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Quinta-feira, 28 de abril de 2022 I Série — Número 11

XV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2022-2023)

REUNIÃOPLENÁRIADE27DEABRILDE 2022

Presidente: Ex.mo Sr. Augusto Ernesto Santos Silva

Secretários: Ex.mos Srs. Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Palmira Maciel Fernandes da Costa Lina Maria Cardoso Lopes

S U M Á R I O

O Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 1

minuto. Deu-se conta da entrada na Mesa das Propostas de Lei

n.os 5 e 6/XV/1.ª e dos Projetos de Lei n.os 41, 43 e 54 a 58/XV/1.ª

Em declaração política, a Deputada Fátima Ramos (PSD) lamentou o atual ponto de situação do processo de descentralização de competências para as autarquias locais,

alegando consequências negativas nas áreas da educação, da saúde e da ação social, tendo, de seguida, respondido a pedidos de esclarecimento dos Deputados Susana Amador (PS), Rui Paulo Sousa (CH), Rodrigo Saraiva (IL) e Paula Santos (PCP).

Em declaração política, a Deputada Rita Matias (CH) falou sobre o abalo causado pelo «inverno demográfico» na família, no País e na Europa, salientando a quebra da

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natalidade como o flagelo das contas nacionais, e sublinhou as assimetrias existentes entre litoral e interior.

Em declaração política, o Deputado Rodrigo Saraiva (IL) lançou um repto ao Parlamento para que se empenhe na concretização de reformas nas áreas da saúde, da educação, da justiça, da segurança social e, em particular, do sistema eleitoral, propondo a criação de círculos uninominais acrescidos de um círculo de compensação. Posteriormente, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Deputados Pedro Delgado Alves (PS), André Coelho Lima (PSD), Rui Tavares (L), José Moura Soeiro (BE) e Alma Rivera (PCP).

Em declaração política, a Deputada Diana Ferreira (PCP), a propósito de mais um aniversário do 1.º de Maio, aludiu à situação de pobreza dos trabalhadores e às dificuldades inerentes ao aumento generalizado dos custos de vida, anunciando a apresentação de iniciativas legislativas para fazer face à necessidade de valorizar os salários e combater a precariedade. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Deputados Carlos Guimarães Pinto (IL), José Moura Soeiro (BE), Rita Borges Madeira (PS) e Emília Cerqueira (PSD).

Em declaração política, a Deputada Joana Mortágua (BE) teceu considerações relativamente à natureza do crime de violência sexual e à necessidade de o mesmo ser convertido em crime público, tendo respondido a pedidos de esclarecimento dos Deputados Inês de Sousa Real (PAN), Cláudia Santos (PS), Bernardo Blanco (IL) e Alma Rivera (PCP).

Em declaração política, o Deputado Jorge Seguro Sanches (PS) referiu-se ao potencial estratégico de Sines como impulsionador de desenvolvimento industrial e logístico e um motor de crescimento da economia nacional, tendo respondido, em seguida, aos Deputados Bruno Nunes (CH), Jorge Salgueiro Mendes (PSD), Rui Tavares (L), Inês de Sousa Real (PAN) e Bruno Dias (PCP), que lhe dirigiram pedidos de esclarecimento.

Procedeu-se à apreciação da Petição n.º 26/XIV/1.ª (Liliana Sofia Bouça da Silva e outros) — Descida do IVA para 6% em atos veterinários, conjuntamente com, na generalidade, os Projetos de Lei n.os 54/XV/1.ª (BE) — Reduz a taxa de IVA dos atos veterinários para 6%,

56/XV/1.ª (CH) — Reduz a taxa de IVA aplicável aos serviços médico-veterinários e 57/XV/1.ª (PAN) — Aplica a taxa reduzida do IVA aos atos médico-veterinários. Intervieram no debate os Deputados Pedro Filipe Soares (BE), Pedro dos Santos Frazão (CH), Inês de Sousa Real (PAN), Carlos Brás (PS), Jorge Paulo Oliveira (PSD), Rui Tavares (L) e Bruno Dias (PCP).

Foi apreciada a Petição n.º 185/XIV/2.ª (António José Gonçalves Fonseca e outros) — Pela criação de um apoio financeiro do Estado para as empresas e empresários de bares, estabelecimentos de bebidas sem espetáculo e estabelecimentos de bebidas com ou sem espaço de dança, juntamente com, na generalidade, o Projeto de Lei n.º 58/XV/1.ª (IL) — Redução do IVA das prestações de serviços de alimentação e bebida para a taxa reduzida de 6% (alteração ao Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de dezembro), tendo usado da palavra os Deputados Rui Rocha (IL), Filipe Melo (CH), Márcia Passos (PSD), Hugo Carvalho (PS), Paula Santos (PCP), Mariana Mortágua (BE) e Rui Tavares (L).

Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, da Proposta de Lei n.º 5/XV/1.ª (GOV) — Procede à segunda alteração à Lei n.º 73/2021, de 12 de novembro, e dos Projetos de Lei n.os 34/XV/1.ª (CH) — Revoga a reestruturação do sistema português de controlo de fronteiras decorrente da Lei n.º 73/2021, de 12 de novembro, repondo a estrutura orgânica e as missões do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e 37/XV/1.ª (PCP) — Revoga a extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. Intervieram, a diverso título, além do Ministro da Administração Interna (José Luís Carneiro), os Deputados João Cotrim Figueiredo (IL), Pedro Filipe Soares (BE), Rui Tavares (L), Rui Paulo Sousa e Pedro Pinto (CH), Alma Rivera (PCP), André Coelho Lima (PSD), Susana Amador (PS) e Inês de Sousa Real (PAN).

Foi anunciada a entrada na Mesa do Projeto de Deliberação n.º 2/XV/1.ª

Deu-se conta de dois Deputados que estiveram presentes, por videoconferência, na reunião plenária.

O Presidente (Adão Silva) encerrou a sessão eram 19 horas e 14 minutos.

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O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, muito boa tarde. Já temos quórum de funcionamento, pelo

que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 1 minuto.

Peço aos Srs. Agentes da autoridade que abram as galerias ao público.

Peço também à Sr.ª Secretária da Mesa Maria da Luz Rosinha que proceda à leitura do expediente.

A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, passo a anunciar que

deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas: Propostas de Lei n.os 5/XV/1.ª (GOV) e

6/XV/1.ª (GOV), baixando esta última à 6.ª Comissão, em conexão com a 1.ª Comissão; e Projetos de Lei n.os

41/XV/1.ª (PSD), que baixa à 6.ª Comissão, em conexão com a 11.ª Comissão, 43/XV/1.ª (PCP), que baixa à

9.ª Comissão, 54/XV/1.ª (BE), 55/XV/1.ª (IL), que baixa à 6.ª Comissão, 56/XV/1.ª (CH), 57/XV/1.ª (PAN) e

58/XV/1.ª (IL).

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, vamos dar início à ordem de trabalhos desta sessão plenária,

cujo primeiro ponto consiste em declarações políticas.

Assim sendo, para uma declaração política em nome do Grupo Parlamentar do PSD, tem a palavra a Sr.ª

Deputada Fátima Ramos.

A Sr.ª Fátima Ramos (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PSD traz a debate o tema da

descentralização de competências para as autarquias locais, que está na ordem do dia por más razões.

Uma das maiores vitórias da Revolução de Abril foi o poder local democrático. Através das autarquias,

motivámos a participação de milhares de homens e mulheres que, ao longo dos anos, foram árduos lutadores

pela melhoria da qualidade de vida dos seus concidadãos. De pouco, fizeram muito: infraestruturaram,

requalificaram e humanizaram o território.

A gestão de proximidade foi crucial no maximizar de recursos e a eficiência de 1 € na gestão autárquica

equivaleu, quase sempre, a centenas de euros na gestão centralizada do Estado. O PSD reconhece a todos

os autarcas portugueses o seu enorme valor.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Neste aniversário de Abril, saudamos as conquistas, mas

reconhecemos um enorme falhanço. Acentuaram-se as assimetrias territoriais que levam a que, em Lisboa,

um jovem tenha muito mais oportunidades do que outro nascido em outra zona do País. Vimos o centralismo

crescer, prejudicando Portugal, particularmente nos últimos 25 anos.

O centralismo é, sobretudo, uma marca socialista. Sofremos com o desprezo do Partido Socialista pelo

interior do País, sentimos a leviandade com que o PS prometeu e lançou obras que suspendeu e nunca

executou, assistimos ao reduzir da importância das direções regionais, da saúde à educação, e ao fecho dos

atendimentos permanentes nos centros de saúde. Conheço a tristeza das persianas fechadas em cada vez

mais ruas e lugares de Portugal, fora das grandes cidades.

O que nos move é a defesa do interesse das pessoas perante os atrasos no processo de transferência

para os municípios e, na busca de consensos, oferecemo-nos para colaborar.

A declaração conjunta sobre a descentralização foi assinada em 18 de abril de 2018. Apresentámos

condições e reafirmámos a pouca ambição do processo defendido pelo PS, um processo de descentralização

de competências que, feito com lisura e transparência, teria tudo para ser um sucesso, mas, infelizmente, está

a falhar. O Governo não cumpriu condições, nem prazos, perdeu uma oportunidade histórica, desrespeitou os

autarcas e enganou os portugueses.

Descentralizar era inteligente, mas fica claro que a intenção do Governo não foi uma verdadeira

descentralização. Ao invés de transferir competências e de reforçar a liberdade de gerir territórios, o Governo é

acusado de passar tarefas com verbas insuficientes.

Aquilo que o Primeiro-Ministro apelidava de «pedra angular da reforma do Estado» está a transformar-se

num logro.

No dia 1 de abril, entrou em vigor o novo pacote de transferência de competências na educação, saúde e

ação social, nesta, prorrogada para 2023.

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Foram raros os municípios que aceitaram as transferências do Estado sem a tal serem obrigados. Esta

descentralização, tornada agora automática e obrigatória, colocou, no passado dia 1 de abril, os municípios

portugueses num turbilhão. Se na educação já era mau, na saúde e na ação social está um pântano, com

informação tardia e parca e com confusão nas regras.

Apesar da vontade dos autarcas em melhorar as condições de vida das pessoas e o desenvolvimento da

economia local, relembra-nos o ditado popular que não é possível «fazer omeletes sem ovos», mas os

diplomas esquecem os ovos. Permanecem as desigualdades, os bloqueios e as injustiças. Faltam recursos

para servir as pessoas com qualidade, falta diálogo, informação e poder de gestão.

Perguntamos: por que razão o Governo não prorrogou a Comissão de Acompanhamento da

Descentralização, que se extinguiu no dia 31 de março, repensando as suas funções? Porque desvalorizou os

alertas feitos enquanto ela reuniu? Porque foge ao diálogo?

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Uma má descentralização contribuirá para o reforço do centralismo

e das desigualdades. Descentralizar sem a adequada afetação de recursos financeiros, com um Orçamento

que não responda ao impacto da inflação, é um logro.

Com esta imposição de apertar o cinto aos municípios, o Governo divide para reinar. Alguns autarcas

cedem ao canto de sereia do seguidismo socialista e outros gritam a sua indignação.

Uma má descentralização terá como consequência piores serviços, reforçará o argumentário dos

centralistas e arriscará inquinar futuros processos de desconcentração de serviços, bem como o debate sobre

a regionalização.

Os municípios cedo perceberam que, unidos, poderiam fazer mais pelos seus territórios. A fraude socialista

no processo de descentralização e a sua mão invisível na presidência da Associação Nacional de Municípios

Portugueses estão a colocar autarcas contra autarcas, enfraquecendo a organização.

Aplausos do PSD.

Já há quem ameace sair. Falam em criar um G20 ou G30 de municípios e receamos a perda de força da

Associação Nacional de Municípios.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É urgente salvar o processo de descentralização, transformando-o

numa ação democrática, justa e fundamental para o desenvolvimento nacional.

Às autarquias deve ser dado um verdadeiro reforço do seu poder de gestão: o processo de cálculo das

verbas a transferir tem de ser justo, claro e percetível por todos. Os municípios e as comunidades têm de ficar

com condições para prestar, com eficiência, um melhor serviço às populações.

A descentralização, peça fundamental para o desenvolvimento nacional, tem de constituir, como se

esperava, uma verdadeira reforma do Estado.

Manifesto o supremo interesse do PSD no fortalecimento do poder local e, também, das suas associações

representativas. Tudo vamos fazer para reforçar as competências e atribuições a nível municipal, para ter uma

Administração Pública mais eficaz e uma verdadeira descentralização.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — A Mesa regista três inscrições para pedidos de esclarecimento.

Sr.ª Deputada, pergunto-lhe se responderá em conjunto.

A Sr.ª Fátima Ramos (PSD): — Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem, então, a palavra…

Pausa.

Srs. Deputados, há mais uma inscrição.

Lembro às Sr.as Deputadas e aos Srs. Deputados que devem inscrever-se durante a intervenção do orador

ou da oradora.

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Assim sendo, pergunto à Sr.ª Deputada Fátima Ramos se responderá em dois blocos de dois pedidos de

esclarecimento.

A Sr.ª Fátima Ramos (PSD): — Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Susana Amador, do Grupo

Parlamentar do PS.

A Sr.ª Susana Amador (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Fátima Ramos,

agradeço-lhe por ter trazido a esta Casa os temas da descentralização e do poder local, sobretudo porque

estamos também a celebrar o 25 de Abril e, tal como afirmou, o poder local é um dos maiores sucessos de

Abril. Nessa parte da sua intervenção revemo-nos por inteiro.

Contudo, já não nos podemos rever quando a Sr.ª Deputada deixa a larga insinuação de que o Partido

Socialista e o Governo, com esta descentralização e com esta reforma, criaram um logro. Isso não é verdade

e, como tal, vamos falar de factos, porque a política não pode ser insinuação. A política tem de ser feita com

factos assentes em verdades.

Se há partido que confia no poder local é o Partido Socialista, Sr.ª Deputada. Se houve um partido que, nos

últimos seis anos, repôs a autonomia do poder local, aprofundou as competências das autarquias locais e

aumentou as transferências financeiras foi o Partido Socialista.

Risos do PSD.

Nestes últimos cinco anos, houve um aumento de 636 milhões de euros nas transferências para o poder

local.

Aplausos do PS.

Se houve partido que aumentou a participação das autarquias locais na receita fiscal, elevando Portugal na

média da União Europeia, foi o Partido Socialista, com a lei das finanças locais, com a criação de

participações de impostos, designadamente no IVA (imposto sobre o valor acrescentado).

Por isso, Sr.ª Deputada, é bom recordar quando foi essa autonomia retirada, quando foram comprimidos os

direitos dos autarcas com a lei de cabimento e compromissos: no tempo de má memória de Pedro Passos

Coelho.

Protestos de Deputados do PSD.

É bom recordar que esta descentralização de competências é, de facto, a reforma que vai mudar o

paradigma da excessiva centralização de Portugal. É uma reforma complexa, abrangente e difícil. Claro que é!

É também uma reforma com a coragem política que nunca faltou ao PS nem ao Primeiro-Ministro António

Costa, porque somos um partido reformista.

Risos do Deputado do CH André Ventura.

Esta reforma, tal como o medo, é um rio que se atravessa molhado. Temos de atravessar esse rio, Sr.ª

Deputada, e temos de acreditar que a mudança de paradigma vai valer a pena.

Apenas lhe digo que, desde abril, temos: na educação, 100%; na habitação, 100%, já com a criação de

programas de arrendamento e de revitalização urbanos;…

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Susana Amador (PS): — … na proteção civil, 100%; na arborização, 100%. E o mesmo no

policiamento de proximidade, na segurança contra incêndios, na justiça. Ou seja, a universalização está a

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acontecer, Sr.ª Deputada, e há o compromisso — já espelhado no artigo 82.º do Orçamento do Estado — de

um mecanismo que vai ajustar e permitir a atualização de verbas em função da incerteza do momento e da

agilidade.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, tem de concluir.

A Sr.ª Susana Amador (PS): — Concluo, Sr. Presidente.

É um Orçamento que não descura a conjuntura e que reforça com 1000 milhões de euros o Fundo de

Financiamento da Descentralização.

É, ou não, importante esse Fundo? É, ou não, importante a agilidade que ele nos traz? Cara Deputada, é,

ou não, importante que na ação social, na educação, na habitação e na saúde possamos, de facto, mudar o

paradigma e ter mais e melhor poder local?

Contamos com todos para esse desígnio!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, permitam-me recordar a todos que temos quatro pontos na

ordem de trabalhos de hoje — há uma tarde longa à nossa espera —, pelo que vos peço a melhor gestão dos

tempos disponíveis.

Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Paulo Sousa, do Chega.

O Sr. Rui Paulo Sousa (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.as Deputadas, Sr.ª Deputada Fátima

Ramos, a Lei n.º 50/2018 não passou de uma boa intenção de descentralizar.

Nós concordamos com a descentralização, mas temos sempre um «mas». Não foram definidos os valores

para as diversas áreas descentralizadas e não conseguiram um consenso nos municípios para o assumir das

competências. Seria difícil consegui-lo, mas o principal problema foi sempre a parte financeira, não a forma.

O Sr. André Ventura (CH): — Exatamente!

O Sr. Rui Paulo Sousa (CH): — O PSD sabe que as contas são feitas com base em estimativas e médias

dos últimos anos. Ora, como nos últimos anos não gastaram, não contabilizaram para o atual pacote

financeiro.

O Sr. Bruno Nunes (CH): — Nem mais!

O Sr. Rui Paulo Sousa (CH): — Menos de 40% dos municípios aceitaram assumir as competências da

descentralização, numa demonstração clara de que ela é uma mera desresponsabilização do Governo.

Alguns presidentes de câmara apelidaram a Lei n.º 50/2018 de não mais do que uma agenda de tarefas.

Este processo poderia ter sido perfeito para descentralizar Lisboa, para que, nas suas terras, as câmaras

tivessem autonomia para decidir sobre o problema das pessoas, mas, não, foi ideologia pura.

Estamos a caminhar para a regionalização? O PSD está a favor da regionalização ou está ao lado do

Chega, numa descentralização que não vá criar mais organismos, cargos, tachos ou tachinhos? Ficam as

perguntas.

Aplausos do CH.

O Sr. Presidente: — Agradeço-lhe, Sr. Deputado, inclusive pela sua gestão do tempo.

Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Fátima Ramos.

A Sr.ª Fátima Ramos (PSD): — Sr. Presidente, cumprimento a Sr.ª Deputada Susana Amador e o Sr.

Deputado Rui Paulo Sousa, a quem agradeço, desde já, terem colocado questões.

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Em relação à Sr.ª Deputada Susana Amador, sendo uma autarca como eu, compreendo que esteja

nervosa e angustiada, porque, ao ouvirmos as posições dos nossos colegas que estão no terreno, verificamos

que as coisas não estão a correr bem.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Deputada transmitiu-nos a impressão de que estamos num País-maravilha, num País de

descentralização, onde as coisas estão a evoluir muito bem. Porém, recordo que a própria Declaração

Conjunta sobre a Descentralização, assinada em 2018, assumia o problema de um Estado muito centralizador,

bem como um conjunto de programas, de compromissos, apontando para: o gradualismo; a insistência de que

o Fundo de Financiamento da Descentralização fosse inscrito nos Orçamentos do Estado para 2019, 2020 e

2021; a importância das reuniões das comissões para que o assunto fosse debatido.

Infelizmente, ao ouvir os autarcas, concluímos que eles se queixam da falta de diálogo e da falta de

cumprimento dos compromissos tão bem anunciados pelo Partido Socialista e que deram tão bons títulos de

jornais. No fundo, sentem-se até um pouco humilhados, Sr.ª Deputada, porque sentem que não estão a ser

respeitados.

Eu compreendo-os, Sr.ª Deputada, porque se estivesse no papel deles também me sentiria muito

angustiada.

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Não é fácil!

A Sr.ª Fátima Ramos (PSD): — Mais: quando tenta culpabilizar o PSD por todo este centralismo que

temos no nosso País, a Sr.ª Deputada esquece-se de que, nos últimos 27 anos, o PSD governou durante

sete,…

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Bem lembrado!

A Sr.ª Fátima Ramos (PSD): — … quatro deles a cumprir o Memorando da troica que os senhores

negociaram.

Aplausos do PSD.

Por isso, Sr.ª Deputada, se temos um País centralista, assumo as culpas que o PSD também tem, mas

quem tem muito mais culpas de vermos o interior como vemos, de vermos o País como está, com muito

menos desenvolvimento e muito mais desequilibrado, é, sem dúvida, o Partido Socialista.

Aplausos do PSD.

Ao Sr. Deputado do Chega, gostaria de lhe dizer duas coisas. A primeira, em relação às condicionantes e

ao período de instabilidade que estamos a viver e que sentimos que as nossas autarquias estão a viver, é que

estamos perfeitamente de acordo.

Quanto a outros processos, o PSD é a favor da descentralização, da desconcentração de serviços e

concorda, tal como o Governo prometeu, que exista um debate limpo e alargado sobre a regionalização.

Pensamos que deve existir um debate, mas o meu receio — e, agora, estou a falar também em nome

pessoal — é o de que processos destes, a correrem mal, isto é, a deturparem a capacidade de trabalho dos

autarcas que, sem recursos, não vão poder satisfazer como deve ser as necessidades das suas populações,

possam valorizar mais aqueles que são centralistas, que não querem desconcentrar serviços e que são a favor

de tudo aquilo que sai de Lisboa.

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Muito bem!

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A Sr.ª Fátima Ramos (PSD): — Para nós, é fundamental ter um País mais equilibrado, que se desenvolva

no seu todo.

Chega de termos território abandonado e que não produz.

Vozes do CH: — Chega!

A Sr.ª Fátima Ramos (PSD): — Chega de termos território abandonado!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, em nome do Grupo Parlamentar do Iniciativa Liberal, tem

agora a palavra o Sr. Deputado Rodrigo Saraiva.

O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Fátima Ramos, quero agradecer-lhe pelo

tema que nos trouxe e pela sua intervenção, porque partilhamos o conteúdo da mesma, sobretudo no

diagnóstico que faz, e porque ficamos muito satisfeitos pelo tom com que a fez e pela forma como a fez —

pela ferocidade, pela acutilância, pela assertividade, de que gostamos! —, porque foi dirigida a um partido,

neste caso, a um Governo PS, que tem tido muita falta de coragem para reformar o País.

A pergunta que tenho para lhe fazer é esta: podemos contar com o PSD para manter este tom, esta forma,

esta acutilância? Ou vamos ter de contar, de vez em quando, com algumas surpresas como aquela em que,

não há muito tempo, chegámos aqui e vimos os resultados de alguns arranjinhos feitos debaixo da mesa

relativamente às eleições para as CCDR (comissões de coordenação e desenvolvimento regional)?

Portanto, gostaríamos de saber com que PSD poderemos contar, até porque vem aí a questão da

descentralização e partilhamos a ideia de que o centralismo é um grande problema deste País. O centralismo

é um mal, mas é um mal que é filho do bloco central.

Aplausos do IL.

O Sr. Presidente: — Para um último pedido de esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula

Santos, do PCP.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, cumprimento a Sr.ª Deputada Fátima Ramos pela questão

que trouxe à discussão relativamente ao processo de transferência de competências. Este processo confirma,

de facto, que não estamos perante nenhuma descentralização, mas, sim, perante uma transferência de

encargos para as autarquias. Aliás, esta foi uma questão que colocámos logo desde o início.

Quando começou esta discussão na Assembleia da República, referimos que em relação aos elementos

necessários para a definição de competências, num verdadeiro processo de transferência de competências

para as autarquias, não houve essa fundamentação, como também nunca houve uma identificação dos meios

e das condições para o exercício dessas competências pelas autarquias. O PCP chamou a atenção para este

elemento desde o início.

Estamos perante uma profunda desresponsabilização por parte do Governo em relação a matérias

essenciais, de direitos constitucionais, de questões da saúde, da educação, da ação social, da cultura. De uma

só vez, o Governo procurou desresponsabilizar-se, transferindo estes encargos para as autarquias sem

estarem assegurados os meios para o exercício destas mesmas competências. É por isso natural que cresça

a oposição por parte dos municípios relativamente a esta matéria.

Sr.ª Deputada, o PCP não acordou hoje para este problema. Relembramos que foi o PSD que deu a mão

ao PS para isto estar a acontecer!

O Sr. João Dias (PCP): — Bem lembrado!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — O PS não tinha condições para aprovar sozinho este processo de

transferência de competências.

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O Sr. João Dias (PCP): — Claro!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Esta é a questão de fundo: o PSD é tão responsável como o PS por aquilo

que está a acontecer neste momento.

O Sr. Bruno Nunes (CH): — Vocês estavam no apoio ao Governo!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — A esmagadora maioria dos municípios não aceitou as competências na área

da saúde e, na área da educação, há inúmeros problemas que continuam por resolver. Mas não foi por falta de

alerta, Sr.as e Srs. Deputados. É por causa de uma opção política do PS e do PSD que isto está a acontecer.

Portanto, esta é uma primeira questão sobre a qual o PSD tem de ter uma palavra a dizer, uma vez que é tão

responsável como o PS.

A segunda questão que gostaria de colocar prende-se com o seguinte: não há uma verdadeira

descentralização no nosso País sem a criação das regiões administrativas. Por que razão é que o PSD,

conjuntamente com o PS, tem adiado este processo, que está previsto na nossa Constituição? Isto, sim,

permitiria o desenvolvimento regional, a eliminação de assimetrias e, tal como referiu, que houvesse, de forma

organizada, um Estado mais coerente e menos centralista. Mas, quanto a isto, o PSD também sempre se tem

recusado.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Fátima Ramos.

A Sr.ª Fátima Ramos (PSD): — Sr. Presidente, agradeço os comentários e as questões do Deputado

Rodrigo Saraiva e da Deputada Paula Santos.

A minha resposta é mais dirigida à Deputada Paula Santos, pelo seguinte: em primeiro lugar, Sr.ª

Deputada, o PSD é um partido muito responsável e que acredita na capacidade do poder local. O PSD é um

partido que acha que, quanto mais próximos estamos das populações, melhor e com mais eficiência gerimos.

As pessoas que estão no poder local têm um grande espírito de missão e conseguem prestar o melhor

serviço.

Sentindo que este processo se andava a arrastar por parte do Governo, que nunca mais chegava a um

consenso com a Associação Nacional de Municípios Portugueses, nós, no PSD, que é um partido

responsável, apesar de na altura não apoiarmos o Governo — contrariamente aos senhores, que o

suportavam! —,…

Vozes do PSD: — Muito bem!

Protestos da Deputada do PCP Paula Santos.

A Sr.ª Fátima Ramos (PSD): — … pensando nos autarcas e nas populações, pensando que podíamos dar

o nosso contributo para que o trabalho fosse feito da forma mais correta e com mais eficiência, nós, sim,

demos a mão.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Pois deram! E são responsáveis por tudo o que está a acontecer neste

momento!

A Sr.ª Fátima Ramos (PSD): — Demos a mão e colocámos condições no acordo que foi celebrado e que

já li.

Só que, infelizmente, o Partido Socialista fala, apregoa e, depois, não cumpre as condições.

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Muito bem!

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A Sr.ª Fátima Ramos (PSD): — Mas nós continuamos com o nosso sentido de responsabilidade e não com

o dos senhores, que suportavam o Governo, mas depois criticavam as medidas do próprio Governo.

Aplausos do PSD.

Criticavam, mas, depois, chegavam aqui e aprovavam tudo. E suportaram o Governo!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — O que está a criticar foi o PSD que aprovou!

A Sr.ª Fátima Ramos (PSD): — Suportaram um Governo que não tinha ganho as eleições.

Volto a dizer: nós acreditamos no poder local, na descentralização, na desconcentração de poderes, nos

autarcas.

O Sr. Paulo Mota Pinto (PSD): — Muito bem!

A Sr.ª Fátima Ramos (PSD): — Ao Sr. Deputado Rodrigo Saraiva, quero dizer-lhe que, efetivamente,

somos um partido que começou no poder local. Homens bons e mulheres boas, cheios de ambição para as

suas terras, que infraestruturaram, humanizaram e lhes deram aquilo que era básico: água, saneamento,

infraestruturas, educação. Gente que ia muito além das suas obrigações, gente boa. É essa gente que está na

base do PSD.

Somos um partido plural, diversificado, como os senhores sabem, e, estando eu aqui, os autarcas e as

pessoas do meu País podem ter a certeza de que, tanto eu como os meus colegas do PSD, iremos sempre

defender esse poder local e as pessoas que estão no terreno, porque queremos o melhor para Portugal.

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Sr.ª Fátima Ramos (PSD): — Está provado que uma política centralista não traz desenvolvimento a

Portugal.

Aplausos do PSD.

Portugal está cada vez pior, na cauda da Europa, como os senhores também têm referido. Temos de

inverter este processo rapidamente, porque, sinceramente, estou cansada de ver território abandonado,

território improdutivo, território de onde as pessoas têm de fugir, vindo para Lisboa, por ser este o único sítio

onde os jovens da minha terra têm alguma oportunidade para viver.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma declaração política, em nome do Grupo Parlamentar do Chega, tem a

palavra a Sr.ª Deputada Rita Matias.

A Sr.ª Rita Matias (CH): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos aqui hoje, apenas dois dias

após as comemorações da Revolução de Abril, que, como foi dito e repetido nesta Casa, com tanta

solenidade, foi a revolução que, naquela manhã, prometeu uma primavera de um País livre e de um tempo

novo. Mas o tempo passou e a primavera prometida rapidamente deu lugar a um verão quente e pouco

próspero, inicialmente marcado pelo PREC (Processo Revolucionário em Curso), pelas nacionalizações e,

posteriormente, pelas perdas de soberania face a Bruxelas ou pelas sucessivas bancarrotas a que o País foi

condenado.

Após esse verão, num ápice, o outono deu lugar a um inverno que não resulta de nenhuma crise ambiental

ou do aquecimento do planeta. Falo do «inverno demográfico», aquele que avança de forma pandémica e que,

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de forma galopante, abala os pilares da nossa sociedade, que são a família, a Pátria, a Europa,

comprometendo o nosso futuro.

O declínio dos nascimentos nas maternidades portuguesas é o verdadeiro desafio estrutural para a

sustentabilidade do nosso País, para a preservação do nosso povo, para a preservação da nossa cultura e da

nossa identidade nacional.

Aplausos do CH.

Diz-nos o Programa do Governo que podemos esperar um compromisso sincero para uma boa

governação, que pretende colocar Portugal a crescer, e poderíamos olhar para vários indicadores e para os

parâmetros definidos por quem ousa prometer contas certas, mas que, muitas vezes, interpreta os números à

sua maneira e como lhe dá jeito. Contudo, basta que nos detenhamos no desafio demográfico para

percebermos que as contas socialistas não são assim tão certas. É que, em Portugal, em cinco décadas, o

número de nascimentos caiu para menos de metade e, atualmente, são mais as pessoas que morrem do que

as que nascem.

A tragédia agravou-se de tal forma que, no ano passado, atingimos o valor mínimo de nascimentos alguma

vez registado na história de Portugal. Bem se tentam misturar conceitos como os dos saltos populacionais

totais, naturais, migratórios, mas, deem as voltas que quiserem dar, a quebra da natalidade é o verdadeiro

flagelo das contas nacionais e a verdadeira lupa que mostra uma sociedade que não tem visão estratégica de

raiz capaz de pensar o País a médio e longo prazos.

Aplausos do CH.

A verdade, Srs. Deputados, é que este drama mostra uma sociedade onde, diariamente, se acentuam as

assimetrias entre o litoral e o interior, castigando, sobretudo, as zonas não urbanas. Este flagelo revela uma

sociedade onde os jovens não se conseguem estabelecer enquanto adultos independentes e uma sociedade

onde esses mesmos jovens são empurrados para a emigração, porque, do nosso País, só podemos esperar

condições de trabalho precárias, estágios não remunerados ou filas à porta do centro de emprego.

O Sr. André Ventura (CH): — Muito bem!

A Sr.ª Rita Matias (CH): — Esta é uma sociedade onde um jovem casal não consegue aceder a créditos à

habitação e fica sujeito, mês após mês, ao arrendamento de uma casa que, na verdade, não é sua, o que

representa um investimento sem retorno que nos obriga, a nós, jovens, a adiarmos os nossos sonhos, como,

por exemplo, o de constituir família e ter filhos.

Acontece que 30% dos casais em idade fértil não têm filhos, mas gostavam de ter e sonham com isso.

Contudo, apontam como principal obstáculo, um obstáculo intransponível, as dificuldades financeiras e a

precariedade laboral a que estão sujeitos.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Muito bem!

A Sr.ª Rita Matias (CH): — Sim, precariedade laboral!

É preciso reconhecer a coragem que cada pai e cada mãe têm ao trazerem uma vida ao mundo, sobretudo,

num País onde mais de 2000 mulheres não renovaram o contrato de trabalho, em 2020, apenas e só por

estarem grávidas.

Aplausos do CH.

Temos a 5.ª taxa de natalidade mais baixa da União Europeia e uma das mais baixas do mundo. Estes

dados deveriam envergonhar toda a classe política e esta Câmara.

Aplausos do CH.

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Não tivéssemos nós, ao longo de 20 dos últimos 27 anos, tido Governos socialistas ao leme da Nação e

até poderíamos acreditar no atual Programa do Governo e no Orçamento do Estado, que iremos discutir, que

dizem, e passo a citar, «querer construir uma verdadeira política de família que pretende a melhoria das

perspetivas demográficas» e até — vejam bem! — «criar condições para as pessoas desenvolverem os seus

projetos de vida». Dizem os nossos governantes que o Orçamento que iremos discutir é o verdadeiro

Orçamento centrado na família. E porque, quando toca ao meu partido, gostam de medir as ideias aos palmos

ou pelo número de páginas, pergunto: qual é a centralidade da família para este Governo? É que, num

documento com 375 páginas, podemos ler as palavras «família» ou «familiar» apenas 30 vezes.

Aplausos do CH.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é concebível que uma verdadeira política de família não reconheça a

família como célula-base e pilar da sociedade. Tem de ser uma política que promova a família, a proteja e a

dignifique, e que defenda a vida humana, reconhecendo a sua dignidade, em qualquer fase e em qualquer

circunstância.

E nem é preciso mencionar os ataques ideológicos ao valor da família por parte de um Estado paternalista,

que procura isolar o cidadão na sua individualidade. Não é preciso entrarmos por esse caminho para

demonstrar que, na prática, as políticas públicas dos últimos anos são um atentado às famílias portuguesas.

Srs. Deputados, na hora de constituirmos família e de escolhermos ter filhos ou não ter, os portugueses

não querem apenas abonos de 50 € por mês e subsídios à moda clientelista socialista. Vejamos: de que valem

todos estes subsídios e esta máquina de criação de subsidiodependência se continuam a aumentar os

impostos indiretos e a perpetuar esta ginástica de quem tira aqui e põe ali, o que, na verdade, continua a

vitimar os mesmos de sempre, os contribuintes portugueses?

Aplausos do CH.

Para terminar, digo-vos que, na hora de criar uma família, os portugueses olham para os seus vencimentos

e deparam-se com uma asfixia fiscal, olham para os preços dos combustíveis e olham para o seu carrinho de

compras, que está cada vez mais vazio, e a conta cada vez mais alta.

O que vos peço é que mudem de rumo. Em nome dos jovens, peço-vos que apostem verdadeiramente

numa política de apoio à família e à cultura da vida, que apoiem concretamente a habitação, que combatam a

precariedade do emprego jovem e que combatam todos os atentados às mulheres e mães, quer do ponto de

vista salarial, quer do ponto de vista da carreira.

É tempo de dizer «chega» a quem procura resolver o problema da natalidade com recurso à imigração,

porque isto é apenas o suicídio assistido do nosso País. É tempo de reerguer Portugal.

Aplausos do CH, com Deputados de pé.

O Sr. Presidente: — Para uma declaração política em nome do Grupo Parlamentar do Iniciativa Liberal,

tem a palavra o Sr. Deputado Rodrigo Saraiva.

O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O momento certo para iniciar e fazer

reformas é no início das legislaturas, como acontece neste preciso momento. Isto se o partido do Governo

tiver vocação reformista, algo que, infelizmente, o PS demonstrou não ter, ao contrário do que aconteceu

noutras fases da sua história, já longe no tempo.

O atual Partido Socialista troca o ímpeto reformista pela inércia, vai empurrando os problemas com a

barriga e pensa que tudo acabará por se resolver, de uma forma ou de outra, pelo simples arrastar da

situação. Mesmo com o País estagnado, mesmo com serviços públicos — serviços ao público! — com falhas e

degradados, mesmo com os jovens condenados à emigração, mesmo com Portugal a manter uma das

maiores dívidas públicas do mundo.

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Sabendo isto, mesmo assim, o Iniciativa Liberal vem lançar o repto de que, neste início de Legislatura, que

aparenta ser duradoura e estável, a maioria — quer aquela que sustenta o Governo, quer aquela que advém

da soma dos dois maiores partidos — se motive e empenhe em fazer reformas. Algumas de que já tanto

falaram, algumas que já tanto defenderam, algumas em que já convergiram na necessidade e na solução para

logo divergirem porque dá jeito deixar tudo na mesma.

Sr.as e Srs. Deputados, não queremos unanimismos. No Iniciativa Liberal não gostamos de unanimismos,

mas queremos contribuir para consensos reformistas neste Parlamento, que é a Casa da democracia. Há

reformas urgentes e inadiáveis na saúde, na educação, na justiça ou na segurança social, mas venho falar-vos

de uma reforma tão indispensável quanto estas e que costuma ocupar menos espaço nas notícias, o que não

a torna menos urgente nem menos necessária. Falo da reforma do sistema eleitoral.

Temos de aproximar Portugal dos padrões europeus. Temos de aproximar os eleitos dos eleitores. Temos

de mobilizar as gerações mais jovens, não para a abstenção, mas, sim, para a participação. Temos o dever de

dizer aos nossos compatriotas que vivem no estrangeiro que eles não são portugueses de segunda. Esta

reforma do sistema eleitoral tem vindo a ser adiada legislatura após legislatura e, apesar de o que digo ser

cada vez mais óbvio, também aqui as mudanças tardam.

Que se abandonem as conveniências da partidocracia e se dê prioridade às pertinências da democracia.

O atual sistema não serve. E porquê? Porque distorce a vontade popular, porque fomenta a abstenção,

porque, na prática, a distribuição de mandatos pelos distritos deixou de ser proporcional e porque, como vimos

recentemente, deixa mais de 700 000 eleitores portugueses sem efetiva representação nesta Casa. Isto sem

contabilizar aqueles que, no dia da eleição, já seguiram para uma segunda ou terceira opção.

Já não é só um problema de participação eleitoral, é um problema de qualidade da nossa democracia.

Sr.as e Srs. Deputados, se queremos um País com menos assimetrias, temos de encarar este problema de

frente. Não para fazer mais discursos, mas para encontrar soluções que não podem ser adiadas. Precisamos

de um sistema eleitoral que traga mais cidadãos para a democracia, não de um sistema que os afaste da vida

democrática. Precisamos de um sistema eleitoral que não dispense um só português da participação no nosso

destino como comunidade.

O diagnóstico está feito. Chegou o momento de encontrar a solução e de ter a coragem política de romper

tabus, pondo-a em prática.

O Iniciativa Liberal incluiu no seu programa eleitoral a criação de um sistema com círculos uninominais

acrescidos de um círculo de compensação. Este é o nosso ponto de partida. Este é o repto que lançamos ao

partido do Governo e aos restantes grupos parlamentares, para aumentar a representatividade desta Câmara,

para reforçar a ligação entre eleitos e eleitores, para aumentar a participação dos jovens na política, para que

nenhum português se sinta excluído da participação eleitoral — seja qual for a parcela do País ou do mundo

que escolheu para viver, seja qual for a sua inclinação política — e para que nenhum voto volte a ser inútil.

Sr.as e Srs. Deputados, a conjugação destes círculos, um sistema que já foi testado noutros países com

democracias, pelo menos, tão sólidas como a nossa, apresenta virtudes para a saúde democrática do País e

que devem ser consideradas. Mas se receiam os uninominais não se compreende que não se avance com o

círculo de compensação. Só a adição do círculo de compensação seria um avanço democrático que ninguém

poderia recusar.

Vejamos: os círculos uninominais têm a grande virtude de aumentar a responsabilidade de cada eleito

perante os seus eleitores. É uma solução que aumentará a qualidade dos representantes do povo,

adicionando mais mérito na escolha dos candidatos. O atual sistema incentiva, assim, os partidos tradicionais

a escolherem quem vale 500 votos no seu partido, ao invés de escolherem quem vale 5000 votos na

comunidade.

Sr.as e Srs. Deputados, o círculo de compensação apresenta, sim, várias virtudes. Permite reduzir os votos

desperdiçados, permite a existência de um Parlamento mais representativo da vontade dos portugueses e

facilita o aumento da oferta partidária.

Não haja medo do pluralismo. Esta solução é fundamental para diminuir a abstenção, que já atinge níveis

preocupantes em Portugal, bem como os votos brancos e nulos — e permitam-me que destaque os votos

brancos, que desceram muito na eleição do dia 30 de janeiro, de 130 000 para 63 000.

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O círculo de compensação é algo que ninguém poderá dizer nunca ter sido testado, pois sabemos que

existe em Portugal, com sucesso, concretamente na Região Autónoma dos Açores. Não é uma realidade

distante. Existe em Portugal, está testado e é só fazer igual.

Sr.as e Srs. Deputados, há também razões de processo eleitoral que afastam os eleitores das urnas.

Estamos certos de que, nesta Legislatura, encontraremos soluções para esses problemas, mas não

confundamos hoje processo com sistema.

Está lançado o desafio. Vamos trabalhar nesta reforma, sem desculpas, sem esperar mais, sem perder

tempo. É uma exigência de uma cidadania adulta, consciente e responsável.

Aplausos do IL.

O Sr. Presidente: — A Mesa regista cinco inscrições para pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado.

Presumo que responderá em blocos de três e dois. É correto?

O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem então a palavra o Sr. Deputado Pedro Delgado

Alves, do Partido Socialista.

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Rodrigo Saraiva,

muito obrigado pela sua declaração política.

Tenho duas notas prévias a fazer. Primeiro, é um pouco de estranhar que estenda a mão para a

negociação e para a abertura «dando na cabeça» daquele a quem propõe esse início de conversa. Enfim, não

é a forma mais simpática, mas estamos disponíveis.

Depois, escolheu um mau exemplo, porque, se há matéria em relação à qual, nos últimos quatro anos e até

antes, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista tem dado provas de ter capacidade para alterar o sistema

eleitoral em aspetos importantes, é, precisamente, esta matéria, com o voto antecipado em mobilidade — que

permite aos eleitores exercerem o seu direito de voto no fim de semana anterior às eleições, quando estão

ausentes no próprio dia —, o recenseamento automático no estrangeiro, a desmaterialização de

procedimentos, o fim do cartão de eleitor.

Aplausos do PS.

O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Isso é o processo!

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — É verdade, não é tudo, não é o sistema eleitoral, mas são aspetos

muito importantes e que aumentaram a participação. Temos hoje muitas mais pessoas a votar, precisamente

porque têm mecanismos mais simples para o fazer.

Permitam-me, também, uma pequena precisão, antes de irmos ao sumo da matéria: o tema do sistema

eleitoral está nos programas eleitorais do Partido Socialista desde o final da década de 90.

O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Vai estando!

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Aliás, foi na revisão constitucional de 1997 que se introduziu a

possibilidade de fazer, precisamente, o que o Iniciativa Liberal vem sugerir, que não é nada mais do que aquilo

que o Partido Socialista propõe desde 1998: um modelo de tipo alemão, que combina círculos uninominais de

candidatura com um círculo de compensação ou com círculos que garantam a proporcionalidade.

Os senhores estão a apontar ao alvo errado! Quem, sistematicamente, tem dito que não dá os votos

necessários para esses dois terços, porque exige sempre a diminuição do número de Deputados — o que

prejudicaria a proporcionalidade, diminuiria o pluralismo deste Parlamento e dificultaria a representação do

interior —, tem sido o Partido Social Democrata, que tem falhado a chamada e não tem participado neste

debate.

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Aplausos do PS.

E sempre dissemos que não sacrificaremos a melhoria da qualidade nuns aspetos em detrimento de

outros. Não prejudicaremos a representação do interior ou das regiões autónomas e não prejudicaremos o

pluralismo reduzindo o número de Deputados, o que, infelizmente, é, um bocadinho, fugir para o populismo

antipartidos e anti-instituição parlamentar, para o qual não contribuiremos.

Para concluir, em relação às questões concretas que coloca, houve na Legislatura anterior um grupo de

trabalho para consolidar a legislação eleitoral — já isso é bastante importante, porque sistematiza e facilita a

sua leitura — e um dos aspetos que referiu é, precisamente, a matriz da proposta do Partido Socialista, há

muitos anos.

Não sei se conseguiremos reunir a maioria de dois terços necessária, mas, da nossa parte, há

disponibilidade para estes temas da reforma do sistema eleitoral e, acima de tudo, para uma grande e principal

urgência, que é a de garantir uma alteração da Lei Eleitoral para que o que sucedeu nas eleições de janeiro

passado, em relação aos cidadãos residentes no estrangeiro, não volte a suceder.

A lei tem de ser clara, tem de superar as dificuldades observadas no que respeita à forma como os

cidadãos residentes no estrangeiro votam, para se garantir que continuam a votar na mesma escala e que

podemos aumentar essa participação.

Aplausos do PS.

Essa, desde logo, é a nossa primeira prioridade, mas, em tudo o resto que referiu, tem a abertura e a

disponibilidade do Partido Socialista para esse debate.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado André Coelho Lima, do

PSD.

O Sr. AndréCoelhoLima (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, cumprimento, particularmente,

o Sr. Deputado Rodrigo Saraiva, felicitando-o pela sua intervenção.

Não vou, propriamente, fazer-lhe perguntas, porque, na verdade, a intervenção que fez foi mais

proclamatória do que com sugestões concretas, ou seja, foi um desafio à reflexão de todo o Parlamento.

Nesse sentido, não posso deixar de começar pela intervenção que acabei de ouvir da parte do Partido

Socialista, em que se disse que o PSD nunca mostrou vontade de alinhar em reformas do sistema eleitoral.

Depois de sublinhar isto, rio-me. E faço-o por duas razões: primeiro, porque os senhores já estão no poder há

não sei quantos anos e nada!

O Sr. PedroDelgadoAlves (PS): — Dois terços!

O Sr. AndréCoelhoLima (PSD): — Em segundo lugar, este partido apresentou, ainda no ano passado —

depois vieram as eleições autárquicas e tal! —, uma proposta concreta, pública de reforma do sistema

eleitoral. Apresentámos uma proposta de reforma do sistema eleitoral, e não de alterações cosméticas, porque

é de uma reforma de cima a baixo que o País precisa e não daquilo que os senhores tentam fazer, para

parecer que fazem reformas eleitorais.

Aplausos do PSD.

Quanto aos pontos de contacto, à aproximação entre eleitos e eleitores, digo: sem dúvida! Deixo-lhe até

esta nota: se o método de Hondt está na Constituição como sendo aquele que determina o número de

Deputados eleitos, ele está na lei, e não na Constituição, como definindo o número de Deputados por círculo

eleitoral, o que é — devo dizer — chocante. Isto significa que, proporcionalmente à sua população, Lisboa,

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que é o maior círculo eleitoral, tem mais Deputados, enquanto Portalegre, que é o menor círculo, tem menos

Deputados. Isto, sim, é chocante e pode ser alterado sem revisão constitucional. Para isso contam com o

PSD, fica já afirmado!

Depois, quanto à eliminação do desperdício de votos, respondo: sem dúvida, também, Sr. Deputado. Aliás,

nas últimas eleições, o CDS-PP, que teve 89 000 eleitores, não está no Parlamento, e o Livre, com 71 000

eleitores, está aqui representado.

Aplausos do PSD.

É um compromisso e uma obrigação de todos nós não esticarmos a corda, não procurarmos dizer aquilo

em que uns falharam ou deixaram de falhar, mas, sim, neste mandato, que se prevê estável, assumirmos

todos — e digo-o voltado para o Partido Socialista — o compromisso de fazermos uma verdadeira e autêntica

reforma do sistema eleitoral.

Para isso, contam com o PSD.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Tavares, do partido

Livre.

O Sr. RuiTavares (L): — Sr. Presidente, Sr. Deputado André Coelho Lima, o Sr. Deputado referiu-se ao

diferencial de votos entre o Livre e o CDS e ao facto de o CDS não estar aqui representado, enquanto o Livre

está.

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Eu trocava!

O Sr. Rui Tavares (L): — O primeiro partido a reconhecer a injustiça que os eleitores do CDS devem ter

sentido foi, precisamente, o Livre, mas o primeiro partido a poder resolver esse assunto foi o PSD, não o Livre.

A Sr.ª Romualda Nunes Fernandes (PS): — Muito bem!

Protestos de Deputados do PSD.

O Sr. Rui Tavares (L): — Não é certamente por culpa do Livre que o CDS não está aqui e que o Livre está.

Há, de facto, uma injustiça e uma assimetria no sistema eleitoral em Portugal, mas, quando ouço a direita,

tanto no PSD como no IL, a proclamar o seu amor pelas reformas, lembro-me sempre dos conselhos das

aulas de escrita criativa: a melhor maneira de demonstrar amor é mesmo pela prática, não é só demorar 4

minutos, num discurso de 6 minutos, a dizer que se gosta muito de reformas. Há que dizer de quais reformas

se é, ou não é, a favor.

A Sr.ª SofiaMatos (PSD): — Tem de falar para o PS, não é para nós!

O Sr. RuiTavares (L): — Na matéria da representação, o IL oferece-nos uma solução para um problema

realmente existente. O círculo nacional de compensação diminui, em muito, o problema dos votos chamados

«desperdiçados» e, nesse assunto, o Livre está exatamente com a mesma oposição. Não se percebe qual é o

problema que o círculo uninominal vem resolver.

Nos séculos XVII ou XVIII era muito importante que cada cidade, longe da capital do reino, tivesse o seu

representante nas Cortes. Hoje em dia não é assim. Ter a ideia de que cada círculo deve ter um representante

e subsumir-se nele, quando já existem autarcas para defender os interesses de cada círculo, é uma entorse à

ideia daquilo para que é necessária a representação no século XXI.

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É necessária uma democracia a várias escalas, mas não vejo o Iniciativa Liberal a tomar uma posição, de

uma vez por todas — pode ser que o faça hoje, na sequência deste pedido de esclarecimento —, em relação

ao que viria, de facto, resolver um problema de representação na escala intermédia.

Afinal, o Iniciativa Liberal é a favor da regionalização ou não é a favor da regionalização? Se gostam de

reformas, pronunciem-se sobre uma que está à espera há décadas, que nos aproximaria de outros países

europeus e que, ao que parece, o Iniciativa Liberal se propõe «chutar para canto» até ver o mapa. Digam-nos:

por princípio, acham que deve haver uma democracia de escala intermédia em Portugal? Sim ou não? São a

favor da regionalização? Sim ou não?

Aqui está uma verdadeira questão que precisa de ser esclarecida e um «sim» ou um «não», apenas,

bastará para isso acontecer.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rodrigo Saraiva.

O Sr. RodrigoSaraiva (IL): — Sr. Presidente, sempre que há declarações políticas — em qualquer reunião

plenária, mas sobretudo nestas com declarações políticas, até porque olhava para elas de uma forma

diferente, com menos responsabilidade do que hoje —, tenho o compromisso de fazer o esforço de ouvir, na

plenitude, as intervenções que são feitas, sobretudo se estiver preparado para pedir esclarecimentos.

Tivemos disso, hoje, um exemplo: ouvi com muita atenção a declaração política do PSD, porque era um

tema que me interessava e em relação ao qual poderia colocar uma questão. Mas aconteceu-me o que vi

muitas vezes acontecer quando olhava como espetador para estes plenários: muitas vezes, parece que as

perguntas vêm pré-formatadas ou que se fazem perguntas só porque sim, não se tendo ouvido a intervenção

que foi feita.

Começando por responder ao Deputado Pedro Delgado Alves, a quem agradeço as perguntas, recordo

que, mesmo no fim da minha intervenção, disse o seguinte: não confundamos processo com sistema. Hoje

estive preocupado em falar do sistema, mas o Deputado Pedro Delgado Alves veio logo dizer muita coisa

sobre os processos.

Se quer falar sobre o processo, devolvo-lhe as perguntas: quanto a acabar com o dia de reflexão, estamos

prontos para isso? Temos o vosso acordo?

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Mais ou menos.

O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Quanto a acabar com o horário fixo, que obriga que seja daquela hora

àquela hora, estão disponíveis para isso?

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Não.

O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — E para acabar com a obrigatoriedade de ser num dia específico, ou

naqueles dias, estão disponíveis?

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Médio!

O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — São perguntas! Quando queremos «bater bolas», também podemos sempre

devolver algumas aos outros.

Relativamente ao que disse acerca de o Partido Socialista ter uma coerência quanto à proposta de reforma

do sistema eleitoral, sabe que isso não é verdade. Nuns programas eleitorais tinham a proposta, noutros, a

seguir, deixavam-na cair. Às vezes, como tinham de fazer alguns acordos, nos tempos da geringonça,

deixavam-na cair. Foi sempre assim.

O Sr. PedroDelgadoAlves (PS): — Tivemos sempre a mesma proposta!

O Sr. RodrigoSaraiva (IL): — Não foi sempre linear!

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O Sr. PedroDelgadoAlves (PS): — Foi sempre a mesma, há 30 anos!

O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Respondendo ao Deputado André Coelho Lima, fiz sugestões concretas

sobre o sistema eleitoral, que foi o tema que trouxe a debate, sobretudo sobre o círculo de compensação,

além dos círculos uninominais.

Mas isto começa a ser interessante, porque vem um outro partido, que não o PS ou o PSD, falar sobre um

tema que não é exclusivo do PS nem do PSD e ficamos todos a assistir ao filme do costume, com PS e PSD,

em Sei o Que Fizeste no Verão Passado,a falarem entre si e a não resolverem os problemas do País.

Resumindo, em resposta aos pedidos de esclarecimento do PS e do PSD, registo, positivamente, o acordo

para que, nesta Legislatura, haja uma alteração ao sistema eleitoral e seja introduzido o círculo de

compensação, que é essencial para acabar com os problemas de representatividade existentes.

Relativamente ao que perguntou o Deputado Rui Tavares — que acho que correspondeu mais a uma

necessidade de tentar mostrar alguma discórdia, tentando desviar-se do assunto —, o princípio é o da

descentralização, à qual somos totalmente favoráveis. Repito, somos totalmente favoráveis, para que não haja

dúvidas.

O Sr. Rui Tavares (L): — E quanto à regionalização?

O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Se quer falar de uma fase intermédia de poder… Já existem as autarquias,

o poder local, não venha agora… Quer o quê? É só para criar uma camada dupla?!

Sobre a regionalização, já dissemos — e bem! — que é para se debater com tempo. Não é para virem com

mapas pré-formatados e negociados à margem desta Casa e dos portugueses, é para ficar clarinho quais são

as competências, e não são só as competências sem o dinheiro anexo! Tem de vir tudo muito clarinho, e,

quando assim for, todos os partidos devem tomar a sua posição, não é só o Iniciativa Liberal.

Se formos a favor só porque sim, depois, somos enganados e levados por outros, com negociatas feitas

debaixo da mesa, e, no final, somos cúmplices de um problema que foi criado, mas que não deveria ter sido.

Aplausos do IL.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado José Moura Soeiro, do

Bloco de Esquerda.

O Sr. JoséMouraSoeiro (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Rodrigo Saraiva, sobre se há melhorias a

fazer no sistema eleitoral, respondo: com certeza! Nomeadamente, em termos da proporcionalidade dos

mandatos.

Em relação aos votos expressos, sabemos que há uma distorção que prejudica os partidos mais pequenos

e beneficia os partidos maiores, distorcendo a distribuição de mandatos nesta Assembleia.

O que não nos parece aceitável é propor-se, com uma mão, que se melhore esta proporcionalidade, por via

de um círculo de compensação, tal como o que existe nos Açores, como referiu, ao mesmo tempo que, com a

outra mão, se propõe piorar esta representação proporcional, seja por via da redução do número de

Deputados, seja por via de círculos uninominais.

Protestos do IL.

A redução do número de Deputados tem sido um mantra do PSD e se o bloco central vier a fazer uma

alteração será, certamente, nesse sentido.

Os círculos uninominais são também uma forma de distorcer a proporcionalidade, que não é compensada

com o tal círculo de compensação.

O Sr. PedroPinto (CH): — Ficam só Lisboa e Porto!

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O Sr. JoséMouraSoeiro (BE): — Aliás, partem de uma ideia estranha de que uma comunidade poderia

ser representada por um Deputado, como se não fossem, necessariamente, plurais todas as comunidades

políticas que estão representadas.

O Sr. PedroPinto (CH): — Veja o País! Veja o resto do País!

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Em segundo lugar, é também uma forma de acentuar a fulanização da

política, de secundarizar os programas. É uma visão da política em que só há individualidades e legitimidades

individuais. Nós, pelo contrário, achamos que a política que interessa é a de um projeto coletivo e de vínculo

programático.

Por isso, com certeza, o Bloco de Esquerda está disponível para melhorar a proporcionalidade e para fazer

esse debate sobre o círculo de compensação. Porém, não estamos disponíveis para essa visão individualista

e liberal, segundo a qual a política eleitoral seria transformada numa espécie de espetáculo de campanhas

individuais, quando, para nós, a política democrática que conta e que interessa é a das mediações coletivas e

da representação de programas, de sínteses políticas, de posições de classe, de causas políticas.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alma Rivera, do PCP.

A Sr.ª AlmaRivera (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, antes de mais, começo por cumprimentar o

Sr. Deputado Rodrigo Saraiva. Sobre o sistema eleitoral, as suas insuficiências e possíveis soluções, o PCP

defende que há princípios e objetivos fundamentais que devem ser respeitados e seguidos e que devem

presidir às decisões e às mudanças.

Para o PCP, a defesa da proporcionalidade é a questão de fundo, na medida em que só assim se assegura

a pluralidade representativa das diferentes sensibilidades que existem no País. Quanto mais proporcional,

mais representativa da vontade dos eleitores será e, nessa medida, tudo o que contrariar esses princípios

deve ser encarado como negativo.

Quanto às principais ideias que o Iniciativa Liberal nos traz sobre esta matéria, temos uma reflexão

diferenciada para cada uma. No que toca aos círculos uninominais, consideramos que estes secundarizam as

ideias, pessoalizam-nas e, na prática, agravam um problema que foi referido e que hoje acontece, que é o do

desperdício dos votos e de intenções.

A aproximação entre eleitos e eleitores não se resolve, a nosso ver, com essa alteração ao sistema

eleitoral, mas, sim, com uma proximidade que se constrói pela forma como os eleitos exercem o seu mandato

e pela identificação que os eleitores fazem dos seus interesses neste exercício de representação. É assim que

se constrói o significado da verdadeira representação.

Relativamente ao círculo de compensação, achamos que merece ponderação, na medida em que aproveita

vontades que foram expressas em voto e diferentes sensibilidades.

Ainda relativamente aos portugueses que votam no estrangeiro, dentro e fora da União Europeia, é, sem

dúvida, necessário assegurar que as comunidades têm possibilidade de eleger e que essa possibilidade

corresponde a um sentimento de representação, o que implica mudanças, por exemplo, facilitando o voto

presencial na quantidade de mesas que se disponibilizam para o exercício desse direito.

Mas a questão que gostaríamos de colocar ao Iniciativa Liberal, face às preocupações que o Sr. Deputado

aqui explanou, é se não consideram que a transformação que se faz das eleições legislativas para os 230

Deputados em eleição para o Primeiro-Ministro torna absolutamente irrelevante o sistema eleitoral e

secundariza, em grande medida, os candidatos que cada círculo eleitoral tem e apresenta.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rodrigo Saraiva.

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O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Sr. Presidente, deixo um agradecimento ao Sr. Deputado José Soeiro e à

Sr.ª Deputada Alma Rivera, bem como a todos os que formularam pedidos de esclarecimento. Houve muitos

contributos, há concordâncias e discordâncias, e é deste debate que podem encontrar-se soluções.

Relativamente à intervenção do Sr. Deputado José Soeiro, que, em algumas partes, coincide com as

perguntas da Sr.ª Deputada Alma Rivera, consideramos que não há sistemas perfeitos e, portanto, todos eles

têm virtudes e defeitos. É neste equilíbrio que, depois, vamos ter de fazer opções e seguir caminho. Cada

partido há de fazer as suas opções e eu vivo perfeitamente bem com as divergências e as discordâncias.

Na minha intervenção, não abordei a fundo todas as virtudes e todos os defeitos das duas soluções de que

falei, até posso adicionar, por exemplo, uma virtude. Percebo as preocupações que trazem relativamente aos

círculos uninominais, mas o que tenho a dizer é o seguinte: se se quiser adicionar ao que existe apenas o

círculo de compensação, somos totalmente a favor; se alguém quiser tratar só de círculos uninominais, a

nossa resposta é não.

Aceitamos círculos uninominais com o círculo de compensação ou, então, o círculo de compensação entra

no nosso sistema dos círculos plurinominais. Esta é a nossa posição, e é muito clarinha. Só círculos

uninominais, pendemos para não querer, por causa dos defeitos dessa solução.

Mas os círculos uninominais trazem uma virtude, que é a de permitir, por exemplo, que o nosso sistema

abra esta Casa a candidaturas independentes. Essa é uma das virtudes da introdução dos círculos

uninominais no nosso sistema político e por isso queria deixar também esta nota.

Não deixa de ser interessante que, também neste tema, o Bloco de Esquerda — como seria de esperar —

veja nisto uma luta de classes. É normal.

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — O senhor não representa uma classe? O senhor representa uma classe!

O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Relativamente à pergunta da Sr.ª Deputada Alma Rivera, já respondi: só

círculo de compensação, sim; só círculos uninominais, não.

Em relação à última pergunta, partilhamos a mesma preocupação. Penso que é também uma questão de

literacia política, de literacia democrática e que as pessoas têm, obviamente, de saber. Nós, a comunicação

social e os professores nas escolas, todos, temos a responsabilidade de explicar às pessoas que estão a

eleger, em primeira instância, os seus representantes e não diretamente o Primeiro-Ministro. Portanto, nisso

estamos de acordo.

Aplausos do IL.

O Sr. Presidente: — Para uma declaração política, em nome do PCP, tem a palavra a Sr.ª Deputada Diana

Ferreira.

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: No próximo domingo, passarão mais de

130 anos sobre o primeiro 1.º de Maio, Dia Internacional do Trabalhador, cujos importância e significado se

mantêm profundamente atuais e ganham especial relevância face ao momento político, económico e social

que vivemos e aos riscos de retrocesso nos direitos laborais e sociais que estão à espreita.

Baixos salários, precariedade, horários selvagens e desregulados são problemas incontornáveis que os

trabalhadores, homens e mulheres, do nosso País enfrentam diariamente.

O aumento geral dos salários assume uma dimensão de emergência nacional, não só por uma questão de

elevação das condições de vida, de justiça social, de melhor distribuição da riqueza, de combate estrutural à

pobreza que persiste entre mais de 10% dos trabalhadores, mas também para enfrentar o brutal aumento do

custo de vida que está a ser imposto aos trabalhadores e ao povo do nosso País.

A recusa de uma valorização dos salários que acompanhe os valores da inflação e assegure a recuperação

do poder de compra perdido é uma forma de cortar salários aos trabalhadores.

Esta valorização dos salários tem de ser feita conjugando três ações concretas: o aumento do salário

mínimo nacional para os 850 € num curto espaço de tempo; a eliminação da caducidade da contratação

coletiva, imprescindível para aumentar os salários e valorizar as carreiras no setor privado; e o aumento dos

salários dos trabalhadores da Administração Pública, repondo o poder de compra perdido há mais de 12 anos

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e cumprindo progressões e valorizações remuneratórias. Estas são propostas que o PCP já entregou no início

desta Legislatura.

À urgência da valorização geral dos salários junta-se a evidente necessidade do combate à precariedade e

da sua erradicação, garantindo que a todas as necessidades permanentes corresponde um vínculo laboral

efetivo, pondo fim ao uso das mais diversas formas de precariedade que se multiplicam e que atingirão,

seguramente, mais de 1 milhão de trabalhadores, entre falsos contratos a prazo, falsos recibos verdes,

trabalho temporário, outsourcing, plataformas digitais, falsos estágios, falsas bolsas de investigação, trabalho à

peça ou à hora.

A insegurança dos seus vínculos é a insegurança na sua vida pessoal e familiar, é a incerteza do futuro, é

a instabilidade na proteção social, é a limitação de direitos fundamentais.

Para acabar com esta realidade de instabilidade e para cumprir o direito constitucional ao trabalho com

direitos e à segurança no emprego, o PCP entregou, hoje, duas iniciativas que dão passos firmes no combate

à precariedade: alargando as características relevantes para a presunção do contrato de trabalho; reduzindo

as situações em que é possível recorrer à contratação a termo; revogando o aumento do período experimental

para 180 dias e os contratos especiais de muito curta duração; aumentando o período em que a entidade

patronal fica impedida de proceder a novas admissões através de contrato a termo ou temporário, para as

mesmas funções desempenhadas; reduzindo as situações de admissibilidade de contratos de trabalho

temporário e a duração destes mesmos contratos; restringindo as razões para o recurso ao trabalho

temporário; e valorizando também as condições dos trabalhadores em regime de trabalho temporário.

A realidade dos baixos salários e da precariedade não raras vezes anda de mãos dadas com horários

desregulados e incompatíveis com qualquer conciliação com a vida pessoal e familiar.

Para esta realidade, a resposta é inseparável do reforço dos direitos dos trabalhadores em trabalho noturno

ou por turnos, reconhecendo as características penosas deste regime de trabalho e compensando estes

trabalhadores — conforme proposta que o PCP também já entregou —, mas é igualmente inseparável da

redução do horário de trabalho para as 35 horas para todos os trabalhadores, bem como do fim de

mecanismos de adaptabilidade e bancos de horas, que mais não são do que formas de dar horas de borla ao

patrão.

É urgente assegurar horários dignos para os trabalhadores, tempo para viverem, além do trabalho, tempo

para estarem em família e para acompanharem os filhos, mas também tempo para a cultura, para o desporto,

para o lazer.

Se os avanços civilizacionais nas áreas técnicas e científicas permitem que hoje se possa produzir mais,

com melhor qualidade, maior eficácia e em menos tempo, então esses avanços têm de estar ao serviço de

melhores condições de trabalho e de vida para os trabalhadores, que são quem produz a riqueza do nosso

País.

Por isso mesmo, entregámos também duas iniciativas que eliminam instrumentos de desregulação de

horários de trabalho e reduzem o horário de trabalho para as 35 horas para todos os trabalhadores, o que é da

mais inteira justiça e uma reivindicação profundamente ligada ao 1.º de Maio, que há mais de 130 anos

colocava já a exigência da fixação da jornada de trabalho num máximo de 8 horas diárias.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, salários valorizados, trabalho com direitos, estabilidade e segurança no

emprego, horários dignos e tempo para viver são as soluções que as iniciativas entregues pelo PCP garantem

aos trabalhadores. Isto porque os trabalhadores do nosso País não estão condenados a viver com baixos

salários, com vínculos precários, nem têm de estar sujeitos a horários desregulados, a longas jornadas de

trabalho, a bancos de horas, a intensos ritmos de trabalho, ao empobrecimento nem à exploração. O

reconhecimento e o cumprimento dos direitos dos trabalhadores são centrais num caminho de progresso e

justiça social, porque não há país desenvolvido sem trabalhadores valorizados.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr.ª Deputada, pelo respeito escrupuloso do seu tempo.

A Mesa regista quatro inscrições para pedidos de esclarecimento. Imagino que a Sr.ª Deputada pretenda

responder em blocos de dois.

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A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Para formular o primeiro pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado

Carlos Guimarães Pinto, do Iniciativa Liberal.

O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, falou aqui em lutas, que, acho, são

comuns a toda esta Casa. Todos nós, nesta Casa, queremos que as pessoas tenham salários mais altos;

todos nós, nesta Casa, queremos que as pessoas tenham mais tempo para viver, mais tempo para a sua

família; todos, aqui, queremos que as pessoas tenham maior qualidade de vida.

No entanto, a forma como estas intenções — que não devem ser apenas sinalizações de virtude — se

concretizam em medidas muito concretas diferencia-nos, e diferencia-nos bastante.

Por isso, a minha pergunta vai ser bastante curta, mas acho que ainda mais curta vai ser a sua resposta.

Há um conjunto de medidas que foram aplicadas por vários países, comprovadamente com sucesso, para

atingirem todos aqueles objetivos que a Sr.ª Deputada apresentou. O desafio que lhe faço e o que lhe peço é

que indique um exemplo de um país que tenha seguido as políticas comunistas e tenha atingido os objetivos

que declarou: ter salários elevados, boas condições de vida, bom desenvolvimento tecnológico.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Que argumento tão bonito! Tem de ler o manual da Legião Portuguesa!

O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — Só precisava que me indicasse um país. Imagino que tenha

inúmeros exemplos de países comunistas que tenham atingido este objetivo para dar. Se os tiver, agradecia

que os desse.

Aplausos do IL.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, as minhas felicitações também pela gestão no uso do tempo.

Tem, agora, a palavra, para um pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado José Soeiro, do Bloco de

Esquerda.

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Diana Ferreira, certamente ficou com a

mesma curiosidade que eu para saber se o Chile ou os Estados Unidos são o modelo que o IL propõe

relativamente à desigualdade salarial, aos horários de trabalho, à proteção dos direitos, à regulação do

trabalho.

O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — Temos o exemplo da Holanda. Diga o seu!

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — É bem verdade que a precariedade se tem alastrado e se tem

transformado, digamos assim, na relação laboral típica, normal, para uma fatia importante dos trabalhadores.

Refiro-me não só às formas clássicas de precariedade, aos contratos a prazo, aos falsos recibos verdes, mas

também a novas formas de precariedade que têm vindo a ser desenvolvidas, por via da retirada de relações

laborais, do próprio enquadramento do direito do trabalho, como acontece com as plataformas digitais.

Há o problema dos horários, da sua desregulação, mas também do prolongamento. A Sr.ª Deputada

assinalava que, no 1.º de Maio, a luta dos trabalhadores teve sempre na questão do horário de trabalho e da

defesa da limitação do horário de trabalho um dos seus núcleos centrais. Precisamente por isso, verificamos,

hoje, que, na prática, em muitos casos, estamos a trabalhar mais do que trabalhávamos há 40, há 50, há 60,

há 80 anos, por via do prolongamento informal dos horários de trabalho, que também significa uma invasão

patronal do tempo de vida, do tempo de descanso dos trabalhadores.

Temos divergências de fundo com o Partido Socialista, que se transformou no grande zelador da herança

da troica no Código do Trabalho. Não se pode mexer no que a troica pôs no Código do Trabalho, é intocável.

O Partido Socialista não aceita mexer na caducidade unilateral, mas há aspetos recentes que merecem

também preocupação e queria questioná-la também sobre isso, Sr.ª Deputada.

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Do Programa do Governo desapareceu o que estava no Programa Eleitoral do Partido Socialista sobre as

exigências do Estado às empresas com as quais celebra contratos de outsourcing. Porque é que isso

desapareceu do Programa do Governo?

O INE (Instituto Nacional de Estatística), no final de maio, dia 23, anunciou que ia deixar de recolher os

dados sobre trabalho por turnos, trabalho noturno, trabalho de madrugada, trabalho aos sábados e aos

domingos, para a divulgação trimestral que faz. Vai deixar de recolher essa informação porque não é muito

solicitada.

Ora, o trabalho por turnos é uma das realidades de maior precariedade para a organização da vida que

temos em Portugal e tem-se desenvolvido muito nos últimos anos. Porque é que, então, vai deixar de ser

incluída esta informação nos relatórios do INE?

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de concluir.

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Termino, Sr. Presidente.

A Direção-Geral da Administração e do Emprego Público fez uma nota em que esvaziou completamente o

dever de desconexão das empresas relativamente ao contacto com os trabalhadores fora do horário de

trabalho e isso também é preocupante. Gostava de saber o que pensa a Sr.ª Deputada Diana Ferreira e

também o que pensa o Partido Socialista sobre isso.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Diana Ferreira.

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Sr. Presidente, agradeço, desde já, ao Sr. Deputado Carlos Guimarães

Pinto, do Iniciativa Liberal, e também ao Sr. Deputado José Moura Soeiro pelas questões que apresentaram.

Sr. Deputado Carlos Guimarães Pinto, considerando as matérias que foram abordadas na minha

declaração política e que estamos a falar de direitos fundamentais da vida dos trabalhadores, que estamos a

falar de centenas de milhares de trabalhadores no nosso País, que estão em situação de pobreza por força

dos baixos salários, que estamos a falar da realidade de centenas de milhares de jovens que não conseguem

assumir projetos de vida, porque não têm estabilidade no seu vínculo laboral e porque não têm salários

dignos, efetivamente, esperava-se que houvesse um debate sério e questões sérias e preocupações sérias

por parte do Iniciativa Liberal relativamente a esta questão.

Aplausos do PCP.

E mais, Sr. Deputado, desconsiderar quase um século de progresso social nestas matérias, desconsiderar

quase um século de progresso social que resulta de lutas incansáveis dos trabalhadores em vários países do

mundo…

O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — Não são vários! Diga-me só um país!

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — … não é só cinismo, é efetivamente ignorância. Nós não vamos dar lições

de História a ninguém, estamos aqui para debater os problemas laborais dos trabalhadores do nosso País.

Aplausos do PCP.

Também registamos, Sr. Deputado, que, para os trabalhadores do nosso País, o Iniciativa Liberal teve zero

palavras, o que é bastante revelador, efetivamente,…

O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — Diga agora! Não tem resposta!

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A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — … dos interesses que os senhores defendem. Não têm palavras para falar

da realidade da precariedade.

O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — Onde é que seria melhor? Em Cuba?

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Os Srs. Deputados não têm palavras, por exemplo, para os trabalhadores

dos CTT (Correios de Portugal), quando há 18 milhões de euros que vão ser distribuídos pelos acionistas e os

trabalhadores vão levar para casa um aumento de 5 €.

O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — Não tem resposta? Não tem nenhum país?!

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Como é que o Iniciativa Liberal vê essa realidade de exploração, Sr.

Deputado? Zero palavras em relação a estas realidades,…

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Essa é que é a verdade!

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — … que são transversais no nosso País. E isso, Sr. Deputado, diz muito

mais do Iniciativa Liberal do que o que o Sr. Deputado possa pensar.

O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — Diga lá um país! Não sabe?!

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Sr. Deputado José Moura Soeiro, utilizando o tempo que ainda me resta,

relativamente ao conjunto de questões que aqui apresentou sobre os trabalhadores das plataformas digitais,

que, aliás, protagonizaram recentemente uma luta pela defesa da melhoria das suas condições de trabalho,

denunciando atropelos absolutamente inaceitáveis, que, naturalmente, o Iniciativa Liberal deve ignorar…

O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — E a Bielorrússia? E Cuba? Zero! Não tem resposta!

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Referiam, inclusive, o facto de terem até menos dinheiro para suportar o

custo dos combustíveis nas entregas que fazem.

Muitos de nós utilizamos essas plataformas para requerer um conjunto de serviços, de bens e até de

alimentação e hoje sabemos que quem deixa essas coisas em nossa casa não tem salários dignos, trabalha

10, 12, 14, 16 horas. Trabalha o máximo de horas que pode porque não tem estabilidade no seu vínculo

laboral e porque tem, efetivamente, baixos salários e quase que paga para trabalhar. E sobre isso o Iniciativa

Liberal também não tem uma palavra a dizer?

Aplausos do PCP.

Protestos do IL.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Rita Borges Madeira, do

Grupo Parlamentar do PS.

A Sr.ª Rita Borges Madeira (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Diana Ferreira,

em primeiro lugar, em nome do Partido Socialista, agradeço-lhe a referência a essa data tão importante e com

tanto significado que é o 1.º de Maio, um marco da luta dos trabalhadores por aquilo que deve ser seu: o

direito ao trabalho, o direito a ter condições dignas de trabalho e o direito a uma justa retribuição.

O Governo e o Partido Socialista já provaram, ao longo destes últimos anos, que estão ao lado dos

trabalhadores e das empresas. O combate à pobreza e às desigualdades sociais esteve e está no centro do

combate político para o Partido Socialista, não só porque impõem um limite ao desenvolvimento económico e

social do País, mas principalmente porque representam um atropelo ao Estado social.

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Dissemos «presente» no desenho e na implementação de políticas que permitiram que o nosso País

atingisse os níveis de desigualdade mais reduzidos de sempre. Dissemos «presente» quando tivemos uma

das menores taxas de desemprego das últimas décadas. Dissemos «presente» quando cumprimos o

compromisso de recuperação da confiança na economia, na criação de emprego, na redução da precariedade

e na valorização salarial.

Tivemos o maior aumento do salário mínimo nacional e também do salário médio. Tivemos aumentos de

pensões e vamos ter também, neste Orçamento, um aumento extraordinário de pensões, que abrangerão

mais de 2,3 milhões de pensionistas. Mas não nos contentamos com isto, Sr.ª Deputada. Por isso, cá

continuamos e por isso os portugueses continuam a confiar em nós.

Este Orçamento prevê, apesar da difícil conjuntura internacional, continuar o apoio aos trabalhadores e às

famílias, com medidas significativas, algumas delas ouvidas hoje de manhã, como a gratuitidade e o

alargamento da rede de creches, a garantia para a infância, o reforço do abono de família, as prestações de

parentalidade, entre outras.

Mas não nos podemos esquecer da Agenda do Trabalho Digno e de Valorização dos Jovens no Mercado

de Trabalho, porque, para o Partido Socialista, todos os cidadãos são tratados com a mesma dignidade, todos

os cidadãos têm, hoje, o direito às mesmas oportunidades, a uma melhor qualidade de vida. É esse o País em

que acreditamos e é para isso que trabalhamos.

A pergunta que lhe faço, Sr.ª Deputada, é se as medidas que foram tomadas nestes últimos anos e aquelas

que se encontram previstas neste Orçamento correspondem, para o PCP, a avanços na valorização do

trabalho e dos trabalhadores e se podemos contar com o seu partido na continuação da melhoria de vida dos

trabalhadores.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — O último pedido de esclarecimento à Sr.ª Deputada Diana Ferreira pertence ao Grupo

Parlamentar do PSD.

Tem a palavra, para o efeito, a Sr.ª Deputada Emília Cerqueira.

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Sr. Presidente, começo por saudar a Sr.ª Deputada por trazer este tema

a debate e deixar-lhe uma nota já que é, aliás, sem espanto, com aquele hábito useiro e vezeiro do PCP, que

temos aqui uma declaração política que nada mais é do que a referência às iniciativas que apresentou no dia

da tomada de posse.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Não ouviu com atenção! Tem de ouvir outra vez!

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Refiro-me às iniciativas que apresentou no dia da tomada de posse e

que deram entrada no dia 29 de março de 2022 — o Projeto de Resolução n.º 4/XV/1.ª e os Projetos de Lei

n.os 1, 2, 3, 15/XV/1.ª — e que são uma repetição das que tinham acabado de ser chumbadas.

O Sr. Paulo Mota Pinto (PSD): — É verdade! É verdade!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Não percebeu nada!

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Mas o hábito é este: o PCP, que não anda, que está sempre parado no

tempo, apresenta uma vez e outra e outra as mesmas propostas…

O Sr. Paulo Mota Pinto (PSD): — Muito bem!

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — São as mesmas propostas de «rigidificação» do nosso ordenamento

jurídico,…

Aplausos do PSD.

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… de falta de adaptação às necessidades, de falta de adaptação à realidade, bem como aquelas propostas

que têm colocado Portugal cada vez mais na cauda da Europa, com trabalhadores mais pobres, com um

tecido empresarial mais precário, menos robusto, com menos capacidade financeira. Sim, porque os

empregadores não são o diabo de que falam, os empregadores são resilientes e são fundamentais para um

bom mercado de trabalho, para a riqueza que é criada e para o rendimento dos trabalhadores.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Quem cria a riqueza são os trabalhadores!

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Pena é que o PCP, a reboque das suas iniciativas que, volto a repetir,

apresenta vezes sem conta, não tenha a preocupação de ouvir a concertação social. Aliás, prefere fazer

política nas ruas usando o 1.º de Maio e o 25 de Abril como se deles fosse dono, quando eles são de todos

nós, de todos os portugueses e de todos os trabalhadores, de todos os quadrantes políticos.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — É do Elon Musk!

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Não tem donos a democracia. Aliás, mal fora se o dono fosse o PCP,

porque não existiria.

A pergunta que tenho para lhe fazer é muito simples, Sr.ª Deputada: vai o PCP, de uma vez por todas,

olhar para o futuro, olhar para a frente, para a necessidade dos nossos jovens, dos nossos trabalhadores, para

a necessidade de enriquecimento efetivo deste País ou vai continuar nesta posição de olhar para trás, de estar

no século passado, com saudades de uma qualquer URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) e

fazer, com isso, com que sejamos cada vez mais pobres?

Está na vossa mão, no início desta Legislatura, arredar pé e, de uma vez por todas, ser parte da solução.

Serão?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Diana Ferreira.

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Sr. Presidente, cumprimento a Sr.ª Deputada Rita Borges Madeira, do PS,

e a Sr.ª Deputada Emília Cerqueira, do PSD, pelas observações que fizeram e pelas questões que colocaram.

Sr.ª Deputada Emília Cerqueira, começo por si. Efetivamente, o PSD vem aqui no seu ar useiro e vezeiro

de profunda desatenção às palavras que foram proferidas daquela tribuna.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Para a próxima, oiça!

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Sr.ª Deputada, se tivesse ouvido o que foi dito pelo PCP, tinha-se

apercebido de que o anúncio que fizemos daquela tribuna foi de iniciativas legislativas que entraram,

efetivamente, hoje. E, Sr.ª Deputada, são iniciativas que foram entregues hoje para resolver os problemas da

precariedade que existe hoje…

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Exatamente!

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — … e que atinge mais de 1 milhão de trabalhadores no nosso País. São

iniciativas para resolver o problema dos horários desregulados que existe hoje no nosso País, em que se

impõem também jornadas de trabalho superiores a 10 horas por dia.

Mas, pelo visto, com isso o PSD convive bem. Como deve também conviver muito bem, por exemplo, com

grupos da grande distribuição, como a Sonae, que, tendo 268 milhões de euros de lucros, nega aumentos aos

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seus trabalhadores. Como, com certeza, também convive bem com os lucros de 463 milhões de euros do

Pingo Doce, Sr.ª Deputada, que nega aumentos aos trabalhadores.

Os Srs. Deputados convivem bem com o patronato, a quem sabe bem pagar tão pouco aos trabalhadores.

Pois bem, nós não convivemos, Sr.ª Deputada!

Aplausos do PCP.

Esse é um convívio que é vosso. Nós sabemos bem de que lado é que estamos nessa luta: estamos do

lado do reforço dos direitos dos trabalhadores, da valorização dos seus salários, da melhoria das suas

condições de trabalho e das suas condições de vida.

Sr.ª Deputada Rita Borges Madeira, gostaria ainda de fazer algumas observações, nomeadamente

contrapondo as palavras do Partido Socialista à sua prática. Isto porque, Sr.ª Deputada, nós não esquecemos

que na última Legislatura, na 25.ª hora, o PS deu uma cambalhota no que se refere às propostas de combate

à precariedade.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Exatamente!

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Uma iniciativa legislativa do PCP, que o PS tinha aprovado para ser

tratada na especialidade, na 25.ª hora, afinal, achou que não era assim tão urgente responder à realidade da

precariedade dos trabalhadores e rejeitou-a.

Sr.ª Deputada, o PS continua a recusar os aumentos salariais que se impõem para repor o poder de

compra que está a ser perdido pelos trabalhadores. O PS continua a recusar eliminar a caducidade da

contratação coletiva. Reconhece que há um problema e propõe uma moratória de suspensão, mas,

reconhecendo que há um problema, não o resolve em definitivo.

Sr.ª Deputada, o PS mantém trabalhadores na Administração Pública com vínculos precários, não tendo

concretizado o PREVPAP (Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na

Administração Pública) na sua totalidade.

Por isso, as palavras podem ser muito bonitas, mas os atos que o PS tem tido é que, efetivamente, não

correspondem ao mínimo das intenções.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma declaração política, em nome do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda,

tem a palavra a Sr.ª Deputada Joana Mortágua.

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Porque nenhuma violação dos

direitos humanos deve ser contida no foro privado da vítima, perpetuada pela impunidade do agressor e pela

negação de justiça;

Porque o atentado à dignidade humana das vítimas de violência sexual, maioritariamente mulheres, diz

respeito à sociedade, aos seus preconceitos e às suas desigualdades;

Porque não podemos ignorar que o substrato deste crime é uma cultura de subjugação e de objetificação

sexual das mulheres, provada pela tendência de reincidência dos agressores;

Porque os agressores têm essa cultura a seu favor e contam com ela, com a estigmatização social e a

culpabilização das vítimas, com a vergonha que cala o sofrimento e que abafa a denúncia.

Por todas estas verdades, que creio serem indiscutíveis entre nós, o que trazemos a debate é a relação

entre a sociedade e o crime de violação sexual, é saber se nos responsabilizamos pela proteção das vítimas,

respeitando-as naquilo que há de mais essencial, que é o direito humano a não serem vítimas de uma violação

ou de um crime sexual.

O que aqui discutimos é se um violador pode confiar mais na sociedade para preservar a sua impunidade

do que a sua vítima, presente ou futura, pode confiar na proteção da justiça.

A violência sexual é uma guerra permanente. Entre 2015 e 2020, houve 2285 queixas de crime de violação,

o que significa uma média de mais de uma queixa por dia durante esses cinco anos. A diminuição do número

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de queixas, entre 2019 e 2020, considerando os confinamentos da pandemia, não nos pode fazer afirmar uma

tendência, pelo contrário, deve preocupar-nos.

A maioria das vezes, os autores dos crimes são homens que fazem parte da relação familiar ou de

proximidade das vítimas. Este é um crime em que a ascendência do agressor sobre a vítima e as relações de

poder se verificam de forma especialmente intensa, motivo pelo qual é também uma violência entregar a

vítima à sua sorte, dizendo-lhe que a decisão de investigar e acusar o crime por si sofrido depende apenas da

sua vontade.

Estes são os dados que destroçam o argumento da proteção da intimidade da vítima, utilizado agora, como

há 20 anos, para recusar o crime público, na altura, na discussão sobre a violência doméstica.

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Todas as meninas e mulheres estão acostumadas a sentirem-se mais ou

menos inseguras na rua, mas não há horror maior do que o de ter de voltar a casa todos os dias sabendo que

o perigo está lá dentro. Quem é que pode dormir bem à noite, agarradinho à almofada da privacidade,

sabendo que não fizemos tudo o que estava ao nosso alcance para proteger estas mulheres?

A petição para a conversão do crime de violação em crime público é prova de que esta é uma causa

abrangente da nossa sociedade e conta com mais de 100 000 signatárias e signatários. Argumentam que, tal

como sucede na violência doméstica, acertadamente transformada em crime público, também neste caso as

vítimas receiam a retaliação do agressor e a própria estigmatização social.

Sr.as e Srs. Deputados, há mais de 20 anos, Luís Fazenda e Francisco Louçã fizeram a defesa destes

mesmos argumentos e ganharam a unanimidade neste mesmo Parlamento para se considerar a violência

doméstica como crime público. Foi um abanão nas convenções sociais que durante séculos normalizaram a

imagem do marido que chega a casa aborrecido e espanca a mulher ou os filhos: entre marido e mulher todos

passámos a «meter a colher».

Antes disso, muitas ativistas discutiram e lutaram pela necessidade de um novo enquadramento penal para

proteger as mulheres vítimas de violência doméstica. Cito as palavras de Helena Pinto, quando lembrava o

tempo «em que as mulheres não tinham condições nem coragem para ir a uma esquadra de polícia, entrar por

ali adentro para, encostadas a um balcão onde só havia homens, dizer a um polícia, ou a um guarda-

republicano: ‘Eu sou vítima de maus tratos, o meu marido agride-me e eu venho aqui apresentar queixa’.»

Lembro também as palavras da socialista Maria Alzira Lemos, numa audição pública promovida no

Parlamento: «Porquê discutir em torno da necessidade ou não do crime público? Estamos a falar de quê?

Estamos a falar de direitos humanos. E como estamos a falar de direitos humanos, o crime só pode ser

público. Não há meio-termo. Não se pode deixar a responsabilidade só para as vítimas.»

Foi a partir desta ideia simples, de que não se pode abandonar as vítimas a si próprias, como se fossem

elas as responsáveis pelo confronto com o que há de mais podre na sociedade machista, que as políticas

públicas de proteção de vítimas de violência doméstica começaram a ganhar forma.

Viemos de longe e agora não pedimos grandes inovações legislativas nem mesmo uma revolução de

mentalidades, essas têm vindo a ser feitas ao longo de décadas e muitas vezes fora das paredes deste

Parlamento. O que pedimos hoje é que não nos desviemos deste caminho e que não seja a Assembleia da

República a negar o grito das mulheres na rua: mexeu com uma, mexeu com todas.

Aplausos do BE e do IL.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, a Mesa regista quatro inscrições para pedidos de esclarecimento, aos

quais indicou que responderá em conjunto.

O primeiro pedido de esclarecimento pertence à Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do PAN, a quem dou a

palavra.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Joana

Mortágua, começo por saudá-la por trazer este tema a debate na Assembleia da República, tema que

acompanhamos e que, no entender do PAN, é da maior pertinência.

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Já tivemos oportunidade de ouvir quem, do ponto de vista conservador, entende que atribuir o caráter

público a este tipo de crimes é retroceder nos direitos das mulheres. Não podemos estar mais distantes desse

entendimento.

Acompanhamos a visão do Bloco de Esquerda, até porque nos acompanham nesta demanda as mais de

100 000 assinaturas que firmaram esta petição que esperamos que venha, em breve, à Assembleia da

República. Isto porque, de facto, entre marido e mulher, entre homem e mulher ou entre seja quem for, onde

haja violência, temos de «meter a colher» e o legislador tem de acompanhar este devir social.

Para aqueles que possam, de alguma forma, antecipar alguns argumentos, nomeadamente o da

privacidade da vítima, tenho a dizer que apresentámos já uma iniciativa legislativa que tem um mecanismo-

travão e visa a possibilidade de a vítima retirar a queixa-crime e o processo que esteja em curso. Há uma

válvula de escape e, portanto, há soluções jurídicas que permitem mitigar essa questão.

Por outro lado, entender que a natureza pública de crime pode levar a que não existam condenações ou a

que existam condenações injustas seria, em nosso entender, pôr em causa o próprio crime que atualmente

tem natureza pública, que é o crime de violência doméstica.

Mas a pergunta que gostaria de lhe fazer, porque estamos a falar de crimes horrendos que destroem

sonhos e perspetivas de vida, é se não devemos ir mais longe e, tal como o PAN já propôs, alterar também os

prazos de prescrição, tanto da própria queixa como dos crimes sexuais, precisamente para ter em conta o

tempo que as vítimas possam levar a atingir a maioridade ou os seis meses para que uma vítima possa lidar

com todo o processo, quer em caso de violação, quer nos demais crimes, como o assédio sexual, e que são

manifestamente insuficientes.

Devemos, de forma mais profunda, alterar o Código Penal e o Código de Processo Penal, mexendo nestes

crimes? Vão acompanhar o PAN nesta medida?

Por outro lado, refiro a autonomização do crime de assédio sexual, pois continuamos a ter eufemismos a

marcar o nosso Código Penal e achamos que devemos, de facto, ir mais longe.

Para concluir, não poderia deixar de manifestar toda a nossa solidariedade para com as mulheres que, no

contexto da guerra, estão a ser vítimas do crime de violação, pois é com horror e muita indignação que

continuamos a assistir ao crime de violação a ser usado como crime de guerra.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada do Partido Socialista

Cláudia Santos.

A Sr.ª Cláudia Santos (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, cumprimento a Sr.ª Deputada Joana

Mortágua e o Bloco de Esquerda por nos permitirem revisitar este assunto.

Começo por dizer que o crime de violação já é crime público quando praticado contra vítimas menores. Não

é, portanto, de meninas ou de meninos que estamos aqui a falar.

O crime de violação também é crime público quando da violação resultar o suicídio ou a morte da vítima e,

desde 2015, o crime de violação pode dar origem a processo penal desencadeado pelo Ministério Público se,

não havendo queixa da vítima, o Ministério Público achar que o interesse da vítima o aconselha.

Apesar disso, o Bloco de Esquerda traz o assunto da «publicização» do crime de violação a este Plenário,

sessão legislativa após sessão legislativa. Discutimo-lo no dia 15 de abril do ano passado. Não vou maçar este

Plenário revisitando os mesmos argumentos, pretendo trazer argumentos novos.

Admito que a proposta do Bloco de Esquerda seja bem-intencionada. Peço que nos façam a justiça de

admitir que a nossa perspetiva também o é, e a nossa perspetiva não é, seguramente, conservadora, muito

pelo contrário, é bastante progressista, porque quem pede mais do mesmo é o Bloco de Esquerda e o PAN,

que pedem mais direito penal. A resposta dada pela justiça penal está garantida há muitas décadas. Nós

somos progressistas, porque estamos à procura de respostas novas. Achamos que as vítimas merecem

respostas novas.

Precisamos, também, de recordar o que é ser vítima de um crime. Ser vítima de um crime é ser-se atingido

numa espécie de escudo invisível que, num Estado de direito, nos garante que podemos caminhar pela vida

sem sermos atingidos na nossa liberdade sexual, na nossa integridade física, na nossa honra, na nossa

propriedade. Quando somos vítimas de um crime, o egoísmo do agressor impõe-se à nossa vontade.

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Não há, portanto, razão nenhuma para, tratando-se de vítimas adultas — que não são vitimizadas num

escudo invisível, são invadidas no seu próprio corpo, da maneira mais brutal que, de facto, podemos imaginar

—, talvez devamos admitir que proteger essas vítimas é reconhecê-las na sua liberdade, na sua autonomia e

na sua vontade.

Portanto, o que quero perguntar-lhe, Sr.ª Deputada, é apenas o que diria a uma vítima, e vou citar uma,

que afirmou o seguinte: «Fui violada por duas pessoas. Os meus amigos ligaram para a minha família e

expuseram-me. Eu já estava sob tratamento e em franca recuperação. Eles não me ouviram, porque, para

eles, eu era só uma doente que não podia escolher sobre a sua própria vida.»

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Eu li! Já disse isso no último debate!

A Sr.ª Cláudia Santos (PS): — Estamos a falar de uma mulher, uma mulher adulta, que quer respostas

novas e que não quer ser exposta no processo penal. A Sr.ª Deputada quer mesmo obrigá-la a essa resposta

única? Esta é a pergunta que lhe deixo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardo Blanco, do

Iniciativa Liberal.

O Sr. Bernardo Blanco (IL): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Joana Mortágua, já estou a ficar preocupado,

porque já é a segunda declaração política sua de seguida que eu acabo a aplaudir, mas é sinal, certamente,

da importância da matéria.

Vozes do PS: — Oh!…

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Eu também estou preocupada!

O Sr. Bernardo Blanco (IL): — E, neste caso, é realmente de lamentar que o PS continue a trazer quase

cópias de declarações da Legislatura anterior e ignore que há várias propostas em que as vítimas têm o

direito, como bem disse a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, a essa suspensão provisória do processo. Seria

como o caso da violência doméstica, em que os argumentos são exatamente os mesmos, mas a sociedade

evoluiu e não aconteceu isso. E, em todas as legislaturas, teimam em insistir neles.

Já houve propostas na Legislatura anterior, mas agora somos mais uma força política a ter uma proposta

para que a violação passe a ser considerada crime público. Na Legislatura anterior, o próprio Chega votou a

favor. A minha dúvida até é relativamente à nossa proposta, porque, na altura, o Bloco de Esquerda absteve-

se. Penso que pode ter tido que ver com esta questão do direito de suspensão, mas é uma questão em que

também se poderá trabalhar em sede de especialidade.

Por isso, na realidade, o meu pedido de esclarecimento é basicamente relativo ao direito de suspensão, ou

seja, gostaria de saber se o Bloco de Esquerda concorda que esse direito deve existir, até para salvaguardar

este tipo de críticas que têm sido feitas, sobretudo pelo PS e, também, pelo PSD.

Aplausos do IL.

O Sr. Presidente: — Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alma

Rivera, do PCP.

A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, quero saudar a Sr.ª Deputada Joana

Mortágua e o Bloco de Esquerda pela questão que abordaram uma vez mais.

Pela relevância da matéria, importa enquadrar o que se está a tratar e o que está, de facto, em causa

quando falamos de crimes semipúblicos ou públicos. E importa não confundir um juízo sobre a gravidade ou

censurabilidade do crime com a configuração enquanto crime público ou não. Essa é uma confusão que

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muitas vezes se faz e, tal como encarar todas as alterações como sendo boas, talvez, às vezes, fosse melhor

deixar estar e não entrar por aí, em vez de se mudar para pior.

O que está em causa no crime público é a possibilidade de denúncia por qualquer pessoa — uma

possibilidade que já está prevista no crime semipúblico — e que isso dê origem a investigação obrigatória e já

não dependente da apresentação de queixa pela vítima. Ou seja, no crime público o processo prossegue,

independentemente da vontade da vítima.

Importa referir que o que se discute, como também já foi dito, é a violência sexual sobre adultos com

autonomia, uma vez que o abuso sexual de menores, por exemplo, tem já a natureza de crime público, e

também os crimes sexuais que são praticados em contexto de relação afetiva, que têm um regime próprio que

corresponde ao pretendido pelo Bloco de Esquerda.

O PCP compreende que a ideia é proteger as vítimas, aumentar o número de queixas e acabar com o

sentimento de impunidade, mas a solução proposta, a nosso ver, não só não é eficiente como pode ser até

contraproducente, além de que, de facto, é muito difícil provar um crime de violação ou de violência sexual

sem a colaboração ativa da vítima. Isso é, de facto, muito difícil.

Achamos que pretender proteger a vítima ignorando a sua vontade não é, de facto, a melhor forma. E,

como temos dito, nem cada uma das vítimas e a tutela dos seus direitos pode ser instrumental à realização da

justiça, nem pode ser instrumental à prossecução de alterações na perceção pública dos crimes e dos

conceitos da nossa sociedade.

Não podemos proteger a vítima ignorando a sua vontade, e questionamos se consideram, então, que fazer

seguir o processo sem o consentimento da vítima e contra a sua vontade não é uma segunda violência a que

sujeitam a vítima.

Mais do que a natureza de crime público, a responsabilização coletiva por este crime passa por perceber o

porquê dessa recusa, pela disponibilização urgente, a nosso ver, de um apoio à vítima presente, com meios,

que exista independentemente do processo judicial, e, claro, por uma maior identificação, portanto, maior

confiança no produto da própria justiça.

A nosso ver, sacrificar a vítima e a sua vontade em cada momento, em nome de um simbolismo, de um

maior compromisso, de um compromisso forte de combate a este crime e à violência sexual como um todo, é

uma revitimização, e a solução não pode passar por uma revitimização.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Joana Mortágua, do BE.

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, estou certa de que o Sr. Deputado

Bernardo Blanco e a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real compreenderão que centre as minhas respostas às

questões das Deputadas Cláudia Santos e Alma Rivera, pelos argumentos que apresentaram.

Perguntaram se considero que uma vítima de violência doméstica, pelo facto de o crime de violência

doméstica ser público, é revitimizada, lesada na sua autonomia, e se acho que o Estado está a ser paternalista

para com uma vítima de violência doméstica, pelo facto de a violência doméstica ser crime público. Respondo

que não, não considero isso.

Perguntaram se considero que há um dever de proteção da intimidade da vítima de violência doméstica

que é posto em causa pelo facto de a violência doméstica ser crime público. Respondo que não, não

considero isso.

Não considero isso, porque o Parlamento foi capaz de superar a perceção conservadora de que aquilo que

existe dentro de casa, as matérias relacionadas com atos sexuais, com o tabu do sexo, com uma agressão

sexual, tem que ver, potencial e principalmente, com a intimidade das vítimas e não é um assunto da

sociedade.

Até lhe digo mais: aquilo que revitimiza as mulheres é a cultura de violação. Aquilo que revitimiza as

mulheres é o medo. O que revitimiza as mulheres é esta sensação de vergonha. Ao dizer que vamos pôr em

causa a intimidade pelo facto de o crime ser público, estamos a legitimar a sensação de vergonha e de

estigma social que as mulheres sentem perante o crime de violação. É isso que não podemos esquecer!

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A Sr.ª Deputada Cláudia Santos pergunta-me: «Mas quer impor um caminho único?!» Não! Não quero

impor um caminho único, como não se impôs um caminho único às vítimas de violência doméstica e como não

se impõe um caminho único às crianças vítimas de violação, crime que já é consagrado como crime público.

Não consta que nem a autonomia nem a dignidade dessas crianças tenham sido postas em causa pelo facto

de elas estarem especialmente protegidas pela lei.

Mas há uma questão que penso ser preciso entender. O Estado tem uma responsabilidade especial para

com as vítimas de agressões e de violação: tem a responsabilidade de as proteger, tem a responsabilidade de

formar polícia, procuradores, juízes e advogados, tem a responsabilidade de afastar o agressor da vítima e

tem a responsabilidade de prestar apoio psicológico à vítima.

Escamotear estas responsabilidades do Estado, fugir a estas responsabilidades, escusando um suporte da

proteção à vítima e afunilando a questão do debate da violação como crime público, dizendo que isso escusa

as outras responsabilidades do Estado, é uma forma — perdoem-me a expressão — muito hipócrita de entrar

neste debate, porque nenhuma responsabilidade do Estado pode ser escamoteada pelo facto de o crime ser

considerado crime público.

Aquilo que acontece quando o crime é considerado crime público é que o Ministério Público tem a

obrigação de agir caso haja denúncia, caso não haja denúncia.

Queria referir um episódio ocorrido em 2021, quando um jovem admitiu, num direto do Instagram, ter

violado uma rapariga e tê-la abandonado até que chegasse o INEM (Instituto Nacional de Emergência

Médica). Pela lei portuguesa, mesmo com um direto em que centenas de pessoas viram um jovem a admitir

ter violado uma rapariga e tê-la deixado abandonada até o INEM chegar, é preciso que o Ministério Público

considere que a vítima tem dever especial de proteção para poder avançar sem a queixa da vítima.

Pergunto-lhe: nenhuma das pessoas que tenham visto aquele rapaz admitir ter violado uma mulher terá

algo a dizer? A sociedade não tem nada a dizer sobre isso? A sociedade não tem nenhuma responsabilidade

coletiva? Lavamos as mãos em relação a estas vítimas? Abandonamo-las à solidão do seu trauma?

Abandonamo-las à solidão da sua vergonha e da sua estigmatização? A sociedade não tem nenhum dever

especial de dizer aos agressores que o crime não ficará impune e que não o vão repetir?

É preciso lembrar que o crime de violência sexual tende, muitas vezes, a ser um crime com altas taxas de

reincidência. O que é que a sociedade diz, em conjunto, não só às vítimas, mas também aos agressores?!

Sei o que o Bloco de Esquerda deseja que seja dito. O que desejamos que seja dito é que nenhuma mulher

está sozinha perante um crime de agressão sexual. Por muito profundo que seja o trauma, por muito delicado

que seja lidar com ele, é precisamente ao reconhecer este crime como crime público que dizemos que há um

País inteiro e um sistema judicial que estão dispostos a protegê-las. Enquanto essa ideia não estiver bem

solidificada, não há nem agressor que deixe de se sentir impune, nem vítima que se sinta protegida pela

sociedade e pela justiça.

Acho que não vale a pena mencionar — não o foram nesta discussão, e ainda bem! — outro tipo de

argumentos absurdos, como o de que as mulheres vão ser arrastadas contra a sua vontade para perícias

legais e para a barra dos tribunais sem assim o entenderem. Como é óbvio, vivemos numa democracia e

nenhuma mulher será arrastada para processos que vão contra a sua dignidade, a sua autodeterminação e os

seus direitos humanos. Pelo contrário, é essa dignidade que queremos preservar.

Termino, Sr. Presidente, dizendo que não há um único argumento que seja agora utilizado sob a pretensa

capa da proteção da vítima que não tenha sido utilizado há 20 anos para a violência doméstica. Nenhum! E

não houve um único que, em 20 anos, se tivesse provado verdadeiro.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma declaração política, em nome do Grupo Parlamentar do PS, tem a palavra o

Sr. Deputado Jorge Seguro Sanches.

O Sr. Jorge Seguro Sanches (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Permitam-me que, na minha

primeira intervenção nesta Legislatura, dirija ao Sr. Presidente da Assembleia da República e, através de V.

Ex.ª, a todos os Srs. Deputados uma palavra de votos de sucesso na representação de todos os portugueses

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nesta Assembleia da República, ao longo desta Legislatura. O sucesso de todos e de cada um de nós, nesta

missão, será, seguramente, o melhor caminho para um Portugal mais desenvolvido, justo e solidário.

Trago ao Plenário um tema tão relevante e antigo que merecerá, estou certo, por parte dos Srs. Deputados,

todo o interesse e motivação para acompanharmos o desenvolvimento em Portugal durante os próximos anos.

Depois de décadas de planos e de promessas adiadas, Sines é, hoje, finalmente, uma certeza de

desenvolvimento industrial e logístico no nosso País. Cada vez mais — até por aquilo que, nestes dias,

acontece no leste da Europa, cada vez mais visível a todos os europeus ―, Sines assume um potencial

estratégico, ainda para mais associado ao potencial da zona económica exclusiva de Portugal, a 2.ª maior da

Europa e a 19.ª do mundo.

Com efeito, criado há 52 anos, o Gabinete da Área de Sines foi responsável pela implementação de um

complexo industrial e portuário — aproveitando as suas condições naturais e estratégicas e potenciando o seu

porto de águas profundas —, que pode receber qualquer navio do mundo, de qualquer tonelagem.

Em serviço desde 2004, embora a decisão da sua construção tenha sido iniciada em 2000, Sines possui,

além disso, um terminal de armazenamento de gás natural liquefeito (GNL) dos mais eficientes da União

Europeia.

Sines é, atualmente, um motor em crescimento da economia nacional, quer através da sua inserção

logística global, quer através da sua aposta na transição energética e na transição digital.

Precisamente sobre este último ponto, o da transição digital, esta semana, a empresa responsável pelo

desenvolvimento do hyperscale data centre SINES 4.0 iniciou a construção da primeira fase do projeto. Trata-

se de um investimento de 130 milhões de euros, com conclusão prevista para o primeiro trimestre de 2023 e a

criação de 70 a 100 novos postos de trabalho diretos em Sines. Estima-se que, durante este ano, sejam,

igualmente, criados 400 postos de trabalho indiretos.

Este investimento é o resultado da existência de estações de amarração de cabos submarinos de

telecomunicações e de centros de processamento e armazenamento de dados, nos quais se investiram 3,5 mil

milhões de euros, sendo, ainda, criadores de postos de trabalho também noutras regiões do País.

Este valor faz parte de um pipeline de investimentos privados — em curso, confirmados e potenciais —

superiores a 17 mil milhões de euros até 2030, o equivalente a 8% do PIB (produto interno bruto) nacional de

2021.

Aplausos do PS.

Mas, também, Srs. Deputados, na componente logística, os investimentos privados na expansão do atual

terminal de contentores e num futuro segundo terminal de contentores estão estimados em 940 milhões de

euros. Os projetos empresariais de logística e de assemblagem rondarão os 800 milhões de euros e, com

ambos, haverá a criação de 800 a 900 postos de trabalho.

Os investimentos nas áreas da energia e da indústria chegarão a mais de 4 mil milhões de euros em

reforços de investimento por empresas que não estão atualmente em Sines. Por exemplo, só o projeto,

anunciado na semana passada, do MadoquaPower2X e os três investimentos privados que, neste momento,

já estão em curso somam mais de 6 mil milhões de euros.

Quanto à transição digital, com as estações de amarração de cabos que referi há pouco, temos um

investimento de 3,5 mil milhões de euros.

Toda esta dinâmica de investimento, Sr. Presidente e Srs. Deputados, ilustra como Sines se está a tornar

num hub da Europa com o mundo, o que resulta não só de capacidades naturais e de investimentos, mas

igualmente da vontade e da ação de muitos, públicos e privados, entre os quais me permito destacar o

município e o Governo, na área da internacionalização.

Assinalo, igualmente, que estão em curso projetos públicos estratégicos para aquela região, de entre os

quais quero referir e sublinhar o aumento da capacidade de ligação entre Sines e a A2, que está incluído no

PRR (Plano de Recuperação e Resiliência), com um investimento de 60 milhões de euros, prevendo-se iniciar

a avaliação de impacte ambiental ainda este ano, de forma a poder lançar o concurso para a obra no terceiro

trimestre do próximo ano para poder ser concluído até ao final de 2025.

Aplausos do PS.

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Igualmente na ferrovia, está em obra a modernização da Linha de Sines, entre Sines e Ermidas. Esta

intervenção irá adaptar a linha à circulação de comboios até 750 m de comprimento.

Também com grande importância para o Porto de Sines é a construção da nova linha entre Évora e Elvas,

que irá encurtar em 140 km o itinerário até à fronteira de Caia.

Combinando com o outro investimento relacionado com a possibilidade de termos comboios até 750 m de

comprimento, tudo isso traduz-se numa redução do custo de transporte de 50% e numa triplicação da

capacidade de transporte.

Esta linha representa um investimento de cerca de 500 milhões de euros e deverá estar concluída no final

do próximo ano.

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Muito bem!

O Sr. Jorge Seguro Sanches (PS): — Com uma nova centralidade relativa, otimizando inputs e

promovendo outputs de mercadorias e dados à economia nacional, o Complexo Industrial de Sines é

estratégico no plano europeu. É parte do Corredor Atlântico, da RTE-T (rede transeuropeia de transportes),

sendo cada vez mais um novo hub da RTE-Telecom (rede transeuropeia de telecomunicações) e

apresentando-se com enorme potencial quanto à RTE-E (rede transeuropeia de energia).

Aplausos do PS.

Paralelamente, estão previstas novas unidades, que duplicarão o número de camas turísticas naquele

concelho do Alentejo litoral, das cerca de 800 atuais para mais de 1600. Está em curso a construção de três

hotéis, dois em Sines e um em Porto Covo, sendo que este último poderá, inclusive, abrir já este ano,

conforme está previsto.

Sr.as e Srs. Deputados, são boas notícias, são razões para que Portugal continue a apostar na

concretização europeia das necessárias interligações, quer da eletricidade, já assumidas, em termos

europeus, no pacote Clean Energy, em 15% até 2030, quer do gás natural, pela implementação de uma

verdadeira rede que assegure, também na energia, os valores da rede de circulação entre Estados da União

Europeia.

Nesta matéria, Sines, com o seu terminal GNL, pode ser a porta de entrada alternativa ao gás natural do

Oriente, potenciando, de forma inovadora, novas formas de produção de energia renovável, em que Portugal

é, pelas suas condições naturais, com potencial hídrico, eólico e solar, um dos países líderes mundiais.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Cinco Deputados inscreveram-se para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Jorge

Seguro Sanches. O Sr. Deputado responderá em conjunto aos pedidos de esclarecimento, para o que terá não

mais do que 3 minutos.

Tem, então, a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Bruno Mendes.

O Sr. Bruno Nunes (CH): — Sr. Presidente, sou Bruno Nunes. Ainda poucos me conhecem, mas não há

problema por isso.

Sr. Deputado Jorge Sanches, quase verti uma lágrima ao ouvir o seu discurso acerca de Sines.

Há pouco, vi aqui uns jovens e percebi que, eventualmente, para tentarem perceber o que estamos aqui a

discutir, a melhor forma de lhes explicar o seu discurso é dizer-lhes que estamos a falar de realidade virtual.

No entanto, os óculos de realidade virtual não foram distribuídos por todos nós e temos alguma dificuldade em

perceber o que aqui foi dito, porque a falta de visão estratégica que, nos últimos 40 anos, tem imperado em

relação a Sines é tão gritante, mas tão gritante — e há algumas coisas pelo meio que são meias-verdades,

como, por exemplo, quando falamos do Terminal XXI, é verdade que potenciou Sines para um novo caudal e

outra dimensão de navios a entrar no porto —, que não perceberam a importância que o gás natural já poderia

ter na economia portuguesa se tivessem aberto o mercado da Argélia e da Nigéria. Mas não! Não perceberam

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e mantiveram, sem qualquer comunicação estratégica, os pipelines apenas até Aveiras, sem perceberem que,

neste momento, já poderíamos ir até Madrid e já poderíamos ter um mercado aberto a mais de 10 milhões de

pessoas.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Muito bem!

O Sr. Bruno Nunes (CH): — Mas não, não perceberam!

Aplausos do CH.

Não perceberam que a ferrovia é uma das grandes necessidades de Sines, não perceberam que a ligação

da ferrovia até Beja é imperativa,…

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Claro!

O Sr. Bruno Nunes (CH): — … não perceberam, inclusive, que existem troços de autoestrada que VV.

Ex.as deixaram parados a meio, que já foram inaugurados, que abriram, que fecharam,…

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Três vezes, algumas!

O Sr. Bruno Nunes (CH): — … três vezes, e continua tudo parado.

Mas continuamos com os óculos de realidade virtual sem perceber o que estamos a fazer.

Sr. Deputado, continuamos sem ouvir na sua intervenção e sem ler no Programa do Governo…

Protestos do PS.

Não gostam de ouvir — é verdade —, mas vão ter de me ouvir!

Não gostam de ouvir que não percebem a estratégia de termos uma das maiores plataformas continentais

do mundo. Poderiam perceber, porque todos os estudos o indicam — mas nem toda a gente estuda —, que

estas plataformas são das mais ricas em metais raros, coisa que nos fazia tanta falta e que tanto poderia

alavancar a nossa economia.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Muito bem!

O Sr. Bruno Nunes (CH): — Deixo-lhe aqui a primeira pergunta para tentar perceber, estrategicamente,

qual é a posição que tem em relação à exploração dos materiais raros.

O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Bruno Nunes (CH): — Finalmente, VV. Ex.as falam da questão dos data centers e basta fazer uma

simples pesquisa no Google, ou em qualquer outra plataforma, para perceber que eles foram pensados sem

qualquer estratégia de habitação, por parte do vosso presidente da câmara municipal, também do Partido

Socialista.

De facto, não há estratégia de habitação para todos aqueles que possam ir para lá trabalhar — a não ser

para os de sempre —, porque as rendas ascendem a mais de 1000 €.

Fica ainda a pergunta sobre aqueles que vocês deixaram despedir nas centrais termoelétricas, no ano

passado, relativamente aos quais nada fizeram e nada resolveram.

Aplausos do CH.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado Bruno Nunes, e corrijo o lapso de há pouco.

Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Mendes.

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O Sr. Jorge Salgueiro Mendes (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, quero, em primeiro lugar,

agradecer a intervenção do Sr. Deputado Jorge Seguro Sanches, acerca dos majestosos investimentos que o

Governo do Partido Socialista tem conseguido para Sines.

Na sua intervenção, o Sr. Deputado referiu que 52 anos depois, finalmente, agora, Sines começa a ser um

polo de desenvolvimento regional. Posso relembrar que Sines já foi um grande complexo petroquímico, um

grande complexo portuário-industrial e sempre pensei que Sines já era um polo de desenvolvimento regional,

mas agora, segundo as suas palavras, é que vai ser um polo de desenvolvimento regional, passados estes

anos todos e depois de muitos anos de governação do Partido Socialista.

Ontem, o Sr. Primeiro-Ministro, no lançamento da primeira pedra do famoso megacentro de dados,

amarrou o futuro de Sines à transição digital e energética, quando disse que tem de ser uma transição gémea,

têm de andar mão na mão — a transição digital e a transição energética. Eu compreendo, digamos, a palavra,

o sentido, mas esperamos é que isso tenha consequências e, sobretudo, que não se hipoteque, novamente, o

futuro de Sines como o grande polo de desenvolvimento regional que todos almejamos.

Neste momento, o grande problema da Europa, como o Sr. Deputado também já referiu, tem a ver com a

sua independência energética e o papel que Sines pode e deve representar como solução para o futuro da

independência energética, em especial, do centro da Europa.

Por isso, nós, Grupo Parlamentar do PSD, consideramos que este é o momento ideal para voltar a colocar

no centro do debate europeu o papel que Portugal e Espanha podem ter na independência energética da

Europa. E é necessário que, de uma vez por todas, com este Governo, se coloque, novamente, a interligação

dos Pirenéus no âmbito de um projeto de interesse comum europeu, tal como o PSD fez, quando foi Governo,

em várias cimeiras europeias.

Assim, Sr. Deputado, coloco-lhe duas questões: dado o atual contexto europeu, o PSD considera que

existe uma oportunidade única, tal como defendem os nossos Eurodeputados, no Parlamento Europeu, para

voltarmos a colocar esse projeto, da interconexão europeia a partir dos Pirenéus, como projeto de interesse

comum europeu. O Sr. Deputado e o Grupo Parlamentar do Partido Socialista comungam desta posição do

PSD?

Segunda pergunta: considera que o Governo tem de ser mais expedito na defesa deste projeto de

interesse comum, que agora tem mesmo de ser, ou vamos, mais uma vez, a reboque das circunstâncias?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra, para um pedido de esclarecimentos, o Sr. Deputado Rui

Tavares, do Livre.

O Sr. Rui Tavares (L): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Seguro Sanches, queria aproveitar para lhe

perguntar sobre o hidrogénio verde, uma vez que Sines é a localização-âncora de um projeto de hidrogénio

verde, aliás, ainda recentemente isso foi novamente assumido pelos Secretários de Estado da

Internacionalização e do Ambiente e da Energia.

Não menorizo, de forma alguma, a importância que o hidrogénio verde pode ter para a transição

energética, pois é uma oportunidade única para transformar energia renovável e intermitente em energia limpa

e permanente.

Portugal tem um grande potencial nessa área, como o têm outros países, e quem já o entendeu foram os

países que, antes, tiveram um papel muito importante, na Europa, no desenvolvimento e na comercialização

de outros tipos de energia, como, por exemplo, a Noruega ou os Países Baixos.

Ora, acontece que tanto a Noruega como os Países Baixos têm esses investimentos ancorados na criação

de valor através de novas empresas públicas. Na Noruega, a Statoil e a Statkraft foram, digamos, mobilizadas

pelo Governo para a possível criação de uma empresa pública e, na liberal Holanda, ou, para ser mais

rigoroso, nos Países Baixos, a Gasunie, que é 100% pública, é a empresa-farol em termos de investimentos

de hidrogénio.

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No programa do PS, encontro referências a leilões de hidrogénio, a benefícios fiscais para veículos

movidos a hidrogénio, encontro referências ao hidrogénio no quadro do PRR, mas não encontro três palavras

que fariam toda a diferença: hidrogénio de Portugal. Porque não a criação de uma empresa pública,…

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — É, empresas públicas… É mais um conselho de administração!

O Sr. Rui Tavares (L): — … que, como diz o Ministro da Energia da Noruega, é um meio, não é um fim,

para intervir na futura economia do hidrogénio? No fundo, a pergunta é muito simples: porque não? Porque

exclui o programa do PS essa possibilidade, ao contrário, por exemplo, do programa do Livre?

O Sr. Presidente: — Para um pedido de esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa

Real, do PAN.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Seguro Sanches, congratulo-o por

trazer aqui este tema, pois, de facto, o desenvolvimento de Sines é importante, quer em matéria de

descentralização, quer em matéria de desenvolvimento da zona litoral do País mais a sul, mas, sobretudo,

porque tem sido uma área muito esquecida e, como referiu na sua intervenção, note-se, esquecida por mais

de meio século, porque o desenvolvimento da região tem tardado.

Mas em todo esse entusiasmo que ouvimos no seu discurso há duas questões essenciais que ficaram de

fora, desde logo a mudança, do ponto de vista climático e do ponto de vista do hub que Sines pode e deve ser,

em matéria de transição energética. É que não basta dizer que queremos ser um hub da Europa, é preciso

dizer que tipo de hub é que queremos que Sines e o próprio País sejam e se queremos ou não colocar

Portugal na vanguarda desta transição.

O Sr. Deputado também não falou de dois aspetos essenciais: por um lado, em matéria de soberania

energética, não disse se, efetivamente, o PS está ou não disponível para assumir que vai também embargar o

gás russo, pois, de facto, falamos de uma dependência de mais de 40% do gás natural.

Portugal poderia desenvolver-se em termos de pipeline, nomeadamente com a ligação do Porto de Sines a

França, apesar de sabermos que o gás, mais tarde ou mais cedo, terá de deixar, também ele, de ser uma

opção do ponto de vista energético, por força do processo de descarbonização.

Mas, a este tempo, o facto de a Alemanha ter optado, por exemplo, pelo Catar, que, em matéria de direitos

humanos, está muito atrás de Portugal, ao invés de optar por um país da União Europeia, como Portugal,

parece revelar que há aqui algo que ficou por fazer, pelo que perguntamos o que é que, da parte do seu grupo

parlamentar, acha que poderia ter sido feito para que esta opção não tivesse sido tomada.

Por outro lado, face à inevitabilidade de uma solução para a região, o Sr. Deputado não disse se, do ponto

de vista do turismo de natureza, em particular, desportivo, como é o caso do surf, toda essa inovação vai ou

não pôr em causa aquele que é hoje um pico muito conhecido e muito importante, em termos da comunidade

local e também do turismo do surf que ali é desenvolvido, porque todos sabemos — e o assunto já chegou

também a esta Assembleia — o risco que existe de desaparecer o único pico de surf que há naquele local, por

força de todos esses projetos.

Para concluir, pergunto-lhe, efetivamente, se, aproveitando a energia das ondas, das marés e do próprio

vento naquela região, podemos ou não considerar que vai haver uma aposta deste Governo e do Partido

Socialista para que Portugal esteja na cimeira da transição energética. É que não adianta estarmos a criar

hoje, com as soluções atuais, um problema do futuro, quando a aposta tem de ser nas renováveis.

O Sr. Presidente: — Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias, do

PCP.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Jorge Seguro Sanches, ouvimos

com atenção a declaração política que trouxe a esta sessão plenária e sublinhamos a importância do debate

sobre o desenvolvimento económico, o investimento e a reindustrialização do País.

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O problema é que nós, ao longo dos anos, fomos assistindo a tantos anúncios, a tantas apresentações de

projetos de investimento que, depois, não saíam do papel, de tal maneira que, para muitos portugueses, não

deixa de sair o desabafo «vamos lá ver se é desta…!»

Há investimentos que avançam, outros não, mas, por exemplo, não nos esquecemos do anúncio para a

região do Mondego, que foi feito com pompa e circunstância pelo Primeiro-Ministro Sócrates e pelo Ministro

Manuel Pinho, de um grande investimento em tecnologias de ponta com uma empresa transnacional para

construir nos próximos meses uma fábrica de pilhas de combustível e de equipamentos para produzir energia

elétrica a partir de hidrogénio. Estávamos em 2006, 16 anos passaram e fábrica… Nem vê-la!

Sr. Deputado, à partida, o investimento estrangeiro é sempre bem-vindo na indústria, na criação de riqueza,

desde que se concretize, bem entendido, mas o que não aceitamos é que as opções estratégicas de

desenvolvimento do País sejam submetidas ou substituídas pela agenda, em cada momento, dos grupos

económicos, porque o País não pode andar a toque de caixa das multinacionais nem pode continuar nesta

triste sina de, em nome da transição, ter desindustrialização.

O Sr. Deputado não admite por um segundo que, desde logo neste contexto em que nos encontramos, foi

uma decisão precipitada o encerramento da Central de Sines, ou da Central do Pêgo, comportando potenciais

riscos para a segurança do abastecimento do nosso País, com impactos que acrescem aos da decisão

criminosa de encerrar,…

Protestos de Deputados do PS.

… vou repetir, da decisão criminosa de encerrar a Refinaria de Matosinhos, que pôs o País a importar

gasóleo?!

O Sr. João Dias (PCP): — Ah!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Já sabem os senhores, afinal, qual foi a lição que o Primeiro-Ministro afirmou

que ia dar à Petrogal?

O Sr. João Dias (PCP): — E agora? E agora?

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Onde é que está essa lição que foi prometida, pelo Dr. António Costa, à

Petrogal?

Protestos de Deputados do PS.

Não considera o Sr. Deputado que é tempo de colocar em primeiro lugar o interesse nacional e a defesa de

um Portugal soberano e desenvolvido?! Não considera que, mesmo na concretização de importantes

investimentos na região, há uma exigência que se coloca já hoje numa operação integrada de

desenvolvimento nesta região, que responda a carências concretas na habitação, nos transportes, na saúde,

ou isto fica para as câmaras municipais resolverem como conseguirem, sem terem os meios para isso?!

Uma última pergunta, Sr. Deputado: com a infraestrutura ferroviária que está lá hoje a permitir a circulação

de comboios de passageiros, que propomos e reivindicamos há anos, desde que o Governo PSD/CDS

eliminou essa ligação e que está hoje ainda por repor, não concorda que já é demais esta demora do Governo

em devolver o comboio à população do Litoral Alentejano?!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Seguro Sanches.

O Sr. Jorge Seguro Sanches (PS): — Sr. Presidente, quero agradecer aos Srs. Deputados Bruno Nunes,

Jorge Mendes, Rui Tavares, Inês de Sousa Real e Bruno Dias as perguntas e o enriquecimento do debate.

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Como referi na minha intervenção, este não é um debate de agora, é um debate de há anos e entendemos

que há razões para estarmos firmemente atentos àquilo que Sines pode dar ao nosso País nos próximos anos.

Portugal é um país que não tem recursos fósseis, não tem petróleo, não tem gás natural, mas tem

eletricidade…

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Tem a certeza?…

O Sr. Jorge Seguro Sanches (PS): — … produzida com fontes renováveis,…

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Tem a certeza?…

O Sr. Jorge Seguro Sanches (PS): — … que nos permite ser um país exemplar, precisamente quando

temos de fazer uma das transições, que é a transição energética.

O nosso País, por essa razão, deve estar na liderança destes processos. E Sines, precisamente pela sua

localização estratégica, é, de facto, o local onde o podemos fazer.

Da parte do Governo, da parte do Estado, e depois de se terem suspendido as obras de ligação à

autoestrada — como disse o Sr. Deputado Bruno Dias, e é verdade —, dei aqui a informação de que estamos

a trabalhar no sentido de conseguir que, até 2025, essa ligação esteja concluída. Esse é o objetivo que temos.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Agora é que é!

O Sr. Jorge Seguro Sanches (PS): — Mas sabemos também que por existir esta vontade, da parte do

Estado, da parte do Governo, há muita intenção, da parte dos privados, em fazer um investimento forte, de

criação de riqueza naquele local, a nível do porto, a nível logístico, a nível da parte da energia e a nível da

parte digital.

As perguntas dos Srs. Deputados, todas elas, encontrá-las-emos sempre por uma razão, nem que seja

apenas pela razão — podemos dizê-lo, e os portugueses sempre foram bons nisso — de sermos uns Velhos

do Restelo e dizermos «bem, mas há sempre aqui qualquer coisa que não está bem». Foi por isso que o

Partido Socialista trouxe hoje, aqui, à Assembleia da República, este tema, porque o entendemos

suficientemente importante para ser debatido na Assembleia da República e ter a participação de todos os Srs.

Deputados e não apenas do Partido Socialista, ou não apenas do Governo.

Aplausos do PS.

É que, Srs. Deputados, esta vontade de intervirmos neste processo é algo que espero que venhamos a ter

ao longo desta Legislatura, que todos nós olhemos para este objetivo, para este desígnio a nível económico,

da forma como, eventualmente, não o fizemos todos nos últimos anos.

O Partido Socialista cá estará para responder às pessoas do distrito de Setúbal e para responder a todos

os portugueses, dizendo que estaremos disponíveis e interessados e com toda a vontade em que este seja, de

facto, um dos locais em que a indústria nacional… E recordo ao Sr. Deputado Bruno Dias, que fez uma

referência sobre a produção nacional — há dois dias foi, precisamente, o Dia da Produção Nacional —, que,

quando falamos em renováveis, falamos, precisamente, em produção nacional; quando falamos em energia

fóssil, estamos a falar em energia que não é produzida, que não tem a sua origem no nosso País.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Jorge Seguro Sanches (PS): — Não temos carvão, não temos petróleo e não temos gás natural.

Daí a nossa aposta forte, firme, nas energias renováveis.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: — Assim concluímos o primeiro ponto da nossa ordem de trabalhos e passamos ao

ponto dois, que diz respeito ao debate sobre a Petição n.º 26/XIV/1.ª (Liliana Sofia Bouça da Silva e outros) —

Descida do IVA para 6% em atos veterinários. Por arrastamento, serão também apreciados, na generalidade,

em conjunto, os Projetos de Lei n.os 54/XV/1.ª (BE) — Reduz a taxa de IVA dos atos veterinários para 6%,

56/XV/1.ª (CH) — Reduz a taxa de IVA aplicável aos serviços médico-veterinários e 57/XV/1.ª (PAN) — Aplica

a taxa reduzida do IVA aos atos médico-veterinários.

Estão abertas as inscrições para intervenções e a primeira cabe ao Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, em

nome do Bloco de Esquerda.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os dados recentes, de 2020, da

Marktest indicam que 3 milhões e 200 mil pessoas têm cães em casa no nosso País; 2 milhões e 700 mil

pessoas têm gatos em casa. São estes os dados conhecidos, mas sabemos que há muitas outras pessoas

que têm outros tipos de animais também em casa.

Um outro estudo, da GfK (Growth from Knowledge), indica que as pessoas que têm animais sob sua tutela

gastam cerca de 12% do seu orçamento familiar com estes animais, chamados animais domésticos.

Ora, existe sobre estas pessoas uma obrigação legal, uma obrigação que a própria Assembleia da

República, em 2017, construiu e que se traduz naquilo que nos orgulha, que é o Estatuto Jurídico dos Animais.

A Lei n.º 8/2017 prevê que as pessoas que têm animais sob sua tutela sejam obrigadas a prestar cuidados

de saúde aos seus animais, sejam obrigadas a garantir o seu bem-estar. E se a lei prevê isso, se a lei obriga,

e bem, a que haja este cuidado pelo bem-estar animal, depois, é a mesma lei também que diz que os gastos

com este bem-estar animal, na prática, são considerados, perante o Estado, o mesmo que a compra de um

artigo de luxo.

É, portanto, uma lei que tem dois pesos e duas medidas, não faz sentido absolutamente nenhum.

Considera que há uma obrigação no que toca à valorização dos direitos dos animais e da promoção do seu

bem-estar — e esta é uma obrigação legal — e, por outro lado, considera, ao mesmo tempo, que as despesas

para essa obrigação são bens de luxo. Absolutamente incompreensível! E é incompreensível também quando

a resposta pública para cuidar dos animais fica muito aquém das necessidades. E sabemos que, quando são

taxados todos por igual e pela taxa máxima, custa muito mais a quem menos tem e, por isso, são os mais

fragilizados que têm ainda mais custos na sua vida, fruto de terem de cumprir com a responsabilidade que é

necessária, obrigatória — e ainda bem que existe —, de cumprimento do bem-estar animal para com os seus

animais.

Por isso, aquilo que o Bloco de Esquerda traz a debate é tão-só o que os peticionários e as peticionárias —

que saudamos — pedem à Assembleia da República: que não se taxe como luxo aquilo que é uma obrigação

legal e que se coloque a 6% a taxa de IVA sobre todos os cuidados, todas as necessidades que existem, que

imperam, para garantir o bem-estar dos animais.

Desse ponto de vista, acho que é meramente sensato, acho que é algo que decorre da obrigação legal que

obteve maioria neste Parlamento e, como tal, até pelo facto de o Partido Socialista ter votado a favor da Lei

n.º 8/2017, acreditamos que seja algo que compreenderá que tem de ser alterado neste contexto.

Da parte do Bloco de Esquerda, apresentámos um projeto de lei que pode, no imediato, fazer a diferença,

mas sabemos que este debate parte de hoje até ao debate, na especialidade, do Orçamento do Estado, que

teremos nas próximas semanas.

O Sr. Presidente: — Para apresentar o projeto de lei do Chega, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro

Frazão.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Sr. Presidente e Srs. Deputados: A questão da baixa do IVA para

os tratamentos médico-veterinários não é nova, é até uma medida que o Chega já propôs na Legislatura

anterior, um pedido antigo da Ordem dos Médicos Veterinários e de todos os portugueses.

É, de facto, uma reivindicação já antiga, tendo em conta que os atos médico-veterinários continuam a ser

taxados à taxa máxima de IVA, que muitas pessoas não conseguem comportar os custos deste tipo de

serviços, colocando em causa o bem-estar e a saúde dos seus animais.

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Em Portugal, Srs. Deputados, Sr. Presidente, todas as medicinas têm 0% de IVA, até as medicinas

alternativas. Só mesmo a medicina veterinária é taxada, e é taxada logo pela medida grande, como se cuidar

de um cão ou de um gato fosse a mesma coisa do que comprar um bem de luxo.

Mas tratar da saúde dos animais não é tratar da saúde pública? Claro que é, Srs. Deputados!

Mas ainda não perceberam, os Srs. Membros do Governo e esta maioria do PS, que cada família, incluindo

os seus animais, é uma unidade epidemiológica?

Onde está o conceito de uma só saúde que engloba a medicina humana, a medicina animal e a saúde

ambiental?

Estas três vertentes, e o conceito One Health, justificam que todas as medicinas humanas — até as

alternativas — tenham 0% de IVA, mas a medicina veterinária seja considerada um bem de luxo? Não, não

justificam!

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Estado sobrecarrega as famílias, algumas delas com muito poucas

posses, com sede de taxar, taxar, taxar, e nem as associações nem os municípios estão livres desta taxação.

Dou aqui o exemplo do meu município de Santarém.

Na Câmara de Santarém, começámos com o programa Cheque Veterinário, da Ordem dos Médicos

Veterinários, para ajudar as famílias comprovadamente carenciadas. Pois neste programa Cheque Veterinário,

em que os médicos veterinários privados trabalham pro bono, trabalham de borla, sem custos, o Estado cobra

23%, arrecada 23%! Isto não é justo! O Estado, em vez de ajudar, sobrecarrega as famílias, as associações e

os municípios, que estão até a braços com a maior taxa de abandono animal alguma vez vista.

Aplausos do CH.

Com a maior incidência de animais errantes por todo o País e com os centros de recolha oficial e as

associações animais, literalmente, a «rebentar pelas costuras», o Governo e esta maioria acham que a

medicina veterinária não é bem uma medicina ou é uma medicina de luxo e, por isso, deve ser taxada pelo IVA

máximo?! Não pode ser!

O Governo e esta maioria acham que todo o universo dos animais de companhia são os que veem das

Amoreiras até ao Rato, até ao Príncipe Real?!

Este Governo e esta maioria desconhecem a realidade dos cães pastores, dos cães que guardam os

rebanhos, dos cães que guardam as quintas e as estufas,…

Vozes doCH: — Muito bem!

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — … dos cães que guardam todas as propriedades rurais, dos

gatos que controlam as pragas de modo natural, dos animais de assistência emocional, dos animais

terapêuticos, dos cães-guia, dos cães de resgate?! É que para todos estes animais, Srs. Deputados, a saúde é

taxada como um luxo!

Hoje, neste País, há situações em que a mesma prestação de serviços praticada pelo mesmo profissional

de saúde tem uma taxa de IVA variável e isso põe em causa o princípio da neutralidade fiscal.

Mais: os tratamentos que o próprio Estado impõe, como, por exemplo, a vacina da raiva e a identificação

com microchip subcutâneo, são também taxados como um bem de luxo.

Mas vamos à raiz do problema: todo o IVA deve ser baixo para a medicina veterinária.

Por isso, estou certo de que, como todos os portugueses, este Governo socialista também irá concordar

com a maioria parlamentar, no sentido de que o bem-estar animal é uma das bandeiras que deve ser

levantada, e irá também baixar a taxa de IVA. Se não se fizer isto, a máxima marxista cultural, que inspira o

Governo atual, será «os animais que paguem a crise». E, Sr. Presidente e Srs. Deputados, os animais não

merecem pagar a crise.

Aplausos do CH.

O Sr. Presidente: — Para apresentar o projeto de lei do PAN, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês Sousa

Real.

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A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por saudar os mais

de 8000 peticionários que nos trouxeram esta petição, e que proporcionaram este debate, na qual o PAN se

revê e cujas exigências subscrevemos inteiramente. Aliás, neste tempo em que vimos aumentar a inflação,

vimos aumentar os preços de bens e serviços, é absolutamente incompreensível que, aquando do debate das

medidas de apoio extraordinário, o Governo, suportado pelo grupo parlamentar desta maioria, não tenha

sequer alargado estas medidas às associações de proteção animal.

É que hoje falámos de números. Ouvimos aqui falar, de facto, nos mais de 50% dos lares que detêm

animais de companhia. É do nosso conhecimento que a grande maioria destas pessoas são, muitas vezes,

pessoas maiores, pessoas sós, que têm apenas por companhia os animais, existindo mesmo laços afetivos,

que, aliás, a Convenção Europeia para a Proteção dos Animais de Companhia reconhece serem especiais

com o ser humano, pelo que sabemos que as estamos, assim, a deixar sem apoio social. E a justiça fiscal, a

política fiscal, tem de ser um sinónimo de justiça social.

É por isso que é incompreensível que, neste País, se dê isenção a quem maltrata animais, que um toureiro

tenha isenção,…

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Oh!…

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — … mas um médico veterinário, aquele que cuida, as associações não

tenham acesso a serviços com preços acessíveis e tenham de pagar o IVA à taxa máxima.

Não é apenas uma questão de bens de luxo, é uma questão de moralização das políticas públicas, em

particular das políticas fiscais. É que, na hora de bater à porta das associações, na hora de pedir que fiquem

com mais de uma centena de animais apreendidos a acumuladores, o Estado vai lá bater à porta, mas, na

hora de estender a mão, a quem é que estende a mão? Aos lobbies do costume, à tauromaquia — 16 milhões

de euros ao ano —,…

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Mentira! É falso!

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — … ao baronato da caça — mais de 10 milhões de euros. E para as

associações de proteção animal? Não há dinheiro. O argumento é o de que não se pode reduzir o IVA, porque

a diretiva assim não o permite, quando a diretiva está a ser revista.

Portanto, não há qualquer tipo de justificação para que, a partir deste momento, não apenas da petição,

mas de todo o processo de discussão em sede de especialidade que vamos ter nesta Assembleia da

República, não se possam aliviar verdadeiramente as famílias, as cuidadoras das colónias, as associações de

proteção animal, para com quem temos uma verdadeira dívida. É que, para além das famílias e de existir um

dever legal — quer decorrente do estatuto próprio dos animais, quer decorrente do Código Penal —, o Estado

tem uma dívida para com as associações de proteção animal que, de Norte a Sul e ilhas deste País, recolhem

milhares de animais. Oficialmente, são mais de 30 000 os animais que sabemos que estão abandonados nos

canis municipais. Portanto, temos todos um dever moral de as apoiar e isso faz-se precisamente na hora de

decidir e votar, baixando o IVA de serviços essenciais, como a saúde animal, porque só há, efetivamente, uma

saúde.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado do Partido Socialista Carlos

Brás.

O Sr. Carlos Brás (PS): — Ex.mo Sr. Presidente, Ex.mas Sr.as e Srs. Deputados: Quero iniciar esta

intervenção por cumprimentar a Sr.ª Liliana Sofia Bouça da Silva — que já recebemos em audição em outubro

de 2020 —, bem como os restantes 8173 subscritores pela iniciativa e pela persistência na causa.

A petição em análise inicia-se com a frase: «Os atos veterinários são taxados a 23%, considerando-se

assim como um luxo.» E imediatamente a seguir é dito que: «Os portugueses que possuem animais e os

querem bem tratados por uma questão, até de saúde pública, pagam para tratar os seus animais de estimação

com um imposto como se de um luxo se tratasse.»

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Convém referir que a taxa normal de IVA não é uma taxa sobre produtos considerados de luxo, é apenas e

só a taxa normal.

Mas importa também a este propósito clarificar o seguinte: os atos de medicina veterinária não são taxados

todos da mesma forma. Estes atos constituem prestações de serviços e, como tal, estão sujeitos a IVA.

Porém, se forem enquadrados na verba 4.2 da Lista I anexa ao Código do IVA, podem beneficiar de uma

aplicação de taxa reduzida em IVA.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Lá está!

O Sr. Carlos Brás (PS): — Esta verba refere-se a prestações de serviços que contribuam para a produção

agrícola e aquícola, ou seja, atos médicos em animais de produção. Fora do contexto de uma atividade de

produção agrícola — isto é, no caso de se tratar de atos de medicina veterinária que não contribuam para a

realização de uma atividade de produção agrícola, como é o caso dos serviços relativos a animais de

estimação e companhia — aplica-se a taxa normal de IVA, a prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do

Código do IVA, por falta de enquadramento em qualquer das verbas constantes nas listas anexas a este

Código.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — E a neutralidade fiscal, onde está? Falta neutralidade!

O Sr. Carlos Brás (PS): — A este propósito, convém salientar o caráter europeu do IVA e as limitações

dos Estados-Membros. Desde logo, deve referir-se que, de acordo com o artigo 96.º da Diretiva IVA, é

aplicada a mesma taxa de IVA, a saber, a taxa normal fixada por cada Estado-Membro, às entregas de bens e

às prestações de serviços.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Mentira!

O Sr. Carlos Brás (PS): — Por derrogação a este princípio legalmente estabelecido, está prevista a

possibilidade de aplicação de taxas reduzidas referidas no artigo 98.º apenas e só aos bens e serviços do

Anexo III da Diretiva.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — De saúde?

O Sr. Carlos Brás (PS): — E resulta inclusivamente da jurisprudência que as disposições que derrogam

um princípio são de interpretação estrita.

Mais, Sr.as e Srs. Deputados, num acórdão de 18 de janeiro de 2001, num processo da Comissão contra a

Espanha, por aplicação de uma taxa reduzida em portagens, o Tribunal de Justiça da União Europeia

evidenciou o caráter excecional dos casos em que é permitida a aplicação de taxas reduzidas. Esta doutrina

foi de novo aplicada em 2013, através do acórdão de 17 de janeiro, igualmente num processo da Comissão

contra a Espanha. Portanto, estão fora da derrogação à taxa normal os atos de medicina veterinária que não

incidam em animais que contribuam para a produção agrícola e aquícola.

Vejamos agora a questão dos medicamentos, que vem também abordada na petição na seguinte frase:

«Considerando que há vacinas que protegem os animais e tratamentos básicos essenciais.»

Ora, no que a esta matéria diz respeito, o referido Anexo III da Diretiva IVA, no seu ponto 3, prevê a

possibilidade de aplicação de uma taxa reduzida a produtos farmacêuticos do tipo dos normalmente utilizados

em cuidados de saúde, na prevenção de doenças e em tratamentos médicos e veterinários. Por outro lado, e

em complementaridade, a verba 2.5 da Lista I anexa ao Código do IVA refere também que são tributadas à

taxa reduzida as transmissões de bens de produtos farmacêuticos e similares e respetivas substâncias ativas,

não se estabelecendo qualquer distinção entre medicamentos para uso exclusivo em medicina humana, para

uso exclusivo em animais ou para uso comum. Deste modo consideram-se incluídos na verba 2.5 as

transmissões de bens para uso exclusivo em medicina veterinária, bem como aqueles que sejam de utilização

comum em animais e humanos.

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Clarificadas as situações dos atos médicos veterinários e clarificada a questão dos medicamentos, importa

ir um pouco mais além. Da minha própria experiência e de experiências que fui recolhendo, o que se pode

concluir é que, frequentemente, na emissão das faturas respeitantes a tratamentos a animais de estimação e

de companhia, não são discriminados os tratamentos ou atos médicos dos medicamentos ou substâncias

utilizadas. Nas prestações de serviços de medicina veterinária com aplicação ou administração de

medicamentos, se forem indicadas separadamente na fatura as operações efetuadas, a tributação em sede de

IVA deve efetuar-se pela taxa correspondente a cada uma, individualmente. Caso contrário, não sendo

explícita tal separação na fatura, considera-se que os medicamentos estão incluídos na prestação de serviços,

pelo que se aplica a taxa de imposto correspondente e que, no caso de se tratar de animais de estimação ou

companhia, será a taxa normal de IVA.

Aqui chegados e depois das clarificações pertinentes e necessárias, podemos concluir que a petição,

apenas e só no que respeita aos atos médicos veterinários incidentes sobre animais não afetos à produção

agrícola, não se encontra de harmonia com as disposições da Diretiva IVA, que vincula o Estado português.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Paulo Oliveira, do Grupo

Parlamentar do PSD.

O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Apesar de defendermos que

esta discussão faria mais sentido no quadro do Orçamento do Estado e de defendermos, igualmente, que,

estando nós a discutir a tributação em sede de IVA, valeria a pena fazê-lo numa perspetiva mais global e mais

abrangente, este é, sem dúvida, um debate que se impõe, desde logo, como já aqui foi dito, por força de

sucessivas alterações legislativas em sede de direitos dos animais, já agora um domínio em que o PSD tem

responsabilidades históricas. Aproveito para recordar que foi por ação do Partido Social Democrata que a

Assembleia da República aprovou, em 1995, a primeira lei de defesa dos direitos dos animais, da autoria do

Deputado António Maria Pereira, que ficaria conhecido como «o pai dos direitos dos animais» em Portugal.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — E foi uma coisa muito bem feita!…

O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — Uma coisa bem feita, sem dúvida.

Mas este é, igualmente, um debate que se impõe, pois é incontestável o crescente aumento da relação

existente entre o homem e os animais de companhia, como o revelam todas as estatísticas e todos os

estudos, tal como é incontestável que os cuidados médico-veterinários não podem ser considerados um

procedimento de luxo, mas, antes, um fator de promoção da defesa da saúde animal e da saúde pública, que,

como todos sabemos, representa um encargo, e um encargo muito pesado, para as famílias portuguesas.

Neste contexto, a pretensão de reduzir a taxa do IVA nos atos médico-veterinários, subjacente à petição e

também às diferentes iniciativas legislativas em discussão, é, obviamente, uma pretensão mais do que

legítima.

Infelizmente, repito, infelizmente, esta pretensão parece esbarrar na diretiva relativa ao sistema comum do

IVA, e esta circunstância não pode ser esquecida pelo Parlamento. Aliás, não foi por acaso que, em julho de

2021, a Assembleia aprovou a Resolução da Assembleia da República n.º 221/2021, recomendando ao

Governo «(…) que, no processo de revisão da diretiva das taxas do IVA, defenda a aplicação da taxa reduzida

nos atos médico-veterinários em todos os Estados-Membros.»

Ora, essa revisão materializou-se com as alterações introduzidas pela Diretiva (UE) 2022/542 do Conselho

— reparem bem, Sr.as e Srs. Deputados —, de 5 de abril do corrente ano, portanto, há muito poucos dias.

O Sr. Hugo Martins de Carvalho (PSD): — Bem lembrado!

O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — Não dispomos da versão consolidada desta diretiva, mas, entre as

alterações introduzidas no Anexo III da mesma, que passam a permitir a aplicação de taxas reduzidas, não

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constam, infelizmente, de acordo com a nossa interpretação, os atos médico-veterinários, pelo que, do nosso

ponto de vista, mantemos as mesmas reservas até aqui expostas.

A este propósito, seria naturalmente interessante — embora não seja este o momento para esse debate —

saber quais foram as posições assumidas pelo Governo português, no âmbito da revisão da diretiva, por força

da resolução da Assembleia da República a que fiz referência. É um debate que faremos noutra altura.

O Sr. Hugo Carneiro (PSD): — Muito bem!

O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — Neste momento, importa realçar que não estamos, no entanto,

dispensados de continuar a procurar outras vias para, igualmente, promovermos o aumento dos tratamentos

preventivos dos animais, sempre a pensar na saúde pública e no meio ambiente.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aqui chegados, e numa altura em que o Governo está a ultimar a sua lei

orgânica, este é o momento ideal para o Executivo reverter a sua anterior decisão de transferir a tutela dos

animais de companhia da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária,…

O Sr. Miguel Matos (PS): — Jamais!

O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — … uma entidade com competência e experiência em sede de saúde

e maneio animal, para o ICNF (Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas), um instituto que, Sr.

Presidente e Srs. Deputados, não tem conhecimento específico na área dos animais de companhia.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — É um facto!

O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — Foi uma decisão errada, contra todos os pareceres técnicos e

científicos, e que, do nosso ponto de vista, compromete seriamente o bem-estar e a saúde dos animais de

companhia.

Protestos do Deputado do PS Miguel Matos.

Está, portanto, na altura de o Governo voltar à primeira forma.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Tavares, do Livre.

O Sr. Rui Tavares (L): — Sr. Presidente, queria começar por saudar a iniciativa dos nossos concidadãos

que apresentaram esta petição e, também, as iniciativas dos partidos que, em concordância com ela, propõem

baixar o IVA dos serviços de cuidados veterinários a animais de companhia. Em particular, o Livre votará a

favor das propostas do PAN e do Bloco de Esquerda, que propõem a descida para 6%, o que é coincidente

com o que já tínhamos no nosso programa.

Não vale a pena repetir vários dos argumentos que aqui foram utilizados. Concordamos que esta é uma

questão de justiça social relativamente às pessoas que convivem com animais e que deles precisam, por

razões de conforto, para atenuar a solidão, pelas mais diversas razões, pessoas que, às vezes, têm de

prescindir do acesso a outros bens, porque querem dar os tratamentos adequados aos seus animais, e até

porque, infelizmente, os preços dos tratamentos veterinários, às vezes, acabam por ter a consequência de

algumas pessoas abandonarem os seus animais de companhia. Este é um problema que, por razões que se

prendem com o bem-estar dos animais e por razões de saúde pública, nos deve merecer a maior

preocupação.

Nesse sentido, o Livre também empenhará os seus esforços aqui, na Assembleia da República, para que

estas mudanças possam ser refletidas na lei.

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Em relação à intervenção do nosso colega, o Sr. Deputado Carlos Brás, do Partido Socialista, que nos

disse que há obrigações, do ponto de vista do direito europeu, que fazem com que as taxas de IVA sejam

reguladas pela diretiva respetiva,…

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de concluir.

O Sr. Rui Tavares (L): — … e assim terminarei, só falta, então, dizer-nos quais são as iniciativas que, no

Conselho da União Europeia, o Governo, com o PS em seu apoio, se propõe tomar para que essa diretiva se

possa adaptar a estes novos tempos, também no plano dos animais de companhia.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias, do PCP.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Queremos, naturalmente, começar por

saudar os 8173 cidadãos que subscreveram esta petição. A iniciativa foi apresentada a esta Assembleia há

pouco mais de dois anos e o tempo que a Assembleia da República levou a chegar aqui é, certamente,

indissociável do contexto atípico na forma como os trabalhos parlamentares decorreram nestes últimos anos,

enfrentando processos legislativos de contingência, enfrentando necessidades urgentes em relação à resposta

à crise pandémica, etc. Mas, ao fim deste tempo, chegamos a um debate, a uma discussão que, de facto, não

é nova e estamos perante uma proposta muito concreta e objetiva que tem a ver com a taxa de IVA em atos

veterinários.

Ora, a realidade concreta que é sentida por centenas de milhares de pessoas que têm consigo animais de

companhia é, muitas vezes, de enormes dificuldades para conseguirem pagar despesas que são cada vez

mais exorbitantes nos cuidados de saúde dos seus animais. Os tratamentos que têm de ser feitos, os

medicamentos e as cirurgias que são necessários, as consultas tantas vezes ficam por fazer, porque as

pessoas não têm dinheiro para assegurar esses cuidados aos seus animais.

Ora, a experiência concreta leva-nos a ter a evidência de que esta realidade dos animais de companhia,

tão importante para a vida de tantas pessoas, é uma realidade em torno da qual, sejamos francos, há um

negócio milionário que, também aqui, se aproveita para lucros milionários de um sentimento de pertença que

as pessoas não deixam de enfrentar e que não podem ignorar.

A questão que não podemos deixar de colocar para reflexão é em que medida esse negócio milionário

deve ou não ser enfrentado e pensado de outra forma, na resposta que o País pode dar às necessidades que

as pessoas têm com os seus animais de companhia, por uma razão muito simples: é que já vimos vários

setores de atividade do nosso País em que a diminuição de taxas de imposto, Srs. Deputados, não se fez

sentir na carteira e na fatura que as pessoas pagam. Portanto, esta é uma questão que não podemos ignorar,

ou seja, o negócio que está em torno desta realidade, tantas vezes, não se compadece, na hora de apresentar

a fatura aos clientes, aos utentes, às pessoas que apresentam os seus animais para cuidados de saúde. E é

também por isso que queremos fazer uma referência e valorizar o papel relevante de centenas de instituições,

com pessoas de grande dedicação e generosidade, em relação às quais o PCP tem apresentado propostas,

ao longo dos anos, no sentido de incrementar e reforçar o apoio que lhes deve ser dado e as condições para a

sua intervenção.

Temos, ainda, em conta que há aspetos concretos e indesmentíveis que têm a ver com a saúde animal e

com a ligação real que se estabelece, numa abordagem mais geral, relativamente à saúde pública, desde logo

na questão de vacinação destes animais de companhia.

Assim, a questão que colocamos é se o acerto e a eficácia das medidas apontadas terão, de facto, os

resultados que se pretendem, quando o objetivo, na verdade, é o de que as pessoas deixem de ser

confrontadas com despesas exorbitantes para cuidar dos seus animais de companhia. Esta é uma reflexão

que, naturalmente, não ficará por aqui, mas para a qual desafiamos todos os grupos parlamentares e todos os

Srs. Deputados.

Aplausos do PCP.

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O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado costumava ser de uma exatidão matemática a gerir o seu tempo…

Não perca essa qualidade.

Risos.

Para uma intervenção, dispondo de 17 segundos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Frazão.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A maioria do Partido Socialista

pode vir com artigos, pode vir com anexos, pode vir com alterações e com um discurso um bocadinho

redondo, mas tem de admitir que se trata de uma opção meramente política de manutenção da taxa máxima

para os serviços médico-veterinários.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Portanto, ou aprovam a nossa proposta ou não aprovam.

Há aqui uma questão de justiça para com as famílias que detêm animais de companhia, animais que,

muitas vezes, são também utilizados no trabalho do campo, no trabalho do mundo rural.

Mas existe aqui, também, uma questão de coerência fiscal. Neste momento, um colega meu, médico

veterinário, se for a uma quinta cujo dono tenha uma empresa agrícola, pode passar uma fatura com 6% de

IVA, se for a uma quinta realizar o mesmo tratamento ao mesmo animal, que faz exatamente o mesmo

trabalho ou tem o mesmo fim, mas o dono não tem uma empresa agrícola, tem de passar uma fatura com 23%

de IVA. Onde é que está aqui a equidade fiscal, Srs. Deputados?! Desculpem, mas isto não existe.

Mais uma vez, vamos à raiz do problema: por uma questão de princípio, os serviços de saúde e de

medicina não devem ser taxados de IVA. A medicina veterinária é um serviço de saúde e, por isso, não deve

ser taxada de IVA.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de terminar.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Aliás, até 1993, a medicina veterinária estava isenta de IVA. E,

só para dar alguns exemplos, a Irlanda taxa a medicina veterinária com 13,5%, a Polónia com 8% e o

Luxemburgo com 7%.

Aplausos do CH.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, o Partido Socialista, sobre esta matéria, veio dizer-nos

duas coisas, a primeira das quais foi que a lei europeia está errada, porque considera que o socorro a animais,

os tratamentos a animais só são válidos quando eles são ativos económicos e não quando eles são seres

sensíveis. Portanto, esta é a desculpa que o Partido Socialista dá para dizer «nós não podemos fazer nada».

A segunda coisa, que decorre da primeira, é que o Partido Socialista não fez nada sobre isto. É que

Portugal não é apenas um espetador da União Europeia, Portugal tem um papel, pode discutir, pode agir,

pode defender e pode dizer, na União Europeia, que há uma lei aprovada na Assembleia da República que

obriga as pessoas a algo tão humano, tão sensível quanto cuidar dos seus animais. Ora, se a lei obriga as

pessoas a isso, se as pessoas são penalizadas por não o fazer, é incompreensível que, depois, outra lei taxe

esses cuidados a 23%. E bem podem dizer «bom, mas 23% não é uma taxa de luxo»… Eu gostava de

perceber onde é que 23% não é uma taxa de luxo. Isto é o abuso do IVA e, neste abuso, tanto serve para

pagar um carro qualquer, um qualquer bem de luxo, quanto o tratamento dos animais e a promoção do seu

bem-estar. É incompreensível e, acima de tudo, denota uma desistência do Partido Socialista de dar corpo e

ser coerente com aquilo que aprovou, que é a defesa do bem-estar animal. Haja coerência, vão até ao final

com isso e votem a favor do projeto de lei do Bloco de Esquerda.

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Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, está concluído o segundo ponto da nossa ordem do dia de hoje.

Vamos, agora, passar ao debate da Petição n.º 185/XIV/2.ª (António José Gonçalves Fonseca e outros) —

Pela criação de um apoio financeiro do Estado para as empresas e empresários de bares, estabelecimentos

de bebidas sem espetáculo e estabelecimentos de bebidas com ou sem espaço de dança, cujos peticionários

se encontram aqui, a assistir aos nossos trabalhos, e a quem saúdo. Esta iniciativa será apreciada em

conjunto com, na generalidade, o Projeto de Lei n.º 58/XV/1.ª (IL) — Redução do IVA das prestações de

serviços de alimentação e bebida para a taxa reduzida de 6% (alteração ao Código do Imposto sobre o Valor

Acrescentado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de dezembro).

Para apresentar o projeto de lei do Iniciativa Liberal, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rocha.

O Sr. Rui Rocha (IL): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por saudar também os Srs. Peticionários.

Passou algum tempo desde que a petição foi apresentada, mas eu diria que ela continua a ter total

pertinência.

Assim, aquilo que vimos hoje apresentar é um projeto de lei que visa a redução do IVA das prestações de

serviços de alimentação e bebidas para a taxa reduzida de 6%.

Fazendo alguma história, em 2017, o Governo do Partido Socialista introduziu uma autorização legislativa,

em sede de Orçamento do Estado, com o objetivo de, nesse ano, ampliar a aplicação da taxa intermédia a

outras prestações de serviços de bebidas, alargando-a a bebidas que se encontravam excluídas. Sucede que,

à semelhança de outras autorizações legislativas, essa autorização transitou para os Orçamentos do Estado

para 2018, 2019 e 2020 e veio a desaparecer depois no Orçamento do Estado para 2021, nunca se tendo,

portanto, concretizado.

É importante ter também presente que o setor da restauração, de acordo com dados do próprio Governo,

sofreu uma quebra, no ano de 2020, por exemplo, de 41% do seu volume de negócios, devido à pandemia de

COVID-19, e que, neste momento, enfrenta também as dificuldades próprias que resultam do processo de

inflação que conhecemos, do problema de abastecimentos e de todo o contexto que vivemos.

Importa dizer que, atualmente, são tributadas à taxa intermédia as prestações de serviços de alimentação e

bebidas, com exclusão das bebidas alcoólicas, refrigerantes, sumos, néctares e águas gaseificadas ou

adicionadas de gás carbónico ou outras substâncias, sendo as restantes prestações de serviços de

alimentação e bebidas tributadas à taxa normal.

Propõe-se, assim, que todos os serviços de alimentação e bebidas passem a ser tributados a uma taxa

reduzida.

Vale a pena dizer também que um estudo encomendado pela AHRESP (Associação da Hotelaria,

Restauração e Similares de Portugal) concluiu que esta medida poderia contribuir, de forma importante, para

evitar a perda de 46 000 postos de trabalho.

O Iniciativa Liberal considera que a alteração do IVA para a taxa reduzida nestes serviços e nestas bebidas

fará todo o sentido e será um contributo importante para a viabilização do setor, que tem sofrido muito nos

últimos tempos e que merece todo o respeito e o contributo desta Câmara, no sentido de viabilizar a sua

recuperação económica.

Aplausos do IL.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Filipe Melo, do Chega.

O Sr. Filipe Melo (CH): — Sr. Presidente, começo por cumprimentá-lo, e aos Srs. Deputados, e por deixar

uma saudação especial aos peticionários, que nos trazem um tema tão atual e pertinente.

Foi com algum desagrado — muito desagrado — que vimos que um dos setores mais afetados por esta

pandemia, com mais desemprego registado, não tem, uma vez mais, por parte deste Governo, qualquer tipo

de referência no Orçamento do Estado para 2022.

Dados do INE, publicados pela AHRESP, no verão de 2020, dão conta de 8100 empresas registadas no

setor, empregando 17 500 colaboradores e com um volume de faturação de 600 milhões de euros. Hoje,

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essas empresas são 6000 e temo, temo muito seriamente, pelo número de empresas que se irão registar

ativas neste setor, se este Governo continuar com esta política destrutiva de orçamentos na área da

economia.

Aplausos do CH.

É certo que tivemos dois anos com grandes restrições, restrições essas causadas por uma pandemia com

que ninguém contava. É verdade, mas também não é menos verdade que o Governo que esteve em funções

durante o período da pandemia é o mesmo Governo que temos agora, com uma maioria absoluta, com os

poderes reforçados, e que, à data de hoje, continua sem apresentar qualquer proposta que vise a manutenção

destas empresas, que vise a manutenção destes postos de trabalho, que vise a manutenção de um emprego

digno, estável e justo para estes colaboradores.

Aplausos do CH.

O Sr. Miguel Matos (PS): — Quantas medidas quer?!

O Sr. Filipe Melo (CH): — Exige-se, portanto, deste Governo um apoio musculado para este setor, um

setor deveras fragilizado e atingido por uma pandemia que o massacrou, que massacrou todas as áreas — foi

transversal —, mas esta, em concreto, não teve, sequer, a hipótese de vendas ao postigo, como outras

tiveram. Estes profissionais tiveram de encerrar as suas portas e veem, uma vez mais, este Orçamento

desprezar um setor que tem e se reveste de particular importância para o futuro do País.

É sabido, e é importante, que estas empresas pediram moratórias para os seus espaços, moratórias

essas…

Protestos do Deputado do PS Miguel Matos.

E muito bem, Sr. Deputado, mas é importante perceber que essas moratórias já terminaram e é importante

perceber também que o Governo socialista se esqueceu de que essas moratórias, de uma renda de 2000 €,

por exemplo, passam, neste momento, para 3500 €. E quais foram os apoios que vocês deram a estas

empresas? Zero! Nenhum!

Aplausos do CH.

O Sr. Miguel Matos (PS): — Não é verdade!

O Sr. Filipe Melo (CH): — É assim que vocês querem apoiar o setor? Errado!

Pergunto, Srs. Deputados: quantas empresas vão aguentar estes aumentos, sem os apoios devidos?

Perante a ausência de qualquer referência ao setor no Programa e no Orçamento do Governo, o que revela,

mais uma vez, um grande desprezo por este setor, pergunto: vão ou não reforçar o Programa APOIAR em

2022? Pretendem ou não criar um fundo de tesouraria não reembolsável, condicionado à manutenção e à

criação de postos de trabalho, para este setor? Vão ou não promover a redução das taxas de tributação

autónoma, de IRC (imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas) e a abolição do seu agravamento, em

caso de prejuízo fiscal? Vão ou não promover a redução dos custos de energia elétrica, de gás, de água e de

combustíveis? Vão ou não promover isto tudo? Não esperamos resposta, porque, essa, nem vocês a têm!

Aplausos do CH.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, tem a palavra a Sr.ª

Deputada Márcia Passos.

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A Sr.ª Márcia Passos (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Inicio esta minha intervenção

cumprimentando os peticionários, na pessoa do primeiro peticionário, António José Gonçalves Fonseca.

Esta petição, que alerta para a necessidade da criação de um apoio financeiro do Estado para as empresas

e empresários de bares, estabelecimentos de bebidas com ou sem espaço de dança, foi apresentada na

anterior Legislatura, mas mantém total atualidade.

A petição mantém atualidade porque estas empresas foram as primeiras a ser obrigadas a encerrar, por

despacho do Governo, e foram as últimas a reabrir. Portanto, não podemos deixar de dar uma palavra de

incentivo e de agradecimento pela resiliência, esforço e espírito de sacrifício de todos estes empresários.

Sr.as e Srs. Deputados, a petição mantém atualidade porque a recente reabertura e lenta retoma das suas

atividades até pode permitir a estes empresários recomeçar a pagar as suas contas correntes, mas não lhes

permite pagar o que está em dívida. E sabem porque não permite? Porque o Governo português foi um

daqueles que, na zona euro, menos apoiaram a economia.

Quem o diz e quem o disse foi um estudo do Banco Central Europeu, que refere que Portugal é o 3.º país

da zona euro que menos gastou no combate à crise. O mesmo referem estudos do Fundo Monetário

Internacional e da Comissão Europeia. Diz, ainda, a mesma coisa um estudo feito pela Universidade de

Oxford, que refere que Portugal, quando comparado com os restantes países da União Europeia, se encontra

em 5.º lugar entre os países em que menos apoios foram concedidos à economia. Atrás de Portugal, Srs.

Deputados, à data do estudo, finais de 2020, apenas estavam a Estónia, a Hungria e a Ucrânia.

É por isso que o assunto desta petição, infelizmente, mantém atualidade: porque o Governo chegou tarde e

muitas vezes só chegou porque foi obrigado; e porque, se não fosse o PSD, Srs. Deputados, os

microempresários não teriam sido abrangidos pelos apoios.

Lembro o Projeto de Resolução n.º 788/XIV/2.ª, apresentado pelo PSD. Se não tivesse sido a bancada do

PSD, os empresários em nome individual e os sócios-gerentes não tinham sido englobados nos apoios.

O Sr. João Dias (PCP): — Já se esqueceu do que foi buscar à proposta do PCP?

A Sr.ª Márcia Passos (PSD): — Lembro também o Projeto de Resolução n.º 1083/XIV/2.ª e o Projeto de

Lei n.º 336/XIV/1.ª

Protestos do PCP e do BE.

Foi, Srs. Deputados! Foi pela mão do PSD! Custa a ouvir, mas é verdade!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Custa a ouvir, mas não é verdade!

A Sr.ª Márcia Passos (PSD): — Foi pela mão do PSD que o apoio a fundo perdido para pagar as rendas

comerciais foi conseguido e abrangeu estes empresários.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Olhe que a Assembleia tem arquivos!

A Sr.ª Márcia Passos (PSD): — Srs. Deputados, lembro ainda que o Partido Socialista votou sempre

contra todas estas iniciativas legislativas do Partido Social Democrata. Votou sempre contra!

Por isso, Sr.as e Srs. Deputados, o PSD continuará sempre atento e intervirá sempre que for necessário

para que a economia do País cresça e para que os empresários, nomeadamente das pequenas e médias

empresas, encontrem caminhos para a recuperação das suas atividades económicas, porque é nelas que está

o pulsar da economia do nosso País e a subsistência das nossas famílias.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hugo Carvalho, do PS.

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O Sr. Hugo Carvalho (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Tendo em conta que aqui se falou

nas questões temporais, é muito importante lembrar que há dois tempos na discussão deste tema. Há, pois, o

tempo formal da discussão desta petição — e, obviamente, aproveito para saudar os peticionários —, já que

não foi permitido debatê-la até agora, não por responsabilidade de cada um de nós, individualmente, mas

porque coletivamente não foi possível fazer o debate formal deste tema mais cedo, nesta Câmara.

Só que há um «mas» no tempo desta resposta que nos permite podermos fazer hoje o debate desta

petição sabendo as medidas que existiram e que existem para fazer face às justas e legítimas expectativas

dos peticionários.

É aqui que temos de iniciar o debate, tendo em conta as propostas, as concretizações, no dia de hoje e no

dia em que foi escrita a petição.

A verdade é que há um grande esforço coletivo. Não é um esforço individual de ninguém. Não há aqui

meças entre qual é o partido que deve ter os louros neste processo. O que há é um esforço de resposta

coletiva, de respeito entre aqueles que têm a responsabilidade de tomar decisões políticas e aqueles que, com

os seus negócios, procuram dar o seu melhor para continuar a manter o emprego.

Quando debatemos a fazer meças de quem é que foi o responsável por uma medida — e muitas medidas

tiveram consenso nesta Câmara —, estamos a esquecer o grande exercício que fizemos ao combater a

pandemia.

Caras e caros Deputados, o Partido Socialista encara este tema com frontalidade. Sim, este foi um dos

setores que mais sofreram os efeitos da pandemia. Foi o último a abrir e também foi por isso que teve um

carinho especial nas políticas públicas que levámos a cabo. Sim, este setor, ao contrário do que foi dito, foi

apoiado em alguns casos com majoração face a outros. Sim, este setor foi apoiado e não foi só com

moratórias, não foi só com acesso a créditos bancários para dar liquidez, também foi apoiado a fundo perdido.

E os Deputados que hoje fazem este debate e que não sabem estes dados, efetivamente, não estão à altura,

perante os mais de 5000 peticionários que assinaram esta petição.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — São vocês que estão?!

O Sr. Hugo Carvalho (PS): — Deixem-me que diga — porque é claro e deve-se ser frontal perante esses

indicadores — que este é um setor ao qual procuramos dar respostas com respeito e com diálogo permanente

com estas instituições, porque, repito, para responder a uma situação difícil, todos somos necessários, todos

somos úteis.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Todos somos úteis!… Isso é conversa!

O Sr. Hugo Carvalho (PS): — Isto porque dia após dia fomos confrontados com cenários que ninguém

conseguia antecipar.

Portanto, foi com esse sentido de responsabilidade e nesse esforço conjunto que este setor teve um apoio

superior a 175 milhões de euros — e diga-se, em particular, que 123 milhões de euros desse apoio foram

feitos a fundo perdido.

Há dados objetivos relativamente ao sucesso e insucesso da nossa ação, que, repito, não é um esforço

isolado do Governo e dos partidos das diversas bancadas parlamentares, mas um esforço conjunto entre a

sociedade civil, os empresários e o Governo. E há um indicador que é claro, objetivo e factual: à data de hoje,

o setor não tem perda de emprego face ao início da pandemia.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Onde é que não há perda de emprego?!

O Sr. Hugo Carvalho (PS): — Ora, se não há perda de emprego é porque, de facto, a resposta política, a

resposta efetiva, a resiliência e o esforço dos empresários foi grande e é sinal de que demos a resposta

correta para responder a esta situação.

Protestos do CH.

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Não posso deixar de registar, neste momento, que esses dados são factuais e objetivos.

Caros e caras Deputadas, como disse, foi um esforço coletivo e ninguém deve querer apropriar-se de uma

bandeira. Foi com respeito da governação, com respeito pelos cidadãos, com respeito pelos empresários que

fizemos o que devia ser feito. E os resultados estão à vista!

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Pois estão! Os resultados estão à vista!

O Sr. Hugo Carvalho (PS): — Sr. Deputado, não pretendo que fique desagradado com os bons

indicadores para os portugueses. Não é preciso. Ficar desagradado com bons indicadores para os

portugueses não é um bom motivo.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Todos os dias fecham empresas! Os dados são públicos!

O Sr. Hugo Carvalho (PS): — Permita-me, Sr. Presidente, uns segundos para me referir à proposta do

Iniciativa Liberal.

Vi, com alguma surpresa, que o Iniciativa Liberal arrastou uma iniciativa para este ponto. No entanto,

percorri o Programa Eleitoral do Iniciativa Liberal e não encontrei a proposta da redução do IVA para 6% no

setor da restauração e bebidas.

Portanto, quando um partido político, num debate de uma petição assinada por 5000 peticionários, procura

trazer um tema complexo — que, como aqui disse o PSD no ponto anterior, e bem, deve ser debatido em sede

própria, de forma conjunta e não isolada —, ou seja, quando o Iniciativa Liberal, em janeiro deste ano, não

tinha essa proposta no programa eleitoral e pouco tempo depois encontrou o oportunismo para trazer

propostas ao quilo, inclusive à assembleia municipal, isto é sinal da irresponsabilidade com que essa bancada

está a encarar este debate parlamentar.

Aplausos do PS.

Entretanto, assumiu a presidência o Vice-Presidente Adão Silva.

O Sr. Presidente: — Saúdo as Sr.as e os Srs. Deputados.

Vamos dar de imediato a palavra, para uma intervenção, à Sr.ª Deputada Paula Santos, do Grupo

Parlamentar do PCP.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começamos a nossa intervenção

cumprimentando os subscritores da petição que trazem este tema a discussão, na Assembleia da República,

relativo à criação de um apoio financeiro para as empresas e empresários de bares, estabelecimentos de

bebidas sem espetáculo e estabelecimentos de bebidas com ou sem espaço de dança.

O problema que trazem resulta dos impactos da epidemia, que foram muito significativos na atividade

económica e neste setor em concreto. A verdade é que estamos a falar de um conjunto de impactos que ainda

hoje estão presentes e que exigem respostas para que a atividade económica possa ser recuperada e para

que seja salvaguardada, tal como os postos de trabalho.

É importante apoiar as micro, pequenas e médias empresas no nosso País, já que elas são a base da

nossa atividade económica. Mas isso não pode ficar por proclamações. Tem de ser no concreto, com opções e

com medidas concretas, com intervenção e soluções concretas.

O que sucede é que, quando o PCP traz quer seja, como trouxemos no âmbito da epidemia, um conjunto

de medidas concretas para apoiar as micro e pequenas empresas, quer sejam medidas permanentes para

este setor, o que tem obtido das mais variadas forças políticas da Assembleia da República é a recusa dessas

medidas. Se elas tivessem sido aprovadas, seguramente que este setor estaria hoje numa situação

completamente diferente.

É um facto que os apoios que foram disponibilizados pelo Governo foram insuficientes e limitados. Em

muitos casos, foram inclusivamente usados para impedir que muitas micro e pequenas empresas tivessem

condições de aceder a esses apoios, tendo muitas ficado excluídas pelos critérios restritivos. Houve atrasos na

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atribuição dos apoios, naqueles casos em que foram concedidos. Houve dificuldades no contacto com serviços

públicos, nomeadamente com a segurança social, a Autoridade Tributária e o IAPMEI (Agência para a

Competitividade e Inovação), o que não está desligado do facto de haver falta de trabalhadores nesses

serviços.

Neste período de epidemia, já aqui referi, o PCP trouxe um conjunto de propostas concretas. Interveio não

só no sentido de que fossem criadas as medidas para que as diversas atividades económicas se pudessem

realizar — obviamente, em condições de segurança —, mas também através de apoios concretos para a

atividade económica, seja no que diz respeito às rendas, seja no que diz respeito à eliminação de todas as

restrições que impediam o acesso a esses mesmos apoios. Estamos a falar de aspetos concretos que

poderiam ter sido completamente diferentes.

Inclusivamente, no Orçamento do Estado para 2021, na sequência da aprovação de uma proposta do PCP,

ficou inscrita a não discriminação do apoio às empresas, proposta essa que tinha por objetivo impedir que na

regulamentação houvesse critérios que inviabilizassem o acesso das micro e pequenas empresas aos apoios

públicos. Lamentamos que o Governo não tenha cumprido esta proposta, que foi aprovada.

Como estava a dizer, muitas micro e pequenas empresas não recuperaram ainda a sua atividade

económica e já estão a sentir novas dificuldades devido ao aproveitamento pelos grupos económicos da

guerra e das sanções, nos aumentos de preços, na taxa de inflação e nos aumentos na área da energia.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Tem de terminar, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Vou terminar, Sr. Presidente.

Para terminar, Sr. Presidente, o que aqui quero deixar é o compromisso por parte do PCP de continuar a

intervir no sentido de apoiar as micro e pequenas empresas.

Há uma questão fundamental que temos colocado — sendo que a nossa proposta não tem merecido o

apoio necessário por parte das outras forças políticas —, que é a da criação de um fundo de apoio de

tesouraria às micro e pequenas empresas que permita apoiar a sua atividade e proteger os postos de trabalho.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Para uma intervenção, por parte do Grupo Parlamentar do Bloco de

Esquerda, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Mortágua.

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Cumprimento os peticionários,

em particular o Sr. António Fonseca, primeiro peticionário.

O Sr. Deputado do Iniciativa Liberal trouxe-nos aqui uma história do IVA que tem um ponto de início um

bocadinho parcial. É que a história do IVA da restauração começou antes. Começou desde logo quando o

Governo de José Sócrates aumentou a taxa máxima do IVA e continuou quando o Governo do PSD e do CDS

subiu a taxa do IVA da restauração, aumento esse que foi parcialmente revertido no passado, não abrangendo

ainda as bebidas.

Há pouco, discutíamos o IVA da atividade dos médicos veterinários. Noutras circunstâncias, debatemos o

IVA da eletricidade. Penso que, mais cedo do que tarde, chegaremos à conclusão de que o problema de facto

aqui é que a taxa normal de IVA é uma taxa de luxo e que é demasiado elevada para a estrutura da economia

portuguesa. Deveria, sim, haver uma taxa que pudesse diferenciar bens de luxo de bens normais — normais

ao funcionamento da economia —, nomeadamente estes de que estamos a falar, bens e serviços.

Já aqui foi dito que as medidas de restrição relativamente à pandemia foram levantadas, mas que este

setor é um dos mais afetados pela mesma, não só porque sofreu estas medidas durante mais tempo, estando

encerrado mais tempo, como também porque sofre agora o impacto das medidas que era suposto virem aliviar

o impacto da pandemia. Ou seja, quando o Governo se negou a apoiar a economia — tendo um Orçamento e

maioria para isso na Assembleia da República —, se negou a aumentar os apoios e transformou Portugal num

dos países que menos apoiaram a economia, atirou as pequenas e médias empresas para a banca ou para

moratórias de pagamento. Isto criou um certo alívio no momento da pandemia e no momento de interrupção

da atividade, mas criou um problema hoje, porque esses créditos têm de ser pagos hoje, porque muitas

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empresas estão hoje mais endividadas do que estavam, porque as moratórias das rendas têm de ser pagas

hoje e esses valores são hoje acrescidos.

Por isso, não enfrentando estas empresas o problema exatamente igual que enfrentavam na altura da

interrupção da sua atividade, enfrentam hoje novos problemas e novas pressões que se podem manter apesar

da recuperação da atividade a que temos assistido. E por isso queria deixar aqui o compromisso do Bloco de

Esquerda, que está disponível para apoiar as medidas de apoio a este setor, as medidas de apoio às

pequenas e microempresas, todas as medidas de apoio que permitam manter os postos de trabalho neste e

noutros setores, nomeadamente através de apoios à tesouraria das pequenas empresas que agora se veem

confrontadas com um fluxo de pagamentos que não existia no passado.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra, pelo Livre, o Sr. Deputado Rui

Tavares.

O Sr. Rui Tavares (L): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Encontramo-nos aqui a discutir uma

petição que pede apoios para um determinado setor da restauração, nomeadamente os bares, e uma

proposta, que chega do Iniciativa Liberal por arrastamento, de diminuição da taxa de IVA sobre esse setor. Ou

seja, o setor pede uma coisa, o Iniciativa Liberal dá uma coisa diferente, apesar de não estar no programa

eleitoral. Isso não nos deve surpreender, porque temo que um dia veja aí alguém a torcer um pé na rua e o

Iniciativa Liberal, em vez de oferecer uma mão, ofereça uma descida de impostos a quem acabou de torcer o

pé na rua.

Risos do PS e do CH.

Caros Colegas, nem sempre uma descida de impostos é a resposta para tudo. E aqui, num setor que já

sofreu com a pandemia, a que os apoios chegam atrasados, mas que é preciso apoiar nas rendas, no

aumento da inflação, precisamos é de demonstrar disponibilidade para discutir o que de facto estava na

petição e aquilo que traz os peticionários aqui, e o Livre desde já demonstra a sua disponibilidade para reunir

com eles e para procurar como é que podemos fazer face aos custos crescentes que a inflação traz.

Ao mesmo tempo, é certo que nem todas as descidas de impostos — e acabámos de defender agora uma

nos serviços médico-veterinários — se refletem sobre o custo final que os contribuintes vão pagar. Nem todas

as descidas de impostos resultam. Acho que seria bom aprendermos isso.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Vamos dar agora a palavra, para uma segunda intervenção, ao Sr.

Deputado Rui Rocha, do Iniciativa Liberal.

O Sr. Rui Rocha (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começaria por dizer à Sr.ª Deputada

Mariana Mortágua que esta será então uma terceira vez que concordamos e, portanto, é digno de registo.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Calma!

O Sr. Rui Rocha (IL): — Nós também concordamos que há uma necessidade de descida de impostos,

nomeadamente do IVA, portanto, temos aí uma concordância que queria manifestar.

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Começamos com a derrama!

O Sr. Rui Rocha (IL): — É assim e temos de reconhecê-lo.

Quanto ao Sr. Deputado Rui Tavares, gostaria de dizer-lhe que, de facto, insistimos genericamente na

questão da descida de impostos. O Sr. Deputado questiona se isso funciona sempre ou não. O ponto é que

temos visto sistematicamente subidas de impostos e, sobre essas, temos a certeza de que não funcionam de

todo, por isso gostávamos de experimentar uma descida de impostos.

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Aplausos do IL.

Quanto ao comentário do PS, queria agradecer ao Sr. Deputado o esforço que teve na leitura das

seiscentas e tantas páginas do nosso programa — tenho a certeza de que lhe foi proveitoso! —, mas queria

dizer que há vida para além dele. Portanto, esta não é uma medida à qual tenhamos chegado agora. Se o Sr.

Deputado tivesse investido esforço além da leitura do programa, com a leitura das propostas que o Iniciativa

Liberal apresentou na Legislatura passada, teria visto que, em 2020, esta proposta foi apresentada, por isso,

esta não é uma discussão à qual tenhamos chegado agora.

Estamos e estaremos sempre do lado do desagravamento fiscal, nomeadamente na atividade de

restauração, que precisava então e precisa agora de não ser sujeita à carga fiscal a que está sujeita.

Aplausos do IL.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — A Mesa não regista mais inscrições e, sendo assim, concluímos este

debate.

Passamos agora para o quarto ponto da ordem de trabalhos de hoje, em que vamos debater, na

generalidade, a Proposta de Lei n.º 5/XV/1.ª (GOV) — Procede à segunda alteração à Lei n.º 73/2021, de 12

de novembro, juntamente com, também na generalidade, os Projetos de Lei n.os 34/XV/1.ª (CH) — Revoga a

reestruturação do sistema português de controlo de fronteiras decorrente da Lei n.º 73/2021, de 12 de

novembro, repondo a estrutura orgânica e as missões do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, e 37/XV/1.ª

(PCP) — Revoga a extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.

O Governo já se encontra entre nós e temos informação de que quem vai usar da palavra, para apresentar

a proposta de lei, é o Sr. Ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro.

Faça favor, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro da Administração Interna (José Luís Carneiro): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados:

Permitam-me que, na primeira vez em que estou investido de funções executivas perante este Parlamento,

possa, em primeiro lugar, transmitir a disponibilidade absoluta para que, sobre um tema tão sensível,

possamos continuar a desenvolver um diálogo que seja cooperativo, tendo em vista uma transição institucional

capaz de garantir a segurança e a confiança neste processo de reestruturação. Reafirmo a disponibilidade não

apenas da minha parte, mas também das Sr.as Secretárias de Estado que me acompanham, para que este

diálogo possa ser tão profícuo quanto possível relativamente à defesa do interesse do País, porquanto a

segurança nacional constitui o primeiro e mais prioritário objetivo do Estado — não apenas naquilo que a

segurança tem de objetivo, mas também de subjetivo, de perceção.

Esta é a razão pela qual gostava de deixar ficar uma segunda palavra, Sr. Presidente, Sr.as e Srs.

Deputados. A administração interna e a segurança nacional constituem, todos afirmamos, uma função de

soberania e, sendo uma função de soberania, trata daquela que é uma matéria da mais importante relevância

para a salvaguarda das liberdades, dos direitos e das garantias dos cidadãos. Por essa razão, apelo às Sr.as e

aos Srs. Deputados para que esse diálogo se faça sempre com sentido de Estado e com uma convicção

profunda de que estamos a tratar de uma das matérias mais relevantes para a salvaguarda das liberdades,

dos direitos e das garantias do cidadão e na confiança no Estado de fundamento democrático.

Aplausos do PS.

A proposta que o Governo submete à apreciação parlamentar tem que ver com a avaliação que foi

desenvolvida pelo Governo do estado de amadurecimento das transformações que estão em curso e que

procuram corresponder a vários objetivos.

Em primeiro lugar, ao objetivo de implementação dos compromissos internacionais do Estado português,

quer no quadro do pacto das migrações, quer no quadro da Presidência portuguesa da União Europeia, que

assumiu a vontade de participar no processo europeu de fortalecimento da Frontex, mas também de criação

de uma agência para as migrações e para o asilo.

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Em segundo lugar, garantir no País aquele que é um objetivo concomitante de salvaguarda dos direitos

humanos fundamentais aos que nos procuram para viver, para investir, para trabalhar e para aqui fazerem as

suas vidas com dignidade — tal qual ocorre com os 5,7 milhões de emigrantes e lusodescendentes que temos

nas diferentes paragens do mundo, muito justamente reconhecidos na intervenção do Sr. Presidente da

Assembleia da República nas comemorações do 25 de Abril. E assim como desejamos que os nossos

concidadãos que se encontram em 187 países do mundo tenham condições de acolhimento e de integração

com dignidade, o mesmo desejamos que ocorra com aqueles que procuram o nosso País.

Em terceiro lugar, fazê-lo — e concomitantemente fazê-lo — com os objetivos do Estado de garantir os

compromissos internacionais no quadro da União Europeia no que diz respeito à segurança de fronteiras e à

salvaguarda desse compromisso externo do Estado português enquanto Estado de responsabilidade da

fronteira externa da União Europeia.

Mas queremos fazê-lo com o envolvimento dos representantes dos trabalhadores e dos funcionários do

Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), procurando garantir que esta transição ocorre na salvaguarda dos

seus direitos fundamentais, nomeadamente o seu estatuto, a sua carreira e o reconhecimento desse estatuto e

dessa carreira.

Trata-se, portanto, de um processo que está em curso, que tem níveis de amadurecimento diversos

consoante as áreas de diálogo com as diferentes forças e serviços de segurança. Por isso, por entendermos

que há níveis de amadurecimento distintos e por querermos promover uma transição segura, tranquila, que

suscite confiança nos atores desta transformação e desta mudança institucional, entendeu o Governo

submeter à Assembleia da República uma proposta para que a Lei n.º 73/2021 apenas produza efeitos por

altura da instalação da Agência Portuguesa para as Migrações e Asilo (APMA).

É uma proposta que compatibiliza estes valores que acabei de sublinhar. Assim, esperamos naturalmente a

aprovação por este Parlamento de uma proposta que tem em vista salvaguardar valores fundamentais e,

simultaneamente, garantir os compromissos externos do Estado português, muito particularmente garantir uma

transição que seja segura, uma transição que seja serena e que permita o envolvimento e a participação de

todos quantos têm responsabilidades neste domínio.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — A Mesa não regista inscrições para pedidos de esclarecimento ao Sr.

Ministro.

Pausa.

Afinal, temos duas inscrições. Suponho que o Sr. Ministro responda de uma vez só.

Pausa.

Convém que os Srs. Deputados se inscrevam durante a intervenção do orador, porque de outra maneira

temos de parar os trabalhos durante algum tempo.

Pausa.

A Mesa registou a inscrição de três Srs. Deputados para formularem perguntas ao Sr. Ministro.

Como podem constatar, o Sr. Ministro já não dispõe de tempo, mas o Partido Socialista, parcimonioso, e

bem, acaba de ceder 1 minuto do seu tempo ao Sr. Ministro.

Sendo assim, com os constrangimentos que estão a perceber, vão fazer perguntas ao Sr. Ministro os Srs.

Deputados João Cotrim de Figueiredo, Pedro Filipe Soares e Rui Tavares.

Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado do Iniciativa Liberal João Cotrim de Figueiredo.

O Sr. JoãoCotrimFigueiredo (IL): — Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro

da Administração Interna, para o Iniciativa Liberal, que em novembro do ano passado se bateu contra a

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extinção do SEF, o Sr. Ministro vir pedir para adiar essa extinção mais 180 dias não é necessariamente uma

má notícia.

O que é uma má notícia é que este eventual adiamento vai fazer com que demoremos mais seis meses a

perceber a autêntica asneira que é extinguir o SEF, porque o que vamos estar a fazer é a eternizar um

processo em que, para responder a queixas de demoras, de corrupção, de abusos graves do SEF, o Governo,

em vez de tentar resolver o problema, reformando o SEF, decide extingui-lo e espalhar as suas competências

por cinco entidades, quatro delas já existentes e que não primam pelo contacto e pela facilidade de

comunicação entre si, e uma quinta entidade que ainda não existe e, pelos vistos, ainda ninguém sabe quando

é que vai existir, que é a famosíssima agência para as migrações e asilo. Portanto, este adiamento pode

realmente vir a corresponder à eternização da agonia de uma extinção com data ainda por definir.

Também é má notícia porque esta indefinição vai continuar a produzir, nos quadros daquilo que era o SEF,

desorientação e desmotivação, fazendo com que, semana após semana, recebamos notícias de pessoas que

saem do SEF — 43 inspetores preferiram ir trabalhar para a Frontex e outros quadros importantes do SEF têm

vindo a sair. Portanto, a capacidade de o SEF prestar um bom serviço, seja para onde quer que vão as suas

competências, já está comprometida.

Também é má notícia porque este processo é mais uma evidência, se fosse necessário demonstrar, de que

o PS não sabe lidar com este tipo de assuntos, pois argumenta que a extinção do SEF tinha de acontecer por

estar prevista no Programa do Governo. O PS não utilizou o diagnóstico, não fez um plano, como está à vista,

que se pudesse executar, mas, depois, quando vem adiar a sua extinção, culpa, alternativamente, a

pandemia, a dissolução do Parlamento e, agora, até a guerra da Ucrânia — culpa tudo menos o PS! Nada

acontece neste País que seja culpa do Partido Socialista!

Finalmente, esta é uma má notícia para todos aqueles que dependem de um serviço de fronteiras

verdadeiramente eficaz: em primeiro lugar, as pessoas que procuram o nosso País e que têm direito a ter um

acolhimento e uma integração em condições e sem demoras; em segundo lugar, aqueles que precisam, em

vários setores da nossa economia, de mão de obra, mais ou menos qualificada, de modo a terem um serviço

de fronteiras capaz de executar uma estratégia de migrações verdadeiramente bem conseguida; em terceiro

lugar, aqueles que nos procuram na qualidade de turistas, que, não tenho dúvida, mais uma vez neste verão

vão ter filas e filas infindas nos nossos aeroportos ou cruzeiros.

Portanto, Sr. Ministro, o esclarecimento que lhe pedia é o seguinte: diga-nos, por favor, se pode dar-nos a

boa notícia, em vez destas várias más notícias, de que está a ponderar reverter esta decisão errada que foi a

da extinção do SEF.

Aplausos do IL.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, informo que

também se inscreveu, da parte do Grupo Parlamentar do Chega, o Sr. Deputado Rui Paulo Sousa para fazer

uma pergunta ao Sr. Ministro.

Tem agora a palavra, pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares.

O Sr. PedroFilipeSoares (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra e Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.

Ministro, o Bloco de Esquerda votou a favor da extinção do SEF e fê-lo com consciência, com a certeza das

consequências que daí adviriam e com uma posição política muito firme. Para nós, a imigração não é matéria

de polícia e, por isso, nunca deveria ter sido criada uma força policial para cuidar das questões de imigração.

Mas o debate de hoje e, acima de tudo, o aproveitamento que a direita vai fazer dele era evitável. Era

evitável se o Governo anterior tivesse feito aquilo que se dispôs a fazer no momento em que discutimos na

Assembleia da República a lei cuja entrada em vigor se vai adiar por, pelo menos, mais seis meses.

A única coisa que quero perguntar ao Sr. Ministro, e à Sr.ª Ministra também, é se durante o ano de 2022

teremos, de facto, o fim do SEF e a criação de uma nova entidade administrativa para lidar com os processos

de imigração, porque, para nós — e termino como comecei —, a imigração não é matéria de polícia.

Aplausos do BE.

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O Sr. Presidente (Adão Silva): — Para um pedido de esclarecimento, pelo Livre, tem a palavra o Sr.

Deputado Rui Tavares.

O Sr. RuiTavares (L): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.ª Ministra, Caros e Caras Colegas, sabemos o que

nos trouxe até aqui e não é preciso referir os acontecimentos, até trágicos, sucedidos sob a tutela do SEF para

nos fazer lembrar que, durante muitos anos, foram apresentadas muitas queixas pelo facto de Portugal não

cumprir com aquilo que, até por instrumentos internacionais que assinou, deveria ter cumprido, e que era

garantir que o primeiro ponto de contacto de um imigrante, de um refugiado, de um requerente de asilo ou de

um estrangeiro num País não fosse uma polícia.

Há um lugar para a polícia nas fronteiras, há um lugar para a polícia de investigação e para a polícia de

segurança na gestão de fluxos migratórios ou na investigação, por exemplo, de dossiers de requerentes de

asilo, mas a imigração e os fluxos de humanos, em termos gerais, são complexos e, no que diz respeito à sua

integração na sociedade de acolhimento, não devem ser matéria de polícia.

Este adiamento, para nós, só se entende se for também uma ocasião para corrigir o que se nos afigura

poder ser um erro.

Por isso, pergunto-lhe: no que diz respeito à criação de uma agência portuguesa de migração e asilo, com

que estamos completamente de acordo, pois já tarda, onde deve ela ser criada? Se nos disserem que ela

deve ser criada no MAI (Ministério da Administração Interna), ou seja, no ministério das polícias, então,

consideramos que não se aproveita este adiamento para corrigir esse erro.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. RuiTavares (L): — Essa agência deve ser criada em qualquer outro lugar, como no Ministério do

Trabalho, Solidariedade e Segurança Social ou em qualquer outro ministério que não seja o das polícias.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra, pelo Grupo

Parlamentar do Chega, o Sr. Deputado Rui Paulo Sousa.

O Sr. RuiPauloSousa (CH): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Sr. Ministro, há duas coisas que são

indiscutíveis: a falta de recursos humanos na PSP (Polícia de Segurança Pública) e na GNR (Guarda Nacional

Republicana) e o fosso salarial entre estas forças policiais e os inspetores do SEF.

Assim, pergunto-lhe: atendendo ao aumento de competências destas forças policiais, e sabendo que

também no SEF havia falta de recursos humanos, como pretende garantir que não se vão acentuar os

desequilíbrios já existentes? Ou melhor, vai tirar polícias das ruas para controlarem as fronteiras? E como

pretende diminuir o fosso salarial e os direitos entre os inspetores do SEF e os agentes da PSP e da GNR?

Aplausos do CH.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Tem a palavra — para algo que só mesmo a ele se pode pedir — o Sr.

Ministro da Administração Interna. Dispõe de 51 segundos para responder a estes quatro Srs. Deputados que

acabaram de fazer perguntas.

Faça favor, Sr. Ministro.

O Sr. MinistrodaAdministraçãoInterna: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, em primeiro lugar,

gostaria de dar conta de que a exposição de motivos da proposta de lei é clara sobre algumas das causas que

limitaram a ação do Governo — as eleições legislativas, a repetição das eleições no círculo eleitoral da Europa

e também o início de um conflito armado, o que, naturalmente, trouxe um nível de complexidade do ponto de

vista logístico e do ponto de vista do apoio aos fluxos migratórios que limitou a capacidade de ação e de

execução do Governo.

Em segundo lugar, convém deixar claro que se tentou aqui, por várias vezes, deixar ficar uma ideia sobre o

prazo da execução. A exposição de motivos não refere um prazo de execução porque se há cautela que tem

de existir é, naturalmente, nos termos em que esta transição ocorre. Portanto, não se determina nenhum

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período para a sua execução. A execução, mais do que corresponder a uma meta temporal, deve

corresponder às condições de segurança do País e a uma transição que seja segura, sólida e consistente para

dar confiança nas instituições e no Estado de direito democrático.

Sobre as questões colocadas por outros partidos, nomeadamente sobre onde será criada a agência para

as migrações e o asilo, dentro de dias será publicada a estrutura orgânica do Governo, podendo verificar-se

que ficará com a Sr.ª Ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares essa dimensão da integração e do

acolhimento, enquanto tudo o que é dimensão policial ficará com a PSP e com a GNR e o que tem que ver

com a investigação criminal ficará com a Polícia Judiciária (PJ).

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Tem de concluir, Sr. Ministro.

O Sr. MinistrodaAdministraçãoInterna: — Aliás — e concluo, Sr. Presidente —, tal está de acordo com

a expressão da maioria deste Parlamento. Se formos consultar as atas, verificamos que a grande maioria dos

partidos políticos se pronunciou no sentido de separar as funções policiais das funções administrativas de

integração e de acolhimento.

O Sr. André Ventura (CH): — Nem o PS bate palmas!

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Vamos agora passar à fase da apresentação dos projetos de lei.

Para apresentar o Projeto de Lei n.º 34/XV/1.ª, tem a palavra, pelo Grupo Parlamentar do Chega, o Sr.

Deputado Pedro Pinto.

O Sr. PedroPinto (CH): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O projeto de

lei que apresentamos é fácil e rápido de apresentar — pretende reverter a extinção do SEF.

O desmantelamento do SEF é um excelente exemplo de como não deve ser a ação governativa. Estamos

perante uma decisão irrefletida, mas que este Governo ainda está a tempo de reverter. Foi um capricho do

Ministro Eduardo Cabrita, aliás, capricho não, foi, sim, quando o anterior Governo de António Costa teve de

vender a alma ao diabo, que é a mesma coisa que dizer vender a alma à extrema-esquerda, em particular ao

Bloco de Esquerda.

Aplausos do CH.

Acabar com o SEF é deixar o País em risco, particularmente nas nossas fronteiras. Temos de controlar

quem entra no País. Com uma guerra na Europa, torna-se mais fácil a entrada de criminosos misturados com

pessoas que vêm, realmente, a fugir de uma guerra que ninguém queria, mas que continua a ter quem não a

condene. Sim, dizemos que podem entrar criminosos porque, sem controlo, podem entrar todos, sem

sabermos quem são e o que vêm fazer, à boa maneira socialista.

A Sr.ª Rita Matias (CH): — Muito bem!

O Sr. PedroPinto (CH): — Por vezes, isso já acontecia, particularmente no Algarve, com aqueles

migrantes que vinham de Marrocos de iPhone na mão, não para fugirem de uma guerra mas apenas para

entrarem em Portugal e desaparecerem misteriosamente.

Aplausos do CH.

Recordemos que Eduardo Cabrita — não sabemos se com peso na consciência ou não —, um dia depois

de ter anunciado a sua demissão, condecorou o SEF com a Medalha de Serviços Distintos de Segurança

Pública, mas, antes, já tinha dado o prémio de extinguir o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.

Estes trabalhadores, homens e mulheres, não precisam de condecorações. Estão desde julho de 2021 à

deriva, sem saber o que fazer às suas vidas, sem rumo, a ver o sítio onde trabalham ser substituído por,

imagine-se, uma agência de asilo. Primeiro, era apenas uma reestruturação e, depois, passou a ser uma

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extinção. Agora, meteram, há uns meses, a PSP e a GNR a fazer uma formação. É de bradar aos céus uma

formação de três meses poder substituir uma instituição que existe há 35 anos!

Aplausos do CH.

Olhamos para as nossas forças de segurança e o que vemos é um panorama aterrador de agentes

maltratados e agredidos, com os bandidos a passar impunes — sim, bandidos, e, por muito que não gostem

da palavra, este grupo parlamentar irá sempre chamar bandidos aos bandidos! —,…

Aplausos do CH.

… e com as viaturas sem condições, sem poder prestar auxílio e segurança às populações, como se vê no

interior do País, com uma patrulha para 100 km2.

Temos carência de recursos humanos, e só não vê quem não quer ver. Não temos condições para

extinguir o SEF sem meter em causa a segurança do País. São inúmeras, dezenas mesmo, as cartas de

associações e sindicatos da PSP e da GNR que recebemos a pedirem para lutarmos pela não extinção do

SEF. Estes homens e mulheres sabem que só o Chega está do seu lado, só o Chega está na sua luta.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, passarmos de ter apenas uma entidade a controlar as nossas

fronteiras para ter cinco entidades com competência nesta matéria é a receita perfeita para o insucesso, com

mais burocracia, mais atrasos, mais impedimentos e mais dificuldades que apenas refletem menos segurança

para os cidadãos.

O SEF precisa de ser melhorado? Sim, precisa, mas não precisa de ser extinto. O Observatório de

Segurança Interna — os observatórios, tão do agrado dos socialistas — refere o seguinte: «(…) todo um novo

sistema de gestão de fronteiras que está errado, e para o qual as forças e os serviços de segurança não estão

preparados nem formados», o que, «(…) objetivamente, é uma diminuição drástica dos padrões de segurança

interna do nosso País, expondo-nos a ameaças externas, potenciadas até pela situação de guerra vivida na

Ucrânia.» Não é o Chega que o diz, mas, sim, o Observatório de Segurança Interna.

Vozes do CH: — Muito bem!

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Para terminar, queria dizer que a justificação para o adiamento da extinção do

SEF não é perfeita.

A culpa era da rejeição do Orçamento do Estado para 2022 ou da COVID; agora, a desculpa é a guerra.

Haja coragem para dizer a verdade. A única coisa que este Governo não quer dizer é que esta foi apenas mais

uma «cabritada» e que agora quer, realmente, que o SEF continue. Aliás, em 2007, e é bom que a memória

não se apague, quando era Ministro da Administração Interna de José Sócrates — sim, José Sócrates, não sei

se se lembram quem era —, António Costa foi contra a extinção do SEF.

Sabemos que o Sr. Ministro José Luís Carneiro é um homem de causas, já o era quando foi Presidente da

Câmara Municipal de Baião. Agora, é todo o povo português que precisa. Pelo futuro do nosso País, dos

nossos filhos e netos, por Portugal, os portugueses agradecem.

Aplausos do CH, com Deputados de pé.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Para apresentar o Projeto de Lei n.º 37/XV/1.ª (PCP), tem a palavra a

Sr.ª Deputada Alma Rivera.

A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na última Legislatura, o Governo decidiu

extinguir o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, repartindo as suas atuais atribuições por cinco entidades: o

serviço de estrangeiros e asilo, a criar, o Instituto dos Registos e do Notariado, a Polícia Judiciária, a Polícia de

Segurança Pública e a Guarda Nacional Republicana.

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O PCP não concordou com essa pretensão e votou contra a proposta de lei do Governo. Entendemos que

essa proposta foi precipitada, reativa e, em vez de contribuir para a solução, veio criar novos problemas. Não

faltaram avisos para o que hoje se confirma.

Este é um processo que nasce torto, por ter sido apenas uma reação avulsa ao crime horrível que foi

praticado contra um cidadão ucraniano enquanto se encontrava nas instalações do SEF.

Essa extinção não constava do programa do PS e foi apenas uma típica fuga para a frente, que não só não

resolveu nenhum problema como fez recair as consequências do crime sobre toda a instituição e sobre todos

os elementos que a integram. Isso não é justo e não pode ser forma de proceder extinguir instituições quando

os seus elementos praticam crimes.

A resposta ao que aconteceu deveria ser uma investigação séria e rigorosa, a condenação dos

responsáveis e, sim, a adoção de medidas organizativas para que nada disto voltasse a acontecer.

Relativamente ao que foi proposto pelo Governo, a nossa oposição não é, obviamente, à separação das

funções policiais das funções administrativas no âmbito do SEF, nem ignoramos a justeza das razões

invocadas pelo Governo para as separar. Aliás, sempre defendemos essa separação. Migrar não é um caso

de polícia, não é um crime, não faz sentido tratar tudo o que tenha que ver com o estatuto legal dos

estrangeiros como uma questão policial.

O exemplo do cartão de cidadão é talvez o mais óbvio: faz sentido um cidadão nacional renovar o seu

cartão de cidadão no Instituto dos Registos e do Notariado, numa loja do cidadão, e um cidadão não nacional

ter de recorrer a um serviço policial para requerer ou renovar a sua autorização de residência? Cremos que

não.

Mas o que se fez não foi tratar disto através de um processo participado e refletido, foi pura e simplesmente

extinguir o SEF.

O Governo extinguiu o SEF através da Lei n.º 73/2021, que deveria ter entrado em vigor a 12 de janeiro de

2022. Como é evidente, isso não aconteceu, e não tardaram a surgir as diversas dificuldades para que o PCP

alertou em devido tempo. Essas mesmas dificuldades levaram a que o Governo propusesse uma alteração à

lei, para que a entrada em vigor só ocorresse no próximo dia 12 de maio.

Entretanto, o SEF ficou numa situação insustentável, e a recente demissão do Diretor Nacional é reflexo

disso. O SEF é hoje uma instituição paralisada, com todas as consequências que isso tem para os cidadãos

que precisam de resolver problemas relacionados com a sua permanência em Portugal.

Como já dissemos várias vezes, em vez de tentar perceber como podia extinguir o SEF, melhor seria se o

Governo se preocupasse em criar condições para que o SEF pudesse trabalhar, já que bem se conhecem as

dificuldades criadas, em grande medida, pela escassez de recursos humanos.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Exatamente!

A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Srs. Deputados, agora, ao segundo adiamento que aqui discutimos, já é

tempo de reconhecer que foi um erro, uma precipitação. Aliás, a argumentação aduzida pelo Governo para

adiar novamente só confirma os alertas que fizemos.

A extinção foi um erro e o Governo já percebeu, mas não quer reconhecer e, por isso, atira para a frente

um processo viciado à partida.

O PCP traz, aqui, um projeto de lei que corrige o erro. Trata-se de uma proposta para impedir que se

desperdice a experiência e o conhecimento de terreno, todo o papel relevante, em matéria de cooperação

internacional, que o SEF desempenha e um acumulado de intervenção em áreas tão complexas como o

combate às redes de imigração ilegal ou de tráfico de seres humanos; para impedir que se ignore que os

agentes do SEF têm uma formação específica, diferente da das forças e serviços de segurança por onde estes

se vão repartir se o Governo persistir no erro; para impedir o avolumar das dificuldades que afetam já as

forças e os serviços de segurança, para garantir as várias funções de que são incumbidos; para prevenir o que

isso significaria, em termos de dificuldades para a integração dos elementos do SEF e para o seu trabalho.

Não podemos assistir a uma situação que, além de causar prejuízo ao País em matéria de segurança

interna, se traduz numa enorme instabilidade para os elementos do SEF, que estão há meses sem saber do

seu futuro e qual o seu enquadramento ou estatuto socioprofissional.

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A proposta do PCP propõe revogar as alterações legislativas aprovadas no âmbito do processo de extinção

do SEF e repristinar as normas revogadas, do modo a manter o estatuto jurídico e operacional do SEF.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Tem de concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Para terminar, a proposta do PCP, que o PSD verteu em propostas de

alteração, que, obviamente, acompanhamos,…

Risos do PCP.

… garante condições de serenidade para tomar as decisões que se imponham para separar devidamente

as funções policiais das administrativas.

Sr. Presidente, termino, dizendo que a proposta do PCP é a que melhor serve o País, os elementos do

SEF, as forças e os serviços de segurança no geral, mas é, sobretudo, o único caminho que preserva,

simultaneamente, a segurança interna e um empenho coletivo, inadiável, de melhorar o Serviço de

Estrangeiros e Fronteiras, um serviço imprescindível para o País e para quem a ele recorre para aqui poder

viver.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra, pelo Grupo Parlamentar do PSD, o

Sr. Deputado André Coelho Lima.

O Sr. André Coelho Lima (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Neste debate, vamos procurar

cingir-nos àquilo que aqui nos traz, que não é ainda, tendo em conta o adiamento que está a ser pedido, a

reflexão sobre o SEF e a sua importância no sistema de segurança interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna — aproveito para cumprimentar os Srs. Membros do Governo e

peço desculpa por não o ter feito no início —, às perguntas que lhe foram colocadas anteriormente, respondeu

com a exposição de motivos da proposta de lei. É precisamente sobre as exposições de motivos, são várias as

exposições de motivos, que queremos refletir, porque elas dizem muito sobre o motivo por que estamos aqui.

No primeiro adiamento que foi pedido a este Parlamento, referia-se o seguinte: «Considerando a evolução

da situação epidemiológica em Portugal (…), prevê-se a necessidade de reforçar o controlo fronteiriço.» Vejam

bem! No dia 24 de novembro, o Governo, ou melhor, o Partido Socialista em nome do Governo, apresentou

aqui um pedido de adiamento da entrada em vigor da lei de extinção do SEF por causa da COVID. Isto, em

novembro, quando, um mês antes, tinha entrado neste Parlamento a proposta de extinção do SEF, como se a

COVID existisse em novembro e não existisse em outubro.

Isto é «tapar o sol com a peneira», é tapar os olhos às pessoas e esconder o que está por trás disto tudo,

que é a profundíssima incompetência do Governo em tratar esta matéria.

Mas há mais, que é o novo argumento. Qual é o novo argumento? Aliás, são dois, e o Sr. Ministro referiu-

se a eles muito bem. Em primeiro lugar, o chumbo do Orçamento do Estado e, em segundo lugar, a guerra da

Ucrânia. Vamos a eles.

Primeiro, o chumbo do Orçamento do Estado. Muito bem, está dito na exposição de motivos da proposta de

lei, que data de 22 de abril, o seguinte: «A rejeição da proposta de lei do Orçamento do Estado condicionou a

atividade do Governo cessante, limitando a implementação de medidas estruturantes.» Certo, e nós

conseguimos compreender isso. O que não conseguimos compreender é que, quando o Governo pediu o

adiamento em novembro, o Orçamento já tinha sido chumbado em outubro, em 27 de outubro, Srs. Ministros,

e, passadas três semanas, os senhores apresentam, aqui, um pedido de adiamento e não usam o chumbo do

Orçamento como argumento. Mas porquê? Como é que é possível? Ou seja, na altura em que o Orçamento já

tinha sido chumbado, em que já sabiam que ia haver eleições, ainda não tinham este argumento? Procuram o

argumento que estiver mais à mão.

Agora, vem o argumento da guerra da Ucrânia, esse, sim, contemporâneo e que não podiam ter usado

antes. Mas tem um detalhe, uma particular curiosidade. Diz o Governo: «a nova conjuntura decorrente da

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situação de conflito armado na Ucrânia, com exigentes implicações no plano humanitário, logístico e de

controlo de fronteiras, geradas pelos novos fluxos migratórios, determinaram que não fosse possível

implementar no prazo previsto a reformulação do regime de forças e serviços de segurança.»

Ou seja, o que aqui temos permite verificar, na voz do próprio Governo, o que seria de Portugal, o que seria

do Governo português, o que seria da entrada de 33 000 refugiados vindos da Ucrânia, da guerra da Ucrânia e

da situação catastrófica que estamos a viver, o que seria de tudo isto se o Governo tivesse conseguido fazer o

que não foi capaz, que foi extinguir o SEF. O que seria? Seria uma tragédia, com toda a certeza. Ao

reconhecer que seria uma tragédia, está o Governo a reconhecer a utilidade da manutenção do SEF.

É curioso como, nas suas próprias palavras, é o Governo que admite que sem o SEF seria uma tragédia e

que com o SEF estamos a conseguir lidar bem com a situação aqui em Portugal.

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Mas as funções não desapareceram!

O Sr. André Coelho Lima (PSD): — Por último, Sr. Presidente, e para terminar, queria perguntar ao Sr.

Ministro da Administração Interna o seguinte: o que fazer, agora, com esta situação? O que fazer com esta

confusão argumentativa que, na realidade, apenas esconde a desorientação e a desorganização que anda no

Governo?

O Governo vem agora — com alguma humildade, devo dizê-lo — pedir um novo adiamento, o segundo.

Este é sine die: não temos prazo, vamos ver. Não ter prazo significa que temos tempo, não para recuar, Sr.

Ministro, mas para reponderar.

Aliás, quero dizer mais: tínhamos agendado para hoje, na 1.ª Comissão, um requerimento para ouvir um

conjunto de entidades envolvidas nesta matéria, que retirámos, para com isso não se fazer pressão sobre o

Governo e a ponderação que agora há de ter lugar. E tem de ter lugar, Sr. Ministro, porque temos um novo

Governo, temos um novo Parlamento, com uma diferente configuração, e temos também um novo Ministro da

Administração Interna.

Isso significa que, não falando em recuos nem em retrocessos, mas falando em debate nesta sede

parlamentar, em reflexão no âmbito do Conselho de Ministros e com o tempo que, agora, os senhores pedem

e que vamos conceder, temos hipótese de reponderar. Fomos sempre contra a extinção do SEF, por isso,

vamos conceder esse tempo, vamos viabilizar a pretensão que nos solicitam.

Temos tempo, Sr. Ministro, para fazer aquilo que importa. Terminando como o Sr. Ministro terminou, direi

que esta é uma matéria de soberania, é um assunto de Estado, e em assuntos desta natureza o PSD sabe

muito bem cumprir a sua função, que é estar ao lado da solução que melhor aproveita ao sistema de

segurança interna, que é a manutenção do SEF.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra, pelo Grupo Parlamentar do PS, a

Sr.ª Deputada Susana Amador.

A Sr.ª Susana Amador (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.ª Ministra, Sr.as e Srs. Deputados: A

reforma em curso reveste-se, efetivamente, de uma natureza complexa — nunca o escamoteámos —,

sensível e abrangente, mas foi, desde o início, uma reforma pensada, uma reforma programática, uma reforma

estratégica e com perspetiva global, designadamente em coerência com o pacto global para as migrações das

Nações Unidas. Ou seja, nunca foi desgarrada, nunca foi uma reação; foi sempre uma reforma pensada e

também objeto da devida auscultação.

Mudar a forma como a Administração Pública se relaciona com os imigrantes e refugiados é um

compromisso, é um imperativo ético e político do Partido Socialista, que foi, aliás, sufragado pelos

portugueses. A mudança de paradigma que se impõe nesta reestruturação exige, como em qualquer reforma,

vontade e coragem política, que nunca faltaram ao Partido Socialista, à governação e ao Primeiro-Ministro,

António Costa.

Com efeito, governámos, nos últimos anos, num quadro de adversidade pandémica sem precedentes, que

gerou sucessivos estados de emergência. Adotaram-se medidas excecionais para apoiar as famílias e as

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empresas, que permitiram manter, aliás, um elevado nível de emprego; garantiu-se uma cobertura vacinal de

mais de 92,5% da população; preparou-se uma Presidência portuguesa da União Europeia; e assegurou-se

que Portugal fosse o primeiro país a apresentar o seu PRR e um dos primeiros a vê-lo aprovado.

Tudo isto, Srs. Deputados, diz muito da capacidade, da tenacidade e da coragem do PS e, sobretudo, do

povo português.

O Sr. Miguel Matos (PS): — Ora bem!

A Sr.ª Susana Amador (PS): — A proposta de lei que hoje se discute pretende, acima de tudo, garantir

que esta reestruturação, em todas as suas dimensões, se opere na preservação e salvaguarda de valores,

para nós, verdadeiramente essenciais.

O primeiro valor é o da defesa dos direitos humanos dos refugiados e emigrantes que escolhem Portugal

para que os proteja e acolha, os que escolhem Portugal para viver, trabalhar e investir.

Vozes do PS: — Muito bem!

A Sr.ª Susana Amador (PS): — Em segundo lugar, quanto ao valor da segurança na transferência das

funções de natureza policial do SEF para as nossas forças de segurança, não haverá nenhum vazio, Sr.

Deputado Coelho Lima. As funções do SEF serão preenchidas pelas demais forças de segurança, que, aliás,

já as executavam muitas vezes de forma complementar. Portanto, há esta preocupação quanto ao valor da

segurança.

Desde novembro de 2021 — não vale a pena escamotear, não são desculpas, mas, sim, condicionantes

objetivas —, a pandemia suscitou pressão sobre toda a Administração Pública e também sobre as forças e

serviços de segurança. Não podemos ignorar que tivemos eventos extraordinários e imprevisíveis que

alteraram a conjuntura e retraíram a atividade do Governo cessante.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Parece a cassete do PCP!

A Sr.ª Susana Amador (PS): — Tivemos eleições antecipadas e, ainda, a repetição do ato eleitoral no

círculo da Europa — sendo que a justificação dessa repetição se deve muito ao PSD! —, que provocou cerca

de dois meses de paragem.

Protestos do Deputado do PSD Hugo Carneiro.

O Sr. Miguel Matos (PS): — Dói-vos a consciência!

A Sr.ª Susana Amador (PS): — E temos a guerra na Ucrânia, um evento internacional, com grande

devastação material e humana, que, como sabem, do ponto de vista humanitário e logístico, provocou o êxodo

de mais de 5 milhões de refugiados ucranianos, com 33 000 pedidos de proteção temporária em Portugal.

Por isso, de forma prudente — como o Sr. Ministro explicou —, serena e com sentido do dever de

auscultação, a nova equipa para esta área ouviu, de novo, sindicatos, forças e serviços de segurança, todos

os serviços envolvidos, numa lógica de diálogo franco e de transparência.

Que fique totalmente claro que os objetivos políticos desta reforma e desta transformação se mantêm

intactos, que os direitos essenciais dos trabalhadores serão assegurados e que a mesma irá avançar, não por

reação a um acontecimento dramático, não por teimosia política, mas, sim, porque serve justos propósitos,

serve causas justas, irá melhorar o serviço público e a sua qualidade,…

O Sr. Miguel Matos (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Susana Amador (PS): — … irá concentrar recursos e competências de natureza policial nas forças

de segurança e na investigação reservada à Polícia Judiciária para o combate ao tráfico de seres humanos e

crimes conexos.

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Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Diz tudo e não diz nada!

A Sr.ª Susana Amador (PS): — Estamos certos de que o Governo irá continuar a garantir esta função

primordial da segurança, não só em termos internos, mas, também, nos compromissos que temos com as

instituições internacionais, na salvaguarda da fronteira externa do Estado português, e dos compromissos que

temos, intactos, com a União Europeia.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Só fala para encher!

A Sr.ª Susana Amador (PS): — O Grupo Parlamentar do Partido Socialista irá continuar a acompanhar a

concretização desta reforma inscrita no Programa do Governo, recentemente aprovado neste Parlamento, e

que implica um adequado e prudente trabalho interministerial.

Srs. Deputados, é uma reforma que consideramos central para a humanização dos serviços e atendimento

dos nossos imigrantes e refugiados, da qual a nova Agência da União Europeia para o Asilo será um esteio de

mudança, que queremos que seja tranquila, justa, eficaz e balizada pelo primado dos direitos humanos e da

segurança interna e internacional, sempre na busca da causa justa e das formas justas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra, pelo Grupo Parlamentar do Bloco

de Esquerda, o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: A

extinção do SEF pode e deve correr bem, porque Portugal precisa de ter uma política de migração e de

acolhimento de migrantes — de quem nos visita — de primeiro mundo, que respeite os direitos humanos e

cumpra com os preceitos da Organização das Nações Unidas.

A extinção do SEF pode e deve correr bem, porque não haverá nenhum vazio legal no diploma que saiu

desta Casa, garantindo-se: por um lado, a proteção das fronteiras; por outro lado, o combate ao crime e tráfico

de seres humanos; e, por último, a salvaguarda dos direitos por uma entidade administrativa no cumprimento,

repito, daquilo que é instituído pelas Nações Unidas.

A extinção do SEF pode e deve correr bem, porque acreditamos e confiamos que a PSP, a GNR, a Polícia

Judiciária e a APMA estarão à altura do desafio. Nós não desconfiamos da falta de competências da PSP, da

GNR, da PJ, como faz o Chega.

Protestos do Deputado do CH Pedro Pinto.

Aliás, para o Chega bastava ter uma máquina que detetasse, nas pessoas: iPhones, e elas saíam por um

lado; valor no bolso ou conta bancária, e saíam por outro; cor de pele, e iam para outro sítio. Isso bastaria! Por

isso, nem percebo a dificuldade das competências para uma máquina dessas.

Nós sabemos que levar a sério uma política de acolhimento de pessoas tem uma exigência que pode e

deve correr bem. Mas, Sr.ª Ministra e Sr. Ministro, se não correr bem, o mandato que o Bloco de Esquerda deu

quando votou a favor da lei para a extinção do SEF, para a criação da Agência Portuguesa para as Migrações

e Asilo e a segmentação das competências policiais do SEF entre PSP, GNR e PJ será também motivo para

cobrarmos ao Governo o que correr mal. Por isso, com toda a frontalidade, digo: têm a confiança para que

tudo corra bem, mas não perdoaremos se este processo não for bem feito.

Aplausos do BE.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Voltaram a namorar!

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A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Para que efeito, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, é para fazer uma intervenção.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Obrigada, Sr. Presidente.

Disponho apenas de 1 minuto, mas farei bom uso dele.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Está no seu direito, Sr.ª Deputada.

Tem a palavra.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados:

Não posso deixar de dizer que este adiamento só surpreende quem possa ter andado distraído, pois foi um

processo mais do que atabalhoado, foi mal conduzido, e não posso deixar de discordar da Sr.ª Deputada

Susana Amador quando diz, e passo a citá-la, que esta foi «uma reforma pensada». Ora, numa reforma que,

infelizmente, teve como pontapé de saída um episódio mais do que trágico e lamentável, que foi o da morte do

cidadão ucraniano Ihor Homeniuk às mãos de uma entidade pública, de facto, nada disto poderia estar

pensado.

Esta reestruturação, que o PAN defende, tem de acontecer de forma a garantir que não se perde o know-

how desta entidade, que é absolutamente fundamental, nomeadamente em matéria de combate ao tráfico de

seres humanos. Mas tem de ser feita de forma participada, que foi o que não aconteceu.

Sr. Ministro, já aqui foram mencionados os trabalhadores, nomeadamente os 1700 que ainda não sabem o

que lhes vai acontecer, e, em nosso entender, é fundamental que as instituições e os próprios representantes

dos trabalhadores sejam ouvidos, algo que não aconteceu com o seu antecessor. Por isso, Sr. Ministro,

pedimos que haja, de facto, esta auscultação.

Mas, porque o SEF também tem um papel importante no que diz respeito ao combate ao tráfico de seres

humanos e porque nos dissociamos da posição do Chega, para quem há portugueses de bem e também há

refugiados de primeira e de segunda, não podemos deixar de destacar o mérito da criação de plataformas

como Portugal for Ukraine ou SEF for Ukraine, que constituem portas de entrada mais céleres e eficazes para

os refugiados, lembrando ainda que as crianças sírias e afegãs podem e devem ser igualmente acolhidas pelo

nosso País.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Tem de terminar, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Estou mesmo a concluir, Sr. Presidente.

Portanto, são precisas medidas iguais para pessoas iguais, sem qualquer discriminação.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Para a intervenção de encerramento do debate, tem a palavra o Sr.

Ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, que dispõe de 2 minutos para o efeito.

Faça favor, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Permitam-me que,

em primeiro lugar, deixe ficar uma nota sobre a vontade que aqui verifiquei de cooperação e de contributo de

todos para que este processo seja tranquilo, sereno e suscite a confiança dos atores.

Em segundo lugar, queria lembrar este Parlamento de que, em 1955, tínhamos 25 000 portugueses em

França e, em 1975, já tínhamos 750 000. Muitos foram irregularmente e sem documentos, o que não lhes

retirou a dignidade nem o direito a uma vida digna, que viesse a contribuir para a vida desse país.

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Aplausos do PS.

Apelo ao Parlamento para que tenha também em consideração o Regulamento da União Europeia, de 4 de

dezembro de 2019, que estabelece uma transformação da visão da própria União Europeia relativamente à

necessidade de fortalecer, no plano policial, as fronteiras e de garantir uma maior eficácia e eficiência na

gestão integrada das fronteiras externas da União Europeia, ao mesmo tempo que assume uma visão de

transformar as condições de acolhimento e de integração dos migrantes.

Esse é o caminho que estamos a fazer e para o qual todos devem concorrer, porque é precisamente por se

fazer um diagnóstico de algumas insuficiências no sistema de segurança interna que esta reforma é tão

importante para salvaguardar os valores humanitários e, simultaneamente, robustecer as condições de

segurança e de gestão de fronteiras do nosso País e assumirmos plenamente os compromissos

internacionais.

Termino com uma palavra de compreensão e de diálogo, que aqui quero reiterar: queremos que este

diálogo não seja apenas com os grupos parlamentares, mas que seja também com os sindicatos, com as

forças representativas dos trabalhadores, dos funcionários do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. Como aqui

foi dito, há um acervo de conhecimento que agora, naturalmente, tem de ser valorizado e integrado numa nova

arquitetura institucional, tendo em vista garantir que esta transição ocorre como todos desejamos, de forma

segura, serena, tranquila e com confiança no Estado de direito democrático.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Chega, assim, ao fim este debate.

Srs. Deputados, peço agora a vossa atenção para duas comunicações que a Sr.ª Secretária Maria da Luz

Rosinha irá fazer à Câmara.

A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, passo a anunciar que deu

entrada na Mesa, e foi admitido, o Projeto de Deliberação n.º 2/XV/1.ª (PAR).

Incumbe-me igualmente dar conta de que os Srs. Deputados Miguel Cabrita, do Partido Socialista, e Inês

Barroso, do Partido Social Democrata, assistiram aos trabalhos por videoconferência, em virtude de se

encontrarem em confinamento.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Finalmente, sobre a agenda da reunião plenária para amanhã, dia 28 de

abril, resta-me informar que a sessão começará às 15 horas, com o início da discussão, na generalidade, da

Proposta de Lei n.º 4/XV/1.ª (GOV) — Aprova o Orçamento do Estado para 2022.

Despeço-me do Governo e agradeço a presença das Sr.as Deputadas e dos Srs. Deputados.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 14 minutos.

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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