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Quinta-feira, 8 de julho de 2021 I Série — Número 86
XIV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2020-2021)
REUNIÃOPLENÁRIADE7DEJULHODE 2021
Presidente: Ex.mo Sr. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Secretários: Ex.mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Nelson Ricardo Esteves Peralta
S U M Á R I O
O Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 2
minutos. Foram anunciados os resultados das eleições que
decorreram na anterior sessão, tendo sido eleitos os candidatos propostos para o Conselho Superior de Defesa Nacional, o Conselho de Fiscalização do Sistema Integrado de Informação Criminal, o Conselho de Administração da Assembleia da República e o Conselho Nacional de Saúde e não tendo sido eleitos os candidatos propostos para o Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa.
Ao abrigo do artigo 72.º do Regimento, procedeu-se a um debate de urgência, requerido pelo BE, sobre o tema «despedimento coletivo na Altice». Intervieram, a diverso título, além do Secretário de Estado da Segurança Social (Gabriel Bastos), os Deputados José Moura Soeiro (BE), que abriu o debate, Carla Barros (PSD), Rita Borges Madeira (PS), Pedro Morais Soares (CDS-PP), Hugo Oliveira (PS), José Luís Ferreira (PEV), Nelson Silva (PAN), Bruno Dias (PCP) e André Ventura (CH).
Foi discutida, na generalidade, a Proposta de Lei n.º 94/XIV/2.ª (GOV) — Procede à revisão do Código dos Valores
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Mobiliários. Proferiram intervenções, além do Secretário de Estado das Finanças (João Nuno Mendes), os Deputados Hugo Carneiro (PSD), Vera Braz (PS), Duarte Alves (PCP), Cecília Meireles (CDS-PP) e Mariana Mortágua (BE).
Foi discutida, na generalidade, a Proposta de Lei n.º 97/XIV/2.ª (GOV) — Altera a Lei-Quadro das Fundações. Usaram da palavra, além do Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros (André Moz Caldas), os Deputados Nelson Silva (PAN), José Cancela Moura (PSD), António Filipe (PCP), José Manuel Pureza (BE), Telmo Correia (CDS-PP), Pedro Delgado Alves (PS) e André Ventura (CH).
Foi discutida, na generalidade, a Proposta de Lei n.º 99/XIV/2.ª (GOV) — Transpõe a Diretiva (UE) 2019/1, que visa atribuir às autoridades da concorrência dos Estados-Membros competência para aplicarem a lei de forma mais eficaz e garantir o bom funcionamento do mercado interno. Proferiram intervenções o Secretário de Estado do Comércio, Serviços e Defesa do Consumidor (João Torres) e os Deputados José Manuel Pureza (BE), Jorge Paulo Oliveira (PSD), Bruno Dias (PCP), André Ventura (CH), Cecília Meireles (CDS-PP) e Carlos Pereira (PS).
Foi discutida, na generalidade, a Proposta de Lei n.º 100/XIV/2.ª (GOV) — Autoriza o Governo a estabelecer os requisitos de acesso e de exercício da atividade dos técnicos do Sistema de Certificação Energética dos Edifícios. Proferiram intervenções o Secretário de Estado Adjunto e da Energia (João Galamba) e os Deputados Pedro Morais Soares (CDS-PP), Emília Cerqueira (PSD), Nelson Silva (PAN), Duarte Alves (PCP), Filipe Pacheco (PS) e José Moura Soeiro (BE).
Foi apreciado o Relatório Anual de Segurança Interna — 2020, tendo feito intervenções, além do Ministro da Administração Interna (Eduardo Cabrita), os Deputados Duarte Marques (PSD), Nelson Silva (PAN), Telmo Correia (CDS-PP), José Manuel Pureza (BE), António Filipe (PCP), André Ventura (CH) e Susana Amador (PS).
Foi anunciada a entrada na Mesa da Proposta de Lei n.º 104/XIV/2.ª, dos Projetos de Lei n.os 897 a 904/XIV/2.ª e dos Projetos de Resolução n.os 1377 a 1394/XIV/2.ª
Deu-se conta dos Deputados que estiveram presentes, por videoconferência, na reunião plenária.
O Presidente (Fernando Negrão) encerrou a sessão eram 19 horas e 3 minutos.
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O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Funcionários, Sr.as e Srs. Jornalistas, Sr.as e Srs. Agentes da autoridade, está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 2 minutos.
Da ordem de trabalhos da nossa reunião plenária consta, como primeiro ponto, um debate de urgência,
requerido pelo Bloco de Esquerda, sobre o tema «despedimento coletivo na Altice». Depois, haverá a discussão
de várias propostas de lei e, ainda, o debate sobre o Relatório Anual de Segurança Interna — 2020.
Entretanto, tem a palavra o Sr. Secretário Nelson Peralta para nos dar conta dos resultados das eleições
realizadas na reunião plenária de sexta-feira passada.
O Sr. Secretário (Nelson Peralta): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, vou proceder à leitura das atas relativas às eleições referidas pelo Sr. Presidente.
A ata da eleição para o Conselho Superior de Defesa Nacional é do seguinte teor:
«Aos dois dias do mês de julho de dois mil e vinte e um, procedeu-se à eleição de um membro para o
Conselho Superior de Defesa Nacional.
O resultado obtido foi o seguinte:
Votantes — 216
Votos ‘sim’ — 146
Votos brancos — 66
Votos nulos — 4
Nos termos legais aplicáveis e face ao resultado obtido, declara-se eleita para o Conselho Superior de Defesa
Nacional a Deputada Lara Fernandes Martinho (PS).
Para constar, se lavrou a presente ata, que vai ser devidamente assinada.
Os Deputados Escrutinadores, Maria da Luz Rosinha — Lina Lopes — Diogo Leão — Nelson Peralta.»
A ata da eleição para o Conselho de Fiscalização do Sistema Integrado de Informação Criminal é do seguinte
teor:
«Aos dois dias do mês de julho de dois mil e vinte e um, procedeu-se à eleição para o Conselho de
Fiscalização do Sistema Integrado de Informação Criminal.
O resultado obtido foi o seguinte:
Votantes — 216
Votos ‘sim’ — 146
Votos brancos — 60
Votos nulos — 10
Nos termos legais aplicáveis e face ao resultado obtido, declaram-se eleitos para o Conselho de Fiscalização
do Sistema Integrado de Informação Criminal os seguintes candidatos:
Maria Isabel Solnado Porto Oneto (PS)
Luciano Manuel Calheiros Gomes (PSD)
Isabel Maria Duarte de Almeida Rodrigues (PS)
Para constar, se lavrou a presente ata, que vai ser devidamente assinada.
Os Deputados Escrutinadores, Maria da Luz Rosinha — Diogo Leão — Lina Lopes — Nelson Peralta.»
A ata da eleição para o Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa é do
seguinte teor:
«Aos dois dias do mês de julho de dois mil e vinte e um, procedeu-se à eleição de dois membros para o
Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa.
O resultado obtido foi o seguinte:
Votantes — 216
Votos ‘sim’ — 138
Votos brancos — 68
Votos nulos — 10
Nos termos legais aplicáveis e face ao resultado obtido, declaram-se não eleitos para o Conselho de
Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa:
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Susana de Fátima Carvalho Amador (PS)
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte (PSD)
Para constar, se lavrou a presente ata, que vai ser devidamente assinada.
Os Deputados Escrutinadores, Maria da Luz Rosinha — Lina Lopes — Diogo Leão — Nelson Peralta.»
A ata da eleição para o Conselho de Administração da Assembleia da República é do seguinte teor:
«Aos dois dias do mês de julho de dois mil e vinte e um, procedeu-se à eleição de um membro efetivo e de
um membro suplente para o Conselho de Administração da Assembleia da República, sendo apurados os
seguintes resultados:
Votantes — 216
Candidatos propostos — Lista A
Efetivo: Paula Inês Alves de Sousa Real (PAN)
Suplente: Nelson José Basílio Silva (PAN)
Votos ‘sim’ — 142
Votos brancos — 66
Votos nulos — 8
Nos termos legais aplicáveis e face ao resultado obtido, declaram-se eleitos para o Conselho de
Administração da Assembleia da República os candidatos propostos.
Para constar, se lavrou a presente ata, que vai ser devidamente assinada.
Os Deputados Escrutinadores, Maria da Luz Rosinha — Lina Lopes — Diogo Leão — Nelson Peralta.»
A ata da eleição para o Conselho Nacional de Saúde é do seguinte teor:
«Aos dois dias do mês de julho de dois mil e vinte e um, procedeu-se à eleição de membros para o Conselho
Nacional de Saúde.
O resultado obtido foi o seguinte:
Votantes — 216
Votos ‘sim’ — 174
Votos brancos — 39
Votos nulos — 3
Nos termos legais aplicáveis e face ao resultado obtido, declaram-se eleitos para o Conselho Nacional de
Saúde os seguintes membros:
Associação Acreditar
Associação de Apoio aos Doentes Depressivos e Bipolares
Associação Nacional AVC
Associação Portuguesa de Neuromusculares
Associação Portuguesa de Luta Contra o Cancro do Pulmão
Associação Nacional de Doentes com Artrite Reumatóide.
Os Deputados Escrutinadores, Diogo Leão — Maria da Luz Rosinha — Lina Lopes — Nelson Peralta.»
É tudo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Secretário Nelson Peralta. Vamos, pois, entrar no primeiro ponto da nossa ordem de trabalhos, que consta do debate de urgência,
requerido pelo Bloco de Esquerda, sobre o tema «despedimento coletivo na Altice».
Tem a palavra, para abrir o debate, o Sr. Deputado José Moura Soeiro, do Bloco de Esquerda.
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Em 2020, as receitas da Altice Portugal subiram para 2121 milhões de euros, com um investimento a crescer 7%.
Apesar do contexto — explicava, ufano, Alexandre Fonseca, o inefável CEO (chief executive officer) da Altice
Portugal —, houve um contínuo aumento na base de clientes e de serviços, cresceram as vendas de
equipamentos, principalmente de telemóveis, e houve um retorno da receita de conteúdos premium e um
aumento nas receitas de roaming.
A operadora dona da MEO fechou, assim, o último ano com mais receitas, mais lucros e mais clientes do
que no ano anterior. No final de maio deste ano, triunfante, o CEO anunciou que, entre janeiro e março de 2021,
as receitas da Altice Portugal tinham subido 5%, para 549 milhões de euros.
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Pouco mais de um mês depois destes anúncios triunfais, a Altice comunica que pretende mandar para o olho
da rua, por via de um despedimento coletivo, quase 300 trabalhadores, rebentando com a vida destas 300
pessoas.
Numa empresa com lucros e em crescimento, que em 2020 recebeu cerca de 11 milhões de euros de fundos
comunitários, por via da Fundação Altice e da Altice Labs, este anúncio é um insulto ao País, uma declaração
de guerra aos trabalhadores e uma ofensa à lei.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Na passada segunda-feira, com a Sr.ª Deputada Catarina Martins, ouvimos os testemunhos de muitos trabalhadores que já receberam esta ameaça de que serão despedidos.
Ouvir esses testemunhos na primeira pessoa foi, além de pungente, profundamente revoltante: há trabalhadores
que estão há mais de 20 anos na empresa e a quem comunicaram o despedimento de um dia para o outro, ao
mesmo tempo que, estando ainda a trabalhar na empresa e com o seu contrato em pleno funcionamento,
desativaram o seu acesso aos computadores e a qualquer tarefa, somando à violência da carta de despedimento
a humilhação, totalmente ilegal, do súbito esvaziamento de tarefas, de terem barrado o acesso ao portal da
empresa, ao e-mail, ao telemóvel, ao parque de estacionamento e, a somar a isto tudo, a tortura psicológica de
se ter de cumprir um horário, sem qualquer função, nestas condições e neste ambiente.
Há trabalhadores que ganharam contra a Altice, em tribunal, o processo de transmissão de estabelecimento.
E a Altice, que foi obrigada pela justiça a integrar os trabalhadores, os quais quis ilegalmente despachar para
outras empresas, tem agora a baixeza de os incluir numa lista para o despedimento coletivo, numa forma velhaca
de se vingar de quem mais não fez do que exigir, em 2017, o cumprimento da lei.
Várias trabalhadoras — foram, sobretudo, mulheres que se manifestaram — falaram-nos do tempo que
dedicaram à empresa, do quanto deram à casa, dos compromissos que têm com a sua família, com os seus
filhos, com o pagamento da prestação da casa, do desespero que é não saberem, agora, como será a sua vida
dentro de semanas ou meses.
Vários trabalhadores explicaram-nos o mesmo: as suas funções não acabaram, aquilo que fazem continua a
ser uma necessidade da empresa. Só que a Altice quer substituir trabalhadores com direitos, abrangidos pelo
acordo de empresa, incluídos na contratação coletiva, integrados numa carreira, por um exército de precários
em outsourcing. Aliás, já recrutou para a Intelcia trabalhadores precários para desempenharem as mesmas
funções, agora em modo externalizado e recorrendo a intermediários.
Para perseverar no seu longo cadastro de afronta e de desconsideração para com quem trabalha, a
Administração ainda colocou, nas semanas anteriores, estes trabalhadores, que agora querem chutar da
empresa, a dar formação aos precários externos que vêm desempenhar as suas funções.
O que está em causa, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados, com este anúncio de despedimento
coletivo por parte da Altice, é uma inaceitável manobra de enxugamento da empresa e de substituição de
trabalhadores com direitos por trabalhadores precários e mal pagos; é uma inaceitável manobra de utilização
dos despedimentos como mecanismo de pressão sobre todos os trabalhadores, numa empresa que tem lucros
e que, em plena pandemia, comete a profunda irresponsabilidade de lançar, por ganância ilimitada, centenas de
trabalhadores para a rua, num processo de despedimento coletivo; uma manobra que só é possível porque, nas
últimas décadas, se transformou a antiga PT (Portugal Telecom) num joguete nas mãos de vários interesses
políticos e económicos, num processo de canibalização da empresa que teve o seu apogeu em 2015, quando
se entregou a PT aos abutres da Altice, por 7,4 milhões de euros; uma manobra que beneficia sempre da
passividade e da demora dos poderes públicos, nomeadamente na esfera laboral; uma manobra facilitada pelas
leis que temos, seja as que tornaram os despedimentos muito mais baratos, com o corte que a troica introduziu
nas compensações por despedimento, seja a norma legal, já aqui discutida tantas vezes, que amordaça os
trabalhadores, impedindo-os de exercer um direito que é seu pela lei, que é contestarem despedimentos ilícitos
se já tiverem recebido a compensação; uma manobra que vem numa longa sequência de práticas de assédio
moral em larga escala, de despedimentos encapotados por transmissão de estabelecimento, de desrespeito por
quem trabalha e por quem, no fundo, construiu e fez esta empresa estratégica para o País.
Em 2017, não esqueçamos, houve uma enorme luta dos trabalhadores da PT, da MEO, da Altice, uma luta
exemplar contra a fraude da utilização da figura da transmissão de estabelecimento para despachar
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trabalhadores para outras empresas, que, depois, despediriam. Essa luta foi exemplar e conseguiu forçar a
atuação da ACT (Autoridade para as Condições do Trabalho) e do Governo e conseguiu que a lei mudasse para
impedir essa fraude.
Mais uma vez, hoje, com este despedimento, estamos não apenas perante uma manobra inaceitável, mas
também perante um balão-de-ensaio. Um balão-de-ensaio que, se resultar, valerá para a Altice, mas será um
sinal para todas as empresas que já preparam uma vaga de despedimentos. Tal como em 2017, esta manobra
e este balão-de-ensaio não podem passar.
Os trabalhadores já agendaram a sua resposta e há uma greve marcada para dia 21, mas o Governo não
pode fingir que não vê o que se está a passar. Este despedimento não pode ser autorizado pelo Governo, tem
de ser travado pelo Governo e tem de ser impedido desde já. É essa a exigência de um País que se respeite, é
essa a exigência de um País que respeita quem trabalha e é essa a exigência que hoje aqui trazemos.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Inscreveram-se duas Sr.as Deputadas para pedir esclarecimentos, aos quais o Sr. Deputado José Moura Soeiro responderá em conjunto.
Tem a palavra, para esse efeito, a Sr.ª Deputada Carla Barros.
A Sr.ª Carla Barros (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado José Moura Soeiro, este tema da intenção de despedimento coletivo por parte da Altice é de enorme
importância para o País, pelo setor estratégico que ocupa em Portugal.
Neste momento, e já desde a outra semana, temos assistido a uma disputa política entre o Bloco de Esquerda
e o PCP, da qual o PSD tem de se distanciar, como é natural. O PSD defende em pé de igualdade quer as
empresas quer os trabalhadores. O Bloco de Esquerda e o PCP disputam quem é que é mais amigo dos
trabalhadores e todos sabemos que isso não abona nada, nem ajuda nada, à resolução dos problemas dos
trabalhadores e da economia.
O Sr. Adão Silva (PSD): — Bem lembrado!
A Sr.ª Carla Barros (PSD): — Nesse sentido, também já passaram seis anos desde que o Bloco de Esquerda e o PCP apoiam esta solução de Governo e, por isso, devia ser hora de o PCP e o Bloco de Esquerda assumirem
a sua quota-parte de responsabilidade nestas maldades que os senhores acusam o Governo de vir fazendo aos
trabalhadores.
O Sr. João Paulo Pedrosa (PS): — Oh!
A Sr.ª Carla Barros (PSD): — Já passaram seis anos! O Bloco de Esquerda e o PCP têm de assumir — neste caso, relativamente ao despedimento coletivo dos trabalhadores da Altice — que têm a sua quota-parte
de responsabilidade.
O Sr. Adão Silva (PSD): — Exatamente!
A Sr.ª Carla Barros (PSD): — Sr.as e Srs. Deputados, face à oportunidade deste debate, também é o momento de o Governo acordar para o País real que temos. É o momento de o Governo perceber a quebra e a
paralisação na atividade económica.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Não conseguem melhor do que isto?!
A Sr.ª Carla Barros (PSD): — É o momento de o Governo perceber o aumento gradual da taxa de desemprego; perceber que os apoios às empresas não chegam a tempo e horas, além de sermos o País da
União Europeia que menos ajudou as empresas neste período particular de crise; perceber a questão das
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moratórias, do emprego, da competitividade do emprego, do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) que
não aposta, verdadeiramente, na manutenção do emprego e na criação de mais postos de trabalho.
Sr.as e Srs. Deputados, o Bloco de Esquerda, se responder às perguntas que vou fazer, irá, certamente, dar
uma ajuda à solução dos problemas dos trabalhadores da Altice. As perguntas são: que ideias tem o Bloco de
Esquerda, neste debate, para partilhar com o País sobre a forma como vai segurar os postos de trabalho neste
período de pandemia? Como vai implementar a criação de mais e melhor emprego?
Se o Bloco de Esquerda conseguir contribuir, também estará, naturalmente, a ajudar os trabalhadores da
Altice, que nós reconhecemos que estão a passar por um período extremamente complicado no País, à
semelhança de outras situações de que o Governo tem de ter consciência que podem vir a ocorrer e que temos
de evitar.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para um pedido de esclarecimento, a Sr.ª Deputada Rita Borges Madeira, do Grupo Parlamentar do PS.
A Sr.ª Rita Borges Madeira (PS): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados, Sr. Deputado José Moura Soeiro, queria começar por agradecer ao Bloco de Esquerda a pertinência deste debate
de urgência.
Principalmente no momento em que vivemos e depois de um ano e meio a viver numa situação complicada
de saúde pública, que implicou uma crise social e económica, da qual estamos a começar a assistir a alguma
retoma, é muito preocupante ouvirmos falar em despedimentos coletivos.
Com o esforço dos trabalhadores, dos empregadores e das medidas do Governo, a taxa de desemprego,
mesmo no auge da crise, manteve-se abaixo da média da zona euro e da União Europeia.
Este debate é sobre a Altice e o despedimento coletivo que pretende levar a cabo em relação a cerca de 300
trabalhadores, bem como sobre a contratação de outros trabalhadores para, alegadamente, preencherem os
postos de trabalho deixados vagos por estes, podendo esse facto consubstanciar um despedimento ilegal. E
digo «alegadamente» porque, apesar da grande vontade de cada uma das 230 pessoas que se sentam neste
Hemiciclo, a verdade é que não nos cabe a nós verificar que assim é.
Vozes do PS: — Muito bem!
A Sr.ª Rita Borges Madeira (PS): — Srs. Deputados, o Governo e o Parlamento trabalham todos os dias, dentro das suas atribuições, para criar as condições económicas, sociais e de confiança para garantir um
mercado de emprego cada vez mais forte, dinâmico e estruturado.
Há uma semana, debatemos aqui — e iremos continuar a fazê-lo — o combate à precariedade, porque este
é um combate central por uma sociedade mais digna e justa e uma das variáveis mais determinantes nos
projetos de vida dos jovens.
Debatemos e continuaremos a debater o trabalho digno, as novas formas de relações laborais, o direito a
desligar, a conciliação entre a vida familiar e a vida profissional.
O Partido Socialista está e estará sempre, como não poderia deixar de ser, ao lado dos trabalhadores, ao
lado da lei,…
O Sr. Bruno Dias (PCP): — E vai daí?…
A Sr.ª Rita Borges Madeira (PS): — … e continuaremos a trabalhar e a lutar, como até aqui, por mais emprego qualificado, por mais emprego estável, por melhores remunerações e por uma segurança social
robusta que, em momentos de crise como este, saiba estar à altura do que os portugueses esperam dela.
Juntos, com o empenho e a determinação de todos, venceremos esta crise e não admitiremos que a situação
pela qual as nossas empresas e os nossos trabalhadores estão a passar possa servir de desculpa para encobrir
situações de ilegalidade laboral.
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Aplausos do PS.
Assim, Sr. Deputado José Soeiro, pergunto-lhe se o Bloco de Esquerda não entende que este caso em
particular deverá, antes de mais, ter a intervenção e a fiscalização da ACT e que, em último recurso, terá de ser
dirimido em tribunal, a entidade que, de facto e de direito, tem a competência para afirmar se estamos, ou não,
perante um despedimento coletivo ilegal.
Já agora, acrescento que não caberá nunca ao Governo, como o Sr. Deputado disse, autorizar ou não
despedimentos, principalmente no setor privado.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Moura Soeiro, do Bloco de Esquerda.
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas, cabe ao Parlamento fiscalizar o exercício do poder executivo por parte do Governo e cabe ao Governo, sim, intervir neste processo de despedimento…
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — … e impedir esta manobra, este balão-de-ensaio que está, neste momento, a ser tentado por parte da Altice. Trata-se de uma empresa com lucros avultados que, em plena
pandemia, quer mandar para a rua 300 trabalhadores. É inaceitável, é uma irresponsabilidade e esta operação
deve ser travada, sim, pelo Governo. É uma manipulação da lei e, portanto, o Governo tem uma intervenção
sobre esta matéria.
Mas até vamos mais longe, Sr.ª Deputada: o Bloco de Esquerda defende que empresas com lucros devem
estar impedidas de despedir. Aliás, essa é uma medida que, noutros países, tem sido discutida e até
implementada e é uma medida de sensatez e de defesa dos trabalhadores, num período como este que estamos
a atravessar. Portanto, fica aqui o desafio: o PS está disponível para aprovar uma medida desse tipo no
Parlamento?
Além de ser uma manobra inaceitável, estamos, de facto, perante um balão-de-ensaio, em que uma empresa
— neste caso é a Altice, mas poderíamos estar a falar do Santander ou do BCP, cujos trabalhadores estarão à
porta do Parlamento, em manifestação, na próxima terça-feira — utiliza o contexto da pandemia para operar
uma transformação estrutural de substituição de trabalhadores com direitos e com salários por trabalhadores
precários, externalizados e com salários baixos.
Sr.as e Srs. Deputados, isto é grave, não pode ser permitido, tem de ser travado e, sim, nós temos uma
responsabilidade. Que o PSD não diga nada sobre o assunto,…
Protestos de Deputados do PSD.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sobre os despedimentos na Altice, zero!
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — … relativamente ao caso da Altice, mostra a sua cumplicidade com este patronato selvagem.
Que o Partido Socialista se refugie em generalidades e nos tribunais, é uma forma de se subtrair à
responsabilidade política que é trazida a este Parlamento sobre aquilo que nós, enquanto Parlamento, e o
Governo temos de fazer.
Relativamente a esta manobra, a este balão-de-ensaio, à ficção deste despedimento que está a ser utilizado,
de forma manipulatória, para operar esta transformação, esperamos que o Governo não fique em silêncio e que
possa trazer-nos o seu compromisso em como vai defender estes trabalhadores.
Aplausos do BE.
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O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Morais Soares, do Grupo Parlamentar do CDS-PP.
O Sr. Pedro Morais Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: Um despedimento coletivo é, na opinião do CDS, e creio que na opinião de todos os partidos, algo que ninguém
quer e de que ninguém gosta. Portanto, tanto não querem nem gostam os trabalhadores como também não
querem nem gostam os empregadores.
Para o CDS, o mundo laboral vive de equilíbrios e não olhamos de forma facciosa para nenhuma das partes.
Não partilhamos da ideia, que alguma esquerda tem, de que o despedimento coletivo é algo que agrada aos
patrões.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Eles estão fartos de chorar!
O Sr. Pedro Morais Soares (CDS-PP): — Como todos sabemos, o despedimento coletivo é uma modalidade de cessação de contratos de trabalho que obedece a um conjunto de regras muito específicas e que só pode
ocorrer por determinados motivos, de mercado, estruturais ou tecnológicos, e se for operada simultânea ou
sucessivamente, repito, num período de três meses.
O Presidente da Altice justifica esta decisão com o contexto muito adverso no setor das telecomunicações,
com o ambiente regulatório hostil e sempre com a cobertura da tutela, portanto, do Governo, mas também a
justifica com o atraso na implementação do 5G.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Ah!
O Sr. Pedro Morais Soares (CDS-PP): — A este respeito, Srs. Deputados, também tenho de fazer um aparte, pois, em outubro do ano passado, o CDS apresentou nesta Casa uma iniciativa que não só reconhecia
este problema como ainda apresentava soluções.
O CDS propôs que o Governo definisse e executasse uma estratégia nacional que permitisse a Portugal
contribuir para uma aceleração da implementação do 5G, da transição digital no espaço europeu. Sr. Secretário
de Estado, conforme orientação da Comissão Europeia para o desenvolvimento económico e social da União
Europeia, o CDS propôs também que o Governo procedesse atempadamente à transposição da diretiva
comunitária sobre o novo Código Europeu das Comunicações Eletrónicas, que pretende, sim, responder às
necessidades crescentes de conetividade dos cidadãos e promover medidas que estimulem o investimento em
redes de capacidade muito elevada.
Como votaram PS, BE, PCP, PAN e PEV? Contra! Provavelmente, se a iniciativa do CDS tivesse sido
aprovada, a justificação para o despedimento coletivo teria ficado sem efeito, como referiu o Sr. Presidente da
Altice.
Protestos do BE e do PCP.
Retomando o tema do despedimento coletivo, Srs. Deputados, como sabemos, ele compreende um conjunto
de fases, nomeadamente as fases de comunicação, de informações, de negociações e de decisão. Após a
comunicação, tem lugar uma fase de informações e de negociação entre a Altice e a estrutura representativa
dos trabalhadores com vista à tentativa de se chegar a um acordo sobre a dimensão e os próprios efeitos das
medidas a aplicar, bem como sobre a aplicação de outras medidas que reduzam o número de trabalhadores a
despedir. Essas medidas tanto poderão ser de suspensão da prestação de trabalho como da sua redução, de
reconversão ou reclassificação profissional ou, ainda, reformas antecipadas e pré-reformas.
O CDS, como partido que sempre defendeu e valorizou as partes no diálogo social, acredita que ainda seja
possível chegar a um acordo que minimize este impacto.
Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados, além da competência legislativa, a Assembleia
da República também tem uma função fiscalizadora do Governo, é verdade, mas não tem uma função executiva
nem uma função fiscalizadora da conformidade legal deste despedimento coletivo. Esse acompanhamento e
essa fiscalização cabem, sim, à ACT e à DGERT (Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho).
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Nesse sentido, o CDS espera que, a ser inevitável — repito, a ser inevitável! —, este despedimento coletivo
ocorra com o menor impacto possível para os trabalhadores, que seja negociado um bom acordo e que tudo,
mesmo tudo, seja feito dentro da legalidade.
Termino, Sr. Presidente, dizendo que esperamos que a ACT cumpra com o seu dever. Como partido
responsável que é, o CDS cá estará para acompanhar a sua atuação em todo este processo e para perceber
se fez tudo o que devia e que, de facto, lhe competia.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, pelo Grupo Parlamentar do PS, o Sr. Deputado Hugo Oliveira.
O Sr. Hugo Oliveira (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha primeira palavra neste debate vai para os 300 trabalhadores da Altice, que se encontram numa situação difícil, e para as suas famílias. Esta é a situação
mais difícil por que um trabalhador tem de passar, a do medo de ser despedido. É a sua vida, o seu sustento,
os seus sonhos que estão em risco — os seus e os das suas famílias.
Falarmos aqui com muita veemência e com muita agressividade é fácil, difícil mesmo é o que estes
trabalhadores estão a passar e o que eles estão a viver. Sei bem do que falo. Hoje, estou aqui como Deputado,
mas durante a maioria do tempo, na minha atividade profissional, representei e defendi trabalhadores, pelo que
vivi de perto estas situações.
O desemprego é uma das maiores chagas da nossa sociedade. Sabemos que, por vezes, é inevitável, mas
é miserável ver uma empresa que dá lucro, apenas por querer dar ainda mais lucro, despedir trabalhadores. A
palavra «miserável» pode ser forte, mas acreditem que, mesmo assim, me estou a conter.
O processo de despedimento coletivo da Altice deu entrada na DGERT na semana passada e envolve cerca
de 300 trabalhadores, tendo a DGERT já efetuado a devida comunicação à ACT. A DGERT está a acompanhar
o processo, no que à regularidade substantiva e processual concerne, e a fase de informações e negociação
está a decorrer com a participação da comissão de trabalhadores, sendo que irão ter lugar várias reuniões.
Vozes do PS: — Muito bem!
O Sr. Hugo Oliveira (PS): — Entretanto, a ACT já iniciou o seu processo de fiscalização. O Governo tem feito o seu trabalho. O Sr. Deputado José Soeiro, quando disse que o Governo poderia parar
isto, não disse com que medida o poderia ter feito, porque o Governo fez aquilo que deveria ter feito, que foi dar
mais meios à DGERT e à ACT.
Temos hoje mais inspetores do que nunca. Esse era um trabalho que o Governo deveria ter feito, e fez.
Também no Parlamento, na última Legislatura, depois de terem sido tornados públicos os casos da Altice,
os Grupos Parlamentares do PS, do Bloco de Esquerda e do PCP consensualizaram uma proposta conjunta
para a alteração do regime de transmissão de empresa ou estabelecimento. Também aí fizemos o nosso
trabalho.
Todos nós, de todos os partidos, temos modelos de sociedade e, embora eles sejam diferentes, penso que
todos queremos uma sociedade decente. Mas deixem-me dizer-vos, sem nenhuma arrogância, que ou
começamos todos a olhar para o trabalho digno como o principal direito ou nunca viveremos numa sociedade
decente. Muito já foi feito, mas devemo-nos concentrar no que há ainda a fazer, e é à esquerda que
verdadeiramente o devemos fazer.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira, de Os Verdes.
O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Antes de mais, Os Verdes aproveitam para manifestar a sua total solidariedade com os trabalhadores que estão a ser
alvo da pretensão da Altice em proceder ao despedimento coletivo.
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Depois, queria dizer que a venda da PT Portugal ao fundo francês Altice pode ter sido um bom negócio para
os seus acionistas — e certamente foi! —, mas, como na altura afirmámos, representou uma decisão muito
negativa para o nosso País, para o interesse nacional e também para os trabalhadores da PT. Como também
afirmámos na altura, e hoje, mais do que nunca, se torna evidente, tratou-se de uma decisão que colocou
seriamente em causa o próprio futuro desta grande empresa.
Recorde-se que este processo se iniciou em 1994, com um Governo do PSD de Cavaco Silva a proceder à
privatização desta empresa estratégica para o nosso País e que teve ainda como momento alto, em 2011, a
alienação da golden share que o Estado detinha na PT. Um instrumento que, apesar de tudo, ainda garantia a
intervenção direta do Estado e a exigível defesa do interesse nacional.
Depois, viria ainda o conturbado processo de fusão com a brasileira Oi e operações de gestão danosa, das
quais o financiamento da Rioforte, do Grupo BES, é apenas um exemplo neste contexto.
Ora, perante este quadro, o que se exigia do Governo de então era que impedisse a venda da PT e desse
início a um processo de recuperação do seu controlo público, colocando esta importante empresa ao serviço do
desenvolvimento do País e dos interesses dos portugueses.
Sucede que o Governo PSD/CDS, ignorando, literalmente, o interesse público, acabou por se reduzir a um
simples espectador, como, de resto, convém aos interesses dos grandes grupos económicos e financeiros. E é
isto, Srs. Membros do Governo, que importa impedir desta vez. O Governo não pode fazer o que fizeram outros
Governos no passado: não pode reduzir-se a um mero espectador face às manobras da Altice; não pode ficar
indiferente perante o facto de a Altice não respeitar as leis laborais do nosso País; não pode fingir que nada se
passa quando a Altice pondera despedir mais 300 trabalhadores.
A Altice tem de respeitar as leis e os direitos de quem trabalha e o Estado tem o dever de garantir o
cumprimento da lei e o respeito pelos direitos dos trabalhadores.
Mais: num ano em que no primeiro trimestre a Altice obteve uma receita de 55 milhões de euros, face ao
primeiro trimestre do ano passado, pretende agora despedir 300 trabalhadores. E pior: fundamenta essa
pretensão com «a estrutura de custos fixos insustentável» e «um mercado em que as receitas estão em
declínio», quando a Altice obteve uma receita superior a 5% face ao primeiro trimestre de 2020.
Parece que vale tudo!
Vale despedir, mesmo continuando a engordar os lucros.
Vale despedir, apesar de ter garantido aos trabalhadores que não haveria despedimentos.
Vale violar as leis do trabalho e humilhar os trabalhadores.
Vale dar instruções no sentido de, injustificadamente, obstar a que os trabalhadores que constam da lista
prestem, efetivamente, o seu trabalho.
Vale cortar o acesso ao portal da empresa a quem está em teletrabalho.
Vale exigir a entrega de ferramentas e de viaturas a quem se encontre com tarefas presenciais nas casas de
clientes, com instruções para ficarem em casa a partir do início deste mês.
E vale até sacudir as responsabilidades para cima do Governo, já que a Altice diz que despede dado o
ambiente regulatório hostil, a falta de visão estratégica do País e o atraso do 5G.
Ou seja, a Altice pretende não só despedir 300 trabalhadores como ainda atribuir as responsabilidades desse
despedimento coletivo ao Governo.
Ora, o Governo não pode fingir que não ouviu as acusações graves feitas pela Altice. O Governo tem de
dizer alguma coisa e tem de agir, e é isso que hoje se exige neste debate. Pretende-se que o Governo nos diga
o que quer fazer para travar esta pretensão da Altice de despedir 300 trabalhadores.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nelson Silva, do PAN.
O Sr. Nelson Silva (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em boa hora se agendou para o debate de hoje o tema do despedimento coletivo na Altice, o qual, de resto, mereceu a menção do PAN na semana
passada, quando aqui discutimos a alteração da legislação laboral.
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O que se discute neste debate é a vida de 232 trabalhadores e das suas famílias, é a insensibilidade social
de uma das maiores empresas do nosso País, é se queremos aceitar que a legislação laboral seja letra morta
para alguns empregadores.
Para o PAN, neste debate há duas coisas a dizer.
Por um lado, queremos manifestar a nossa total solidariedade para com cada um destes trabalhadores da
Altice e para com as suas famílias e censurar, de forma veemente, a insensibilidade social de uma empresa
que, em ano de crise sanitária e tendo lucro, não só despede centenas de trabalhadores como o faz de forma
abusiva e ilegal, uma vez que para os substituir contrata trabalhadores em regime de outsourcing. Este atropelo
à legislação laboral não pode ter carta branca da ACT, que, no exercício das suas competências, tem,
urgentemente, de agir para travar estes abusos ilegais da Altice.
Por outro lado, queremos regressar ao debate que aqui tivemos na semana passada para lembrar que o
nosso País está sob um verdadeiro tsunami de despedimentos coletivos, em várias empresas e de vários
setores, incluindo até a TAP (Transportes Aéreos Portugueses), e tudo isto com o alto patrocínio do Governo. E
este tsunami, além de exigir a intervenção da ACT em todos os casos que manifestem ter abusos como os da
Altice, exige que o Governo e a Assembleia da República tomem medidas de proteção social destes
trabalhadores enquanto é tempo.
Assegurar proteção social, neste momento, é garantir que os trabalhadores têm direito a receber a sua
indemnização, que, indiscutivelmente, será um rendimento fundamental para a sua subsistência até arranjarem
outro emprego. E porque é que digo «assegurar»? Porque, devido a uma legislação laboral cega, os
trabalhadores despedidos em despedimento coletivo têm de abdicar da sua indemnização se quiserem impugnar
judicialmente o seu despedimento. Ou seja, a estes trabalhadores já não basta terem de esperar cinco ou seis
anos pelo desfecho do seu processo como ainda têm de escolher entre fazer valer os seus direitos em tribunal
ou renunciá-los para não ficarem numa situação social ainda mais frágil.
Vários professores de Direito já consideraram este enquadramento uma compressão inadmissível à tutela
jurisdicional efetiva dos trabalhadores, que sendo, no mínimo, infeliz, poderá ser, inclusivamente,
inconstitucional. Mais: afirmam que esta norma em nada beneficia o empregador ou contribui para a pacificação
social, havendo um efeito económico neutro, uma vez que a impugnação do despedimento pelo trabalhador não
gera inconvenientes adicionais face àqueles que estão associados à própria ação judicial de impugnação e que
o valor desta compensação será sempre o mínimo a que o trabalhador terá direito a receber em virtude do seu
despedimento.
O PAN fez baixar à Comissão de Trabalho e Segurança Social, sem votação, um projeto de lei que visa pôr
fim a esta injustiça que está prevista no Código do Trabalho, revogando a presunção de que a aceitação da
indemnização representa a aceitação do despedimento. Conseguir tal revogação significaria garantir maior
proteção social a estas pessoas que têm sido e serão vítimas do tsunami de despedimentos coletivos em curso
no nosso País. De forma inexplicável, PS e PSD chumbaram a proposta do PAN que visava levar este tema a
discussão em concertação social antes de ser votado aqui, no Parlamento. Esperemos que, entretanto, e perante
a crise social que estamos a viver, sejam capazes de mudar de posição e aprovar o projeto de lei do PAN, que
tanta diferença fará na vida de tantas famílias do nosso País.
O PAN cá está, como sempre, disponível para fazer pontes; espera-se que PS e PSD saibam estar à altura
do diálogo.
O Sr. Presidente: — É a vez do Grupo Parlamentar do PCP. Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A primeira palavra do PCP neste debate vai para todos os trabalhadores da PT/MEO que, mais uma vez, enfrentam a ameaça e a ofensiva por parte da
Administração da Altice, ou seja, por parte desta multinacional, que desta vez assume uma gravidade e, diria,
uma agressividade que não tem paralelo desde que a PT existe em Portugal.
Não estamos com reservas, nem hesitações, nem meias-tintas para com os trabalhadores e para a sua luta
pelo trabalho com direitos, pelo que saudamos a mobilização das lutas que estão convocadas para os dias 9,
16 e 21. E se há aqui alguma disputa ou campeonato partidário, Srs. Deputados, é muito claro para todos que
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é entre aqueles que procuram o prémio de «amigo mais querido dos patrões e administradores do Grupo Altice»,
de «guarda-costas do mês» ou de «protetor mais incansável dos que pretendem despedimentos fora da lei».
Dizia-se aqui que há uma semana debatemos o tema do combate à precariedade, aliás, isso foi dito há pouco
pelo PS e por outros Srs. Deputados, mas esse debate foi agendado pelo PCP. É particularmente significativo
que, na mesma tarde do dia 30, na semana passada, tenha ocorrido aqui, na Assembleia da República, a
audição das organizações dos trabalhadores da PT/MEO e o debate agendado pelo PCP, precisamente sobre
o Código do Trabalho e as alterações que propusemos para defender os trabalhadores portugueses face a essa
praga que está a acontecer dos despedimentos coletivos.
É que despedir é mais fácil, mais barato e, pelos vistos, dá milhões! Hoje, as regras de despedimento
continuam a deixar nas mãos do patronato o poder para despedir quando quiser e quem quiser!
O que propusemos foi a limitação de critérios para o despedimento coletivo, a revogação do despedimento
por inadaptação, a eliminação do despedimento sempre que exista posto de trabalho compatível com a
colocação de trabalhadores, que é exatamente o caso que aqui está, sendo que, para já, mesmo com o que
está em causa, é claramente ilegal, inaceitável e criminoso o processo de despedimento coletivo com que a
Administração da Altice está neste momento a chantagear os trabalhadores e o próprio Estado português. E o
próprio Estado português!
O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Exatamente!
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Aliás, Srs. Deputados, é curioso ouvir falar em diálogo social e em negociação entre as partes quando há um patrão que apresenta uma declaração de guerra aos trabalhadores sem
comparação até hoje, com a humilhação e a provocação que estão a ser feitas aos trabalhadores da PT/MEO.
Já foi aqui dito, mas nós não podemos deixar de observar: desde o dia em que foi anunciado o despedimento
coletivo por parte da Altice, ainda não ouvimos o Governo pronunciar-se sobre esta matéria. Nem uma palavra
até agora! Já o debate vai a mais de meio e continuamos a aguardar que o Governo diga uma palavra sobre
esta matéria. Mas, mais do que as palavras que venham a ser ditas, o que importa são as ações e o trabalho
que seja efetivamente feito para travar este crime que está a acontecer.
O que é que nos preocupa? O que nos preocupa é que o Governo volte a responder com a mesmíssima
frase com que responde milhares de vezes à Assembleia da República quando matérias como esta são
suscitadas. E passo a citar uma resposta do Governo: «Em resposta à pergunta do PCP, encarrega-me a Sr.ª
Ministra do Trabalho de transmitir que a situação sinalizada foi reportada à ACT e está a ser objeto de
acompanhamento por aquela entidade, que assegurará o cumprimento da legislação laboral.»
Espero que não seja isto que o Governo tenha para nos dizer hoje, porque o que neste momento já é
preocupante é o sepulcral silêncio dos responsáveis governativos num processo que é ele próprio o testemunho
de uma operação de chantagem ao Estado português. Quando os trabalhadores são usados como escudo
humano, como arma de arremesso, como peça de chantagem em relação a interesses políticos e económicos,
é inaceitável que durante todo este tempo o Governo fique calado.
Nós dizemos, hoje, mais uma vez, o que dissemos em 2017: quem está a mais na PT não são os
trabalhadores, quem está a mais na PT são os abutres que se apropriaram desta empresa estratégica para o
País, que estão a desmantelar esta empresa estratégica e a vendê-la às peças, como estamos a verificar. E é
inaceitável que impunemente continuem a ter esta intervenção aqueles que prejudicam o interesse público e o
interesse nacional!
É imperioso salvaguardar, desde logo, a defesa do emprego com direitos, a defesa do cumprimento da
legislação nacional, a defesa e o cumprimento da Constituição, mas também a defesa do interesse estratégico
do nosso País, e é aí que entra a questão central da propriedade, titularidade e controlo desta empresa.
Aplausos do PCP e do PEV.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Ventura, do Chega.
O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje, o Sr. Deputado José Luís Ferreira conseguiu inovar no debate. À culpa atribuída ao Passos sucedeu a culpa atribuída ao Cavaco Silva. Estamos
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cada vez mais longe e, em breve, teremos a culpa atribuída a Sá Carneiro, assumida aqui, no Parlamento,
certamente.
Protestos do Deputado do PEV José Luís Ferreira.
O debate de hoje traz-nos uma particularidade. O Bloco de Esquerda, em 2018, já tinha proposto a
nacionalização das estruturas da Altice, portanto, na verdade, para a esquerda, a única solução é nacionalizar,
é pegar no dinheiro dos portugueses, pô-lo nas empresas e nacionalizar.
Esta continua a ser a mesma solução de sempre e que tem levado à miséria a maior parte dos países
europeus e a maior parte dos países da América do Sul que a têm aplicado. E fazem-no sempre da mesma
forma: tirando dinheiro aos contribuintes e pondo-o nas empresas. Essa é a solução que a esquerda apresenta
para tudo.
Mas o Governo não é isento nesta matéria, porque este ano, em maio, a ACT foi reforçada em 50 inspetores.
Repito, 50! Um número ridículo! Nessa altura, onde estava a esquerda e a extrema-esquerda, que marcaram o
Orçamento do Estado dizendo que exigiam mais ao Governo socialista?! Não estavam em parte nenhuma!
Protestos de Deputados do PS.
É inadmissível que uma empresa faça chantagem com o Governo e ele esteja aqui em silêncio, quando já
passou mais de metade do debate! É inadmissível que uma empresa diga que, se há despedimentos, é por
culpa do Governo e por haver um quadro regulatório hostil e o Governo se mantenha em silêncio sobre essa
matéria!
O Sr. Presidente: — Já ultrapassou o tempo de que dispunha, Sr. Deputado.
O Sr. André Ventura (CH): — Vou terminar, Sr. Presidente. Como é que o Governo vai defender os trabalhadores? Como é que vai defender a economia regulada? E
como é que vai defender o processo de regulação em Portugal?
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Moura Soeiro, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há uma coisa que a esquerda nunca defendeu, que é pegar no dinheiro dos portugueses e pô-lo no bolso dos acionistas privados, e é o que
se tem passado na Altice nos últimos anos.
Há muitas formas de abordar o que está neste momento a acontecer na Altice: uma forma de abordagem é
entender que a intervenção do Ministério do Trabalho, portanto, do Governo, que está prevista no artigo 362.º
do Código do Trabalho, é uma mera verificação administrativa de procedimentos, lavando a responsabilidade
política relativamente ao acompanhamento deste processo e abrindo um precedente de fraude à lei; outra forma
de abordagem é não descartarmos as responsabilidades políticas, o Governo empenhar-se energicamente em
demonstrar que isto é uma fraude à lei, que isto é ilegal, que não deve ser autorizado, que nós não ignoramos
que a contratação, pela Intelcia, de trabalhadores precários está a ser utilizada para substituir trabalhadores
efetivos da Altice que estão a ser despedidos e é o Governo tomar medidas para travar esse despedimento e
suspender, de imediato, todos os despedimentos em empresas com lucro em período de pandemia. É isso que
queremos ouvir, é sobre isso que esperamos ouvir o Governo.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Segurança Social, Gabriel Bastos.
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O Sr. Secretário de Estado da Segurança Social (Gabriel Bastos): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo participa neste debate de urgência ciente de que o tema que aqui nos traz suscita natural
preocupação a todos nós.
Consideramos que o despedimento coletivo anunciado diz respeito a uma das maiores empresas a atuar em
Portugal, como aqui foi dito, num setor estratégico. Nessa medida, o Governo está totalmente disponível, como
sempre esteve e sempre estará, para prestar ao Parlamento a informação de que dispõe.
A preservação do clima de paz social no mercado de trabalho e o respeito pelos direitos dos trabalhadores
são pilares fundamentais no nosso quadro juslaboral. Daí que a sua promoção e efetiva salvaguarda exija um
acompanhamento e vigilância permanentes por parte das instituições do Estado.
Tendo em consideração as fortes implicações que a pandemia teve na nossa economia e, em particular, no
mercado de trabalho, nunca é demais reafirmar a aposta firme do Governo na manutenção dos postos de
trabalho, através da implementação de medidas de apoio às entidades empregadoras e aos trabalhadores. São
exemplo disso mesmo o layoff simplificado, o apoio extraordinário à retoma progressiva da atividade, o incentivo
à normalização da atividade empresarial, bem como os apoios à redução da atividade dos trabalhadores
independentes, entre outros.
Desde o início da pandemia, foram pagos mais de 3 mil milhões de euros, que possibilitaram o apoio a cerca
de 3 milhões de trabalhadores.
Vozes do PS: — Muito bem!
O Sr. Secretário de Estado da Segurança Social: — Simultaneamente, para garantir que os apoios cumpriam o objetivo primordial de proteger os trabalhadores e os postos de trabalho, o Governo alargou o
período de proibição do despedimento coletivo por inadaptação ou por extinção do posto de trabalho nas
empresas apoiadas, de 90 dias para 180 dias, após a concessão dos apoios; reforçou as competências da ACT
através de um novo poder suspensivo da inspeção do trabalho, no quadro de despedimentos com indícios de
ilicitude; reforçou os meios humanos da ACT.
Vozes do PS: — Muito bem!
O Sr. Secretário de Estado da Segurança Social: — No último ano e meio, a ACT viu o seu quadro reforçado com 190 novos inspetores — 44 inspetores estagiários passaram a exercer funções de inspetores no
terreno, 80 candidatos aprovados em concurso externo foram mobilizados e 70 novos inspetores do trabalho
foram contratados através de reserva de recrutamento do último concurso externo.
Com este reforço, previsto no Orçamento do Estado para 2021 e concretizado pelo Governo, o quadro de
pessoal da ACT atingiu os 493 inspetores, o valor mais elevado de sempre.
Mas, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, apesar das medidas implementadas, sabemos que não é
possível prevenir todo e qualquer impacto socioeconómico desta crise pandémica. Por isso, o Governo
acompanha todos os processos de despedimentos coletivos de forma próxima e, no caso em concreto, o
despedimento dos 246 trabalhadores do grupo Altice, um grupo da maior relevância no tecido empresarial
português.
Os serviços do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, nomeadamente através da
Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho e da Autoridade para as Condições do Trabalho, têm
acompanhado este processo com particular atenção. Ainda na passada sexta-feira, decorreu a primeira reunião
da fase de informação e negociação relativamente a este processo, em que participaram os representantes da
empresa e da comissão de trabalhadores, juntamente com a DGERT. Nessa reunião, o grupo económico expôs
os seus argumentos e a comissão de trabalhadores solicitou informação adicional.
Este processo vai prosseguir os trâmites normais, estando agendadas novas reuniões para as próximas
semanas, com o devido acompanhamento dos conciliadores da DGERT, com vista à promoção da regularidade
da sua instrução, substantiva e procedimental — repito, substantiva e procedimental —, e à conciliação das
partes envolvidas.
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Permitam-me ainda referir que o grupo Altice é objeto de acompanhamento sistemático por parte da ACT,
tendo sido efetuadas, nos últimos seis anos, 269 visitas inspetivas, que deram origem a 101 contraordenações
e à aplicação de coimas, num montante superior a 462 mil euros.
Informo que a Sr.ª Inspetora-Geral em suplência reuniu, no passado dia 5 de julho, com as estruturas
representativas dos trabalhadores para lhes transmitir que a ACT, no quadro das suas atribuições, está atenta
e a acompanhar todo o processo.
De referir igualmente que, após ter tido conhecimento da intenção da empresa, a ACT desencadeou de
imediato nova visita inspetiva para apurar os factos relevantes, estando atualmente esse processo a seguir o
seu curso.
Como compreenderão, estando a decorrer a fase de negociações, não é possível dispor, neste momento, de
informações conclusivas e, nessa medida, o Governo deve abster-se de tecer mais considerações, porquanto
as mesmas não deixariam de ser prematuras.
Não posso, contudo, deixar de expressar o empenho que colocamos para que as negociações possam
conduzir a um entendimento entre as partes que permita evitar a concretização do despedimento coletivo.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, reforço que o Governo acompanha esta situação de forma próxima e
que não deixará de atuar, caso se constate que os direitos dos trabalhadores estão, de algum modo, a ser postos
em causa ou violados.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Então não estão?
O Sr. Secretário de Estado da Segurança Social: — Antes de concluir, quero apenas deixar uma nota adicional de que os diversos organismos do Ministério, nomeadamente através dos serviços do IEFP (Instituto
do Emprego e Formação Profissional), da ACT e da segurança social, estão mobilizados para acautelarem que
os trabalhadores tenham o devido acesso às informações e também aos apoios, se for o caso, de que possam
necessitar.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Carla Barros, do PSD.
A Sr.ª Carla Barros (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Em jeito de conclusão e também para deixar aqui algumas notas sobre este debate, importa realçar algo de inédito que
aconteceu no início deste debate e a que certamente todos prestaram atenção.
A Sr.ª Deputada Rita Borges Madeira, pertencente à bancada que suporta o Governo, acabou por dizer, na
sua intervenção, que dispensa a ação do Governo nesta matéria, acabou por dizer que o Governo é inútil…
Aplausos do PSD.
Protestos de Deputados do PS.
… e que a responsabilidade da resolução deste problema cabe à Autoridade para as Condições do Trabalho
e aos tribunais.
A Sr.ª Rita Borges Madeira (PS): — Não disse nada disso!
A Sr.ª Carla Barros (PSD): — Sr.ª Deputada, o Governo é inútil? A Sr.ª Deputada entende que o Governo é inútil num processo de despedimento de cerca de 300 trabalhadores, que afetará cerca de 300 famílias?!
O Sr. Adão Silva (PSD): — Exatamente!
A Sr.ª Carla Barros (PSD): — O Governo é inútil?!
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A Sr.ª Rita Borges Madeira (PS): — Não disse nada disso!
A Sr.ª Carla Barros (PSD): — Se isto fosse uma brincadeira, até poderíamos dizer: «Ó Sr.ª Deputada, o PSD já percebeu que o Governo é inútil. O PSD já percebeu!»
Sr.ª Deputada, o País, mais tarde ou mais cedo, perante esta inação do Governo, perante o que está a
acontecer no mundo laboral, na economia, vai concluir a verdade que a Sr.ª Deputada disse neste debate: o
Governo é inútil.
Aplausos do PSD.
Mas, Sr.as e Srs. Deputados, o assunto é demasiado sério e não podemos ficar pela caracterização de um
Governo inútil, porque o País está à espera e só é capaz de sobreviver nesta fase graças a políticas públicas, à
ação efetiva do Governo junto da economia. Nunca o País esteve tão dependente de boas políticas públicas e
da ação do Governo neste período particular da economia.
O País não pode dispensar a ação do Governo e o Partido Socialista terá de decidir, de uma vez por todas,
se o Governo vai ou não dialogar com as empresas nesta fase complicada da economia e da sua sobrevivência,
se vai ou não acompanhar os despedimentos coletivos que possam ocorrer ou que venham a ser anunciados,
se vai ou não acompanhar as dinâmicas do mundo laboral e tentar manter o emprego que existe, criar mais
postos de trabalho, criar mais emprego, tornar a economia mais competitiva. É a isto que o Governo vai ter de
responder ao País, porque o País não sobrevive com um Governo inútil, Sr.ª Deputada!
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Rita Borges Madeira (PS): — Sr. Presidente, dá-me licença que use da palavra?
O Sr. Presidente: — A que título, Sr.ª Deputada?
A Sr.ª Rita Borges Madeira (PS): — Sr. Presidente, é para uma interpelação à Mesa, uma vez que foram aqui proferidas…
O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, qual é a figura regimental que pretende utilizar para intervir neste momento?
A Sr.ª Rita Borges Madeira (PS): — Pretendo usar a figura da interpelação à Mesa sobre a condução dos trabalhos, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Rita Borges Madeira (PS): — Sr. Presidente, uma vez que foram aqui proferidas, pela Sr.ª Deputada do PSD, algumas inverdades…
Protestos do Deputado do PSD Duarte Marques.
… sobre o que referi há pouco, na questão que coloquei ao Bloco de Esquerda, queria solicitar à Mesa que
distribuísse aos Srs. Deputados, e, nomeadamente à Sr.ª Deputada Carla Barros, a intervenção que fiz, que
está escrita, para poderem verificar o que realmente disse.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, já ficou claro que pretende que a sua intervenção seja distribuída à Sr.ª Deputada Carla Barros. Assim se fará.
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Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado José Soeiro, do Grupo Parlamentar do Bloco de
Esquerda.
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado: Não há nenhum clima de paz social no mundo do trabalho atualmente — nenhum clima de paz social! —, há um sistema de relações laborais
com leis da troica, que são uma arma dos patrões contra os trabalhadores, nomeadamente as leis do
despedimento, que cortaram para menos de metade as compensações e que mantêm o amordaçamento dos
trabalhadores, quando confrontados com despedimentos ilícitos. E há uma declaração de guerra aos
trabalhadores por parte de empresas que têm lucros e que até ganharam mais com a pandemia, como é o caso
da Altice, e que estão a utilizar de forma oportunista esta situação de pandemia para despedir pessoas, para
descartar pessoas, ainda por cima de forma ilegal e manipulando a lei.
Há aqui um conflito, Sr. Secretário de Estado. Não estamos em clima de paz nem estamos numa contenda
entre iguais. Não parece ao Governo que há óbvios indícios de ilicitude e de manipulação da lei? A nós parece-
nos, Sr. Secretário de Estado, e parece-nos bastante evidente.
O Governo acha legítimo que empresas com lucros possam despedir em plena pandemia? Se não acha
legítimo, então porque é que não aprova, desde já, uma moratória aos despedimentos em empresas com lucros
em plena pandemia e porque é que não atua, com todas as suas forças, para impedir estes despedimentos?
Em 2017, com a luta dos trabalhadores, mas também com o trabalho que foi feito neste Parlamento,
conseguimos vencer a Altice. E nós, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, mas, sobretudo,
trabalhadores, já iniciámos o processo de luta e teremos de ser capazes de vencer a Altice também agora.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Vamos passar ao segundo ponto da nossa ordem do dia, que consiste no debate, na generalidade, da Proposta de Lei n.º 94/XIV/2.ª (GOV) — Procede à revisão do Código dos Valores Mobiliários.
Para abrir o debate, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado das Finanças, João Nuno Mendes.
O Sr. Secretário de Estado das Finanças (João Nuno Mendes): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A economia nacional iniciou um período de recuperação dos impactos da pandemia.
O mercado de capitais pode desempenhar uma função essencial na captação de investimento e no
financiamento das empresas neste contexto.
Temos empresas portuguesas sólidas e competitivas que criam emprego e são líderes nas suas áreas de
negócio. Têm a ambição de crescer e concorrer a nível global. Têm condições para abrir o seu capital a
investidores, nacionais e internacionais, mas muitas ainda não estão no mercado de capitais.
E as vantagens podem ser muito importantes. Enumerarei algumas dessas vantagens, sobretudo no atual
contexto económico, nomeadamente: o aumento dos capitais próprios das empresas, a diversificação das fontes
de financiamento a custo mais adequado e a redução da dependência do endividamento bancário.
Sublinhe-se que a empresa e a sua estratégia adquirem visibilidade global no seu setor de atividade entrando
no radar de novos investidores que dispõem de liquidez para financiar projetos de crescimento.
Sabemos que ser uma empresa emitente tem responsabilidades e escrutínio mais exigentes. Isso, em si
mesmo, é uma vantagem, também pelo incentivo à crescente profissionalização da gestão.
O mercado de capitais pode contribuir ativamente para o propósito de crescimento da dimensão média das
nossas empresas, seja por via orgânica seja por via de aquisições, e isso é muito importante para a estrutura
empresarial nacional.
Entendemos que a abertura do capital a novos investidores através do mercado de capitais pode ser
compatível com a manutenção da autonomia estratégica na condução dos negócios pelos seus acionistas
fundadores e empreendedores.
Constatamos ainda que existe uma vaga de empreendedorismo de base tecnológica, em termos globais e
também no nosso País. Os mercados de capitais mais desenvolvidos tem revelado uma extraordinária
capacidade de compreender o risco tecnológico e de apoiar estes projetos numa dimensão financeira sem
precedentes. É fundamental participarmos nesta transformação.
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Por seu turno, o aumento extraordinário da importância do «investimento sustentável do ponto de vista
ambiental e social» na estratégia de alocação de fundos por parte de muitos investidores internacionais abre
grandes oportunidade às empresas nacionais que posicionam precisamente aqui a sua atividade e pretendem
crescer.
Sr.as e Srs. Deputados: O mercado de capitais, em termos globais, está em acelerada transformação e isso
reflete-se no seu enquadramento regulatório.
A União Europeia tem em curso um plano de ação para o mercado de capitais, apresentado pela Comissão
Europeia no final do ano passado.
Temos um enquadramento regulatório em Portugal que necessita de ser adaptado e que acompanhe a
transformação da realidade que regula. É a melhor homenagem que podemos fazer, quando se assinalam os
20 anos do Código dos Valores Mobiliários.
A proposta de lei que hoje apresentamos contém um equilíbrio adequado dos diversos valores em causa:
alinha o nosso direito nacional com a globalidade dos padrões do direito da União; simplifica diversas soluções
regulatórias; reforça a proteção dos investidores; reduz custos de contexto e regulatórios; e permite aos
acionistas abrirem o capital sem perderem o controlo da empresa, através da figura do voto plural.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei que o Governo hoje apresenta é um contributo para
melhorar a competitividade do nosso mercado de capitais, na medida em que reduz barreiras, custos e encargos,
simplifica soluções regulatórias e aumenta a certeza jurídica da legislação.
Temos, hoje, a oportunidade de criar condições para dispormos de um mercado de capitais mais competitivo
e criador de emprego. Com os contributos das Sr.as e dos Srs. Deputados, será possível melhorar o resultado
final desta proposta de lei.
Aplausos do PS.
Entretanto, assumiu a presidência o Vice-Presidente Fernando Negrão.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, não havendo inscrições, passamos ao terceiro ponto.
Pausa.
Inscreveu-se agora, para uma intervenção, o Sr. Deputado Hugo Carneiro, do PSD. Tem a palavra.
O Sr. Hugo Carneiro (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo apresenta hoje no Parlamento uma revisão profunda do Código dos Valores Mobiliários. O atual Código data de
1999 e já teve 43 alterações. As mudanças agora propostas são ditas de «significativas», mexendo-se, para
além do próprio Código dos Valores Mobiliários, em legislação relacionada com: o código da insolvência; a
idoneidade dos revisores oficiais de contas e regras sobre auditoria; o combate à criminalidade organizada e
económico-financeira, entre outros diplomas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se o propósito destas alterações passa por fortalecer o mercado de capitais
português aumentando a sua competitividade, salvaguardar os investidores e a integridade do mercado de
capitais, incentivar o financiamento das empresas através do mercado de capitais, apoiar as empresas de menor
dimensão, incentivando o seu acesso ao mercado, aproximar o nosso quadro legal daquilo que já acontece a
nível europeu, eliminando barreiras no acesso a este mesmo mercado, e reduzir os custos de contexto, se os
objetivos são estes, o PSD não pode deixar de se rever nos seus propósitos.
Mas a concretização dos propósitos implica sempre opções e, aí, podemos estar mais ou menos de acordo.
Não é certamente num debate na generalidade que resolveremos muitas das diferenças de opinião que poderão
existir, mas concordamos que este é um tema muito relevante.
É um processo legislativo que implicará necessariamente ouvirmos as diversas entidades com interesse
neste setor, de modo a que a solução que o Parlamento venha a aprovar não reflita um pensamento ou opções
enviesadas de uma certa conceção ou modelo.
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O PSD está ao lado das empresas e vê com bons olhos favorecer o acesso das mesmas ao financiamento
através do mercado de capitais, atraindo novos investidores que, em face da legislação atual, não mostram
grande interesse em Portugal, ou poderão não mostrar.
Não deixamos de notar, todavia, que o Governo normalmente só avança com legislação mais estruturante
quando é forçado a isso, como parece ser aqui o caso. O PSD tem outro tipo de atitude: perceber os problemas,
antecipar as soluções e reformar.
Neste processo julgamos que é essencial o aprofundamento, na especialidade, feito com tempo, mas
destacamos, desde já, como aspetos da maior relevância e que devem constituir pressupostos, os seguintes: a
defesa dos investidores e do sistema de intermediação; a existência de uma regulação e supervisão
simplificadas, mas, ao mesmo tempo, robustas, atempadas e eficazes.
Alguns dos problemas do passado no mercado de capitais português, que penalizaram fortemente os
investidores e os pequenos acionistas, não podem voltar a acontecer perante um desinvestimento na
supervisão.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Vera Braz, do PS.
A Sr.ª Vera Braz (PS): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Depois de uma crise financeira mundial e subsequente crise da dívida soberana na área do euro, Portugal, nos últimos anos,
sob a liderança de um Governo que perspetivou e alcançou uma forte recuperação da nossa economia sem
recorrer à austeridade mas, sim, implementando reformas estruturais, permitiu-nos chegar a 2019 com um
crescimento da economia portuguesa acima de todas as projeções, com uma diminuição do desemprego das
mais significativas entre os países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico),
com uma queda dos 17%, registados durante o período da crise, para os 6,5%, em 2019.
Portugal provou, assim, a sua capacidade para se reerguer, para entrar numa trajetória de crescimento, de
competitividade das nossas empresas e da nossa economia. E voltaremos a prová-lo!
Mais uma vez, a capitalização das empresas, a recuperação do investimento, continuará a assumir um papel
preponderante para o relançamento da economia portuguesa.
Conseguimos, nos últimos anos, criar uma base de trabalho que nos permite hoje encarar esta crise
pandémica com novas respostas e promover novas alterações estruturais que contribuam, desta forma, para
um crescimento sustentável e resiliente, mantendo a nossa ambição de crescimento e de competitividade.
A proposta de lei hoje aqui apresentada pelo Governo, com impactos significativos no mercado de capitais,
para além dos seus objetivos de simplificação, de redução de cargas regulatórias ou de maior flexibilidade
normativa, ao ir ao encontro das melhores práticas e das regras internacionais, pretende dar um sinal do papel
significativo do mercado de capitais para a recuperação da nossa economia.
O mercado de capitais deve servir a economia real, enquanto ferramenta imprescindível para a criação de
valor do nosso tecido empresarial, desde logo atuando como fonte alternativa de financiamento, que permite
desenvolver investimentos a longo prazo, reduzindo a elevada dependência dos empréstimos bancários.
É o momento de todos nós convocarmos a nossa sociedade para que esta olhe para o mercado de capitais
como um mercado ordenado, transparente, confiável e harmonizado com a União Europeia, que permita
impulsionar a nossa capacidade de investimento, o nosso empreendedorismo, o desenvolvimento de um
Portugal inovador e que se afirma internacionalmente.
Portugal caminha, assim, para uma união dos mercados de capitais, essencial para o crescimento e
competitividade não só de Portugal mas da União Europeia. O Partido Socialista, tal como o Governo, está de
braços dados com esta causa e contribuirá para essa união dos mercados de capitais.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Renovando o gosto de dar a palavra ao Sr. Deputado Duarte Alves, o que já não acontecia há algum tempo, faça favor, Sr. Deputado.
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O Sr. Duarte Alves (PCP): — Já não acontecia há algumas semanas, Sr. Presidente. Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A proposta de lei que hoje apreciamos insere-se
num movimento à escala europeia de adaptação da legislação sobre regulação e supervisão dos mercados,
como se as faltas de transparência nos mercados de capitais fossem resolvidas com este modelo de supervisão,
dita independente.
Essa é, aliás, a primeira questão: a proposta de lei, tal como as medidas à escala da União Europeia,
anunciam-se como respostas à evolução dos mercados, ou seja, adapta-se a supervisão à forma como os
agentes de mercado, permanente e sistematicamente, encontram esquemas de opacidade, circularidade e
especulação que penalizam o interesse público, empobrecem e descapitalizam as empresas e a economia real.
É verdade que esses problemas não decorrem da presente proposta de lei, pelo contrário, são inerentes ao
funcionamento dos mercados de capitais que estão no coração do sistema capitalista e que determinam o curso
de grande parte da economia, à margem dos Estados e do interesse da esmagadora maioria da população.
Vejam-se os casos das distribuições de dividendos em Portugal, com descapitalização de empresas
fundamentais para a economia do País.
É verdade que a presente proposta visa criar condições para uma CMVM (Comissão do Mercado de Valores
Mobiliários) com mais poderes de atuação, embora abrangendo apenas as poucas, e cada vez menos, empresas
cotadas em bolsa.
É igualmente verdade que visa assegurar mais transparência nos circuitos de capitais, mais segurança na
oferta e na aquisição de bens mobiliários e mais capacidade de determinação de beneficiários e titulares. Esses
são os seus objetivos anunciados e que, pese embora não tenham até hoje produzido qualquer efeito prático,
não são a origem dos problemas, o que também não quer dizer que os resolvam!
Há, contudo, dois aspetos na estratégia em que esta proposta de lei se insere que devem ser mais
ponderados: o da possível criação de uma espécie de penny stock (pequena bolsa, ou bolsa para pequenas e
médias empresas ou pequenos e médios emitentes), que, tendo em conta as características do tecido
económico nacional, mais não faria senão colocar as micro, pequenas e médias empresas nas mãos de
intermediários que se dedicariam a extrair-lhes ainda mais valor do que aquele que já é extraído pela banca; e
o da escalada para a construção do mercado único de capitais, ou seja, a união dos mercados de capitais,
estratégia que reforçará ainda mais o poder dos próprios mercados de capitais, cada vez mais desligado do
âmbito nacional e dos instrumentos de supervisão nacionais e onde as micro, pequenas e médias empresas
não são senão o adorno que aparenta justificar esse rumo de centralização do capital.
Na verdade, um mercado único de capitais, uma espécie de bolsa única no espaço da União Europeia, tal
como o mercado de bens e serviços o fez, colocaria as micro, pequenas e médias empresas de países como
Portugal numa situação ainda mais débil de acesso ao capital, jogando na mesma praça que os grandes grupos
económicos ou, na melhor das hipóteses, numa praça de micro, pequenas e médias empresas à escala
europeia, onde as portuguesas disputariam financiamento com empresas de economias em estados de
desenvolvimento completamente diferenciados.
A proposta de lei implica a audição de agentes vários, aliás, enunciados no próprio texto da proposta de lei,
mas que não foram enviados ao Parlamento.
Além do trabalho de audição dessas entidades, existe um debate a fazer sobre o presente regulatório que a
proposta de lei cria, se aprovada, e o futuro que pretende começar a construir, que é o de mais concentração,
federalismo e aprofundamento do mercado como centro das decisões financeiras, económicas e,
consequentemente, políticas da União Europeia e dos seus Estados-Membros.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Dou agora a palavra, para uma intervenção, à Sr.ª Deputada Cecília Meireles, renovando igualmente o gosto em dar-lhe a palavra.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Muito obrigado, Sr. Presidente. Também já há algumas semanas que não sentia a sua presença e a sua presidência sempre pertinente.
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Sr.as e Srs. Deputados, hoje, não estamos na comissão de inquérito mas estamos a discutir o Código dos
Valores Mobiliários e esta iniciativa, que visa rever o Código dos Valores Mobiliários e os estatutos da Comissão
do Mercado de Valores Mobiliários, juntamente com vários outros documentos conexos.
Esta iniciativa tem sido defendida por várias organizações internacionais, como a OCDE, e, em Portugal,
pela CMVM.
De facto, aparentemente, o Governo considera que, sobre esta matéria, a OCDE agiu bem, embora tenhamos
ouvido, hoje de manhã, quando a OCDE explicou que o Governo português falhou em apoiar as PME (pequenas
e médias empresas), o Governo português dizer que a OCDE utilizou critérios errados.
Aparentemente, desta vez, o Governo deu razão à OCDE, porque segue o relatório que foi apresentado
sobre a avaliação do mercado de capitais, que faz um conjunto de recomendações no sentido de mobilizar o
mercado de capitais português para o investimento e para o crescimento, algo que esta iniciativa parece seguir.
Também a Sr.ª Presidente da CMVM se pronunciou sobre este assunto de forma favorável, dizendo que
«esta revisão projetada prossegue objetivos de simplificação, de redução de cargas regulatórias, de
previsibilidade na atuação da atividade reguladora e de maior flexibilidade normativa, sempre com a necessária
proteção dos investidores e do mercado.»
Sr.as e Srs. Deputados, compreendemos o papel que o mercado de capitais e o mercado de capitais ativo
pode ter, até na captação do financiamento para empresas, que, em Portugal, ainda é parca e pouco
desenvolvida, mas pode sê-lo, como uma fonte alternativa de financiamento para as empresas.
Há dois alertas, contudo, que gostaria de deixar: em primeiro lugar, uma legislação complexa como esta
implica um trabalho cuidado em sede de especialidade, portanto, aquilo que, agora, é visto de uma forma, na
discussão na generalidade, em sede de especialidade pode ser alterado; em segundo lugar, falar de valores
mobiliários, do papel da CMVM e de vários destes diplomas, do meu ponto de vista, devia ser enquadrado numa
revisão mais profunda da supervisão.
Gostava de relembrar que, na Legislatura passada, estivemos a discutir uma reforma da supervisão, que,
como entrou tarde e a más horas, não foi possível terminar. Quando falo em supervisão, falo não só em
supervisão e regulação de mercados financeiros, mas também de entidades financeiras.
Olhar, no caso das atividades financeiras, para o papel da supervisão prudencial e para o papel da supervisão
comportamental também implica olhar para o papel não só do Banco de Portugal mas também da CMVM.
Portanto, a dúvida que fica no ar é a seguinte: quando voltaremos a discutir a revisão da supervisão?
Queremos saber quando é que esse assunto voltará a ser discutido, tanto mais que havia várias pessoas a
defender o modelo de divisão da supervisão em supervisão prudencial, por um lado, e comportamental, por
outro, o que alteraria radicalmente os papéis do Banco de Portugal e da CMVM e teria, como é óbvio,
repercussões no que toca a mercados financeiros.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Cá estamos de novo, Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, a quem dou palavra para uma intervenção.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, a quem cumprimento, Sr.as e Srs. Deputados: Há, genericamente, dois modelos de financiamento e de economias na Europa e nos Estados Unidos. Um deles é
um modelo de mercado de capitais, prevalecente no mercado anglo-saxónico e em alguns países europeus, o
outro é um modelo baseado no sistema bancário, prevalecente na Europa continental e na Europa do sul.
Ambos estes modelos têm fragilidades e a desregulamentação aconteceu em ambos, e ambos originaram
crises económicas, instabilidade e especulação. Portanto, até hoje, não há quem consiga determinar se um
modelo é superior ao outro.
A verdade é que, não satisfeitas com a integração que fizeram do sistema bancário ao longo dos últimos
anos, as instituições europeias estão determinadas, com o apoio do Governo português, a criar uma união
também de capitais, que vai além da união, da integração e da concentração de poder bancário, a nível europeu.
Portanto, o que estamos a fazer, depois de termos percebido o problema da banca regulada, que, afinal, não
era assim tão regulada, é a abrir as portas a um mercado não regulado, que é o mercado da banca sombra. É
isso que está em causa: são os fundos de capital de risco, os fundos de investimento, as fintech (financial
technology), as instituições híbridas, ou seja, são todas as instituições que criam crédito, que especulam com
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dívida, que geram dívida, mas que não são bancos na verdade, não têm requisitos de capital, não têm requisitos
de liquidez e não têm determinações por parte dos bancos centrais nacionais ou do Banco Central Europeu.
É disto que se fala quando se fala do mercado de capitais, hoje: é de gigantescos fundos institucionais, na
maior parte das vezes fundos de pensões. E, atenção: começa a fazer-se também esse debate em Portugal,
«não pode haver mercado de capitais em Portugal sem haver fundos de pensões privados» e depois, então,
vamos debater a privatização da segurança social, porque estas discussões estão ligadas. Portanto, é sobre
isto que se debate, é um novo negócio, é um novo campo de especulação, é um novo campo de criação de
dívida.
É claro que isto não se pode apresentar assim. Ninguém pode dizer que quer criar um novo mercado para
lucros financeiros e, portanto, lá vem a história do financiamento da economia e pululam os termos-chave deste
debate: eficiência, flexibilidade, competitividade, um mercado resiliente, sustentável… Enfim, os adjetivos são
intermináveis para aquilo que se pode fazer e eles são usados, desde sempre, na desregulamentação financeira,
desde sempre se desregulamentam mercados financeiros em nome destes objetivos.
O que sabemos hoje é que a economia é menos financiada, há menos investimento produtivo, há mais
especulação e há mais dívida. Em geral, a nossa economia, hoje, é muito menos sustentável do que era nos
anos a seguir à II Guerra Mundial, em termos do equilíbrio entre a estrutura produtiva e a estrutura financeira.
Srs. Deputados, há uma diferença substancial entre os objetivos destas propostas de desenvolvimento dos
mercados de capitais e a realidade. Basta olhar para mercados onde este tipo de empresas está mais
desenvolvido, onde este tipo de investimentos está mais desenvolvido, para perceber o que está a acontecer.
Em Portugal, temos escândalos com o BCP (Banco Comercial Português), com a Caixa Geral de Depósitos
e com o BES (Banco Espírito Santo) e temos escândalos com os grandes devedores, porque este é o nosso
sistema financeiro.
Na Alemanha, há meses, faliu a Wirecard, que era a maior fintech, a blue chip de luxo do mercado alemão,
auditada pela Ernst & Young.
Também no mercado europeu, há pouco tempo faliu, ou quase faliu, a Greensill, um dos maiores fundos de
investimento em tecnológicas, que era louvado pelos mercados europeus e americanos e que, afinal, veio a
descobrir-se que não era mais do que um esquema bem parecido com aqueles que tínhamos cá de engenharia
financeira para criar dívida, para dar milhões a lucrar aos seus acionistas, como uma forma de especulação.
Investimento em atividades produtivas: zero! Não havia nada.
Por isso, Srs. Deputados, para haver mais regulamentação, sim, podem contar com o Bloco de Esquerda.
Para haver desregulamentação com uma aparência de eficiência e de sustentabilidade, não.
Tenho a certeza de que, de facto, a construção do mercado único de capitais é uma luta, como disse a Sr.ª
Deputada do PS, é uma luta dos grandes interesses financeiros. E nessa luta, certamente, não estamos ao lado
dos grandes interesses financeiros.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Não havendo mais inscrições, passamos, então, ao encerramento desde debate, em que o Sr. Secretário de Estado pode acumular os 2 minutos de que dispõe para o
encerramento com 1 minuto e 57 segundos que ainda tem de tempo de debate.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado das Finanças.
O Sr. Secretário de Estado das Finanças: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Da parte do Governo, agradecemos todas as intervenções, pois todos os contributos são importantes.
Esta manhã tivemos um debate na COF (Comissão de Orçamento e Finanças) sobre a urgência da
capitalização das empresas, pelo que sublinhamos a importância da urgência neste processo, por causa do
contexto económico e da necessidade de capitalização das empresas.
Assumimos esta reforma do mercado de capitais em sede das reformas que assumimos no Plano de
Recuperação e Resiliência, portanto, vai fazer parte das reformas que vão ser avaliadas relativamente ao
desempenho português no Plano de Recuperação e Resiliência e achamos que isso deve ser importante.
Temos de tomar em consideração que esta proposta, a proposta de base, partiu precisamente da CMVM,
tomando em consideração a sua vasta experiência com aquilo que funcionou e aquilo que não funcionou e devo
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dizer que é importante não ficarmos para trás nesta tomada de consciência da Europa, que está a perder
território competitivo relativamente aos Estados Unidos e a outras geografias e que está a procurar acelerar
dramaticamente o seu plano de ação para o mercado de capitais.
Portugal não pode escapar a este movimento, sob pena de também tendermos, pela perda de um mercado
de capitais, a perder lideranças de vetores, de projetos e de empresas com grande potencial. Temos visto
empresas portuguesas de grande potencial que acabam por ficar cotadas noutros mercados precisamente pela
dimensão exígua do nosso mercado. Temos de ser mais competitivos e esta é uma oportunidade de ter um
mercado de capitais criador de emprego.
Da minha parte, gostava de suscitar este apelo de urgência na própria consulta aos stakeholders, porque há
um contexto económico de necessidade de capitalização das empresas portuguesas que nos deve impelir a
essa urgência. Nós, no Governo, estaremos disponíveis para esse trabalho.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Passamos, agora, para o terceiro ponto da agenda, que trata da discussão, na generalidade, da Proposta de Lei n.º 97/XIV/2.ª (GOV) — Altera a Lei-Quadro das Fundações.
Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros
André Caldas.
O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros (André Moz Caldas): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No seu Programa, o Governo comprometeu-se a proceder a uma revisão
global e integrada da legislação aplicável às fundações e às entidades com estatuto de utilidade pública, de
modo a valorizar a iniciativa filantrópica ou de âmbito comunitário, reconhecer o papel essencial que estas
instituições desempenham no nosso tecido social e reforçar os instrumentos de fiscalização da sua atividade.
Após a aprovação da proposta de lei que aprova a Lei-Quadro do Estatuto de Utilidade Pública, que entrou
em vigor no passado dia 1 de julho, o Governo apresenta agora uma proposta de lei que altera a Lei-Quadro
das Fundações, visando concluir a referida revisão global e integrada.
Neste âmbito, a proposta de lei que se discute pretende operar, na Lei-Quadro das Fundações, um conjunto
de melhorias que não só completam este regime jurídico como o clarificam e simplificam, tendo em conta a
experiência adquirida nos seus nove anos de vigência.
Em primeiro lugar, pretende-se colmatar duas relevantes lacunas que a experiência permitiu identificar na
Lei-Quadro das Fundações: as competências de fiscalização de fundações privadas e o uso indevido do termo
«fundação» na denominação de uma pessoa coletiva, que passa a ser sancionado como contraordenação.
Em matéria de fiscalização, prevêem-se as devidas competências, em concreto, para a realização de
sindicâncias e de auditorias, de forma a permitir identificar se está verificada alguma das três causas de extinção
de fundações privadas pela entidade competente para o reconhecimento. São elas: quando o fim da fundação
se tenha esgotado ou se haja tornado impossível; quando as atividades desenvolvidas demonstrem que o fim
real não coincide com o fim previsto no ato de instituição; quando a fundação não tiver desenvolvido qualquer
atividade relevante nos três anos precedentes.
Ademais, em matéria de clarificação e simplificação, determina-se que a alteração superveniente da
composição de fundações qualificadas como públicas, no sentido de deixar de existir influência dominante,
permite a sua requalificação, mediante parecer do Conselho Consultivo das Fundações nesse sentido.
Prevê-se que, para efeitos de apuramento de eventual responsabilidade criminal e para efeitos de recusa do
reconhecimento, as dúvidas e os litígios sobre os bens afetos à fundação têm de ser reais e não meramente
potenciais, uma vez que, de outra forma, o âmbito da responsabilização seria excessivamente amplo.
Clarifica-se e atualiza-se o elenco dos deveres de transparência, não só quanto aos termos utilizados, como
também no sentido de remeter a exigência de certificação legal de contas para o disposto no regime de
normalização contabilística para as entidades do setor não lucrativo.
Atualiza-se, ainda, o regime aplicável aos limites de despesas, face à experiência decorrente da sua
aplicação prática, aumentando-se os referidos limites, determinando que o seu incumprimento por parte de
fundações privadas com estatuto de utilidade pública constitui fundamento de revogação ou, se aplicável,
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indeferimento do pedido de renovação desse estatuto, ao invés da caducidade do estatuto cujo efeito é
automático, sendo ainda permitido à fundação em causa a justificação desse incumprimento.
Para efeitos de segurança jurídica, densifica-se o conceito de «bens que se revestem de especial significado
para os fins da fundação», cuja alienação, por essa razão, está sujeita a autorização, determinando-se que a
autorização apenas pode ser rejeitada, quanto às fundações privadas, quando puser em causa a prossecução
dos fins da fundação de forma dificilmente reversível ou a sua viabilidade económico-financeira.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a participação dos destinatários da norma ou dos respetivos
representantes no procedimento legislativo é fundamental e, por isso, a presente proposta de lei reflete, em
grande medida, o relevante contributo do setor fundacional, cuja importância, em especial no domínio da
solidariedade social, nunca é demais ressalvar.
Neste contexto, é firme convicção do Governo que esta proposta de lei representa uma verdadeira melhoria
no regime jurídico aplicável às fundações, reconhecendo o papel essencial que estas desempenham no nosso
tecido social.
Não obstante, e como sempre, estaremos disponíveis para colaborar com esta Assembleia em tudo o que
considerarem oportuno.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Peço aos Srs. Deputados que se inscrevam, uma vez que só tenho o pedido de intervenção do Sr. Deputado Nelson Silva, do PAN, a quem dou a palavra.
O Sr. Nelson Silva (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PAN entende que as fundações podem ser um instrumento ao serviço do bem-estar das comunidades e do interesse público, tantos são os bons
exemplos, País fora, ao nível da cultura, do apoio social, do combate às adições ou da investigação científica.
Mas, claro está, as fundações têm, de facto, problemas. Muitas delas são utilizadas por entidades públicas
apenas e só como mecanismo de fuga para o direito privado, em que apenas a forma jurídica é privada e tudo
o resto, nomeadamente o financiamento, é público, sem que isso se traduza em mais-valias concretas na vida
das comunidades.
Não podemos, evidentemente, aceitar esta lógica institucionalizada em que as fundações são sorvedouros
de dinheiros públicos ou em que os dinheiros públicos apenas servem para dar uma ideia de viabilidade e
sustentabilidade financeira que, pura e simplesmente, não existe.
Para o PAN, estes problemas combatem-se de duas formas: por um lado, com medidas que garantam um
maior equilíbrio e rigor orçamental na gestão das contas das fundações, algo que, de certo modo, está
assegurado pela proposta que o Governo hoje nos traz, por exemplo com a previsão de que o incumprimento
dos limites de despesa por parte de fundações privadas com estatuto de utilidade pública constitua fundamento
de revogação desse estatuto.
Por outro lado, entendemos que são necessárias medidas que tragam uma maior transparência à vida
financeira das fundações e uma melhor gestão e controlo dos dinheiros públicos para elas transferidos. E é
nesta matéria que a proposta do Governo sabe, manifestamente, a pouco, ficando-se apenas por meras
atualizações quanto à certificação legal de contas.
O PAN, embora acompanhe esta proposta do Governo, entende que ela tem de ser objeto de melhorias em
sede de especialidade.
Já no âmbito do Orçamento do Estado para 2021, o PAN deu nota da sua preocupação com a necessidade
de uma maior transparência das fundações. Conseguimos mesmo aprovar uma proposta que exige ao Governo
que apresente um relatório com a lista de financiamentos por via de verbas do Orçamento do Estado a
fundações, relatório esse que convinha que o Governo entregasse à Assembleia da República, se ainda souber
o que significa lealdade institucional.
Entendemos que este relatório incentiva um maior escrutínio dos dinheiros públicos e queremos que se
constitua como uma regra permanente e não como uma norma avulsa do Orçamento do Estado, e proporemos
também que a sua elaboração pelo Governo e respetiva entrega à Assembleia da República passe a estar
prevista na Lei-Quadro das Fundações.
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Mas, mais do que transparência, queremos mais controlo dos dinheiros públicos transferidos para as
fundações. Por isso mesmo, propomos ainda, na especialidade, um reforço do escrutínio do Tribunal de Contas
sobre as fundações, esclarecendo que as fundações privadas que beneficiem de apoios públicos estão sujeitas
à fiscalização e controlo do Tribunal de Contas e estão obrigadas a prestar-lhe contas sobre a utilização de tais
fundos.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Cancela Moura, do PSD.
O Sr. José Cancela Moura (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: Acompanhamos o propósito do Governo para valorizar a iniciativa filantrópica ou de âmbito comunitário das
fundações, volvidos que estão nove anos sobre a vigência do atual regime jurídico, à luz da experiência da
aplicação prática do diploma.
Queremos deixar algumas notas que, suscitando reserva, devem merecer uma discussão mais aturada,
desde logo quanto à pronúncia do conselho consultivo para a requalificação das pessoas coletivas públicas,
que, de modo superveniente, deixa de deter influência dominante sobre uma fundação pública de direito privado.
Na verdade, compreende-se que o parecer seja obrigatório, tanto mais que este órgão, constituído por
personalidades de reconhecido valor, é um excelente mandante para defender as melhores decisões para as
fundações. No entanto, o caráter vinculativo desta obrigação parece encerrar um grau de desresponsabilização
da tutela que importará ter em conta. Afinal, o Governo não decide, mas apenas atesta e passa o certificado da
decisão do conselho consultivo sobre uma decisão definitiva, sem apelo nem agravo.
Em sentido contrário, registamos com agrado a clarificação da tipificação das situações de apuramento de
responsabilidade criminal sobre o património das fundações, com a eliminação da expressão «ainda que
potenciais». Retirando este conceito aberto e indeterminado, fica afastada a carga subjetiva que na imputação
daqueles ilícitos nos parecia injustificada.
No mesmo sentido, a eliminação da auditoria externa, substituindo-a pela certificação legal de contas, o que,
para além de uma equiparação ao regime de normalização contabilística, concorre como um dever de
transparência da própria entidade.
Outra questão pertinente é a que se prende com o limite fixado para os gastos com pessoal e o mecanismo
de fiscalização sobre o respetivo incumprimento. Julgamos que a própria epígrafe tem uma carga pejorativa que
merecia uma correção de redação. Em vez de «despesas próprias», que é, efetivamente, do que se trata, estes
encargos são qualificados como «gastos com pessoal», indiciando o dispêndio de recursos para fins contrários
à atividade, o que nem sempre corresponderá à verdade, nomeadamente nas fundações operacionais.
Julgamos como adequado o aumento dos atuais 10% para 15%, no caso das fundações de cariz patrimonial.
Já não estamos tão certos quanto aos 70% fixados para as fundações operacionais que poderão estar
desajustados às reais necessidades destas entidades.
Neste caso, tendemos a concordar com o setor, que defendia que o limite fosse quantificado pelo menos em
dois terços, uma vez que, em muitos casos, estas fundações realizam funções que incumbem ao próprio Estado
e os encargos com pessoal correspondem, afinal, aos fins estatutários. Por exemplo, o terceiro setor,
designadamente as Misericórdias, não tem qualquer limite desta natureza.
No que tange ao incumprimento destes limites, a redação proposta sugere também uma clarificação.
Compreende-se que em vez de um valor fixo se pondere em média aferida pelo período de vigência do estatuto.
De facto, uma fundação pode, por razões de variação da estrutura orçamental, ultrapassar, ainda que de
forma marginal, aqueles limites ou até compensá-los por excesso, conforme os exercícios, mas a solução
encontrada para justificar o incumprimento parece torpedear tudo o que está regulamentado sobre esta matéria,
colocando nas mãos do Governo o poder de decidir de forma discricionária o que seja, e passo a citar, «o
excecional impacto e relevo social das atividades prosseguidas pela fundação», uma espécie de recurso
impróprio que o Governo, em última instância, poderá decidir de modo aleatório. Talvez aqui se justifique, por
uma questão de coerência com o reconhecimento, que se institua uma pronúncia prévia do conselho consultivo.
Finalmente, uma palavra para o regime de contraordenações criado ex novo.
Se queremos instituir uma contraordenação é porque temos a intenção de sancionar. Se temos a intenção
de sancionar, então devemos punir comportamentos verdadeiramente graves, deixando à margem bagatelas
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administrativas. Por exemplo, não fará sentido, no decurso do próprio procedimento de reconhecimento,
considerar indevida a utilização do termo «fundação» entre o pedido e a prolação da decisão do Governo.
Por outro lado, até nos parece indigno fixar como mínimo para punir o benefício ilegítimo ou a intenção de
enganar a autoridade pública um valor que já nem no Código da Estrada se aplica. E, tal como no Estatuto de
Utilidade Pública, também não alcançamos que haja tentativa neste tipo de ilícito, nem porque se estabelece
uma coima para pessoa singular, quando estamos perante uma denominação que só é atribuída para pessoas
coletivas.
Sem prejuízo do que fica dito, mantemos a disponibilidade do PSD para dar o nosso contributo em sede de
especialidade.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado António Filipe, do PCP.
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado e Srs. Deputados: Diria que esta proposta de lei de revisão do regime jurídico das fundações é relativamente pacífica, não suscita dificuldades
de maior.
Das várias entidades que se pronunciaram sobre esta proposta de lei a única que se pronunciou
desfavoravelmente foi a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, contrariando, aliás, o parecer
do Governo Regional da Madeira, que é favorável. Mas isso, enfim, é uma especificidade decorrente, porventura,
da geometria da maioria existente na Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira e que não afeta
grandemente este processo legislativo.
De facto, estamos perante uma proposta de lei que, como o Governo refere, não visa uma revisão global do
regime aplicável às fundações, mas apenas ajustar alguns aspetos que, sendo relevantes, são aspetos pontuais
do regime jurídico das fundações e que se sintetizam em oito pontos fundamentais que importa, naturalmente,
analisar.
Não me vou deter sobre a especificidade de cada um desses oito pontos concretos — haverá, naturalmente,
oportunidade de o fazer aquando do debate em sede de especialidade —, mas queria referir, de facto, a
importância de haver um regime jurídico das fundações que valorize efetivamente o seu papel social, a
relevância de uma entidade que pretende afetar um património ao desenvolvimento de uma atividade de
natureza social ou benemérita ou cultural e que merece, de facto, o reconhecimento por parte do Estado.
Porém, é preciso que haja uma fiscalização adequada para que, à boleia desse reconhecimento, não
estejamos a favorecer atividades menos meritórias. Daí que deva haver, da parte do Estado, o cuidado quer no
reconhecimento das fundações quer também no acompanhamento da sua atividade, das suas contas. E
naturalmente que esse regime jurídico é, de facto, relevante e deve ser rigoroso.
Posto isto, há duas questões que gostaria de referir. A primeira é para considerar que é pertinente que seja
sancionado o uso indevido da denominação de «fundação». Isso faz todo o sentido. Ou seja, se queremos
atribuir relevância a este instituto jurídico, se ele é reconhecido individualmente por parte do Estado, não faz
sentido que depois apareçam, publicamente, entidades a autodenominar-se fundações, a criar sites na internet
e a publicitar órgãos sociais quando, depois, se verifica que não são, efetivamente, fundações, que não têm
esse reconhecimento ou que nem sequer o solicitaram. Portanto, e como diz o povo, para evitar que seja vendido
gato por lebre, é importante que, de facto, o Estado sancione devidamente esse tipo de atitudes e nada temos
contra isso.
Mas há aqui um outro aspeto que também é suscetível de criar confusão, que foi o facto de o Estado, em
múltiplas situações, utilizar também abusivamente o termo «fundação». E temos exemplos de maus resultados.
Basta que recuemos alguns anos para verificarmos que, inclusivamente, o facto de se ter criado uma
fundação, chamada para a prevenção e segurança, para substituir a Prevenção Rodoviária Portuguesa e
agilizar, nos termos do direito privado, aquilo que era uma função pública, garantir a segurança rodoviária e
fazer campanhas nesse sentido, levou, inclusivamente, à demissão de membros do Governo quando se verificou
que era uma falsa fundação, que era uma forma de contornar a contratação pública.
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E também temos o mau exemplo de ser atribuída a institutos públicos a designação de fundação quando não
o deveria ter sido. Porque é que o Inatel, o estimável instituto público, antigo e…
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem de terminar, Sr. Deputado.
O Sr. António Filipe (PCP): — Vou terminar, Sr. Presidente. Como dizia, porque é que o Inatel, instituto público, assume a expressão fundação? Porque é que as
universidades públicas assumem a expressão «fundação»?
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Muito bem!
O Sr. António Filipe (PCP): — Portanto, se não queremos gato por lebre no âmbito do setor privado e social — e ainda bem — temos de reconhecer que há gato por lebre a nível público, e não devia haver.
Isso não é objeto desta proposta de lei, não incide sobre as fundações públicas, mas é importante assinalar
que seria importante, porventura, um dia destes olharmos para isso, para que também a nível do Estado não se
crie a ideia de estarmos perante fundações quando, evidentemente, não estamos. São institutos públicos e
assim deviam ser designados e não deveria ser permitida essa fuga para o direito privado à boleia também da
figura fundacional.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado José Manuel Pureza, do BE.
O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Há pouco mais de uma semana a família de José Mário Branco anunciou que estava em curso a criação de uma
fundação para gerir todo o património do José Mário.
É um imenso espólio de partituras, cartas, letras de canções, material de trabalho, fotografias, são os
documentos que testemunham, segundo os seus filhos, toda a atividade artística e política do José Mário Branco,
de todas as formas em que se manifestou.
João Branco, seu filho, explicou então que se tratava de um desejo antigo do músico. «Pretendo criar uma
fundação para gerir o meu património artístico, que terá como principal missão dar apoio a jovens artistas e
músicos em Portugal», terá dito o Zé Mário. E concluiu, para os seus familiares: «Quero com isto dizer que vocês
não receberão nenhuma herança minha».
É também para gestos de grandeza e de partilha como estes que se fez o regime legal que enquadra as
fundações.
Pessoas coletivas sem fim lucrativo, elas são uma figura jurídica que permite colocar um determinado
património, seja de que natureza for, ao serviço de um bem social. E há muitas que o fazem: no apoio a
refugiados e a migrantes, na assistência às vítimas de violência, na cooperação para o desenvolvimento, na
preservação do património histórico-cultural, no incentivo à investigação científica ou na promoção do desporto.
Durante décadas, algumas delas colmataram a ausência do Estado e de políticas públicas onde elas mais
faltavam ou onde a democracia não tinha criado ainda uma rede de serviços públicos acessível em todo o
território. Uma metáfora dessa militância, que os mais novos não conheceram mas de que todos os que
nasceram fora dos grandes centros urbanos antes dos anos 80 se lembram, era o Serviço de Bibliotecas
Itinerantes (SBI) da Gulbenkian, uma ideia de Branquinho da Fonseca, no final dos anos 50.
Essas bibliotecas com rodas deram o acesso a muitos mundos diferentes, particularmente a quem tinha
menos acesso a tudo. Herberto Helder ou Alexandre O’Neill contam-se entre os que nas velhas carrinhas Citroën
se encarregavam de orientar pela aventura da leitura os curiosos que apareciam, tendo desempenhado
precisamente as funções de encarregados das unidades móveis dessas bibliotecas itinerantes. Isso, e muitas
outras coisas marcantes, devemos a uma fundação.
Não seria justo, por isso, reduzir este debate à «fundação qualquer coisa formi,… não sei o quê», que —
para usar duas expressões tão reveladoras de Moniz da Maia — está por trás das empresas de que ele não se
lembra bem se é administrador ou não. Mas também não é sério, é mesmo incompreensível, fazer este debate
hoje como se essas realidades não existissem e não afrontassem, sem vergonha, a nossa vida coletiva, como
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se aqueles que têm mais património acumulado não se servissem demasiadas vezes da figura da fundação para
lavar a imagem social da riqueza acumulada em processos sujos de exploração laboral e de criativas
engenharias fiscais.
Não farei nenhuma contabilidade entre «maçãs podres» e o resto, no cesto. O que direi, isso sim, é que, em
homenagem ao que de melhor tem o universo das fundações em Portugal, se impõe que uma alteração do seu
regime jurídico assuma como prioridade o reforço, sem tibiezas, das suas obrigações de transparência e a
consagração de um desempenho firme dos poderes públicos na deteção de situações fraudulentas,
acompanhado da aplicação de sanções expressivas do repúdio por esse desvalor que é o embuste institucional.
Do nosso ponto de vista, a proposta que o Governo traz hoje a esta Casa dá guarida a essas preocupações
essenciais.
Transparência contra o embuste que é uso das fundações como biombos de interesses que as transcendem,
essa tem de ser a prioridade. É por isso que as fundações, por mais importantes que sejam e por mais relevante
que seja o seu objeto, não podem ser offshores em matéria laboral, não cumprindo os direitos fundamentais dos
seus trabalhadores.
Na verdade, em demasiados casos, o regime fundacional tem sido uma verdadeira técnica de externalização
de funções públicas para entidades privadas financiadas pelo Estado, com o estatuto de fundações públicas de
direito privado, mas que escapam a qualquer princípio de política pública ou às regras que exigimos ao Estado
em matéria de transparência de contratação, de democracia e de participação na gestão ou de respeito pela lei
do trabalho.
Em muitos casos, houve quem encontrasse nas fundações processos habilidosos para subtrair esferas de
atuação importantíssimas da política pública a esses princípios de bem público e de participação democrática.
É por isso que a adoção do modelo fundacional por instituições públicas, como as universidades, para contornar
as regras da gestão pública e transportar a lógica empresarial para o que deve ser escrupulosamente serviço
público é um truque que rejeitamos por inteiro.
Não fazemos, por isso, a apologia acrítica do modelo fundacional nem a crítica sem critério do que de tão
meritório tem também esta história.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr. Deputado, peço que termine.
O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Vou terminar, Sr. Presidente Que se defina claramente o âmbito daquilo para que devem servir, bem como as exigências de transparência
e os mecanismos de punição de quem se serve oportunisticamente desta figura, e assim estaremos, de facto, a
fazer progressos e a valorizar aquilo que realmente interessa.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia, do CDS-PP.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, começaria exatamente por esta última intervenção do Sr. Deputado José Manuel Pureza para dizer que, obviamente, sem retirar mérito ou brio e muito menos mérito
cultural aos exemplos de pequenas fundações que apresentou, para mim, como provavelmente para a maior
parte dos portugueses, quando se usa a expressão «fundação», não são os exemplos que deu de «maçãs
podres» ou «viçosas» que terá referido que mais nos vêm à cabeça, pois os nomes que nos vêm à cabeça
quando se fala de fundações, logo à partida, são nomes como Calouste Gulbenkian, Champalimaud, que serão,
talvez, os grandes nomes fundacionais e as grandes fundações que tanto têm dado e estão a dar ao nosso País.
É só uma pequena nota.
A segunda nota, Srs. Secretários de Estado, é para dizer que esta alteração que o Governo pretende fazer,
procedendo a uma revisão global de um regime, como aqui foi dito, sensivelmente 10 anos depois, com o
argumento de o melhorar, de o aprofundar, tem origem — e eu acompanhei, na altura, esse processo — na lei-
quadro do então Governo PSD/CDS, cujos princípios essenciais e lógica vieram no quadro da assistência
financeira, no quadro de um relatório do Tribunal de Contas de 2011 que chamava precisamente a atenção para
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esta matéria, isto é, para a necessidade de acompanhamento, de fiscalização e de controlo das próprias
realidades fundacionais.
Portanto, estas alterações que agora são propostas não são uma rutura, não são uma revolução, não são
sequer uma reversão, serão, quando muito, um aprofundamento, pelo que creio que estarei à vontade para dizer
que, nesta matéria, a culpa não foi do PSD e do CDS, ou seja, nesta matéria, a culpa não foi do Passos Coelho,
até porque a lei no essencial estará bem e não merece nenhum tipo de reversão.
Em relação àquilo que o Governo agora nos propõe, diria que estamos, obviamente, dispostos a discutir e a
aprofundar. O controlo faz sentido, a avaliação faz sentido, a não usurpação, a não existência de «gato por
lebre», como aqui foi dito, faz sentido, e não estamos contra essas ideias.
Chamamos, no entanto, a atenção — como já tivemos ocasião de fazer, porque o Governo nos perguntou,
teve essa consideração — para algumas das opiniões de quem mais lida com esta matéria, nomeadamente do
Centro Português de Fundações e, nalguma medida também, da própria Associação Nacional de Municípios
Portugueses, como, por exemplo, saber se este controlo ou se este aprofundamento do controlo estatal,
designadamente em relação ao seu reconhecimento, faz sentido nestes termos quando falamos em fundações
que são 100% privadas. Ou seja, sendo elas 100% privadas, cumprindo os requisitos da lei, faz ou não sentido
esta intervenção de reconhecimento nestes termos? É uma matéria que pensamos que pode e deve ser
discutida.
A mesma coisa em relação à imposição de limites às despesas próprias, porque, obviamente, este tipo de
limites não só pode ser nalguns casos discriminatório como dependerá muito — digo eu, Sr. Secretário de Estado
— da própria natureza da fundação, do seu objeto e da sua atividade.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr. Deputado, peço-lhe para terminar.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Estou mesmo a terminar, Sr. Presidente. O conceito da essencialidade dos bens é também um conceito indeterminado e a obrigatoriedade do
numerário na entrada é louvável mas pode ser um problema do ponto de vista da filantropia. É que exigir que
30% seja em numerário pode, nalguns casos de filantropia — que tem de ser valorizada —, ser um impedimento,
por assim dizer.
São considerações gerais, considerações que seguramente merecerão discussão na especialidade, mas não
obstaremos a esta proposta e estaremos, obviamente, disponíveis para a discutir em sede de especialidade.
Obrigado, Sr. Presidente, pela sua tolerância.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Delgado Alves, do PS.
O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Secretários de Estado, em relação à temática que aqui nos traz hoje, e quase no fim do debate, é bastante evidente que a legislação sobre
fundações tem sido objeto de sucessivas melhorias ao longo dos anos, indo precisamente ao encontro das
preocupações que voltam a estar refletidas nesta proposta de lei que o Governo apresenta.
Nela são propostos vários elementos de melhoria, de aprofundamento da qualidade do quadro legislativo,
sem nunca deixar de se reconhecer que é necessário preservar aqueles que reconhecem e utilizam a estrutura
fundacional para a realização de fins altruístas e aqueles casos que, efetivamente, devem merecer a maior
atenção, a maior fiscalização e o maior controlo da parte das autoridades públicas que a reconhecem num
primeiro momento e que depois acompanham a sua vida.
Este processo — como é notório, foi dada nota disso na exposição de motivos — contou com os contributos
do setor, cujo papel continuará a ser fundamental na fase de especialidade, precisamente para melhorar aspetos
que eventualmente possam precisar de alguma densificação adicional. Foram referidos vários, e já os irei
abordar, mas acima de tudo sublinho os cinco aspetos que me parece ser fundamental realçar.
O primeiro aspeto é relativo à transparência reforçada que aqui se produz, que é uma transparência que tem
sede na lei-quadro mas que também foi tendo noutros locais ao nível da evolução de outros instrumentos de
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controlo e de acompanhamento normativo no plano administrativo. A lei de acesso aos documentos, por
exemplo, foi garantindo que quando há situações em que estamos perante uma posição dominante ou perante
financiamento dominante da entidade pública isso toca, com um «toque de Midas», naquela fundação e põe-na
no perímetro da transparência administrativa.
Depois, um segundo aspeto, bastante importante, quanto ao rigor da gestão que, podendo ser discutível no
pormenor, seguramente todos compreendemos porquê a necessidade do estabelecimento de limites à
realização de despesa ou de haver critérios mais seguros para a alienação de bens, para garantir precisamente
que, ao nível da sua gestão, o objetivo que inicialmente preside à intenção instituidora de uma fundação não
seja pervertido ao longo dos anos e que, de alguma maneira, se preserva o intuito inicial de quem a criou, de
quem alocou património para a realização daqueles fins.
Um terceiro aspeto é relativo à fiscalização, e tudo isto que aqui discutimos e analisamos seria desprovido
de capacidade de alteração se não houvesse efetivamente uma robustez da esfera pública para poder exercer
as atividades fiscalizadoras.
O quarto aspeto diz respeito à clarificação deste regime, nomeadamente — e terei oportunidade de regressar
a isso — quanto à natureza das instituições, quanto à forma da instituição e, especialmente, quanto à matéria
de alteração superveniente que se pode verificar da natureza jurídica de uma entidade que, por força do
desaparecimento da posição pública dominante, acaba por também mudar de natureza jurídica, sendo que isso
não pode deixar de ter consequências.
Finalmente, o plano sancionatório parece-nos relevante. Isto é, percebemos que, nalgumas circunstâncias,
esta disposição contraordenacional possa não ser a mais decisiva de todas, mas os outros usos abusivos das
estruturas fundacionais já são sancionados por outra via, sendo sancionados penalmente e por via fiscal. O que
aqui faltava, efetivamente, era este aspeto da utilização abusiva da designação, porque essa é que pode ludibriar
e induzir em erro.
Sr. Deputado Cancela Moura, percebo o ponto da estranheza do elemento da pessoa singular. A verdade é
que podemos, de facto, encontrar vários «artistas» — artista no sentido não cultural mas artista no sentido de
quem desenvolve formas de intervenção que não são conformes ao direito —,…
Risos do Deputado do PSD José Cancela Moura.
… podemos encontrar várias pessoas que, individualmente, singularmente, se apropriam e fazem de conta
que são fundações, pelo que este enquadramento faz algum sentido nesses casos.
Portanto, complementando isto com a alteração recente que aqui aprovámos e que entrou em vigor do
Estatuto de Utilidade Pública, consegue-se uma «quadratura do círculo» em aspetos muito importantes do
acompanhamento desta matéria.
Dito tudo isto, obviamente que os aspetos frisados pelos Srs. Deputados quanto às cautelas a ter na
construção deste regime jurídico devem ser tidos em conta.
O risco de fuga para o direito privado, apesar de muito mitigado, continua a existir. Mas, recordo, foi
extraordinariamente mitigado através da legislação sobre a transparência administrativa, através de legislação
sobre contratação pública, que, quando estamos perante fundações que são também organismos de direito
público, por força do direito comunitário, estão no perímetro das regras da contratação pública, e a própria
fiscalização feita pelo Tribunal de Contas é possível indiretamente através da fiscalização que é feita das
entidades que alocam verbas ao funcionamento das fundações. Ou seja, há um canal e um caminho para fazê-
lo, mas obviamente temos abertura para poder ponderar melhores formas de transparência, de identificação, no
fundo, de particularização dos casos que merecem esse atendimento e preocupação adicional.
É um reforço que tem vários caminhos e que não se deve confundir com uma outra dimensão, de facto, na
esfera pública, dos casos em que se recorre efetivamente à natureza fundacional, porque eles existem. Ou seja,
há, verdadeiramente, na esfera pública fundações de direito público que têm um regime jurídico definido muitas
vezes à peça mas que são, efetivamente, estruturas fundacionais.
Aquilo que o Sr. Deputado António Filipe referia, com alguma pertinência, são aqueles casos em que é, de
facto, enganador. Dou até um exemplo: a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) é um instituto público,
assumidamente com essa natureza, mas conserva a designação, muito provavelmente para efeitos de
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nomenclatura. Este, sim, pode potencialmente induzir em erro. Já o exemplo do INATEL não será tanto assim,
porque aí a opção foi a da instituição de um regime fundacional e conhecemos bem esse debate.
Aliás, esta é uma matéria na qual não há margem para trabalharmos na especialidade, mas estes elementos
identificativos são feitos através de uma pequena sigla, que é aposta à identificação de uma entidade pública.
Por muito bizarro que possa parecer, a Fundação para a Ciência e a Tecnologia é a «Fundação para a Ciência
e a Tecnologia, IP», e é isso que identifica a sua natureza jurídica.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr. Deputado, tem de terminar.
O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Vou terminar, Sr. Presidente. Obviamente, não é isento completamente de fontes de eventual equívoco, mas é um regime que tem vindo
a ser melhorado e trabalhado. Da parte do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, há também toda a
disponibilidade para melhorias em sede de especialidade.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem a palavra o Sr. Deputado André Ventura, do Chega.
O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, este normativo que aqui nos chega tem aspetos positivos e aspetos que ficam muito aquém daquilo que deveria ser feito numa matéria como esta.
A determinabilidade do conceito de «influência dominante» era algo que, há muito tempo, quer a doutrina,6
quer os tribunais exigiam que se fizesse. Isso é, efetivamente, concretizado, embora de uma forma muito aquém
do que é feito, por exemplo, na maior parte dos Estados da União Europeia. A obrigatoriedade de certificação
de contas, em casos de fundações privadas, era algo que há muito era exigido nas demonstrações financeiras
apresentadas pelas fundações.
Mas há aspetos negativos que não devemos ignorar. Por exemplo, quando o Governo diz que o limite de
gastos será definido por portaria do Governo está a limitar os gastos de uma fundação, está a dizer o que podem
e não podem gastar. Trata-se do poder público a entrar diretamente no poder fundacional, dizendo-lhes: «Na
nossa perspetiva, podem gastar a, b ou c».
Mas o que fica aquém, nesta portaria, nem sequer é isso. Mais uma vez, o Governo socialista evita definir
critérios como «quanto», «porquê» e «por que razão» relativamente ao muito dinheiro que se transfere para as
fundações.
Qual o critério para que o Estado português continue a gastar milhões em fundações, algumas delas de ex-
líderes partidários de partidos aqui presentes, sem dar nenhuma conta disso aos portugueses? Era isso que se
exigia de uma lei de fundações, ou seja, dizer-se que, de hoje até sempre, passa a haver um critério claro e que
as fundações recebem por um determinado motivo ou por outro.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr. Deputado, tem de concluir.
O Sr. André Ventura (CH): — Sinceramente, se qualquer partido aqui presente aprovar ou apoiar dinheiro que vai para fundações dirigidas por líderes ou antigos líderes seus acho que é, pelo menos, uma questão de
falta de transparência. Devemos acautelar que tal não volta a acontecer em Portugal.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Passamos ao encerramento deste debate. Para o efeito, podendo, obviamente, utilizar o tempo acumulado, dou a palavra ao Sr. Secretário de Estado
da Presidência do Conselho de Ministros, André Caldas.
O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Cumpre-me apenas registar uma convergência de propósitos muitíssimo alargada, no conjunto da
Assembleia da República, relativamente ao que a proposta contém, pelo menos de entre aqueles partidos que
participam do consenso democrático na nossa comunidade jurídico-política.
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As divergências que porventura existam são a propósito de questões que a proposta não contém, sem
prejuízo dos aprofundamentos que, na especialidade, ainda possam ser feitos. E não é apenas a propósito
daquilo que a proposta não contém e devia conter; é mesmo, muitas vezes, a propósito daquilo que a proposta
não contém, e a melhor sede legislativa é outra que não a lei-quadro das fundações.
É disto que se trata e, portanto, fundamentalmente, congratulamo-nos com o vislumbre do debate que terá
lugar na especialidade.
Ao Governo cabe apenas manter a disponibilidade de dialogar e, até, de oferecer os seus serviços do ponto
de vista da experiência técnica, acumulada ao longo de décadas, em matéria de fundações, para que esta lei-
quadro possa ser efetivamente melhorada, atingindo um elevado patamar técnico e resolvendo problemas
efetivos que todos reconhecem que existem no setor fundacional. Mas o objetivo será sempre o de valorizar o
setor e os fins de interesse público que prosseguem e para os quais foi criada, precisamente, a figura das
fundações.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Terminado este ponto, passamos ao ponto 4 da ordem do dia, do qual consta a discussão, na generalidade, da Proposta de Lei n.º 99/XIV/2.ª (GOV) — Transpõe a Diretiva (UE)
2019/1, que visa atribuir às autoridades da concorrência dos Estados-Membros competência para aplicarem a
lei de forma mais eficaz e garantir o bom funcionamento do mercado interno.
Para o efeito, começo por dar a palavra ao Sr. Secretário de Estado do Comércio, Serviços e Defesa do
Consumidor, João Torres.
O Sr. Secretário de Estado do Comércio, Serviços e Defesa do Consumidor (João Torres): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje, o Governo apresenta à Assembleia da República uma proposta
importante no âmbito da promoção da sã e leal concorrência, no quadro do mercado único, que é o quadro em
que nos encontramos. Tal tem importantes reflexos na nossa vida económica e na nossa atividade económica.
Começo por referir que a Diretiva (UE) 2019/1 visa atribuir às autoridades da concorrência dos Estados-
Membros competência para aplicar a lei de forma mais eficaz e garantir o bom funcionamento do mercado
interno. Deste modo, são criadas as condições para que as autoridades nacionais apliquem as regras de
concorrência, assegurando que dispõem das garantias de independência, dos meios e das competências de
investigação e decisão necessárias, nomeadamente no que diz respeito à aplicação de coimas.
O direito da concorrência é fundamental para garantir a liberdade da iniciativa económica, no âmbito do level
playing field, ou seja, do campo de jogo nivelado, contribuindo para a expansão de negócios, para o
empreendedorismo ou mesmo para a promoção do investimento. A existência de dificuldades, por parte das
reguladoras nacionais competentes, para efeitos da defesa da concorrência na recolha de meios de prova ou
na aplicação célere de decisões ou de sanções dissuasoras pode contribuir para uma errada perceção de
impunidade, com efeitos nefastos e nocivos para os cidadãos e para as empresas. Por isso, a promoção de
instrumentos que visam garantir as regras da concorrência salvaguardam o bom funcionamento do mercado,
como já tive oportunidade de mencionar, mas também a confiança dos consumidores.
A proposta que aqui nos traz reforça as garantias de independência e reforça os poderes de investigação e
eficácia do procedimento contraordenacional da Autoridade da Concorrência. Neste quadro, promove-se a
alteração de dois diplomas essenciais: o regime jurídico da concorrência e os próprios estatutos da Autoridade
da Concorrência. Entre as principais alterações, permitam-me que destaque alguns aspetos preconizados na
proposta de lei em discussão. Em primeiro lugar, em matéria de reforço das garantias de independência, a
presente proposta de lei especifica que os membros do conselho de administração, dirigentes e trabalhadores
da Autoridade da Concorrência não solicitam nem aceitam instruções, do Governo ou de qualquer outra
entidade, no desempenho das suas funções, incrementando-se também o elenco das incompatibilidades. A
presente proposta de lei altera as fontes de receita da Autoridade da Concorrência, eliminando-se o produto das
coimas cobradas como forma de financiamento desta entidade. Mais: em matéria de reforço das garantias de
independência, a proposta de lei determina a exclusividade do Tribunal de Contas relativamente à efetivação do
controlo financeiro e da responsabilidade financeira da Autoridade da Concorrência.
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Por outro lado, em matéria de reforço dos poderes de investigação e de eficácia do procedimento
contraordenacional, a proposta em discussão amplia o tipo de elementos que podem ser abrangidos pelas
diligências de busca e apreensão da Autoridade da Concorrência, no âmbito das suas atribuições, e exige a
autorização, por parte de uma autoridade judiciária, para o acesso, desde logo, a instalações e para a apreensão
de elementos e selagem de instalações ou de registos.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O diploma que hoje apresentamos à Assembleia da República é,
como referi, um diploma importante para melhor garantir a existência de um quadro legal uniforme, capaz e
articulado com a realidade existente no contexto do mercado único, resultante, sublinho, da transposição de
uma diretiva europeia.
Esta proposta zela pela independência e pela eficácia da entidade reguladora nacional, após um processo
de discussão pública, promovido pela própria Autoridade da Concorrência. Naturalmente, o Governo, cumprindo
as formalidades devidas e necessárias, coloca, hoje, esta mesma proposta à consideração da Assembleia da
República.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado José Manuel Pureza, do Bloco de Esquerda.
O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado, em primeiro lugar, cumprimento-o.
Não posso dizer isto de outra maneira: esta proposta de lei que o Governo nos apresenta é inconstitucional.
É mesmo flagrantemente inconstitucional! Lamento ter de começar assim, mas é o que é.
Na verdade, esta proposta é inconstitucional porque confere à Autoridade da Concorrência poderes
absolutamente excessivos, muito para lá do admissível no quadro de um combate que tem uma consequência:
a de uma figura de natureza meramente contraordenacional.
O artigo 34.º da Constituição é claro a este respeito quando estabelece a inviolabilidade das comunicações.
É disso que se trata, desde logo em dois preceitos, se não me falha a memória, deste diploma. O artigo 34.º
consagra que essa possibilidade só exista no caso de combate à prática criminal. Ora, não é nada disso que
está em causa e, portanto, não sendo assim, é manifesto que se está a possibilitar a criação de uma figura típica
de um Estado policial para defender a concorrência. Nós não aceitamos isso! Nós não aceitamos e a
Constituição não o aceita! Claramente, é um caso de excesso de meios que são atribuídos para um combate de
natureza estritamente contraordenacional. Portanto, aqui há uma flagrante inconstitucionalidade.
Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados, acrescento apenas um ponto: não pode ser pelo facto de
se tratar de uma transposição de uma diretiva que esta apreciação de inconstitucionalidade se anula. Na
verdade, entender que, por ser uma transposição de uma diretiva, acabaria a inconstitucionalidade, é defender
a possibilidade, então, de haver uma revisão constitucional em continuum, cada vez que temos uma diretiva
para aplicar. Nós não podemos aceitar isso! A primazia do direito comunitário — n.º 4 do artigo 8.º da
Constituição e não só, veja-se a definição conceptual — não pode ir ao ponto de haver normas, como as
diretivas, que vinculam quanto aos fins, mas não vinculam quanto aos meios nem quanto ao tempo de aplicação
— por isso existe um ato de transposição — e que tenham, digamos, um valor supranacional. Do nosso ponto
de vista, isto não é admissível!
Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados, temos de perceber que o legislador em Portugal, neste caso
o Governo, está vinculado ao cumprimento da Constituição. Não pode, a pretexto de um objetivo importante,
como é o combate contra atos anticoncorrenciais, criar uma lesão gravíssima ao Estado de direito, dando à
Administração Pública poderes que são absolutamente excessivos.
Sr. Secretário de Estado, para terminar, fica naturalmente esta nossa apreciação. Nós não podemos, de todo,
acompanhar esta iniciativa e percebemos a razão pela qual baixa à Comissão, sem votação: provavelmente
para se tentar, enfim, ultrapassar este imbróglio terrível. Da nossa parte, queria que ficasse muito claro que esta
proposta é absolutamente inaceitável para a democracia portuguesa.
Aplausos do BE.
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O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Paulo Oliveira, do PSD.
O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O Sr. Secretário de Estado do Comércio, Serviços e Defesa do Consumidor integra o maior Governo de sempre,
o Governo mais caro de sempre, mas nem essa circunstância impede que este Governo dificilmente chegue a
tempo e a horas ao que quer que seja.
Sr. Secretário de Estado, a presente proposta de lei é apenas mais um exemplo a somar a muitos outros,
nomeadamente ao caso que diz respeito à lei das comunicações eletrónicas. Repare: a diretiva da União
Europeia a que a presente iniciativa legislativa diz respeito data de 11 de dezembro de 2018, entrou em vigor a
4 de fevereiro de 2019 e o prazo para a transposição para o direito nacional terminou no dia 4 de fevereiro do
corrente ano, mas só agora o Parlamento é chamado a apreciar a proposta de lei do Governo que, exatamente,
consagra a transposição desta diretiva comunitária.
Sr. Secretário de Estado, o Governo teve tempo — mais do que tempo — para chegar a tempo e horas. Esta
circunstância é ainda mais evidente quando é do conhecimento público que a Autoridade da Concorrência
remeteu ao Governo uma proposta de anteprojeto deste diploma a 3 de abril de 2020, ou seja, há mais de um
ano.
Sr. Secretário de Estado, não sabemos as razões do atraso do Governo, não sabemos por que razão o
Governo omitiu, na exposição de motivos desta proposta de lei, a referência àquele anteprojeto da Autoridade
da Concorrência. Omitiu, também, quaisquer outros estudos ou pareceres que tenham fundamentado a sua
apresentação. Não sabemos, Sr. Secretário de Estado, e até poderíamos relevar tudo isso, se, ao menos, nos
apresentasse uma boa proposta de lei, que operasse uma boa transposição desta diretiva comunitária, mas não
é nada disso que nos é apresentado.
Sr. Secretário de Estado, o que nos é apresentado é uma proposta de lei que evidencia diversos riscos de
uma incorreta transposição da diretiva, que incorre, terminologicamente, em diversas incorreções que reduzem
o âmbito dos poderes de investigação da Autoridade da Concorrência, e isto em desconformidade com a diretiva
e com o direito da concorrência da União, e que, como já foi aqui referido na intervenção que me antecedeu,
suscita sérias dúvidas da sua compatibilidade com as normas constitucionais, como se infere da nota técnica
elaborada pelos serviços do Parlamento, como se infere do parecer da Autoridade da Concorrência e como se
infere do parecer da Comissão Nacional de Proteção de Dados.
Mas, se tudo isso não bastasse, Sr. Secretário de Estado, o que nos é apresentado é uma proposta de lei
que atenta contra a independência e a autonomia da Autoridade da Concorrência, quando o expectável era
exatamente o contrário.
Na verdade, a proposta de lei, Sr. Secretário de Estado, não só não prevê adequadas garantias de autonomia
financeira e de gestão de recursos humanos como faz pior do que isso, introduzindo uma nova modalidade de
intervenção do Governo sobre a missão da Autoridade da Concorrência, como, aliás, está bem visível na
redação do artigo 40.º desta proposta de lei. O Sr. Secretário de Estado leu a primeira parte, mas não leu a
segunda parte do artigo 40.º e, por isso, vou lê-lo na totalidade. Disse o Sr. Secretário de Estado: «A Autoridade
da Concorrência é independente no exercício das suas funções e não se encontra sujeita a superintendência
ou tutela governamental, não podendo o Governo dirigir instruções ou recomendações nem emitir diretivas ao
conselho de administração sobre a sua atividade, nem sobre as prioridades a adotar na prossecução da sua
missão…». O que não disse foi a segunda parte: «… podendo contudo ser destinatária de regras estratégicas
gerais ou orientações em matéria de prioridades não relacionadas com inquéritos setoriais ou com processos
específicos para aplicação dos artigos 101.º e 102.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.»
Sr. Secretário de Estado, devo dizer que esta posição do Governo não nos surpreende de todo, pois há muito
que sabemos que o Governo lida mal com a independência dos reguladores. Lida mal com a independência dos
reguladores e não perde uma oportunidade para os controlar, como se vê, uma vez mais, com esta proposta de
lei.
Aplausos do PSD.
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O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Bruno Dias, do PCP.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Secretários de Estado: Esta proposta de lei que o Governo apresenta e a diretiva comunitária que lhe deu origem assentam na ideia de que setores
estratégicos da economia devem estar na mão de privados, mas, como a privatização leva a situações de
monopólio, oligopólio ou cartel, há necessidade de criar autoridades da concorrência, autoridades essas que
nunca serão verdadeiramente independentes e imparciais e, por isso, nunca conseguirão impedir, em boa
verdade, abusos do poder de mercado.
Por mais altissonantes que sejam as proclamações sobre a livre e sã concorrência no contexto da União
Europeia, as últimas décadas deixaram bem à vista, em todo o mundo, e nos mais variados setores, o fracasso
do modelo neoliberal de privatização de setores estratégicos, adornado por miríficas entidades reguladoras que,
na melhor das hipóteses, se revelam impotentes e, na pior das hipóteses, cúmplices dos regulados e por eles
capturadas.
Esta proposta de lei e a diretiva que lhe dá origem são sustentadas pela ideia de que quase toda a legislação
dos países é insuficiente ou má e que, por isso, há que produzir legislação comunitária e conferir poderes à
Comissão Europeia. De resto, a própria conceção subjacente às normas de enquadramento, funcionamento e
até interpretação jurídica, quer no que diz respeito ao regime da concorrência, quer no que se refere aos
Estatutos da Autoridade da Concorrência, leva a um nível quase de fanatismo o primado da legislação
comunitária, a ponto de se considerar um primado de automatismo na própria interpretação à luz da Constituição
da República.
A Autoridade da Concorrência, de acordo com as intenções manifestadas pelo Governo e as suas propostas,
aparece como uma entidade mais independente e à prova de influências, por parte das instituições do Estado
português, e cada vez mais integrada como peça de uma máquina europeia que segue à risca as orientações e
linhas de ação definidas na União Europeia, aliás à semelhança do que tem sido a evolução dos processos de
integração federalista e supranacional na União Europeia, de que é particular exemplo o Banco de Portugal, que
assume com brio e galhardia a condição de sucursal portuguesa do Banco Central Europeu, cumprindo
prontamente as ordens de Frankfurt. O Sr. Governador dirá que não é assim, mas nós «sabemos o que a casa
gasta».
Esta proposta de lei aponta para alterações de fundo no regime jurídico da concorrência e nos Estatutos da
Autoridade da Concorrência. Foi apresentada a proposta, quase com sinetas de emergência, no seguimento do
incumprimento do prazo, por parte do Governo, relativamente à transposição da diretiva, mas são alterações
que devem ser bem ponderadas. Aliás, desde logo na redação da própria proposta de lei, estas alterações
deviam ter sido bem ponderadas, para não se sujeitar o Governo e a Assembleia da República a situações deste
calibre.
Srs. Membros do Governo, já foi aqui referida a gravidade das normas inconstitucionais, quer em relação ao
artigo 18.º, sobre os poderes de busca e apreensão, quer em relação ao artigo 31.º, sobre meios de prova
admissíveis. Já foi abundantemente explicado que não é aceitável considerar para processos de mera
ordenação social e contraordenacionais o tipo de buscas e o tipo de ingerências do Estado que são assumidas
como se fossem para processos-crime. Aliás, no n.º 2 do artigo 18.º, quando o Governo propõe que se determine
que as diligências dependem de autorização da autoridade judiciária competente, a conclusão seria fácil: nunca
seriam autorizadas. Mas, de resto, nem a própria definição de autoridade judiciária, ou a referência ao Sr. Juiz,
presumindo que não estariam a pensar no Ministério Público, aqui aparece.
Ora, dirá o Sr. Secretário de Estado «estamos a confundir a árvore com a floresta e esta é uma matéria
específica dentro de uma proposta mais ampla». Pois, o problema é que a própria floresta, aqui, é um caminho
perigoso que devemos evitar.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado André Ventura, do Chega.
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O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, a par das normas já aqui analisadas e de caráter dificilmente compatível com o nosso sistema jurídico, nomeadamente o acesso às comunicações e aos dados de tráfego —
isso, aliás, é não só uma prerrogativa do nosso Tribunal Constitucional mas do próprio Tribunal de Justiça da
União Europeia —, em matéria de acesso, não está devidamente clarificada na proposta de lei do Governo a
forma como se pode aceder a dados. E sublinho que, por exemplo, até se pode aceder a mensagens que ainda
não foram lidas pelo visado, que não foram, sequer, acedidas pelo visado, o que tem de implicar o reforço dos
deveres de garantia de que o juiz de instrução está presente e de que apenas nos casos devidamente previstos
isso acontece.
Mas, depois, há dois elementos que são contrários ao espírito da própria lei. Por exemplo, acaba por se
restringir ainda mais a capacidade de realizar buscas, recolhas e apreensões, porque, na proposta do Governo,
passam a referir-se apenas os «visados», ao contrário do que acontece agora, em que o visado pode ser uma
empresa, mas pode haver diligências num conjunto de empresas que são associações e que não são, pelo
conceito jurídico-material, «visadas». Acho que esta é uma questão que, pelo menos, tem de ser clarificada na
especialidade, assim como a questão do «agente», porque, na lei atual, temos a figura do «agente» da
Autoridade da Concorrência e essa figura é eliminada a partir de agora, o que nos leva a questionar quem é que
realiza as diligências da Autoridade da Concorrência. São os colaboradores? Pode ser qualquer funcionário? É
que é eliminado o conceito de «agente».
Portanto, há aqui vários aspetos que é preciso clarificar e que, do ponto de vista técnico, ainda merecem
algum aprofundamento.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Cecília Meireles, do CDS-PP.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Do ponto de vista das finalidades, esta proposta de lei, ao defender a concorrência, ao defender o bom funcionamento do mercado
interno, enquanto princípios, merece a nossa concordância, sem qualquer dúvida. Mas a verdade é que, olhando
para ela com atenção, há uns alertas essenciais que têm de ser levados em conta. E chamava a atenção para
dois tipos de alertas, o primeiro dos quais é aquele que nos deixa o parecer da própria Autoridade da
Concorrência, que alerta para uma incorreta transposição da diretiva em causa ao não prever as adequadas
garantias de autonomia financeira e gestão de recursos humanos. Este é um problema que vários reguladores
têm levantado, aliás tem sido mais ou menos generalizado. Mas há aqui um outro problema, que já não é tão
generalizado, que é o da introdução de uma nova modalidade de intervenção do Governo sobre a missão da
Autoridade da Concorrência, promovendo uma limitação da independência desta entidade. Vale a pena olhar
para isto com atenção.
Mas, mais, não são apenas as questões relacionadas diretamente com a Autoridade da Concorrência que
nos levantam dúvidas. Quanto à maneira como esta iniciativa vem, naturalmente, subsumir-se ao direito
processual ou contraordenacional, e percebendo que é evidente que se tem de chegar aqui, não posso deixar
de dizer que nos preocupa muito a forma pouco rigorosa como isto é feito, e que, aliás, já foi aqui referida por
vários Srs. Deputados, como acontece, por exemplo, no caso da apreensão de prova em meio digital, fazendo
uso de expressões como «de natureza semelhante» para aludir aos meios de prova que são permitidos.
Sr.as e Srs. Deputados, estamos a falar de intrusões muito graves e muito sérias na privacidade seja de
cidadãos, seja de empresas e, portanto, em temas tão sensíveis, é preciso que os conceitos estejam definidos
de maneira absolutamente rigorosa, para não haver abusos.
Mais preocupante ainda é o alerta da Comissão Nacional de Proteção de Dados, que frisa, e bem, a maneira
dúbia como está escrito o n.º 2 do artigo 18.º do regime jurídico da concorrência. Esta entidade alerta que: «Uma
vez que o artigo 18.º abarca diversos tipos de poderes de investigação, com impactos distintos nos direitos
fundamentais dos cidadãos, importa clarificar que o disposto no n.º 2 não altera a competência exclusiva da
autoridade judicial para autorizar determinadas diligências, sobretudo no que toca a comunicações eletrónicas.»
Isto tem de ficar absolutamente claro e é uma questão muitíssimo séria, porque estamos a falar de direitos
fundamentais.
Portanto, desse ponto de vista, acho que há um grande trabalho a fazer na especialidade, caso esta proposta
baixe à respetiva Comissão.
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Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Pereira, do PS.
O Sr. Carlos Pereira (PS): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Gostaria de começar por dizer que o Governo do Partido Socialista e o Partido Socialista, em particular, entendem que o
modelo económico baseado no mercado é aquele que melhor defende o interesse dos consumidores, o interesse
dos cidadãos e até a melhor afetação de recursos. Acreditamos nisso, mas não acreditamos naquela lógica de
um mercado completamente liberalizado, em que a «mão invisível» controla tudo e autorregula o mercado, ou
seja, nós sabemos bem que a lei da oferta e da procura, per se, gera falhas de mercado. Daí a importância dos
reguladores e, nomeadamente, da Autoridade da Concorrência e das suas funções, no sentido de garantir o
bom funcionamento do mercado, evitando essas mesmas falhas.
Posto isto, respondendo, talvez, ao Sr. Deputado do PSD, e pondo de lado as questões relacionadas com os
atrasos — não vamos aqui fazer uma contabilidade dos atrasos na transposição de diretivas comunitárias do
Governo do PSD/CDS, não vale a pena fazer isso, e até acho manifestamente injusto que tenha esquecido que
estamos numa fase de pandemia que, naturalmente, atrasou processos que não eram, do nosso ponto de vista,
manifestamente prioritários —, gostaria de lhe dizer que, quando refere a questão da independência do
regulador, neste caso, em particular, do regulador da concorrência, o único desafio que me sugere fazer-lhe é o
de dizer aqui, no Parlamento, e ao povo português, quantas vezes este Governo interveio na atividade da
Autoridade da Concorrência ou influenciou a Autoridade da Concorrência, mas que o diga de forma perentória,
clara e demonstrativa de que isso aconteceu, porque a sua intervenção parece fazer crer que essa tem sido a
prática, que esse tem sido o objetivo deste Governo, e, pelo contrário, não tem sido assim.
Mas permita-me também acrescentar uma coisa que me parece muito importante. Quanto ao que o Sr.
Deputado leu, na transposição da diretiva comunitária — porque é disso que se trata, não é uma invenção do
Governo, é uma transposição de uma diretiva comunitária —, sobre questões relacionadas com as estratégias
e prioridades, como sendo uma tentativa de o Governo retirar independência ao regulador, gostaria de dizer que
o meu grupo parlamentar diverge, de forma muito clara, do Grupo Parlamentar do PSD, por uma razão muito
simples — e até acho que o Sr. Deputado irá dar-me razão: é que a matéria relacionada com as estratégias e
as prioridades é uma questão do Estado, não é uma questão do regulador. Aliás, os senhores ensaiaram isso
mesmo, e por isso é que, no que diz respeito, por exemplo, à lei das comunicações eletrónicas e do 5G, a
responsabilidade estratégica e prioritária ficou nas mãos do regulador e, em algumas questões que estão, hoje,
a ser colocadas, por causa do regulador, o Governo nem pode intervir.
Portanto, Sr. Deputado, sobre esta matéria, parece claro que nós divergimos. Contrariamente ao que o Sr.
Deputado diz, ou seja, que esta questão coloca menos independência no regulador, o que eu digo é que ela é
essencial para a defesa do Estado e para a defesa do interesse do consumidor.
Portanto, não estamos de acordo sobre essa matéria, o que me parece óbvio.
A segunda questão que julgo ser importante e que tem que ver com a controvérsia mais profunda que tem
vindo a ser debatida em relação a esta proposta é a da inconstitucionalidade. Não gostaria de centrar o debate
sobre esta questão, mas também quero dizer que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista tem total abertura
para discutir na especialidade a melhor forma de ultrapassar estas dúvidas e chegar a uma solução que seja
adequada. No entanto, por tudo aquilo que li ao longo do debate sobre esta proposta— não hoje, mas antes —
, não é totalmente consensual que haja inconstitucionalidade.
Aliás, no esforço que foi feito pela própria Autoridade da Concorrência, nomeadamente na consulta pública
realizada, por exemplo, ao Conselho Superior da Magistratura, à Ordem dos Advogados, ao Supremo Tribunal
Administrativo, ao Ministério Público, não houve nenhuma menção ou crítica sobre esta questão. Portanto, isso
não é consensual.
Além disso, Sr. Deputado José Manuel Pureza, de facto, o primado do direito europeu deve ser olhado com
equilíbrio, com atenção…
O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Exatamente!
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O Sr. Carlos Pereira (PS): — … com cuidado, mas dar-me-á razão que a construção do mercado europeu e da União Europeia foi feita tendo também por base o primado do direito europeu. Basta olhar, Sr. Deputado,
para a última decisão do Tribunal de Justiça Europeu sobre o Tribunal Constitucional alemão e talvez se possa
fazer uma reflexão sobre essa matéria e tomar uma decisão sobre o que se quer do ponto de vista da evolução
do País. Sabemos que divergimos nessa matéria, mas somos, pelo menos, coerentes.
Finalmente, no que diz respeito aos meios, há aqui um esforço de clarificar que o produto das coimas da
Autoridade da Concorrência não serve para o seu financiamento, o que me parece essencial, porque o produto
das coimas, de alguma maneira, poderia insinuar uma perda de independência da parte da Autoridade da
Concorrência e isso, de facto, não é salutar.
Termino, dizendo que o Grupo Parlamentar do PS já apresentou um requerimento para que este diploma
baixe à comissão, sem votação. Temos total disponibilidade para, naturalmente, avaliar os pontos que não
deixam confortáveis algumas bancadas.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Peço-lhe para terminar, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Pereira (PS): — Termino, Sr. Presidente. Dizia que devemos avaliar os pontos que não deixam confortáveis algumas bancadas para encontrarmos
uma solução e termos, de facto, uma Autoridade da Concorrência robusta, forte, capaz de manter o mercado
em funcionamento para melhoria das condições de vida dos cidadãos.
Aplauso do PS.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para utilizar o tempo de que ainda dispõe o PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Paulo Oliveira.
O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Pereira, não somos só nós que divergimos do Partido Socialista e do Governo relativamente à independência e à autonomia da Autoridade da
Concorrência. É a própria Autoridade da Concorrência que discorda do Governo e do Partido Socialista.
O parecer da Autoridade da Concorrência, que, como nós, seguramente o Sr. Deputado também leu, vai
nesse sentido e é muito claro quando diz: «A proposta de lei evidencia um risco de incorreta transposição dos
artigos 4.º e 5.º da Diretiva. Por um lado, não prevê as adequadas garantias de autonomia financeira e de gestão
de recursos humanos…» — o que é verdade! — «… e, por outro lado, introduz uma modalidade nova de
intervenção do Governo sobre a missão da Autoridade da Concorrência, o que é contrário ao espírito da Diretiva
de reforço e não de limitação da independência das autoridades da concorrência».
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para encerrar este debate, dou a palavra ao Sr. Secretário de Estado do Comércio, Serviços e Defesa do Consumidor.
O Sr. Secretário de Estado do Comércio, Serviços e Defesa do Consumidor: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, começaria por agradecer as diferentes intervenções.
Penso que, fundamentalmente, foram colocadas duas questões quanto à proposta de lei que o Governo
apresenta. Uma diz respeito à constitucionalidade e a outra diz respeito à ingerência do Governo — nas palavras
de alguns Srs. Deputados — em relação à Autoridade da Concorrência.
Quanto ao tema da constitucionalidade, queria deixar bem claro que se o Governo apresenta esta proposta
de lei é porque a não considera inconstitucional.
O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Isso é preocupante!
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O Sr. Secretário de Estado do Comércio, Serviços e Defesa do Consumidor: — O nosso entendimento é o de que existirá, seguramente, margem, na discussão em sede de especialidade, para que a Assembleia da
República, no âmbito das suas atribuições, e como Casa legislativa primeira da República Portuguesa, possa
fazer as devidas ponderações sobre as normas que o Governo sugere.
Mas gostava de sublinhar, muito em particular, algo que já aqui foi mencionado e que vai no sentido de,
aquando da consulta pública promovida pela própria Autoridade da Concorrência de um vasto conjunto de
instituições, nenhuma dessas instituições ter alvitrado essa questão.
Aplausos do PS.
Simultaneamente, gostaria de sensibilizar as Sr.as e os Srs. Deputados para o facto de a própria Comissão
Europeia, outros Estados-Membros da União Europeia terem poderes semelhantes àqueles que o Governo está
a sugerir no âmbito desta proposta de lei.
Portanto, penso que é uma matéria que pode merecer a melhor consideração no âmbito do debate na
especialidade, porque, efetivamente, do que se trata é de reforçar os poderes de fiscalização, de intervenção
da Autoridade da Concorrência, no âmbito de um quadro normativo que pressupõe, neste caso, muito em
particular, a autorização por parte de uma autoridade judiciária.
Outra questão que foi aqui mencionada diz respeito a uma eventual vontade de o Governo interferir na
independência da Autoridade da Concorrência. Aí, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, permitam-me que
mencione que me parece não apenas injusta, como exagerada essa acusação.
Além dos argumentos que já aqui foram invocados por alguns Srs. Deputados, em particular pelo Sr.
Deputado Carlos Pereira, permitir-me-ia citar o considerando n.º 23 da diretiva, que diz expressamente o
seguinte: «A competência das autoridades administrativas nacionais da concorrência, para dar prioridade aos
seus processos de aplicação, não prejudica o direito de o Governo de um Estado-Membro dirigir às autoridades
administrativas nacionais da concorrência regras estratégicas gerais ou orientações em matéria de prioridades
que não estejam relacionadas com inquéritos setoriais ou com processos específicos para a aplicação dos
artigos 101.º e 102.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia».
Aplausos do PS.
Porque é que fiz esta menção? Porque me parece ser muito importante ter presente que este é um
considerando da diretiva que o Governo na proposta de lei que apresenta à consideração da Assembleia da
República entende dever ser transposto.
Por isso, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, queria deixar cabalmente expresso que, no entendimento
do Governo, não existe nenhuma vontade, nem intenção de pôr em causa a independência da Autoridade da
Concorrência.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Peço-lhe para terminar, Sr. Secretário de Estado.
O Sr. Secretário de Estado do Comércio, Serviços e Defesa do Consumidor: — No entendimento do Governo, salvo melhor opinião das Sr.as e dos Srs. Deputados, também não existem questões de
constitucionalidade graves, sem prejuízo de o próprio parecer técnico da Assembleia da República levantar
algumas dúvidas que, como menciona esse mesmo parecer, são suscetíveis de ser ultrapassadas em sede de
discussão na especialidade.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Damos, assim, por terminado este ponto da ordem do dia, e passamos ao seguinte, que consiste na apreciação, na generalidade, da Proposta de Lei n.º 100/XIV/2.ª (GOV)
— Autoriza o Governo a estabelecer os requisitos de acesso e de exercício da atividade dos técnicos do Sistema
de Certificação Energética dos Edifícios.
Para iniciar o debate, dou a palavra ao Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Energia, João Galamba.
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O Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Energia (João Galamba): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos hoje a discutir a proposta de lei que autoriza o Governo a estabelecer os requisitos de
acesso ao exercício da atividade dos técnicos do SCE (Sistema de Certificação Energética dos Edifícios).
A eficiência energética tem sido uma prioridade. O pacote Energia Limpa para Todos os Europeus,
apresentado pela Comissão Europeia, com vista ao desenvolvimento de um sistema energético sustentável,
concorrencial, competitivo, eficiente, seguro e descarbonizado até 2050 dedicou especial atenção aos edifícios,
que são responsáveis por 36% do total das emissões de gases com efeito de estufa e de 40% dos consumos
energéticos.
É inegável que os edifícios representam um considerável contributo para o cumprimento dos objetivos da
transição energética e da neutralidade carbónica. A aposta na eficiência energética é um dos objetivos
prioritários do Programa do Governo, estando já definidas medidas, objetivos e ambiciosas metas no Roteiro
para a Neutralidade Carbónica até 2050, no Plano Nacional da Energia e Clima 2030, na recente Estratégia de
Longo Prazo para a Renovação dos Edifícios e também na renovação do Programa ECO.AP, na consagração
de verbas no Programa de Estabilidade Social — que começaram com 4 milhões de euros e acabaram
superiores a 8 milhões — e no PRR.
Entendemos, de facto, que a energia mais barata é aquela que não se consome, portanto, em todas as áreas,
e como objetivo transversal da política energética, a eficiência energética tem prioridade.
Cumprindo os desígnios do pacote da energia limpa, o Governo procedeu à transposição da revista diretiva
comunitária relativa ao desempenho energético dos edifícios, mediante o Decreto-Lei n.º 101-D/2020, de 7 de
dezembro, que estabeleceu os requisitos aplicáveis à conceção e renovação de edifícios com vista, em
simultâneo, à sua modernização, à redução dos consumos e de emissões e à salvaguarda das necessidades
de conforto e de saúde dos seus ocupantes, incluindo os agregados familiares.
À luz do novo quadro comunitário, o referido decreto-lei regulou também o Sistema de Certificação Energética
dos Edifícios. A certificação do desempenho energético dos edifícios residenciais e não residenciais inclui-se
necessariamente nos recursos e mecanismos a mobilizar para o fomento e desenvolvimento da respetiva
eficiência energética através, nomeadamente, da atribuição das classes energéticas e da identificação de
oportunidades para a sua melhoria.
Nesse sentido, o referido Decreto-Lei n.º 101-D/2020 prevê um conjunto de tarefas e obrigações relativas à
certificação do desempenho energético dos edifícios, à instalação, à manutenção, à inspeção dos sistemas
técnicos e à gestão dos consumos de energia, para cujo desempenho prevê a intervenção de técnicos
qualificados cujo quadro importa agora atualizar.
Com esta autorização legislativa, o Governo pretende legislar sobre os critérios de acesso e exercício da
atividade dos técnicos do SCE, mediante a reformulação dos requisitos de experiência e formação académica
e profissional, tendo igualmente iniciado a revisão e atualização da oferta do catálogo nacional de qualificações
elegível para o presente efeito.
Por outro lado, o Governo pretende proceder à previsão de novas categorias de técnicos do SCE, em função
das novas obrigações relacionadas com a gestão dos consumos dos edifícios e da sua inspeção periódica, sob
pena de incumprir com os objetivos do decreto-lei.
Por fim, e em simultâneo, o Governo pretende assegurar a devida salvaguarda dos atuais técnicos do SCE
mediante um regime transitório adequado ao atual e superior grau de rigor e complexidade técnica que as
obrigações relacionadas com a certificação do desempenho energético e com a instalação e manutenção dos
sistemas técnicos determinam.
Assim, e nesse sentido, com esta autorização do Parlamento — se aprovada —, o Governo conclui o quadro
normativo sobre a eficiência energética dos edifícios ao mesmo tempo que altera o paradigma do parque
imobiliário de mero consumidor para instrumento fundamental no âmbito dos objetivos da transição energética
e da neutralidade carbónica.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem agora a palavra o Sr. Deputado Pedro Morais Soares, do CDS-PP, para uma intervenção.
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O Sr. Pedro Morais Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: O Governo apresenta um pedido de autorização legislativa sobre um tema cuja importância é reconhecida a
priori por todos nós, que é a certificação energética dos edifícios.
Atualmente, penso que não há nenhum partido nesta Câmara que não reconheça a relevância desta matéria,
não só para a sustentabilidade ambiental, como referiu, mas também para o bem-estar de todas famílias
portuguesas.
Neste sentido, os requisitos de acesso e de exercício da atividade dos técnicos do Sistema de Certificação
Energética dos Edifícios não podem, de todo, ser ignorados.
Porém, Sr. Secretário de Estado, o Governo justifica a necessidade de proceder à revisão dos referidos
requisitos pelo facto de o regime vigente se encontrar desatualizado face à legislação atualmente em vigor, em
especial face ao estatuído no Decreto-Lei n.º 101-D/2020, de 7 de dezembro. Percebendo a necessidade desta
atualização, temos de perceber também se a mesma é proposta nos termos corretos ou se existem alguns
aspetos que poderiam ou deveriam estar diferentes.
Podemos referir as diversas críticas que constam do parecer remetido à Assembleia da República pela
Ordem dos Engenheiros Técnicos. Uma das críticas que a Ordem faz é a da exclusividade da Agência para a
Energia na prestação da formação. Refere a Ordem, e parece-nos que com muita razoabilidade, que a formação
deveria poder ser realizada por entidades que estejam certificadas pela própria agência. Assim, perguntamos o
seguinte: o Governo ouviu a Ordem? Porque mantém esta exclusividade?
Mas não foi só a Ordem dos Engenheiros Técnicos que fez críticas. Também a Associação Nacional de
Peritos Qualificados do Sistema de Certificação Energética refere que o Sistema de Certificação Energética
Nacional é o mais complexo dos 27 países da União Europeia, envolvendo centenas de operações, de
avaliações de muito difícil execução e avaliação, fazendo com que as emissões de certificados energéticos se
tornem cada vez mais dispendiosos para o cidadão e pouco valorizados pela opinião pública.
Esta crítica deve merecer a maior atenção por parte do Governo, pois não é caso isolado o excesso de
complexidade que existe em Portugal comparativamente com os nossos parceiros da União Europeia.
Por último, não podemos ignorar a crítica e a sugestão feitas pela Assembleia Legislativa da Região
Autónoma da Madeira, que sugere que os produtos das coimas resultantes das contraordenações aplicadas nas
regiões autónomas constituam receita próprias destas. Está o Governo — aproveito para questionar o Sr.
Secretário de Estado — disposto a acolher esta sugestão da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da
Madeira?
Finalmente, Sr. Presidente, Srs. Deputados, não posso terminar sem deixar uma última crítica em relação a
algo a que o Governo, infelizmente, também nos tem habituado nesta Casa.
Sabendo que, regimentalmente, as propostas de lei devem ser acompanhadas de estudos, documentos e
pareceres para que, de certa forma, fundamentem as mesmas, apesar de o Governo, na exposição de motivos,
mencionar ter realizado audições, não nos fez chegar, contudo, quaisquer estudos, documentos ou pareceres
que tenham fundamentado a apresentação da atual proposta de lei.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Emília Cerqueira, do PSD.
A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Há duas questões que temos de separar. Primeiro, aquela que foi a intervenção do Sr. Secretário de Estado e,
depois, aquela que é a proposta que estamos a apreciar hoje — são duas realidades completamente distintas.
A questão da eficiência energética dos edifícios, principalmente num País que tem os edifícios com maior
pobreza energética da União Europeia, é sem dúvida uma questão fundamental para que haja maior qualidade
de vida para os portugueses, no seu parque habitacional, porque, infelizmente, nós, para além dos preços quase
incomportáveis da energia em Portugal, também temos um problema de pobreza energética e não de eficiência
energética.
Portanto, é muito importante que haja um grande passo, que haja, de facto, políticas públicas para a efetiva
implantação da eficiência energética nos nossos edifícios, até porque sabemos que grande parte da população
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nem sequer tem acesso a aquecimento ou a climatização nas suas habitações ou nos locais de trabalho, dados
os preços absolutamente incomportáveis que têm.
Passando ao assunto que aqui nos traz hoje, que é, de facto, a regulamentação de uma profissão e a
regulamentação da certificação energética, que é uma outra realidade, tenho de começar com um lamento, Sr.
Secretário de Estado, relativamente à atitude do Governo: não é o Regimento mas sim a Constituição que diz
que as autorizações legislativas têm de vir acompanhadas dos pareceres fundamentados para a iniciativa, o
que, mais uma vez, não sucedeu.
Aliás, ainda hoje chamei a atenção para esta questão, porque o Governo, nos termos constitucionais, não
pode continuar a apresentar pedidos de autorização legislativa juntamente com o decreto-lei que acompanha a
iniciativa e, depois, não cumprir um dos requisitos fundamentais, que é o de enviar os estudos, pareceres e
documentos com as iniciativas. Isso não permite que a Assembleia da República possa legislar e apreciar
devidamente as matérias.
Sr. Secretário de Estado, esta é uma daquelas matérias com que, de uma forma ou de outra, com uma crítica
ou outra, a que esperamos que o Governo atente, todos nós concordamos, sendo importante que se avance e
que se adeque a lei à legislação europeia. No entanto, não é assim em todas as matérias, e não é em função
da matéria que se pode incumprir a Constituição — que, aliás, tanto gostam de ter na ponta da língua quando
convém e de ignorar, também, quando convém.
Dito isto, vamos à regulamentação propriamente dita da proposta de lei, porque é isso que temos de discutir,
não tanto as autorizações legislativas.
Há várias questões que não podemos ultrapassar. Algumas já aqui foram referidas, nomeadamente a que
coloca a Ordem dos Engenheiros Técnicos, que tem de ver, primeiro, com a inscrição na ADENE (Agência para
a Energia). Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado, o Governo tem de decidir: ou quer ordens profissionais ou
não quer ordens profissionais, porque, na verdade, esta contradição tem que ver com a transposição de uma
norma europeia, tendo em conta que nós também temos uma ordem e, portanto, não podemos duplicar. Não
pode haver inscrição numa ordem profissional e, simultaneamente, obrigar a que a certificação seja feita por
uma outra associação, quando as próprias ordens vêm chamar a atenção para este problema. Tal como a
duplicação e complexificação que temos, por um lado, na formação, o formador é o certificador exclusivo, em
monopólio, porque nem sequer permite que haja outras entidades certificadas pela ADENE para dar essa
formação. E isso, Sr. Secretário de Estado, vem contra aquilo de que o Governo fala e que todos nós julgamos
que é fundamental, que é a simplificação dos procedimentos.
Nós estamos a burocratizar os procedimentos e a torná-los cada vez mais complexos. Basta ouvir o País
real, os proprietários, todo o setor das ordens profissionais, as diversas classes profissionais em causa: todas
se queixam da quantidade de formalismos e da quantidade de burocracia que é necessário ultrapassar.
Não bastasse isso, o Governo acrescenta ainda mais burocracia, em vez de simplificar. O que se pretende é
a simplificação e, portanto, esperamos que o Governo ainda vá a tempo de tomar em conta estas nossas
preocupações e, também, a preocupação do Governo Regional da Madeira, que vamos estender também aos
Açores, porque o que se aplica a uma região autónoma tem de se aplicar à outra, que é a questão das
contraordenações. As contraordenações não são impostos, são taxas, têm sempre uma contrapartida, portanto
é importante que ambas as regiões autónomas beneficiem dessa medida, embora tenha sido a Região
Autónoma da Madeira que chamou especificamente a atenção para esta questão. Mas é importante que as
regiões autónomas beneficiem também dos montantes que são oriundos da própria região autónoma, quando
não haja comparticipação.
Sr. Secretário de Estado, espero que o Governo seja sensível a estas questões para que, com isso,
consigamos, sim, uma verdadeira e efetiva eficiência energética em Portugal e não estejamos a desviar o
assunto para não se falar da pobreza em que, efetivamente, todos nós vivemos.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Nelson Silva, do PAN.
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O Sr. Nelson Silva (PAN): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei em apreço vem estabelecer requisitos mais exigentes à atividade de certificação energética de edifícios,
tema que, obviamente, acompanhamos. Mas sendo um tema que é tão caro ao PAN, não podemos deixar de
aproveitar a oportunidade para destacar alguns aspetos dentro daquela que é a problemática da eficiência
energética de edifícios em Portugal.
De acordo com o estudo da União Europeia que avalia as trinta estratégias de eficiência energética entregues
pelos países europeus, apenas três estratégias de renovação de edifícios não respondem aos requisitos básicos
— Alemanha, Portugal e Polónia.
A pobreza energética foi bem abordada na maioria das estratégias, sendo reconhecida como uma questão
socioeconómica crescente, com graves consequências em termos de saúde, bem-estar, economia e ambiente.
É mencionado que Portugal é um dos países com maiores níveis de pobreza energética, não tendo sido proposta
qualquer medida, por parte de Portugal, para a combater.
No referido estudo e numa pontuação de 1 a 5, Portugal obteve 3,5 na identificação do parque habitacional,
0 (zero) na identificação de abordagens custo eficazes, 3 em políticas que incentivem renovações de edifícios
custo eficazes, 2,5 em visão de políticas de investimento, 0 (zero) nas expectativas de poupança de energia e
outros benefícios.
Na pontuação global, Portugal fica em penúltimo lugar na Europa, apenas atrás da Polónia. Palmas para o
nosso País…. Um dos muitos rankings em que Portugal se posiciona e que não é, de todo, motivo de orgulho.
Tendo em consideração a importância da eficiência energética na redução das emissões de gases com efeito
de estufa e no combate à pobreza energética, que assola cerca de 20% da população nacional, é absolutamente
prioritário incentivar a eficiência energética de edifícios através de apoios às famílias, em função do seu nível de
rendimentos, nomeadamente por apoios diretos, parcialmente reembolsáveis, e por incentivo fiscal, incentivar a
eficiência energética nas empresas e combater a pobreza energética.
Apresentámos um projeto de resolução em fevereiro, que foi rejeitado pelo PS, que propunha, precisamente,
que o Governo criasse um mecanismo financeiro de apoio à eficiência energética de edifícios e de combate à
pobreza energética, no qual as empresas e as famílias saíam beneficiadas a nível de consultoria energética
para melhorar a sua eficiência. É incompreensível que, para este Governo, os 20% de pessoas em Portugal que
têm de escolher entre passar fome ou passar frio continuem a não ser uma prioridade. Este Governo prefere
continuar a dar 500 milhões de euros do Orçamento do Estado em subsídios para a utilização de petróleo à EDP
(Energias de Portugal) e afins do que pegar nesse dinheiro e canalizá-lo para os cerca de dois milhões de
pessoas em Portugal que não conseguem pagar o aquecimento e o arrefecimento das suas casas, muitas delas
acabando por morrer de frio. E isto, Sr.as e Srs. Deputados, diz muito sobre as pessoas que governam o nosso
País.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Duarte Alves, do PCP.
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Secretários de Estado: O Governo apresentou, a 21 de maio, esta proposta de lei, que vem alterar os requisitos de acesso à atividade dos técnicos
do Sistema de Certificação Energética dos Edifícios.
Percebemos já, durante esta tarde, a pressa do Governo em ver aprovadas as transposições das diretivas,
mas convenhamos que não foi dado o tempo e, sobretudo, a documentação necessária a partir dos pareceres
que deveriam acompanhar a proposta para que esta matéria, com esta complexidade, fosse plenamente
analisada pela Assembleia da República antes desta discussão, sobretudo tendo em conta que é uma discussão
que acaba aqui, porque é uma autorização legislativa e não há especialidade, pelo que conviria haver outro tipo
de elementos para a Assembleia da República decidir sobre esta matéria.
Prova disso é que só chegaram à Assembleia da República dois pareceres: um da Ordem dos Engenheiros
Técnicos e outro da Associação Nacional de Peritos Qualificados (ANPQ) do SCE. E logo aqui começamos por
questionar o Governo, porque ambas se queixaram que não foram devidamente ouvidas. A ANPQ diz:
«Solicitamos o direito a ser ouvidos, tendo em conta a nossa atividade como principais agentes no terreno da
aplicação dos requisitos do Sistema de Certificação Energética dos Edifícios, facto que escapou aos
legisladores». É uma crítica desta associação.
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Gostaríamos de saber se o Governo a ouviu e, também, que resposta é que dá à Ordem dos Engenheiros
Técnicos, que se queixa de também não ter sido devidamente ouvida nas suas reivindicações. Fica também a
pergunta: que outras entidades é que foram ouvidas pelo Governo? Porque nós só temos estes dois pareceres,
não temos mais nenhum parecer de outras entidades sobre esta matéria.
Este aspeto é, apesar de tudo, importante, porque estamos a falar da regulamentação de acesso a uma
profissão, e não se pode querer legislar à pressa e por mera autorização legislativa sem que se oiçam as
entidades que representam os visados, que vão muito para lá destas duas entidades aqui referidas.
Mas tendo em conta apenas estes dois pareceres, colocamos aqui algumas questões que são neles
levantadas e gostaríamos de ter esclarecimentos por parte do Governo.
A ADENE, a Agência para a Energia, que é uma entidade de direito privado, fica com atribuições de emissão
de títulos profissionais e, ainda, acumula funções de formação com a realização de exames? As questões
suscitadas pela Ordem dos Engenheiros Técnicos sobre os níveis de qualificação para a categoria TRM (técnico
responsável pela instalação e manutenção de sistemas técnicos), alargando o acesso a mais profissionais
qualificados, têm ou não razão de ser e podem ou não ser ainda acolhidas por parte do Governo? Faz sentido
que um perito qualificado que faça um projeto especializado de água ou de esgotos fique, por isso, impedido de
fazer a certificação energética? Que custos adicionais pode representar esse impedimento que, aparentemente,
não se justifica, estando em causa duas especialidades diferentes? Há formas objetivas de classificar o que é
um infrator, com toda a subjetividade da certificação energética, e tendo em conta que quem avalia tem as
mesmas qualificações de quem é avaliado, como aponta a ANPQ?
Além das ordens profissionais e dos tribunais, faz sentido haver uma outra entidade que pode impedir o
acesso à profissão de perito qualificado? Faz ou não sentido uma diferenciação entre edifícios de habitação e
pequenos edifícios de serviços, em que podem ser aplicadas soluções de referência, e edifícios mais complexos,
que exigirão, então, uma metodologia mais complexa de certificação energética? Faz sentido haver, ou não,
essa diferenciação? Considera o Governo que os critérios de aferição da qualidade no âmbito do SCE são, ou
não, já desproporcionais face ao risco que advém de uma eventual má prática?
Isto para dizer que com apenas dois pareceres são muitas as questões que nos foram surgindo, mas,
sobretudo, não sabemos ao certo que outros problemas poderiam ser levantados se conhecêssemos a posição
de outras entidades. Mas talvez nos possam ajudar nesse esclarecimento.
Uma coisa é certa: o Governo teria feito melhor em ter apresentado uma proposta de lei com tempo, com
pareceres, que pudesse ser devidamente apreciada, num processo normal de especialidade, e que permitisse
esclarecer todas as questões levantadas. Não o fazendo, sujeita-se a que a Assembleia da República decida
com base na informação que tem disponível e nos esclarecimentos que hoje venham a ser aqui prestados.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Filipe Pacheco, do PS.
O Sr. Filipe Pacheco (PS): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado-Adjunto e da Energia, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo pede, hoje, a esta Assembleia uma autorização legislativa para a reformulação dos
requisitos de acesso e de exercício da atividade dos técnicos do Sistema de Certificação Energética dos
Edifícios.
Para o Partido Socialista, esta proposta vem num contexto muito mais amplo, mais lato, de um caminho que
o atual Governo tem vindo a percorrer de aceleração da transição energética, tendo como um dos grandes
alicerces desse caminho o vetor da eficiência energética.
Como vivemos tempos em que, muitas vezes, é preciso reafirmar o óbvio, acho que nunca é demais
relembrar que, na área da eficiência energética e da melhoria do desempenho ambiental de edifícios, o Plano
de Recuperação e Resiliência, que até foi criticado por vários partidos nesta Assembleia, tem previstos mais de
600 milhões de euros em apoios.
Temos aqui vários paladinos da eficiência energética e, portanto, é importante lembrar os 300 milhões de
euros previstos de apoios para o setor residencial, os 250 milhões de euros para a Administração Pública e os
70 milhões de euros para os serviços. Estas verbas não são apenas uma miragem, elas já estão a ser
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implementadas no terreno e é disso exemplo o lançamento recente da segunda fase de execução do Programa
de Apoio a Edifícios Mais Sustentáveis, com 30 milhões de euros, sendo também já público que, assim que essa
verba esgotar, teremos a abertura de novos concursos.
Este programa em específico é muito importante porque abrange edifícios novos e a eficiência energética
não se aplica só à construção, mas também à instalação de equipamentos.
Na nossa perspetiva, além destas medidas concretas, a alteração verdadeiramente estruturante que o
Governo e o País estão a fazer é a de se passar a colocar a eficiência energética no centro de todas as decisões
políticas. Um exemplo disso mesmo são as verbas inscritas no PRR para várias outras áreas, como por exemplo
para a habitação ou para os edifícios públicos, como hospitais ou centros de saúde, verbas essas que terão de
ser gastas respeitando escrupulosamente os princípios da eficiência energética e ambiental. Ou seja, mesmo
que indiretamente, essas verbas são também um verdadeiro investimento em eficiência energética.
Tudo isto são contributos para um desígnio ambicioso, aliás, o Sr. Secretário de Estado já o referiu, que tem
que ver com a estratégia de longo prazo para a renovação de edifícios, com objetivos bastante ambiciosos como
o da reabilitação de 100% do edificado até 2050, prevendo-se que as necessidades de investimento sejam na
ordem dos 143 mil milhões de euros nas próximas décadas. Portanto, essa necessidade de investimento tem
de começar já e, com aquilo que o Governo está a fazer, está a começar já.
Este é, assim, o primeiro contexto em que surge a proposta de uma verdadeira aposta numa estratégia de
desenvolvimento sustentável assente na descarbonização e na transição energética.
Ao PSD, que falou muito de pobreza energética, digo que estas, sim, são as verdadeiras reformas estruturais.
Lembrando o que aconteceu no vosso Governo, foi precisamente nessa altura que pararam todas as políticas
de combate à pobreza energética, de aposta nas energias renováveis, e por aí fora.
Protestos do PSD.
O segundo contexto que justifica este pedido de autorização legislativa é o da necessidade de cumprir a
transposição de diretivas europeias.
Protestos do Deputado do PSD Duarte Marques.
O Governo transpôs várias diretivas e, obviamente, há uma necessidade de adequar os perfis e os critérios
de acesso a esta profissão, o que é, no fundo, aquilo que estamos a discutir.
O Grupo Parlamentar do Partido Socialista entende que esta proposta tem um aspeto muito positivo que
importa sublinhar, o de que este diploma não vem criar limitações adicionais no acesso às profissões em causa,
antes pelo contrário. Isto é muito importante porque agora, com este Governo, sendo a eficiência energética
uma verdadeira aposta do País, abre-se também a oportunidade para a criação e manutenção de oportunidades
de emprego que não podemos desperdiçar.
Neste caso, a limitação do acesso a estas profissões já existia, a atividade já era altamente regulamentada
e este decreto-lei não vem criar novas restrições, vem apenas adequar a profissão ao novo enquadramento
jurídico.
Além disso, este diploma reconhece também a parte formal e informal da aquisição de competências, o que
achamos ser adequado à realidade socioprofissional do nosso País.
Por tudo isto, entendemos que esta autorização legislativa faz todo o sentido, mas, acima de tudo, o que
para nós faz sentido é o caminho que o Governo e o País estão a percorrer para resolverem um problema
estrutural em termos de eficiência energética e que é parte importante de uma estratégia muito mais lata de
transição energética que o País está a fazer, essa, sim, estruturante para o futuro do nosso País.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem a palavra o Sr. Deputado José Moura Soeiro, do Bloco de Esquerda, para uma intervenção.
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O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A promoção da eficiência energética é um tema que, obviamente, deve merecer a nossa atenção e o empenho
das políticas públicas. Também passam pela eficiência energética coisas tão fundamentais quanto a transição
climática justa ou o combate à pobreza energética, e vários grupos parlamentares já aludiram a esta temática.
Esta proposta de lei refere-se, contudo, a um aspeto muito específico deste debate e que tem que ver com
o acesso e o exercício profissional dos técnicos do Sistema de Certificação Energética. Quando o diploma que
precede esta proposta foi debatido no Parlamento, em 2013, foi no âmbito de transposições de diretivas de
serviços que visavam, basicamente, a liberalização desses serviços. Foi nesse contexto que o diploma foi
debatido e criticado pela esquerda, precisamente por criar uma maior restrição no acesso, por contribuir para a
precarização e para uma menor segurança profissional neste setor. Foi por isso que as bancadas à esquerda
do Partido Socialista votaram contra, na altura.
Já este ano, no âmbito desta discussão, a Associação Nacional de Peritos Qualificados do Sistema de
Certificação Energética, num dos poucos pareceres a que pudemos ter acesso, veio chamar a atenção para que
o nosso Sistema de Certificação Energética é o mais complexo dos 27 países da União Europeia, alertando para
a inacessibilidade, em termos de custos, dos certificados energéticos para os cidadãos.
Há também objeções, que foram já aqui invocadas, por parte da Ordem dos Engenheiros Técnicos. Na
verdade, este é um diploma — há que reconhecê-lo! — com uma natureza eminentemente técnica e cuja
discussão beneficiaria muito do diálogo aturado com quem está mais por dentro dos detalhes do exercício desta
profissão. Portanto, nós próprios sentimos que a exigência que a Assembleia da República pode fazer é a de
que esse diálogo seja mais aprofundado, que haja mais elementos, sob pena de o pedido que o Governo nos
faz de uma autorização legislativa poder parecer, de facto, uma espécie de pedido de um cheque em branco,
pois isso, certamente, o Parlamento não se sentirá confortável para dar.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Srs. Deputados, vamos passar ao encerramento deste debate e, para o efeito, podendo obviamente acumular os 2 minutos desta fase com o tempo de 1 minuto e 58 segundos
de que ainda dispõe, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Energia, João Galamba.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Energia: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em resposta ao que foi perguntado por várias bancadas, nós enviámos os pareceres que tínhamos na altura. Não se
esqueçam de que se trata de uma autorização legislativa e a maioria dos pareceres chegarão aquando da
aprovação, em Conselho de Ministros, do referido decreto-lei. Depois, nós enviaremos todos os pareceres e o
Parlamento poderá sempre, como é evidente, apreciar o decreto-lei.
Portanto, Sr.ª Deputada Emília Cerqueira, não me leve a mal, mas, quanto às questões constitucionais que
referiu, o Governo nem sequer está obrigado a mandar o decreto-lei juntamente com a proposta de autorização
legislativa e, como tal, não há nenhuma violação constitucional, ao contrário do que a Sr.ª Deputada disse.
Protestos da Deputada do PSD Emília Cerqueira.
Enviaremos todos os pareceres e, obviamente, quando o decreto-lei for aprovado, receberemos mais
pareceres de mais entidades, pelo que nos comprometemos a enviá-los todos. Se houver algum problema nesse
decreto-lei, o Parlamento poderá sempre apreciá-lo.
Também foram referidos aqui alguns temas como o da alegada exclusividade da ADENE na formação, mas
isso não é verdade. A ADENE não tem a exclusividade da formação, tem apenas a exclusividade da certificação.
Quanto à formação, a ADENE pode dá-la, de acordo com os seus estatutos, mas não tem, de todo, a
exclusividade.
Sobre a questão das coimas e das regiões autónomas, concordamos inteiramente, sem dúvida alguma, que
deve ser receita das duas regiões. Penso que esta questão foi suscitada pela Região Autónoma da Madeira,
mas é óbvio que se aplicará a ambas.
Em relação a algumas das questões levantadas quanto aos engenheiros técnicos, sendo a ADENE a
entidade gestora do SCE, coisa que sempre foi — não é uma novidade deste Governo, é-o desde a sua génese,
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tem competências próprias e há atos praticados pela ADENE —, consideramos, sim, que essa certificação deve
ser paga e que não basta a certificação da Ordem dos Engenheiros, não havendo nenhuma sobreposição porque
tratam de matérias diferentes.
Houve outras questões, de maior detalhe, levantadas pelo Sr. Deputado José Soeiro. Não sei se esta questão
terá sido levantada pelo Sr. Deputado, mas foi perguntado por que não podiam acumular. Muitas vezes, os
projetos de especialidade devem ser analisados pela certificação energética, logo, para evitar conflitos de
interesse, os peritos qualificados que emitirem os certificados energéticos não podem ser eles próprios os
projetistas, e daí a separação. Quanto à retirada provisória dos técnicos que venham a ser condenados pela
prática, poderem os mesmos, em certas circunstâncias, ser objeto de uma sanção acessória de interdição
temporária da atividade também não nos parece abusivo.
A publicidade da decisão condenatória decorre da faculdade que o regime geral das contraordenações prevê,
logo, também entendemos não ser abusivo, e os limites das coimas destinam-se a criar um quadro
contraordenacional adequado e proporcional aos objetivos do Sistema de Certificação Energética dos Edifícios,
não existindo nenhuma intenção ou objetivo de humilhação da classe. Existe, apenas, o reconhecimento da
particular complexidade e sensibilidade destes temas e, portanto, o quadro sancionatório deve ser adequado.
Finalizo com um comentário ao que disse o Sr. Deputado do PAN. Sr. Deputado, o que disse sobre a
eficiência energética tem um problema. É que, depois desse relatório, já foi revisto integralmente o regime do
ECO.AP; já foi transposto integralmente todo o aparato de diretivas e portarias relativas associadas à eficiência
energética; foi aprovado o Programa de Emergência Social, no qual foram feitos pagamentos de cerca de 9
milhões de euros para a eficiência energética; e foi incluído no PRR que essa…
Protestos do Deputado do PAN Nelson Silva.
Ainda não acabei, Sr. Deputado, vou terminar com uma coisa que estranho que o Sr. Deputado não conheça.
Fico um pouco perplexo, confesso.
Corrigindo o que o Sr. Deputado disse, não me leve a mal, nós não temos 600 milhões de euros para a
eficiência energética. Nós temos 600 milhões de euros para a eficiência energética, mais os 1500 milhões de
euros da habitação, que também terão de seguir as diretrizes da eficiência energética, e todas as intervenções
em edifícios, sejam elas feitas pela segurança social ou pela saúde, terão de respeitar os princípios da eficiência
energética.
Portanto, Sr. Deputado, temos muitíssimo mais do que 600 milhões de euros para a eficiência energética,
mostrando, assim, a prioridade que este Governo dá a esta matéria.
Acrescento dois dados, Sr. Deputado, que muito estranho que não conheça.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem de terminar, Sr. Secretário de Estado.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Energia: — Termino, Sr. Presidente. Portugal está no top 5 europeu da redução do consumo energético dos edifícios e, já agora, estranho muito
que o Sr. Deputado não saiba — porque não pode sabê-lo, depois da intervenção que fez! — que Portugal
apresentou uma estratégia nacional para a pobreza energética que também não foi referida neste relatório, a
qual esteve em consulta pública até há bem pouco tempo. Estamos a terminar o relatório da consulta pública e
iremos terminar a estratégia nacional de combate à pobreza energética em estreito diálogo com todos os
interessados.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem mesmo de terminar, Sr. Secretário de Estado.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Energia: — O que estranho é que o PAN, que se diz tão interessado no combate à pobreza energética, tenha demonstrado, através do seu único Deputado presente
nesta sessão, não saber que esta estratégia existe, não saber que a consulta pública foi feita e não saber que
estamos neste momento…
Protestos do Deputado do PAN Nelson Silva.
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Se sabia, Sr. Deputado, então não tinha dito o que disse.
Aplausos do PS
O Sr. Nelson Silva (PAN): — É mais uma mão cheia de nada!
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Terminada a discussão deste ponto, passamos ao debate relativo ao Relatório Anual de Segurança Interna — 2020, vulgarmente conhecido por RASI.
Recompostas as bancadas, começo por dar a palavra ao Sr. Ministro da Administração Interna, Eduardo
Cabrita, para intervir.
O Sr. Ministro da Administração Interna (Eduardo Cabrita): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Como foi bem identificado pelo Sr. Presidente, estamos a debater o Relatório Anual de Segurança Interna relativo ao
ano de 2020, e, como todos sabemos, pelos múltiplos debates que travámos, foi um ano verdadeiramente
excecional.
Além da exigência em todas as funções que caracterizam Portugal como um dos países mais seguros do
mundo, foi um ano marcado pela exigência de esforços adicionais às forças de segurança no quadro das tarefas
que lhes couberam, na salvaguarda da segurança sanitária, na aplicação de um conjunto de regras, máxime em
períodos de estado de emergência que, pela primeira vez num quadro democrático, vivemos ao longo de 2020,
bem como no quadro de um conjunto de medidas que visam a defesa dos que foram vítimas da doença e a
salvaguarda da saúde pública.
Queria transmitir um profundo reconhecimento às mulheres e homens que servem Portugal nas forças de
segurança e que contribuíram decisivamente para que, neste contexto,…
Aplausos do PS.
… ao contrário de alguns países europeus, este período tivesse sido marcado por uma redução tão
significativa quer da criminalidade geral, que se reduziu em 11%, quer da criminalidade violenta e grave, que se
reduziu em 13%.
Aplausos do PS.
Diria mesmo que estes resultados de 2020 — que, no essencial, nos dados preliminares disponíveis até maio
de 2021, têm vindo a ser reafirmados — justificaram que Portugal, pelo quinto ano consecutivo, fosse
considerado um dos quatro países mais seguros do mundo e que possamos mesmo dizer que os cincos anos
de governação do Partido Socialista correspondem, desde que existe RASI, isto é, desde 1989, aos cinco anos
com mais baixos índices de criminalidade geral e de criminalidade violenta e grave.
Aplausos do PS.
Isto é, em tempos de especial dificuldade, há a consolidação de uma tendência marcada por elevados
padrões de segurança interna. E é por isso que devemos ir ainda mais além na identificação de áreas que nos
obrigam a mobilizar para riscos que permanecem. A violência doméstica, que baixou 5,5%, continua a ser o
crime mais reportado e, por isso, o Governo tem iniciativas sobre a matéria e a ação nacional deve aqui ser
reforçada.
Tudo o que é criminalidade informática cresceu: as burlas informáticas e também as áreas ligadas ao
cibercrime, novas áreas de atuação a que devemos estar atentos.
Finalmente, os riscos de movimentos radicais, extremistas, sobretudo de extrema-direita, estão sinalizados
em Portugal, como em alguns países europeus. Por isso é que a aprovação de mecanismos como o novo
mandato da Europol ou o regime sobre a erradicação de conteúdos terroristas online, no âmbito da Presidência
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portuguesa, contribui já em 2021 para consolidar o caminho de um País seguro e de confiança nas nossas forças
e serviços de segurança.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Marques, do PSD.
O Sr. Duarte Marques (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Há muitos anos que Portugal é um país seguro. É por isso que a discussão que aqui fazemos anualmente sobre o
RASI é uma das mais consensuais, mais repetitivas e mais transversais que o Parlamento conhece.
Obviamente que é um ótimo sinal constatar que Portugal continua a ser um país onde se vive em segurança
e com baixas taxas de criminalidade, como nos informa o RASI. Mas já era assim em 2009, quando o RASI
desse ano detetou 39 crimes por 1000 habitantes, era assim em 2010, mas também era assim em 2012, em
2013, em 2014. Desde 2007, quando Portugal, só por si, já era um país com baixa criminalidade, tem sido
sempre a descer.
O facto de Portugal continuar a ser um país seguro não significa que o Ministro ou o Governo mereçam uma
medalha. Portugal é um país seguro graças a vários fatores, que passam pela cultura dos portugueses, a
qualidade das nossas forças de segurança e, obviamente, pela estabilidade das políticas.
Esta realidade torna evidente que tal nível de paz e segurança não se devem a este ou a um qualquer
Governo em particular e muito menos a este Ministro.
Protestos de Deputados do PS.
Aliás, como bem destacava recentemente a Secretária-Geral do Sistema de Segurança Interna, Portugal é,
de facto, um país seguro, e, por isso, não se percebe a necessidade de reformas tão profundas no Serviço de
Estrangeiros e Fronteiras, com implicações claras na estabilidade das forças de segurança. Importa, sim, louvar
o capital de conhecimento adquirido por esta força, mas, sobretudo, destacar a importância da especialização
do dispositivo de segurança interna, por oposição a uma concentração de poderes numa área tão sensível como
é o exercício soberano da autoridade.
A prova de que este contexto de segurança é estrutural é que nem a incompetência, nem a instabilidade e
nem mesmo a falta de credibilidade do atual Ministro da Administração Interna alterou isso. Portugal é e continua
a ser um País seguro.
Sr.as e Srs. Deputados, é por estas razões que o triunfalismo de Eduardo Cabrita e do Governo com a baixa
significativa da criminalidade e da sinistralidade rodoviária não faz qualquer sentido. É mesmo ridícula! Aliás, é
o próprio RASI — como bem sabemos, é outorgado pelo Ministro da Administração Interna — que refere,
precisamente, que a maior baixa dos índices de criminalidade e sinistralidade coincidem com o início do
confinamento. Essa queda é, portanto, apenas uma externalidade positiva numa desgraça que se abateu sobre
todos nós.
Mas neste relatório há duas áreas que são preocupantes: a violência doméstica e o cibercrime. E para esses,
Sr. Ministro, é preciso garantir que conseguimos fornecer meios e capacidade às nossas forças e serviços de
segurança para dar respostas mais eficazes nesta matéria.
Deixo para o fim, Sr. Ministro, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, as duas áreas mais preocupantes e
que não dependem só dos cidadãos, do seu comportamento, mas, sim, da ação do Governo.
Diria que aquilo em que o Governo mais tem falhado e que mais depende da sua capacidade de execução
é a lei de programação. Nessa, a taxa de execução é atualmente de 50%, no último dos cinco anos que ela
prevê.
Devo referir, Sr. Ministro, que a única área que tem 99% de execução é a compra de automóveis, que espero
que já estejam estregues e não estejam à espera da agenda do Sr. Ministro para chegarem às mãos das polícias
numa apresentação pública.
Em matéria de infraestruturas, são conhecidas as condições degradantes de muitos quartéis e postos da
GNR (Guarda Nacional Republicana) e da PSP (Polícia de Segurança Pública), onde homens e mulheres vivem
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em condições ainda piores das que vimos nas imagens dos trabalhadores imigrantes de Odemira, que nos
chocaram a todos. E, Sr. Ministro, nesta matéria, o seu Ministério executou apenas 7,4%. Em quatro anos, de
cinco, executaram 7,4%. Restam 92% para executar! Isto é revelador, é chocante, é revoltante! É o
desinvestimento, é a austeridade vestida de rosa, Sr. Ministro! Isto é inaceitável!
Se verificarmos os recursos humanos, o número de pessoas na GNR e na PSP, esta farsa criada pelo
Governo vem revelar, vem destacar, no fundo, que há uma baixa de cerca de 300 pessoas no efetivo.
É por isto, Sr. Ministro, que neste caso nos revolta ver que o Governo, mesmo não dando condições às forças
de segurança para que desempenhem as suas missões com capacidade, continua a atribuir-lhes novas
capacidades, novos objetivos, novas responsabilidades. Dou-lhe o exemplo da GNR, que nem consegue ter
uma patrulha para cada concelho aos fins de semana e acontece que, no interior do País, a mesma patrulha
chega a percorrer quatro concelhos. Por isso, não percebemos a força que o Governo lhes quer dar para
aumentar as suas competências.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Queira terminar, Sr. Deputado.
O Sr. Duarte Marques (PSD): — Termino já, Sr. Presidente, apenas com uma mensagem que não podemos esquecer. Felizmente para Portugal, as forças e serviços de segurança têm qualidade e, apesar da falta de
qualidade ou de credibilidade do Ministro da Administração Interna, elas continuam a desempenhar o seu papel
com qualidade, rigor e a garantir a segurança dos portugueses.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nelson Silva, do PAN.
O Sr. Nelson Silva (PAN): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Relatório Anual de Segurança Interna de 2020 tem de ser lido com a maior das cautelas.
O ano passado foi vivido, quase na sua totalidade, na pendência de uma crise pandémica mundial, que impôs
a todos os portugueses e portuguesas uma vida em contingência e confinamento.
Por isso, torna-se claro que, quando se glorifica que a criminalidade violenta teve uma diminuição de mais
de 13% e que a sinistralidade rodoviária caiu cerca de 20%, é impossível dissociar isso de um ano de
quarentenas e de uma enorme redução na circulação de pessoas.
Também é extremamente difícil aceitar que o Sr. Ministro da Administração Interna, no final de março,
aquando da apresentação do relatório, se tenha congratulado com a aparente redução do crime de violência
doméstica, em 6% em 2020, em comparação com o ano de 2019.
Ora, as Nações Unidas referem que os casos de violência de género se disseminaram como uma pandemia
paralela que ameaça metade da população mundial.
Torna-se evidente, face à natureza específica deste crime, que estes números do relatório não refletem a
realidade portuguesa. Falamos de pessoas que se encontraram confinadas com os seus próprios agressores.
Tanto mais que as Nações Unidas e as organizações no terreno não fazem transparecer esta diminuição dos
números.
Qualquer tipo de vanglória face a esta diminuição, que aparenta ser meramente estatística, é absolutamente
inaceitável. Aceitar estes números sem uma análise mais aprofundada é o caminho para um relaxamento de
medidas num tema que é um autêntico flagelo em Portugal e em relação ao qual há ainda tanto para ser feito
no combate a este tipo de violência.
Também em matéria de corrupção este relatório é um paradoxo. Quando olhamos para o Índice de Perceção
da Corrupção de 2020, Portugal tem a pontuação mais baixa de sempre e está a milhas dos valores da média
da União Europeia. Mas, quando olhamos para o RASI e para o número de inquéritos abertos, verificamos que
pelo segundo ano consecutivo esse número desce em quase 23%. À luz do RASI, e em frontal contradição com
o entendimento das organizações internacionais de referência, vivemos num oásis de transparência, em que se
acha que tudo se resolve com a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção, do Governo, que, na verdade, é
tão poucochinha que nem sequer consegue entender que para que haja um estatuto do denunciante,
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consequente, com efeito útil, as medidas de proteção não devem apenas aplicar-se às pessoas de dentro da
organização. É que, Sr. Ministro, nunca é demais lembrar que sem denunciantes de fora da organização não
haveria Panama Papers ou Luanda Leaks.
Conexa com a corrupção está a questão dos casamentos de conveniência envolvendo cidadãos do Chipre.
O PAN por várias vezes alertou o Governo para o facto de o endurecimento das regras dos vistos gold no Chipre
estar a levar foragidos à justiça — e que tinham vistos gold cipriotas e os viram retirados — a verem em Portugal
e no seu programa de vistos gold a porta de acesso à zona Schengen, ou seja, acesso a uma lavandaria de
dinheiro com garantia de impunidade e, claro está, à fuga à justiça nos seus países de origem.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Queira terminar, Sr. Deputado.
O Sr. Nelson Silva (PAN): — Vou já terminar, Sr. Presidente. Sr. Ministro da Administração Interna, já sabíamos do esquema dos vistos gold e descobrimos agora no RASI
o esquema dos casamentos de conveniência. Quantos mais esquemas serão precisos até vermos o Governo
tomar medidas para evitar que o nosso País sirva de lavandaria e abrigo a foragidos à justiça com nacionalidade
cipriota?
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Telmo Correia, do CDS-PP.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, queria dizer, Sr. Ministro, que se esperava que o senhor viesse aqui fazer, neste momento da
apresentação do RASI, um exercício sério, rigoroso e sem propaganda, mas já percebemos que não é capaz.
Não está capaz de o fazer. E um exercício sério, rigoroso e sem propaganda implicava, desde logo, uma coisa
muito simples: relacionar estes números do RASI com a circunstância que vivemos, a pandemia. Isso é que
seria sério, em vez de ter feito um puro exercício de propaganda.
De facto, se olharmos para os números, o que é que diminuiu? Diminuiu — e de forma séria, mantendo, aliás,
uma tendência de há largos anos no nosso País — a criminalidade violenta, os furtos na via pública, a violência
nas ruas, uma série de coisas, porque, como é evidente, não podiam ter acontecido.
O que é que aumentou, segundo este RASI? Aumentou a burla, designadamente a burla com meios
informáticos. E porque será? Porque será que há mais burlas com meios informáticos, quando toda a gente está
fechada em casa?!
Aumentou o lenocínio e alguns crimes sexuais — em relação aos quais até já apresentámos uma iniciativa
legislativa —, designadamente relacionados com menores, obviamente quando as pessoas estão fechadas em
casa. E podemos ter, como aqui foi dito, e bem, cifras escondidas, que deveriam ter sido assumidas, em matéria
de violência doméstica, porque é muito natural que este crime esteja escondido quando as pessoas estão,
também elas próprias, fechadas em casa.
Por isso, a primeira realidade deste RASI é a sua relação com a pandemia. Por exemplo, aumentou — óbvio,
grande surpresa! — o crime de desobediência. Com certeza! Quantas pessoas as autoridades tiveram de
fiscalizar devido aos seus comportamentos relacionados com a pandemia?! É óbvio!
Ou seja, os números deste RASI são óbvios e isto exigia seriedade e não propaganda. Mas o senhor prefere
sempre fazer propaganda e criar a ideia de que, pela ação do Governo do Partido Socialista ou, em particular,
do Ministério da Administração Interna, as coisas estão a correr muito bem.
É uma leitura, diria eu, «pra lá de Bagdá». E não digo «pra lá de Bagdá» por acaso, é porque era em Bagdá
que havia o célebre ministro da propaganda que, quando se viam tanques a passar atrás dele, dizia que a guerra
estava a ser ganha. Portanto, é isso que nós temos: propaganda e mais propaganda.
Eu diria, ao contrário, que este RASI tem números positivos, globalmente, apesar de tudo aquilo que tem
acontecido na Administração Interna. Ou seja, apesar da forma errada e tardia como se reagiu ao caso do
cidadão ucraniano, apesar do caso das golas inflamáveis, apesar dos erros e dos disparates relacionados com
o Zmar e com Odemira, apesar de se negar o problema dos desembarques de imigração ilegal no Algarve,
apesar de não se ter feito nada para controlar os festejos do futebol, apesar de ser ter repetido o erro, pouco
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tempo depois, na cidade do Porto, com a Champions, apesar de tudo isto, os números globais são positivos. E
apesar, também, da falta de investimento, como também já aqui foi referido.
É que, de facto, temos números para o investimento que, nalguns casos, rondam os 45% e noutros casos,
em termos de equipamento, não ficou sequer em metade. Por exemplo, para postos da GNR estavam orçados
60 milhões e foram executados 4 milhões. Portanto, são taxas de execução baixíssimas e há ainda a ausência
de subsídio de risco, a ausência de apoio efetivo.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Faça favor de terminar, Sr. Deputado.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Estou mesmo a terminar, Sr. Presidente. Esta é a realidade de um Governo que está, deste ponto de vista e quanto a um Ministro em particular, cada
vez mais desautorizado e com uma credibilidade cada vez mais afetada.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem agora a palavra o Sr. Deputado José Manuel Pureza.
O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É bom termos um Relatório que nos apresenta uma realidade de baixos índices de criminalidade violenta? É, evidentemente! É bom termos um
retrato de um país que tem como traço essencial baixos índices de insegurança que afeta gravemente a vida
das pessoas? Claro que é! Portanto, a primeira nota é que, evidentemente, neste Relatório há motivos para
olharmos com algum agrado para aquilo que é a realidade portuguesa.
Isto dito, é completamente diferente fazer disto uma leitura mais ou menos épica de que se trata de um
resultado que foi conseguido graças a intervenção política decisiva nesta matéria.
Bem sabemos — já foi dito por vários Deputados e eu associo-me a essa opinião — que grande parte do
que acaba de ser aqui referido como baixa de alguns índices de criminalidade tem tudo a ver com a circunstância
de confinamento, tem tudo a ver com essa situação anormal.
De alguma maneira, podemos dizer que se informatizou a atividade de muitas pessoas e informatizou-se
também aquilo que são fatores de insegurança e que são fatores de criminalidade particularmente importantes.
Portanto, agrado, sem dúvida, mas um agrado que tem de ser realista, tendo em conta aquilo que são as
circunstâncias que vivemos no ano a que se refere o relatório.
Dito isto, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados, creio que vale a pena apontar alguns setores cobertos pelo
Relatório e que a nós, Bloco de Esquerda, nos merecem uma atenção particular, digamos assim, e o primeiro
tem justamente que ver com violência doméstica, naturalmente.
O Sr. Ministro já teve ocasião de sublinhar aquilo que é importante ser sublinhado, isto é, que é a tipologia
criminal mais participada, nas suas diversas formas, e que, entre os crimes contra as pessoas, a violência
doméstica, de acordo com o RASI, é o crime com maior incidência, um bocadinho acima dos 30%, o que leva a
que, evidentemente, enquanto sociedade, enquanto Parlamento, enquanto responsáveis políticos, continuemos
a dar toda a atenção à prevenção e à repressão destas situações, porque a descida do número de casos,
evidentemente, não pode sossegar o Governo nem fazer afrouxar as medidas de prevenção e de proteção nos
casos de violência doméstica.
A segunda área que queria referir prende-se com o tráfico de seres humanos. Como resulta claro do RASI,
a maioria dos casos reportados ou que são objeto de referência em matéria de tráfico de seres humanos, sem
surpresa, dizem respeito a situações de exploração laboral. Apesar de tudo, vale a pena sublinhar que o RASI
dá conta de que foram realizados menos inquéritos nesta matéria, o que significa que se trata de um dado
preocupante porque está certamente retratado por defeito e não com o rigor que deveria acontecer.
O terceiro campo que nos merece particular atenção é o do crescimento dos movimentos radicais de extrema-
direita. O Relatório alerta para o aumento desses movimentos e para a sua disseminação de propaganda,
designadamente de propaganda negacionista no âmbito da pandemia, e quero citar o Relatório quando diz que
se recomenda dar continuidade à intervenção sobre fenómenos de violência, criando mecanismos dissuasores
de comportamentos racistas, xenófobos, sexistas e demais manifestações de intolerância, estimulando o
comportamento cívico e a tranquilidade na fruição dos espaços públicos.
Finalmente, uma última nota, Sr. Ministro, Sr.as de Srs. Deputados, para me referir, diria eu, a uma ausência
neste Relatório, que se prende com a insegurança e com os crimes praticados em função da orientação sexual.
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Na verdade, trata-se de uma matéria de particular sensibilidade. Como bem sabemos, podemos não estar a
falar de um grande número de casos mas estamos seguramente a falar de casos que são de uma extrema
violência, quer de natureza física, quer de natureza simbólica, o que introduz, claramente, fatores de insegurança
num grande conjunto de pessoas do nosso País. Conviria, por isso, Sr. Ministro, que houvesse uma maior
atenção para este segmento da nossa realidade e que os próximos relatórios de segurança interna nos
conseguissem dar um retrato mais fiel daquilo que é a realidade, do ponto de vista quantitativo e do ponto de
vista qualitativo.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem agora a palavra o Sr. Deputado António Filipe, do PCP.
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Naturalmente que, sendo este Relatório sobre 2020, ele está muito marcado pela pandemia com que todos
temos vindo a ser confrontados.
Relativamente a isso, é óbvio que esta situação tem consequências quanto à diminuição de alguns tipos de
criminalidade e ao aumento de outros, como já foi referido, e aí a preocupação com a violência doméstica é uma
preocupação legítima e a preocupação com as burlas informáticas é obviamente uma preocupação que tem de
estar presente, mas ela também se traduz numa exigência para com os profissionais, as forças e os serviços de
segurança, pelo que é justo enaltecer a importância que esses profissionais têm tido, o esforço que lhes tem
sido exigido nesta situação e a forma dedicada e competente como têm respondido a esta situação.
De facto, vale a pena uma palavra de reconhecimento para estes profissionais e para a qualidade das nossas
forças de segurança, perante um desafio tão exigente para as suas funções no quadro desta epidemia.
Creio que desde há vários anos e há vários Governos, de facto, os níveis de criminalidade têm vindo a ser
reduzidos e, portanto, podemos dizer hoje, quer em termos absolutos, quer em termos relativos, que Portugal
tem uma boa posição enquanto país seguro e pode apresentar-se perante o mundo e perante si próprio como
um país seguro.
Mas há uns anos — e refiro-me particularmente ao final do século XX — não era assim, repito, não era assim.
E o que aconteceu para que seja assim? É que houve alterações significativas e uma delas tem que ver com a
chamada lei da droga, que foi aprovada há cerca de duas décadas,…
O Sr. José Magalhães (PS): — Muito bem!
O Sr. António Filipe (PCP): — … porque grande parte da criminalidade que aqui discutíamos estava associada à toxicodependência, estava associada aos pequenos traficantes que eram, ao mesmo tempo,
toxicodependentes — era o roubo por esticão na via pública, era o roubo de autorrádios, era o assalto de
automóveis, o assalto a residências. Portanto, é bom referir que as alterações legislativas que a direita tanto
contestou no final do século XX, em matéria de droga, tiveram um impacto muito significativo na segurança e
tranquilidade dos cidadãos.
O Sr. José Magalhães (PS): — Muito bem!
O Sr. António Filipe (PCP): — Por outro lado, refiro também o abandono da política de concentração dos efetivos policiais, em que muito se destacou o então Ministro Dias Loureiro, Ministro da Administração Interna
de Cavaco Silva, que apostava nas superesquadras, na concentração das forças policiais. Essa política foi
abandonada por parte das forças e dos serviços de segurança em nome de uma política de proximidade às
populações,…
O Sr. José Magalhães (PS): — Muito bem!
O Sr. António Filipe (PCP): — … que sempre defendemos e que, de facto, também teve impacto significativo na melhoria das condições de segurança.
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O Sr. Duarte Marques (PSD): — Saia de Lisboa e vá ver a proximidade!
O Sr. António Filipe (PCP): — O Sr. Deputado Duarte Marques, que ainda há pouco elogiava o facto de Portugal ser um país seguro, pelos vistos está a mudar de opinião ou, pelo menos, isso irrita-o.
Risos do Deputado do BE José Manuel Pureza.
Mas, Sr. Presidente, Srs. Deputados, se me permitirem, creio que há aspetos que merecem uma atenção
particular, face aos dados deste Relatório.
Em primeiro lugar, é preciso melhorar a execução da Lei de Programação de Infraestruturas e Equipamentos
das Forças e Serviços de Segurança,…
O Sr. Duarte Marques (PSD): — Melhorar?!
O Sr. António Filipe (PCP): — … que está a um nível reduzido, designadamente no que diz respeito às infraestruturas.
Bom, eu sei que no tempo do PSD e do CDS não havia lei nenhuma, porque eles acabaram com ela, mas,
apesar disso, uma execução de 50%…
Protestos do Deputado do PSD Duarte Marques.
Se o Sr. Deputado Duarte Marques me der licença, Sr. Presidente, eu concluirei.
É que, de facto, a taxa de execução em matéria de infraestruturas é reduzida e tem de se adotar mecanismos,
como, designadamente, em matéria de recrutamento efetivo, que se adotou no Orçamento do Estado para 2021,
para não haver transições de saldos, para que este dinheiro não se perca e para que, de facto, o que está
previsto ser investido em infraestruturas seja, efetivamente, investido.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Faça favor de terminar, Sr. Deputado.
O Sr. António Filipe (PCP): — É importante, Sr. Presidente,…
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Está tudo uma maravilha!
O Sr. António Filipe (PCP): — Se me deixarem terminar, diria que é importante continuar o esforço de recrutamento de efetivos que permita colmatar défices muito antigos em matéria de efetivos de forças de
segurança e é preciso dar o devido reconhecimento aos profissionais.
Para isso, os trabalhos que estão em curso relativamente à futura atribuição do subsídio de risco têm de ser
bem-sucedidos e há sinais preocupantes nessa matéria para os quais queria aqui alertar, porque é importante,
para além das palavras de enaltecimento, que haja atos de reconhecimento do trabalho dos profissionais das
forças e serviços de segurança e aí o subsídio de risco condigno é fundamental…
O Sr. Duarte Marques (PSD): — Finalmente!
O Sr. António Filipe (PCP): — … para que esse reconhecimento passe das palavras aos atos.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem agora a palavra o Sr. Deputado André Ventura, do Chega. Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Sr. Ministro: Começava por lhe dizer que, hoje, o que Sr. Ministro devia referir, em primeiro lugar, quando aqui chegasse, independentemente da matéria que
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estivéssemos a tratar, era o vergonhoso subsídio de risco que foi atribuído às forças de segurança. É
inacreditável, depois de anos de luta, que estes homens e mulheres continuem a ser tratados desta forma
vergonhosa.
Mas ver o PCP defender aqui a política de segurança do Partido Socialista como se estivesse tudo bem, o
PCP, que há uns anos reivindicava, quando estava o PSD e o CDS no poder, mais homens, mais meios e mais
políticas de segurança, agora transformou-se e é mais PS, mais PS, mais PS e menos segurança! É incrível ver
como é possível que a geringonça continue a abafar tudo o que pode.
Protestos do PS.
Mas também, Sr. Ministro, deixe-me dizer que chegar a este Plenário e afirmar que «somos o país mais
seguro do mundo, olhem para os dados», e apontar crimes que num país em confinamento nunca podiam
aumentar, é o mesmo que dizer — e desculpe lá o exemplo e não me leve a mal — que diminuíram os crimes
rodoviários porque está toda a gente fechada em casa. Quer dizer, uma coisa destas não lembra ao careca! É
chegar aqui e fazer um exercício de propaganda como nunca antes se viu!
Vou concluir, Sr. Presidente, porque sei que o meu tempo está a terminar, apelando a que o Sr. Ministro olhe,
por uma vez, para os dados de execução orçamental em matéria de segurança e para a política de
infraestruturas que o seu partido apoiou e que só foi executada em 30%. Os dados são isto, os factos são estes,
o resto é propaganda socialista, montada de manhã à noite…
O Sr. José Magalhães (PS): — E de madrugada!
O Sr. André Ventura (CH): — … para enganar quem estiver lá fora a ver.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Susana Amador, do PS. Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Susana Amador (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos a discutir hoje o Relatório de Segurança Interna relativo ao ano de 2020 e afirmamos, uma vez mais,
que a segurança interna é um eixo fundamental do Estado de direito democrático e um pilar essencial para a
liberdade dos cidadãos, contribuindo para uma sociedade que queremos livre, tolerante, justa e democrática,
mas infelizmente nem todos nos acompanham.
Não poderia deixar de sublinhar, nesta sede, a importância e o sucesso da Presidência portuguesa, com
avanços significativos no âmbito da área das migrações, como o regulamento da Agência de Asilo da União
Europeia, que será responsável por melhorar o funcionamento do Sistema Europeu Comum de Asilo, ou o
acordo obtido quanto à diretiva Cartão Azul, Blue Card.
Na área da cooperação policial e segurança interna, esta bancada saúda o Governo pela orientação geral
relativa à revisão do regulamento Europol, a par da adoção do regulamento relativo à luta contra a difusão de
conteúdos terroristas, e nevrálgicas são também as conclusões do Conselho acerca do impacto da pandemia
na ameaça representada pelo terrorismo e extremismo violento.
Sr. Ministro, tal como referiu, Portugal registou em 2020 os mais baixos índices de criminalidade de sempre,
evidenciando que a estrutura de segurança interna manteve a sua eficácia e consolidou-a, porque é disso que
se trata. 2020 foi um ano de pandemia, mas no ano anterior, como no ano anterior e ainda no anterior, essa
tendência consolidou-se e, portanto, a pandemia e o confinamento não explicam a tendência assinalável da
descida dos números. Factos são factos, não são propaganda, Srs. Deputados,…
Vozes do PS: — Muito bem!
A Sr.ª Susana Amador (PS): — … são realidades estatísticas que refletem um trabalho competente e continuado.
Aplausos do PS.
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Desde a aprovação da Lei de Segurança Interna de 2008 e até 2020, temos também de saudar a redução
da criminalidade geral, que se reduziu 29% ao longo dos anos, e, dentro desta, o crime grave e violento diminui
48,7%. São números sustentáveis, que nos animam e encorajam.
Em 2020 houve 11% de descida no crime geral e 13,4% no crime violento, o que nos torna — é uma
evidência, é um facto, é um dado, não é propaganda — o segundo país mais seguro da União Europeia e um
dos mais seguros do mundo. Isto não é propaganda, é de facto um trabalho sustentado ao longo dos anos…
Aplausos do PS.
… dos homens e mulheres das forças de segurança, bem coordenados e que também aplicam eles próprios
boas políticas públicas na prevenção, no policiamento de proximidade, nos contratos locais de segurança, no
programa Escola Segura, no programa Idosos em Segurança ou Comércio Seguro. Ou seja, há uma estratégia
consolidada de prevenção e dissuasão de condutas desviantes, de que a diminuição da delinquência juvenil é
um bom sinal, um sinal ele próprio animador.
Observa-se uma diminuição expressiva dos crimes de furto de oportunidade, de falsificação de moeda e
também de ofensa à integridade física.
Há ainda indicadores muito positivos, que temos de sublinhar e que ainda não vi aqui referidos, quanto à
diminuição em 14,5% de incêndios de fogo posto e uma melhoria no domínio da prevenção e combate aos
incêndios florestais. O ano de 2020 é mesmo o segundo melhor ano da década, com menos 50% de ignições e
menos 51% de área ardida.
Aplausos do PS.
São dados, é estatística, não é propaganda!
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Que ideia!
A Sr.ª Susana Amador (PS): — Quanto ao aumento da criminalidade, destacam-se os crimes de burla informática e nas comunicações, que pelo terceiro ano consecutivo registam um aumento superior a 20%, e não
é só o confinamento pois é o terceiro ano em que há esta subida.
Por isso, temos de nos preocupar, Srs. Deputados, obviamente, com a rua, com o crime, mas também de
forma cada vez mais exigente com as autoestradas da informação, com a segurança informática, onde as
múltiplas ciberameaças, que também em contexto de pandemia encontraram terreno fértil, como evidencia o
excelente Relatório Cibersegurança em Portugal, 2021, e por isso é muito relevante, e destaco este facto, que
haja um reforço do quadro geral de cibersegurança que o Plano de Recuperação e Resiliência também alavanca,
alocando significativo investimento financeiro.
Continuam a exigir um combate incessante crimes como o abuso sexual de crianças, o lenocínio, a
pornografia infantil, a exploração laboral e o tráfico de seres humanos, os quais exigem adequados meios
humanos, tecnológicos e cooperação internacional, dada a natureza transnacional dos mesmos.
Sr.as e Srs. Deputados, no que tange ao tráfico de seres humanos e crimes conexos, sabemos, e temos vindo
a afirmá-lo, que só com canais regulares e seguros de migração e a defesa indeclinável dos direitos humanos,
dos quais Portugal e o Partido Socialista têm feito a sua matriz, poderemos combater eficazmente os crimes
parasitários que envolvem as deslocações forçadas. Daí também o projeto de resolução que este grupo
parlamentar apresentou, visando a proteção dos direitos humanos e a política externa da União Europeia.
Aplausos do PS.
Não estamos desatentos, damos contributos líquidos para a melhoria e a afirmação dos direitos humanos.
Por último, queria referir que a preocupação com a violência doméstica persiste. De facto, é um crime
estrutural. Ainda assim, é fundamental, com todas as medidas e todos os alertas, continuarmos a reforçar o
trabalho intensivo nas 72 horas após a denúncia do crime, bem como um trabalho articulado, que é fundamental,
entre a saúde, a justiça e administração interna, para que não se chegue tarde de mais.
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I SÉRIE — NÚMERO 86
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O Sr. José Magalhães (PS): — Muito bem!
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Queira concluir, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Susana Amador (PS): — Para terminar, Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados, queria dizer que temos uma lei de programação em execução, com mais de 5 mil promoções autorizadas, 114
milhões de retroativos pagos, um plano plurianual de admissão que está a decorrer, a par de uma estratégia
integrada que previne as manifestações de discriminação nas forças de segurança.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Queira concluir, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Susana Amador (PS): — Concluindo e com a sua tolerância, Sr. Presidente, diria que o conceito de segurança contemporâneo se quer multidimensional, multinível, amplamente abrangente e tanto coletivo como
individual. A segurança visa, pela prevenção, antes de mais, assegurar uma paz que perdura. É essa paz que
perdura que é o nosso desígnio.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem a palavra, de novo, o Sr. Ministro da Administração Interna.
O Sr. Ministro da Administração Interna: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este debate sobre o Relatório Anual de Segurança Interna de 2020, apresentado tempestivamente e explicitado adequadamente no
final de março mas que só agora, por agenda parlamentar, veio a debate, permite-nos um grande consenso de
reconhecimento de que Portugal é um país seguro e a pandemia reforçou essa imagem de segurança.
Aplausos do PS.
É nesse quadro que devemos realçar — e comecei por aí na minha intervenção inicial —, em primeiro lugar,
o reconhecimento pelo notável trabalho das mulheres e homens que servem Portugal nas forças de segurança
e que o fizeram num contexto em que, sem deixar de cumprir todas as suas funções tradicionais, cumpriram
aquelas que o estado de emergência ou, agora, a situação de calamidade determinam.
Mas fizeram mais: desinfetaram centenas de estruturas residenciais para idosos ou hospitais, estiveram nas
fronteiras, quando as mesmas foram encerradas, estiveram a garantir o cumprimento de regras de isolamento
profilático, e fizeram-no com adequação.
Aplausos do PS.
A direita vive mal com estes resultados, a direita tem vergonha — e usam aqui essa palavra com tanta
frequência — dos bons resultados do País e das suas forças de segurança.
O Sr. Duarte Marques (PSD): — Que disparate!
O Sr. Ministro da Administração Interna: — Por isso, basta ver o que nos traz a comunicação social quando, em vários países europeus, a pandemia não se traduziu numa acalmia da conflitualidade, pelo contrário,
nesses países ela cresceu, subiu, mas em Portugal não.
Aplausos do PS.
Mas é verdade e eu disse-o aqui, que em tudo o que é criminalidade online — e a burla informática é um
caso óbvio — a dimensão da situação pandémica está associada à modelação daquilo que são os tipos
criminais.
Devo aqui dizer que a direita foi a responsável por anos, em 2011 e 2012, em que a criminalidade violenta e
grave era de 24 000 casos por ano.
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8 DE JULHO DE 2021
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O Sr. Duarte Marques (PSD): — 2011 foi um ano socialista!
O Sr. Ministro da Administração Interna: — Ora, em 2020, foram 12 000 casos, cerca de 50%. Esta é a realidade! E não é só em 2020, foram cinco anos, cinco relatórios, correspondentes ao período do meu exercício
de funções e da Deputada Constança Urbano de Sousa, que se distinguem.
O Sr. Duarte Marques (PSD): — Ai distinguem, distinguem!... Distinguem bastante!
O Sr. Ministro da Administração Interna: — De facto, desde 1989, são os cinco melhores anos, em termos de dados sobre registos de criminalidade.
Aplausos do PS.
Isso explica uma tendência: cinco anos e cinco relatórios demonstram uma tendência com uma preocupação
em que as forças de segurança contribuem, por exemplo, para apoiar os idosos nos centros sénior,…
O Sr. Duarte Marques (PSD): — Fazem isso há 20 anos!
O Sr. Ministro da Administração Interna: — … numa dimensão de proximidade que tem uma intervenção proporcional e adequada.
Por isso, temos de fazer ainda mais e melhor em matéria de investimento, em que a diferença é radical.
Como bem lembrou o Sr. Deputado António Filipe, entre 2011 e 2018, houve toda a diferença: não houve lei
de programação e, portanto, nem era possível criticá-la, porque ela não existia. Foi esse o abandono em que a
direita deixou a área da segurança.
Aplausos do PS.
O Sr. Duarte Marques (PSD): — Mesmo com a troica construía-se mais!
O Sr. Ministro da Administração Interna: — Por isso, nós não éramos o terceiro ou quarto país mais seguro do mundo, estávamos lá para trás, no décimo oitavo lugar.
Srs. Deputados, o nosso compromisso é com medidas legislativas, que esperamos sejam concluídas ainda
nesta sessão, para continuar reforçadamente a combater a violência doméstica, que é um crime com o qual não
podemos pactuar e temos de atuar mais decididamente.
Temos de ser mais ativos no investimento. Neste momento, são 80 instalações que estão em obra, em
projeto, tal como tantas, resolvendo problemas, de Amarante a Serpa, que foram, nos últimos meses, postas ao
serviço das forças de segurança.
Aplausos do PS.
É preciso combater os fenómenos radicais, sim, de extrema-direita, que estão sinalizados neste relatório e à
escala europeia. É preciso ter uma visão ampla sobre a dimensão do cibercrime e as novas formas de
criminalidade que exigem respostas adequadas.
A direita nega o País, nega a realidade,…
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — E o senhor não?! Pergunte ao País!
O Sr. Ministro da Administração Interna: — … nega estes cinco anos que são consolidados no trabalho de 2020.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr. Ministro, queira terminar.
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O Sr. Ministro da Administração Interna: — É para este compromisso, com forças de segurança motivadas, que terão o subsídio que não lhes deram, que terão as carreiras que foram congeladas, que terão as promoções
que não existiram, que consolidaremos a imagem de um País de segurança, de um País que confia nas suas
forças e serviços de segurança.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Srs. Deputados, damos por terminado o debate sobre o Relatório Anual de Segurança Interna — 2020.
Tem, agora, a palavra a Sr.ª Secretária Sofia Araújo, para dar conta de expediente.
A Sr.ª Secretária (Sofia Araújo): — Sr.as e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas pelo Sr. Presidente, várias iniciativas legislativas.
Em primeiro lugar, refiro a Proposta de Lei n.º 104/XIV/2.ª (GOV), que baixa à 1.ª Comissão.
Deram também entrada na Mesa os Projetos de Lei n.os 897/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Joacine Katar
Moreira), que baixa à 6.ª Comissão, 898/XIV/2.ª (PCP), que baixa à 6.ª Comissão, em conexão com a 11.ª
Comissão, 899/XIV/2.ª (PCP), que baixa à 6.ª Comissão, em conexão com a 11.ª Comissão, 900/XIV/2.ª (PCP),
que baixa à 5.ª Comissão, em conexão com a 11.ª Comissão, 901/XIV/2.ª (PCP), que baixa à 7.ª Comissão,
902/XIV/2.ª (PAN), que baixa à 1.ª Comissão, em conexão com a 8.ª Comissão, 903/XIV/2.ª (PAN), que baixa à
7.ª Comissão, em conexão com a 11.ª Comissão, e 904/XIV/2.ª (PAN), que baixa à 10.ª Comissão, em conexão
com a 13.ª Comissão.
Deram ainda entrada na Mesa os Projetos de Resolução n.os 1377/XIV/2.ª (CDS-PP), que baixa à 11.ª
Comissão, 1378/XIV/2.ª (PSD), que baixa à 9.ª Comissão, 1379/XIV/2.ª (PSD), que baixa à 11.ª Comissão,
1380/XIV/2.ª (PCP), que baixa à 6.ª Comissão, 1381/XIV/2.ª (PCP), que baixa à 11.ª Comissão, 1382/XIV/2.ª
(PSD), que baixa à 13.ª Comissão, 1383/XIV/2.ª (PCP), que baixa à 9.ª Comissão, 1384/XIV/2.ª (BE), que baixa
à 8.ª Comissão, 1385/XIV/2.ª (PEV), que baixa à 11.ª Comissão, 1386/XIV/2.ª (BE), que baixa à 10.ª Comissão,
1387/XIV/2.ª (PEV), que baixa à 11.ª Comissão, 1388/XIV/2.ª (PS), que baixa à 12.ª Comissão, 1389/XIV/2.ª
(PAN), que baixa à 7.ª Comissão, 1390/XIV/2.ª (CDS-PP), que baixa à 8.ª Comissão, 1391/XIV/2.ª (BE), que
baixa à 3.ª Comissão, 1392/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Cristina Rodrigues), que baixa à 2.ª Comissão, em
conexão com a 10.ª Comissão, 1393/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Cristina Rodrigues), que baixa à 10.ª
Comissão, e 1394/XIV/2.ª (Comissão de Assuntos Europeus).
Para finalizar, Sr. Presidente, informo a Câmara de que estiveram presentes, através de videoconferência, o
Sr. Deputado Paulo Porto, do PS, e os Srs. Deputados Pedro Cegonho, do PS, e João Cotrim de Figueiredo, do
IL, que estão, ambos, em isolamento profilático.
É tudo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Muito obrigado, Sr.ª Deputada. Conforme obriga o Regimento, passo a ler a ordem do dia para a sessão de amanhã, que terá lugar às 15
horas.
No primeiro ponto, vamos proceder ao debate sobre as prioridades da Presidência do Conselho da União
Europeia pela Eslovénia.
No segundo ponto, faremos um debate sobre o relatório anual enviado pelo Governo sobre a participação de
Portugal no processo de construção da União Europeia.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 3 minutos.
Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.