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21 DE JULHO DE 2021

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simplesmente, revogar. Mais do que inúteis, as disposições deste artigo são perigosas e são inaceitáveis. E tudo

isto tornado ainda pior pela forma ardilosa e sub-reptícia como o PS as tentou introduzir na lei.

A redação do artigo pretende dar a entender que se trata de uma espécie de transposição para a legislação

portuguesa do Plano Europeu de Ação Contra a Desinformação.

Na verdade, o dito Plano foi apresentado pelo Alto Representante da União Europeia para os Negócios

Estrangeiros e a Política de Segurança, mas nunca foi votado pelas instâncias europeias e o seu conteúdo

pouco tem a ver com o que consta do artigo 6.º

Em primeiro lugar, o Plano Europeu refere-se à desinformação enquanto ameaça à segurança interna e à

estabilidade democrática dos Estados-Membros, nomeadamente através de manobras de propaganda ou de

sabotagem em larga escala por parte de outros países, tal como a Rússia, que é mencionada várias vezes.

Trata-se, evidentemente, de matéria da maior relevância que deve merecer a nossa atenção, mas em sede

própria; não tem cabimento num diploma que versa sobre temas internos e sobre direitos e liberdades

individuais, como a Carta supostamente faz.

E, escusado será dizer, o Plano Europeu não toca sequer no tema das entidades verificadoras de factos.

Portanto, fazer passar a ideia de que se está a transcrever o Plano Europeu é simplesmente querer enganar os

portugueses.

Mas mesmo que se tratasse de uma transcrição, há omissões que são escandalosas. O Plano Europeu exclui

da definição de desinformação — e cito — «as notícias e comentários claramente identificados como

partidários», ou, por outras palavras, exclui da definição de desinformação as opiniões políticas. A versão do PS

não exclui.

A omissão deliberada desta exclusão por parte do Partido Socialista não é casual, não pode ser casual e só

pode ter um significado: o PS pretende controlar o discurso político online, e isso é taxativamente inaceitável.

Tal como é inaceitável condicionar o discurso político que, na opinião arbitrária de não se sabe quem, possa

— e volto a citar — «ameaçar os processos de elaboração de políticas públicas». Mas qual processo e quais

políticas públicas? As que o PS ou o Governo de turno venham a decidir?

Também a ideia de transformar as entidades verificadoras de dados numa espécie de «direções-gerais do

ministério da verdade» tem tanto de perigosa como de bizarra. Perigosa, porque os verificadores, entidades

independentes a funcionar livremente em ambiente concorrencial, também se enganam e nem sempre

coincidem nas suas avaliações, como, aliás, é fácil de constatar para quem consulte os sites dos principais

verificadores portugueses. Nesses casos, quem verifica os verificadores? O Governo? Pois é isso mesmo que

nunca, mas nunca, poderemos aceitar.

E, para terem uma noção de quão bizarra é esta ideia, basta ler as respostas a um inquérito que a Divisão

de Informação Legislativa e Parlamentar da Assembleia da República dirigiu às suas congéneres para saber em

que países existem entidades oficiais de verificação de factos e em que países se atribuem selos de qualidade

a órgãos de comunicação social.

Foram recebidas respostas de 27 parlamentos. Desses 27, os países que têm verificadores de factos

validados oficialmente são zero. Desses 27, os países que têm selos de qualidade, direta ou indiretamente,

incentivados pelo Estado são zero. É caso para dizer que há zero casos, porque a proposta faz zero sentido.

Mas o PS e o Governo sabem bem que o que propuseram na Carta é inaceitável em qualquer país

democrático. E foi exatamente por terem a consciência pesada que não incluíram nenhuma destas disposições

no texto da Declaração de Lisboa, aprovada na Assembleia Digital que teve lugar a 1 de junho passado. Foi tal

a vergonha que se limitaram a esconder umas breves referências ao combate à desinformação num anexo que

ninguém vai ler.

Em suma, este artigo 6.º propõe uma abordagem à desinformação que abre a porta à censura e à

autocensura, perigosamente próxima da defesa de uma «verdade oficial», criando riscos e problemas mil vezes

piores do que aquele que supostamente iria resolver.

A verdade é que a única maneira de combater a desinformação é com mais e melhor informação, com

cidadãos mais autónomos e mais independentes, com uma sociedade menos submissa e mais habituada ao

escrutínio e à crítica.

No combate à desinformação, é igualmente essencial continuar a reconhecer a existência de uma imprensa

livre e independente, incómoda para os poderosos e exigente no escrutínio de quem decide. Uma imprensa que

se constitua como um verdadeiro quarto poder democrático é uma arma essencial contra a desinformação.

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