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I SÉRIE — NÚMERO 19

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da opção aparentemente livre, revelam uma situação de dependência ou mesmo de desespero económico que

empurram para esta via.

Há, por isso, neste tema, pelo menos três visões possíveis que se têm consolidado entre nós. Em primeiro

lugar, aqueles que defendem mais incriminação, alargando-a a quem recorre a estas práticas, o que rejeitamos

categoricamente; em segundo lugar, aqueles que defendem a descriminalização do lenocínio sem coação; e,

em terceiro lugar, aqueles que defendem a efetiva regulamentação da atividade.

Há, para nós, dois pontos essenciais: não podemos aceitar que se olhe para as mulheres e homens que se

dedicam a esta atividade como praticando comportamentos sexuais desviantes e temos de ponderar a melhor

forma de responder às questões de saúde pública e de proteção social de quem se prostitui.

Reconhecemos que, aqui, a regulamentação da atividade poderia dar uma resposta satisfatória: serviria

como uma forma de promover a saúde de quem se prostitui e de incentivar práticas seguras na realização da

atividade sexual, mas asseguraria também a adequada proteção social a quem se dedica à atividade, permitindo

a sua integração nos sistemas públicos de segurança social e de saúde.

Ao incriminarmos as condutas relacionadas com o aproveitamento de terceiros, a verdade é que se está

também a qualificar a atividade destes profissionais como algo de indesejável e que deve ser eliminado da

sociedade. Como já foi dito, e socorrendo-me, novamente, da pena de Inês Ferreira Leite, ao envolver o exercício

da prostituição numa redoma de clandestinidade, incriminando todas as esferas de contacto com a mesma, o

direito promove um efeito de contaminação de ilicitude, que, embora aparente deixar de fora a própria pessoa

que se prostitui, acaba por se estender a esta, marcando-a com os seus efeitos de exclusão da sociedade.

É conhecida, também, a evolução da posição do Tribunal Constitucional sobre esta matéria. O Acórdão do

Tribunal Constitucional n.º 134/2020, que se pronunciou pela inconstitucionalidade da criminalização do

lenocínio simples, afirma muito claramente que «a vigente norma incriminatória restringe um direito (à liberdade)

em nome de um outro (à liberdade sexual) que pode plausivelmente não ter sido colocado em perigo concreto

e até ter sido livremente exercido pelo seu titular, circunstância em que não há, portanto, carência de tutela

penal».

Julgo que há um ponto em que todas estas diferentes visões se podem encontrar: o de termos um novo

paradigma, centrado na proteção das pessoas que exercem esta atividade. É que, neste caso, estão mesmo

em causa direitos humanos.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do PAN.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por cumprimentar não só os peticionários, mas também as representantes das várias associações de direitos das mulheres, que nos

acompanham hoje, e saudá-las pelo trabalho que têm feito na defesa intransigente dos seus direitos.

A petição que nos é trazida convoca-nos para um tema complexo de direitos humanos, de dignidade humana,

sobretudo na dimensão estruturante da prostituição, quando falamos da maioria destas mulheres, que se

encontram em condição de vulnerabilidade social, nomeadamente em situação de pobreza.

Bem sabemos que existem pessoas que estão na prostituição por vontade própria, mas também não

podemos ignorar aquilo que nos dizem, de forma gritante, os números e o retrato da prostituição e da pobreza

no nosso País, que continua a ter um rosto maioritariamente feminino, um rosto de pobreza, com dependentes

familiares a seu cargo.

É por isso mesmo que as respostas que o nosso ordenamento jurídico deve dar não podem ser respostas

precipitadas, que fiquem num caminho entre o tudo e o nada, entre a regulamentação e o abolicionismo, quando,

entre estes dois caminhos, existe um meio caminho de consenso, que pode e deve ser feito, nomeadamente

com os programas de proteção social, quer do ponto de vista do acesso à habitação e à saúde, quer do ponto

de vista dos programas EXIT, que o PAN já apresentou, em sede de Orçamento do Estado, e nesta Assembleia

da República.

Estamos a falar de uma dimensão do valor da vida e por isso não podemos acompanhar, de forma alguma,

a despenalização do lenocínio, porque jamais poderemos concordar que alguém lucre à conta do corpo e do

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