta qualquer risco. A adição e o consumo

desregrado de todas as drogas são um problema de saúde pública. Qualquer estratégia de legalização tem de

ter associada uma estratégia de prevenção e de tratamento da adição. Legalização não é, nem pode ser,

sinónimo de liberalização, e isso devia ser óbvio.

O que importa dizer é, por outro lado, que o maior risco para a saúde pública, de momento, não é o consumo

da canábis em si, em doses moderadas, mas a passagem deste pelo tráfico, pelo crime, pela insegurança dos

produtos, pelo acesso a drogas mais pesadas, um problema que podemos controlar, que devemos controlar, e

só o conseguiremos fazer através da legalização e regulamentação.

Esta é uma convicção da Juventude Socialista que temos defendido e fundamentado há anos. No início do

ano, lançámos o apelo para que façamos deste 20.º aniversário da descriminalização o ano do passo em frente

para a legalização. Interviemos sobre este assunto vez após vez e não só congratulamos as iniciativas do Bloco

de Esquerda e do Iniciativa Liberal, não só dizemos presente, como dizemos que temos propostas concretas

que não deixaremos de apresentar e pelas quais não abdicamos de lutar.

Em boa hora, este foi um processo que o Bloco e o Iniciativa Liberal quiseram abrir, com tempo e espaço

para debate e reflexão. Baixando à comissão, a Assembleia da República tem a oportunidade de ouvir a

sociedade e os especialistas e, como há 20 anos e em tantas outras iniciativas, chegar a uma boa lei que legalize

o cultivo, o comércio e o consumo.

Devemos aproveitar esta oportunidade para desmistificar o que seria a legalização. O cultivo, por exemplo,

precisaria sempre de ser controlado e rastreado, desde a sua origem, a semente, até à implementação de boas

práticas agrícolas e à distribuição do produto.

A transformação exige cautela e um olhar atento do Infarmed. Esta não poderia manipular a planta para

exceder certas concentrações, nem adicionar outras substâncias psicoativas ou aditivos que confiram sabor,

aromas ou cor.

O comércio seria sempre em locais autorizados e ter regulamentações próprias e exigentes. Devemos exigir

sistemas robustos de fiscalização e assegurar que esta atividade, que já existe, passe a contribuir

economicamente para a sociedade, que pague impostos como todos nós e que crie empregos.

Se legalizarmos a canábis, estaremos, num momento de recuperação económica, a criar um setor primário,

secundário e terciário, permitindo novas culturas aos nossos agricultores, estimulando a transformação para fins

medicinais e legalizando pontos de venda a retalho para o consumo pessoal.

O potencial económico é verdadeiramente transformador: entre 2014 e 2018, os primeiros quatro anos da

legalização no estado do Colorado, que só tem cerca de metade da nossa população, a indústria da canábis

gerou 6 mil milhões de euros.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, 20 anos depois, podemos, mais uma vez, ser um exemplo para o

mundo, mostrando que em Portugal a ação política e a iniciativa legislativa estão acima dos preconceitos do

século XX.

Se o fizermos, acompanharemos um caminho iniciado pelo Canadá, Uruguai, Geórgia, África do Sul, 17

estados e 2 territórios dos Estados Unidos da América e ainda os distritos da capital tanto dos EUA e da Austrália.

Mas se querem um motivo para fazermos a legalização, façam-no pelos portugueses: um em cada 10

portugueses já tiveram de entrar em contacto com criminalidade organizada para comprar canábis, enfrentando

a insegurança e sobretudo a falta de controlo da qualidade, com riscos acrescidos para a saúde.

O que se impõe perguntar é: porquê? Porque sujeitamos os portugueses a isso? Estamos mesmo a proteger

os portugueses? Estamos mesmo a zelar pela saúde pública ou estaremos somente a acomodar-nos perante

preconceitos e estereótipos?

Páginas Relacionadas
Página 0016:
I SÉRIE — NÚMERO 76 16 Ao longo do tempo, Portugal tem vindo a fazer, nesta
Pág.Página 16
Página 0018:
I SÉRIE — NÚMERO 76 18 Os louros que recebemos sobre a reforma de há 20 anos
Pág.Página 18