O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

4 DE JUNHO DE 2022

31

Depois, temos um problema que, diria, é o mais complexo de todos, que é o da geolocalização. Esses são

os dados que dificilmente constarão do que é consentido na utilização das bases de dados que estão

disponíveis junto das operadoras e para os quais já temos, atualmente, na legislação sobre cibercrime, forma

de garantir o seu acesso.

Também é importante, e é o ponto que há pouco referia, que se harmonize a intervenção legislativa que

viermos a fazer não apenas em relação aos diplomas que estão nas várias propostas e projetos, mas também

em relação a outras matérias que se entrecruzam com estas.

Refiro-me, designadamente, à lei das comunicações eletrónicas, a Lei n.º 41/2004, que até está neste

momento em discussão na Assembleia da República e cujo debate, paralelo com este, é especialmente

importante, garantindo que ficam harmonizadas as soluções. Assim, deve ser verificada nessa sede se fica ou

não dependente da faturação do cliente e dos seus consentimentos, se fica ou não dependente de elencos de

dados que podem não ser necessariamente os mesmos.

Refiro-me também à lei do cibercrime, a Lei n.º 109/2009, que também ela já contempla um conjunto

significativo de autorizações de acesso a dados daqueles que estamos aqui a discutir. Era fundamental que as

duas ficassem harmonizadas, quer em termos de procedimento, quer em termos de identificação dos dados,

quer em termos dos crimes que devem ser investigados.

A ponderação da gravidade dos crimes é mesmo o ponto que talvez tenha ficado um pouco ausente deste

debate, mas que é fundamental. Foi, aliás, referido numa troca de esclarecimentos há instantes. De facto, não

é o mesmo estarmos a tratar de crimes de terrorismo ou de rapto, em que é indispensável poder aceder

rapidamente a dados de geolocalização para prevenir até a prática de ilícitos que já estão em curso, e de

crimes como a burla ou a contrafação, os quais reconhecemos que têm gravidade, mas que obviamente não é

comparável ao nível de pôr em perigo a vida e a segurança de cidadãs e cidadãos nossos ou de outros

Estados da União Europeia. Portanto, essa diferenciação também tem de ocorrer.

Há uma proposta do PSD — e aqui chegamos a alguma discordância — que não podemos, infelizmente,

acompanhar de forma alguma. Não podemos olhar para a norma transitória como uma forma de tapar ou

contornar um problema criado pelo acórdão do Tribunal Constitucional. O acórdão é claro: só uma entidade,

na nossa ordem jurídica portuguesa, é que pode proceder à restrição de efeitos. É o Tribunal Constitucional e

não o fez.

Aliás, é importante que este debate sublinhe uma matéria: o nosso Código de Processo Penal é algo

equívoco quanto às possibilidades de revisão de sentença nalgumas circunstâncias em que há declarações de

inconstitucionalidade.

Há quem interprete que pode ser feita fora do quadro de uma intervenção do Tribunal Constitucional e, na

verdade, isso seria uma solução inconstitucional que transferia para o Supremo Tribunal de Justiça uma

competência que, nos termos da Constituição, só o Tribunal Constitucional é que deve assumir. Se calhar,

deveríamos ponderar até revisitar o Código de Processo Penal nesse ponto para garantir harmonização entre

quem é que, na ordem jurídica portuguesa, pode restringir efeitos de uma inconstitucionalidade.

Chegados aqui, penso que o Sr. Deputado Paulo Mota Pinto deu nota, e apelo a alguma calma nos

trabalhos que se seguem, de um espírito de consenso que vamos alcançar em sede de especialidade. É ótimo

que o PSD já tenha um texto de substituição pronto — e até podia tê-lo trazido a este debate e, assim,

tínhamos conversado sobre ele —, mas o que penso é que é fundamental que na 1.ª Comissão seja

constituído um grupo de trabalho para se debruçar sobre estas iniciativas e que, dentro de um calendário que

não deve superar o encerramento dos trabalhos, em julho, permita à Assembleia da República remeter ao

Presidente da República uma solução clara, pois o Sr. Presidente já anunciou que tenciona enviar a lei para o

Tribunal Constitucional para que não subsistam dúvidas.

Já tive oportunidade de dizer que, se calhar, olhar, antes, para o que viermos a produzir pode até permitir

que o Presidente não tenha dúvidas, mas compreendo que, sendo um tema tão sensível na comunidade, uma

intervenção do tribunal, que seja um tira-teimas inicial, até possa ser útil para gerar alguma segurança jurídica.

Terminava, recordando uma frase que, muitas vezes, ou é mal citada ou é atribuída ao autor errado, mas

que é muito importante para aquilo que aqui estamos a fazer, a famosa frase de Benjamin Franklin em que ele

dizia que «aqueles que sacrificam liberdades essenciais para adquirir segurança temporária muitas vezes não

merecem nem a liberdade, nem a segurança». Ora, esta frase tem mais nuances do que aparenta, porque ele

refere liberdades essenciais e fala de segurança temporária, ou seja, há aqui elementos que precisam de ser

Páginas Relacionadas
Página 0035:
4 DE JUNHO DE 2022 35 investigação europeus, coordenando o Grupo de Genética do Can
Pág.Página 35
Página 0036:
I SÉRIE — NÚMERO 21 36 Nos alvores da democracia portuguesa, João Gomes Alve
Pág.Página 36