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Quinta-feira, 21 de outubro de 2021 I Série — Número 13

XIV LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2021-2022)

REUNIÃOPLENÁRIADE20DEOUTUBRODE 2021

Presidente: Ex.mo Sr. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues

Secretários: Ex.mos Srs. Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Nelson Ricardo Esteves Peralta Ana Cristina Cardoso Dias Mesquita

S U M Á R I O

O Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 6

minutos. Deu-se conta da entrada na Mesa da Proposta de Lei n.º

117/XIV/3.ª, dos Projetos de Lei n.os 995 e 996/XIV/3.ª e dos Projetos de Resolução n.os 1473 a 1479/XI/3.ª

Procedeu-se ao debate preparatório do próximo Conselho Europeu, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo

4.º da Lei de Acompanhamento, Apreciação e Pronúncia pela Assembleia da República no âmbito do Processo de Construção da União Europeia. Proferiram intervenções, além do Primeiro-Ministro (António Costa), que abriu e encerrou o debate, os Deputados Pedro Cegonho (PS), Duarte Marques e Clara Marques Mendes (PSD), Pedro Filipe Soares (BE), João Oliveira (PCP), João Pinho de Almeida

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(CDS-PP), Nelson Silva (PAN), José Luís Ferreira (PEV), André Ventura (CH) e João Cotrim de Figueiredo (IL).

Foi discutida, na generalidade, a Proposta de Lei n.º 113/XIV/3.ª (GOV) — Transpõe a Diretiva (UE) 2019/789, que estabelece normas sobre o exercício do direito de autor e direitos conexos aplicáveis a determinadas transmissões em linha dos organismos de radiodifusão e à retransmissão de programas de televisão e de rádio. Proferiram intervenções a Ministra da Cultura (Graça Fonseca) e os Deputados Nelson Silva (PAN), Miguel Arrobas (CDS-PP), Alexandra Vieira (BE), Ana Mesquita (PCP), Paulo Rios de Oliveira (PSD) e Bruno Aragão (PS).

Foi discutida, na generalidade, a Proposta de Lei n.º 114/XIV/3.ª (GOV) — Autoriza o Governo a transpor a Diretiva (UE) 2019/790, relativa aos direitos de autor e direitos conexos no mercado único digital. Usaram da palavra a Ministra da Cultura e os Deputados Nelson Silva (PAN), Paulo Rios de Oliveira (PSD), Mara Coelho (PS), Miguel Arrobas (CDS-PP), Ana Mesquita (PCP) e Alexandra Vieira (BE).

Foi reapreciado o Decreto da Assembleia da República n.º 128/XIV — Permite o recurso a técnicas de procriação medicamente assistida através da inseminação com sémen após a morte do dador, nos casos de projetos parentais

expressamente consentidos, alterando a Lei n.º 32/2006, de 26 de julho (procriação medicamente assistida). Proferiram intervenções os Deputados Pedro Delgado Alves (PS), Miguel Arrobas (CDS-PP), Sandra Pereira (PSD), Bebiana Cunha (PAN), João Cotrim de Figueiredo (IL), Moisés Ferreira (BE), Paula Santos (PCP), José Luís Ferreira (PEV) e André Ventura (CH).

Procedeu-se à reapreciação do Decreto da Assembleia da República n.º 167/XIV — Transpõe a Diretiva (UE) 2019/713, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de abril de 2019, relativa ao combate à fraude e à contrafação de meios de pagamento que não em numerário, alterando o Código Penal, o Código de Processo Penal, a Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro, que aprova a Lei do Cibercrime, e outros atos legislativos. Usaram da palavra, além do Secretário de Estado Adjunto e da Justiça (Mário Belo Morgado), os Deputados Constança Urbano de Sousa (PS), Pedro Morais Soares (CDS-PP), Inês de Sousa Real (PAN), Mónica Quintela (PSD), José Manuel Pureza (BE) e João Oliveira (PCP).

A Presidente (Edite Estrela) encerrou a sessão eram 18 horas e 18 minutos.

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O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, vamos dar início à nossa reunião plenária. Cumprimento as Sr.as e Srs. Membros do Governo, a começar pelo Sr. Primeiro-Ministro, as Sr.as e Srs.

Funcionários, as Sr.as e Srs. Jornalistas e os Srs. Agentes da autoridade, a quem peço para abrirem as galerias.

Eram 15 horas e 6 minutos.

O primeiro ponto da nossa agenda consiste no debate preparatório do próximo Conselho Europeu, com a

participação do Primeiro-Ministro, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei de Acompanhamento,

Apreciação e Pronúncia pela Assembleia da República no âmbito do Processo de Construção da União

Europeia.

Antes de dar início ao debate, a Sr.ª Secretária Maria da Luz Rosinha vai dar-vos informações preciosas.

Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Muito obrigada, Sr. Presidente. Muito boa tarde a todas e a todos.

Deram entrada na Mesa, e foram admitidos, a Proposta de Lei n.º 117/XIV/3.ª (GOV), que baixa à 1.ª

Comissão, em conexão com a 4.ª Comissão, e os Projetos de Lei n.os 995/XIV/3.ª (PS), que baixa à 1.ª

Comissão, em conexão com a 8.ª Comissão, e 996/XIV/3.ª (BE), que baixa à 10.ª Comissão.

Deram ainda entrada na Mesa, e foram admitidos, os Projetos de Resolução n.os 1473/XIV/3.ª (PSD), que

baixa à 11.ª Comissão, 1474/XIV/3.ª (PCP), que baixa à 7.ª Comissão, 1475/XIV/3.ª (PAN), que baixa à 7.ª

Comissão, 1476/XIV/3.ª (CDS-PP), que baixa à 7.ª Comissão, 1477/XIV/3.ª (PAN), que baixa à 11.ª Comissão,

1478/XIV/3.ª (Deputada não inscrita Cristina Rodrigues), que baixa à 10.ª Comissão, em conexão com a 13.ª

Comissão, e 1479/XIV/3.ª (BE).

É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr.ª Secretária Maria da Luz Rosinha. Sr.as e Srs. Deputados, vamos dar início ao primeiro ponto da ordem do dia, que já foi anunciado, com o

debate preparatório do Conselho Europeu.

Para abrir o debate, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro (António Costa): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Da diversificada agenda do Conselho Europeu, permitam-me que, tendo em conta o tempo que tenho disponível, me concentre

fundamentalmente em dois pontos que julgo da maior relevância, sendo o primeiro ponto relativo à política

comercial.

A União Europeia optou, e bem, por definir como prioritário reforçar a sua autonomia estratégica. A pandemia

deixou particularmente evidentes as fragilidades da União Europeia na produção de bens essenciais, desde

coisas tão básicas como as máscaras a elementos mais complexos mas fundamentais para o desenvolvimento

de toda a atividade industrial, como seja a produção de chips.

Isto significa que a Europa tem de reforçar claramente a sua capacidade de voltar a relocalizar na Europa

muito daquilo que já produziu e que deslocalizou para outras regiões do mundo. Não podemos continuar a estar

sujeitos a cadeias de valor tão longas, onde o risco de disrupção obviamente se multiplica.

Devemos, por isso, apostar na capacidade de reindustrialização da Europa, de voltarmos a produzir bens

fundamentais ao funcionamento da economia e da economia do futuro, e aí Portugal está particularmente bem

colocado para desempenhar um papel importante na reconstrução desta capacidade de reindustrializar a

Europa.

Isto dito, não podemos entender o reforço da autonomia estratégica como um caminho para o isolamento ou

uma deriva para o protecionismo. Queremos uma Europa mais forte, mas queremos uma Europa aberta ao

mundo.

Por isso, a política comercial é fundamental. Além do mais, porque o grande peso que a Europa pode e deve

ter neste mundo global é o facto de ser uma das três maiores economias do mundo. O nosso potencial não é o

militar, o nosso potencial não é o demográfico, o nosso potencial é mesmo o económico e deve afirmar-se

através da política comercial.

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Desse ponto de vista, consideramos absolutamente fundamental utilizar a política comercial, em primeiro

lugar, para reforçar o relacionamento transatlântico.

Foi importante ter sido possível realizar, com a nova administração Biden, a primeira reunião do Conselho

de Comércio e Tecnologia UE-EUA (CCT) e haver um esforço de cooperação conjunto entre a Europa e os

Estados Unidos para recuperar o atraso tecnológico que durante os últimos séculos mantivemos e que nas

últimas décadas temos vindo a perder.

Mas há mais relações transatlânticas do que as relações com os Estados Unidos e com o Canadá. É por isso

absolutamente essencial que possamos concluir a modernização do acordo comercial com o México, avançar

na conclusão do acordo comercial com o Chile e, sobretudo, não perder mais tempo no acordo comercial entre

a União Europeia e o Mercosul, que é o acordo económico de maior importância que podemos estabelecer.

Aplausos do PS.

Por outro lado, é necessário aproveitar o impulso que a Presidência portuguesa deu para diversificar a nossa

posição na região do indo-pacífico.

A reabertura das negociações do acordo de comércio e do acordo de investimento com a Índia é uma

oportunidade que não pode ser desperdiçada, a conclusão do acordo comercial com a Nova Zelândia não deve

ser adiada e as negociações do acordo comercial com a Austrália não devem ser contaminadas por conflitos

bilaterais, que, devendo naturalmente merecer total solidariedade com os nossos parceiros europeus afetados,

não podem desvalorizar a importância de termos aí uma posição capital. Se não tivermos, ficaremos

simplesmente ciumentos da relação que os Estados Unidos hoje dão à região do indo-pacífico e amedrontados

com o peso crescente da China nessa região. A Europa não tem de ser ciumenta, a Europa não tem de se

amedrontar, a Europa tem de se afirmar também na região do indo-pacífico e tem caminho para o poder fazer.

Aplausos do PS.

O segundo tema central no debate deste Conselho Europeu e da maior atualidade tem que ver com o

aumento exponencial do preço da energia.

O estudo que a Comissão Europeia apresentou dá, desde logo, um dado fundamental: não é o esforço da

transição climática que está a contribuir para o aumento dos preços dos combustíveis. O preço do gás natural

está a aumentar nove vezes mais do que o aumento da taxa de carbono.

Aquilo que é fundamental fazermos para responder a este aumento dos preços é acelerarmos a transição

energética, de forma a podermos ter energia limpa, segura e que possa assegurar melhores preços ao

consumidor.

Aplausos do PS.

Bom exemplo de que é esta a estratégia correta é se compararmos o que está a acontecer com o preço dos

combustíveis fósseis e o que a ERSE (Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos) anunciou na sexta-feira

passada para o preço da eletricidade a praticar no próximo ano, tendo em conta o esforço de investimento que,

nas últimas décadas, Portugal fez para podermos hoje ter uma quota de 60% da eletricidade que consumimos

com origem renovável.

O preço da eletricidade para as famílias vai baixar 3,4% e o custo do acesso às redes a pagar pelas indústrias

irá baixar 94%, o que demonstra bem que quem investiu a tempo em indústrias renováveis está hoje a poder

colher os frutos desta baixa de preços.

Aplausos do PS.

Significa isto que responder à emergência da situação dos preços não nos pode desviar da trajetória correta.

Isso quer dizer que temos de aumentar as interligações no mercado europeu para termos um verdadeiro

mercado europeu integrado e interligado. Em segundo lugar, temos de aumentar as interconexões com países

terceiros que podem ser também fonte de energia limpa — caso exemplar de Marrocos. Em terceiro lugar,

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termos a capacidade de diversificar as fontes energéticas: apostar mais no hidrogénio verde e aumentar novas

portas de entrada para o gás natural, que, não sendo uma energia limpa, é uma energia de transição, em relação

à qual não podemos estar simplesmente dependentes da Rússia, da Turquia e da Argélia e devemos cada vez

mais utilizar a nossa, para reforçar uma nova área de relação transatlântica. Portugal já é a porta de entrada de

um terço do GNL (Gás Natural Liquefeito) vindo dos Estados Unidos; devemos e podemos aumentar esta quota.

Aplausos do PS.

Significa isto que devemos ignorar as medidas de curto prazo? Não!

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Vou já concluir, Sr. Presidente. Como sabemos, as propostas apresentadas pela Comissão para o curto prazo nada acrescentam a todas as

medidas que já adotámos no passado. Mas é altura de debatermos efetivamente um mecanismo de formação

de preços, designadamente a questão de saber se o preço deve manter uma lógica marginalista, o que

claramente penaliza países como Portugal, onde a componente das indústrias de energia renovável já é

particularmente significativa.

Isso mostra que devemos manter a coerência no combate e no enfrentar a emergência climática sem

desconsiderar todas as medidas que seja necessário adotar de modo transitório para responder a esta crise dos

combustíveis, que não podemos, naturalmente, ignorar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Depois da abertura por parte do Governo, vamos passar à fase de debate. Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Cegonho, do Grupo Parlamentar do PS.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Cegonho (PS): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: Neste debate

debruçamo-nos sobre a agenda prevista para a reunião de 21 e 22 de outubro do Conselho Europeu, em plena

Presidência eslovena da União Europeia, onde se prevê que seja abordado pelos líderes europeus o ponto da

situação da pandemia COVID-19, as matérias da transição digital, da energia, da migração e das relações

externas.

Relativamente ao combate à pandemia é importante sublinhar o sucesso do programa comum de vacinação

que, ainda sob a Presidência portuguesa, permitiu desenhar o certificado digital da União Europeia, uma

concretização europeia que é já uma história de sucesso internacional.

Este modelo, que conjuga tecnologia e responsabilidade individual de cada cidadã e de cada cidadão,

estabeleceu um padrão global ao ser atualmente o único sistema em funcionamento a nível internacional.

Este certificado tem sido um elemento crucial na resposta da Europa à pandemia e já foram emitidos mais

de 600 milhões de certificados individuais. Este instrumento tem sido essencial para o retomar da mobilidade

entre Estados-Membros, algo indispensável e nuclear à União Europeia, pois sem liberdade de circulação de

pessoas, as liberdades de circulação de serviços, bens e capitais ficam diminuídas.

É inegável que as formas de reação à pandemia COVID-19 deram um novo impulso ao trabalho da União

destinado a acelerar a transição digital e tecnológica.

Por isso, é essencial que a União proteja e reforce a sua soberania digital e se afirme na liderança nas

cadeias de valor digitais estratégicas internacionais enquanto elementos essenciais para garantir a sua

autonomia estratégica. Daí a importância de um bom desenho conjunto da conectividade digital e do

estabelecimento e desenvolvimento de parcerias mundiais que promovam a interconectividade global com

ganhos para todos.

Aplausos do PS.

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Tal questão está próxima, também, do debate estratégico sobre a política comercial da União Europeia (UE),

pois mais de 30 milhões de empregos na UE dependem das exportações para fora da União.

Assim, é importante que a União esteja focada no desenvolvimento do sistema de comércio global,

multilateral, forte e assente em regras globalmente justas, mas também é natural que procure manter a sua

autonomia estratégica, diversificando relacionamentos com as várias regiões do globo, como a Presidência

portuguesa tão bem demonstrou ao recolocar a atenção europeia nas parcerias de investimento e comércio com

a Índia ou relançando o relacionamento com países da região do indo-pacífico como a Austrália e a Nova

Zelândia.

Saúda-se também, no âmago da autonomia estratégica da Europa, a reflexão pelos líderes europeus sobre

as questões energéticas como problema comum. Mas, que não haja dúvidas, tal como no combate à pandemia,

as preocupações dos cidadãos e dos Estados nas condições de acesso à energia exigem uma resposta comum

ao nível global, e não só, da União Europeia, pois são um problema mundial comum.

A propósito desta preocupação, a Comissão Europeia adotou, em outubro, uma comunicação sobre os

preços da energia para fazer face ao aumento excecional dos preços mundiais e ajudar os cidadãos e as

empresas da Europa. A comunicação inclui um conjunto de medidas a que a União pode recorrer para dar

resposta aos impactos imediatos dos atuais aumentos de preços e reforçar a resiliência contra choques futuros.

Ali, a Comissão não deixa de sublinhar a importância dos investimentos nas energias renováveis e na eficiência

energética, examinando ainda possíveis medidas relativas ao armazenamento de energia e à aquisição de

reservas de gás, e de avaliar a atual configuração do mercado da eletricidade.

Na apresentação deste conjunto de medidas, a Comissária para a Energia afirmou: «O aumento dos preços

mundiais da energia é motivo de grande preocupação para a UE. À medida que saímos da pandemia e iniciamos

a recuperação económica, é importante proteger os consumidores vulneráveis e apoiar as empresas europeias.

A Comissão ajuda os Estados-Membros a tomar medidas imediatas para reduzir o impacto nas famílias e nas

empresas neste inverno. Em paralelo, identificamos outras medidas a médio prazo a fim de garantir que o nosso

sistema energético seja mais resiliente e mais flexível para resistir a qualquer volatilidade futura dos preços ao

longo da transição. A situação atual é excecional e o mercado interno da energia tem funcionado bem nos

últimos 20 anos. Não obstante, temos de garantir esse bom funcionamento no futuro, concretizando o Pacto

Ecológico Europeu, reforçando a nossa independência energética e cumprindo os nossos objetivos climáticos.»

Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: O Conselho Europeu avaliará ainda a aplicação

das suas conclusões no tema das migrações. Aqui, não podemos deixar de demonstrar preocupação pelo

impacto da situação existente no Afeganistão. É importante fazer chegar a ajuda humanitária, combinada com

a prestação de apoio direcionado às necessidades básicas, em benefício do povo afegão e dos países vizinhos,

mas também assegurar a solidariedade e a segurança dos refugiados que fugiram daquele país, bem como a

cooperação internacional para a prevenção do terrorismo, para a luta contra o crime organizado e contra o

contrabando de pessoas migrantes.

No âmbito das relações externas, deverá o balanço observar a preparação da COP 15 (15.ª Conferência das

Partes) na Convenção sobre Diversidade Biológica, a decorrer na China, e a COP 26 (26.ª Conferência das

Partes) sobre alterações climáticas, que se realizará em Glasgow, de 31 de outubro a 12 de novembro de 2021.

Da combinação da reflexão em torno da diversidade biológica e das alterações climáticas, encontramos o valor

dos oceanos, tão caro a um país como Portugal.

O Sr. Primeiro-Ministro, há pouco tempo, enfatizou a importância dos oceanos, afirmando que a «Europa tem

de assumir os oceanos como grande causa e missão global».

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de concluir.

O Sr. Pedro Cegonho (PS): — Gostaria de terminar lançando uma questão ao Governo: como se sublinhará a importância da concertação europeia para estas duas reuniões no âmbito da ONU (Organização das Nações

Unidas), tendo no horizonte a Conferência dos Oceanos da ONU, que Portugal acolherá em Lisboa,

coorganizada com o Quénia, de 27 de junho a 1 de julho de 2022?

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: — Tem a palavra, pelo Grupo Parlamentar do PSD, o Sr. Deputado Duarte Marques.

O Sr. Duarte Marques (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo: Não tenhamos dúvidas de que, sobre a política comercial da União Europeia e aquilo que o Sr.

Primeiro-Ministro aqui disse, estamos de acordo. E também estaremos de acordo quanto à necessidade de ter

uma resposta forte à pandemia.

Mas, Sr. Primeiro-Ministro, este é também um momento de prova da credibilidade da União Europeia, face à

opinião dos cidadãos europeus. É por isso que a União Europeia e o Conselho têm na agenda alguns dos temas

mais importantes, que mais dizem respeito às pessoas, e é por isso que a crise da energia é um tema que temos

de trazer aqui, hoje, para tentar perceber o que é que o Governo vai fazer nesta matéria.

É que, Sr. Primeiro-Ministro, em 2016, foi o Sr. Primeiro-Ministro que prometeu aos portugueses, quando

criou o adicional ao ISP (imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos), o aumento sobre os

combustíveis, que o iria baixar se os combustíveis voltassem a subir. Não venho pedir-lhe nada de

extraordinário, venho só lembrar que não tem de fazer mais nada a não ser cumprir a palavra dada. É a primeira

solução para resolver este problema.

Aplausos do PSD.

É que, numa altura em que os portugueses mais sofrem com o preço dos combustíveis, o Sr. Primeiro-

Ministro parece o Tio Patinhas, só quer arrecadar, arrecadar, arrecadar, e era nesta fase que eles mais

precisavam.

Sr. Primeiro-Ministro, a pergunta que lhe faço é muito simples, e os portugueses querem uma resposta franca:

vai ou não acabar com o adicional ao ISP? Com que cara se vai sentar à mesa do Conselho Europeu, tendo em

conta as propostas da Comissão Europeia para fazer face a esta crise, e várias delas são uma redução

transitória de impostos, de fiscalidade sobre as pessoas e as empresas, em matéria de energia e de

combustíveis?

O Sr. Primeiro-Ministro, que criou o adicional, que aumentou os impostos, o que vai fazer à mesa do

Conselho? Vai ou não seguir a recomendação da Comissão Europeia? E o que é que vai responder, quando lhe

propuserem reduzir os impostos, uma vez que o Sr. Primeiro-Ministro e o seu Governo disseram aos

portugueses que reduzir os impostos era permitir mais margem de lucro às empresas? Sabe bem que isso não

é verdade, sabe bem que isso é uma falácia.

É por essa razão que lhe pergunto, Sr. Primeiro-Ministro: vai seguir as recomendações da Comissão ou não?

Vai apoiar a proposta da Comissão de comprar gás em conjunto, como se fez com as vacinas? Vai ou não seguir

esta recomendação?

Mas, Sr. Primeiro-Ministro, há uma pergunta muito simples que tenho de lhe fazer, porque nós não lhe

pedimos nada de extraordinário. Pergunto-lhe apenas o seguinte: há quanto tempo é que não abastece o

depósito do seu automóvel? Sabe quanto é que subiu o preço dos combustíveis, neste ano? Sabe quanto é que

custava há um ano e quanto é que custa agora?

Deixo-lhe uma última pergunta, Sr. Primeiro-Ministro, que tem a ver com o seguinte: neste Conselho Europeu,

vai discutir-se a transição digital. A pergunta é muito simples: está ou não disponível para se empenhar,

alterando o PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) e preparando o PT 2030 (Portugal 2030), para conseguir

que Portugal não seja um país a várias velocidades, em matéria de transição digital? O interior do País quer

receber pessoas que querem ir para lá trabalhar mas não tem condições tecnológicas para tal. Enquanto, em

Portugal, se discute o 5G, há zonas do País que não têm 1G, que não têm, sequer, rede de telemóvel.

Aplausos do PSD.

Portanto, está ou não disponível para trabalhar em prol da coesão do País, do território, reduzindo as

assimetrias regionais?

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente: — Continua no uso da palavra o Grupo Parlamentar do PSD, neste caso através da Sr.ª Deputada Clara Marques Mendes.

Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Clara Marques Mendes (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Vou falar de migrações, um tema que também está na agenda do Conselho Europeu. E falar

em migrações é falar de um problema moral, de um problema legal e de princípios. Um problema moral porque

a solidariedade não pode ser apenas um ideal, tem de ser uma prática consistente e constante; um problema

legal porque sabemos que o tema das migrações está tutelado e garantido pelo direito internacional; e um

problema de princípios porque, sendo a Europa um espaço comum de circulação, também deve ser a Europa a

encontrar respostas comuns para o drama das migrações e dos refugiados.

De facto, não pode a Europa pactuar com egoísmos e nacionalismos injustos e inaceitáveis, mas o que tem

acontecido, na verdade, o que a Europa tem feito é marcar passo, não tem encontrado soluções. Não encontra

uma resposta comum, eficaz e adequada para este problema dos refugiados e não tem sido capaz de responder

aos desafios e às responsabilidades que esta questão coloca.

Sabemos que esta matéria divide o Conselho Europeu, Sr. Primeiro-Ministro, o que mostra ao próprio

Conselho Europeu e ao mundo um sinal de impotência e insensibilidade, eu diria, gritante.

Pelo contrário, Portugal tem tido uma boa reputação nesta matéria. A união política que se faz sentir aqui,

em Portugal, em torno da preocupação e das soluções para as migrações tem mostrado que estamos no bom

caminho e também que o Governo está em condições de ter maior legitimidade para exigir uma resposta que

não chega.

Por isso, Sr. Primeiro-Ministro, deixo-lhe duas questões e um desafio. Uma primeira questão é a de saber

quando é que a União Europeia vai ter uma resposta eficaz e adequada para o problema das migrações.

Em segundo lugar, pergunto-lhe o que é que o Governo vai apresentar como soluções para este impasse

que se vive em relação às migrações.

Por fim, deixo-lhe um desafio: Sr. Primeiro-Ministro, use a sua autoridade, o seu poder e a sua influência e

ajude a resolver, exija uma solução, porque este é tempo de agir, não de resignar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo: Este será o primeiro Conselho Europeu, creio eu — pelo menos não tenho registo de

outros —, em que o anterior Primeiro-Ministro austríaco, Sebastian Kurz, não estará presente. Envolvido num

escândalo de corrupção, aliás, como já tinha acontecido com o anterior parceiro de governo — amigo do Sr.

Deputado André Ventura e do Chega —, também envolvido no escândalo de corrupção,…

O Sr. André Ventura (CH): — Parece o Podemos!

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — … foi dos grandes vociferadores em nome de uma política de migrações e de resposta ao flagelo das guerras, o qual tem gerado uma onda enorme de refugiados que tem tornado

difíceis vários dos diálogos do Conselho Europeu.

Por isso, com esta mudança, que prova, desde logo, que aqueles que apregoam muito os valores, na

verdade, poucos ou nenhuns têm, como é o caso do Sr. Deputado André Ventura e de vários dos seus parceiros

à escala nacional ou internacional, queria perguntar-lhe se, da parte do Governo português, vê uma oportunidade

para, neste Conselho Europeu, em face dessa mudança e até da fragilidade de alguns dos mais conservadores

e opositores a uma política humanista da Europa para resposta à crise migratória, mudar algumas das políticas.

A segunda pergunta que lhe queria fazer tem a ver com a forma como o Governo português olha para uma

crise que é estrutural, à escala global, mas que está a afetar sobremaneira a Europa, que é a crise energética.

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Diz o Sr. Primeiro-Ministro que, de facto, há um problema na Europa, em particular decorrente do frio e do

inverno que se aproxima, bem como da resposta que é dada a este problema no norte da Europa, que está

dependente de combustíveis fósseis para o resolver. No entanto, creio que temos também um problema

estrutural, ao aliar a crise energética, decorrente dos combustíveis fósseis, com uma necessária mudança da

nossa forma de responder às alterações climáticas e à promoção de uma transição energética necessária e

indispensável.

O Sr. Primeiro-Ministro diz que, agora, temos aqui uma oportunidade, mas a questão que lhe coloco é a de

saber se somos mesmo capazes de agarrar esta oportunidade, porque a pior coisa que poderíamos fazer para

defender o ambiente era virar as pessoas contra as políticas ambientais. E não há pior coisa para esse perigo

do que, exatamente, ter na carteira uma ameaça para a resposta às alterações climáticas.

Quando olhamos para a subida dos combustíveis fósseis e vemos o que ela pesa na economia, na vida das

famílias, temos, então, de enquadrar uma resposta estrutural e a longo prazo, que é a transição energética, mas

também uma resposta imediata e urgente para retirar esse peso da carteira das famílias. E a minha pergunta é

muito direta: o que é que o Governo vai fazer sobre isso? É que, manifestamente, aquilo que já fez, que foi

reduzir uma parte do sobrecusto do ISP que atualmente existe, é insuficiente para que o peso deste sobrecusto

dos combustíveis fósseis saia da preocupação das famílias do nosso País. Esta é, creio, uma pergunta para o

Governo português e uma pergunta para a Europa, porque várias das respostas que estão a ser colocadas em

cima da mesa não são positivas para o ambiente. Veja-se o debate em França, em que a grande solução

apresentada é mais nuclear.

Ora, essas não são soluções, essas não são respostas, são mais problemas, e ou temos, de facto, a

capacidade de ter uma política para o futuro ou estamos aqui a cavar ainda mais parte das desgraças que

teremos pela frente.

Mas, colocando a questão na França e passando para uma outra vertente deste debate do Conselho

Europeu, que é a produção e o aumento da produção à escala europeia, registei como, de forma quase de

mansinho, o Sr. Primeiro-Ministro apresentou uma posição estrutural do Governo português em relação a algo

que abalou a confiança transatlântica.

Quando os Estados Unidos destroem o negócio que a França tinha com a Austrália, de milhares de milhões

de euros em material militar, e o Sr. Primeiro-Ministro vem aqui dizer-nos que não é momento para estarmos

com egoísmos vários — aliás, a sua expressão foi: «para termos uma visão ciumenta da política» —, é

claramente um virar as costas a Macron, o mesmo Macron de quem há dois, três anos atrás o Sr. Primeiro-

Ministro dizia que era parte das soluções para a Europa.

Mas é também colocar todas as fichas do outro lado do Atlântico. Com o anterior presidente, Trump, sabemos

que a Europa não contava muito, mas Biden não tem mostrado ter uma visão para a Europa muito diferente

daquela que Trump tinha. E essa é uma das questões que acho ser mais relevante para discutirmos agora,

porque — e para terminar, Sr. Presidente — uma Europa que apostou sempre na perspetiva, na sua relação

com o mundo, naquilo que poderia fazer debaixo da alçada dos Estados Unidos,…

O Sr. Presidente: — Obrigado, Sr. Deputado. Tem de concluir.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — … está agora órfã dessa perspetiva e dessa estratégica e creio que o Governo português, ao insistir nessa estratégia, também nos deve explicar o que prevê que possa advir daí.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira, do Grupo Parlamentar do PCP.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro: Indo diretamente a algumas questões que aqui colocou, queria começar pelas da energia, até porque estas eram matérias que inicialmente não

estavam na agenda do Conselho Europeu e que passaram, entretanto, a estar, certamente em função do alarme

social que, naturalmente, está a causar a consecutiva subida dos preços da energia e dos combustíveis, subida

essa que naturalmente coloca uma pressão muito significativa sobre as famílias e sobre as empresas e que é,

também ela, indissociável de opções tomadas pela União Europeia e concretizadas pelos governos nacionais.

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O sentido, as orientações de liberalização e privatização do setor energético é um dos aspetos absolutamente

essenciais da União Europeia e concretizado por governos nacionais. Em Portugal, foi concretizado pelo

Governo PSD/CDS, em 2002-2003, o que significou que passaram a ter de ser as famílias, os consumidores, a

pagar os lucros oligopolistas das empresas privadas, que, a partir daí, passaram a ter a possibilidade de fixar

os preços como entendem.

Naturalmente, também as orientações da União Europeia concretizadas pelos governos nacionais

relativamente à manutenção desses mercados oligopolistas, onde a fixação dos preços é feita exclusivamente

em função dos interesses e dos objetivos de lucro das empresas que cartelizam os preços, pois essas empresas

procuram, naturalmente, assegurar lucros astronómicos, mantendo enormes diferenciais entre os custos de

produção e os preços de venda da energia e dos combustíveis, a que se acrescenta, agora, a criação do

mercado de carbono, a partir do discurso da preservação do ambiente e do combate às alterações climáticas,

cria, na verdade, o pretexto para a movimentação e a transação especulativa de produtos derivados, em bolsa.

Portanto, Sr. Primeiro-Ministro, eu diria que é tempo de a União Europeia assumir as pesadas

responsabilidades que tem nesta situação, hoje criada em função das orientações que assumiu, como também

os governos nacionais, em função da concretização que deram a essas orientações.

Trata-se de assumir essas responsabilidades olhando, naturalmente, para aquilo que é necessário fazer para

corrigir essa situação, olhando para o interesse nacional, olhando para a realidade e, particularmente em

Portugal, olhando para aquilo que é a realidade nacional e as necessidades do País para poder dar resposta a

essas questões.

Vão surgindo ideias de subsidiação às famílias e às empresas, por via dos orçamentos, para sustentar,

digamos assim, o embate da subida dos preços. Ou seja, na prática, deixam-se intocáveis os lucros das

empresas do setor energético e subsidiam-se as famílias e as empresas sem que, do ponto de visa económico

e social isso possa ter um impacto significativo. Não há a perspetiva de que seja a própria União Europeia a

assumir esses encargos e os custos por essa subsidiação.

Agora, mesmo que isso acontecesse, seria uma lógica errada, porque, verdadeiramente, tal significa deixar

intocado aquilo que está mal e encontrar apenas um paliativo para ultrapassar essa dificuldade.

Portanto, a questão que queríamos efetivamente colocar, a propósito da energia e dos combustíveis, é saber

se o Governo português está ou não disponível para confrontar os outros países da União Europeia com a

necessidade de intervir do ponto de vista da correção dos problemas de fundo em relação à energia e aos

combustíveis, questionando os lucros, as rendas, as margens das empresas e dos oligopólios que funcionam

neste setor, tomando as medidas necessárias para que os preços reflitam os custos de produção e para que

não haja atuação especulativa num mercado completamente desregulado e liberalizado como este e impedir a

especulação associada ao mercado de carbono, que continua a ser um acrescento a todos estes problemas.

Já agora, Sr. Primeiro-Ministro, gostávamos também de saber se o Governo português encara ou não esta

como uma circunstância que exige, de facto, uma intervenção para poder até iniciar a reversão da liberalização

do mercado da energia e dos combustíveis, com a possibilidade de intervenção do Estado não apenas na fixação

e no controlo de preços, mas também na recuperação do controlo público sobre empresas num setor

absolutamente estratégico como este da energia e dos combustíveis.

Não podendo desenvolver muito mais questões, ainda assim, queria colocar algumas…

O Sr. Presidente. — Muito obrigado, Sr. Deputado. Tem de concluir.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Com a tolerância do Sr. Presidente, queria colocar apenas duas questões muito rápidas.

Queria saber que posição vai assumir o Governo português relativamente ao questionamento de algumas

matérias associadas à governação económica, que, parecendo questionar alguns fundamentos que tentam

limitar as opções dos Estados nacionais, não afastam os mecanismos de controlo e de sancionamento dos

Estados.

Para concluir, pergunto se o Sr. Primeiro-Ministro confirma ou não que foram assumidos compromissos

escritos no plano da União Europeia relativamente a matérias que têm que ver com o exercício das competências

de soberania nacional, nomeadamente em matérias de legislação laboral.

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O Sr. Presidente. — Sr. Deputado, tem mesmo de concluir.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Recentemente, surgiu essa preocupação relativamente a compromissos em que, de alguma forma, a União Europeia condicionava as opções ao nível dos Estados nacionais. Relativamente

às questões em matéria de legislação laboral, gostávamos de saber se há algum compromisso nesse sentido.

Aplausos do PCP e do PEV.

O Sr. Presidente: — É a vez do Grupo Parlamentar do CDS-PP. Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado: Num tempo limitado, vou apenas referir-me a alguns pontos da agenda deste Conselho, começando

pela parte da agenda digital, da transição digital, e de uma questão muito importante para Portugal, o 5G.

Continuamos a ser, com a Lituânia, dos países mais atrasados na introdução da tecnologia, desde logo

porque ainda não a introduzimos e ainda não podemos beneficiar, por exemplo, numa agenda das empresas,

de candidaturas a financiamento através do PRR e até do próximo programa de financiamento de fundos

europeus. Não temos ainda, para as empresas, a noção daquilo que poderá ser o desenvolvimento de tecnologia

5G, que poderia permitir candidaturas muito mais robustas do que aquilo que permitirá.

A minha pergunta — até porque a Sr.ª Presidente da Comissão, no discurso recente sobre o estado da União,

voltou a reafirmar o grande investimento que a Comissão irá fazer no 5G — é sobre a questão comercial.

Como sabemos, em termos de economia global, há uma disputa pela liderança da tecnologia 5G entre os

Estados Unidos e a China. Pergunto como é que, do ponto de vista europeu e do ponto de vista nacional, essa

disputa poderá influenciar a posição de Portugal e o seu desenvolvimento.

Depois, ainda em termos de política comercial, há uma questão fundamental a colocar aqui. O Sr. Primeiro-

Ministro falou daquilo que são alguns obstáculos para a concretização de acordos comerciais importantíssimos.

Falou do Mercosul (Mercado Comum do Sul) e falou, por exemplo, da Austrália, e em ambos há um problema

com um Estado-membro em concreto, que é a França, que — e isto não é indiferente no caso — terá eleições

presidenciais no primeiro semestre do próximo ano.

Portanto, o que pergunto é se o otimismo e a determinação que o Sr. Primeiro-Ministro aqui traz relativamente

à remoção de obstáculos para a concretização dos acordos com o Mercosul e com a Austrália, por exemplo, se

compatibilizam com os obstáculos que a França avançará, com certeza, à concretização desses acordos e ao

impacto de terem eleições presidenciais no próximo ano.

Quanto ao preço da energia, Portugal é o oitavo país da União Europeia em que a energia para consumidores

domésticos é mais alta. Portanto, estamos na primeira metade quanto aos preços e cabe verificar se isso resulta

essencialmente do processo da formação de preço em mercado ou se resulta do impacto da política fiscal em

matéria de energia.

Portugal está nos oito países em que o preço é mais alto e está nos cinco em que a carga fiscal é mais alta

— à frente de Portugal estão a Alemanha e a Dinamarca, a par de Portugal estão a Espanha e a Itália.

Portanto, respeitando muito aquilo que é o desenvolvimento de uma política de transição climática — que

nós subscrevemos e que a médio e a longo prazo terá, certamente, os seus frutos —, precisamos de ter uma

política de curto prazo e imediata. O Governo tem na sua mão a chave para essa política, que é a política fiscal.

Se nós somos o terceiro país da União Europeia em que os impostos mais pesam na formação do preço da

energia, pergunto o que vai o Estado português fazer, no contexto nacional, para que, da sua parte, remova

aquelas que são as causas de um preço de energia tão alto em Portugal, para depois poder ter legitimidade

para fazer o debate ao nível europeu.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, pelo Grupo Parlamentar do PAN, o Sr. Deputado Nelson Silva.

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O Sr. Nelson Silva (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro: Porque não posso deixar passar em branco, vou começar por falar naquilo que o Sr. Primeiro-Ministro já voltou a reiterar sobre o

acordo com o Mercosul.

Apesar de entender aqueles argumentos economicistas do próprio acordo, continuamos a não compreender

como é que um governo que se diz pioneiro na transição energética e no combate às alterações climáticas —

e, de facto, diz querer fazer esse caminho —, depois, não pede a remoção de obstáculos que visam a proteção

do tal desmatamento importado que vemos na Amazónia, onde, como sabemos, para além das questões

ambientais inerentes a esse desmatamento, também têm sido levadas a cabo graves violações dos direitos

humanos, com aquilo que tem sido uma verdadeira chacina de vários chefes indígenas da Amazónia.

Isto é algo que não conseguimos compreender, ou seja, a posição do Governo português nesta matéria, que

pede, efetivamente, a remoção de obstáculos quando existem vários Estados-Membros que, na Europa, pedem

uma maior fiscalização e uma salvaguarda contra estes delitos cometidos pelo Estado brasileiro.

Voltando aqui a falar dos preços da energia, sabemos que a médio e longo prazo temos de apostar nas

energias renováveis e na autonomia energética, de forma a garantirmos que os preços da energia sejam mais

acessíveis e conseguirmos combater a tal pobreza energética. Mas, a curto prazo, também temos um problema

em mãos, que, para além de nacional, é comum a toda a União Europeia.

A Comissão Europeia já instou os Estados-Membros a adotarem medidas concretas que garantam que os

mais vulneráveis poderão continuar a ter acesso à energia e ao aquecimento, nesta fase em que o inverno se

aproxima. Por outro lado, tendo em conta que a principal origem da subida dos preços se prende com a pressão

da procura de gás natural, existem já movimentos a defender a inclusão da energia nuclear como energia verde.

Sr. Primeiro-Ministro, a energia nuclear não é verde, antes constitui umas das fontes de energia mais

destruidoras do nosso planeta. Pergunto-lhe: qual é a posição de Portugal? Vamos aceitar que a energia nuclear

seja classificada como energia verde?

Aplausos do PAN.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado José Luís Ferreira, do PEV.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro: Os preços da energia e a política comercial são temas que vão estar em debate no próximo

Conselho Europeu.

Começando pela energia, quero sublinhar que, sendo a energia um sector estratégico, não pode, a nosso

ver, continuar nas mãos dos privados, até porque aquilo que se está a passar é que os consumidores andam a

alimentar os lucros escandalosos das grandes empresas, enquanto a pobreza energética é uma realidade para

muitas famílias, devido à falta de recursos, mas também aos custos crescentes da energia.

Ora, para nós, é absolutamente imoral que estas empresas continuem protegidas tanto pelo Estado como

pela União Europeia, mesmo quando promovem situações de grande injustiça e de insensibilidade social. Aliás,

o resultado das políticas de liberalização e privatização de alguns setores estão bem à vista: destruição de

empresas estratégicas, retirada da capacidade de intervenção do Estado na defesa do interesse público e

também grandes prejuízos para os consumidores.

Portanto, não basta que os dirigentes da União Europeia analisem o aumento dos preços e as medidas para

fazer face às consequências, é preciso ir mais longe e baixar o custo da energia, porque se impõe uma transição

energética acessível, justa e sustentável, em que o sector energético seja um fator de justiça e bem-estar, ao

serviço das populações.

Por isso, Sr. Primeiro-Ministro, perguntamos: até onde está o Governo disposto a ir para enfrentar a

especulação e para acabar com a pobreza energética?

Relativamente à política comercial, Os Verdes reafirmam a defesa de um comércio internacional justo,

democrático, que respeite os direitos sociais, a proteção ambiental e o bem-estar animal. No fundo, a defesa de

tudo o que é ameaçado com os acordos comerciais, que visam, sobretudo e principalmente ou quase

exclusivamente, proteger os interesses privados.

Por isso, questionamos em que acordos atualmente em negociação se prevê incluir o tribunal multilateral de

investimento?

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Para terminar, Sr. Primeiro-Ministro, queria saber se há ou não algum plano para abandonar este tipo de

mecanismo, tal como pediram, aliás, centenas de milhares de cidadãos de vários Estados-Membros numa

petição que exigia a rejeição destes instrumentos de resolução de litígios entre Estados e multinacionais, que

as grandes empresas usam cada vez mais para atacar regras que protegem o ambiente e as populações.

Aplausos do PEV e do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Ventura, do Chega. Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: Espero que as negociações do Orçamento do Estado estejam a correr pelo menos melhor do que o esperado. E começo por

responder ao nosso Deputado Pedro Filipe Soares.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Não sou vosso!

O Sr. André Ventura (CH): — Sabe, Sr. Deputado, a diferença é muito simples: eu nunca estive com o chanceler austríaco Sebastian Kurz. A sua presidente esteve aqui aos beijinhos e aos abraços com o líder do

Podemos, em Espanha, para que as televisões apanhassem bem, investigado por crimes gravíssimos contra o

Estado, crimes de financiamento ilegal e crimes eleitorais.

Protestos do Deputado do BE Pedro Filipe Soares.

Está aqui, para o País inteiro ver, quem é que dá beijinhos aos bandidos e quem é que anda a tentar combatê-

los!

O orador exibiu uma fotografia de membros do BE e do Podemos.

Protestos do PS e do BE.

Sr. Deputado, pode ter enganado este Parlamento durante muito tempo, mas ao Chega nunca vai enganar!

Atira com uma pedra, leva com três em cima! Vai ser sempre assim enquanto eu estiver aqui nesta bancada.

Vai ser sempre assim aqui, mas pode levar para casa, se quiser.

Protestos do PS, batendo com as mãos nos tampos das bancadas.

Sr. Primeiro-Ministro, eu vou enviar depois a fotografia para o Sr. Deputado, para que ele a tenha à cabeceira.

Se quiser metê-la lá, é um bom exemplo!

Protestos do Deputado do BE Pedro Filipe Soares.

Ó Sr. Deputado, é verdade, é verdade! Vocês dão-se com bandidos, é assim!…

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Não tem nada para dizer!

O Sr. André Ventura (CH): — É verdade, é verdade!…

Protestos de Deputados do PS e do Deputado do BE Pedro Filipe Soares.

Sr. Presidente, peço que me deixem falar, assim não é possível!...

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, peço-vos que deixem o Sr. Deputado terminar a sua intervenção.

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O Sr. André Ventura (CH): — Muito obrigado, Sr. Presidente, vou retomar a colocação das questões ao Sr. Primeiro-Ministro.

Sr. Primeiro-Ministro, 61% do que pagamos de combustível em Portugal são impostos. Isto é mais do que a

taxa de imposto espanhola sobre os combustíveis e isto tem um nome: Governo socialista e António Costa. É a

si que se deve o facto de pagarmos hoje a quinta gasolina mais cara da União Europeia. E o Sr. Primeiro-Ministro

vai a Bruxelas dizer: «Temos de resolver este problema!» Comece por resolvê-lo dentro do seu país, comece

por ter a coragem de baixar os impostos sobre os combustíveis em vez de estar a tirar dinheiro a quem tem

todos os dias de circular entre as cidades e os seus subúrbios.

Queria perguntar-lhe também se se revê no ataque inacreditável feito pela União Europeia à Polónia após a

decisão do seu Tribunal Constitucional.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de concluir, por favor.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, tiraram-me metade do tempo, portanto, peço se posso terminar, pelo menos.

Vozes do PS, do BE e do PCP: — Ah!…

O Sr. André Ventura (CH): — Já envio isto para todos, está bem? Para todos!

O orador mostrou de novo a fotografia anteriormente exibida.

Protestos do PS e do BE.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço-lhe para concluir.

O Sr. André Ventura (CH): — Posso terminar? Vou terminar, colocando apenas uma questão.

Continuação dos protestos do PS e do BE.

O Sr. André Ventura (CH): — Chiu!…

Protestos do PS e do PCP, batendo com as mãos nos tampos das bancadas.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, o tempo está a acabar…

O Sr. André Ventura (CH): — Está a acabar, mas não consigo falar!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Você é um tiranete!

O Sr. André Ventura (CH): — Eu não consigo falar, Sr. Presidente! É impossível, é impossível! Pensam que mandam nisto, mas não mandam, não mandam! A viagem para Cuba é às seis da tarde; é no aeroporto, às seis

da tarde!

Protestos do PS, do BE e do PCP.

O Sr. Presidente: — Tem mesmo de concluir, Sr. Deputado, se faz favor.

O Sr. André Ventura (CH): — Não me deixam falar!…

Protestos do PS, do BE e do PCP.

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O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço-lhe que conclua, tão rapidamente quanto possível, por favor.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Primeiro-Ministro, vou terminar, questionando-o sobre se se revê na decisão do Tribunal Constitucional polaco. Não fez o mesmo quando, em maio de 2020, o Tribunal Constitucional

alemão disse que a lei alemã era superior à lei comunitária. Agora ameaçam a Polónia com sanções nos fundos,

mas ninguém teve a coragem de assumir uma penalização à Alemanha.

É esta a União Europeia que quer, ou não? É isto que lhe pergunto, enquanto ex-dirigente do projeto europeu

nos últimos seis meses.

O Sr. João Oliveira (PCP): — São tiques de tiranete!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, do Iniciativa Liberal.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Vou tentar elevar a energia do debate, que tem estado muito calmo, e quero

voltar, de facto, aos preços da energia, não para os combustíveis fósseis, mas para a eletricidade que por eles

ou por outras formas é produzida.

A própria Comissão Europeia, na comunicação deste Conselho Europeu, refere a redução fiscal como uma

das evidentes soluções para obviar à subida de preços que se estima, e Portugal tem a terceira carga fiscal mais

alta no que diz respeito à eletricidade. Segundo a ERSE e o Eurostat, quase 50% da nossa conta da luz são

impostos.

Portanto, Sr. Primeiro-Ministro, talvez a sugestão que lhe deixe é que durante o Conselho Europeu vá falar

com o seu colega liberal dos Países Baixos e pergunte-lhe como é que ele fez com os impostos para poupar

cerca de 400 € por ano a cada cidadão dos Países Baixos. E se não conseguir mesmo falar com liberais pode

ir falar com os seus camaradas socialistas em Espanha e perguntar-lhes como é que eles fizeram. Eu também

lhe posso adiantar como é que eles fizeram: baixaram o IVA (imposto sobre o valor acrescentado) da

eletricidade.

Portanto, a pergunta que lhe deixo é esta: quando vamos baixar o IVA da eletricidade em Portugal? Se

olharmos para essa fatura que todos pagamos todos os meses, vemos que ainda lá está a taxa de exploração

da Direção-Geral de Energia e Geologia, ainda lá está a contribuição para o audiovisual, da RTP (Rádio e

Televisão de Portugal), ainda lá está o imposto especial de consumo de eletricidade. E sobre todas estas taxas

e impostos recai o IVA. Mais um imposto, imposto sobre imposto!

Portanto, Sr. Primeiro-Ministro, para quando a baixa do IVA sobre a eletricidade? É caro? É, sim senhor, mas

será menos caro do que as centenas de milhões de euros que estão a ser enterradas na TAP e certamente os

portugueses agradeceriam mais durante este inverno que aí vem.

Deixo-lhe duas perguntas curtas adicionais — cuidado com as respostas, para não irritar ali os nossos

colegas da extrema-esquerda e os seus parceiros de geringonça: concorda com a entrada em operação do

pipeline Nord Stream 2 e com o aumento que daí vai resultar em relação ao fornecimento da Rússia de Putin?

Concorda com as compras de gás natural centralizadas pela União Europeia?

O Sr. João Oliveira (PCP): — Vá lá, hoje não perguntou pelo Rendeiro!

O Sr. Presidente: — Para encerrar o debate, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro. Faça favor, Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Vou terminar, fazendo o milagre de conseguir responder a quase tudo que me foi perguntado.

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Primeira pergunta, relativamente às migrações: bom, não tenho expectativa especial de que a mudança do

chanceler austríaco altere a posição da Áustria. Presumo que a Áustria vá manter a mesma posição, que é

bastante distinta da nossa.

Em segundo lugar, há total solidariedade com os refugiados, em particular com os refugiados do Afeganistão.

Já acolhemos, em Portugal, até ao momento, 251 cidadãos afegãos, dando especial atenção a jornalistas,

juristas, mulheres desportistas, engenheiras, e temos ainda uma disponibilidade manifestada de acolher até

1000 refugiados afegãos, alguns dos quais estão, neste momento, em trânsito.

Pergunta a Sr.ª Deputada Clara Marques Mendes se as migrações dividem a União Europeia. Dividem e

receio que vão continuar a dividir.

Nós conseguimos, durante a nossa Presidência, depois de cinco anos sem que tivesse havido nenhuma

deliberação em matéria de migrações, adotar duas decisões fundamentais: o Cartão Azul UE, para a migração

legal, e, em segundo lugar, a instalação da Agência da União Europeia para o Asilo. Mas este é um dos temas

divisivos e é um tema em que, se me perguntar o que penso, com sinceridade, dir-lhe-ei que acho que, no futuro,

inevitavelmente, só avançaremos em regime de geometria variável, porque há uma posição irreconciliável entre

diferentes Estados no seio da União Europeia.

O segundo tema comum a todas as bancadas é o da energia.

Primeiro, no plano europeu, Portugal defenderá que seja estudada a possibilidade e as vantagens da

aquisição conjunta de combustível. Isso provou bem nas vacinas, também pode provar bem aqui. Mas além da

compra conjunta há algo que é absolutamente fundamental fazer, que é completar o mercado interno, que está

neste momento fragmentado, e isso significa resolver o problema das interligações: entre nós e Espanha, entre

a Península Ibérica e o conjunto da União Europeia, dentro do conjunto da União Europeia, no seu conjunto. E

mais: a ligação de Portugal a países terceiros, porque, como disse e repito, nós podemos ser porta de entrada

para energia limpa ou energia de transição vinda de países terceiros.

Sobre as questões internas, e não quero fugir a elas, temos de ter uma posição coerente com o que temos

defendido. O maior desafio estratégico que a Humanidade enfrenta é o das alterações climáticas e, por isso,

temos de responder a esta crise conjuntural sem perder o norte que nos deve orientar.

O que é que isto significa? Nós adotámos agora exatamente a medida que tínhamos adotado em 2016:

estamos a devolver em ISP todo o sobreganho que obtivemos em IVA. Começámos na sexta-feira passada,

esta semana iremos voltar a fazê-lo e continuaremos a fazê-lo para devolver aos portugueses a tributação em

excesso que estamos a receber em IVA.

Em segundo lugar, ontem reunimos já com a ANTRAM (Associação Nacional de Transportadores Públicos

Rodoviários de Mercadorias), vamos reunir, hoje ou amanhã, com a ANTROP (Associação Nacional de

Transportes de Passageiros) e estamos a estudar a adoção de uma medida transitória — insisto, transitória —

para responder a esta situação crítica que, olhando para os mercados futuros, não terminará antes de março e

que, segundo a União Europeia, nos acompanhará durante o inverno. Devemos ter uma medida transitória para

responder a este problema que é transitório.

Mas gostaria de chamar a atenção para um aspeto: quando aqui votámos a lei que hoje o Sr. Presidente da

República promulgou, de recontrolo das margens de lucro, o PSD absteve-se, o CDS votou contra e o Chega

também votou contra. Portanto, convém não esquecer isso.

Aplausos do PS.

Protestos do Deputado do PSD Duarte Marques.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — E como votou o PS?

O Sr. Duarte Marques (PSD): — A maior margem de lucro é do Governo!

O Sr. Primeiro-Ministro: — Gostaria de repetir — convém repetir muitas vezes a ver se fixamos — que nunca o atual Governo nem o meu anterior governo aumentaram os impostos sobre os combustíveis.

O Sr. André Ventura (CH): — Não é verdade!

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O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Não é verdade!

O Sr. Primeiro-Ministro: — Pelo contrário, quando perguntam sobre o IVA da eletricidade, gostaria de recordar que, graças ao Governo, o IVA da eletricidade já diminuiu de uma forma socialmente justa, para quem

tem menos rendimento, e ambientalmente responsável, para quem tem menor consumo. Esta foi a primeira vez

que a União Europeia aceitou uma taxa de IVA diferenciada por escalões de consumo e isso deveu-se à iniciativa

do Governo português.

Aplausos do PS.

O Sr. Duarte Marques (PSD): — O adicional ao ISP é o quê?!

O Sr. Primeiro-Ministro: — Estou de acordo com o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo quanto à preocupação de que a Europa tem de diversificar as suas fontes de energia, não pode estar dependente da

Rússia, da Turquia ou da Argélia. É por isso que entendemos que o porto de Sines é fundamental para poder

dar uma nova porta de segurança à Europa. É fundamental a nossa interligação com Marrocos, porque se

conseguirmos produzir energia renovável de origem solar a menor custo, Marrocos, por maioria de razão,

conseguirá e, por nossa via, pode abastecer e contribuir decisivamente para abastecer a Europa. É uma nova

porta de cooperação com África que podemos e devemos desenvolver e, assim, termos uma maior segurança

em matéria energética.

Aplausos do PS.

Em terceiro lugar, Sr. Deputado Duarte Marques, não é preciso mudar o PRR, porque o PRR prevê,

precisamente, financiamento para que o 5G chegue ao interior ao mesmo tempo em que o mercado há de fazer

chegar o 5G às áreas de maior densidade. Mas estamos todos de acordo em que o modelo de leilão que a

ANACOM (Autoridade Nacional de Comunicações) inventou é, obviamente, o pior modelo de leilão possível,

que nunca mais termina e está a provocar um atraso imenso no desenvolvimento do 5G em Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Ah, pronto!

O Sr. Primeiro-Ministro: — Mas quem construiu essa doutrina, absolutamente extraordinária, de que era preciso limitar os poderes dos governos para dar poderes às entidades reguladoras, deve bem refletir sobre este

exemplo do leilão do 5G, para ver se é este o bom modelo de governação económica no futuro.

Aplausos do PS.

Protestos do Deputado do PSD Duarte Marques.

Sr. Deputado André Ventura, há uma diferença fundamental entre esta decisão do Tribunal Constitucional da

Polónia e a do Tribunal Constitucional alemão. Não concordo com nenhuma, mas o senhor, que é jurista — creio

que até é doutorado em Direito —, está em boas condições de perceber a diferença.

O Tribunal Constitucional alemão considerou que a Constituição alemã tinha primado sobre o direito derivado

da União Europeia — regulamentos, diretivas e outros atos derivados. O que o Tribunal Constitucional da Polónia

veio decidir é que a Constituição da Polónia tem primado sobre o direito primário da União Europeia, ou seja,

sobre o próprio tratado constitutivo da União Europeia, e isso é que constitui uma postura de rutura da Polónia

com a União Europeia, que espero que seja rapidamente revertida.

Aplausos do PS.

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Sr. Deputado João Oliveira, respondendo muito telegraficamente às perguntas que me fez, quero dizer-lhe

que não há nenhum compromisso escrito em matéria de legislação laboral. Os compromissos escritos em

matérias de reformas são os que constam do Programa de Recuperação e Resiliência. Não há nenhuma

referência à legislação laboral.

O Sr. Presidente: — Queira terminar, Sr. Primeiro-Ministro, por favor.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Vou já terminar, Sr. Presidente. Em segundo lugar, na sequência da aprovação do plano de ação para a implementação do Pilar Europeu

dos Direitos Sociais, aprovado durante a Presidência portuguesa, a alteração que existe é que os indicadores

sociais, designadamente em matéria de emprego e qualidade do mercado de trabalho, passaram a constar do

exercício do Semestre Europeu.

Quanto à reforma da governação económica da Europa, como sabe, somos defensores da mesma. O tempo

de intervenção de que ainda disponho não dá para desenvolver, mas é, seguramente, um tema que estará na

agenda do futuro da Europa.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — A Comissão Europeia apresentou, ou está para apresentar, nos próximos dias, uma proposta de recomendação.

Portugal será particularmente ativo neste debate, que é absolutamente decisivo para termos uma Europa

mais justa, e pode contribuir para uma maior coesão no conjunto da União Europeia.

Obrigado pela tolerância, Sr. Presidente.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Vamos passar ao segundo ponto da nossa ordem do dia, que trata da discussão, na generalidade, da Proposta de Lei n.º 113/XIV/3.ª (GOV) — Transpõe a Diretiva (UE) 2019/789, que estabelece

normas sobre o exercício do direito de autor e direitos conexos aplicáveis a determinadas transmissões em linha

dos organismos de radiodifusão e à retransmissão de programas de televisão e de rádio.

Tem a palavra, pelo Governo, para uma intervenção, a Sr.ª Ministra da Cultura.

O Sr. Marcos Perestrello (PS): — Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Marcos Perestrello, pede a palavra para que efeito?

O Sr. Marcos Perestrello (PS): — Sr. Presidente, enquanto a Sr.ª Ministra da Cultura toma o seu lugar para poder usar da palavra, queria só dizer que aconteceu qualquer coisa no sistema informático. Eu estava ligado e

deixei de estar, a ligação foi interrompida.

Queria, pois, garantir que a minha presença está, hoje, confirmada, ao contrário de outras ocasiões, em que

me registei várias vezes e a falta foi marcada.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, a sua luta contra o sistema, neste caso informático, é uma luta contínua. Muito obrigado, Sr. Deputado.

Tem, então, a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Ministra da Cultura.

A Sr.ª Ministra da Cultura (Graça Fonseca): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei que discutimos, a Proposta de Lei n.º 113/XIV/3.ª (GOV), visa proceder à transposição da Diretiva (UE) 2019/789,

de 17 de abril de 2019, que estabelece o regime de direitos de autor e direitos conexos aplicáveis a determinadas

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transmissões em linha, online, dos organismos de radiodifusão e à retransmissão de programas de rádio e de

televisão.

Este novo regime desenvolve-se, fundamentalmente, em três dimensões.

Em primeiro lugar, vem esclarecer o regime legal aplicável aos chamados «serviços acessórios em linha»,

serviços interativos complementares dos serviços de radiodifusão.

Esses serviços compreendem os conteúdos televisivos e radiofónicos que complementam as emissões

tradicionais das televisões e das rádios, permitindo aos espetadores aceder, durante um determinado período

de tempo, antes ou após a emissão, ou a pedido, a mais conteúdos para além dos que foram objeto da emissão.

Desde que se trate de conteúdos com uma relação de subordinação com as emissões e que sejam

disponibilizados em linha, ou seja, na internet, pelas estações de rádio ou televisão, seguem o regime vigente

no país do estabelecimento principal, isto é, o princípio do país de origem, de onde é proveniente a emissão.

Este princípio aplica-se apenas a programas noticiosos ou de atualidade e a produções próprias, desde que

100% financiadas pelo operador de rádio ou televisão, não abrangendo, por exemplo, as transmissões de

eventos desportivos e de obras musicais, ou outras, que sejam incluídas nestas transmissões, uma vez que os

próprios eventos não são considerados obras ou prestações protegidas por direitos de autor e conexos. Também

não abrange as produções e as coproduções resultantes de encomenda a produtores independentes e outras

em que haja financiamentos provenientes de outras entidades que não a própria estação.

Em todas as outras emissões, continua, assim, a vigorar o princípio da territorialidade, em que a

responsabilidade pela obtenção de autorização e pelo pagamento da remuneração aos titulares dos direitos de

autor ocorrerá no país onde o conteúdo é acedido.

O segundo aspeto desta proposta é o do alargamento do conceito de «retransmissão» a outras formas de

distribuição secundária das emissões de programas de televisão ou de rádio, além de ser por cabo. Este conceito

de retransmissão, que, até agora, era apenas aplicável à transmissão por cabo e por micro-ondas, suscitava

dúvidas quando ao regime da gestão coletiva obrigatória e a outras formas tecnológicas, como, por exemplo, às

redes de fibra ótica.

Esta diretiva, cuja transposição se propõe, vem estabelecer que a tecnologia utilizada é indiferente, desde

que se trate de uma transmissão simultânea, integral e inalterada do sinal difundido para o público em geral. Tal

não se aplica, portanto, a serviços de conteúdo a pedido, on demand, os quais não são transmitidos em

simultâneo. Ao invés, são colocados à disposição para acesso individual, a partir de um local e no momento

escolhidos pelo utilizador.

Com este alargamento do conceito de «retransmissão», o regime da gestão coletiva obrigatória aplica-se a

todos os titulares de direitos, com exceção dos organismos de radiodifusão.

O terceiro e último aspeto que queria realçar é a introdução do conceito de injeção direta, que se aplica aos

serviços de programas diretamente distribuídos por cabo ou por outra forma, sem que, anteriormente, tivessem

sido objeto de difusão ao público.

Esta matéria é muito importante, uma vez que, na prática, corresponde à esmagadora maioria dos canais

temáticos e a alguns generalistas que se encontram disponíveis nas nossas plataformas. São todos aqueles

que só chegam ao público através dos diversos operadores de distribuição, excluindo apenas os que estão

disponíveis na TDT (Televisão Digital Terrestre).

O regime que passará a aplicar-se a este serviço de programas, conforme é designado na Lei da Televisão

e dos Serviços Audiovisuais a Pedido, é o da chamada «gestão coletiva alargada». Neste caso, presume-se a

representação de todos os titulares de direitos de uma certa categoria pela entidade representativa dessa

categoria, para efeitos de extensão da aplicabilidade de um acordo de licenciamento. Contudo, se qualquer

titular de direitos quiser desvincular-se e negociar autonomamente, poderá fazê-lo, mediante notificação à

entidade de gestão coletiva da categoria.

Nesta parte, o importante é que quer o operador de distribuição, quer o organismo de radiodifusão

responsável pelo conteúdo deverão pagar direitos, porque ambos participam num ato de comunicação ao

público, mas a respetiva responsabilidade não é solidária.

Segundo esta proposta, o período de transição para que este regime entre em vigor será de quatro anos.

Esta proposta de lei, ao transpor esta diretiva, irá reforçar a tutela dos direitos de autor e direitos conexos.

Como se pode confirmar, trata-se de um diploma eminentemente técnico, embora de impacto muito relevante.

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A sua dimensão técnica reduz a margem de opção para cada Estado-Membro no processo da sua transposição,

contudo o mesmo pode, naturalmente, vir a ser aperfeiçoado.

É isso que estamos, hoje, a discutir.

Aplausos do PS.

Entretanto, assumiu a presidência a Vice-Presidente Edite Estrela.

A Sr.ª Presidente: — Quero cumprimentar a Sr.ª Ministra, assim como o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, as Sr.as e os Srs. Deputados.

Dando início ao debate, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nelson Silva, do Grupo

Parlamentar do PAN.

O Sr. Nelson Silva (PAN): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Ministra, Sr. Secretário de Estado: Discutimos hoje duas propostas de lei, ambas transpondo diretivas comunitárias relativas a direitos de autor. No

entanto, as duas propostas apresentam soluções e problemáticas bastante diferentes, cuja reflexão tem sempre

de ser feita em separado, para um debate sério.

Para começar, esta transposição já devia ter sido feita em junho de 2021, por isso o nosso País, mais uma

vez, foi alvo de um processo por infração da União Europeia. Mas, tal como Portugal, foram também outros 22

países.

Existe uma razão para isto. É que estas duas propostas são de tal modo determinantes e impactantes que

os Estados tiveram de analisá-las e efetuar um processo mais longo.

Infelizmente, o Governo português replicou um processo que já tinha sido abordado na Comissão Europeia.

Ou seja, ouviu os grandes titulares dos direitos de autor, as grandes plataformas tecnológicas e alguns dos

representantes dos artistas, no entanto esqueceu-se de ouvir parte integrante e fundamental da sociedade civil,

como é o caso das várias associações de defesa dos direitos digitais e, também, dos criadores.

Reconhecemos, no entanto, que a diretiva também define componentes importantes, nomeadamente a

questão da gestão coletiva de direitos, que consideramos estar, todavia, incompleta, devendo o processo de

gestão ser mais transparente do que se sugere nesta proposta. Sem dúvida, isso não deveria ter sido esquecido.

Por último, também notamos, com alguma gravidade, que um tipo de artistas foi esquecido nesta proposta.

São aqueles artistas que não são autores, nem intérpretes, mas são meramente artistas executantes. Foram

completamente esquecidos e deixados de parte na transposição desta diretiva, algo que até nem acontece com

outras transposições, como temos visto ao longo da existência da União Europeia.

Este é o nosso lamento em relação a esta proposta de lei, e é, de facto, preocupante, mais uma vez, a

sociedade civil não ter sido chamada a participar na preparação da apresentação da transposição desta diretiva.

Aplausos do PAN.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Arrobas, do Grupo Parlamentar do CDS-PP.

O Sr. Miguel Arrobas (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Recorde-se que a proposta de lei em apreço foi, numa primeira fase, entregue, pelo Governo, à

Assembleia da República, sob a forma de autorização legislativa e só depois foi substituída pelo atual texto,

agora em discussão.

Ao ter, inicialmente, a intenção de que esta matéria fosse tratada como uma autorização legislativa, o

Governo predispunha-se, no entender do CDS-PP, a destratar o Parlamento, tentando que apenas lhe fosse

dada carta-branca para publicar um decreto-lei sobre a matéria em discussão.

Sendo certo que acabaram por «emendar a mão», o CDS não pode deixar de chamar a atenção para o tique

de quase autoritarismo do Governo ao proceder desta forma.

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Vincamos, ainda, o nosso desagrado pelo facto de o Governo não ter feito acompanhar esta proposta de lei

— conforme, aliás, é referido no parecer elaborado pelo Deputado relator — de qualquer documento que a

fundamente, nem tenha referido que consultas prévias promoveu ou realizou.

É de referir, ainda, que esta diretiva é de 2019 e já deveria ter sido transposta para o ordenamento jurídico

nacional até ao passado dia 7 de junho. Assim, Portugal, mais uma vez, está em incumprimento e, em julho, a

Comissão Europeia abriu um procedimento de infração.

É certo que não é só em Portugal, há mais 22 países que estão nesta situação, mas parece-nos elementar

que o Governo explique por que motivo precisou de dois anos para fazer chegar esta proposta de lei ao

Parlamento.

Tem, agora, o Parlamento de tratar este tema denso e complexo à pressa, colocando-o em consulta pública,

muito provavelmente sem tempo para promover todas as audições que seriam necessárias.

Este modus operandi do Governo relativamente a propostas de lei que transpõem diretivas já começa a ser

desrespeitoso para com o Parlamento, havendo outras situações em que tal já aconteceu. Agora, voltamos a

estar perante outro caso em que a urgência na transposição da diretiva pode dar azo a um processo que não

garanta a maturação necessária sobre a matéria em apreço, face à sua complexidade técnica e às suas

implicações.

Quanto ao conteúdo desta proposta, entende o Governo que, tratando-se de determinadas transmissões em

linha dos organismos de radiodifusão e da retransmissão de programas de televisão e de rádio, se justifica uma

regulação setorial, pois é inequívoca a componente digital que já assumiram as atividades de radiodifusão e de

retransmissão de programas de rádio e televisivos.

Todos, enquanto consumidores, queremos, hoje em dia — diria mesmo que já nem conseguimos viver sem

essa possibilidade, — ter disponibilizados em linha programas de rádio e de televisão.

Compreende-se, pois, a necessidade de que se estabeleçam normas sobre o exercício do direito de autor e

direitos conexos, bem como normas para os programas transmitidos por injeção direta, não esquecendo,

naturalmente, a definição a aplicar a estes serviços acessórios em linha e aos serviços de retransmissão por

outros meios, além de por cabo e pelos sistemas de micro-ondas.

Com a presente proposta de lei, mais matérias são tratadas e normas introduzidas na legislação nacional.

Dada a sua densidade, merecem uma atenção cuidada por parte do Parlamento. São, assim, tratados temas

complexos que nos merecem a maior ponderação, pois é a todos os títulos indesejável que, com as alterações

legislativas propostas, subsistam dúvidas, campos cinzentos, incompatibilizações ou mesmo soluções

conflituantes entre si.

O CDS está empenhado em acompanhar este processo legislativo em sede de especialidade, esperando

que todos os contributos que nos cheguem possam ajudar-nos a fazer com que o texto a publicar seja o mais

claro e consensual possível.

Aplausos do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alexandra Vieira, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.

A Sr.ª Alexandra Vieira (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: O respeito pelos direitos dos autores e dos artistas intérpretes e executantes e o reconhecimento

destes direitos a nível nacional, europeu e mundial é de extrema importância para o Grupo Parlamentar do Bloco

de Esquerda.

Por outro lado, a transposição de normas de diretivas para o direito interno deve ser sempre realizada de

uma forma ponderada, com tempo e respeito pelo ordenamento jurídico português.

Infelizmente, Sr.as e Srs. Deputados, devido à inércia do Governo, a transposição de normas que regem o

direito de autor e direitos conexos, que se encontram na Diretiva (UE) 2019/789 corre o risco de se tornar uma

transposição de, praticamente, copiar e colar, pois o prazo limite para a sua transposição terminou a 7 de junho

de 2021, encontrando-se, neste momento, aberto pela Comissão Europeia, contra Portugal, um procedimento

de infração pela não transposição da diretiva.

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Além disso, a Proposta de Lei n.º 113/XIV/3.ª, que pretende transpor esta diretiva, que estabelece normas

sobre o exercício do direito de autor e direitos conexos aplicáveis a determinadas transmissões em linha dos

organismos de radiodifusão e à retransmissão de programas de televisão e de rádio, não é acompanhada por

qualquer documento que, eventualmente, a tenha fundamentado, não tendo sido referidas pelo Governo

quaisquer consultas que tenha realizado.

Como resulta da exposição de motivos desta proposta de lei, não podemos deixar de concordar que ela seja

submetida a consulta pública. Contudo, não podemos também deixar de verificar que a mesma deveria ter sido

feita em data anterior à data limite para a transposição da diretiva.

Com a ultrapassagem do prazo da transposição, prevemos que todo o processo seja feito de uma forma

apressada e sem o cuidado que é devido a estas matérias, algo com o qual não podemos compactuar.

Sr.as e Srs. Deputados, a proposta de lei do Governo, tal como está, será um veículo de espoliação dos

rendimentos dos artistas a favor de produtores e de distribuidoras multinacionais que nem sequer pagam

impostos em Portugal. O nosso voto será, pois, contra.

Em sede de discussão na especialidade, não deixaremos de dar o nosso contributo para que a transposição

ocorra da melhor forma possível, assegurando o respeito pelos direitos de autores e dos artistas, intérpretes e

executantes.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Mesquita, do Grupo Parlamentar do PCP.

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo apresenta hoje uma proposta de transposição da Diretiva (UE) 2019/789 sobre o exercício do direito de autor e direitos

conexos no que concerne a determinadas transmissões em linha e à retransmissão de programas. Isto depois

de um puxão de orelhas da Comissão Europeia, no dia 26 de julho.

Esperemos que, Sr.as e Srs. Deputados, ao contrário do que aconteceu noutros processos de transposição

bem recentes, não seja este mais um caso de uma transposição cega, à pressa, e que adicione mais

contradições e aspetos negativos ao texto original.

A inovação no setor digital é um fenómeno acelerado e tem mudado constantemente as formas de

comunicação, partilha, consumo e mesmo de comportamento. As tecnologias digitais têm o potencial de

melhorar o acesso à informação e à cultura, podendo contribuir para o acesso a maior variedade de produtos e

serviços, sejam eles públicos e/ou comerciais.

O PCP não ignora o potencial da digitalização, como também não ignora que a sua concretização no quadro

do capitalismo poderá trazer consequências profundamente negativas.

Assim, o mercado único digital tem sido, na verdade, um instrumento promotor das desigualdades entre

Estados-Membros, degradando a produção nacional no nosso País.

Aliás, na medida em que grande parte do tecido empresarial tem de fazer face à concorrência europeia e à

brutal desigualdade de circunstâncias perante a hegemonia das multinacionais, é fácil perceber o dano que pode

ser causado aos mais fracos, aos mais pequenos, às micro, pequenas e médias empresas de todas as áreas,

inclusivamente na cultura e na comunicação.

É neste contexto que devemos analisar a presente proposta, uma vez que ela se enquadra num pacote de

textos legislativos que pretendem dar resposta à construção de um mercado único digital pela União Europeia.

Ela não pode ser também desligada de outra legislação conexa, com aspetos profundamente negativos,

nomeadamente a diretiva dos direitos de autor no Mercado Único Digital — que passaremos a discutir daqui a

pouco.

Um dos aspetos a considerar é, precisamente, a confirmação recente, e sobretudo muito notória em tempos

de epidemia, de que as plataformas em linha são promotoras de monopólio e de fortalecimento do poder de

mercado nas empresas multinacionais.

Tendo em conta todos estes elementos, o PCP considera que a proposta não é a mais positiva de todo para

os autores e criadores de países mais pequenos como Portugal, não representa um instrumento que contribua

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para a disseminação, para a partilha, para o acesso de conteúdos culturais e não garante, efetivamente, uma

justa remuneração aos autores.

Ficam por resolver problemas, injustiças e insuficiências ao nível do reforço e da salvaguarda da cultura, da

diversidade cultural e do multilinguismo, dos bloqueios geográficos no acesso a programas em português. E,

pelo contrário, daquilo que conseguimos ver e descortinar por aquilo que tem vindo a ser a opção tomada, esta

proposta acaba mesmo por respaldar os interesses de grandes operadores privados e da grande indústria

cinematográfica, dificultando ainda mais a vida de quem trabalha nesta área no nosso País.

A transposição proposta pelo Governo não resolve, deste modo, os problemas de fundo, pelo que o PCP não

a poderá — nem irá — acompanhar nos seus moldes atuais.

Interviremos, em sede de especialidade, para defender precisamente aqueles que mais fracos são neste tipo

de processos — neste caso autores, artistas, criadores, intérpretes, executantes, jornalistas, utilizadores. Aí

estaremos a intervir em sede de especialidade.

Aplausos do PCP e do PEV.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Paulo Rios de Oliveira, do Grupo Parlamentar do PSD.

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Sr.ª Ministra, sei que desta vez o documento não veio do seu gabinete, mas o Secretário é seu, tem

de responder por ele até ao fim.

Este é, talvez, dos processos de maior trapalhada que vivemos neste ano aqui, no Parlamento.

Dado que o PAN impediu a discussão conjunta dos dois pontos hoje em discussão, faremos, primeiro, uma

apreciação formal deste processo e, na segunda discussão, uma apreciação substancial do que está aqui em

causa.

De facto, esta trapalhada, Sr.ª Ministra, começa logo com o facto de todos sabermos — e sabíamos! — que

o Governo tinha dois anos para transpor esta diretiva. Sabia e foi avisado. Já tinha havido um problema destes

na primeira diretiva do audiovisual — que também resvalou no tempo — e o PSD até fez uma coisa que não é

comum: em maio, face à iminência de terminar o prazo, pediu a audição de várias entidades do setor, talvez

com isso tentando impor ao Governo uma maior celeridade. Mas não aconteceu, o Governo falhou o prazo,

tivemos um procedimento contra nós, mas nem assim apareceu a necessária transposição.

Em setembro, o Governo prometia trazer-nos esse diploma, em que teríamos uma consulta pública. Mas o

diploma chegou ao Parlamento sem consulta pública, chegou ao Parlamento sem o Governo sequer dizer quem

é que consultou.

Mas a trapalhada não fica por aqui. A trapalhada continua porque o Governo apresentou um pedido de

autorização legislativa que, passada uma semana, mudou para proposta de lei, em que muda o texto, e, depois,

até faz mais: num documento, numa iniciativa desta complexidade, o Governo deu-se ao luxo de pedir uma

urgência, o que permitiria terem lugar as três fases de apreciação no mesmo dia, como se este diploma, esta

iniciativa fosse suscetível de, com responsabilidade, ser discutida num só dia.

O PSD — e bem — opôs-se a tal facto, portanto aqui chegamos.

E quando aqui chegamos, Sr.ª Ministra, o que há para dizer é o seguinte: em relação às propostas do

Governo, obviamente que o PSD não vai aceitar — já não aceitou em Conferência de Líderes — fazer esta

discussão à pressa, porque o Governo não pode fazer o mal e a caramunha, que é dizer «eu chego tarde e,

porque chego tarde, o Parlamento também não faz o seu trabalho, porque estou com pressa». A pressa do

Governo agora vai ter de esperar, porque é a nossa vez, e vamos ser responsáveis.

Portanto, o PSD não abdicará de fazer as audições que têm de ser feitas, de recolher contributos, de

participar na discussão por forma a melhorar este documento, o que, estamos certos, e conforme já aconteceu

com o outro, poderá acontecer.

Queria também dizer à Sr.ª Ministra o seguinte — e falaremos já sobre isso: esta transposição surpreende-

nos por dois motivos.

O primeiro motivo é porque é uma transposição tímida, muito pouco arrojada, que segue muito de perto a

diretiva. E dá vontade de dizer: «Se dois anos eram para isto, já podia ter sido feito há mais tempo».

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Mas há uma outra coisa que nos provoca alguma perplexidade: como é que o mesmo Governo que há 15

dias nos entrega um pedido de autorização legislativa, pedindo ao Parlamento 180 dias para legislar sobre este

tema, passado esse tempo tem o documento completo, propondo-se até a fechá-lo e votá-lo sem discussão?!

Como é que isto é possível, Sr.ª Ministra?

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Aragão, do Grupo Parlamentar do PS.

O Sr. Bruno Aragão (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É um facto que, efetivamente, o prazo passou, mas há uma coisa a que o bom senso nos obriga: é que se

há 22 países onde esta situação aconteceu,…

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Na proposta do audiovisual também dizia isso!

O Sr. Bruno Aragão (PS): — … no mínimo alguma cautela o debate deve exigir. Alguma cautela o debate deve exigir.

O Sr. João Paulo Correia (PS): — Muito bem!

O Sr. Bruno Aragão (PS): — A Proposta de Lei n.º 113/XIV/3.ª, de transposição da diretiva que agora discutimos, ainda que circunscrita a uma questão concreta e encerrada, de facto, neste caso, em muita

tecnicidade, insere-se, na verdade, numa discussão bastante mais ampla e necessária imposta pela evolução

tecnológica e pela sua consequência no mercado e nos serviços de audiovisual.

A proteção dos direitos de autor e dos direitos conexos, historicamente exigente, ganha contornos de especial

complexidade na era digital e na tipologia de serviços disponibilizados e comercializados globalmente,

especialmente porque — e isso é positivo — a tecnologia tem permitido que a produção sempre crescente de

conteúdos seja mais facilmente disponibilizada em diferentes latitudes e com acesso quase permanente.

Tratando-se de uma matéria eminentemente técnica, e sem prejuízo das opções legísticas adotadas, a

transposição discutida neste ponto é bastante fiel ao texto da diretiva — como aqui já foi dito —, garantindo a

proteção de titulares de direitos sobre obras em face do desenvolvimento tecnológico e face ao aparecimento

de novas formas de acesso a conteúdos, e não, como foi dito, por uma questão de tempo ou de prazo de

transposição.

A Sr.ª Mara Coelho (PS): — Muito bem!

O Sr. Bruno Aragão (PS): — A proteção que aqui se regula será aplicável a determinadas transmissões em linha dos organismos de radiodifusão e a retransmissões de programas de televisão e rádio, alterando-se,

consequentemente, a Diretiva 93/83, a diretiva que primeiramente geriu este processo.

Assim, melhora-se o acesso transfronteiriço a um maior número de programas televisivos e radiofónicos,

facilitando o apuramento dos direitos para a prestação de serviços em linha, e estabelecem-se regras relativas

à transmissão de programas de televisão e de rádio pelo processo de injeção direta.

Não deixando de ser relevante, a verdadeira discussão sobre direitos de autor e direitos conexos no mercado

único digital faz-se, sobretudo, na transposição da Diretiva 2019/790, que discutiremos no ponto seguinte.

A evolução tecnológica obriga cada vez mais à proteção dos conteúdos e por isso à regulação dos suportes,

mas também à regulação da transição de conteúdos. Se o suporte evolui, a regulação, necessariamente, tem

de se adaptar. E é aqui que começa a discussão que realmente importa fazer.

O esforço de regulação, seja no âmbito dos direitos de autor, seja da própria produção de conteúdos, quase

sempre é acompanhado por uma vaga de fundo que anuncia o apocalipse.

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Aliás, o próprio processo de transposição destas diretivas quase sempre vem anunciar o fim do mundo nestas

áreas, o que é uma coisa que evidentemente não se tem verificado — o fim da internet, o fim da livre produção

de conteúdos, o fim da partilha livre, o fim das plataformas de partilha.

Aplausos do PS.

Aliás, há um ano, sensivelmente, a propósito da diretiva sobre os serviços de comunicação audiovisual, não

foi diferente, e talvez possamos hoje anunciar, até com espanto para alguns, que o cinema português não

morreu,…

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Ah! Já vamos falar disso!

O Sr. Bruno Aragão (PS): — … que os conteúdos em língua portuguesa não morreram e, portanto, como vaticinado na altura, nada disso efetivamente aconteceu.

Da mesma forma, na discussão mais global das Propostas de Lei n.os 113/XIV/3.ª e 114/XIV/3.ª não haverá

o fim da internet nem de nenhuma plataforma deste ou daquele tipo. Haverá, sim, sem dúvida, regras que

protegem os direitos de autor, que protegem os criadores, que protegem os serviços conexos e todos os

profissionais que, de alguma forma, contribuem para essa produção.

Aplausos do PS.

Basta recordar que a realidade dos suportes físicos não terminou por ter sido sujeita a regulação, como todos

recordam.

Façamos, por isso, uma discussão serena destes pontos, porque é aquilo que realmente importa nas fases

que aí vêm.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para proferir a intervenção de encerramento do debate, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Cultura.

A Sr.ª Ministra da Cultura: — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A iniciativa desta diretiva partiu da Comissão Europeia, no segundo semestre de 2016, integrada num pacote legislativo com a Estratégia para o

Mercado Único Digital, visando a criação de um mercado interno de serviços e conteúdos digitais.

A proposta de lei que hoje aqui apresentamos concretiza a transposição desta diretiva para a ordem jurídica

nacional, no cumprimento daquelas que são as nossas obrigações, no quadro jurídico da União Europeia.

O seu pressuposto fundamental é a assunção de que a distribuição em linha de conteúdos protegidos por

direitos de autor é, por natureza, transnacional, pelo que apenas os mecanismos adotados à escala europeia

poderão assegurar, por um lado, o correto funcionamento do mercado da distribuição de obras e outro material

protegido, bem como, por outro, a sustentabilidade do setor da edição face aos desafios dos meios digitais.

O objetivo central é, assim, garantir aos titulares de direitos de autor e conexos, no seio da União Europeia,

um elevado nível de proteção numa perspetiva de harmonização. Só assim se evitarão discrepâncias entre as

realidades nacionais de cada Estado-Membro.

Portugal assumiu, desde o início da sua participação na discussão em torno desta diretiva, o objetivo de obter

o maior número de consensos, através de contributos concretos, sustentados e equilibrados, visando a

construção de um mandato forte por parte do Conselho.

Portugal considerou, desde o início, e em linha com as grandes preocupações que motivaram esta iniciativa

legislativa, que, para atingir os objetivos iniciais, seria fundamental construir um mandato que garantisse um

equilíbrio entre a promoção da circulação e acesso a obras, a proteção dos titulares de direitos e o

desenvolvimento tecnológico.

Depois de anos de muitas discussões no plano europeu, a proposta de lei que aqui hoje discutimos concretiza

a transposição desta diretiva para a ordem jurídica nacional. Importa hoje aqui realçar o seguinte: nesta

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discussão, estivemos sempre do lado dos que defenderam a necessidade e justiça de uma iniciativa normativa

que terminasse com o estatuto da neutralidade, em termos de responsabilidade, das plataformas, que permitem

e facilitam o acesso em larga escala a grandes quantidades de conteúdos protegidos carregados por utilizadores

e com fins lucrativos.

A isenção de responsabilidade decorrente da diretiva e-commerce irá manter-se em relação às plataformas

que têm um papel meramente técnico, automático e passivo. Contudo, tal não é o caso das plataformas visadas

na presente proposta.

Sempre considerámos que seria determinante, em face da mudança de comportamentos por parte dos

cidadãos no acesso a conteúdos protegidos no qual as plataformas vêm desempenhando um papel central, criar

um mecanismo legal que se sujeite à obtenção de autorizações por essas plataformas junto dos titulares de

direitos.

Por outro lado, é simultaneamente importante clarificar a ausência de responsabilidade dos utilizadores que

disponibilizam os conteúdos ainda protegidos e os partilham sem qualquer intuito lucrativo.

É de realçar, igualmente, que sempre defendemos que o regime a criar não devia impedir o desenvolvimento

tecnológico, nem o surgimento de novas empresas, em especial start-ups, nesta matéria. Tanto mais que a

intenção é exatamente a inversa: estimular a concorrência em ambiente digital.

Assim, foi possível encontrar uma solução que permite excluir do âmbito de aplicação as micro, pequenas e

médias empresas, com turnover anual até 5 milhões de euros, com uma audiência mensal de até 5 milhões de

utilizadores e pelos primeiros três anos de atividade da plataforma, afastando, assim, do escopo todos os que

queiram desenvolver soluções inovadoras. Salvaguardou-se a evolução desta medida com uma revisão da

solução ao fim de três anos, avaliando o respetivo impacto.

Finalmente, permitam-me que realce uma componente particularmente relevante desta proposta, que é

referente aos editores de imprensa. A nossa posição foi sempre clara, ao defendermos, desde o início, a criação

de um novo direito conexo em seu benefício. Também neste domínio, entendemos sempre que a utilização de

excertos de notícias para fins comerciais não deveria ser objeto de exclusão da proteção. Os excertos de notícias

são uma parte do resultado do trabalho de criação intelectual dos jornalistas e articulistas e um investimento dos

editores de imprensa e, como tal, não podem ser excluídos de proteção.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Ministra.

A Sr.ª Ministra da Cultura: — Vou concluir, Sr.ª Presidente. Defendemos sempre, no âmbito das negociações, soluções que representem maior equilíbrio na proteção

dos direitos de autor na internet e evitem uma utilização abusiva de obras protegidas, só possível através da

criação de um regime que convide ao licenciamento desses conteúdos e, no fim, permita uma repartição mais

justa dos benefícios económicos gerados, assegurando, simultaneamente, a salvaguarda do desenvolvimento

tecnológico.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Concluída a discussão, na generalidade, da Proposta de Lei n.º 113/XIV/3.ª, vamos passar ao debate, na generalidade, da Proposta de Lei n.º 114/XIV/3.ª (GOV) — Transpõe

a Diretiva (UE) 2019/790, relativa aos direitos de autor e direitos conexos no mercado único digital.

Para introduzir o debate, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Cultura.

A Sr.ª Ministra da Cultura: — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Na verdade, já apresentei a Proposta de Lei n.º 114/XIV/3.ª (GOV), aquando do encerramento do ponto anterior, relativo à Proposta de Lei n.º

113/XIV/3.ª. Peço desculpa pelo lapso.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Passamos, então, ao debate. Porém, a Mesa não dispõe de inscrições.

Pausa.

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Agradeço que os grupos parlamentares se inscrevam atempadamente para não haver estas perdas de

tempo.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nélson Silva, do Grupo Parlamentar do PAN.

O Sr. Nelson Silva (PAN): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Ministra: Começando por responder ao que foi dito pelo Sr. Deputado Paulo Rios de Oliveira, do PSD, de facto quisemos fazer a discussão

desta matéria em dois pontos porque queríamos realizar um debate sério e, como as duas propostas de lei têm

muito que se lhes diga, não pode, nem faz sentido ser tratado tudo ao mesmo tempo.

Vou começar pelos aspetos positivos das duas propostas de lei, mas mais focado na Proposta de Lei n.º

114/XIV/3.ª (GOV). Por um lado, as propostas de lei — em particular, a Proposta de Lei n.º 114/XIV/3.ª (GOV)

— definem as questões do Mercado Único Digital (MUD), fazem avanços na proteção das remunerações de

alguns artistas e intérpretes, nomeadamente dos setores audiovisual e musical, e na reprodução via plataformas

online através do streaming. Isto é, sem dúvida, um aspeto positivo — e ponto final, pois, quanto a aspetos

positivos, o único é basicamente este. O resto são problemas atrás de problemas e cada um mais perigoso do

que o anterior.

Depois, esta proposta confunde os conceitos básicos de usurpação e de contrafação, que, de facto, se formos

a analisar, a nível europeu, os espetros não são iguais aos utilizados nos restantes Estados-Membros da União

Europeia.

Porém, o mais grave desta proposta de lei vem a seguir. Esta proposta de lei não teve em conta os pequenos

criadores digitais, penaliza-os fortemente naquilo que é a sua ação criativa e não prevê mecanismos de

salvaguarda que sejam melhores do que aqueles que as próprias plataformas têm aos dias de hoje.

Estas propostas de lei reforçam os poderes dos titulares dos direitos de autor — e, ressalvo, dos grandes

titulares dos direitos de autor — e das plataformas tecnológicas. Um criador que decida fazer uma reedição de

uma cena de um filme, de uma série, etc., que não esteja incluída nas categorias de crítica, nem de paródia, ao

ter uma transgressão de direitos de autor, deixa de ter o seu conteúdo monetizado. No entanto, as próprias

plataformas continuam a gerar lucro com esse mesmo conteúdo, visto que este não será retirado ao abrigo

destas propostas. Isto acontece porque a publicidade nestas plataformas não está associada ao conteúdo em

si, mas, sim, às preferências do espectador, e as remunerações aos pequenos criadores de conteúdos online

não são calculadas somente em visualizações de vídeos específicos, mas, sim, no número de subscritores de

cada canal. A associação direta entre anúncio publicitário e conteúdo específico pura e simplesmente não existe

nestas plataformas.

E sejamos diretos e transparentes: estas propostas, como estão, visam a limitação da liberdade criativa e

monetizável num ambiente digital. E, com isto, esta proposta faz uma declaração específica, ao declarar o fim

do princípio da neutralidade da internet — o que é diferente, Sr. Deputado Bruno Aragão, do fim da internet, são

dois conceitos completamente distintos —, coisa que o PAN jamais poderá acompanhar, pois é a expressão

artística e a própria evolução criativa que sofrem.

A Sr.ª Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. Nelson Silva (PAN): — Para terminar, quero dizer que, em caso de aprovação destas propostas de lei, o PAN apresentará, em sede de especialidade, propostas de alteração, que visarão a proteção da liberdade

criativa e a defesa da neutralidade da internet.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Rios de Oliveira, do Grupo Parlamentar do PSD.

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra da Cultura, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Srs. Deputados: Sr.ª Ministra, a custo, cá venho solidarizar-me com V. Ex.ª,

porque, de facto, fazia mais sentido que a apresentação destas propostas de lei fosse conjunta. E isto, não por

ser exatamente o mesmo tema, mas porque, quando eu disse que a discussão deveria ocorrer, não era para

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toda ela ser feita hoje à tarde, pois achámos que 10 minutos manifestamente não chegavam. Podíamos ter feito

esta discussão numa única intervenção, com tempos mais alargados.

A verdade, Sr.as e Srs. Deputados, é que há um mundo que corre ao lado do nosso, um mundo digital, que

tem duas características preocupantes: primeiro, o seu enorme impacto na nossa vida e, segundo, o facto de

ele, pela sua dinâmica, estar constantemente em alteração.

Temos de recordar que, quando estamos a transpor uma diretiva, não estamos exatamente a analisar uma

iniciativa do Governo, estamos, sim, a analisar a transposição de uma diretiva, na qual a família do PSD, na

Europa, também se empenhou e, portanto, na qual também nos revemos. Podemos discutir o alcance, a

profundidade, as alterações ou as restrições que o Governo introduz nessa transposição, mas não estamos

contra ela, pelo contrário. O que nos preocupa um pouco, confesso, é, fazendo-a nós tão tarde, o que já terá

acontecido no ecossistema digital, que, se calhar, nos fará chegar um bocadinho tarde. E o facto de haver mais

22 países que também levaram um puxão de orelhas pelo atraso não me dá grande alegria, por muita alegria

que isso dê ao Partido Socialista.

Assim sendo, Sr.ª Ministra, qual é a posição do PSD em relação a estas propostas? Em primeiro lugar, o

PSD acompanhará, basicamente, as propostas, porque queremos vê-las discutidas, alteradas e aprovadas. Em

segundo lugar, o PSD acompanhou ontem a proposta que estava em cima da mesa na Comissão de Cultura e

Comunicação, no sentido de dar início à discussão pública e à audição pública, que perdurarão por 30 dias.

Queremos ouvir, de forma humilde, todos aqueles que, sobre este tema, se querem pronunciar, sendo essa,

aliás, uma ótima altura para fazer aquilo a que chamo de «democracia madura», que é ter no Parlamento todos

os players, todos aqueles que, de alguma forma, têm interesse económico ou outro no tema e deles recolher

também contributos que permitam melhorar este documento.

Como sabe, Sr.ª Ministra, a seguir, teremos garantidamente as iniciativas que virão da própria Comissão,

iniciativas essas das quais nascerão as nossas.

O PSD, da análise que fez, está crente que o documento é tímido. É tímido porque transpõe, quase ipsis

verbis, o que está na diretiva, fazendo até essa transposição, muito à letra em alguns casos, incorrer em

conceitos que, por indeterminados ou, se quiser, com pouco rasto ou tradição na nossa ordem jurídica, podem

suscitar dificuldades de interpretação futuras.

Portanto, o que fará o PSD? Primeiro, responsavelmente, aceita o documento porque quer vê-lo discutido;

segundo, ouvirá todas as pessoas com humildade democrática e sentido de responsabilidade; terceiro, cá estará

para apresentar as diferenças. E oxalá que, como é costume, o documento final fique francamente melhor do

que o documento inicial.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mara Coelho, do Grupo Parlamentar do Partido Socialista.

A Sr.ª Mara Coelho (PS): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Para analisarmos esta proposta de lei que transpõe a diretiva do Mercado Único Digital, é relevante perceber o

caminho que esta diretiva percorreu até à sua aprovação, em 2019.

A estratégia começou por ser desenhada com uma comunicação da Comissão Europeia em 2015, mas foi

em 14 de novembro de 2016 que a Comissão Europeia apresentou uma proposta de diretiva relativa aos direitos

de autor no Mercado Único Digital. Esta foi uma proposta amplamente discutida dentro e fora do Parlamento

Europeu, negociada e finalmente aprovada em versão concertada, a 26 de março de 2019, no Parlamento

Europeu, e, a 15 de abril, no Conselho.

Tal envolveu, de forma ampla e direta, os Eurodeputados portugueses dos vários partidos e, posteriormente,

o Governo junto dos Estados-Membros.

O tempo da discussão da diretiva teve o seu momento em sede própria e procurou encontrar um equilíbrio

entre as rápidas transformações da internet e a proteção dos criadores, procurando dirimir essas injustiças.

Foi o tempo da clarificação depois do «Adamastor» que aparecia como o fim da internet.

Na realidade, pretendia-se uma maior uniformização das legislações dos Estados-Membros em matéria de

direitos de autor e de direitos conexos e assegurar um nível elevado de proteção dos titulares dos direitos como

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garante de um correto funcionamento do mercado interno e que, ao mesmo tempo, fosse gerador de um maior

estímulo à criatividade, à inovação e à criação de novos conteúdos, também no mercado digital. Nesta medida,

atenta também pelo fim do estatuto da neutralidade das plataformas, que disponibilizam o acesso em larga

escala a grandes quantidades de conteúdos protegidos, carregados por utilizadores e com fins lucrativos.

Queremos destacar a boa e correta opção legislativa de integração do novo regime do Código do Direito de

Autor e Direitos Conexos, que, naturalmente, terá também impacto em alterações de legislação especial, como

tem vindo a ser salientado pela doutrina, e que quebra o mau hábito de se tornar os direitos de autor numa

manta de retalhos, como também é regularmente ecoado pelos especialistas.

Há mais de 20 anos que não se legislava nesta área. Inoperância da lei perante um novo mundo com redes

sociais, meios de comunicação online, plataformas novas com novas oportunidades e novos desafios.

O artigo 17.º da diretiva, transposto para o Código, relativo à utilização da obra por prestador de serviço de

partilha de conteúdos em linha visa atenuar o problema do value gap entre os autores e as plataformas digitais,

uma vez que aqueles passam a ser ressarcidos de forma equilibrada pelos conteúdos que criam com fins

lucrativos.

Salvaguardou-se, aqui, a questão da autorização dos autores para que o conteúdo seja disponibilizado aos

utilizadores da plataforma.

Destaco, também, que não está em causa qualquer conteúdo que tenha que ver com crítica, caricatura ou

paródia, sendo a sua utilização livre e expressamente permitida, tal como acontece com repositórios de artigos

científicos, plataformas de partilha de conteúdos open search, mecanismos de troca de mensagens diretas ou

prestadores de serviço de armazenamento, como a cloud ou, a título de exemplo, as isenções de algumas

obrigações para as empresas jovens e com pouco capital.

Realçamos ainda a opção por não se impor a gestão coletiva obrigatória para utilização de conteúdos digitais

em linha, salvaguardando a liberdade contratual.

A opção por se prosseguir uma proximidade ao texto original também nos parece ser adequada e a que mais

salvaguarda, verdadeiramente, o nosso ordenamento jurídico, até pelo processo pendente da Polónia, no

Tribunal de Justiça da União Europeia.

Se nos quisermos prender na questão do prazo, como já foi dito, afirmamos que este seria impossível de

cumprir, até porque a Comissão Europeia apenas emitiu as guidelines para a transposição do artigo 17.º a 4 de

junho de 2021. Seria incoerente e, por isso, a maioria dos Estados — cerca de 22 — estão neste momento a

trabalhar na transposição, à semelhança do que estamos a fazer.

Já em relação à transposição referente aos editores de imprensa e direitos sobre as publicações, prevista na

diretiva, nos artigos 15.º e 16.º, e transposta de forma próxima, destacamos a introdução de um novo direito

conexo dos editores de imprensa, tal como a Sr.ª Ministra, há pouco, referiu. Ainda em relação aos editores de

imprensa, a proposta de lei clarifica a exclusão da atividade de clipping do elenco das utilizações livres, em linha

com a jurisprudência europeia.

No que se refere aos excertos muito curtos de publicações de imprensa, a opção legislativa foi a de privilegiar

em termos qualitativos e não quantitativos, não se prevendo um número máximo de palavras. Em sede de

especialidade, a otimização de snippets poderá ser clarificada e melhorada de acordo com a sensibilidade das

partes, tornando o artigo mais eficaz e de melhor aplicação prática.

Por fim, cabe ao Parlamento, em sede de especialidade, melhorar o documento — e já hoje isso foi dito! —,

que, claramente, deixa margem para esse trabalho com os representantes do setor, que, ademais, têm feito

chegar propostas e têm vindo a declarar que esta proposta de lei é uma boa base de trabalho para a regulação

equilibrada dos direitos de autor e direitos conexos no mercado digital.

Uma coisa é certa: é notória a necessidade da transposição da diretiva e está ao nosso alcance tudo fazer

para garantir a todos os titulares de direitos a justa remuneração pelos conteúdos que alimentam as grandes

plataformas de partilha, como é clamado pelos artistas e criadores e que é da mais elementar justiça.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Arrobas, do Grupo Parlamentar do CDS-PP.

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O Sr. Miguel Arrobas (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Reforçamos, mais uma vez, a nossa intervenção na discussão da Proposta de Lei n.º 113/XIV/3.ª,

no ponto anterior. Ipsis verbis, queríamos reforçar, mais uma vez, que esta proposta não se fez acompanhar de

qualquer documento que a fundamentasse, não houve quaisquer indicações de que foram, ou deixaram de ser,

feitas consultas prévias. Mas, agora — pasme-se! —, é pedido com a máxima urgência que o Parlamento tenha

a responsabilidade de promover as audições necessárias. E serão muitas, de certeza.

O CDS espera que impere o bom senso e que as audições, consultas e pareceres que nos cheguem possam

ser feitos com a tranquilidade e a serenidade necessárias que a densidade da matéria e a parte técnica dos

interessados e visados nos merecem.

Se o Governo não o teve, entendemos que o Parlamento, ao menos, deve demonstrar respeito por todos os

intervenientes e, no que do CDS depender, não deixaremos que esta urgência nos condicione no processo.

Face à sua complexidade e implicações em múltiplos mercados, entendemos que é exigível uma maturação

séria.

Quanto ao tema dos direitos de autor e direitos conexos no mercado único digital, esta é uma matéria da

maior relevância e que urge ser tratada com a maior atenção e ponderação. É essencial, desde logo, perceber-

se como é que, no mercado português, se adequa o princípio da proporcionalidade.

É, ainda, determinante acautelar a exequibilidade do que as leis tentam impor. É essencial garantir,

efetivamente, a proteção dos direitos de autor e, neste ponto, ter em atenção que estes direitos variam em

função do tipo de autor ou obra. Uma peça jornalística não deverá ser tratada, em matéria de direitos de autor,

da mesma forma que uma música, só a título de exemplo. Não que haja uma graduação de importância entre

estas, mas, do ponto de vista legislativo, devem ser tratadas de acordo com as especificidades de cada uma.

Entendemos, também, que se deve equacionar de forma ponderada a liberdade contratual e importa ter em

atenção que «autorização» e «licença» não são necessariamente a mesma coisa, sendo determinante acautelar

o princípio da proporcionalidade.

Finalmente, e tendo em conta que, em plena era digital, as evoluções digitais são permanentes e

extremamente rápidas, o CDS entende que seria prudente e do maior interesse uma revisão periódica da lei que

sair deste Parlamento.

Em suma, o CDS irá aprovar esta proposta de lei na generalidade, não se demitindo, no entanto, da sua

responsabilidade de participar em sede de especialidade, ouvindo atentamente as audições a realizar,

analisando aturadamente os contributos que seguramente serão recebidos e apresentando as propostas que

entenda que possam vir a melhorar este texto.

Aplausos do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Mesquita, do Grupo parlamentar do PCP.

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra, Sr.as e Srs. Deputados: A discussão desta proposta de lei do Governo não está, como tivemos já oportunidade de dizer, desligada de outras matérias,

como a do ponto anterior.

Em primeiro lugar, quanto à questão do prazo, queremos dizer o seguinte: se o Governo não tomou as

diligências necessárias para fazer a transposição atempada, não pode agora a Assembleia da República fazer

um processo a mata-cavalos.

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Muito bem!

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Há pouco, o Sr. Deputado Bruno Aragão referia a questão do bom senso, mas nós não temos memória curta e relembramos que este bom senso faltou, nomeadamente, por parte do PS

e do PSD.

Temos a memória bem recente de como um processo absolutamente complexo de transposição pode ser

mal feito e ficar recheado de contradições, como aconteceu com a diretiva referente ao cinema e ao audiovisual,

a qual conheceu agora mais um episódio com a proposta do Orçamento do Estado e a possibilidade de a taxa

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de subscrição ser duplicada, porém, a dividir entre o ICA (Instituto do Cinema e do Audiovisual) e a RTP, dando

de bandeja a possibilidade de as operadoras se esquivarem ao cumprimento da lei, que não prevê essa divisão,

com processos em tribunal que se podem arrastar indefinidamente. A ver vamos como tudo isto evoluirá.

O PCP defende que a diretiva dos direitos de autor no mercado único digital, tal como foi aprovada no

Parlamento Europeu, apresenta um caráter limitativo da liberdade de expressão, do direito ao acesso, à criação

e à fruição cultural e não compatibiliza o direito dos artistas a uma justa remuneração com uma divulgação tão

ampla quanto possível das suas obras.

Na prática, no ponto em que o texto está, consideramos que a diretiva e a sua transposição ipsis verbis

acabarão por prejudicar artistas, criadores, intérpretes ou executantes e utilizadores, beneficiando os grandes

interesses e os poderes do mercado digital. Portanto, reafirmamos que reproduzir à letra os problemas nunca

poderá ser a solução.

Recorde-se que os Deputados do PCP no Parlamento Europeu foram os únicos Deputados portugueses a

tomar a iniciativa de apresentar propostas de alteração da sua autoria à diretiva, aquando da discussão na

sessão plenária, propostas essas que, infelizmente, acabaram rejeitadas.

Por tudo isto, é importante garantir que esta proposta de lei seja discutida com tempo, auscultando as mais

diversas entidades e interessados, percebendo os riscos e avaliando medidas de sentido positivo para a defesa

dos direitos das partes mais vulneráveis neste processo, que, como disse, são os autores, os artistas, os

criadores, os intérpretes, os executantes, os jornalistas e os utilizadores. É deste lado que encontrarão o PCP.

E dizemos: leve o tempo que levar, para que não se repitam processos disparatados como o da transposição

da diretiva do audiovisual e do cinema.

Por isso, em relação a esta matéria, defendemos e reafirmamos que é preciso garantir que autores, criadores,

artistas, intérpretes, executantes, jornalistas recebem a justa e devida retribuição pela utilização das suas obras

e do seu trabalho; que as grandes empresas responsáveis e proprietárias dos veículos ou suportes de

divulgação ou comunicação e das empresas proprietárias dos meios de divulgação são responsabilizadas pela

concretização da justa remuneração; que sejam rejeitadas quaisquer medidas que possam ter a mínima

interpretação de que são penalizadoras para os utilizadores da internet, quaisquer soluções perversas que

redundem em práticas hipervigilantes ou de censura digital — e, em relação a esta matéria, relembramos a

discussão do artigo 13.º, que, depois, originou o artigo 17.º; e que seja promovida e efetivada a democratização

da cultura, a liberdade de criação e fruição culturais, o multilinguismo e a diversidade cultural, assim como a

recusa, que para o PCP é fundamental, da submissão da cultura à estrita lógica e visão do mercado.

Assim, Sr.as e Srs. Deputados, o PCP não acompanha esta iniciativa, nos seus termos atuais.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a S.ª Deputada Alexandra Vieira, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.

A Sr.ª Alexandra Vieira (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: A transposição da diretiva proposta pelo Governo é uma oportunidade para regular esta atividade,

uma vez que os direitos de autor de artistas, intérpretes e executantes são muitas vezes desconsiderados face

à posição das grandes operadoras no mercado.

Pode ser, também, uma oportunidade de clarificar conceitos, de eliminar incongruências e de harmonizar a

legislação sobre esta matéria, que não poucas vezes é alterada sem ter em consideração o nosso ordenamento

jurídico e os princípios que subjazem, apesar da rapidez que todo este processo requer e tendo em conta o

incumprimento por parte do Governo do prazo para a transposição das mesmas.

Sendo a diretiva de 2019, o Governo teve tempo suficiente para auscultar as entidades envolvidas, os artistas

e os executantes e de criar o tal grupo de trabalho que compilasse todos os contributos e fizesse a adequação

da diretiva à realidade portuguesa. Optou por não o fazer, o que significa que as iniciativas em debate são,

então, as tais transposições quase literais da diretiva.

De qualquer modo, o processo que hoje se inicia deve ser feito de forma a garantir as questões da

transparência — sobretudo no que diz respeito à clareza e frequência das informações das companhias

discográficas aos artistas, executantes e intérpretes, para que saibam a razão pela qual estão a receber

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determinado valor — e a garantir remunerações justas, podendo as regras ser semelhantes às dos ambientes

analógicos, mas que integrem as especificidades desta atividade, garantindo os direitos e dando mais autonomia

aos artistas e executantes.

Assim, tal qual está a acontecer noutros países, a gestão coletiva tem também de ser considerada nestes

ambientes em linha, com caráter obrigatório, questão que, por certo, surgirá na consulta pública que decorrerá

durante 30 dias, aprovada ontem na Comissão de Cultura e Comunicação, para a qual está também prevista a

audição de entidades e pessoas diretamente envolvidas neste processo.

Por outro lado, esta é a oportunidade de contrariar algumas derivas semelhantes ao que sucedia, há décadas,

com a televisão, por ser entendimento, na época, que a simples presença televisiva do artista, por ser vista como

uma promoção, era já um ganho suficiente, tal como sucedia com os temas musicais das séries televisivas.

Sr.as e Srs. Deputados, para o Bloco de Esquerda, é fundamental que seja garantido que os autores e os

artistas, executantes e intérpretes sejam efetivamente remunerados pelo trabalho que prestam, de forma

adequada, proporcionada e equitativa e que os impostos sejam pagos em Portugal. Entendemos que a gestão

coletiva deve ser obrigatória, pois é a forma de proteger e regular um mercado onde os autores e artistas,

executantes e intérpretes muitas vezes são a parte mais desprotegida.

Como já afirmámos na intervenção anterior, tal como está, a proposta de lei do Governo será um veículo de

espoliação dos rendimentos dos artistas a favor de produtoras e distribuidoras multinacionais, que nem sequer

impostos pagam em Portugal.

Por isso, o Bloco de Esquerda também não irá acompanhar esta proposta.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Srs. Deputados, concluímos assim a fase do debate, pelo que vamos passar à fase de encerramento, dando a palavra à Sr.ª Ministra da Cultura, se assim o desejar, claro.

A Sr.ª Ministra da Cultura: — Sim, Sr.ª Presidente. Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por agradecer este debate pela possibilidade que nos deu

de podermos estar aqui a discutir estas diretivas e queria realçar alguns aspetos que, ao longo desta discussão,

foram referidos por algumas das Sr.as e Srs. Deputados.

Por um lado, o Governo procurou sempre algo que nos parece muito importante, designadamente que estas

diretivas fossem transpostas no quadro de uma estreita concertação entre todos os Estados-Membros e as

instâncias europeias.

Nunca nos pareceu fazer sentido, ao longo deste processo, que não aguardássemos pela publicação das

orientações para a transposição desta diretiva que agora discutimos, e também nunca nos fez sentido que estas

diretivas não fossem discutidas, pelo menos, de forma articulada.

Por isso, aguardámos que no dia 4 de junho, como a Sr.ª Deputada referiu, as diretivas fossem publicadas

— e, recordo, o prazo de transposição era no dia 7. E é por isso que há 22 Estados-Membros que, tendo feito o

mesmo que Portugal, aguardaram por essas orientações para que a transposição fosse feita no âmbito de um

contexto regional, ou seja, no âmbito da Europa.

Nenhum Estado-Membro tem qualquer vantagem em estar isolado nesta matéria. Todos temos vantagem

em estarmos concertados e em termos um processo que decorre ao nível da Europa e não em cada Estado-

Membro de forma isolada. Foi isto que procurámos fazer e por essa razão é que apresentámos hoje esta

proposta de lei.

Por outro lado, defendemos sempre que a proposta que viesse a ser discutida fosse o mais fiel possível — e

esta foi uma das questões que aqui foi colocada — ao texto das diretivas e ao espírito do legislador,

precisamente porque é isso que todos os Estados-Membros estão a procurar fazer.

Isso foi referido em várias questões que alguns dos Srs. Deputados colocaram e é verdade que quisemos

fazê-lo de uma forma muito clara e objetiva, sendo que este é o texto que foi aprovado como diretiva, este é o

processo que deve ser seguido para efeitos da sua transposição e é por isso que o texto segue, de facto, de

forma tão próxima, a própria diretiva.

A terceira nota que gostaria de dar é a de que ambas as diretivas que estamos aqui a discutir são muito

importantes, particularmente a segunda, uma vez que se trata de uma diretiva muito relevante para efeitos da

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proteção e remuneração dos autores. É também muito importante pela criação de um direito conexo para os

editores da imprensa e pelo princípio que revela da neutralidade das plataformas e do que isso significa do ponto

de vista do funcionamento do mercado. Portanto, tem muitos aspetos fundamentais.

É evidente que concordamos com as Sr.as e Srs. Deputados quando referem que é muito importante que

haja um processo de diálogo e de consulta pública para que seja também possível, no âmbito desse processo

de consulta pública, aperfeiçoar, melhorar e fazer o melhor possível para que a diretiva final transposta em

Portugal seja a que melhor responda às necessidades do setor da cultura em Portugal e à necessidade de

proteger os direitos de autor.

Naturalmente, nós, com o Parlamento, com os grupos parlamentares, ao longo deste processo que agora

segue, estamos disponíveis para tudo o que o Parlamento entender que possa ser o contributo do Governo.

Para terminar, Sr.ª Presidente e Sr.as e Srs. Deputados, estas diretivas têm um tempo bastante longo dentro

do próprio processo europeu, como foi aqui referido, mas esta é uma matéria importante que procura equilibrar

e juntar compromissos e interesses que não vão, necessariamente, no mesmo sentido.

Por isso, nas matérias, onde este equilíbrio é muito importante, mas é mais difícil, é onde temos maior

responsabilidade para encontrar soluções que respondam à necessidade, insisto, de proteger os direitos de

autor, de remunerar com justiça e de colocar os editores de imprensa com direitos conexos, de assegurar a

responsabilidade das plataformas, mas, ao mesmo tempo também, permitir que a inovação, o desenvolvimento

e a criação continuem a seguir o caminho que têm de seguir. Por isso, essa resposta é importante.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Muito obrigada Sr.ª Ministra. Vamos agora passar ao ponto seguinte da nossa ordem do dia que consiste na reapreciação do Decreto da

Assembleia da República n.º 128/XIV — Permite o recurso a técnicas de procriação medicamente assistida

através da inseminação com sémen após a morte do dador, nos casos de projetos parentais expressamente

consentidos, alterando a Lei n.º 32/2006, de 26 de julho (Procriação Medicamente Assistida).

Pausa.

A Mesa não regista inscrições, pelo que, creio, podemos passar ao próximo ponto…

O Sr. Nelson Silva (PAN): — Sr.ª Presidente, peço a palavra.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Nelson Silva (PAN): — Sr.ª Presidente, a Sr.ª Deputada Bebiana Cunha, que vai acompanhar este ponto da ordem do dia, está mesmo a chegar, por isso gostava de a inscrever.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Com certeza, Sr. Deputado. Entretanto, para uma intervenção, dou a palavra ao Sr. Deputado Pedro Delgado Alves, do Grupo

Parlamentar do PS.

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Agendámos para este debate, novamente, a matéria relativa à possibilidade de recurso a técnicas de procriação medicamente assistida (PMA)

para realização de inseminação post mortem, na sequência da mensagem que o Sr. Presidente da República

dirigiu a esta Assembleia, manifestando algumas dúvidas relativamente ao diploma que aqui aprovámos no final

da sessão legislativa anterior.

Concluímos, de forma alargada, na sequência de várias audições, um processo desencadeado por uma

iniciativa legislativa de cidadãos que, com um consenso bastante alargado em sede parlamentar, permitiu

concluir um debate democrático em torno da possibilidade de se alargar o recurso às técnicas da PMA para a

realização, de forma livre e esclarecida, de projetos parentais comuns em circunstâncias em que atualmente a

lei não contempla, com clareza, essa possibilidade.

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Efetivamente, a lei hoje em vigor já admite a possibilidade de inseminação post mortem em algumas

circunstâncias, designadamente nos casos em que já existe embrião para ser implantado — algo que, aliás, o

Sr. Presidente da República sublinha na mensagem que dirigiu à Assembleia da República — e o que

pretendemos é, na sequência dos trabalhos realizados anteriormente, garantir que esta seja possível também

noutras fases do procedimento de inseminação.

O Sr. Presidente da República lança-nos duas questões às quais o projeto de alteração que o Partido

Socialista que deu entrada, conjuntamente com o PCP, o BE, o PEV e o PAN, procura responder. Passa por

duas questões fundamentais: primeiro, a da melhor articulação com as normas sucessórias do Código Civil,

deixando claro qual o regime aplicável nas circunstâncias em que é necessário aguardar pelo desfecho do

nascimento completo e com vida, melhorando até, reconheça-se, a terminologia empregue na versão inicial do

diploma, que não era rigorosa numa perspetiva jurídico-sucessória, algo que pensamos ser resolvido com as

propostas entregues.

A segunda é uma cautela adicional, também requerida na mensagem do Sr. Presidente da República, quanto

aos meios probatórios e ao regime aplicável, quer no quadro transitório, quer, especificamente, no que respeita

à demonstração de que essa vontade, livre e esclarecida, existia.

Trata-se, fundamentalmente, de demonstrar que, quando consente, a pessoa, que presta o consentimento,

tem consciência também das consequências jurídico-sucessórias desse ato. Portanto, é algo simples de realizar,

basta que essa declaração de consentimento comporte este elemento e que ele fique registado.

Inserimos também um elemento que nos parece relevante para muitos destes casos, que, infelizmente, são

casos dramáticos, em que as pessoas que têm de tomar essa decisão podem já estar no final da sua vida, com

processos complexos em que a possibilidade de uma declaração escrita nem sempre existe e, portanto,

incorpora-se a possibilidade de a declaração com o mesmo conteúdo poder ser feita por videograma. Garante-

se, assim, de forma mais completa, que, em algumas circunstâncias ⎯ por exemplo, no caso de uma doença

oncológica, em que a pessoa esteja em fase terminal e haja dificuldade em poder expressar o seu consentimento

⎯, quando não possa ser realizável por escrito, a declaração seja feita através de videograma.

Parece-nos uma solução equilibrada e que corresponde ao que o Sr. Presidente da República sublinha como

relevante para assegurar a aprovação desta lei.

Esperamos que a Câmara volte a aprovar esta matéria e, se possível, com um consenso mais alargado,

tendo em conta que a reação da sociedade civil à aprovação que ocorreu no verão foi no sentido de reconhecer

que se repõe, ou se alarga, o sentido de justiça na legislação sobre procriação medicamente assistida, de forma

a ir ao encontro das necessidades de muitos casais que são confrontados com decisões difíceis num momento

em que o fim da vida acompanha a vontade de ter um projeto parental, consentido por ambos, para gerar nova

vida.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Arrobas, do Grupo Parlamentar do CDS-PP.

O Sr. Miguel Arrobas (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Atendemos hoje à reapreciação do Decreto n.º 128/XIV, que permite o recurso a técnicas de procriação medicamente assistida através de

inseminação com sémen após a morte do dador nos casos de projetos parentais expressamente consentidos.

O Grupo Parlamentar do CDS-PP votou contra esta iniciativa legislativa e entende ser importante deixar

claras, mais uma vez, as razões pelas quais o fez e irá de novo fazer.

Apesar de reconhecermos e respeitarmos profundamente o sofrimento das mulheres que, por um

acontecimento trágico ⎯ a morte do cônjuge ⎯, vejam vedada a concretização do projeto parental previamente

desejado e consentido, consideramos que, antes de mais, há que acautelar um outro interesse: o interesse

superior da criança que vier a nascer.

É entendimento do CDS que não só a solução apesentada neste texto final não o assegura como a própria

inseminação post mortem nega só por si o direito que cada criança deve ter de ser concebida e nascida de pai

e mãe vivos. É evidente que esta situação encontra uma aproximação na circunstância em que o pai morra

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depois da conceção e antes do nascimento da criança. Estas são infelicidades que lamentamos, mas das quais

não se pode fugir.

Já provocar a conceção de uma criança cujo pai já faleceu, mesmo existindo um consentimento escrito — e,

agora, por videograma, ou por declaração sob compromisso de honra do médico que acompanha o processo —

e um projeto parental pré-definido, é uma opção, que, a nosso ver, coloca o desejo da mulher sempre à frente

do superior interesse da criança que vier a nascer.

Fundamentamos a nossa posição em pareceres científicos, técnicos e jurídicos, que são do conhecimento

de todos, e que avalizam esta nossa opinião.

O Prof. Dr. Michel Renaud não considera ética a inseminação post mortem e o motivo principal é o de que

os interesses do nascituro não parecem ser suficientemente respeitados pelo facto de se programar um nascituro

sem pai vivo.

Também o Prof. Dr. Walter Osswald diz que o recurso a técnicas de PMA para a obtenção de gravidez após

a morte do marido ou companheiro de mulher sobrevivente não encontra fundamentação ética suficiente para

que possa ser acolhido na sociedade e enquadrado na legislação.

A própria Ordem dos Médicos vem referir que é sempre posto para segundo plano o superior interesse da

criança a nascer. Vai também no mesmo sentido o entendimento do Conselho Nacional de Ética para as

Ciências da Vida.

Para terminar, além das questões éticas, há ainda um conjunto de outras questões, as jurídicas, que, no

entender do CDS-PP, não ficaram devidamente acauteladas neste texto final. Desde logo, quando no n.º 3 do

artigo 23.º, referente à paternidade, se mantém a redação do atual n.º 2, que determina que «Cessa o disposto

no número anterior se, à data da inseminação, a mulher tiver contraído casamento ou viver há, pelo menos, dois

anos em união de facto com homem que, nos termos do artigo 14.º, dê o seu consentimento a tal ato, caso em

que se aplica o disposto no n.º 3 do artigo 1839.º do Código Civil.»

Salvo melhor entendimento, ao CDS parece paradoxal que, tendo havido um projeto parental com o pai

falecido, para o qual este deu o seu consentimento escrito, a criança que vier a nascer dessa inseminação post

mortem venha a ser tida como filha de outro homem com quem a mulher reconstruiu a sua vida.

Nos termos do acima exposto, o CDS entendeu votar contra esta iniciativa legislativa sem, no entanto, deixar

de manifestar um profundo respeito para com o sofrimento de todas as mulheres que vivem esta tragédia da

morte do marido ou companheiro e, em consequência, vejam anulada a constituição de família que, em conjunto,

tinham projetado.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sandra Pereira, do Grupo Parlamentar do PSD.

A Sr.ª Sandra Pereira (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há precisamente um ano estávamos aqui a discutir, na generalidade, os projetos de lei que deram origem a este decreto que, hoje, estamos a apreciar

em consequência do veto do Sr. Presidente da República.

Na altura, dissemos que a reflexão que se impunha fazer não se deveria centrar, exclusivamente, nos direitos

das mulheres a prosseguirem estes projetos parentais ⎯ também, mas não só. Deveria haver uma visão

integrada dos direitos das mulheres, também, mas, sobretudo, dos direitos da criança, tendo em conta o superior

interesse das crianças, o direito a nascerem com pai e com mãe, que é um direito que tem cobertura legal.

A reflexão que importava fazer e sobre a qual se impunha uma séria análise era precisamente esta: têm ou

não estas crianças o direito a nascerem com pai e com mãe? Sr.as e Srs. Deputados, queremos mesmo dar esse

salto e passar a permitir o nascimento de uma criança filha de um pai já falecido?

Sr.as e Srs. Deputados, é certo que todas as crianças têm direito a ter pai — o pai que a lei preconiza como

tal — e que a paternidade não se confunde nem pode confundir-se com a mera dádiva de material genético.

Portanto, não venha dizer-se que a solução que este decreto apresenta já decorria da lei pelo facto de as

mulheres poderem recorrer a material genético de dador anónimo. Não, não é assim, porque o espírito da lei

quis distinguir claramente este mero dador de material genético de um pai e não quis a lei deliberadamente tratar

o dador de material genético como um pai e não o fez.

O dador, nos termos da lei, é apenas uma célula biológica instrumental à conceção, mas um pai, Sr.as e Srs.

Deputados, é outra coisa: um pai é alguém que aporta história, que lhe dá nome e que atribui direitos patrimoniais

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e sucessórios. Veja-se, Sr.as e Srs. Deputados, a imprevisibilidade que estas situações podem gerar no direito

sucessório.

O pai é, por definição, alguém presente na vida de um filho desde o seu nascimento e isso constitui um direito

elementar da criança do qual não podemos alhear-nos. Enquanto sociedade temos o dever de zelar pelos

direitos das crianças, conforme obriga e dispõe o artigo 3.º da Convenção sobre os Direitos das Crianças.

Por mais respeitabilidade e solidariedade que tais projetos parentais nos mereçam — e merecem! — e aos

quais somos até sensíveis, estes não podem nem devem sobrepor-se aos direitos da criança que serão, e têm

de ser sempre, o objeto da nossa maior proteção.

Dissemos também na altura, em sede de discussão na especialidade, que tínhamos sérias reservas em

relação à ausência de formalismos legais para a prestação do consentimento, em especial no regime transitório

que o decreto prevê, de aplicação retroativa, estabelecido apenas com o único propósito de acomodar um caso

concreto.

Sr.as e Srs. Deputados, dissemos tudo isto há precisamente um ano e mantemo-lo. Dissemos tudo isto

debaixo das acusações do Partido Socialista, que nos apelidava de «retrógrados» — vejam bem! —, como se

tratasse de uma questão de mera atualidade. Dissemos e tínhamos razão, porque todas estas questões foram

exatamente as questões suscitadas pelo Sr. Presidente da República, que solicitou à Assembleia uma maior

ponderação e reflexão sobre elas.

Acontece que exatamente hoje, por volta do meio-dia, nos chegou uma proposta de alteração,

consensualizada com o PCP, com o PEV e com o PAN que, em vez de estarem a procurar consensos naquilo

que diz diretamente respeito ao País e que é mais imediato, nos apresentam um consenso em cima do joelho

sobre as alterações a este decreto que implicam modificações ao Código Civil e que não respondem, de todo,

às interrogações que nos foram presentes pelo Presidente da República. Tratam, assim, este assunto com

absoluta banalidade, sem a ponderação de valores que o mesmo encerra.

Sr.as e Srs. Deputados, não é de somenos importância o salto que pretende dar-se ao permitir-se o

nascimento de uma criança de um pai que já faleceu, recorrendo a material criopreservado e ocorrendo o

nascimento depois da morte do pai. Por tudo isto, não pode o PSD acompanhar estas alterações, aliás, como,

de resto, não acompanhou sequer este decreto.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Bebiana Cunha, do Grupo Parlamentar do PAN.

A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Depois de ouvir estas duas últimas intervenções, nesta intervenção do PAN temos de lembrar que o recurso a técnicas de procriação medicamente

assistida, através da inseminação post mortem, após a morte do dador, surge de um movimento civil que traz a

esta Casa uma difícil situação pessoal e familiar, que é exigente, é certo, do ponto de vista legislativo.

Felizmente, houve quem, nesta Casa, procurasse dar a devida atenção a este problema e procurasse discuti-lo

e, após várias audições, encontraram-se as melhores redações possíveis para podermos, de facto, fazer

avanços numa nova visita à Lei n.º 32/2006.

Sr.as e Srs. Deputados, como sabemos — nunca é de mais lembrá-lo —, esta lei já permitia, felizmente, que

uma mulher recorresse a material genético de um dador anónimo, desconhecendo se o dador se encontrava

vivo, aquando da realização da técnica de procriação. Por outro lado, impossibilitava-se o mesmo procedimento

se o dador fosse alguém ou algum companheiro com quem tenha partilhado um projeto de vida comum e que

tivesse, de forma expressa, consciente e clara, consentido a conceção de um filho ou de uma filha.

Posso dizer que, felizmente, nesta Casa, houve partidos que procuraram fazer a correção necessária da lei,

prevendo, inclusivamente, a integração de um tempo mínimo para uma tomada consciente da decisão e,

também, devidamente apoiada neste processo, garantindo o direito de a pessoa nascida conhecer a sua

identidade, a sua historicidade e, também, o seu património genético.

Depois da pronúncia do Sr. Presidente da República, a verdade é que voltámos ao trabalho e procurámos

garantir e salvaguardar as preocupações essenciais vertidas no veto, nomeadamente as que se prendem com

as questões ligadas ao direito sucessório. Portanto, consideramos que, a partir do momento em que este

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consentimento é livre e expresso, os efeitos sucessórios, evidentemente, verificar-se-ão sempre — e não

poderia ser de outra forma. Sendo a criança considerada filho ou filha, estes direitos intrínsecos não poderiam

ser limitados e, por isso, procurámos redigir uma norma que traz esta clareza, numa proposta conjunta.

Para terminar, esperamos que, efetivamente, tendo em conta o caminho que se tem feito nesta matéria, esta

redação possa resolver as questões e as preocupações suscitadas. Esperamos, também, que se possa,

finalmente, nesta Casa, voltar a encontrar — já percebemos que não será um consenso — a maioria necessária

para, efetivamente, resolvermos esta questão que uma iniciativa de cidadãos e cidadãs — e muito bem — nos

trouxe.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, do Iniciativa Liberal.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Voltamos, hoje, por via da mensagem do Sr. Presidente da República, a discutir a matéria da inseminação post mortem.

Talvez tenha de começar por repetir o que alguns têm dificuldade em aceitar: a família pode assumir muitas

formas e isso não representa a diminuição da importância do respeito pelo superior interesse da criança. Além

disso, recordo que atualmente a inseminação post mortem já é permitida às mulheres que recorram a dadores

anónimos falecidos, sem que disso sequer possam ter conhecimento.

Relativamente à mensagem do Presidente da República, conseguimos acompanhar as dúvidas relativamente

à norma transitória, porque reconhecemos a importância da segurança jurídica que, talvez, na proposta inicial,

não estivesse suficientemente acautelada.

Já nas questões levantadas em matéria sucessória, não acompanhamos totalmente a visão do Sr. Presidente

da República, porque entendemos que já com a atual lei e em circunstâncias normais não é possível um pai

distinguir entre os vários filhos para efeitos de sucessão legitimada. Neste ponto, parece-nos que o decreto

vetado pretende precisamente que, neste quadro, também o filho nascido — relembremo-lo — de um projeto

parental claro e com sentido não possa ser discriminado, salvaguardando-se também o superior interesse da

criança.

Quanto ao prazo de três anos, durante o qual a herança aparece indivisa, parece-me que a solução

encontrada, ou seja, tornar essa mesma herança jacente, em vez de indivisa, acautela também as preocupações

do Sr. Presidente da República.

Portanto, resumindo, defendemos, em relação a esta matéria, tal como em relação a todas as demais, a

liberdade individual que, neste caso, é uma das liberdades que mais responsabilidades acarreta que é a de,

exatamente, constituir família.

Aplausos de Deputados do PS.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Moisés Ferreira, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.

O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É muito recente a alteração que a Assembleia da República fez à lei da procriação medicamente assistida para permitir a inseminação post

mortem. As condições que obrigavam, nessa altura, a esta alteração mantêm-se totalmente. Por isso, mantém-

se, também, a necessidade de fazer esta alteração à referida lei.

Acrescem, às condições que levaram à primeira alteração, os argumentos que sustentaram e justificaram o

veto por parte do Sr. Presidente da República.

Vamos às condições de partida que se mantêm e que continuam a exigir, na perspetiva do Bloco de

Esquerda, como é óbvio, que esta mudança vá além. Primeiro, o que, hoje, é dito na legislação sobre a

inseminação post mortem é contraditório com a própria lei, porque a lei, por exemplo, já prevê e permite — e

bem! — a transferência de embrião post mortem. Contudo, determina a destruição do sémen para que não

possa haver esta inseminação post mortem, o que é contraditório.

A Sr.ª Sandra Pereira (PSD): — Juridicamente são coisas diferentes!

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O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Segundo, o que existe hoje sobre esta matéria, através das alterações que ocorreram, em 2016, à lei da procriação medicamente assistida, conflitua com a prática, como já foi lembrado.

Nessa altura, este Parlamento, à esquerda essencialmente, fez alterações para permitir que qualquer mulher,

independentemente do seu estado civil, da sua orientação sexual e de ter ou não um diagnóstico de infertilidade,

pudesse recorrer a procedimentos de PMA.

Hoje, o que acontece é que uma mulher pode recorrer a estes procedimentos, pode utilizar material doado,

até sem saber se o dador, hoje, está vivo ou está morto, mas, depois, ao mesmo tempo, a lei diz que o material

do seu ex-companheiro, do seu ex-marido não pode ser utilizado. Portanto, há efetivamente aqui um conflito

com a prática, com a realidade, que é preciso sanar na legislação.

Terceiro, o que existe hoje, sobre esta matéria na legislação é um obstáculo à concretização de projetos

parentais claramente estabelecidos. Todas e todos nós conhecemos alguns casos em concreto, alguns vieram

até a público, com muita coragem. Creio que ninguém pode dizer que é normal acontecer o que veio a público:

há um casal em que um dos membros faleceu, mas, antes, tinha criopreservado o seu material genético. O casal

acordou entre si que este era o projeto parental livre, consentido, explícito que queriam fazer.

Porém, depois, há a lei e o Estado que dizem que, afinal, não podem fazê-lo. Não é feito contra ninguém,

não é feito à revelia de ninguém, contra o direito de ninguém. Todos os envolvidos naquela relação queriam

concretizar este projeto parental, o problema é que a lei não permite que seja concretizado.

Portanto, todas estas condições se mantêm e, ao manterem-se, é exigível, pelo menos na perspetiva do

Bloco de Esquerda, que a lei seja efetivamente alterada.

Acrescentam-se, então, os argumentos justificativos do veto do Sr. Presidente da República. Primeiro, era

preciso fazer uma harmonização com o regime previsto no Código Civil, no que toca ao direito sucessório e ao

que estava previsto nas alterações à lei da PMA. O que hoje é entregue, como resposta ao veto, resolve-o ao

harmonizar as duas redações.

Depois, o Sr. Presidente da República disse que eram precisas uma maior garantia e segurança jurídica, no

que toca ao consentimento livre e esclarecido, para casos existentes antes da lei e que podem vir a ser

abrangidos pela lei, através da norma transitória. Ora, o que se põe na norma transitória torna claro que era esta

a vontade da pessoa falecida e que, ao fazer a criopreservação do seu sémen, esta pessoa acordava e

concordava, explicitamente e de forma livre, na inseminação post mortem. Portanto, responde ao problema que

foi levantado pelo Sr. Presidente da República e à necessidade de a realidade alterar a lei.

Agora, aprove-se esta alteração para, efetivamente, fazer aquilo que é preciso fazer no País.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Santos, do Grupo Parlamentar do PCP.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje, discutimos novamente a questão do recurso às técnicas de procriação medicamente assistida com sémen após a morte do dador, nos casos de

projetos parentais expressamente consentidos, na sequência do veto do Sr. Presidente da República ao decreto

da Assembleia sobre esta matéria.

Houve, de facto, e já foram aqui referidas, duas questões e preocupações suscitadas pelo Sr. Presidente. O

PCP, desde logo, expressou a sua disponibilidade para encontrar soluções que permitissem ultrapassar essas

mesmas dúvidas.

Reconhecemos que tratamos de matérias de enorme sensibilidade e complexidade, que exigem ponderação

e cautela, mas aqui estamos para encontrar as soluções tendo em conta todas as questões que é necessário

medir e ponderar para essa mesma concretização.

A proposta apresentada dá resposta às preocupações que foram suscitadas pelo Sr. Presidente da República

no que diz respeito à questão das sucessões. Nós consideramos que a proteção e a defesa do superior interesse

da criança é algo que deve ser salvaguardo e observamos que, de facto, há essa salvaguarda. Depois, sobre

as questões relacionadas com a segurança jurídica e o consentimento que é expresso, em particular, na norma

transitória, entendemos que a proposta apresentada dá, efetivamente, esta resposta.

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Gostaríamos ainda de salientar o seguinte: a questão principal que estamos aqui a debater é a de possibilitar

o alargamento das técnicas de procriação medicamente assistida, neste caso concreto, a inseminação post

mortem. Esta é uma questão que nos parece clara, aliás, ela foi aprovada por larga maioria na Assembleia da

República e sobre a qual não foram suscitados pelo Sr. Presidente da República aspetos concretos.

De facto, ao longo destes anos — podemos dizer desta forma —, a procriação medicamente assistida tem

sido responsável pela felicidade de muitas famílias, já que permite que as famílias com diagnósticos de

infertilidade possam efetivamente ter a possibilidade de concretizar o seu sonho de ter filhos.

A lei mantém o princípio de que as técnicas de procriação medicamente assistida são um método subsidiário

e não alternativo de procriação. Mantém-se a sua utilização mediante o diagnóstico de infertilidade, mas

prevêem-se duas exceções: a da possibilidade de recurso às mesmas para tratamento de doença grave ou de

risco de transmissão de doenças de ordem genética, infeciosa, entre outras, e também a possibilidade do acesso

às técnicas de PMA pelas mulheres, independentemente do diagnóstico de infertilidade.

Creio que a forma como a lei está pensada, construída, dá esta resposta. Recordamos que foi através de

uma iniciativa legislativa de cidadãos, muito expressiva do ponto de vista da sua subscrição, que a Assembleia

da República se debruçou sobre esta questão e que, de facto, foi possível chegar a um texto de substituição e

a uma solução para dar esta resposta.

Cremos que a introdução destas alterações permite e assegura as condições para a entrada em vigor desta

lei, dando concretização a esta vontade e à possibilidade do acesso à inseminação postmortem nas condições

em que está prevista na proposta que é apresentada e, simultaneamente, protegendo o superior interesse da

criança, algo que devemos, naturalmente, sempre salvaguardar.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira, do Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os Verdes».

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, como todos estamos, certamente, recordados — até porque esse facto já foi aqui referido por mais do que uma vez

hoje —, o decreto cuja reapreciação agora fazemos teve origem numa iniciativa legislativa de cidadãos a que

se juntaram depois outras iniciativas de vários grupos parlamentares.

Como também já referimos noutras ocasiões, a procriação medicamente assistida representa uma matéria a

que Os Verdes têm vindo a dar muita importância e que nos levou, inclusivamente, a apresentar, na última

Legislatura, um projeto de lei com vista a alargar as condições de admissibilidade e o universo dos beneficiários

das técnicas de procriação medicamente assistida, e que, à semelhança de projetos de outras forças políticas,

esteve na origem da Lei n.º 25/2016, que veio regular o acesso à gestação de substituição.

Quanto ao decreto em reapreciação — que resultou, como dissemos, dessa iniciativa legislativa de cidadãos

e depois, durante o processo legislativo, também dos projetos de lei de vários grupos parlamentares —, o texto

final que saiu da Assembleia da República, na nossa perspetiva, era um texto equilibrado, justo e oportuno e

veio, a nosso ver, melhorar a arquitetura legislativa relativa às técnicas de procriação medicamente assistida.

Sucede que o Sr. Presidente da República decidiu devolver, sem promulgação, o diploma novamente a esta

Assembleia para reapreciação.

No entanto, da leitura atenta que fazemos da mensagem que o Presidente da República dirigiu sobre esta

matéria ao Parlamento, não estão em causa elementos que possam colocar em dúvida a constitucionalidade do

próprio conceito, isto é, do recurso a técnicas de procriação medicamente assistida através da inseminação com

sémen após a morte do dador, nos casos de projetos parentais expressamente consentidos.

Não. As dúvidas ou reservas do Sr. Presidente da República prendem-se sobretudo com matérias laterais,

ainda que importantes, mas que são passíveis de ser ultrapassadas por esta Assembleia da República. Tanto

as reservas relativas ao direito sucessório como as reservas sobre a norma transitória — que, de facto, a nosso

ver, também precisavam de alguma clarificação — podem ser perfeitamente ultrapassáveis por esta Assembleia.

Estamos em crer que as propostas de alteração ao diploma, entretanto apresentadas, que hoje também

estão em discussão no âmbito desta reapreciação e que, aliás, Os Verdes também subscrevem vão ao encontro

das reservas do Presidente da República e dão resposta às preocupações por ele manifestadas, pelo que resta

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aguardar a votação e esperar que se consiga um consenso alargado ou, pelo menos, o consenso suficiente para

que se consiga promover a justiça que este diploma pretende trazer no que diz respeito à liberdade de constituir

família.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Ventura, do Chega.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, há questões de natureza ética que não são resolvidas com esta reapreciação e há a questão de fundo que já foi aqui referida. Não se trata nem da liberdade

de constituir família nem da aplicação de novas técnicas para isso. Trata-se de o fazer após a morte. Mas vamos

às questões jurídicas, que, essas sim, são mais relevantes.

De acordo com o projeto inicial, poderia ser registado como pai o novo companheiro, desde que já estivesse

casado com a pessoa que recorre agora a esta técnica. Reparem: o novo companheiro é registado como pai,

sabendo que não é o pai.

O que está aqui em causa é uma falsidade real. Está aqui em causa uma manipulação de dados e a

colocação em causa da verdade biológica. Há até quem alerte não só para a sua inconstitucionalidade como

para a possibilidade de, se o pai o fizer, cometer um crime de falsidade. É muito importante termos noção disto,

porque significa que basta estar há dois anos em união de facto e o novo companheiro chega lá e diz «sou eu

o pai», mas, na verdade, o pai é outro, o pai é o já falecido. E isto é uma falsidade real que esta lei permite.

Segundo, em relação à prova do consentimento do falecido, esta lei em nada acrescenta aos motivos, à

forma e aos elementos que devem ser carreados para o processo para definir qual é a prova que deve ser feita,

e deixam ao critério geral da legislação. Ora, numa matéria tão delicada como esta, o Sr. Presidente da

República não pode jamais deixar passar um diploma que não identifica quais são os elementos de prova que

permitirão definir o que é o consentimento.

Isto é uma matéria central da vida e da integridade.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. André Ventura (CH): — Vou concluir, Sr.ª Presidente, com um pedido de esclarecimento que se prende com a retroatividade. É que esta lei parece ser feita à medida de uma pessoa. E, como nós sabemos, a lei não

deve ser retroativa, muito menos para atingir alvos especiais. E aí toca, claramente, no seu nível de

constitucionalidade.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para usar o tempo que lhe resta, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Delgado Alves, do PS.

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, muito sinteticamente, dou algumas notas.

Em primeiro lugar, a lei atualmente em vigor já admite que o dador anónimo pode já ter falecido e o seu

material genético ser utilizado. A lei em vigor já admite a possibilidade da PMA sem que exista um pai, para um

casal de duas mulheres ou para uma mulher solteira. A lei em vigor já admite a possibilidade da PMA post

mortem, desde que seja para implantar embrião.

Nada disto é novo. Tem é de ser coerente. Tem de haver coerência entre estes vários elementos e é isto que

não acontece com a lei em vigor.

O Presidente da República sabe isto e diz que «não objeta ao fundo da matéria». E é muito claro, pede duas

correções: primeiro, que a matéria sucessória se articule com o Código Civil para garantir não os direitos da

criança, porque esses estão acautelados, mas dos outros sucessíveis, porque estes estão plenamente

garantidos com este reconhecimento; e, em segundo lugar, a questão de forma dos requisitos da declaração.

E aqui, respondendo ao Sr. Deputado André Ventura, isto vem expressamente aqui identificado. Quais são

os meios de prova? Redução a escrito, registo em videograma ou ainda a possibilidade de haver uma declaração

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sob compromisso de honra do clínico que a acompanhou. São meios de prova bastante sólidos, na perspetiva

jurídica.

A solução a manter-se em vigor é que é iníqua por duas razões.

Já agora, uma nota adicional: a norma transitória, esta que aqui fica, até é mais exigente para a norma que

hoje vigora para os casos de PMA postmortem que já existem. Portanto, vamos até ser mais exigentes com

quem vai beneficiar do regime transitório do que com quem beneficia do regime atual, em que, para implantação

do embrião, não é necessário nenhum destes elementos e, portanto, basta o que já consta do processo.

O problema é que, de facto, se entendemos que há aqui uma falha da lei devemos corrigi-la.

Finalmente, para concluir, o aspeto que aqui é frisado a propósito desta norma transitória do que fazer quando

há reconhecimento do novo companheiro, essa é uma norma que não é alterada. É uma norma que está na lei

exatamente nos mesmos termos desde 2006 e foi um debate que o Parlamento fez.

Portanto, mantém-se em vigor o mesmo n.º 2, porque é a norma que já vigora precisamente para os casos

em que a lei admite que a procriação medicamente assistida se possa fazer a título postmortem.

Como já foi dito no debate, penso que foi a Sr.ª Deputada Paula Santos quem o disse, trata-se de garantir

que a lei não é um entrave à felicidade de ninguém quando a ciência já o permite. Acho que se o pudermos

acautelar todos os casos em que havia uma restrição — na nossa perspetiva, excessiva — aos direitos

fundamentais de quem queria recorrer à lei, se a lei puder ajudar a realizar a felicidade de algumas pessoas,

neste contexto, penso que a nossa função enquanto Deputados é só levantar essa restrição e garantir que a

felicidade ocorra por si mesma.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr.as e Srs. Deputados, concluído que está o ponto quatro da nossa ordem de trabalhos, passamos ao ponto cinco que consiste na reapreciação do Decreto da Assembleia da

República n.º 167/XIV — Transpõe a Diretiva (UE) 2019/713 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de

abril de 2019, relativa ao combate à fraude e à contrafação de meios de pagamento que não em numerário,

alterando o Código Penal, o Código de Processo Penal, a Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro, que aprova a

Lei do Cibercrime, e outros atos legislativos.

Para introduzir o debate, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Justiça, Mário Belo Morgado.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Justiça (Mário Belo Morgado): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Decreto da Assembleia da República n.º 167/XIV teve por base a Proposta de Lei n.º 98/XIV/2.ª,

apresentada pelo Governo, com o objetivo de transpor a Diretiva (UE) 2019/713 do Parlamento Europeu e do

Conselho relativa ao combate à fraude e à contrafação de meios de pagamento diversos de numerário.

Como consta da exposição de motivos da proposta de lei, a necessidade de transpor esta diretiva levou o

Governo a propor também alterações à Lei do Cibercrime.

Visou-se concentrar nesta lei a tutela penal referente à contrafação e falsificação dos referidos meios de

pagamento de que são exemplo os cartões de crédito e de débito.

Ao mesmo tempo, aproveitando a necessidade de alterar a Lei do Cibercrime, o Governo propôs a

reformulação de um aspeto importante desta lei, ainda que autónomo face à diretiva. Refiro-me, naturalmente,

à apreensão de correio eletrónico e de mensagens de natureza semelhante cujo regime consta essencialmente

do artigo 17.º da Lei do Cibercrime.

Na verdade, tal regime vem dando azo a decisões judiciais divergentes e contraditórias, em prejuízo da

eficiência do processo e da segurança jurídica.

Numa matéria de enorme relevância prática que deveria estar regulada de forma clara, não seria aceitável

que os órgãos competentes se demitissem de intervir para encontrar uma solução para este problema. Neste

contexto, o Governo pugnou fundamentalmente pela expressa atribuição de competência ao Ministério Público

para ordenar a apreensão de mensagens eletrónicas e selecionar as que se afigurassem ser de grande interesse

para a descoberta da verdade, apresentando-as, depois, ao juiz de instrução que ponderaria a sua junção ou

não ao processo.

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No fundo, o Governo considerou que às mensagens eletrónicas deveria ser aplicado um regime de pesquisa

e apreensão semelhante ao que é hoje aplicável aos dados e aos documentos informáticos reveladores de

dados pessoais e íntimos que possam pôr em causa a privacidade do respetivo titular ou de terceiros.

Com equilíbrio e harmonizando os interesses em presença, o Governo visou melhorar a eficácia e a eficiência

do processo penal, adaptando-o às exigências do século XXI e dando resposta às dificuldades de investigação

associadas às novas formas de comunicação. Ao mesmo tempo, fê-lo sem pôr em causa as garantias

fundamentais dos cidadãos. Com efeito, estava sempre assegurada, em qualquer caso, a intervenção judicial,

ainda que a posteriori, com o objetivo de prevenir atuações infundadas ou desproporcionadas de procuradores

e de polícias.

Paralelamente, importa sublinhar que a solução proposta também era exigida por um desígnio fundamental

do Governo e do País: travar um combate efetivo e determinado contra a corrupção. Todos sabemos que os

níveis de sofisticação e de eficiência da criminalidade económico-financeira e, em geral, da criminalidade

organizada são amplamente potenciados pelos meios de comunicação eletrónica, tal como é de elementar

evidência que a apreensão em tempo útil de correio eletrónico e registo de comunicações semelhantes

constituem elementos determinantes do sucesso das investigações e dos processos judiciais associados a este

tipo de criminalidade.

A proposta do Governo quanto ao artigo 17.º foi aprovada nesta Assembleia, que é a sede primeira da nossa

democracia, sem quaisquer votos contra e amparada por pareceres favoráveis dos conselhos superiores das

magistraturas.

O Tribunal Constitucional pronunciou-se, todavia, no sentido da inconstitucionalidade de tal proposta,

declaração que implicou, nos termos previstos na Constituição, o veto do diploma pelo Sr. Presidente da

República, que o devolveu à Assembleia da República para reponderação.

Em homenagem ao princípio da separação de poderes, peça basilar do Estado de direito, plenamente se

acata a decisão do Tribunal Constitucional, que é legítima e soberana.

Tendo em conta o imperativo de rápida transposição da Diretiva (UE) 2019/713, cujo prazo, aliás, já se

encontra esgotado, o Governo entende não ser oportuno apresentar neste momento uma proposta alternativa

de alteração ao artigo 17.º da Lei do Cibercrime. Esta posição não obsta, naturalmente, a que no futuro venha

a ser, novamente, introduzida esta questão, dentro dos limites fixados pela jurisprudência constitucional.

Contudo, nesta altura, o essencial é dar cumprimento às obrigações do Estado português perante a União

Europeia, premência que é reforçada por toda uma dinâmica criminal associada a meios e sistemas de

pagamento, à boleia da crise pandémica que ainda vivemos.

Em suma, considerando que todo o demais conteúdo do diploma não foi questionado ou, de alguma forma,

colocado em crise, entende o Governo que o mesmo deve ser mantido, eliminando-se apenas a proposta de

alteração ao artigo 17.º da Lei do Cibercrime.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Constança Urbano de Sousa, do Grupo Parlamentar do PS.

A Sr.ª Constança Urbano de Sousa (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Hoje, estamos a fazer a reapreciação do Decreto da Assembleia da República n.º 167/XIV, que

transpõe para a nossa ordem jurídica a Diretiva (UE) 2019/713, sobre combate à fraude e à contrafação de

meios de pagamento que não sejam em numerário.

Como é do conhecimento público, este decreto foi vetado pelo Sr. Presidente da República, na sequência de

um acórdão do Tribunal Constitucional que, em sede de fiscalização preventiva, declarou a inconstitucionalidade

da redação que tinha sido proposta para o artigo 17.º da Lei do Cibercrime.

Como é próprio de um Estado de direito e, independentemente da apreciação jurídica ou constitucional que

cada um possa fazer da dita redação do artigo 17.º, a decisão do Tribunal Constitucional tem de merecer o

nosso respeito. E, por isso e tendo em consideração que a declaração de inconstitucionalidade apenas recai

sobre a redação dada ao artigo 17.º da Lei do Cibercrime, sendo, portanto, inócua relativamente ao restante

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articulado do diploma, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista propõe que este artigo seja, pura e

simplesmente, eliminado do decreto, de forma a respeitar plenamente a decisão do Tribunal Constitucional.

Como também é do conhecimento dos Srs. Deputados e das Sr.as Deputadas, propomos uma alteração ao

artigo 30.º da Lei do Cibercrime, na redação que lhe foi dada pelo artigo 5.º, apenas para corrigir um lapso que

foi, entretanto, identificado. Com efeito, a redação atual do artigo 30.º da Lei do Cibercrime remete para o

Capítulo VI da lei de 1998, sobre a proteção de dados, que foi revogada em 2019. Ora, o conteúdo deste Capítulo

VI da lei de 1998 foi transposto para uma série de artigos, não só do Capítulo VII da lei de 2019, mas também

do seu Capítulo VIII, que diz respeito às sanções. Assim, para evitar que exista uma lacuna nesta remissão,

propomos também esta singela alteração.

No restante, o diploma mantém-se inalterado, de forma a permitir uma rápida transposição da diretiva de

2019.

É tudo o que se me oferece aqui dizer, sendo que as propostas do Grupo Parlamentar do Partido Socialista,

de alteração ao decreto, já foram submetidas à Mesa e são conhecidas dos Srs. Deputados e das Sr.as

Deputadas.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Morais Soares, do Grupo Parlamentar do CDS-PP.

O Sr. Pedro Morais Soares (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: Sobe, hoje, a Plenário, para reapreciação, o Decreto da Assembleia da República n.º 167/XIV, que transpõe

uma diretiva europeia relativa ao combate à fraude e à contrafação de meios de pagamento e altera o Código

Penal, o Código de Processo Penal e a Lei do Cibercrime.

Recordo que o decreto foi devolvido por S. Ex.ª o Presidente da República, por ter sido julgada

inconstitucional a norma que altera o artigo 17.º da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro (Lei do Cibercrime), por

violação das normas constantes dos artigos 26.º, n.º 1, 34.º, n.º 1, 35.º, n.os 1 e 4, 32.º, n.º 4, e 18.º, n.º 2, da

Constituição da República Portuguesa.

Com a redação constante da Proposta de Lei n.º 98/XIV/2.ª, o Governo visou enquadrar de forma mais

adequada a apreensão de mensagens de correio eletrónico ou de natureza similar, no contexto do regime geral

das apreensões de dados informáticos, aproveitando para resolver algumas divergências jurisprudenciais que a

atual redação tem suscitado.

Esta iniciativa, Sr.ª Presidente, bem como as outras iniciativas do Governo e de outros partidos, foram

discutidas em Plenário, no passado dia 25 de junho, juntamente com as cinco iniciativas que o CDS-PP, então,

apresentou. A nenhuma nos opusemos com o nosso voto e de nenhuma conseguimos dizer que não era

adequada à finalidade última de combate à corrupção. São, de facto, necessárias soluções novas, melhores e

sempre atualizadas para combater a corrupção, e o CDS-PP cá estará sempre para dar o seu contributo.

Quanto à proposta de alteração entregue pelo Partido Socialista, no âmbito da presente reapreciação, ao

deixar cair a alteração proposta para o artigo 17.º da Lei do Cibercrime, automaticamente, remove o obstáculo

à aprovação das alterações remanescentes, constantes do decreto em apreciação, o que nos parece ser de

assinalar positivamente.

Agora, o que importa é continuar o trabalho em sede de especialidade, apreciar, debater e votar as restantes

iniciativas que se encontram ali pendentes. Este é o contributo que o CDS-PP pode dar, que quer dar e que aqui

reafirma.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do Grupo Parlamentar do PAN.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo aqui presentes, nesta reapreciação das alterações à Lei do Cibercrime, há um princípio que não podemos deixar de

ter presente: efetivamente, no quotidiano, ouvimos dizer que nada é feito para combater, de forma mais eficaz

e célere, fenómenos como o da corrupção e novos tipos de criminalidade, onde se inclui o cibercrime, mas o

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diploma que foi aqui aprovado, à data, sem qualquer voto contra, é, sem dúvida, um passo nesse sentido que

esta Assembleia da República assumiu e pretendeu dar.

Esta reapreciação centra-se, assim, no novo artigo 17.º da Lei do Cibercrime, que veio a ser declarado

inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, precisamente por considerar que continha uma restrição aos

direitos, liberdades e garantias, nomeadamente à inviolabilidade da correspondência, e uma violação dos

direitos constitucionais de defesa em processo penal.

Não obstante o respeito que nos merece quer a Constituição, quer o Tribunal Constitucional, cuja

interpretação respeitamos e acatamos, evidentemente, não nos parece que esta decisão do Tribunal

Constitucional tenha sido proporcional àquilo que se visava alcançar, sobretudo porque não deu qualquer

margem para resgatar o artigo 17.º, que, agora, inclusivamente, foi deixado cair pela proposta de alteração do

Partido Socialista, eliminando-se, assim, todas as questões de constitucionalidade em torno desta proposta de

alteração.

Apesar do ruído que, depois, foi feito, pese embora todos tenhamos votado a favor desta iniciativa, e deixando

de parte a turba mediática, porque não deve ser isso que nos move, e menos ainda a necessidade de justificar

o voto que, então, foi dado, importa clarificar e refletir ainda sobre algumas questões.

Em primeiro lugar, na altura, foi ouvido um conjunto de entidades bastante abrangente e, de facto, só uma

se pronunciou contra esta solução, o que, de alguma maneira, nos evidenciou que não era assim tão óbvia a

suposta inconstitucionalidade que veio a ser decretada.

Em segundo lugar, e contrariamente à leitura que tem sido feita, a norma em causa não dispensava a consulta

prévia do juiz, e também é importante que se tenha isto presente, tal como não estava em causa uma apreensão

de correspondência semelhante às que são feitas no Código de Processo Penal. E, não estando em causa uma

apreensão, o que estava aqui em causa era, sim, uma apreensão no decurso de uma pesquisa informática ou

de um outro acesso legítimo, isto é, se havia, de facto, um acesso informático válido e previamente autorizado

pelo juiz, no âmbito do qual o Ministério Público vinha a descobrir outros factos ou elementos que indiciavam

uma criminalidade.

Portanto, partindo de um pressuposto de celeridade processual, por um lado, e de eficácia e economia dos

atos processuais, por outro, e considerando que, após estes elementos, ainda haveria um outro parecer e

avaliação pelo juiz, no entender das forças políticas, à altura, os direitos fundamentais estavam garantidos por

uma válvula de segurança posterior, assente num modelo em que a recolha não era feita por uma entidade ou

por uma pessoa qualquer, mas, sim, pelo Ministério Público, que também é, ele próprio — não nos podemos

esquecer —, um garante da legalidade e cuja atuação acreditamos ser dentro da democraticidade e da

competência para a investigação penal criminal, e assente, também, na própria intervenção a posteriori do juiz.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Estou mesmo a concluir, Sr.ª Presidente. Esta disposição visava, de facto, assegurar a eficácia da ação penal, o que, hoje em dia, é também um

desafio para a Assembleia da República, a que não se pode furtar, mas, infelizmente, o artigo 17.º ficou pelo

caminho e, de facto, terá de ser alcançada outra solução que vise agilizar o combate a estes fenómenos de

corrupção e de cibercriminalidade, que, infelizmente, continuam a marcar o nosso País.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mónica Quintela, do Grupo Parlamentar do PSD.

A Sr.ª Mónica Quintela (PSD): — Sr.ª Presidente, a quem cumprimento, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O Sr. Presidente da República vetou, e bem, as alterações feitas ao artigo 17.º da Lei n.º

109/2009, a denominada Lei do Cibercrime.

As alterações introduzidas naquele diploma legal ampliam as competências e atribuições dos órgãos de

polícia criminal e do Ministério Público, atribuindo-lhes uma liberdade de atuação que, objetivamente, colide com

direitos, liberdades e garantias constitucionalmente protegidos.

Na legislação em vigor, é o juiz de instrução criminal, e bem, que tem a competência exclusiva para ordenar

ou autorizar a apreensão de correio eletrónico ou de natureza semelhante, exclusividade que advém,

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precisamente, da necessidade de acautelar as formalidades e procedimentos que incidem sobre as restrições

aos direitos fundamentais, nos casos expressamente previstos na lei, como é o caso da investigação criminal.

Por se tratar de direitos, liberdades e garantias, essas compressões têm de obedecer às exigências

constitucionais da necessidade e da proporcionalidade e à prevalência do interesse preponderante.

Na nova redação que o artigo 17.º da Lei do Cibercrime passaria a ter, essa competência, hoje exclusiva do

juiz, passaria a ser dividida com o Ministério Público e com os órgãos de polícia criminal, sem prévia autorização

judicial.

Ora, numa sociedade em que os sistemas informáticos têm, cada vez mais, um papel preponderante na vida

dos cidadãos, constituindo autênticos bancos de informação de natureza pessoal e profissional, é evidente que

a visualização do seu conteúdo constitui uma invasão da vida privada, a impor as maiores cautelas no seu

acesso.

A análise indiscriminada de mensagens de correio eletrónico permite identificar com nitidez o perfil do seu

utilizador, e até de terceiros intervenientes, constituindo uma intolerável intromissão e devassa da vida privada.

Atendendo ao conflito de interesses entre a investigação criminal, por um lado, e a proteção dos direitos

fundamentais, por outro, designadamente a proteção constitucional reforçada atribuída à correspondência,

telecomunicações ou outros meios de comunicação privada, que decorre do artigo 34.º, n.os 1 e 4, da

Constituição, o PSD não votou favoravelmente esta norma, tendo requerido a sua votação em separado, em

sede de trabalhos na especialidade, suscitando sérias dúvidas sobre a sua conformidade constitucional.

E o PSD só não chegou a requerer a fiscalização sucessiva da constitucionalidade, como era a sua intenção,

devido à prudente e previdente antecipação do pedido de fiscalização preventiva por parte do nosso Presidente

da República, que muito bem andou. E em acórdão subscrito por unanimidade, não obstante a declaração de

voto ali incluída, o Tribunal Constitucional pronunciou-se pela inconstitucionalidade das normas que alteram o

artigo 17.º da Lei do Cibercrime, por violação dos direitos fundamentais à inviolabilidade da correspondência e

das comunicações e à proteção dos dados pessoais, no âmbito da utilização da informática, enquanto corolários

do direito à reserva da vida privada e familiar, tudo em conjugação com o princípio da proporcionalidade e com

as garantias de defesa em processo criminal.

Perfilhando este entendimento, o PSD já apresentou uma proposta de alteração ao diploma, a expurgar na

íntegra esta norma julgada inconstitucional. Parece que temos aqui o consenso necessário para, agora, em sede

da Casa da democracia, expurgar e eliminar uma excrescência que não é necessária.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Pureza, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Está basicamente tudo dito. O Tribunal Constitucional julgou contrária ao texto constitucional uma norma que admite

a apreensão de correio eletrónico no decurso de uma pesquisa policial devidamente legitimada por um juiz.

A interpretação do Tribunal Constitucional está longe de ser uma interpretação linear e consensual. A prova

está, como já foi aqui referido, em que os pareceres do Conselho Superior da Magistratura e do Conselho

Superior do Ministério Público, que, enfim, naturalmente, teriam levantado a questão, era de esperar que isso

acontecesse, não o fizeram e, portanto, isso mostra que, realmente, esta questão da inconstitucionalidade é

uma questão, no mínimo, controversa.

É que, na verdade, aquilo que está em causa não é uma apreensão de correspondência idêntica àquela que

é proibida taxativamente — e bem! —, quer do ponto de vista constitucional, quer pelo Código de Processo

Penal. Trata-se de uma apreensão de natureza diferente. É uma apreensão, volto a dizer, que se verifica no

decurso de uma operação devidamente legitimada pelos órgãos próprios para esse efeito. E mais ainda: de

acordo com aquilo que estava previsto no diploma agora em reapreciação, haveria um juiz que determinaria se

os elementos adicionais apreendidos fariam parte do processo, seriam anexos ao processo ou não.

Portanto, não é, volto a dizer, linear que estejamos diante de uma norma inconstitucional. Mas há uma coisa

que é certa: o Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade desta norma e, portanto, do nosso ponto

de vista, não resta outra alternativa se não respeitarmos essa decisão do Tribunal Constitucional e a questão

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está, na prática, resolvida com as propostas que o PS e o PSD apresentam para que seja afastada a norma

controversa que estava presente na versão inicial do diploma. Não tinha de ser assim, mas assim será.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira, do Grupo Parlamentar do PCP.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A questão que está hoje em discussão, relativamente à sequência a dar, do ponto de vista da solução legislativa, à

declaração de inconstitucionalidade e ao veto por esse motivo, julgo ser simples e óbvia e não merece qualquer

espaço de discordância. Portanto, naturalmente, a eliminação do artigo tem de ser a consequência a retirar

dessa declaração de inconstitucionalidade, mas penso que ainda assim vale a pena ponderar sobre o que fazer

para o futuro, porque julgo que, fundamentalmente, será essa a utilidade deste debate, face a esta declaração

de inconstitucionalidade.

Na nossa perspetiva, a abordagem desta questão não pode ser colocada nos termos em que o PAN aqui o

fez, pela Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real. A responsabilidade do Tribunal Constitucional não é propriamente

dar ou deixar de nos dar margem para salvar um artigo inconstitucional. A obrigação do Tribunal Constitucional

é ponderar se aquela norma é ou não admissível do ponto de vista do enquadramento constitucional.

Portanto, julgo que a sua declaração de inconstitucionalidade não tem de introduzir elementos de ponderação

relativamente à possibilidade de haver alteração ou não. E também, já agora, corrijo-a, Sr.ª Deputada: não houve

voto a favor do PCP, está enganada. Se estava a contar com isso, tem de ir consultar as atas, porque quer na

especialidade, quer na votação final global, o PCP absteve-se, não votou a favor, ao contrário do PAN. Mas isto

não acrescenta muito ao debate. Não sei se é um despique que a Sr.ª Deputada quer fazer com o PCP,…

Protestos da Deputada do PAN Inês de Sousa Real.

… mas, desse ponto de vista, também não leva vencimento.

Sr.as e Srs. Deputados, o Sr. Secretário de Estado Mário Morgado fez uma referência relativamente a uma

questão que julgo ser muito relevante e que tem que ver com a identificação de decisões jurisprudenciais

conflituantes que, ao longo do tempo, têm surgido e que, naturalmente, motivam uma preocupação de

clarificação quanto ao regime aplicável nesta matéria que estamos a discutir.

Julgo que, desse ponto de vista e até considerando o conteúdo concreto do acórdão do Tribunal

Constitucional, devíamos procurar partir daquelas considerações que o Tribunal Constitucional fez para

identificarmos aquilo que podem ser linhas de solução. E até mesmo relativamente a estas questões das

decisões jurisprudenciais conflituantes, o próprio Tribunal Constitucional alerta para a circunstância de um

número significativo de vezes essas decisões se pronunciarem sobre contornos distintos do mesmo problema e

sobre a forma como o mesmo problema é colocado.

Portanto, talvez a existência de decisões jurisprudenciais conflituantes não seja exatamente o ponto de que

devamos partir para resolver este problema.

Objetivamente, também o acórdão do Tribunal Constitucional faz, de alguma forma, um balizamento daquilo

que são elementos que devemos ter em consideração na resposta a dar aos problemas colocados, no que

respeita às questões relacionadas com eventuais conflitos entre a Lei do Cibercrime e o regime do Código de

Processo Penal. Também desse ponto de vista não há dificuldade em aceitar que pode haver um regime

autónomo, que, naturalmente, pode ser, de facto, um regime autónomo, mas o que não pode é ser construído

em violação das normas constitucionais.

As questões relacionadas com a exigência do espaço jurisdicional prévio, a necessidade de o juiz ter de

tomar forçosamente conhecimento, em primeiro lugar, do teor das mensagens, todas estas questões são objeto

de reflexão e de ponderação pelo próprio Tribunal Constitucional no conjunto de elementos que foram

ponderados para a decisão que veio a ser tomada. A nós parece-nos que, de alguma forma, não se pode aligeirar

aquilo que é o conteúdo que leva a esta decisão no Tribunal Constitucional, porque talvez este seja um elemento

superficial, mas, ainda assim, dá-nos um elemento de ponderação.

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O Tribunal Constitucional não declarou a inconstitucionalidade por violação de uma norma secundária ou de

uma norma parcial da Constituição. Há um conjunto de normas cuja violação o Tribunal Constitucional identifica

que deve suscitar a nossa preocupação. São normas que têm que ver com a utilização de informática, com a

inviabilidade da correspondência — naturalmente o artigo 18.º da Constituição, que tinha de ser por ponderação

dos direitos, dos interesses constitucionalmente relevantes que estão em apreço.

Portanto, para concluir, diríamos que o acórdão do Tribunal Constitucional, na nossa perspetiva, não deve

ser apenas considerado como um elemento deste processo legislativo, que obriga à eliminação deste artigo

17.º, mas devemos procurar no próprio acórdão os caminhos que, a partir dele, se podem retirar para a solução

deste problema, até para que, de uma vez por todas e independentemente das questões dos motivos distintos

que possam estar em apreciação, dos simples contornos das situações que, de facto, motivam decisões

jurisprudenciais conflituantes, independentemente disso, se possa encontrar uma solução adequada para que

haja condições de combate ao crime com esta configuração, que, naturalmente,…

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Concluo, Sr.ª Presidente. … utilizando o recurso às tecnologias acarreta, de facto, exigências acrescidas para as autoridades

judiciárias, mas que, naturalmente, não pode deixar de respeitar aquilo que é o enquadramento e os limites

definidos pela própria Constituição.

Aplausos do PCP e do PEV.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Chegámos ao fim da nossa ordem do dia. A próxima reunião plenária realizar-se-á amanhã, pelas 15 horas, com a ordem de trabalhos que passo a

anunciar.

Assim, no primeiro ponto teremos o debate, na generalidade, dos Projetos de Lei n.os 666/XIV/2.ª (PS) —

Procede à primeira alteração à Lei n.º 58/2019, de 8 de agosto, que assegura a execução do Regulamento Geral

de Proteção de Dados, assegurando o acesso de estudantes de medicina a sistemas de informação e a

plataformas nos quais são registados dados de saúde dos utentes dos serviços de saúde e 966/XIV/3.ª (BE) —

Permite o acesso a um conjunto de dados pessoais por parte de estudantes de medicina e investigadores

científicos, para fins académicos, de arquivo de interesse público, fins de investigação científica ou histórica ou

fins estatísticos (primeira alteração à Lei n.º 58/2019, de 2021).

No ponto dois teremos a apreciação do Projeto de Resolução n.º 1315/XIV/2.ª (PSD) — Reforço da rede

social para a primeira infância, e dos Projetos de Lei n.os 371/XIV/1.ª (PCP) — Propõe medidas para o

alargamento da gratuitidade das creches e soluções equiparadas, 963/XIV/3.ª (CDS-PP) — Programa de

incentivo à criação e flexibilização dos horários das creches, 965/XIV/3.ª (BE) — Cria o programa rede de

creches públicas, na generalidade, e do Projeto de Resolução n.º 186/XIV/1.ª (CH) — Alargamento da rede de

creches públicas e apoio às famílias quando não existam respostas no setor público.

No ponto três serão debatidos, na generalidade, os Projetos de Lei n.os 871/XIV/2.ª (BE) — Institui de forma

inequívoca o princípio da avaliação mais favorável nas avaliações feitas por junta médica (terceira alteração ao

Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de outubro) e 916/XIV/2.ª (PCP) — Atestado Médico de Incapacidade Multiusos

— clarifica os processos de revisão ou reavaliação do grau incapacidade através de uma norma interpretativa

ao artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de outubro.

No ponto quatro apreciaremos, na generalidade, os Projetos de Lei n.os 9/XIV/1.ª (PCP) — Estabelece o

regime de financiamento permanente do Programa de Apoio à Redução Tarifária nos transportes públicos e

964/XIV/3.ª (PAN) — Estabelece o reforço e avaliação da implementação e execução do Programa de Apoio à

Redução do Tarifário dos Transportes Públicos (PART) e do Programa de Apoio à Densificação e Reforço da

Oferta de Transporte Público (PROTRANSP).

No quinto e último ponto teremos o debate do Projeto de Deliberação n.º 2/XIV/1.ª (CDS-PP) — Sessão

Evocativa do Dia 25 de Novembro, dos Projetos de Resolução n.os 70/XIV/1.ª (CDS-PP) — Recomenda ao

Governo que proponha ao Sr. Presidente da República a atribuição da Ordem da Liberdade às personalidades

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que contribuíram decisivamente para o triunfo da democracia e da liberdade a 25 de Novembro de 1975 e

45/XIV/1.ª (CH) — Pela instauração da celebração solene do 25 de Novembro.

Resta-me desejar a todos um bom final de tarde e uma boa noite.

Até amanhã. Muito obrigada a todos.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 18 minutos.

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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21 DE OUTUBRO DE 2021 11 O Sr. Presidente. — Sr. Deputado, tem mesmo de concluir.

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