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I SÉRIE — NÚMERO 82

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A causa do rigor e da verdade exige que se assuma que já hoje existe previsão penal, tanto para a omissão

de apresentação das declarações de rendimentos e património, como para a punição da falsidade dessas

declarações.

Mas a causa do rigor e da verdade também exige que se diga que o grau de exigência colocado na previsão

dos deveres declaratórios nunca foi tão longe como agora, pois a sua abrangência foi estendida aos decisores

do Estado em larga escala, dos dirigentes da Administração Pública aos responsáveis de institutos e entidades

reguladoras, passando pelos gestores das empresas públicas e terminando nos próprios magistrados judiciais

e do Ministério Público.

A causa do rigor e da verdade impõe ainda que se refira que o elenco dos deveres declaratórios se tornou

extensível a muitos aspetos da vida patrimonial, não previstos no passado, como os que enuncio: a menção das

heranças indivisas; os elementos patrimoniais de que não se seja apenas proprietário, mas também possuidor,

detentor, gestor, comodatário ou arrendatário, por si ou por interposta pessoa, no País ou no estrangeiro; além

de dívidas contraídas não só perante pessoas coletivas, mas também perante pessoas singulares.

Chegados, pois, a um ponto em que o princípio da transparência nunca foi tão densificado como hoje, numa

paleta de obrigações declarativas em que avultam não só aquelas relativas aos rendimentos e património, mas

também as relacionadas com um rigoroso regime de impedimentos e incompatibilidades, ainda se levantou nova

questão quanto às dificuldades de prova na violação desses deveres.

Sem escamotear a importância que atribuímos à nova Entidade da Transparência, com a missão primordial

de fiscalização das declarações devidas e cujo atraso de constituição não pode passar sem um reparo de grande

apreensão, não deixámos, pelo nosso lado, de ser sensíveis às alegações formuladas e de nos manifestarmos

disponíveis para dar um passo mais no sentido do aperfeiçoamento do regime legal já estabelecido com a Lei

n.º 52/2019.

Esse passo significará, em caso de aprovação, um agravamento da moldura penal dos crimes de

desobediência qualificada e de ocultação intencional de património e a consagração de que as variações

patrimoniais sujeitas a declaração devem identificar os factos que as justificam. Isto, além de se clarificar que o

incumprimento das regras estabelecidas sobre ofertas e hospitalidade pode fazer incorrer o agente no crime de

recebimento indevido de vantagem, nos termos gerais.

Este é o nosso contributo para o aperfeiçoamento do regime vigente, o qual, lembre-se, assenta igualmente

na possibilidade do agravamento fiscal até 80% da matéria tributável apurada e não devidamente justificada

perante a Autoridade Tributária. Aqui, sim, aceitando-se, perante os sinais exteriores de riqueza e os métodos

da tributação indireta, a inversão do ónus da prova, pois as garantias dos direitos pessoais não se destinam a

proteger o dinheiro obtido sem demonstração de legitimidade.

Sr.as e Srs. Deputados, poderei dizer, em conclusão, que o projeto de lei apresentado pelo PS não representa

nenhuma solução de rutura com o regime jurídico já em vigor, mas antes um contributo construtivo para o seu

aperfeiçoamento numa linha evolutiva de coerência e de compromisso com os objetivos do rigor e da

transparência na vida política e democrática. Daí a nossa disponibilidade para os aperfeiçoamentos que, em

sede de especialidade, se justifiquem.

Daí, no entanto, a escolha por não incluir opções de formulação difusa, comprometedoras da legalidade

penal, na configuração dos tipos legais da ilicitude. Mas daí, também, a opção de não vender gato por lebre no

que respeita às inovações propostas, como a do minimalista projeto do PSD que, pelos vistos, arrependido das

suas incongruências no passado, quer agora distinguir-se na criação do dever de a entidade fiscalizadora

comunicar as irregularidades detetadas ao Ministério Público. Sucede que essa é já uma incumbência vinculada

da Entidade da Transparência, nos termos da lei, pelo que a proposta-placebo do PSD se reduz, pela

redundância, a coisa nenhuma.

Cientes, por outro lado, de que aos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos se impõe, pela

natureza das suas funções, especiais responsabilidades perante a sociedade, não nos parece necessário,

adequado e proporcional, como outros entendem, alargar os mesmos deveres declaratórios e as sanções penais

daí derivadas ao comum dos cidadãos, já de si sujeitos a importantes regras de fiscalidade.

Tão pouco nos anima o propósito, que em alguns setores de opinião chega a ganhar dimensão paranoica,

de fazer dos protagonistas políticos os bodes expiatórios de todas as frustrações e os alvos a abater sob

qualquer ponta de suspeita ou de insinuação.

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