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I SÉRIE — NÚMERO 82

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A Sr.ª Cláudia Santos (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Vou referir-me às propostas do Governo, que são muitas e são transversais, o que implica escolhas e, por isso, destacarei duas soluções novas

e especialmente relevantes, uma no direito penal e outra no direito processual penal.

No direito penal, surgirá uma nova pena acessória, proposta no programa eleitoral do Partido Socialista em

2019 e que consta do Programa deste Governo, onde se estabelece que os agentes públicos condenados por

corrupção poderão vir a ser condenados numa pena acessória que os impedirá de serem nomeados ou eleitos

para o exercício de funções públicas por um período até 10 anos. Trata-se de uma medida muitíssimo severa,

orientada para a proteção da credibilidade da nossa democracia e das nossas instituições. Não estava no

programa eleitoral do PSD, mas agora está no projeto que apresentaram há duas semanas, o que pode indiciar

um consenso num ponto nuclear do novo modelo de combate à corrupção e pode ser bom para o nosso País.

Já no processo penal merecem ser enfatizados os acordos sobre a pena aplicável, uma evolução significativa

no âmbito da criminalidade grave e um alargamento das soluções de consenso que, em Portugal, se vêm

expandindo desde 1987.

Esta proposta tem sido muito criticada por alguma oposição, que lhe chama «justiça penal negociada», mas

há aqui vários equívocos. Para percebermos porque é que os acordos sobre a pena aplicável são muito

diferentes da justiça penal negociada típica do sistema anglo-saxónico temos de compreender o que são. É

verdade que eles pretendem, em primeira linha, garantir mais celeridade e mais eficiência ao processo penal,

que é o que queremos todos, mas, por outro lado, podem contribuir para uma justiça melhor. Queria sublinhar

que eles pretendem evitar que, em certos julgamentos, a produção de prova se arraste durante muitos meses

ou anos. Se a defesa quiser cooperar com a acusação, o arguido pode assinar um acordo, sempre acompanhado

pelo seu defensor, e nesse acordo pode reconhecer os factos pelos quais foi acusado. Esse acordo, para ser

válido, tem de ser acompanhado também pelo tribunal e terá como consequência a confissão dos factos, o que

levará a uma atenuação da pena aplicável.

Porque é que esta solução não é semelhante ao modelo de barganha existente nos Estados Unidos da

América? Porque é que é muito diferente?

Primeiro, porque não se admite a negociação da culpa. Não é possível que, havendo, por exemplo, indícios

de um crime de corrupção grave, uma corrupção para ato ilícito, se venha a negociar a condenação por um

crime menos grave, como o recebimento indevido de vantagem. Nos Estados Unidos da América, seria possível.

Mas esse juízo de oportunidade do sistema anglo-saxónico não é admitido na nossa solução. Não se aceitam

ficções de culpa, o processo continua orientado para a descoberta da verdade.

Segundo, porque também não se admite a negociação da pena concreta. Do acordo não resulta que o

arguido venha a ser condenado numa pena de sete anos de prisão, por exemplo, enquanto nos Estados Unidos

da América, isso seria possível. Mas o que resultará deste acordo é apenas uma atenuação do limite máximo

da pena aplicável.

Terceiro, o modelo inspirador desta solução é o direito alemão, cujo código de processo penal prevê esta

solução desde 2009. Na Alemanha, estes acordos são a solução maioritária, em mais de 80% dos casos, para

a criminalidade mais grave económico-financeira.

Se estes acordos podem ser mal aplicados, se suscitam cuidados? Naturalmente, como boa parte das

normas processuais penais e, por isso, são necessárias cautelas, sobretudo em hipóteses de pluralidade de

arguidos, para que não sejam utilizados de forma enviesada para se admitirem delações premiadas. Essa é uma

linha vermelha que não deve ser ultrapassada, como o Partido Socialista sempre sustentou.

Mas estes acordos poderão vir a ter grandes vantagens, se forem bem aplicados — como devem ser —,

porque não contribuem só para uma justiça mais rápida, podem contribuir para uma justiça melhor, mais

participada, mais reparadora e mais democrática, uma justiça penal que permita uma reparação maior dos danos

causados à sociedade.

Termino dizendo que uma coisa parece certa: as propostas do Governo que concretizam esta estratégia de

combate à corrupção não podem ser, ao mesmo tempo, sob pena de contradição, acusadas de serem inócuas,

porque ficam aquém, e de serem perigosas, porque vão além.

Temos perante nós um conjunto muito diversificado, muito ambicioso de medidas orientadas para o futuro.

E, como nos recorda a letra de uma canção extraordinária, «o futuro é uma astronave que tentamos pilotar», e

esta estratégia nacional tem os olhos postos num futuro melhor.

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